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TEMPOS DE AMAZONIZAÇÃO
Introdução
Desenvolvimento
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Segundo Biavaschi (2016, p. 78), “Antes da proclamação da República, no período pré-abolição, houve
tentativa de o Estado coordenar o processo de integração de uma categoria de trabalhadores que se formava: os
escravos em processo de alforria e os alforriados, negros libertos que, pela via dos pleitos judiciais [...]. Também
alguns Códigos de Posturas Municipais, anteriores à Lei Áurea, adotaram regramentos para serviços de creados,
porém de forma embrionária e bastante precária [...]”.
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Este neologismo foi inventado nos EUA em referência a empresa Amazon e representa a substituição do
comércio tradicional por transações digitais, resultando em novos hábitos de consumo e relações com as
empresas e destas com seus “colaboradores” (funcionários sem vínculos empregatícios).
A aquarela cantada no samba-enredo da verde-rosa no ano de 1988, na conjuntura das
lutas sociais por dignidade humana e conquistas trabalhistas, culminando na Constituição de
1988, é o retrato da modernização conservadora (MOORE JR, 1975) – modelo centrado no
pacto político no interior do Estado entre burguesia industrial e oligarquia rural. Sem
promover rupturas violentas, a modernização mistificou as raízes dos problemas sociais, cujas
origens são pré-modernas e, posteriormente, ligaram-se a inserção do país às lógicas liberal e
neoliberal.3
A paisagem neoliberal, enquanto “sistema normativo [...] estendendo a [sua] lógica a
todas as relações sociais e a todas as esferas da vida” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 7) do
novo velho século XXI, é herdeira das nuances matizadoras retratadas na aquarela.
Subversões de paradigmas e redefinições axiológicas prometem “formar” um novo homem –
mas, no processo conduzem à loucura e ao esgotamento, seja na busca sôfrega por bens de
consumo ou devorados pela loucura dos resultados (sucesso e metas); em ambos os casos o
homem/trabalhador é induzido a malabarismos que lhes permitam sobreviver na selva
selvagem do capitalismo.
A reforma trabalhista em vigência desde 2017 – materializada na Lei n. 13.467/2017,
que modifica 201 pontos da CLT; e na lei n. 13.429/2017, que liberaliza a terceirização –
além de ampliarem o contrato temporário e o processo de flexibilização das relações de
trabalho, operaram uma “refundação” da sua regulação, reduzindo a proteção dos
trabalhadores frente a exploração de seus patrões, bem como, submete-os as oscilações da
economia global.
A contrarreforma, como afirma Krein (2018, p. 99), “reforça a ideia de que os
interesses privados prevalecem sobre direitos consagrados e a própria noção de justiça [...]” e,
amparado em Polanyi (2000), o autor reforça que “trata-se não da defesa do progresso social
de justiça econômica, mas do progresso social de justiça privada e seletiva, dando para a
legislação reguladora um aspecto de ineficiência.”
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Biavaschi (2007; 2016) contribui para o entendimento deste processo ao trazer à baila a obra Casa-grande &
Senzala de Gilberto Freire. A atora desvela que os traumas da escravidão, com suas rupturas e continuidades,
manifestam-se nas contrarreformas trabalhistas, como no PL n. 3/2015 que regula a terceirização e introduz a
supremacia do negociado sobre o legislado, mitigando direitos trabalhistas. A mentalidade autocrática da elite
nacional, com seu sadismo e masoquismo – expressa nos refrãos do Rappa “A carne mais barata no mercado / É
a carne negra” e “Todo Camburão tem um pouco de Navio Negreiro” – tencionam para impor sua lógica
produtivista sobre a sociedade. O que corrobora a ideia de que o Estado é um campo de contradições, espaço
tanto de conquistas como de privação de direitos, corroborando a tese de Poulantzas (1990) que o Estado é uma
relação condensada de forças entre classes e frações de classe.
.
Ao empregado cabe tornar-se um ser accountable (responsável) pelas suas conquistas,
são homens livres para empreenderem. Eis a fórmula jurídica da contrarreforma neoliberal, se
“nem os meios de produção lhes pertencem, [...] estando, pelo contrário, livres, soltos e
desprovidos deles [agora eles estão flexíveis]. Com essa polarização do mercado estão dadas
as condições fundamentais da produção capitalista.” (MARX, 2013, p. 786).
Sob escaramuças, o neoliberalismo oculta/mascara as senzalas e galés de uma espécie
de “servidão voluntária” (LA BOÉTIE, 1982) no século XXI, dissimulando em
contrarreformas a privação da liberdade com a falsa liberdade de escolha ou a livre iniciativa.
Os indivíduos reificados, pela concorrência e individualismo, passam a imaginar-se
empreendedores em um novo mundo, ilusoriamente exuberante.
E no adensamento do trabalho – na amazonização e uberização4 do trabalhador – os
indivíduos são coagidos a agirem como seres mecânicos, autômatos e inumanos. A lógica da
mercantilização da força de trabalho presente na contrarreforma também avança na
monetarização da vida cotidiana dos trabalhadores hiperconectados. A vida e o trabalho são
“manipulados” por ritmos e/ou habitus subsumidos a tecnologia em prol do capital – controle
virtual, algoritmos e regulação, mineração de dados e big data –, como se este detivesse o
controle sobre suas existências, “transformando o trabalho cada vez mais em um ‘labor’, e
não ‘opus’” (KREIN, 2018, p. 78)5.
No mundo pontocom da era digital emerge um novo arcana imperii: o GAFA
(acrônimo de Google, Amazon, Facebook e Apple) cuja economia virtual tem empreendido
uma revolução em múltiplos campos, da tecnologia às finanças, da educação à saúde,
resultando em novos processos de estranhamento e reificação do trabalhador, conceituado na
era digital como ser on-line (conectado) ou off-line (desconectado – anátemas de uma era
digital).
Com a internet das coisas (IoT – Internet of Things) o indivíduo se conecta a
dispositivos eletrônicos que compartilham informações com ele, com aplicativos baseados em
nuvem e entre si. Dispositivos portáteis para aplicações vestíveis (wearables) coletam dados
sobre seus usuários – requisitos de condicionamento físico, saúde e entretenimento, por
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Neologismo relacionado ao modelo de funcionamento da empresa Uber com seu regime de trabalho que passou
a organizar e remunerar a força de trabalho em espaços supranacionais, falseando a fragmentação,
individualização e intensificação do trabalho mediante o slogan do empreendedorismo, com as novas tecnologias
da informação e comunicação. (POCHMANN, 2017).
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Segundo Krein (2018, p. 78), o “’Labor’ é utilizado para se referir ao trabalho como uma atividade que exige
muito do trabalhador, colocando-o em uma condição de maior vulnerabilidade e insegurança. Assim, a tensão
permanente por emprego e por renda tendem a desgastar profundamente o trabalhador, transformando a
atividade em busca da renda em algo árduo e pesado.” Já o “’Opus’, em contraposição ao ‘labor’, seria a busca,
por meio do trabalho, da realização humana e da dignidade.”
exemplo. (MAGRANI, 2018). Mas, na relação indivíduo e dispositivo, pode-se indagar: quem
é o objeto na conexão, ou seja, quem é a extensão?
A Amazon, seguindo os parâmetros estabelecidos nos aplicativos vestíveis, tem
microgerenciado o desempenho de seus “colaboradores” – funcionários e contratados – ao
ponto de lançar severas dúvidas sobre “quem controla quem”, na relação dispositivos e
“colaboradores”. No domínio dos canais de distribuição da Amazon, se um funcionário
estiver atrasado, ele receberá uma mensagem de texto recordando das metas a serem
alcançadas e das consequências do insucesso. (GOLUMBIA, 2015).
No ano de 2013 a BBC realizou uma investigação jornalística no armazém da Amazon
em Swansea, Reino Unido. O jornalista, infiltrado na equipe de “selecionadores”, escreveu à
época: nós, trabalhadores, somos "máquinas, somos robôs, conectamos nosso scanner,
estamos segurando-o, mas podemos também conectá-lo a nós mesmos", e que “Não pensamos
por nós mesmos, talvez eles não confiem que pensemos por nós mesmos como seres
humanos, não sei”. (Panorama da BBC, 2013. In: GOLUMBIA, 2015)
Imbuída desse espírito que confunde as relações de trabalho, bem como, a relação
homem e máquina em uma coisificação do humano, a Amazon tem ampliado suas ações
financeiro-comerciais na conjuntura da pandemia global de Covid-19. Ambiente propício para
consolidar a “peste” da amazonização, ampliando sua participação econômica mediante a
utilização de plataformas digitais, em vista das diretrizes de isolamento social.
Eis que, nesse mundo cindido o poder das organizações, como o GAFA, na sociedade
da revolução digital incide sobre a vida dos indivíduos tornando porosa a separação entre vida
pessoal e profissional – trabalhadores, em vista da falta de regulação que freie o avanço da
economia digital, veem-se “manipulados” por mecanismos de vigilância e controle que
subsomem o trabalho, cada vez mais, as diretrizes do mercado.
Considerações Finais
REFERÊNCIAS