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Gostaria de agradecer pela oportunidade de participar do evento para

contribuir nas reflexões neste “Encontro de Alto Nível sobre os desafios para a
Conquista de um Brasil Sustentável: pensando na cooperação Sul-Sul”.
A promoção de oportunidades de emprego decentes e a proteção social
são duas bases fundamentais de uma abordagem centrada no ser humano
para um mundo do trabalho que respeite as aspirações das pessoas, além de
ser a base para um crescimento inclusivo, sustentável e calcado na justiça
social. Esses dois conceitos estão intimamente ligados: a promoção de
empregos decentes é fundamental para garantir sistemas de segurança social
sustentáveis e vice-versa.
Nos últimos anos, temos testemunhado uma nova mudança no modelo
de gestão empresarial e da força de trabalho, mediante a subversão do
paradigma tradicional da conformação da empresa e do trabalho, agora
radicado na premissa de labor independente fomentado por meio de
plataformas virtuais gerenciadas por empresas que atuam como meras
intermediadoras da relação estabelecida entre o consumidor e o prestador de
serviços autônomo, sem assunção de responsabilidade pelos riscos do
negócio.
Adrian Todolí-Signes aponta que, na última década, o avanço da
tecnologia de informação e comunicação – ao possibilitar a redução dos custos
da transação a níveis quase nulos – tem provocado profundas alterações
sociais, posto que os modelos tradicionais de emprego e as estruturas laborais
estão sendo cada vez mais desmanteladas.
Nesse aspecto, chama atenção o autor para o surgimento de um novo
modelo de prestação de serviço, que seria desterritorializado, o que tem
alterado substancialmente a forma da organização empresarial, a partir do
advento da chamada economia sob demanda ou colaborativa, ao tornar a
figura do trabalhador subordinado cada vez menos necessária.
Ante as transformações provocadas pelo advento da “economia sob
demanda”, começaram a surgir, em especial, na literatura estrangeira as
primeiras preocupações sobre quais os verdadeiros impactos decorrentes
desse fenômeno sobre o trabalhador e seu real status jurídico em relação aos
institutos normativos previdenciários tradicionais, assim como tem-se debatido
a necessidade de regulação específica por parte dos Estados de condições
mínimas a esses trabalhadores. A preocupação apresentada, de fato, se
justifica ante o exponencial crescimento dos quase 448 milhões de residentes
na União Europeia, 17,6 milhões residem ou trabalham num Estado-Membro
diferente daquele onde nasceram. Quase 1,3 milhão de membros da União
Europeia trabalham em um país diferente daquele em que residem.
Além disso, um número crescente de trabalhadores pode ser
classificado como de alta mobilidade porque combinam uma variedade de
empregos (contratos de plantão, trabalho temporário, trabalho de plataforma,
teletrabalho), muitas vezes com natureza irregular, e realizados em vários
Estados-Membros.
Ao combinar os vários programas nacionais de segurança social, a
legislação da União Europeia em matéria de previdência social visa
proporcionar aos indivíduos que trabalham internacionalmente uma sensação
de proteção.
Podemos citar o sistema de coordenação da União Europeia, codificado
nos Regulamentos 883/20045 e 987/2009, que oferecem regras para
solucionar conflitos na aplicação de apenas um regime de previdência social,
independentemente da natureza da atividade ou do local de residência da
pessoa na União Europeia. Normalmente, aplica-se legislação do local de onde
a pessoa trabalha. Infelizmente, porém esses tipos modernos de emprego
tornam difícil identificar o país de emprego e, consequentemente, o estado
apropriado para a proteção da seguridade social.
Enquanto novos horizontes se abrem pela evolução das formas e
padrões de trabalho, as normas de conflito são postas à prova.
Nesses termos, evidencia-se que a atual modalidade de gerenciamento
da força de trabalho, agora arregimentada por meio de plataformas digitais,
reverbera antigos problemas vivenciados no mundo do trabalho, em que pese,
em verdade, não os ter criado, mas agora, por certo, os eleva a níveis jamais
vistos, ao cruzar as fronteiras transnacionais, permitindo que o trabalho se
desenvolva em qualquer lugar no mundo, bastando a existência de conexão
por meio da internet, sem que haja qualquer regulação protetiva ao trabalhador,
que assume feição quase anônima, espraiado no meio da multidão, vendendo
sua força de trabalho a preços módicos ante a concorrência no mercado global
de trabalho e se expondo a riscos sociais que não estão segurados.
As considerações feitas por Antônio Baylos quanto as implicações da
era global sobre os direitos sociais no mundo atual, não poderiam ser mais
atuais para desvelar os problemas que ora se apresentam. A economia “sob
demanda” conduz ao extremo a noção de internacionalização do mercado de
trabalho, posto que qualquer pessoa, em qualquer área geográfica do mundo
poderá se vincular a uma tarefa, sem gerar fluxo migratório, em que pese se
aprofundar a dualidade social representada pela desigualdade de riqueza e
acumulação frente a pobreza e a miséria a que está fadado ao trabalhador,
cada vez mais explorado, ante a falta de regulação do seu trabalho, em
espécie de pré-história jurídica em matéria previdenciária.
A partir das breves exposições aqui apresentadas, já é possível
vislumbrar os perversos efeitos jurídicos e sociais deflagrados por essas novas
modalidades de apropriação de trabalho e seus impactos previdenciários.
Ademais, considerando que a prestação de serviços por meio das plataformas
digitais rompe com os limites das fronteiras nacionais, ao colocar em contato
grande número de pessoas e organizações, em bases globais, conectados por
meio da internet, o estudo da questão tem aderência a essa linha de pesquisa,
pois buscará analisar como os Estados têm enfrentado a questão para fins de
proteção dos direitos previdenciários dos cidadãos.

As novas modificações no paradigma organizativo da empresa e a


intermediação de mão de obra acarretam efeitos jurídicos e sociais severos no
âmbito previdenciário, nesse sentido, potencializa-se a minimização ou
desaparecimento do risco empresarial assim como promove-se a expansão do
trabalho para além de fronteiras transnacionais com reflexos diretos sobre o
trabalho tradicional no âmbito concorrencial. Do ponto de vista coletivo, ante a
heterogeneidade da mão de obra que se ativa nessa modalidade de trabalho,
promove-se verdadeira destruição da identidade ocupacional dos
trabalhadores, o que a dificulta a ação coletiva dos trabalhadores envolvidos.

Se, inicialmente, se poderia pensar que a questão estaria alheia ao


enquadramento jurídico-previdenciário ante a propalada liberdade e autonomia
com que os trabalhadores prestam serviços perante as plataformas digitais ou
para empresas desterritorializadas, certo é que, a partir de análise detida sobre
a forma como se desenvolve o trabalho, é possível constatar que, em verdade,
as referidas ferramentas tecnológicas se valem apenas de novos e
sofisticados mecanismos para aumentar a mercantilização da força de trabalho,
e por conseguinte, escapar do alcance do Direito Previdenciário.
Via de regra, o acesso aos benefícios de longa duração exige um tempo
mínimo de contribuição que é de 15 anos. O objetivo dos acordos
internacionais sobre seguridade social é incentivar a cooperação entre os
Estados para que os trabalhadores migrantes possam aceder a prestações
deste tipo, recuperarem a sua condição de segurado quando esta exigência
surge durante um evento de sinistro social, ou mesmo recebam prestações
quando deixam de estar no país quando as condições forem efetivadas.
Nas últimas décadas, os Estados têm se esforçado para, através de
acordos internacionais, enfrentarem a dificuldade de acesso aos benefícios
para trabalhadores ou seus dependentes, totalizando ou calculando a média
das contribuições de previdência de todos os países que fazem parte do
acordo para determinar o período mínimo de acesso aos benefícios. Cada
convênio escolhe o seu próprio método de cálculo do rendimento do benefício,
geralmente calculado proporcionalmente, cabendo a cada país participante o
recolhimento proporcional ao valor que foi repassado ao seu próprio regime de
previdência.
No caso das novas formas de trabalho, mediadas pela tecnologia, os
Estados ainda permanecem inertes para verificar as possibilidades de proteção
previdenciária, ao mesmo tempo que recebem milhares de trabalhadores em
situação irregular, o que torna esse tema de principal relevância nas agendas
de discussão sobre direitos sociais e sustentabilidade.
Gostaria de pontuar essa fala para trazer à tona um debate sobre a
Corte Interamericana de Direitos Humanos, nosso Tribunal Regional na
América, que no dia 20 de julho de 2021 emitiu a Opinião Consultiva n. 27/2021
acerca dos efeitos sobre as condições de trabalho, a igualdade de gênero e o
uso de novas tecnologias. No bojo dessa Opinião Consultiva, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, abriu na América, um espaço para
discussão dos efeitos deletérios dessas novas formas de trabalho mediadas
pela tecnologia.
Em especial, em cotejo com o caso Lagos del Campo Vs. Peru, que
tornou-se o principal precedente na discussão da justiciabilidade dos direitos
sociais de forma autônoma, a partir do art. 26 da CADH que trata,
especificamente, da obrigação de desenvolvimento progressivo, na qual “os
Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito
interno como mediante cooperação internacional, especialmente
econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena
efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e
sobre educação, ciência e cultura.”
Intervenções voltadas exclusivamente para a promoção da criação de
emprego decente ou seguridade social, sem levar em conta as implicações
para o outro, podem ter efeitos adversos sobre o objetivo de alcançar a justiça
social e o crescimento sustentável. Um sistema de seguridade social que não
cobre todos os membros da sociedade pode minar a demanda agregada e
dificultar a criação de oportunidades de emprego de alta qualidade. Por outro
lado, um maior número de oportunidades de emprego digno numa economia
pode contribuir para uma base de financiamento mais estável dos sistemas de
segurança social através de impostos e contribuições, garantindo a sua
sustentabilidade. Além disso, quando os indivíduos se sentem mais seguros, é
mais provável que busquem oportunidades de crescimento pessoal, como
reciclagem ou busca de melhores empregos, o que tem efeitos positivos tanto
para o indivíduo quanto para a economia e a sociedade em geral.
Felizmente, esse é um primeiro passo em reconhecer que os Tribunais
têm um papel primordial na proteção dos trabalhadores, mas precisamos
ampliar os debates e buscar proteção junto aos legisladores e aos governos
dos diversos países na proteção dos direitos previdenciários de alta
mobilidade.

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