Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
mundo do
trabalho
BOLETIM 17
SETEMBRO 2005
SUMÁRIO
PROPOSTA PEDAGÓGICA
EDUCAÇÃO E O MUNDO DO TRABALHO ......................................................................................................... 03
Sonia Maria Portella Kruppa
PGM 1
EDUCAÇÃO E TRABALHO NA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO
Desenvolvimento, trabalho e educação de jovens e adultos ................................................................... 07
Sonia Maria Portella Kruppa
PGM 2
EDUCAÇÃO E TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS SUJEITOS SOCIAIS
Educação e trabalho na perspectiva dos sujeitos sociais: empresários, trabalhadores e Governo .................. 16
Sonia Maria Portella Kruppa
PGM 3
EDUCAÇÃO E TRABALHO NA PERSPECTIVA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA
A economia solidária como ato pedagógico ................................................................................................... 23
Paul Singer
PGM 4
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – POSSIBILIDADES E DESAFIOS PRESENTES .............................. 36
Sonia Maria Portella Kruppa
PGM 5
TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
O trabalho como princípio educativo .............................................................................................................. 42
Maria Ciavatta
É pelo trabalho que os seres humanos transformam a natureza em meios de vida. Mas não fazem
isso apenas de forma repetitiva. Ao transformar a natureza, homens e mulheres acumulam
conhecimentos que, simultaneamente, mudam sua forma de produzir os meios de sua própria vida e
sua relação com a natureza.
A educação, entendida como troca e diálogo entre e inter gerações, garante que homens e mulheres
retransmitam esses conhecimentos uns aos outros. Com a constituição da escola, espaço destinado à
transmissão de saberes, ficam estabelecidas possibilidades de vinculação entre a educação escolar e
o mundo do trabalho.
Ao longo de sua história, a escola tem assumido diferentes papéis, em relação ao mundo do
trabalho, desde ser uma simples fornecedora de mão-de-obra adestrada a se tornar um espaço
destinado à educação integral, ou, ainda, atendendo à montagem de um sistema dual de formação: o
ensino profissionalizante aos menos favorecidos e o propedêutico às elites.
Parte constitutiva do processo em que tem início o capitalismo são as chamadas Revoluções
Industriais e as mudanças tecnológicas que alteram radicalmente a forma e a produtividade do
trabalho. Assim a primeira, no final do século XVIII, na Inglaterra, com o tear mecânico e a
máquina a vapor que revolucionam a indústria têxtil, com a introdução da fábrica e do trabalho
assalariado e com as disputas em torno do papel da instrução pública que começa a se afirmar, vista
por alguns como forma de disciplinar o homem comum, convertendo-o ao trabalho assalariado. Já
no início do século XX, a segunda Revolução Industrial nos Estados Unidos, com a eletromecânica
e o motor a explosão que generalizam a produção em série, introduzindo a linha de montagem e a
separação da gerência da execução, mas trazendo consigo, em contrapartida, a possibilidade de
fortalecimento da organização dos trabalhadores pelo movimento sindical e do pleno emprego, com
a conquista dos chamados direitos trabalhistas.
A profissionalização pela escola é vista como caminho ao emprego, em especial, para as populações
trabalhadoras. No Brasil, os anos 40 assistem ao início do SENAI, local público de qualificação
profissional, sob a ótica e gerenciamento empresarial. Por fim e ainda em curso nos países menos
desenvolvidos como o Brasil, a terceira Revolução Industrial, com berço no Japão e no último
quartel do século XX, introduz a informática, os sistemas integrados de produção computadorizada
e as telecomunicações, que trazem a produção flexível, a automação e a desterritorialização da
produção, causando a precarização do trabalho assalariado pelo descompasso entre o aumento da
produtividade do trabalho e o consumo. Se todas as Revoluções Industriais causaram desemprego
tecnológico, o impacto desta, ainda em curso, é incomparavelmente maior.
Esta série analisará a relação entre trabalho, educação e desenvolvimento, buscando abordar essa
relação sob diferentes pontos de vista.
Esses são os temas que serão debatidos na série Educação e o mundo do trabalho, que será
apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola, de 12 a 16 de setembro de 2005:
Neste terceiro programa, será aprofundado o conceito de Economia Solidária e serão debatidas as
exigências que essa forma de organização dos trabalhadores na produção traz à educação.
Neste quarto programa da série, serão debatidas as recentes propostas governamentais para a
qualificação profissional e as experiências de Educação de Jovens e Adultos, no campo e na cidade,
integradas à qualificação profissional.
Neste quinto programa, será debatida a permanência ou não da centralidade do trabalho como
princípio educativo frente à crise do mundo do trabalho, fechando a série com os desafios trazidos
pelo presente, marcado pelas profundas mudanças tecnológicas da terceira Revolução Industrial.
Bibliografia
Nota
Este texto baseia-se nas idéias de Celso Furtado, Paul Singer e Ladislau Dawbor, cujos textos
encontram-se indicados na bibliografia. Procura discutir: (1) a diferença entre crescimento e
desenvolvimento; (2) as definições de desenvolvimento capitalista e de desenvolvimento solidário;
(3) o que fazer para levar o desenvolvimento às comunidades pobres e (4) o papel da Educação de
Jovens e de Adultos (EJA) nesse processo. No enfrentamento ao desafio de construir o
desenvolvimento, as ações sugeridas neste texto propõem a participação integrada dos governos
locais, dos outros níveis de governos, de outras instituições da sociedade civil e das comunidades.
Depreende-se da fala de Celso Furtado que o desenvolvimento exige o enfrentamento das questões
sociais, da educação, do trabalho da distribuição de renda, entre outras. Crescimento tem um sentido
econômico de aumento da riqueza geral do país, mesmo que isto seja feito sem uma distribuição
mais justa dessa melhoria ao conjunto dos brasileiros. De fato, é de triste lembrança uma frase dos
anos 70, do então Ministro Delfim Neto, sobre os rumos que a economia apresentava: “primeiro é
preciso crescer o bolo, para depois, reparti-lo”. O que Furtado chama atenção é que esse bolo de
fato cresceu, mas não foi repartido.
Os consumidores, de modo geral, se beneficiam dele, tendo em vista que enseja a produção de
novos bens e serviços que satisfazem suas necessidades (reais ou fictícias), além de baratear a
maioria dos bens e serviços preexistentes, graças ao aumento da produtividade do trabalho. Mas o
desenvolvimento capitalista é seletivo, tanto social como geograficamente. Parte dos trabalhadores
Para Singer, a desigualdade gerada pelo capitalismo levou desde sempre a reações contrárias por
parte dos trabalhadores. Assim, a economia solidária surgiu historicamente como reação contra as
injustiças perpetradas pelos que impulsionam o desenvolvimento capitalista. Foi assim, desde a
primeira revolução industrial e continua sendo hoje, quando o mundo passa pela terceira. A
economia solidária tem como propósito tornar o desenvolvimento mais justo, repartindo seus
benefícios e prejuízos de forma mais igual e menos casual.
Para Singer, as comunidades pobres podem ser classificadas pelo seu grau de integração ao mercado
global. Há as excluídas desde há muito tempo e que vivem em economia de subsistência, de forma
quase auto-suficiente, como os remanescentes de quilombos, por exemplo. E há as recém-excluídas,
como o cinturão da “ferrugem” (a região do ABC, São Paulo, p. ex.) cujos moradores foram
empregados de indústrias, que encolheram ou desapareceram em função da abertura do mercado
interno e do progresso tecnológico. Estas últimas comunidades sobrevivem com rendas precárias,
nas formas de auxílio a desempregados e aposentadorias dos mais velhos. Enquanto as primeiras
Segundo Singer, desenvolver uma comunidade pobre é aumentar-lhe a renda com a qual possa
adquirir bens e serviços vendidos fora dela. Segundo ele, a única maneira não casual nem ilegal
duma comunidade pobre aumentar o dinheiro que seus membros ganham é vender para fora
mercadorias mais caras, em quantidades crescentes, sem que o seu preço caia (ao menos no curto
prazo).
1. É preciso que a comunidade encontre uma brecha de mercado que permita que seus membros
produzam algo que lhes proporcione ‘boa remuneração’. Esta brecha pode ser criada mediante (a)
acentuada melhora da qualidade de produtos tradicionais, (b) invenção de produtos novos ou
seminovos, (c) detecção de demanda nova ou em forte expansão por algo que a comunidade pode
vir a produzir, ou ainda (d) a aplicação de processos de produtividade mais elevada em atividades
antigas (para poder vender os seus produtos mais barato). Comunidades, principalmente no
Nordeste e Norte, desenvolveram carnavais fora de época, festivais religiosos, folguedos
tradicionais etc. que atraem grande número de visitantes, e com o que os visitantes gastam, as
pessoas dessas comunidades conseguem aumentar a sua renda monetária. Na medida em que esta
opção depende apenas de inventividade e capacidade administrativa, ela está sempre disponível.
Outras comunidades se desenvolvem à base dos chamados “arranjos produtivos locais”, que são
muito variados. A maioria dos produtos já tem a produção ou a distribuição concentrada em
determinadas localidades, o que torna arriscado tentar criar um novo arranjo produtivo local. Mas o
incessante progresso tecnológico cria novos produtos, alguns com demanda em rápida expansão.
São exemplos recentes o celular, o DVD, o patinete, o equipamento para surf, para pesca
2. É preciso que haja articulação produtiva dos recursos existentes. Daí a importância da
participação do poder público local. Esta articulação não se obtém por decreto, e sim através da
organização sistemática de programas de apoio, da criação de uma rede de sustentação das inúmeras
iniciativas locais que contribuem para dinamização do desenvolvimento. Certamente a população
organizada tem importante papel nesse sentido. Em localidade onde existe a prática de orçamentos
participativos é importante que a exigência dessa integração seja levada pela população aos
representantes do poder público local.
3. É preciso que essa articulação seja acompanhada de um amplo processo formador. Para Singer,
cabe aos chamados agentes de desenvolvimento abrir à comunidade o leque de alternativas de
desenvolvimento disponíveis e deixar que a comunidade faça sua escolha, uma vez que o processo
de desenvolvimento requer um relacionamento integrado entre a comunidade e os profissionais que
estamos denominando ‘agentes de desenvolvimento’. Estes representam bancos públicos, serviços
públicos (como o SEBRAE ou o SESCOOP), agências de fomento da Economia Solidária, ligadas à
Igreja, sindicatos ou universidades, movimentos sociais e também educadores de jovens e adultos
comprometidos com esta proposta. A missão inicial dos agentes é levar à parte da comunidade, mais
esclarecida ou mais inconformada com a situação, a consciência de que o desenvolvimento é
possível pelo esforço conjunto da comunidade, amparado por crédito assistido e acompanhamento
sistemático daqueles que apóiam esse esforço, o que é chamado de incubação, e que pode e deve
contar, como um de seus procedimentos, com a ação pedagógica da EJA, desde que seus conteúdos
voltem-se e se aliem a esse desafio.
A comunidade aprende. Essa afirmação traz grandes implicações à Educação de Jovens e Adultos,
que não pode ser confinada a programas estanques de escolaridade. A Educação de Jovens e Adultos
(EJA) é um projeto cultural que pode e deve se comprometer com o processo de busca de
desenvolvimento pois, como advertiu Paulo Freire, se a educação não pode sozinha transformar a
vida, a transformação da vida não se fará sem ela. Além do mais, é fato notório que as razões de
sobrevivência são uma das causas principais da evasão dos alunos de EJA da sala de aula. Propõe-
se, então, que educadores e alunos de EJA mergulhem suas atividades num processo voltado ao
Para Singer, a etapa inicial do processo de desenvolvimento de uma comunidade pobre, que envolve
a busca da atividade econômica a ser implentada e/ou desenvolvida, não deve ser abreviada, pois
nela se dá um aprendizado essencial, que deve ser de todos, dos mais e dos menos instruídos, das
mulheres e dos jovens e dos homens e dos velhos, dos desinibidos que falam bem e dos tímidos que
não ousam levantar a voz.
Os conteúdos indicados por Singer voltam-se para aprendizagens de como a economia de mercado
funciona, ou melhor, de como nós interpretamos o seu funcionamento e, também de como se
discutem alternativas e se tomam decisões democraticamente. Estes aprendizados são
imprescindíveis para que o desenvolvimento não degenere, com a perda de seu caráter democrático
e solidário.
Trata-se de um processo prático, pois que realizado no enfrentamento dos problemas reais que essa
busca exige e que irão se colocando na medida em que o processo caminhe. Nessa evolução,
instituições deverão surgir, às quais as salas de EJA devem se integrar e/ou se relacionar, posto que
se espera que a comunidade se organize para promover o seu desenvolvimento em assembléia de
cidadãos, comissões para diferentes tarefas, empresas individuais, familiares, cooperativas e
associações de diferentes naturezas. O poder público local poderá se associar ao processo e se fazer
representar, quando necessário, em comitês mistos públicos-privados.
Mas, como ressalta Singer, trata-se de transformar toda a comunidade num espaço educador. É vital
o levantamento das informações relevantes sobre os mercados – locais, regionais, nacionais ou
mundiais – cogitados pela comunidade para se especializar. A própria comunidade deve se capacitar
no manejo e interpretação das informações, pois, do contrário, ela terá de se conformar com as
propostas e recomendações dos agentes de desenvolvimento. Aí também se destaca o grande papel
dos educadores. O relacionamento entre a comunidade e os agentes deve se tornar crescentemente
igualitário, mediante a contínua troca de saberes. Nesta troca, os membros da comunidade recebem
ensinamentos e os oferecem aos agentes, num processo de educação política mútua.
Os conhecidos estudos do meio, nos quais os educadores da EJA definem os temas geradores com
base nos ensinamentos de Paulo Freire, são a metodologia adequada, ao possibilitarem
conhecimento teórico entremeado por idas à comunidade, onde os problemas reais levantam novos
temas a serem destrinchados depois em novo estudo teórico.
De forma complementar, para Dowbor, o que necessitamos é também que cada município tenha um
tipo de fórum ou agência de apoio ou de fomento de iniciativas de produção e de prestação de
serviços, onde os setores de atividades fins possam se articular com os diversos sistemas de apoio,
gerando um processo sinérgico.
Bibliografia
FURTADO, Celso. Gravação apresentada na abertura dos trabalhos da Mesa Redonda "Diálogo
Social - Alavanca para o Desenvolvimento", no dia 5 de agosto de 2004, no auditório do Palácio do
Planalto, em forma de entrevista ao ministro Jaques Wagner, mimeo.
Notas:
2- O MST, com essa finalidade, propôs uma série de mudanças nas organizações
escolares, alterando, inclusive, os calendários escolares. O mesmo deve ser buscado nas
áreas urbanas para atender aos jovens e adultos trabalhadores num projeto voltado para
uma proposta de desenvolvimento.
Este texto trata de propostas para a formação profissional de trabalhadores. No decorrer de seu
desenvolvimento, são destacadas: a modalidade de Formação Profissional por Competência do
SENAI, algumas das dimensões do Plano Nacional de Qualificação (PNQ) do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE, gestão 2003-2006) e as considerações iniciais da Educação para
Cidadãos Trabalhadores do Conselho de Escolas de Trabalhadores.
Essas propostas trazem para o momento presente posições que se construíram ao longo do século
XX. A equiparação entre a formação profissional e a escola regular, a politecnia, a
capacitação/treinamento ou a formação rápida para o mercado de trabalho traduzem posições de
setores diferenciados, envolvidos na questão e na temática das relações entre educação e trabalho.
No século passado, a Constituição Federal de 1937, artigo 129, demarca o ponto das tensões em
torno dessa discussão ao afirmar que o “ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes
menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado”. Também é ponto
marcante, no século XX, a Constituição de 1988, artigo 239, cuja regulamentação possibilitou a
introdução de mecanismos tripartites, envolvendo trabalhadores, além do governo e empresários, na
gestão das políticas públicas de trabalho e emprego, em especial com a criação do Fundo de
Amparo do Trabalhador (FAT) (2).
O exemplo da história do Ensino Profissional do estado de São Paulo ilustra a questão e demarca,
neste estado, o nascimento das políticas públicas de formação profissional e do SENAI.
Segundo Moraes, “(...) as primeiras escolas oficiais do estado de São Paulo são criadas em 1910, na
gestão Oscar Thompson na Diretoria da Instrução Pública, como parte do projeto de constituição de
um mercado interno de mão-de-obra qualificada (...) Tinham por objetivo atingir uma população
específica: os filhos de trabalhadores que iam “seguir a profissão de seus pais” e constituíam “uma
A partir de 1936, uma “Rede de Rádio Telefonia e Telegrafia”, com estação central na
Superintendência, atinge a todas as escolas divulgando expedientes, cursos, conferências e até
provendo treinamentos e aulas. Nessa mesma época, foi criada a “Corporação Escolar de
Nos anos 40, o ensino profissional foi marcado, no plano federal, pela “Lei Orgânica do Ensino
Profissional” e pelas propostas de Roberto Mange. Ao contrário das reivindicações apresentadas no
“Manifesto dos Educadores ao Povo e ao Governo”, em 1932, o ensino técnico de nível médio é
organizado como ramo distinto, sem canais de comunicação com o ensino secundário.
Institucionalizam-se duas estruturas paralelas: de um lado, o ensino secundário, voltado para a
formação geral, propedêutica aos estudos superiores, ao preparo das “individualidades condutoras”;
de outro, o ensino profissional, para formar mão-de-obra qualificada para o mercado. As
modalidades informais de educação destinadas ao treinamento/qualificação profissional de
trabalhadores industriais passam a ser realizadas pelo SENAI, instituição monopolizada pela
iniciativa privada e gerida pela Confederação Nacional das Indústrias”(3).
Assim, disciplina, testes e medidas psicotécnicos, virtudes morais e cívicas e preparo técnico da
ginástica estão na base da formação profissional que se implanta no decorrer da primeira metade do
século passado.
Atualmente, o SENAI atua por meio de diferentes estratégias em sua proposta de Formação
Profissional. Dentre elas, destacamos, como exemplo, a chamada “Formação por Competências”:
O Ministério do Trabalho e Emprego, criado por Getúlio Vargas em 1930, é outro elemento
importante na configuração da formação profissional. Sua posição, até a Constituição Federal de
1988, esteve predominantemente voltada às propostas empresariais. Os mecanismos de gestão
tripartite, envolvendo trabalhadores, além do governo e dos empresários, na gestão das políticas
públicas deram nova flexão à institucionalidade do MTE.
O detalhamento de duas das dimensões propostas torna mais compreensível a proposta do atual
Plano de Qualificação Profissional (PNQ):
• no campo conceitual, adquire prevalência de noções como: educação integral; formas solidárias de
“A origem das escolas de trabalhadores data do final dos anos 60, meados de 70.
Esse era um tempo de ditadura militar e forte repressão aos movimentos
populares. Em diversas capitais do país, alguns grupos de trabalhadores se
colocaram a responsabilidade e o desafio de criar alternativas de formação
profissional dos próprios trabalhadores como uma forma de luta e resistência à
ditadura militar. Em Recife, a perseguição política havia desmantelado um
crescente processo de educação popular estabelecido desde princípio dos anos 60,
através de iniciativas de alfabetização de adultos, centros de cultura, organização
de ligas, associações, sindicatos, etc. A iniciativa que deu seguimento a essas
atividades junto aos operários, apesar da repressão, foi o CTC - Centro de
Trabalho e Cultura, fundado em 1966, que foi se moldando como uma escola
operária, dedicado à educação e formação profissional dos trabalhadores. Em
Belo Horizonte, a repressão contra as atividades sindicais desde a vitoriosa greve
Assim, a garantia de um exercício pleno da cidadania exige que todos os cidadãos tenham acesso a
uma educação que lhes possibilite a participação:
Portanto, não apenas uma educação voltada para a aquisição de conhecimentos e, menos ainda,
conhecimentos cortados, deficientes/ auto-suficientes ou subalternos/prepotentes. Mas uma
educação capaz de constituir o processo de tornar-se cidadão; isto é, um processo voltado à
formação de sujeitos sociais participantes do exercício e usufruto do trabalho, da geração e uso dos
conhecimentos, e do exercício da responsabilidade de Governo sobre a sua cidade. Esta proposta se
põe radicalmente contra qualquer proposta de educação discriminatória e reforçadora dos
mecanismos, os antigos e os mais novos, de exclusão social. Especialmente aquelas que, à luz de
valores invertidos, dividem o pensamento da ação, o comando da execução, a política da técnica.
Conforme esta proposta, a técnica não é neutra e a política não é privilégio”(5).
Notas
3- MORAES, Carmen Sylvia Vidigal. Notas históricas sobre origens do Ensino Técnico no
Estado de São Paulo. In: Moraes, Carmem S.V. e Alves, Júlia Falivene (orgs.). Inventário de
Fontes Documentais. Contribuição à pesquisa do ensino técnico no estado de São Paulo.
São Paulo: Centro Paula Souza/Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 47-50.
4- Ver, especialmente, LIMA, Antonio Almerico Biondi e LOPES, Fernando Augusto Moreira.
Diálogo social e qualificação profissional: experiências e propostas. Brasília:
MTE,SPPE,DEQ,2005.
Paul Singer 1
A economia solidária pode ser pensada como um modo de produção ideado para superar o
capitalismo. Sendo assim, para entender a lógica da primeira é preciso examinar a do último. A
pedra de toque do capitalismo é a propriedade privada dos meios de produção, mas não de qualquer
meio de produção. Trata-se especificamente dos meios sociais de produção, ou seja, dos que só
podem ser operados coletivamente.
A concentração do capital tem como contrapartida a formação duma classe cada vez mais numerosa
de ‘perdedores’, qual seja, de pessoas que não têm meios próprios de produção e que se sustentam
vendendo sua capacidade de trabalho aos capitalistas (ou ao Estado). Os capitalistas dependem dos
trabalhadores assalariados para que seus capitais produtivos sejam acionados e assim valorizados.
A economia solidária foi concebida como um modo de produção que tornasse impossível a divisão
da sociedade em uma classe proprietária dominante e uma classe sem propriedade, subalterna. Sua
pedra de toque é a propriedade coletiva dos meios sociais de produção (além da união em
associações ou cooperativas dos pequenos produtores). Na empresa solidária, todos que nela
trabalham são seus donos por igual, ou seja, têm os mesmos direitos de decisão sobre o seu destino.
E todos os que detêm a propriedade da empresa necessariamente trabalham nela.
Esta última condição nega a possibilidade de haver uma classe que viva apenas de rendimentos de
seu capital, sem tomar parte no trabalho. Daí deriva a norma de que a empresa solidária não
remunera o capital próprio dos sócios e que, quando trabalha com capital emprestado, paga a menor
taxa de juros do mercado. Isto significa que os ganhos dos trabalhadores têm prioridade sobre o
lucro, que na empresa solidária toma a forma de ‘sobras’. Estas são distribuídas por decisão dos
sócios de distintas maneiras, mas nunca de acordo com a participação de cada um no capital da
empresa.
A participação no excedente em proporção à parcela do capital da empresa, que cada sócio detém,
caracteriza o lucro e por isso as sobras de cooperativas (ou outras modalidades de empreendimento
solidário) não são lucros. Isso é corroborado pela legislação, que considera a cooperativa como
empreendimento sem fins de lucro e, por isso, isento de imposto de renda.
Na economia solidária, cada trabalhador é responsável pelo que ocorre com a empresa, participando
plenamente tanto das sobras quanto dos prejuízos. Se as sobras são significativas, parte delas será
investida no empreendimento, valorizando a propriedade do conjunto dos sócios; outra parte poderá
ser repartida entre eles ou colocada num fundo de reserva. É a assembléia dos sócios que decide o
que deve ser feito com as sobras ou como devem ser cobertos os prejuízos, se os houver.
Para o bom funcionamento da empresa solidária, a união entre os trabalhadores é essencial. Como
não há hierarquia, disputas e conflitos podem destruí-la. Também não há a supervisão e vigilância
de mestres, contra-mestres, encarregados e outros, cuja missão, na empresa capitalista, é disciplinar
o trabalhador. No empreendimento solidário, em princípio não deve haver problema de disciplina,
pois todos têm interesse no seu sucesso. Mas, na prática há, pois nem todos mostram a mesma
dedicação e diligência e, se alguns são vistos como relapsos, a maioria se sente explorada e pode
reagir com severidade.
De forma geral, há uma inversão completa de situação, quando alguém deixa de ser assalariado e se
torna cooperador. Enquanto assalariado, suas escolhas eram extremamente limitadas, reduzidas
quase sempre a ficar ou deixar o emprego. A evolução do salário, promoções ou rebaixamentos,
oportunidades de qualificação profissional e muitas outras decisões, que afetam sua vida de
trabalho, são tomadas por superiores, por razões que ele desconhece. Quando se torna cooperador,
ele passa a ser membro dum coletivo, encarregado de tomar tais decisões.
A prática da economia solidária, no seio do capitalismo, nada tem de natural. Ela exige dos
indivíduos que participam dela um comportamento social pautado pela solidariedade e não mais
pela competição. Mas as pessoas que passam do capitalismo à economia solidária foram educadas
pela vida a reservar a solidariedade ao relacionamento com familiares, amigos, companheiros de
lutas, isto é, com pessoas às quais estão ligadas por laços de afetividade e confiança.
No plano econômico, cada um está condicionado a afirmar seus interesses individuais, vistos como
antagônicos aos dos outros. Prevalece a lógica do mercado, em que todos competem com todos,
cada um visando vender caro e comprar barato, para maximizar seu ganho. O individualismo se
impõe, enquanto ideologia, em grande medida porque leva os participantes a comportamentos
‘racionais’ nos mercados. A norma implícita desta ‘racionalidade’ é que, na economia de mercado,
os ganhos de uns correspondem a perdas de outros. Competir significa agir para impor perdas aos
‘outros’ e para evitar que os ‘outros’ façam isso conosco. A inspiração aqui vem da Origem das
Espécies, de Darwin, segundo a qual só sobrevivem os mais aptos.
Como diz o nome – economia solidária – o que esta propõe é a prática da solidariedade no campo
econômico. Como ela visa a uma sociedade de iguais, a economia solidária se opõe à idéia de que o
jogo econômico é inevitavelmente de soma zero. Em vez disso, ela sustenta que a cooperação entre
os participantes torna possível que todos ganhem. Este pressuposto tem comprovação empírica.
Quando várias pessoas dividem uma tarefa entre elas, de modo que cada uma se encarrega duma
parte diferente do trabalho, via de regra produz-se mais com menos esforço do que se cada um
produzisse isoladamente, realizando o trabalho por inteiro(3).
A economia solidária vai além de Adam Smith. Ela propõe que todos os que se dedicam à mesma
linha de mercadorias – alimentos, vestuário, veículos, produtos químicos, serviços de educação, de
entretenimento etc. – também cooperem entre si e que os resultados do trabalho de todos sejam
distribuídos de acordo com regras de justiça aceitas por todos ou pela maioria dos cooperadores. O
mercado continua a funcionar, mas apenas para que os consumidores comuniquem aos produtores
suas necessidades e preferências(4).
Num mercado livre, os produtores, que atendem melhor os consumidores, vendem suas mercadorias
a preços maiores que os demais. A economia solidária propõe que o Estado tribute parte do
excedente auferido pelos mais afortunados e a transfira aos que foram preteridos pelos
compradores. Ao mesmo tempo, (como todos cooperam entre si) os preteridos aprenderão dos
afortunados como corresponder melhor aos desejos dos consumidores. Pois, se não for assim, a
sociedade se polarizará entre ganhadores e perdedores, levando à formação de nova sociedade de
classes (ou à volta da velha).
Fica claro que a prática da economia solidária exige que as pessoas que foram formadas no
capitalismo sejam reeducadas. Esta reeducação tem de ser coletiva, pois ela deve ser de todos os
que efetuam em conjunto a transição, do modo competitivo ao cooperativo de produção e
distribuição. Se apenas um indivíduo adotar comportamento cooperativo numa sociedade em que
predomina a competição, ele será esmagado economicamente. E vice-versa: se apenas um se
comportar competitivamente onde predomina a economia solidária, ele será visto como egoísta e
desleal pelos demais, que o excluirão do seu meio.
Esta reeducação coletiva representa um desafio pedagógico, pois se trata de passar a cada membro
A economia solidária é produzida tanto por convicção intelectual como por afeto pelo próximo, com
o qual se coopera. A hipótese aqui é que todos têm inclinação tanto por competir como por
cooperar. Qual destas inclinações acabará por predominar vai depender muito da prática mais
freqüente, que é induzida pelo arranjo social em que o sujeito nasce, cresce e vive.
Os que se formam no capitalismo, sobretudo em sua forma exasperadamente liberal (da qual os
EUA me parecem o exemplo mais acabado), são postos em situações de competição desde a
infância, na família e na escola. Aprenderão desde cedo que os indivíduos são desiguais: alguns são
fortes, inteligentes, esforçados, enquanto outros são fracos, burros e preguiçosos. Na luta pela vida,
os primeiros serão os vencedores e os últimos os perdedores. Aprenderão também que só pela
competição os vencedores obtêm a recompensa material que lhes permite aplicar seus dotes a favor
do bem comum. A humanidade progrediria porque a competição premiaria o mérito, dando-lhe o
poder de liderar e mandar, e condenaria o demérito à subordinação. Da competição nasceria a
meritocracia e desta o progresso.
Os que se formam num meio em que prevalece a economia solidária vivem desde cedo situações
definidas por comportamentos recíprocos de ajuda mútua. Aprenderão que as pessoas diferem mas
Mas, o que acontece quando pessoas formadas no capitalismo, digamos, moderadamente liberal
(como o brasileiro) se vêem excluídas do emprego por falta de demanda empresarial pela sua
capacidade de trabalho? Muitas delas optam por se unir a seus iguais para formarem juntas algum
empreendimento solidário. O mais das vezes, elas fazem esta opção quando ainda se encontram
empregadas e conseguem obter em arrendamento a massa falida da ex-empregadora, com a
finalidade de mantê-la em operação. Nestes casos, o recurso à economia solidária se deve
unicamente ao temor de ficar desempregado por longo tempo ou permanentemente.
No momento em que esta opção pela economia solidária é feita, grande parte dos trabalhadores
sequer sabe direito do que se trata. Mas, encontram-se ligados por laços de solidariedade forjados
em longos anos de lutas, durante as quais a ajuda mútua é essencial à vitória. As lutas comuns
produziram confiança mútua e afeto recíproco entre os trabalhadores. Eles aprenderam a cooperar e
gostam da experiência. Muitos abominam o mandonismo e odeiam a desigualdade.
Por tudo isso, a opção pela economia solidária aparece como a mais provável ou mesmo a única
possível. No Brasil, mas não nos EUA. Lá, quando empresas antigas entram em crise,
freqüentemente elas são adquiridas pelos empregados, muitas vezes com pecúlio representado por
parte do fundo de pensão. É o chamado buy-out. Mas, daí não resulta um empreendimento
solidário, mas outra sociedade por ações, da qual os trabalhadores participam em proporção a seus
haveres. Os que ganhavam mais obtêm maior número de ações e um grupo deles pode vir a
controlar a empresa. Mas, mesmo que todos possam participar da administração da nova empresa,
esta não passa dum expediente para enfrentar uma desgraça. Se a empresa se recupera e valoriza (o
que parece comum) os seus donos tendem a vendê-la a quem oferecer mais. A recuperação da
empresa não passa, neste caso, duma aventura de negócios bem sucedida.
No Brasil, a freqüente opção pela economia solidária por trabalhadores com ponderável vivência
sindical se explica por seus valores. A idéia de que no novo empreendimento ninguém vai mandar e
Na realidade, a educação que a luta de classes proporciona aos operários está embebida em valores
solidários e igualitários, que estão na base do socialismo, enquanto projeto e utopia. A posição
objetiva de classe dos trabalhadores inclina-os a valorizar a solidariedade e a democracia como
norma de suas organizações. Os primeiros teóricos do socialismo, do século XIX, pensavam que
suas propostas decorriam de pressupostos gerais a respeito do homem. Mas, Marx mostrou que o
socialismo é, na verdade, o projeto dos subalternos, quando se revoltam contra o seu status social.
Há socialistas em todas as classes, mas é a classe trabalhadora que sustenta o socialismo como
bandeira de luta e como paradigma da sociedade desejável.
O mesmo vale para todos os que se engajam na construção da economia solidária: os sem-terra nos
assentamentos de reforma agrária, os prestadores autônomos de serviços (professores, médicos,
guias turísticos, cabeleireiros, taxistas etc.) quando se associam, os artesãos, cultivadores de
fitoterápicos, apicultores, horticultores domésticos e tantos outros, quando formam clubes de trocas
e/ou cooperativas de crédito e assim por diante. Hoje a economia solidária assume variadas formas
e em cada uma delas há um aprendizado a ser feito. No que segue, vamos nos concentrar no caso
das empresas recuperadas por trabalhadores, em autogestão.
O ensino da autogestão poderia, à primeira vista, incorporar tudo o que for aproveitável da
administração de empresas, tal qual é elaborada e lecionada nas universidades. É óbvio que este
curso prepara os alunos a serem gestores de empresas capitalistas, a atuarem em heterogestão, não
Teríamos, então, o ensino da autogestão dividido em duas partes: uma, a cargo de teóricos,
investigadores ou veteranos da economia solidária, que versaria sobre as regras de funcionamento
interno do empreendimento; outra, a cargo de especialistas, investigadores ou veteranos da
economia capitalista, que versaria sobre as regras de relacionamento com outros agentes do
mercado. Esta divisão acabaria, porém, por levar os empreendimentos solidários a adotar
procedimentos incompatíveis com seus princípios e a se submeter a intermediários capitalistas
quando os mesmos serviços podem ser prestados por congêneres solidários.
A contabilidade, por exemplo, tem por função coletar, processar e inter-relacionar os resultados
monetários e não-monetários de todas as atividades da empresa. Há uma contabilidade que se insere
no sistema capitalista, em que as informações fluem de baixo para cima e as ordens de cima para
baixo. As contas são feitas para que a cúpula dirigente possa tomar decisões. Outra é a contabilidade
que se insere na economia solidária, em que é dever dos dirigentes informar a base – o conjunto de
trabalhadores – sobre a situação da empresa, para que este coletivo possa tomar decisões. É a base
que dá as diretrizes à administração que ela escolheu e pode substituir quando achar que não está
correspondendo.
É claro que o ensino da contabilidade convencional, nestas condições, a trabalhadores que praticam
autogestão é contraproducente. Eles têm de aprender uma contabilidade que didatize a apresentação
de seus resultados para que sejam transparentes e entendíveis por todos trabalhadores. Os
trabalhadores têm que aprender contabilidade de custos, inclusive as diferentes maneiras de
apropriar custos indiretos, para que possam entender os pontos fortes e fracos do desempenho de
sua empresa e adotar medidas eficientes, com conhecimento de causa.
Algo semelhante se passa com administração financeira, vista pela ciência oficial como prestadora
de serviços a poupadores e investidores, por um diferencial de juros (spread) entre os juros
passivos, pagos pelos bancos aos poupadores e os ativos, pagos pelos investidores aos bancos. A
realidade é falseada quando a ciência ortodoxa supõe que o mercado de capitais seja perfeitamente
De acordo com esta teoria, as taxas de juros passiva e ativa são as únicas que equilibram as
preferências e intenções de poupadores e investidores; e o spread corresponde aos custos dos
serviços bancários, reduzidos ao mínimo por efeito da competição entre os intermediários
financeiros.
A verdade é que o mercado de capitais não é competitivo, mas oligopólico, dominado por grandes
conglomerados financeiros e conglomerados igualmente grandes de produção e distribuição de
mercadorias. Por isso, os juros ativos, pagos pelas empresas que tomam empréstimos, são
inversamente proporcionais ao seu tamanho. É que os bancos incluem nos juros que cobram uma
margem de risco, igual à probabilidade, estimada por eles, de que o empréstimo não seja devolvido.
Os bancos supõem que este risco é tanto maior quanto menor for o tomador do empréstimo. Só que
eles não repassam aos poupadores o valor desta margem de risco, do qual se apossam. Isso faz com
que o spread seja gigantesco nos empréstimos feitos aos pequenos empresários e também aos
empreendimentos solidários.
Os que constroem a economia solidária precisam aprender estas coisas para poder apreciar a
vantagem que advém dum sistema de finanças solidárias, possuído pelos usuários, na forma de
cooperativas de crédito. As finanças solidárias estão a serviço dos investidores e poupadores, que
são dois papéis que, neste sistema, são desempenhados pela mesma gente, os trabalhadores. A
cooperativa recebe depósitos dos sócios e empresta aos sócios que desejam tomar empréstimos. É o
conjunto dos sócios que fixa os juros ativos e passivos, em geral mantendo-os muito abaixo dos
cobrados e pagos pelos bancos comerciais.
Separar o ensino das finanças do da autogestão seria incorrer no erro de supor que a economia
solidária é e será para sempre um componente dum todo maior capitalista. Na realidade, não há
qualquer ramo de atividade que não possa ser organizado de forma solidária. Já existem há muito
tempo, em outros países, cooperativas de consumo, de comercialização, de produção agrícola,
pecuária, industrial e extrativa, de prestação de serviços de variadas naturezas, de seguros (também
conhecidas como ‘mútuas’ ou ‘mutuárias’), de educação, de serviços de saúde e assim vai.
A economia solidária, neste momento de sua história no Brasil, está sendo ensinada por educadores
ou incubadores a praticantes, em sua maioria jovens e inexperientes, que estão enfrentando a difícil
tarefa de manter e desenvolver seus empreendimentos tecnologicamente atrasados e
insuficientemente capitalizados. Isso se aplica tanto a empresas em recuperação como a
cooperativas em assentamentos de reforma agrária, cooperativas de recicladores de resíduos sólidos,
cooperativas de agricultores familiares e muitos outros. A efetividade deste ensino decorre
provavelmente da estreita conexão entre seus fundamentos teóricos e sua aplicação prática.
Devemos a Paulo Freire esta formulação lapidar: “Ninguém ensina nada a ninguém; aprendemos
juntos.” Isto se aplica inteiramente à economia solidária enquanto ato pedagógico. Docentes e
discentes são igualmente inexperientes. Os primeiros possuem conhecimentos teóricos, os segundos
o saber que se adquire por tentativa e erro na prática. Nesta interação, produz-se um auto-
aprendizado mútuo. Somos todos autodidatas, pois não há aprendizado verdadeiro em que a
curiosidade do aprendiz não tenha papel crucial.
Esta, me parece, é a melhor explicação para o que vem sucedendo com a economia solidária no
Brasil no passado recente e no presente. Trabalhadores aparentemente simples e incultos recebem
empresas quebradas e as recuperam. Como aprendem a realizar tal proeza? Casando seu saber de
homens práticos com o saber abstrato, politicamente motivado, dos formadores. E usando a
solidariedade como organizador coletivo da atividade econômica, ao somar os saberes de dezenas
ou mesmo centenas de trabalhadores, cada um com sua experiência de vida. E estudantes de
psicologia, administração, contabilidade, direito, economia e de tantas outras especialidades,
adicionando seus saberes específicos e também os genéricos à sabedoria coletiva, solidariamente
IV. Conclusões
A economia solidária é um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe nova prática
social e um entendimento novo desta prática. A única maneira de aprender a construir a economia
solidária é praticando-a. Mas, seus valores fundamentais precedem sua prática. Não é preciso
pertencer a uma cooperativa ou empreendimento solidário para agir solidariamente. Este tipo de
ação é freqüente no campo político e no campo das lutas de classe, sobretudo do lado dos
subalternos e desprivilegiados.
Estes últimos são os dominados e, quando agem, voltam-se contra os dominadores, que detêm o
poder e a capacidade de reprimir tais tipos de ação e sancionar quem se atreve a tentá-los. A
principal arma dos que desafiam a ordem vigente (como os grevistas, por exemplo) e que lhes
oferece alguma perspectiva de sucesso é a união entre todos, ou seja, a solidariedade. Por isso, a
solidariedade é ensinada aos fracos e subalternos pela vida que levam e pelas empreitadas em que se
engajam. Isso vale também para os pobres, que só conseguem sobreviver graças à prática
consistente da ajuda mútua, modalidade essencial da solidariedade. É a vida que ensina aos mais
fracos, os social e economicamente debilitados, o valor, na verdade, a imprescindibilidade da
solidariedade.
A economia solidária é um passo decisivo para além deste aprendizado pela vivência, pois ela
propõe a solidariedade não só como imposição da necessidade mas como opção consciente por
outro modo de produção. Esta talvez seja a conclusão principal do acima exposto. A experiência de
vida dos inferiorizados lhes ensina a prática da solidariedade como resposta à necessidade, em
situações de perigo ou de extrema carência. A economia solidária lhes propõe a solidariedade como
prática sistemática, cotidiana, embebida num relacionamento social e econômico especialmente
construído para isso.
A economia solidária se prende à experiência de vida pregressa dos trabalhadores, mas ao mesmo
tempo a ultrapassa. Isso fica claro quando se examina a saga das empresas recuperadas. No início
Trata-se, pois, de uma nova prática solidária, que se alimenta da antiga, mas exige uma formação
específica. Trata-se em essência da construção duma nova sociedade, dentro e em oposição à velha.
Esta formação exige a interação dos que se envolvem na construção concreta dos empreendimentos
solidários, em sua grande variedade, e da articulação deles entre si, para que possam haurir
conhecimentos desta experiência, com os seus intelectuais orgânicos, que pensam, sistematizam e
discutem a economia solidária numa temporalidade histórica e numa espacialidade internacional.
Assim, a economia solidária produz o aprendizado conjunto que a impulsiona em sua trajetória.
Notas
2- Hoje em dia, torna-se comum a participação do conjunto dos empregados nos lucros da
empresa, mas não nos prejuízos. Esta inovação contraria a lógica do contrato de trabalho,
que prevê apenas o pagamento do trabalho realizado. Por isso, a participação nos lucros é
quase sempre marginal, sendo encarada como incentivo. Por outro lado, executivos e
trabalhadores especializados freqüentemente têm grande parte de seu pagamento
condicionado aos resultados alcançados nos setores pelos quais são responsáveis. Como
gestores de parcelas do capital da empresa, assalariados nestas condições se encontram a
meio caminho entre sócios capitalistas e simples empregados.
Implantar a Educação de Jovens e Adultos (EJA), no Brasil, nos termos defendidos por Paulo
Freire, a partir de seu conceito de dialogicidade, que pressupõe o alfabetizando sujeito de seu saber
e uma proposta político-pedagógica baseada em relações de cooperação e solidariedade, é uma
opção política e de política educacional. Não por acaso, mais de 15 milhões de brasileiros
analfabetos continuam a existir, apesar da exigência constitucional de prioridade deste atendimento
e do avanço científico e tecnológico alcançado em nosso País.
A EJA, dotada de qualidade que a torne efetiva, transforma-se numa política social que ameaça o
“status quo” das elites privilegiadas, com possibilidade de produzir “desobediência civil” ao não
aceitar os limites impostos pela sociedade de classes:
Foi assim no passado e é essa sua trajetória histórica. Recordemos sua importância nos anos 60,
através de algumas de suas manifestações sociais e culturais, plenas de ousadia: Movimento de
Cultura Popular - MCP (iniciado no Recife, em maio/60), Campanha “De pé no chão também se
aprende a ler” (Natal, fev./61) Movimento de Educação de Base – MEB (CNBB, março/61), os
Centros Populares de Cultura – CPC, da União Nacional dos Estudantes - UNE (março/61) e a
O alerta para a atualidade da Educação Popular, difundida nessa época, já foi dado por autores
presentes nas reuniões acadêmicas, mas também nas lutas da população:
“No final dos anos 80, era usual ouvir a afirmação de que a valorização da
Educação Popular significava um saudosismo de um período da história brasileira
carregado de heroísmos, mas que já estava superado. A experiência concreta dos
movimentos sociais e de técnicos envolvidos nas políticas sociais foi mostrando,
no entanto, que a Educação Popular continua sendo instrumento importante de
aperfeiçoamento das relações entre as classes populares, os movimentos sociais e
o Estado”(4).
Se EJA é por excelência um ato político, EJA é também uma ação cultural. Os jovens e adultos
estão imersos no mundo social e cultural. Ao trabalhar com adultos mais velhos, essa perspectiva
cultural/social se faz presente com mais força.
Os motivos que os trazem para a situação de ensino-aprendizagem não se resumem a uma razão
utilitarista ou instrumental de “aprender para”, simplesmente. Há outro gosto que permeia as
situações de sala de aula, o gosto humano da convivência, que se revela em diferentes situações, nas
estórias de vida e no desejo de continuar a conviver no grupo, independentemente da conclusão do
curso. Há, em EJA, o apontar para a educação permanente como forma de ser homem e mulher:
Nos grupos formados nas salas de EJA se mesclam diferentes idades e interesses. É preciso
compreender a dinâmica dessas heterogeneidades, fator importante para a efetiva dimensão política
dessa educação.
EJA está no contexto das políticas sociais de melhoria da qualidade de vida, que visam à inserção de
milhares de pessoas numa sociedade de direitos. De um lado, compreender e buscar formas de
superação para as discriminações de classe, de gênero, de raça e também de idade, frutos de um
modelo econômico, social e político individualista e segregador, devem ser colocados no universo
de seus objetivos. De outro lado, está a exigência da EJA de compreender e alargar as formas de
organização presentes nas rotinas de sobrevivência dessa população, elementos de resistência a
A sobrevivência no meio urbano ou no rural não se faz pela separação por idades, mas pelas ações
interativas de diversas idades na busca dessa sobrevivência, o que é altamente rico como
experiência Os pequenos aprendem/ensinam os maiores e juntos potencializam as precárias formas
de sobrevivência. Por isso mesmo, o “tempo pedagógico” na educação de modo geral e
especialmente na EJA é uma questão que vem sendo discutida, ainda que não com a intensidade
necessária.
Os espaços disponibilizados por esta população para a instalação de salas de aula (6), as formas de
sociabilidade organizadas para viabilizá-las e a compreensão da precariedade da vida que invade a
sala de aula são outros elementos presentes na implementação de programas de EJA que devem
servir de referências para repensá-los, como organização educativa e curricular. As situações de
convivência social são agregadoras dos diferentes (de idade, de raça e de sexo) na plenitude que
caracteriza o humano e a vida. O recorte segregacionista da classe social e do sistema capitalista
isola, pré-conceitua esses grupos com vistas a seu controle.
Como instituição social, a escola está organizada em séries, por idade e por determinações de
conteúdo, muito mais como forma de controle e de aumento de produtividade, do que em razão de
fundamento do processo de ensino - aprendizagem ou da construção de formas solidárias de viver a
vida. É preciso não esquecer que EJA não “combina” com os espaços burocratizados da escola
formal. Muitas vezes, essa é a razão alegada para as escolas fecharem suas porta à EJA.
Publicação recente sobre a EJA, cujo texto integral encontra-se disponível na Web, faz algumas
considerações sobre suas conquistas e desafios, que transcrevemos a seguir por julgá-las de extrema
relevância (7).
Esses coletivos são muito bem representados pelos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, uma
experiência rica que tem sido vivida nos movimentos internos do Brasil desde 1996, com a
constituição do primeiro Fórum no Rio de Janeiro, demonstrando um vigor incomum e expressivo
potencial mobilizador (...) Não há dúvida de que o movimento dos Fóruns e a tentativa de
constituição da EJA enquanto política pública representam as principais expressões da educação de
jovens e adultos em movimento na atualidade. Expressam as potencialidades, as tensões e os
conflitos inerentes a esse movimento. Ilustram a dificuldade de atores diversos construírem uma
política nacional que represente a rica diversidade de interesses e necessidades em termos étnicos,
raciais, culturais, ideológicos, regionais e de gênero da população brasileira. Ilustram também a
dificuldade de edificar uma política que vise articular a melhoria da qualidade dos sistemas de
ensino com a construção de bases para a eqüidade e a inclusão social.”
“Uma das inquietações presentes na construção da EJA, enquanto política pública, tem sido a
necessidade de responder a um grande vácuo existente nas propostas curriculares, no que tange ao
Para que haja a efetiva integração entre EJA e o Mundo do Trabalho é preciso que os educadores e
os alunos se indaguem: Como introduzir essa discussão nos currículos de EJA? Como fazer para
que professores compreendam o mundo do trabalho como eixo gerador da produção de outros
conhecimentos? Como contribuir para que o campo da discussão do emprego, do subemprego e do
desemprego faça-se presente de forma efetiva na EJA?
Nesse sentido, a educação de jovens e adultos tem muito a aprender de sua interlocução e
convivência com instâncias das organizações e movimentos populares e com os métodos
desenvolvidos na educação popular, empreendidos pelas diversas entidades que atuam nesse meio:
movimentos de mulheres, movimentos ecológicos, movimentos em prol da moradia popular,
movimentos étnicos, movimentos partidários e sindicais, movimentos que discutem questões de
gênero, movimentos que defendem as liberdades e preferências sexuais, entre outros. A riqueza de
saberes que pode advir desses encontros, por si só, justifica a importância de uma estratégia de
parceria baseada na dialogicidade, que presume a compreensão de uma democracia plural que
abraça as diferenças e respeita a diversidade”.
Notas
5- Paulo Freire, cf. Cit. In: McLAREN, Peter. Paulo Freire e o Pós Modernismo.
Educação e Realidade, Porto Alegre, 12(1):13 - 13, jan./jun. 1987.
Maria Ciavatta 2
1. Introdução
Gostaríamos de iniciar esta reflexão pensando sobre nossos trabalhos na vida familiar, na vida
profissional, no trabalho organizativo do Movimento. Pensar sobre as ações que executamos nesses
trabalhos, o que pensamos e o que sentimos em relação a cuidar da casa, dos filhos, da roupa, da
comida; cuidar da terra, dos animais, executar serviços administrativos, de transporte e tantos
outros; preparar reuniões, escrever textos e tudo o mais que nos cabe em diferentes situações.
Cada um de nós assume diferentes papéis e continua sendo o mesmo e não sendo o mesmo, na
medida em que essas diferentes ações nos modificam ao serem executadas. O verso de Milton
Nascimento, certamente sem nenhuma intenção filosófica, expressa a dialética que é um fato
permanente no mundo natural e em nossas vidas. A concepção dialética tem por princípio o
movimento de transformação de todas as coisas, de modo que afirma que “o ser é e não é ao mesmo
tempo”, porque se transforma. O trem da chegada é o mesmo trem da partida...
Uma outra reflexão preliminar importante é ver como o trabalho vem sendo debatido nas últimas
décadas no mundo ocidental. Desde meados dos anos 80, a sociologia pôs em questão a
centralidade da categoria trabalho para as análises sociais (Offe, 1989). Mas esta não era apenas
uma questão das ciências sociais. Já no final da década, acompanhando a evidência da crise de
emprego que se anunciava na Europa ocidental e a desintegração do mundo socialista, um alto
funcionário do Estado americano (Fukuyama, 1992), proclama o “fim da história”. Mais
recentemente, o grupo Krisis lançou um manifesto sobre o “fim do trabalho”.
Sem nos alongarmos sobre a história do trabalho, nas formas de escravidão, de servidão e de
trabalho assalariado na sociedade burguesa, queremos dizer que o trabalho, como atividade
fundamental da vida humana, existirá enquanto existirmos. O que muda é a natureza do trabalho, as
formas de trabalhar, os instrumentos de trabalho, as formas de apropriação do produto do trabalho,
as relações de trabalho e de produção que se constituem de modo diverso ao longo da história da
humanidade.
É inocência pensar que o trabalho é sempre bom. Ele o é em certas condições. Mas quais são estas
condições? Duas vertentes contraditórias sobre o que pensamos, sentimos e vivenciamos (mesmo
inconscientemente) em relação ao trabalho fazem parte do ideário cultural de nossa sociedade.
Uma dessas vertentes tem origem no pensamento religioso, segundo o qual o trabalho dignifica,
valoriza e enobrece o homem, ao mesmo tempo em que disciplina o corpo e eleva o espírito. De
outra parte, no Brasil, como em outros lugares do mundo, temos conhecimento e repudiamos as
condições de trabalho de milhões de trabalhadores, condições que são de privação na vida pessoal,
na vida familiar e nas demais instâncias da vida social. São condições advindas das relações de
exploração do trabalhador, de alienação ou de expropriação de seus meios de vida, de seu salário, da
terra onde vive e de suas possibilidades de conhecimento e de controle do processo do próprio
trabalho.
Estas breves reflexões iniciais são importantes para se pensar em que medida o trabalho é princípio
educativo. O trabalho, enquanto ação que praticamos, muda as nossas vidas. Mas muda como?
Partimos da idéia de que o trabalho pode ser ou não educativo dependendo das condições em que se
processa.
São os direitos civis ou individuais: direito à liberdade pessoal e à integridade física, à liberdade de
palavra e de pensamento, direito à propriedade, ao trabalho e à justiça. São os direitos políticos,
como o direito de participar do exercício do poder político como membro investido da autoridade
política ou como eleitor. São os direitos sociais como o direito ao bem-estar econômico, ao trabalho,
à moradia, à alimentação, ao vestuário, à saúde, à participação social e cultural, à educação e aos
serviços sociais.
Ora, o que presenciamos, em nossa sociedade, não é o compromisso básico e fundamental com
esses direitos, não é o compromisso com o homem ou com a criança. Ou em outros termos, o
sujeito das relações sociais em uma sociedade capitalista não é o homem ou a criança. O sujeito é o
mercado, é o capital. O grande sujeito é a acumulação do capital.
Na cidade, conforme a herança do início do século passado, pelo taylorismo e o fordismo, com a
divisão de tarefas e a administração científica do trabalho, acontecem as linhas de montagem e o
trabalho mecanizado. Mais tarde, com o toyotismo e a automação, a microeletrônica, a cooperação,
o modelo “flexível” de produção e de relações de trabalho. Em um caso ou em outro, os
A história da sociedade industrial é uma história de lutas dos trabalhadores contra a imposição da
disciplina do trabalho, da disciplina de quartel, da organização e racionalização dos processos de
trabalho, que levam ao esvaziamento completo dos interesses e motivações pessoais no ato de
trabalhar.
Não obstante o universo maravilhoso da ciência e da técnica no mundo, hoje, não obstante toda
riqueza gerada que, supõe-se, deve facilitar a sobrevivência do ser humano, temos de reconhecer
que há uma extrema desigualdade na distribuição desses benefícios e, também, das formas
históricas de trabalhar, de produzir esses bens. A introdução dos avanços tecnológicos (em termos
de máquinas e equipamentos, do desempenho de funções diferenciadas, do uso de sementes
geneticamente modificadas – todos frutos de relações sociais e não apenas questões técnicas), a
distribuição das tarefas, as opções sobre o tempo livre, o estudo e o lazer trazem novas questões
para discussão dos processos humanizadores no trabalho.
No campo, pela secular opressão na apropriação da terra e pela dureza do trabalho braçal, por seu
uso subordinado, ou nas minas embrutecedoras, nos lixões, nas cidades, há trabalhos que são como
que alienação de vida, seja pela divisão social do trabalho (trabalho físico, manual ou intelectual,
concepção e planejamento versus execução), seja pela desqualificação das tarefas, pela
especialização, pela repetição, seja pela perda de controle do trabalhador sobre o próprio trabalho
ou pela subordinação do esforço humano a serviço da acumulação do capital. Estas são formas de
trabalho que se constituem num princípio educativo negativo, deformador e alienador. O que
significa que o capitalismo educa para a consecução de seus fins de disciplina, subordinação,
produtividade.
É falso, e há evidência disso, que todo trabalho dignifica. São de Lukács (1978) algumas idéias
importantes para esta análise. A produção da existência humana e a aquisição da consciência se dão
É a consciência moldada por esse agir prático, teórico, poético ou político que vai impulsionar o ser
humano em sua luta para modificar a natureza (ou para dominá-la, como se dizia no passado, antes
que se tomasse consciência da destruição que o homem vem operando sobre o planeta). Diferente
dos animais, a consciência do ser humano é a capacidade de representar os seres de modo ideal, de
colocar finalidades às ações, de transformar perguntas em necessidades e de dar respostas a essas
necessidades. Os seres humanos agem através de mediações, de recursos materiais e espirituais que
eles implementam para alcançar os fins desejados.
O que nos permite fazer a distinção entre duas formas fundamentais de trabalho: o trabalho como
relação criadora, do homem com a natureza, produzindo a existência humana, o trabalho como
atividade de autodesenvolvimento físico, material, cultural, social, político, estético, o trabalho
como manifestação de vida; e o trabalho nas suas formas históricas de sujeição, de servidão ou de
escravidão, ou do trabalho moderno, assalariado, alienado na sociedade capitalista. Há relações de
trabalho concreto que atrofiam o corpo e a mente, trabalhos que embrutecem, que aniquilam,
fragmentam, parcializam o trabalhador.
É essa complexidade, na particularidade das situações vividas, que nos cabe examinar na sua
expressão fundante, criativa e nas formas históricas, opressoras, do trabalho, inclusive do emprego
assalariado, que está em queda e pode vir a desaparecer para dar lugar a outras formas de relações
sociais na produção da vida. Algumas perguntas devem ser feitas. No caso da infância e da
juventude, é preciso saber se esses meninos e meninas que trabalham na rua, ou "boys de
Essas perguntas orientaram muitas discussões sobre a questão da educação politécnica, da escola
unitária e do trabalho como princípio educativo nos anos 1980, para a elaboração da educação na
nova Constituição aprovada em 1988, e para a nova LDB que tramitou no Congresso, proposta pela
sociedade civil organizada.
Ontem como hoje, do ponto de vista educativo, o esforço das forças progressistas deve caminhar no
sentido da escola unitária (Gramsci, 1981), onde se possa pensar o trabalho de modo que o sujeito
não seja o mercado e, sim, o mercado seja uma dimensão da realidade social (Frigotto, 1980). Trata-
se de pensar o trabalho em outro contexto social, no qual o trabalhador produza para si, e no qual o
produto do trabalho coletivo se redistribua igualmente, projeto que se contrapõe à forma capitalista
de produção e aponta para a constituição de novas relações sociais e de um projeto de homem novo.
Trata-se de opor-se a uma visão reducionista, utilitarista, atrofiadora e, essencialmente, restritiva de
formação humana.
Bibliografia
OFFE, Claus. Trabalho: a categoria chave? In: _______. O capitalismo desorganizado. São Paulo:
Brasiliense, 1989.
SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação. LDB, trajetória, limites e perspectivas. 8a. ed. São
Paulo: Autores Associados, 2003.
Notas