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REALIZAÇÃO APOIO
Comissão Organizadora do Seminário
Professora Doutora Ana Luiza Avelar de Oliveira – Universidade Federal de Juiz de Fora
Professora Doutora Ana Maria Ferreira – Universidade Federal de Juiz de Fora
Professora Doutora Carina Berta Moljo – Universidade Federal de Juiz de Fora
Professora Doutora Cláudia Mônica dos Santos – Universidade Federal de Juiz de Fora
Professora Doutora Marina Monteiro de Castro e Castro – Universidade Federal de Juiz
de Fora
Doutora Emília Nunes Grillo- TAE da Faculdade de Serviço Social/Universidade Federal
de Juiz de Fora
Professora Doutora Ana Luiza Avelar de Oliveira – Universidade Federal de Juiz de Fora
Professora Doutora Ana Maria Ferreira – Universidade Federal de Juiz de Fora
Professora Doutora Carina Berta Moljo – Universidade Federal de Juiz de Fora
Professora Doutora Cláudia Mônica dos Santos – Universidade Federal de Juiz de Fora
Professora Doutora Marina Monteiro de Castro e Castro – Universidade Federal de Juiz de Fora
Comissão Científica
2
Pareceristas
3
Sumário
4
Eixo 2 - As expressões da exploração/opressão de classes no contexto da ofensiva
ultraneoliberal do capital
5
Fillipe Perantoni
Memórias de lutas e resistência: o que Walter Benjamin tem a nos dizer? ........ 195
Juliana Viana Ford; Gustavo José de Toledo Pedroso
O debate sobre os novos movimentos sociais: perspectivas e críticas .............. 204
Euler Antônio Campos
Relações entre questão agrária, questão social e lutas sociais na formação
econômico-social brasileira ................................................................................. 213
Anderson Martins Silva
Agroecologia e soberania alimentar: contribuições às experiências de
formação política no Brasil e na Espanha ........................................................... 222
Mônica Aparecida Grossi; David Gallar Hernández
Considerações sobre a greve internacional de mulheres de 2017 ..................... 231
Lucimara dos Reis Pinheiro; Maria Lúcia Duriguetto
Questões de gênero, movimento feminista e serviço social ............................... 239
Livia Neves Masson; Giovanna Urbano; Elizabeth Regina Negri Barbosa
Lutas sociais e Serviço Social: a diversidade sexual na revisão da literatura
profissional brasileira .......................................................................................... 247
Marco José de Oliveira Duarte; Carolina Pereira Fernandes; Matheus Souza
Silva
6
Fome, trabalho e questão social no Brasil: desafios e retrocessos em tempos
pandêmicos ......................................................................................................... 300
Daniel Luiz Pitz; Roberta Sperandio Traspadini
A política municipal para população em situação de rua em Belo Horizonte:
uma proposta de análise dos anos de 2017 a 2022 ........................................... 309
Olga Inah-Inarê Aquino Ribeiro
Mulheres em cárceres ......................................................................................... 318
Graziela de Carvalho Maia Campos; Dagoberto José da Fonseca
Transvestigêneres e precariedade da vida: interseccionalidade, prostituição e
trabalho em realidade interiorana ........................................................................ 326
Dandara Felícia Silva Oliveira; Marco José de Oliveira Duarte
Escalada conservadora e ultraneoliberalismo: indicações a partir da política de
assistência social ................................................................................................. 334
Mossicleia Mendes da Silva; Anna Paola Tuão de Oliveira Souza
Política de assistência social, benefícios eventuais e desafios atuais ................ 343
Aline Macêdo Câmara Gracindo; Bruna Cristina Silva Oliveira
Benefícios eventuais em tempos de pandemia da covid-19: uma análise das
demandas e desafios na oferta no município de Parintins/AM ........................... 352
Isabelle Ferreira Teixeira; Dayana Cury Rolim
Gestão da política de assistência social no contexto da pandemia do covid 19
na cidade de São Paulo ...................................................................................... 359
Robson de Jesus Ribeiro; Maria José de Oliveira Lima
Negacionismo e desvalorização da ciência: expressões do conservadorismo
na política de saúde brasileira atual .................................................................... 370
Isabella da Paixão Alves; Bruna Atalaya de Almeida Rocha; Débora Cristina
Lopes Santos; Isadora das Graças Freitas; Laura Marcelino Leal; Marina
Monteiro de Castro e Castro
Comunidades terapêuticas no norte fluminense do estado do RJ: análises
iniciais e preocupantes ........................................................................................ 378
Juliana Desiderio Lobo Prudencio; Laís Santos Theodoro; Késsia Ramos
Ferreira; Victoria Lavignia Oliveira Baqueiro
A atuação dos residentes na estratégia de saúde da família em tempos de
pandemia COVID–19 .......................................................................................... 387
Luciane da Silva Ferreira
7
A ausência de políticas sociais para pessoas trans e a judicialização do direito
à cidadania .......................................................................................................... 395
Júlio Mota de Oliveira
8
Eixo 6 - Ofensiva ultraconservadora e resistências: formação e trabalho
profissional e Internacionalização do Serviço Social: as articulações
contemporâneas na formação e trabalho profissional
9
Eixo 7 - Lutas Sociais e Serviço Social: a construção de resistências no interior da
profissão
A relação entre Serviço Social e teoria social de Marx: análise das revistas
Serviço Social e Sociedade nos últimos 10 anos ............................................... 577
Ednéia Alves de Oliveira; Victor Salomão Lacerda Brandão; Laura Maria
Cabral Silva
Serviço Social brasileiro entre o espináfre e a criptonita .................................... 586
Fabrício Augusto Araújo Ribeiro; Laura Beatriz Borges
Serviço Social e ação popular no Rio Grande do Sul ......................................... 595
Jessica Flores Mizoguchi; Thaisa Teixeira Closs
Serviço Social na história da ditadura no RJ: veredas da politização, repressão
e resistência ........................................................................................................ 605
Graziela Scheffer; Márcia Cassin Tainá Souza Caitete; Daniele Batista Brandt
Serviço Social e processos de resistência: análise preliminar acerca de
movimentos populares em Juiz de Fora no contexto da ditadura militar ............ 615
Susana Maria Maia; Caroline Rosa Oliveira; Larissa Pereira
Direitos humanos, justiça reprodutiva e contribuições para o Serviço Social ..... 625
Gabriella Alves Brasil
10
Yukari Yamauchi Moraes; Eliana Bolorino Canteiro Martins
População em situação de rua: estratégias profissionais em tempo de
opressão de classes no contexto da ofensiva ultraneoliberal do capital ............ 669
Cristiano Costa de Carvalho; Luciana Reis da Silveira; Mariana Carvalho de
Almeida; Paula Luisa R. Dutra
Serviço Social e o debate do envelhecimento: relevância de uma maturidade
teórica acerca da temática .................................................................................. 679
Ingridilaine Carreiro de Oliveira Azevedo; Rita do Nascimento Silvestre Dantas
Juventudes, tempo e questão social: transição para a vida adulta na
sociedade do capital ........................................................................................... 687
Cristiano Costa de Carvalho; Leonardo David Rosa Reis
Racismo e sofrimento mental: o olhar do Serviço Social a partir de uma
revisão integrativa ............................................................................................... 696
Lara Rodrigues Caputo
Políticas do cuidado e sistema prisional: relatos de uma experiência junto a
dissidentes sexuais e de gênero em Minas Gerais ............................................. 704
Sidnelly Aparecida de Almeida; Márcia Lopes Ferreira
Dissidências sexuais e de gênero: implicações para o exercício profissional de
assistentes sociais .............................................................................................. 711
Guilherme Moraes da Costa
11
VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal e Serviço Social:
resistências e articulações internacionais
EIXO TEMÁTICO 1
Ofensiva ultraneoliberal do
capital e lutas sociais
MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E REPRODUÇÃO AMPLIADA DA BARBÁRIE.
Caminhos e descaminhos para a classe trabalhadora1
(UERJ). Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da UFOP. Pós-doutorando em Serviço Social
pela UNIFESP. E-mail: roberto.carmo@ufop.edu.br
13
1- INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é apresentar uma breve reflexão teórica, tendo como
pano de fundo situações específicas ocorridas no Brasil e o contexto da pandemia do
Coronavírus para, a partir de algumas abstrações, apresentar um ensaio de interpretação
no plano político-econômico em relação aos caminhos e descaminhos da política para a
classe trabalhadora. Para isto, se parte de duas observações gerais que confirmam como
na atual configuração da ordem burguesa vivencia-se um processo de reatualização da
barbárie, característica do período da emergência desta forma de organização social. A
primeira observação é que a lei geral da acumulação capitalista, exposta por Marx há
mais de 150 anos, apesar de significativas transformações experimentadas pelo
capitalismo contemporâneo, assim como das grandes diferenças que caracterizam as
diversas economias nacionais, ainda hoje se manifesta tendencialmente na permanente
produção e reprodução de uma população excedente às necessidades médias de
acumulação do capital; na necessidade de revenda contínua da força de trabalho por
parte do trabalhador despossuído dos meios de produção; na redução em termos
relativos da parcela de valor apropriada pelos trabalhadores, independente de possíveis
aumentos salariais e melhoria nas condições de vida o que expressa a pobreza relativa
da classe trabalhadora; e, na existência de uma camada de população excedente que
vegeta no pauperismo.
A segunda observação é que a análise desenvolvida por Marx em relação à
acumulação primitiva, no capítulo XXIV de O Capital, não deve ser compreendida como
um processo histórico concluído, dada a necessidade de reproduzir em escala sempre
ampliada processos de barbárie e expropriação. Portanto, o que na acumulação primitiva
aparece como transição do sistema feudal para o modo de produção capitalista, como um
processo histórico da gênese do capital, na acumulação ampliada constitui um processo
contínuo que só chegará a seu fim com a eliminação do próprio capitalismo
(ROSDOLSKY, 1989).
Nesta perspectiva, é possível afirmar que a marca original do desenvolvimento do
capital consiste no desenvolvimento sistemático de retrocesso social e impulsiona a
socialização da sua existência em escala sempre ampliada. Trata-se de processos de
expropriação contemporâneos que Fontes (2010) denomina de primários e secundários
como a contraface necessária da concentração exacerbada de capitais, forma mais
selvagem da expansão do capital. Conforme a autora, os processos primários dizem
respeito a uma sucessão de eventos em curso há mais de quatro séculos e que
14
continuam extirpando os recursos sociais de produção das mãos de trabalhadores rurais.
As formas secundárias são variadas e abarcam tanto setores nos quais já vigoravam
plenamente relações capitalistas, como a privatização de empresas e instituições
públicas, quanto de bens naturais sobre os quais até então não incidia propriedade
exclusiva do tipo capitalista, como as águas doces e salgadas, a qualidade do ar, o
patrimônio histórico e cultural e o patenteamento de códigos genéticos.
Se no primeiro momento, nos períodos de acumulação primitiva no contexto da
criação da figura do “trabalhador assalariado”, poderia parecer que a barbárie era
resultado de uma pobreza generalizada, hoje, com o capitalismo amadurecido, a
extraordinária diversificação de mercadorias e um volume de riqueza sem precedentes, o
problema pode aparecer como um problema de distribuição. Sim, de fato, há um
problema de distribuição, mas este é, fundamentalmente, um problema da lógica do
modo de produção, aspecto que se buscará demonstrar de partida. Em seguida,
apresenta-se um breve diálogo com a classe trabalhadora sobre a dimensão política.
15
riqueza crescente e abundante é privadamente apropriada e convive com situações de
pobreza. Com isso, se destacam outras características, como o estranhamento, a
alienação tipicamente capitalista, que reproduz uma forma característica de dominação
abstrata e impessoal somada à dominação de classe que caracteriza esta sociedade.
Entretanto, cabe aqui registrar a contradição peculiar da lógica capitalista que, ao mesmo
tempo em que tem como fim a valorização do valor, com o desenvolvimento das forças
produtivas, diminui a substância do valor das mercadorias dado que passam a ser
produzidas em maior número com menos tempo de trabalho social médio, contendo,
assim, menos valor por unidade produzida. Em adição a isso, essa dinâmica de
apropriação do mais-valor pelo capital decorre do aumento da produtividade do trabalho
social expresso na grandeza da massa dos meios de produção em relação ao quantum
de trabalho vivo necessário para acionar esses meios de produção, processo que,
tendencialmente, torna a força de trabalho supérflua.
A compreensão dessas situações de pobreza, como produto das relações sociais
e na especificidade que assume sob o modo de produção capitalista, evidentemente, não
pode ser limitada a um problema de distribuição, apesar do caráter imprescindível de
medidas distributivas e do fato que muitas vezes tais medidas constituem conquistas de
direitos e são claramente necessárias para garantir uma vida mais ou menos digna de
amplas parcelas da classe trabalhadora. Entretanto, como observado por Marx (1994),
em certa medida, elas são de interesse dos capitalistas para garantir a reprodução da
força de trabalho e do exército de reserva que precisa estar disponível para os momentos
de expansão da acumulação e, inclusive, tais medidas não podem chegar ao ponto de
colocar em risco a permanência do próprio sistema. Neste particular, alguns autores
ressaltam que a existência de “lutas contra o capital” não significa que automaticamente
sejam lutas anticapitalistas, mas, ao contrário, muitas vezes são postas e moldadas pelo
próprio capital à sua lógica, consolidando a identidade e a criação de uma classe de
trabalhadores e a mediação pelo trabalho como características essenciais do
capitalismo.4 Desse modo, observa-se que a existência e a continuidade dessas medidas
distributivas é a evidência de que sob o capital não é possível superar o fenômeno da
pobreza e da fome, não podendo uma análise crítica estar baseada nem se limitar à
distribuição de riqueza como horizonte de análise e de ação.
16
3- BARBÁRIE PRIMITIVA E CONTEMPORÂNEA
17
de Fortaleza que, em outubro de 2021, viralizou nas redes sociais, mostrando um grupo
de pessoas, em sua maioria mulheres, revirando a caçamba de um caminhão e latas de
lixo em busca de restos de comida. Mais alguns exemplos ilustram essas cenas. Em
Cuiabá, capital de Mato Grosso, a notícia de que em dezembro de 2021, às vésperas do
Natal, uma fila enorme de pessoas foi formada para receber doação de sobras de ossos
de dono de açougue. Diversas reportagens fazem referência à comercialização de ossos
de carne em todo o Brasil, com preços diferenciados para os ossos de primeira e de
segunda cujo aumento na demanda, inclusive, acarretou a alta de preços. Neste
contexto, no chamado “mercado da miséria”, ossos, pelancas, carcaças e pés de
galinhas são estratégias adotadas por amplas camadas de trabalhadores pobres para
reforçar a alimentação.
Na minuciosa pesquisa realizada por Engels no século XIX, sobre a situação da
classe trabalhadora inglesa, o autor constata que como resultado da fome, diante a falta
de melhor alimento, “apanha-se tudo o que possa conter um átomo que seja produto
comestível”, sejam cascas das batatas, resíduos de legumes ou vegetais apodrecidos.
(1988, p. 87).5 Marx, nos Manuscritos de 1861-1863, de forma irônica cita o belo livro de
receitas de culinária do Conde Rumford, recomendada por Eden aos diretores das casas
de trabalhadores, para a preparação de mixórdias dos tipos mais baratos. Certamente a
pobreza assustadora daquela época não convivia com a abundância e diversificação de
produtos que existem hoje. De qualquer forma, absurdamente, dada a atual abundância,
a fome no mundo não foi superada e, assim como no caso do “filósofo” Rumford no
século XVIII, ainda hoje preocupa e mobiliza organizações, governos e amplos setores da
sociedade para garantir a alimentação dos pobres extremos, como primeira e mais
urgente medida a ser tomada para evitar no século XXI a morte por inanição de seres
humanos.
4-CAMINHOS E DESCAMINHOS
5O caráter capitalista da economia de mercado e suas consequências são ilustrados por Mandel (1990, p.
117) quando faz referência ao“espetáculo aflitivo de metade da humanidade passar fome não porque o
mundo careça de produtos alimentares, mas porque a demanda solvível não pode seguir a física. Apesar da
abundância de valores de uso, os valores de troca são inacessíveis, e algumas vezes até destruídos
condenando milhões de seres humanos a uma existência infra-humana.” (MANDEL, 1990, p. 117).
18
por séculos, ainda se observam pessoas que vivem em condições subumanas.
Recupera-se aqui também que a questão problema do capitalismo não é a distribuição
dessa riqueza, mas sua lógica interna de dominação abstrata. Este modo de produção
diz respeito a uma “forma determinada da atividade desses indivíduos, de uma forma
determinada de exteriorizarem a sua vida, de um determinado modo de vida” (MARX,
2009, p.24). E aquilo que os indivíduos são “depende das condições materiais da sua
produção” (MARX, 2009, 25). Isso posto, supõe-se que estas condições subumanas
promoveriam um encurtamento do horizonte político da classe trabalhadora. Isto porque
as necessidades imediatas e primárias seriam mais urgentes que as necessidades de
transformação social, já que “os homens têm de estar em condições de viver para
poderem “fazer história”” (MARX, 2009, p.40). O paradoxo aqui é que se é essa
sociedade que produz tal condição subumana, como seria possível a organização
coletiva com potencial para romper esta lógica?
O capital, como relação social, depende da valorização realizada no processo de
trabalho capitalista. Assim, como já lembrado aqui, em alguns momentos, para garantir a
manutenção da força de trabalho e do exército de reserva, uma maior distribuição pode
ser realizada. Ao passo que, aliado a isso, um encurtamento do horizonte político da
classe trabalhadora posto pelas condições objetivas de miséria e fome, pode explicar
uma conciliação entre as classes por esta proposta distributiva. A questão não é nova e
já foi adequadamente tratada em trabalho anterior do filósofo José Chasin (2000). Em
sua problematização sobre os movimentos grevistas dos anos 1970, e que culminaram
na abertura político-democrática do Brasil, o autor resgata que o acirramento das
tendências capitalistas, acabaram por se manifestar no empobrecimento da classe
trabalhadora, na fome. Destaca ainda que se os movimentos trabalhadores puderam
lograr ganhos políticos à época, também há de se considerar que poderia não haver tal
movimento, caso não houvesse uma reivindicação de cunho econômico. Nas palavras do
autor: “Seria mentiroso da minha parte dizer que o movimento foi de cunho econômico.
Da mesma forma que seria enganoso da minha parte dizer que a classe trabalhadora vai
fazer uma greve eminentemente política, sem nenhuma reivindicação” (CHASIN, 2000, p.
51). “Na raiz da fome, - o arrocho, na raiz da greve, - a fome.” (CHASIN, 2000, p.52).
Algumas questões se colocariam para o debate contemporâneo, onde o combate
à fome esteve no centro de uma estratégia de desenvolvimento. O que é a “fome” hoje?
Quer dizer, a fome é sempre fome, e continuará a simbolizar na vida das pessoas o papel
da escassez e da impossibilidade de garantir sua existência enquanto gênero humano,
mas é apenas essa escassez extrema capaz de contribuir com tal ordem de mobilização?
19
Que elemento é este além da política, capaz de promover mobilização de tal monta? A
solidariedade? Ou sentimentos menos nobres como o egoísmo, típico do “homem
burguês”?6 Deste modo, as questões que encerram este trabalho, são provocações
necessárias para o arrefecimento da luta política, seja no plano de uma estratégia
redistributiva, urgente nesta quadra da história brasileira, de forma mais específica, ou no
plano do debate da revolução social.
5- CONSIDERAÇÕES
6 Aqui se faz referência à construção de Konder (2000), na obra Os sofrimentos do “homem burguês”.
20
6- REFERÊNCIAS
CHASIN, J.A miséria brasileira 1964 - 1994: do golpe militar à crise social. São Paulo:
Estudos e Edições Ad Hominem, 2000.
LIMA, Ludimilla de. Rio ganha hospital cinco estrelas com conceito luxuoso. EXTRA, Rio
de Janeiro, 09 de outubro de 2016. Rio. Disponível em
<https://extra.globo.com/noticias/rio/rio-ganha-hospital-cinco-estrelas-com-conceito-
luxuoso-20262131.html>Acessado em 25 de maio de 2022.
MARX, K.O Capital. Crítica da Economia Política. 12ª ed, livro 1, volume I e II, Rio de
Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1994.
OXFAM GB. O vírus da desigualdade: Unindo um mundo dilacerado pelo coronavírus por
meio de uma economia justa, igualitária e sustentável. 2021. Disponível em:
https://materiais.oxfam.org.br/o-virus-da-desigualdade Acesso em: 20 mar. 2021.
21
Deslocamentos internos forçados sob a perspectiva marxista
7 Doutorando em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRIO). E-mail:
joaovitorbitencourt2016@gmail.com
8 Doutora pelo Programa de Estudos de Pós-Graduação em Política Social pela Universidade Federal
Fluminense -UFF/Niterói. Professora Assistente do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio. E-mail:
arianepaiva@puc-rio.br
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1- A QUESTÃO DOS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS E DOS DESLOCAMENTOS
POPULACIONAIS SOB A PERSPECTIVA MARXISTA
23
são frutos, em especial, de interesses e determinantes socioeconômicos, em meio a
circunstâncias como a pressão demográfica, as mudanças nos meios de produção ou
termos de propriedade da terra, fatores ambientais como a seca ou o esgotamento do
solo etc. (BARBOSA, 2017, p.145), assim como em contextos de deslocalização de
indústrias manufatureiras e de serviços para exploração da mão-de-obra barata nos
países dependentes (ibid., p.145).
9
Na medida em que as relações entre as pessoas se constroem como relação de sujeitos, temos todas as
condições para o desenvolvimento da superestrutura jurídica com suas leis formais, seus tribunais, seus
processos, seus advogados, e assim por diante (PACHUKANIS, 2017, p. 62).
24
membro de um determinado grupo), tem em sua essência relações sociais fundadas na
troca de mercadorias.
25
Posto isso, pode-se dizer que a própria proteção internacional para a população
refugiada, as atividades das organizações internacionais, a tarefa de proteção do Estado
por meio dos mecanismos governamentais, tal como às ações da sociedade civil e das
organizações intergovernamentais em sua aparência, apresenta-se como dinamismo
criador e regulamentador para a proteção a esses sujeitos de direitos. Ao mesmo tempo,
em sua essência, trata-se de uma dinâmica que reflete o atendimento das necessidades
da classe trabalhadora e, também, do capital. Isso, pois, o direito não é um sistema
“natural” de organização e evolução de pensamentos, mas “um sistema específico de
relações, no qual os homens ingressam não porque o tenham escolhido
conscientemente, mas porque a isso são coagidos pelas condições de produção”
(PACHUKANIS, 2017, p.56).
26
experiência que tem como determinação primordial as relações sociais de produção. O
deslocamento forçado, que é fruto dessa dinâmica do capitalismo, compreende sujeitos
vulneráveis, que constituem, contudo, à força de trabalho que excede as necessidades
da produção e/ou valorização do capital.
27
Nesse sentido, pode-se debater o deslocamento forçado interno sob a análise
marxiana da superpopulação relativa. Na sociedade capitalista moderna, de cunho
mercantil - de estratégias voltadas à valorização do valor (por meio, contudo, das
políticas de emprego e questões de renda), o paradigma da migração gerenciada
combina o controle do fluxo de migrantes trabalhistas recrutados ativamente desde o Sul
global e minimiza os passivos econômicos e políticos da migração nos países receptores
(BARBOSA, 2017, p.147, grifos nossos), a fim de fornecer, em especial, trabalhadores de
reserva para assegurar a acumulação de capital nos países do Norte global através de
maneiras de promover a migração global de mão-de-obra gerenciada (ibid. p.147).
28
Há,em uma conjuntura de controle exercido por “organizações criminais”, muitas
vezes, situações de instabilidade social, onde parte de uma juventude pauperizada das
periferias vivência diferentes experiências por meio do mercado ilícito de drogas e de
práticas de caráter miliciano, entre outras. Leal e Almeida (2012, p.782) apontam a
condição de função desmobilizadora, onde “ao invés de lutarem contra o capital e seu
Estado, boa parte da população das periferias está lutando uns contra os outros”. Em
meio à disputa pelo controle econômico e territorial, por meio de conflitos armados entre
“facções”, milícias e organizações estatais armadas, há a produção do deslocamento
Interno, que acontece através de violações massivas dos direitos humanos, onde grupos
são forçados a abandonar suas casas, como demonstram, por exemplo, as seguintes
reportagens: Milícias expulsam moradores de casa no Rio, em Itaboraí e Magé e colocam
imóveis à venda (DIÁRIO DO RIO, 2020) e Moradores de comunidade na Zona Norte do
Rio são expulsos de suas casas por traficantes (G1, 2020).
29
é, com maior destaque, um serviço de reserva e de mão-de-obra para a produção
capitalista. Isso explica, por exemplo, o debate em torno da conceituação teórica e da
categorização institucional do deslocado interno, que ao longo do século passado, não foi
brindada com tratados ou com instituições internacionais de proteção, como ocorreu com
os refugiados, pois tiveram de esperar até o final dos anos 1990 para que fossem
construídos os primeiros arranjos normativos e institucionais que reconheceram seus
direitos e que responsabilizam Estados e organismos internacionais por sua proteção
(NOGUEIRA, 2016).
4- REFERÊNCIAS
MARX, K. Grundrisse. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011.
30
MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. 1ª edição [1859]. São Paulo,
Expressão Popular, 2008.
31
NEODESENVOLVIMENTISMO ARRAIGADO: provocações ao pensamento crítico
brasileiro da atualidade.
1- INTRODUÇÃO
10 Assistente social, mestrando em Serviço Social no PPGSS da UNESP. Orientador Dr. Gustavo
José de Toledo Pedroso. E-mail: faa.ribeiro@unesp.br. EIXO: Ofensiva ultraneoliberal do capital e
lutas sociais.
32
programa de pós-graduação em Serviço Social da Universidade Estadual Paulista -
Unesp/Franca, bem como de processos sistemáticos de discussão, pesquisa e estudo
entre os discentes e docentes da pós-graduação. No texto apresentamos os elementos
gerais do debate a cerca da produção de conhecimento em Serviço Social, tal recorte se
dá em razão dos limites de espaço exigidos ao presente trabalho.
De forma geral, é possível se afirmar que este período foi um tempo que
possibilitou alguns avanços à classe trabalhadora brasileira, como a consolidação da sua
organização política em partidos, sindicatos e movimentos. A pesquisa social e a
produção de conhecimento na perspectiva crítica contribuíram largamente para este
processo. No Serviço Social, por exemplo, o conhecimento acumulado a partir da década
33
de 1980 já se apresentava com uma postura crítica; a aproximação ao pensamento
marxista já se evidenciava, com Lukács e Gramsci (IAMAMOTO, 2006).
34
comandar, a partir de si mesma, ações para combater a miséria, a fome e a
marginalidade social”.
35
Observa-se que, apesar da manutenção da agenda econômica dos governos
anteriores, o lulopetismo reinterpreta a conciliação entre as classes sociais e estas com o
Estado brasileiro.
36
boom das commodities, que constituiu a última fase de plena expansão aparentemente
harmônica do modo de produção capitalista em todo mundo, mas que na verdade
representa, ao modo de ver de pensadores como Plínio de Arruda Sampaio Junior e
Rodrigo Castelo, nada mais do que uma nova fase do processo de consolidação do
modelo neoliberal no Brasil, particularizado pelo fato de se dar no contexto da ascensão
política de uma fração expressiva da classe trabalhadora aos espaços do poder central.
uma nova etapa da revolução passiva com acordos entre modernas e arcaicas
classes dominantes sob a égide da aristocracia operária que abandonou seus
projetos de socialismo antes mesmo de assumir o governo (Iasi, 2006), em um
processo maciço de transformismo (CASTELO, 2012: 631).
Este autor destaca como frutos do modelo desta dita coalizão i) a redução da luta
de classes ao controle estatal sobre o mercado e ii) o esvaziamento da grande política e
do seu poder transformador em que não se debate a questão da distribuição da riqueza
37
nacional e nem a sua apropriação pelo capital no contexto da luta de classes. Desta
forma, o neodesenvolvimentismo se constitui num rótulo que esconde sua essência
neoliberal, ignorando as críticas marxistas e todo o seu cabedal teórico em torno dos
problemas do desenvolvimento brasileiro, sobre a teoria do valor-trabalho, da
vulnerabilidade externa, do subdesenvolvimento, da dependência e da revolução
brasileira, “destruindo em 5 anos uma reputação clássica construída em 50 anos”
(CASTELO, 2012: 634), (parafraseando JK num paralelo com a tradição nacional
desenvolvimentista).
O neodesenvolvimentismo cria uma ideologia que justifica uma lógica política que
diz pretender agradar às duas classes sociais fundamentais. Ela agrada a classe
dominante de forma material, concreta, por meio da expansão dos seus ganhos
financeiros, por outro lado engendra uma ideologia capaz de (des)mobilizar tanto as
frações médias da classe trabalhadora, porque, inclusive, se fundamenta em princípios
cristãos e que, por outro lado e por isto mesmo, “agrada” às frações mais empobrecidas
por meio da distribuição de mínimos sociais, que anunciam o objetivo de combater a
extrema pobreza e a fome, substituindo o projeto de combate às desigualdades.
38
conciliar crescimento com equidade. A supervalorização dos fatos positivos e a
pura e simples desconsideração dos aspectos negativos da realidade alimentam
a mitologia de crescimento com distribuição de renda e aumento da soberania
nacional.” (SAMPAIO JUNIOR, 2012: 680-681).
Mas estes elementos constituem apenas o primeiro plano, um plano mais visível
deste projeto, um plano que se apresenta pacífico e harmônico. Diz-se “num primeiro
plano” porque uma análise crítica mais cuidadosa sobre o período não tem nenhuma
dificuldade de descortinar uma realidade extremante violenta, em que o aparato do
Estado foi utilizado para seguir oprimindo diversas frações da classe trabalhadora
brasileira. Os processos de genocídio do povo indígena e encarceramento da juventude
negra não cessaram durante os governos do Partido dos Trabalhadores, pelo contrário,
sob o manto pacífico e amoroso da ideologia da conciliação de classes foi possível a
aliança com as burguesias latifundiárias urbana e rurais, que têm um caráter
essencialmente violento; classes que se formaram, se enriqueceram e constituíram o seu
poder político e econômico às expensas do genocídio dos indígenas, da escravização
dos africanos e seus descendentes e da exploração aviltante da força de trabalho do
povo brasileiro, constituindo aquilo que Darcy Ribeiro denominou como o “moinho de
gastar gente”.
39
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
4- REFERÊNCIAS
40
Pós-Graduação em Economia (Anpec), proferida em Brasília, em 4 de dezembro de
1990.
NETTO, J. P; Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-
64. 15 ed. São Paulo : Cortez, 2010.
41
CRISE DO CAPITAL E RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL: indicações para
análise
Ana Luiza Avelar de Oliveira12
1- INTRODUÇÃO
12
Assistente Social; Professora Adjunta da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de
Fora; Doutora em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro; email: analuiza_avelar@yahoo.com.br; eixo temático “Política Social, trabalho e questão social:
retrocessos e resistências na conjuntura atual”.
42
produzir sem lucros. Como explicitado por Marx (2017), no entanto, devido à lei da queda
tendencial da taxa de lucros, o capitalismo passa por períodos de crise, nos quais é
preciso haver uma reorganização para se elevar os níveis de lucro dos períodos
anteriores.
Para entender a particularidade da formação do capitalismo no Brasil, será realizada
uma análise, em caráter preliminar, da teoria da dependência desenvolvida por Rui
Mauro Marini, para compreender o lugar dos países latino-americanos no sistema
capitalista mundial e sua situação de subalternidade e dependência em relação aos
países de economia central. Por fim, será feita uma análise de alguns elementos da
reforma trabalhista brasileira, realizada em 2017, bem como a análise de alguns de seus
impactos.
43
característica adquire e o fato de que ela responde à própria estrutura de seu processo
histórico de acumulação de capital”.
No que concerne ao ciclo da produção, na economia dependente, os capitalistas,
devido à diferença dos custos da produção em relação aos países centrais, tratam de
recompor sua taxa de lucro através da elevação da taxa de mais-valia.
Com a saída de recursos do país, vários problemas de estrangulamento interno e
restrições externas ao crescimento começam a ocorrer, cabendo aos países de economia
periférica, a fim de garantir sua dinâmica interna de acumulação de capital, aumentar a
produção de excedente por meio da superexploração da força de trabalho (AMARAL;
CARCANHOLO, 2012).
De acordo com Osório (2012a, p. 55) existem quatro formas para incrementar a taxa
de exploração. A primeira delas é a partir do prolongamento da jornada de trabalho, a
partir de um aumento do tempo de trabalho excedente, pelo incremento absoluto da
jornada de trabalho. Nas condições de capitalismo mundializado, essa forma se constitui
como um mecanismo regular nas regiões dependentes, que têm como característica a
presença de salários muito inferiores ao valor da força de trabalho.
A segunda forma é a partir da produtividade do trabalho, pela modificação da relação
entre trabalho necessário e excedente, dentro de uma jornada de trabalho constante, a
partir de uma diminuição do valor da força de trabalho e, nesse sentido, do tempo
necessário. Nesse sentido, aumenta-se o tempo de extração de mais-valor dentro de
uma mesma ornada de trabalho. Essa forma de exploração aumenta o tempo de trabalho
excedente, porém não viola o valor da força de trabalho (OSÓRIO, 2012a).
A elevação da produtividade possibilita a elevação da intensidade do trabalho, que
Osório (2012a) considera como terceira forma. Tanto a elevação da produtividade,
quanto a intensidade propiciam o incremento da produção, porém com diferenças
substanciais. O aumento da intensidade do trabalho é obtido pelos avanços tecnológicos
e da organização do trabalho, aumentando o desgaste dos trabalhadores, o que não
ocorre com a elevação da produtividade. Essa forma de incrementar a taxa de exploração
propicia um tipo de desgaste que acaba reduzindo a vida útil do trabalhador, devido a
doenças nervosas e psicológicas, ao contrário do prolongamento do desgaste, que reduz
por meio de desgastes físicos imediatos e acidentes de trabalho.
Como quarta e última forma, Osório (2012a) indica a organização do trabalho, que
tem variado ao longo do desenvolvimento do capitalismo. O predomínio de determinada
forma de organização do trabalho, não significa a extinção ou superação das formas
anteriores, mas sim ocorre frequentemente uma combinação entre elas. Haja vista que
44
há o predomínio de uma forma ou outra em cada tempo histórico, é possível que a
organização dos processos de trabalho seja periodizada, o que leva as noções de
taylorismo, toyotismo, dentre outros.
Luce (2013, p. 146) afirma que a superexploração do trabalho pode ser entendida
como “uma violação do valor da força de trabalho, seja porque a força de trabalho é paga
abaixo do seu valor, seja porque é consumida pelo capital além das condições normais,
levando ao esgotamento prematuro da força vital do trabalhador”, ou seja, nessa situação
em que a força de trabalho é superexplorada o capital se apropria do fundo de consumo
e/ou do fundo de vida do trabalhador.
De acordo com Marini (2012) a superexploração se reflete na escala salarial, a partir
da remuneração da força de trabalho abaixo do seu valor. A parcela de operários que
conseguem sua remuneração acima do valor médio da força de trabalho, o tempo todo vê
seu salário pressionado constantemente, devido ao papel regulador do salário médio.
Conforme indica Osório (2012a), a busca incessante da valorização caracteriza o
sentido da produção capitalista, nesse sentido não deve ser entendida apenas como um
processo de produção, mas sim como um processo de reprodução.
Os mecanismos que intensificam a exploração da força de trabalho nos países latino-
americanos são utilizados nos países centrais para reverter o problema da queda da taxa
de lucro. Isso faz com que a massiva composição da força de trabalho seja de
trabalhadores informais e desempregados.
Essas novas relações de trabalho, gerada pelas relações flexíveis, características do
estágio capitalista atual, estabelecem uma relação orgânica e reacionária entre a
expansão do capital e a espoliação do trabalho, que incorpora antigas e novas formas de
exploração, cuja conciliação culmina no fenômeno da superexploração. Afirma-se, nesse
sentido, que a superexploração é um pressuposto tanto da financeirização, quanto da
transnacionalização, que se materializa na transição para o modelo de acumulação
flexível.
45
determinados fins econômicos, a política econômica é mais do que isso, relacionando-se
com elementos de ordem econômica, que são necessariamente políticos.
Em relação ao Estado capitalista, Mandel (1985) sinaliza que suas principais funções
são a de criar condições gerais de produção que não podem ser garantidas pelas
atividades privadas de setores da classe dominante; a de reprimir ameaças da classe
trabalhadora, ou de algumas frações ao modo de produção capitalista a partir da ação do
exército, polícia, do sistema judiciário e penitenciário e; a de integrar a classe
trabalhadora, garantindo que a ideologia da sociedade continue sendo a da classe
dominante e que a classe explorada aceite sua exploração. Segundo Osório (2012b), nas
últimas décadas, devido ao período de crise da década de 1970, a América Latina
passou por uma grande transformação econômica, que exigiu mudanças tecnológicas, a
implementação de uma nova divisão internacional do trabalho e a mundialização do
capital.
De acordo com Pochmann (2006 apud Santos, 2012) a formação do mercado de
trabalho no Brasil possui algumas características sem as quais não é possível entender o
padrão de sociedade salarial incompleto, com marcantes traços de subdesenvolvimento,
como, por exemplo, a distinção entre assalariamento formal e informal, a ampla presença
de baixos salários e a grande quantidade de trabalhadores autônomos (não
assalariados). O autor salienta ainda entre os determinantes dessas características o
intenso processo migratório campo-cidade, que é responsável por parte dos traços desse
padrão de exploração da força de trabalho, bem como pela formação do excedente de
mão de obra, que apesar de ficar de fora do usufruto dos resultados do crescimento
econômico, foi essencial para o seu processamento.
Dedecca e Baltazar (1992 apud SANTOS, 2012) enfatizam a importância dos
anos de 1930 a 1956, período em que se inicia a constituição da base de trabalho
assalariado necessária à estruturação do movimento sindical, além disso, é a partir desse
momento que o processo de industrialização ganha expressão e vai se formando um
mercado de trabalho urbano-industrial que possibilita a estruturação de um movimento
sindical em âmbito nacional. É nesse período que a industrialização, ao avançar, começa
a traçar um mercado nacional de bens, serviços e trabalhos, com uma dinâmica
determinada pela indústria de transformação e pela crescente concentração de atividades
no meio urbano.
Nesse sentido afirma- se que essa “industrialização restringida” é fundamental
para consolidar o sistema de relações de trabalho no país, que atraem parte dos
trabalhadores rurais para os centros urbanos em formação. É importante frisar também
46
que é nesse período que se consolida a legislação trabalhista no país, porém os
trabalhadores organizados e protegidos por essas leis e pelo salário mínimo eram
relativamente poucos, localizados em algumas capitais, e que a maioria dos
trabalhadores, que se encontravam naquela época no campo, e alguns marginalizados
das cidades não possuíam quaisquer direitos. De acordo com Santos (2012, p. 436) fica
“evidente que a restrita regulação do trabalho no Brasil sempre colaborou para manter
baixo o valor da força de trabalho “consolidando, assim, uma relação entre capital e
trabalho pautada na superexploração”.
No Brasil, ao longo do seu processo histórico percebe-se constantes processos de
revoluções passivas. É importante destacar também o papel central que a ação do
Estado teve na constituição do capitalismo brasileiro, que em sua atuação, cooptada
pelos setores dominantes, propunha ações que instituíram a superexploração do trabalho
e a passivização das lutas sociais no Brasil.
É por isso que, de acordo com Santos (2012) a análise genérica da crise
capitalista não pode ser realizada sem a contextualização do significado da
flexibilidade/desregulamentação tem no panorama brasileiro, diferente do que significa no
contexto de países capitalistas desenvolvidos. No Brasil essa implementação ocorreu
mais fortemente e com menos resistência aos retrocessos civilizatórios implicados na
ausência de proteção ao trabalho.
De acordo com Marx (2017) um dos mecanismos utilizados para conter as crises e
recuperar os índices anteriores é a redução dos salários abaixo do seu valor. Devido à
crise de 2008, uma das formas utilizadas por alguns países da América Latina, foi a
reformas de suas legislações trabalhistas, a fim de baratear o valor da força de trabalho.
Sob a argumentação de que é necessário, para recuperar os índices de crescimento
econômicos nacionais, reduzir a insegurança jurídica e diminuir o desemprego, em 2017
são aprovadas mudanças que alteram a legislação trabalhista brasileira.
Em março de 2017 foi aprovada a Lei n° 13.429, que permite a terceirização em
todas as atividades de uma empresa, sendo que anteriormente a aprovação dessa lei, as
atividades fins não poderiam ser terceirizadas. Poucos meses após a aprovação da lei da
terceirização, o Congresso aprovou a reforma trabalhista, alterando mais de cem artigos
da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
O mercado de trabalho formal brasileiro tem como vínculos de emprego
predominantes o contrato por tempo indeterminado e o estatuário efetivo. De acordo com
Krein et al. (2018) analisam que o mercado de trabalho brasileiro está muito flexível e
47
variando de acordo com o nível da atividade econômica, visto que houve uma queda
muito expressiva de empregos formais, no período entre 2014 e 2016.
Tal dado indica que o contrato de trabalho por prazo indeterminado já possui um
alto nível de flexibilização no país, uma vez que as empresas têm a liberdade de romper
o vínculo, o que explica a baixa expressão das formas atípicas de contratação, que
segundo Krein et al. (2018) são as modalidades de temporário, avulso, estatutário não
efetivo, contrato por tempo de terminado e contratos especiais no setor público.
A reforma trabalhista brasileira tem a finalidade de estimular os contratos atípicos,
visto que são vínculos mais frágeis se comparados com os contratos por tempo
determinado. De acordo com Krein et al. (2018, p.101) isto “pode contribuir para
precarizar o mercado de trabalho, gerando ocupações mais inseguras e deixando os
trabalhadores em uma condição de maior vulnerabilidade”.
A precariedade pode também ser observada a partir da taxa de informalidade e da
taxa de rotatividade entre os trabalhadores. A alta rotatividade é uma das características
estruturais do mercado de trabalho brasileiro, não podendo ser explicadas por situações
conjunturais, o que leva a compreensão de que a reforma trabalhista não tem como
resolver tal problema, mas sim agravá-lo, ao ampliar as formas de contratação atípica e
baratear os custos das rescisões, por meio de “acordos”.
Há também um crescimento da terceirização a partir da incorporação de processos de
transformações nas relações de emprego, como a pejotização, que flexibiliza as relações
de trabalho, uma vez que são eliminados direitos, proteções e garantias ao trabalhador, e
a uberização, que ao garantir autonomia ao trabalhador para definir seu horário de
trabalho, sua jornada e a intensidade do trabalho, aparece que este possui ter total
liberdade sobre seu trabalho, porém ficam obscurecidas as relações de dependência e
subordinação com as empresas.O crescimento dessas formas de terceirização ocorre,
visto que a população trabalhadora brasileira transita no mercado de trabalho de forma
instável, precisando, muitas vezes, a fim de obter uma melhor remuneração, combinar
diferentes ocupações.
Observa-se que apesar dos sinais de melhora apresentados pela economia brasileira
durante o governo Temer, não houve diminuição da taxa de desemprego, ampliando
assim a quantidade de trabalhadores que se encontram fora do mercado formal de
emprego, ou que já desistiram de procurar emprego. Considera-se que a reforma
efetuada pode ser considerada como bem-sucedida pelos representantes do capital,
tendo em vista que promoveu uma maior flexibilização nas relações de trabalho,
48
diminuindo assim o valor pago pela força de trabalho no país, o que é um atrativo para a
vinda de capital externo para o país.
Em síntese, é possível afirmar que a reforma trabalhista vem afetando drasticamente
as condições de vida e trabalho da população trabalhadora brasileira, mas que esta não é
uma questão que se refere somente a realidade brasileira, mas sim faz parte da dinâmica
do capitalismo que busca constantemente baratear o valor pago pela força de trabalho
até o mínimo possível.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
49
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARINI, Ruy Mauro. O ciclo do capital na economia dependente. In: FERREIRA, Carla,
OSÓRIO, Jaime e LUCE, Mathias (orgs.). Padrão de reprodução do capital:
contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012.
OSORIO, Jaime. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA,
Carla, OSÓRIO, Jaime e LUCE, Mathias (orgs.). Padrão de reprodução do capital:
contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012a.
PAIVA, Beatriz; ROCHA, Mirella; CARRARO, Dilceane. Política social na América Latina:
ensaio de interpretação a partir da Teoria Marxista da Dependência. Revista Ser Social.
Brasília, v.12, nº 26, 2010, p.147-175.
50
O PROCESSO DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL: AS NOVAS
FORMAS DE EXPLORAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE
1- INTRODUÇÃO
51
trabalho que ao mesmo tempo em que busca atender aos novos padrões de reprodução
do capital, se distancia do formato do trabalho estável, protegido e coletivo, para formas
mais heterogêneas, desprotegidas e desagrupadas, em suma, mais individualizadas
(AMARAL, 2018).
Dessa forma, a lógica financeira passa a atingir todos os âmbitos da vida social,
perpassa também pelo discurso de que só com o trabalho é que as pessoas irão
conquistar a sua política de proteção social. Rejeita-se qualquer tipo de política oriunda
dos mecanismos de proteção social pública, por considerá-las, assistencialistas,
atrasadas e que prolongam a pobreza, fazendo com que os indivíduos não se
desenvolvam e conquistem a sua sonhada “liberdade financeira”, que o discurso
neoliberal vem difundindo pelos países mais ricos e que chega em países
subdesenvolvidos e arrasam economias que estão rumando ao progresso e que
estimulam uma política de proteção social pública
Ainda lembramos que a história dos direitos trabalhistas no país esteve
intimamente ligada aos interesses da elite, que se inspirou nas reformas neoliberais como
a desconstrução do sistema de proteção social e a negociação direta entre
empregadores e trabalhadores. Mesmo com o processo de Redemocratização, período
de maior avanço em termos de construção de direitos com a nova constituinte de 1988,
ainda na década de 90 já foi marcada pelo avanço das ideias neoliberais no país.
Hodiernamente, vivenciamos aprofundamentos destes processos com o aumento do
desemprego e novas formas de empregabilidade marcadas pela precarização e
desregulamentação do trabalho.
Reforma Trabalhista, instituída pela Lei n 13.467/ 2017 justificada segundo seus
idealizadores, sob uma perspectiva de política econômica neoliberal, de que a sua
implementação se fazia necessária, pois, se tratava de uma questão de sobrevivência
para a classe trabalhadora, partindo do princípio que " o aumento do lucro oriundo do
corte de custos aumentaria a poupança da economia, elevando investimentos e, por
conseguinte, o número de empregos" (FILGUEIRAS, 2019, p. 21). Isso perante um olhar
voltado para a expansão e formalização do emprego, porém, há elementos que precisam
52
ser evidenciados dentro deste processo, a flexibilidade, que traz aos trabalhadores
impactos significativos, que encurralam a classe trabalhadora no dilema de ter um
emprego ou de lutar por melhores condições de trabalho e direitos (FILGUEIRAS, 2019).
É importante ressaltar que, as condições e a expansão do número de empregos
depende de decisões e de investimentos tomadas fora do mercado de trabalho, e isso
tem impactado significativamente nos níveis de desemprego desde a sua implementação,
e intensificado enquanto expressão da questão social na pandemia, isso nos reafirma
mais uma vez que o trabalhador continua a ser explorado e ter seus direitos
expropriados, a sua renda diminuída.
Esses dados comprovam que o trabalhador está mais do que nunca, mais
vulnerável aos interesses do capital, essa afirmativa parte do entendimento da efetividade
da reforma, dos impactos que ela traz ao universo do trabalho e as condições de vida e
sobrevivência dos trabalhadores, a partir dessas informações, podemos refletir sobre
alguns aspectos, segundo Filgueiras (2019), vejamos:
53
● Níveis de desemprego- Não se tem uma mudança significativa frente aos
números do desemprego, pelo contrário, estes foram acentuados e somente
diminuídos em números insignificantes, refletidos no aumento do trabalho informal
e desprotegido, que impactam diretamente nas expressões da questão social,
pois, "o desemprego deixa de ser acidental ou expressão de uma crise
conjuntural, porque a forma contemporânea do capitalismo não prevê mais a
incorporação de toda a sociedade no mercado de trabalho e consumo” (Chauí,
1999.p. 29 apud Pereira, 2004), refletindo também no âmbito da habitação,
saúde, alimentação, lazer, cultura e segurança. Se consolidando, portanto,
cenário emergente de atuação dos Assistentes Sociais.
54
Tais tendências para esta modalidade precarizante de trabalho já era legítima
com a regulamentação do teletrabalho e o trabalho intermitente, a partir da reforma
trabalhista (Lei 13.467/2017). É importante frisar que tanto o teletrabalho (trabalho
realizado fora do ambiente de trabalho da empresa) quanto o trabalho intermitente (“uma
modalidade de contratação que permite que a empresa admita um funcionário para
trabalhar eventualmente e o remunere apenas por esse período” (ARAUJO; LUA, 2020,
p.3)) expressa o avanço das formas flexíveis de trabalho e das premissas neoliberais
sobre o Estado brasileiro, já que “nessa regulamentação da modalidade, não há controle
de jornada laboral e não há direito ao adicional de horas extras, intervalo intrajornada e
interjornada – o controle da jornada é do(a) trabalhador(a)” (idem, ibidem). Percebemos
que as transformações tecnológicas incidiram sobre as condições do mercado de
trabalho e criaram novos espaços de trabalho, rebaixando salários e intensificando a
precarização estrutural (AMARAL, 2018).
O contexto de crise estrutural do capital e uma intensificação do desemprego
agravada pela pandemia vemos cada vez mais trabalhadores adentrando nos trabalhos
informais, sem qualquer vínculo empregatício, de proteção a qualquer adversidade que
os processo de trabalho possam lhe causar. Ao longo da história do nosso país o
trabalho informal sempre foi crescente, como é destacado por Silva (2020, p. 67), estes
estão na linha de frente em momentos de crise sem conta as mais variadas formas de
empregabilidade que esta modalidade abarca
São milhões de pessoas que trabalham como autônomos – como motoristas,
motociclistas e até ciclistas de aplicativos de transporte e entrega –,
trabalhadores do setor privado que trabalham sem carteira, empregadas
domésticas mensalistas e diaristas também sem carteira, pessoas– jovens e
mulheres, principalmente – que trabalham como auxiliar em pequenos
negócios familiares e ainda empreendedores sem CNPJ e que também
contratam auxiliares – como ambulantes, pedreiros, pintores, etc.
55
2.3- AS ARMADILHAS DO EMPREENDEDORISMO
56
possibilidades de luta e resistência. O incentivo ao auto emprego, ao transferir a
responsabilidade estatal para o trabalhador, além de propagar a ideia de uma terceira
classe em diferentes cadeias produtivas, impulsiona a exacerbação do individualismo, da
competitividade e concorrência desses trabalhadores-empreendedores entre si
(OLIVEIRA, 2013).
Outra funcionalidade do empreendedorismo ao modo de produção capitalista está
na capacidade de produzir a paz social entre as classes, isto é, um apaziguamento dos
conflitos entre capital e trabalho e das contradições do sistema capitalista de produção,
transformando, aparentemente, as relações de trabalho em relações horizontais. Assim, a
adesão do empreendedorismo por parte da classe trabalhadora aparece como solução
perfeita frente ao cenário de desmontes. Há, pois, a manutenção da hegemonia burguesa
e a intensificação do processo de exploração sem perturbações políticas, pois, através da
camuflagem das relações entre capital e trabalho, é criada uma relação de não mais
empregado e empregador, mas de empreendedores. Nesse processo, então, o capital se
utiliza da ideologia empreendedora como estratégia moderna utilizada para a
recomposição do capital em meio à crise capitalista, especialmente num cenário de
desemprego estrutural e de ampliação das desregulamentações trabalhistas, como
afirmam Valentim e Peruzzo (2017).
4- CONCLUSÃO
57
5- REFERÊNCIAS
58
A ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES NO SÉCULO XXI: desafios no contexto
neoliberal
1- INTRODUÇÃO
15Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Bolsista CAPES. Integrante do Núcleo de Estudos em Políticas e Economia Social (NEPES).
E-mail: andreafcarloto@hotmail.com. Este trabalho vincula-se ao eixo temático: Ofensiva ultraneoliberal do
capital e lutas sociais.
59
ela assume formas e características específicas, desde as manifestações individuais até
as de caráter coletivo, tendo como conhecido exemplo a organização sindical.
A organização sindical derivou da luta operária que se estabeleceu durante o
período do capitalismo industrial. No século XXI, o contexto já é outro e a esfera dos
serviços se sobrepõe, ocorrem muitas transformações sociais e no mundo do trabalho e
com isso a organização dos trabalhadores também apresenta significativos traços de
encolhimento e fragilidade. Considera-se aqui que a organização dos trabalhadores é um
importante instrumento na luta pela dignidade humana diante de um modo de produção
fundado na concorrência e na exploração. Portanto, abordar essa temática permite
desocultar alguns elementos e desafios que precisam ser enfrentados para fortalecer e
ampliar a organização dos trabalhadores.
Considerando isso, aqui são levantadas algumas das particularidades do
sistema capitalista no contexto atual e os desafios postos para a organização dos
trabalhadores hoje. Posteriormente, são apresentadas as considerações finais que
apontam uma possibilidade de enfrentamento para essas dificuldades que a organização
dos trabalhadores encara no século XXI, a disputa da normatividade e do ideário, que no
momento se encontram vinculados a racionalidade neoliberal.
60
Não há como negar que o ponto de partida desses autores foi análise da sociedade
capitalista, mas apesar de alguns autores atribuírem a Marx e Engels uma leitura
economicista, eles não tinham uma visão meramente econômica de pobreza, pelo
contrário, consideravam que esse era um fenômeno essencialmente de natureza
estrutural, com dimensões sócio-históricas, econômicas, culturais e políticas, portanto
complexo e multidimensional (MAGRO; REIS, 2020). Marx aponta a ignorância a
brutalização e a degradação moral como produto do homem mercadoria, que está restrito
a grosseira necessidade (PRATES; CARRARO; ZACARIAS, 2020). Assim, a
desigualdade e a pobreza advindas exploração no modo de produção capitalista se
manifestam em todas as relações sociais e possuem duplo caráter, material e subjetivo.
Em contraponto, Polanyi (2000, p. 191) defende que:
61
No Brasil, nas últimas décadas do século XX nasceram as centrais sindicais,
como exemplos, é possível citar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força
Sindical. Essas centrais sindicais apresentavam diferenças significativas, a CUT
propunha-se a aglutinar o novo sindicalismo enquanto a Força Sindical nasceu com o
intuito de sintonizar o movimento sindical com a modernidade sendo fortemente marcada
pelo neoliberalismo (GALVÃO, 2013).
No início do século XXI, quando o Partido dos Trabalhadores assumiu a
presidência da República, apesar de suas diferenças, essas centrais sindicais se
tornaram partícipes do governo. Destaca-se que com esse governo o novo sindicalismo
chegou ao aparelho governamental transformando-se também em um sindicalismo
negocial de Estado (ANTUNES, 2018). Com isso, o novo sindicalismo que apresentava
diferenciais positivos, ao se identificar com proposições progressistas que contribuíam
para a organização da classe trabalhadora, retomou práticas vinculadas ao aparelho
burocrático do Estado. Outro limite do novo sindicalismo foi a incorporação de novos
componentes, como o caráter de modernidade proposto pela Força Sindical, que resultou
no apoio a propostas neoliberais. Mesmo podendo ser considerado recente, o novo
sindicalismo já sofreu importantes mudanças: “A mudança de posição sentida ao longo
do tempo se deveu a fatores tanto externos (conjuntura econômica e política) quanto
internos (orientação política e luta pela hegemonia)” (ANTUNES, 2018, p. 190). Estes
também podem ser pontos importantes para as dificuldades que o movimento sindical
vem enfrentando para agregar os trabalhadores, a seguir isso será abordado. Antes de
prosseguir, cabe destacar que é possível observar que os limites descritos por Marx,
como exposto no item anterior, também se apresentam no sindicalismo do século XXI, ou
seja, a superação do modo de produção capitalista não está em pauta.
Para as dificuldades e desafios da organização dos trabalhadores no século XXI,
é necessário retornar às particularidades do capitalismo atual. No século XXI, o sistema
capitalista encontra-se amplamente consolidado. As suas próprias contradições levaram
a mudanças na estruturação da economia mundial, sendo que atualmente impera o
capitalismo financeiro, com suas características específicas.
A esfera estrita das finanças, por si mesma, nada cria. Nutre-se da riqueza criada
pelo investimento capitalista produtivo na mobilização da força de trabalho no
seu âmbito, ainda que apareça de forma fetichizada [...]. Nessa esfera, o capital
aparece como se fosse capaz de criar “ovos de ouro”, isto é, como se o capital-
dinheiro tivesse poder de gerar mais dinheiro no circuito fechado das finanças,
independente da retenção que faz dos lucros e dos salários criados na produção.
O fetichismo das finanças só é operante se existe produção de riquezas, ainda
que as finanças minem seus alicerces ao absorverem parte substancial do valor
produzido (IAMAMOTO, 2012, p.109).
62
Nesse contexto de capitalismo financeiro, ocorreu o crescimento do capitalismo
improdutivo e as forças de produção (inclusive a força de trabalho) perderam importância,
o que pode ser uma explicação para as dificuldades da organização revolucionária.
Apesar dessas transformações, o modo de produção capitalista mantém suas bases e o
trabalho continua tendo centralidade para a produção capitalista, pois é ele que agrega
mais valor as mercadorias. Dessa forma,
Como o capital não se valoriza sem realizar alguma forma de interação entre
trabalho vivo e trabalho morto, ele procura aumentar a produtividade do trabalho,
intensificando os mecanismos de extração do sobretrabalho, com a expansão do
trabalho morto corporificado no maquinário tecnológico-científico-informacional.
Nesse movimento, todos os espaços possíveis se tornam potencialmente
geradores de mais-valor. (ANTUNES, 2018, p. 33).
63
No século XXI, a racionalidade neoliberal se apresenta com força total e incide
sobre a sociedade como um todo. O “neoliberalismo pode ser definido como um conjunto
de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos
homens segundo o princípio universal da concorrência” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 17).
Ele preconiza a concepção de homem-empreendedor, ou seja, trata-se de fazer com que
cada indivíduo se torne o mais empreendedor possível, sendo empreendedor por si
mesmo e dele mesmo. Assim, o empreendedorismo constitui-se em uma forma de
autogoverno e em um princípio de conduta potencialmente universal essencial à
manutenção da ordem capitalista, que potencializa a competição e a rivalidade
(DARDOT; LAVAL, 2016).
A concepção neoliberal de homem-empreendedor é incompatível com sujeitos
coletivos e combativos que reiteram a luta de classes na sociedade, como a organização
sindical. Em decorrência disso, pode-se dizer que a racionalidade neoliberal tem grande
contribuição no desmantelamento da organização dos trabalhadores na atualidade.
Essa concepção de homem empreendedor eliminou a percepção de exploração
alheia da classe trabalhadora, substituindo-a pela exploração de si mesmo para a sua
própria empresa. Esse indivíduo também acredita que enriquecerá a partir de seus
cálculos de interesse. Com isso: “Desaparece a perspectiva de consciência de classe, o
que faz com que a luta passe a ser travada no interior de cada pessoa” (CASARA, 2021,
p. 130). Assim, os trabalhadores enfrentam a solitude enquanto exploradores-de-si. A
dimensão ideológica do neoliberalismo também faz com que os de baixo procurem se
parecer com os de cima, demonstrando que o que ocorre é o ocultamento das classes
sociais mesmo que de fato elas não tenham desaparecido.
Esses aspectos difundidos pela racionalidade neoliberal podem ser a chave para
a descrença dos trabalhadores na organização. Além disso, os projetos coletivos ficam
comprometidos pelas características que o individualismo assume ganhando contornos
narcísicos gerando a perda de interesse pelo outro ou pelo coletivo. Nesse contexto, o
egoísmo deixa de ser um vício e torna-se uma virtude, as pessoas são programadas para
serem regidas por cálculos de interesse em busca de vantagens individuais (CASARA,
2021). Os projetos coletivos são deixados de lado diante da promessa de
autodeterminação individual capaz de assegurar a felicidade. “A urgência de satisfação
64
dos interesses pessoais vela os conflitos e domestica as pessoas” (CASARA, 2021,
p.14).
Dentre os aspectos do neoliberalismo que incidem sobre as dificuldades para a
organização dos trabalhadores também se destaca que esses interesses cada vez mais
específicos ocasionam inclusive a fragmentação dos movimentos que conseguem se
desenvolver impedindo a formação de consensos sociais e gerando a concorrência entre
eles, assim as pautas defendidas perdem força. Isso “[...] faz com que os movimentos
populares percam apoio de outros setores da sociedade, que encaram suas
reivindicações setoriais como manifestações concorrentes e distantes dos interesses da
coletividade (CASARA, 2021, p. 216).
O neoliberalismo tem o imaginário e a normatividade como suas dimensões. A
normatividade é responsável por estabelecer as regras do jogo, ela enuncia que todas as
instituições e pessoas devem agir em busca de lucros e tratando os demais como
concorrentes, ela pode materializar-se de duas formas disciplinando e coibindo condutas
ou de forma mais sutil através da manipulação de interesses e vontades. Já o imaginário
é o responsável por produzir e difundir imagens e ideias ligadas à concepção neoliberal,
ou seja, aquelas que colocam o mercado como modelo para as relações sociais e
associam uma postura racional a obtenção de lucro (CASARA, 2021).
Para finalizar esse breve debate sobre o neoliberalismo é importante ressaltar
que a realidade não algo estanque, hoje ele é a racionalidade hegemônica exercendo
influência sobre as pessoas, instituições e a sociedade como um todo, mas não é
impossível de ser superado, para que isso ocorra é necessário “[...] apostar em normas,
imagens e em novos modos de atuar no mundo que afastem o modelo das empresas e a
lógica da concorrência das relações sociais e impeçam que as pessoas continuem a ser
tratadas como objetos negociáveis e descartáveis” (CASARA, 2000, p. 364).
Pensar e colocar em prática ações que vão de encontro a racionalidade
neoliberal no contexto atual parece algo difícil de se conseguir, mas mostra-se necessário
e urgente, além disso, parece ser um caminho viável para ampliar a organização dos
trabalhadores. Sem esse enfrentamento, a normatividade e o imaginário da racionalidade
neoliberal encobrem questões concretas que poderiam aglutinar os trabalhadores e
fortalecer a luta de classes. A coisificação da vida humana e uso ilimitado dos recursos
naturais que são finitos podem ser a chave para criar um novo imaginário e uma nova
normatividade, rompendo com o neoliberalismo.
Ainda, cabe destacar que somente com a organização os trabalhadores e a
sociedade como um todo retomarão conquistas no âmbito da proteção social e do
65
trabalho que muitas vezes são apontadas como a causa do enfraquecimento da
organização dos trabalhadores, mas que aqui são entendidas como um reflexo dela.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
4- REFERÊNCIAS
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
66
MAGRO, Aline Fátima do Nascimento; REIS, Carlos Nelson dos. Pobreza e Proteção
Social na América Latina: as bases teóricas para a formulação de políticas públicas. In:
GUIMARÃES, Gleny Terezinha Duro; MACIEL, Ana Lúcia Suárez; GERSHENSON,
Beatriz (org). Neoliberalismo e desigualdade social: reflexões a partir do serviço social
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2020.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1. Ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2008.
MARX, Karl. Salário, Preço e Lucro. In: ANTUNES, Ricardo (org.). A Dialética do
Trabalho I: escritos de Marx e Engels. 2. Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.
67
OS OBSTÁCULOS PARA O SINDICALISMO BRASILEIRO APÓS O GOLPE DE 2016
Gustavo Giovanny Dos Reis Apóstolos16
RESUMO
Este artigo é resultado de uma revisão bibliográfica sobre o
tema da organização sindical no Brasil, recuperando os seus
traços mais fundamentais na conjuntura recente. A pesquisa
demonstra que dado o agravamento da ofensiva do capital,
que se manifesta também nas contrarreformas trabalhistas e
previdenciárias, e em especial tanto após as jornadas de
junho, como na conjuntura que depôs Dilma Rousseff e que
consagrou Jair Bolsonaro à presidência; o sindicalismo tem
protagonizado lutas mais defensivas, concluindo que os
tempos vindouros serão difíceis para a organização sindical
brasileira.
Palavras-chave: Sindicalismo. Golpe. Brasil.
ABSTRACT
This article is the result of a literature review on the subject
of trade union organization in Brazil, recovering its most
fundamental traits in the recent conjuncture. The research
shows that given the worsening of the capital offensive,
which is also manifested in the labor and social security
counter-reforms and especially after the June days as well
as in the conjuncture that deposed DilmaRousseff and
consecrated JairBolsonaro to the presidency; unionism has
been leading more defensive struggles, concluding that the
coming times will be difficult for the Brazilian union
organization.
Keywords: Unionism. Coup. Brazil.
1- INTRODUÇÃO
16 Assistente Social. Doutorando em Serviço Social pela UFJF. Mestre em Serviço Social pela UFJF.
Graduado em Serviço Social pela UFOP. E-mail: reisgustavo23@gmail.com Eixo temático: Ofensiva
ultraneoliberal do capital e lutas sociais.
68
conservadorismo, com a continuidade de governos subservientes ao capital financeiro e
com intensificação da retirada de direitos trabalhistas e previdenciários, recolocando os
desafios já antes antevistos para a organização da classe trabalhadora nos sindicatos.
Dada a incipiente recuperação econômica dos anos 2000 e um leve crescimento
no número de greves, novas centrais sindicais surgem, acirrando a disputa pela
hegemonia do movimento sindical que apresenta consensos, dissensos, alianças e
rompimentos. Conjunturalmente, observa-se que em virtude da necessidade de
realização do valor, a propaganda da flexibilização do trabalho com a promessa de
geração de emprego, faz com que a classe trabalhadora protagonize, majoritariamente,
pautas defensivas. Agrava-se ainda o quadro com a ofensiva conservadora que, no país,
manifesta-se com a vitória de Jair Bolsonaro e as contrarreformas da legislação
trabalhista e previdenciária. Por fim, considera-se que o declínio da organização dos/as
trabalhadores/as como uma condição presente, inibindo o ressurgimento de
reivindicações combativas à classe dominante.
17O uso do termo “ultraneoliberal” ou “ultraneoliberalismo” tem sido difundido em grande escala entre as
produções acadêmicas. É mais usual encontrarmos o seu conceito na análise de Behring, Cislaghi e Souza
(2020), que explicitam que o termo pode ser entendido como uma “recente forma do neoliberalismo, que não
se resume ao Brasil, pois pode ser observada em vários países no mundo”, dada a inflexão do neoliberalismo
com a nova fase da crise estrutural de 2008 (p. 106). Outrossim, o termo também pode ser entendido como
um “novo neoliberalismo" (DARDOT E LAVAL, 2017), para conceituar a radicalização do neoliberalismo que,
resultado e “solução” da/para a crise, sobrevive e encontra meios alternativos para salvaguardar a
acumulação.
69
Jornadas de Junho de 2013, em plena crise de governança da ex-presidenta Dilma
Rousseff, enfatizaram o rechaço que as instituições de defesa dos/as trabalhadores/as
sofreram nos atos, especialmente os sindicatos e os partidos políticos (ANTUNES, 2018),
desencadeando diversas manifestações pelo país, cujo desdobramento resultou em um
protagonismo e uma ressurgimento de setores da direita18.
Dado o movimento de ascensão de protestos, passeatas e de manifestações,
convocados pelas redes sociais de alguns movimentos reacionários, que em maior
escala possuíram um caráter anticorrupção, antipartidário e anti sindical; o movimento
trabalhista classicamente organizado perpassa por uma crise de maior envergadura19 na
sua capacidade de organização. Crise esta que possui no terreno da história e da crise
estrutural do capital (MANDEL, 1985) o seu espaço de desvelamento, identificando no
novo padrão de produção e de acumulação/centralização de capital, em seu estágio de
financeirização e de mundialização (CHESNAIS, 1996) as causas mais evidentes.
As crescentes insatisfações de setores populares, empresariais e financeiros com
o governo do Partido dos Trabalhadores, pouco após a reeleição de Dilma, serviu como
alavanca para que o então presidente da câmara dos deputados, Eduardo Cunha,
aceitasse o pedido de impeachment de Dilma, aprovado em 31 de agosto de 2016,o que
Braz (2017) conceituou um “golpe nas ilusões democráticas” e levou à ascensão do
conservadorismo reacionário. Michel Temer assume a presidência da república, já
demonstrando que pautaria os “ajustes fiscais”, trabalhistas e previdenciários que
perpassam o mundo do trabalho. Na conjuntura de crise econômica, política e social, as
autoras Galvão e Marcelino (2018) afirmam que as seis centrais sindicais oficialmente
reconhecidas estiveram alinhadas ao governo Dilma até à sua deposição20.
À isto, Galvão e Marcelino (2018) afirmam que houve um alinhamento entre as
centrais sindicais brasileiras, no entanto, divergiram em algumas perspectivas; à exemplo
da CUT, CSP-Conlutas, Intersindical e CTB - não de forma veemente – que se
dispuseram a barrar as contrarreformas do governo Temer21; e já a Força Sindical, UGT,
CSB, NCST e CGTB, se dispuseram a negociar com o governo interino22. Uma
18Estudos de maior consistência podem ser encontrados em GALLEGO, E. S. (org.) O ódio como política: a
reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.
19 Recomendo a leitura de Netto (1995), para aproximação ao tema.
20Para as autoras ainda em discussão, as centrais sindicais demoraram aproximadamente oito meses para
discutir e pautar uma greve geral de trabalhadores, que ocorreu apenas no dia 28 de abril de 2017.
21Dentre elas, a contrarreforma da CLT, e a PL 4330.
22A conjuntura contemporânea desafia ainda mais os sindicatos e os movimentos combativos na busca de
seus objetivos imediatos e seus objetivos históricos. O PT e a CUT que, conjuntamente, conseguiram
aglutinar milhares de manifestantes no final dos anos de 1970 e início de 1980, por sua vez, não têm
convocado as massas, ou, se convocam, não têm recebido adesão por parte significativa dos trabalhadores.
No contexto do golpe orquestrado por setores reacionários, empresariais e pela grande mídia hegemônica,
70
observação importante para as análises na conjuntura do golpe, é que as centrais
sindicais conseguiram mobilizar timidamente sua base para a participação de alguns
protestos; no entanto, o protagonismo das mobilizações foi dos movimentos sociais, em
especial o MST, MTST e o movimento de mulheres. As autoras acreditam que os tempos
vindouros serão difíceis para o sindicalismo brasileiro, especialmente após 2013,
considerando que o ciclo de “ofensividade” das greves dos anos 2000 sofreu uma
reversão desta característica. A repercussão deste cenário foi concluída com a
promulgação da (contra)reforma trabalhista, instituída pela Lei nº 13.467/2017, no
governo interino de Michel Temer, precarizando ainda mais as relações de trabalho para
os/as trabalhadores/as que possuem carteira assinada, alterando mais de cem pontos da
Consolidação das Leis do Trabalho; ao passo que converge para uma redução da taxa
de sindicalização que ficou em torno de 15%, a menor taxa em cinco anos.23 Acrescenta-
se ainda a promulgação da Lei 13.429/2017, que dispõe sobre terceirização de
atividades-fim; e a Emenda Constitucional nº 95, que estabelece o congelamento dos
investimentos públicos por vinte anos.
Na esteira da ascensão do conservadorismo reacionário, a vitória24 de Jair
Messias Bolsonaro, no pleito de 2018, revelou o alinhamento do atual presidente com a
agenda ultraconservadora de contrarreformas das políticas de emprego e renda, da
privatização dos bens e dos serviços públicos, da agenda anti-ambiental, da repulsa
pelas manifestações de identidade (negro/a, LGBTQIA+, indígena, mulheres, etc), à favor
da escalada bélica e do armamento civil; além de um afinamento com pautas regressivas
na esfera legislativa25.
um dado significativo a se observar foi o do surgimento da campanha “Lula Livre”, em que muitos militantes e
sindicatos foram favoráveis; com exceção da CSP-Conlutas que, em um primeiro momento, não aderiu a esta
campanha. Outrossim, é importante mencionar que esta manifestação por parte da referida central sindical
não correspondeu ao posicionamento de todos os/as militantes que dela fazem parte, cf. Apóstolos (2018).
23Conforme dados do IBGE, disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-
agencia-de-noticias/noticias/22954-sindicalizacao-cai-para-14-4-em-2017-a-menor-taxa-em-cinco-anos>,
acesso em 18 jun. 2022.
24Sua campanha foi marcada pela sua recusa aos debates com demais presidenciáveis que foram
transmitidas por TV e Rádio, especialmente após a facada que sofreu no dia 06/09/2018, na cidade de Juiz
de Fora; bem como pela (des)orientação da opinião pública através das fakenews pelas redes sociais e
grupos de WhatsApp e Telegram
25Na mesma toada, as eleições de 2018 demonstraram o aguçado grau de alienação da classe trabalhadora
que, grosso modo, ficou explícito com a continuidade de parlamentares eleitos para assumirem cadeiras no
Congresso Nacional mais conservador desde a ditadura civil-militar, nos revelando que nos poderes
legislativo e executivo, as demandas econômicas e políticas dos trabalhadores, quando não são ignoradas,
enfrentam resistência para a sua consolidação.
71
O governo de Jair Bolsonaro já desagrada alguns setores e, mesmo que existam
divergências com parlamentares26, o processo de aprofundamento de penalização da
classe trabalhadora segue o curso. Os estudos desenvolvidos por Pinto et.al. (2019)
constataram que a crise de acumulação reverberou em algumas medidas, como a
reforma trabalhista e a PEC dos gastos, nos demonstrando a atualidade e complexidade
dos desafios à classe trabalhadora. Com relação às estatísticas de greve, os índices
continuam em queda: Se afirmamos acima que, em 2017, a taxa de sindicalização estava
na média 15%; no ano de 2019 a taxa de sindicalização verificada foi de 11,2% (IBGE,
2020)27. Em relação ao número de greves, em 2019, houve também um declínio maior do
que o ano anterior, em cerca de 20%, fazendo com que o número total de greves
chegasse a 1.118 durante o ano, sendo a maior parte delas de caráter puramente
defensivo28. De acordo com a 108ª Conferência Internacional do Trabalho, no ano de
2019, o Brasil teve papel de destaque entre os 10 piores países do mundo para se
trabalhar, considerando a precarização das relações de trabalho (BRASIL…, 2019), o que
em recoloca inúmeros e complexos desafios e caminhos para movimento sindical
organizado, na atualidade.
Findados três anos de posse, o (des) governo de Jair alcançou recorde de
rejeição nacional e internacional, diversas crises diplomáticas; e no entanto ainda
continua mantendo declarações racistas, misóginas, sexistas e homofóbicas e, diga-se,
representando uma parcela significativa da sociedade ultraconservadora brasileira. A
reação da população descontente com o governo tem sido protestar e resistir, ainda que
com organizações frágeis. No que concerne ao número de greves, em 2020, verificou-se
uma queda para apenas 649 durante o ano e, ao mesmo passo, evidenciou-se o
aumento do seu caráter defensivo, de acordo com o Dieese (2021); podendo um dos
motivos ser a pandemia de Covid-19, cuja medida principal sugerida pelas autoridades
em saúde para conter a transmissão do vírus é o distanciamento social. Referente ao ano
de 2021, o Dieese (2022) mapeou 721 greves, onde acentuou mais ainda o caráter
defensivo; agora ultrapassando 88% das manifestações grevistas.
26Referindo a uma divergência entre Bolsonaro e Rodrigo Maia que, apesar disto, colocou em votação a
reforma da previdência. Ver matéria em: https://oglobo.globo.com/economia/apesar-de-crises-do-governo-
maia-reafirma-compromisso-de-votar-reformas-no-congresso-23745362 Acesso em 20 jun. 22.
27Uma das hipóteses que corrobora como fator da queda na taxa de filiação sindical é a reforma trabalhista
de 2017, que retirou a obrigatoriedade do pagamento de contribuição sindical para o sindicato que representa
uma determinada categoria profissional
28“Em 2019, 82% das greves incluíam itens de caráter defensivo na pauta de reivindicações, sendo que mais
da metade (53%) referia-se a descumprimento de direitos e pouco menos da metade (46%), à manutenção
de condições vigentes.” (DIEESE, 2020, p. 5)
72
Na pandemia, o governo federal incentivou e adotou a estratégia de contágio
coletivo (CALIL, 2021) o que resultou em mais de 600 mil mortes em decorrência de
infecção por Covid-19; muito provavelmente para distribuir propina e faturar com as
negociações obscuras pelo superfaturamento das vacinas, conforme investigações da
CPI. No mesmo plano, uma massa de desempregados possuíam critérios para o
recebimento do Auxílio Emergencial, o que foi considerado insuficiente para o pagamento
dos itens de serviço e de consumo de primeira necessidade, mas por outro lado incentiva
o subconsumo e a manutenção precária da força de trabalho (RAMALHO, APÓSTOLOS,
REIS, 2021).
Em tempos de trabalho sob o fogo cruzado e do capital pandêmico (ANTUNES,
2020), constata-se a intensificação das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs), acentuando vertiginosamente o trabalho remoto, quando possível, e também
acentuando o crescimento das plataformas de prestação de serviço pelo que se tem
denominado de uberização do trabalho; com traços ainda mais precarizados29 do que o
trabalho formal. Algumas centrais sindicais brasileiras, que seguiram inspiração de
centrais sindicais francesas, convocaram protestos online e reuniram cerca de 400
manifestantes virtuais na ‘porta’ do Ministério da Economia (CENTRAIS…, 2020) em uma
espécie de mapa virtual e, dado o número de mortes em crescimento e por razões do
aumento do custo de vida, da inflação e do descaso do governo federal com a população
trabalhadora, presenciou-se, em ao longo de 2021, o retorno de manifestantes pelo fim
do governo Bolsonaro, em diversas cidades, de forma presencial e por redes sociais,
ainda que este retorno tenha sido pontual.
Segue em curso o assolamento das medidas de penalização dos/as
trabalhadores/as, especialmente com a vigência por 90 dias das Medidas Provisórias
1108/22 e 1109/22 (MPs…, 2022)30, autorizando redução da jornada de trabalho e de
salário, ampliando os ganhos do capital com a possibilidade de extração de mais-valia
relativa por este mecanismo, bem como propondo regras para auxílio alimentação no
teletrabalho. Um cenário que se observa dada a conjuntura que se apresenta, é de
amortecimento ou um quase desaparecimento das lutas sindicais ofensivas, verificando o
caráter mais ou menos reformista da luta sindical; inclinando atualmente para a defesa do
que ainda existe no que se refere aos direitos trabalhistas. Nestas análises incipientes e
29Como, p. ex. a oscilação de ganhos mínimos, a manutenção dos próprios meios de produção, ausência de
direitos do trabalho; como férias e décimo terceiro salário, abono salarial, Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço; e benefícios previdenciários, caso não sejam contribuintes.
30Para maior aprofundamento sobre o que propõe as Medidas Provisórias, ver especialmente o conteúdo
73
fazendo uma alusão ao enigma da esfinge “decifra-me, ou te devoro”, o conjunto da
classe trabalhadora organizada - ou não - é desafiado pela complexa trama do
capitalismo hodierno a reinventar não apenas uma nova forma de luta, mas também uma
nova forma de viver. A certeza é que não chegamos nem ao fim da história, como sugeriu
Fukuyama (1992) e, por isto mesmo, pode ser um equívoco atestar de forma veemente a
derrota da luta dos/as trabalhadores/as.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das brevíssimas explanações, o presente artigo reitera que a crise na qual
o sindicalismo perpassa é, organicamente, a crise da própria realização do valor no
capitalismo contemporâneo; que no último quinquênio tem levado à tendência de uma
maior exploração do trabalho vivo e condicionando a classe trabalhadora à defesa dos
poucos direitos do trabalho que ainda restam, ou que ainda não foram retirados. Crise
esta que se intensifica e se complexifica, sobretudo ao considerarmos o Brasil como um
país de capitalismo periférico, mas, sobretudo, revelando a ascensão da extrema direita e
a face ultraneoliberal do capitalismo.
Na conjuntura em que se forja o golpe, em 2016, e após uma inércia nas lutas, o
sindicalismo intensifica suas ações no âmbito defensivo, especialmente com greves
defensivas que já se manifestavam com esse caráter no início da década passada.
Contemporaneamente, verifica-se a existência de uma intensa amortização da luta dos
trabalhadores/as organizados/as, sobretudo após as eleições de 2018, e com a posse de
um presidente mundialmente conhecido pela sua postura governamental anti diplomática,
cujos atos seguem alinhados com a negação da vida e da ciência; o que revela, em
primeira instância, uma conjuntura desfavorável para conquistas da classe trabalhadora.
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob o fogo cruzado. São Paulo: Boitempo,
2020.
74
BEHRING, E.; CISLAGHI, J. F.; SOUZA, G. .Ultraneoliberalismo e bolsonarismo:
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Ultraneoliberalismo. Uberlândia: Navegando, 2020
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de greves na década de 2000. In: CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 323-338,
Maio/Ago. 2010
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neoliberalismo/> Acesso em 16 jun. 2022.
MPs sobre suspensão de contratos de trabalho e hora extra entram na pauta da Câmara,
In: ANDES/SN, online, 2022. Disponível em:
75
https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/mPs-sobre-suspensao-de-contratos-de-
trabalho-e-hora-extra-entram-na-pauta-da-camara1 Acesso em 29 jun. 2022
PINTO, Eduardo Costa; et. al. A GUERRA DE TODOS CONTRA TODOS E A LAVA
JATO: a Crise Brasileira e a vitória do Capitão Jair Bolsonaro. Textos para
discussão. Instituto de Economia, UFRJ, 2019.
76
A UBERIZAÇÃO DO TRABALHO E A CRIMINALIZAÇÃO DA CLASSE
TRABALHADORA NA OFENSIVA NEOLIBERAL
1- INTRODUÇÃO
31 Graduanda em Serviço Social. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Email: mari34269@gmai.com
32Graduanda em Serviço Social. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Email:
geovanna.gsantos31@gmail.com
33Graduanda em Serviço Social. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Email:
debattisticamilla@gmail.com
77
vem se afirmando no mercado de trabalho e espraiando-se para diversas categorias
profissionais.
Ademais, a classe trabalhadora tem sofrido um processo de criminalização de
suas formas de resistência frente ao avanço do neoliberalismo. Para efetivar esta
criminalização, a classe dominante utiliza alguns recursos, entre eles recursos
ideológicos, repressivos e jurídicos.
Desse modo, o presente artigo busca apresentar as mudanças do mundo do
trabalho, a uberização do trabalho e a criminalização da classe trabalhadora no contexto
da ofensiva neoliberal.
2- DESENVOLVIMENTO
A década de 1970 foi marcada pela emergência de uma crise estrutural do capital.
Tal crise impôs a necessidade por um novo padrão de reprodução do capital, contrário
àquele que vinha sendo desenvolvido. Dessa forma, constata-se o esgotamento do modelo
taylorista/fordista de produção e o fim do modelo de proteção social keynesiano, vigente
nos países de capitalismo central.
Como pontuou Antunes (2009) em sua obra “Os Sentidos do Trabalho: ensaio
sobre a afirmação e a negação do trabalho”, como alternativa para superação dessa
crise, implementou-se uma reestruturação produtiva que tem como característica basilar
a acumulação flexível, a qual exige a flexibilização das regulações do trabalho, a
diversificação das formas de contratação e menor estabilidade do trabalhador no
emprego.
O neoliberalismo assume a responsabilidade de administrar ideo politicamente
esse processo, conduzindo a desregulamentação do mundo do trabalho. Além disso,
78
reabertura democrática, pelo protagonismo dos movimentos políticos e sociais e pela
formulação da Constituição Federal.
79
Assim, Antunes e Alves (2004) compreendem que há uma revolta contra esses
estranhamentos daqueles que foram expulsos do mundo do trabalho. Logo, os autores
denominam de uma “desumanização segregadora” que, por sua vez, acarreta um
isolamento individual, à criminalidade, à formação de setores excluídos e que devem ser
entendidos a partir da contradição do sistema capitalista e não de maneira isolada.
80
entanto, caracteriza-se como uma forma perversa de precarização do trabalho. Assim
para Abilio,
81
falsos e criação de páginas online que deslegitimavam a ação dos trabalhadores. Além
disso,
À noite, poucas horas depois do “Breque”, o iFood lançou uma carta e um site
para rebater críticas, divulgando em horário nobre da TV aberta um anúncio que
destacava que a empresa “oferece seguro contra acidentes pessoais e que a
maioria [dos entregadores] valoriza o fato de ter flexibilidade de horário e liberdade
para compor sua renda”. (BRASIL DE FATO, 2022).
a judicialização dos conflitos e das lutas sociais é uma das formas que as frações
das classes dominantes vêm utilizando, de maneira intensa, para ocultar a lógica
conflitiva da luta de classes visibilizada, pública e politicamente, pelas classes
subalternas e seus processos político-organizativos de lutas. [...] O Poder
Judiciário exerce uma das suas principais funções, que é a de se constituir no
instrumento de legitimação do exercício do poder coercitivo do Estado,
utilizando-o para criminalizar e deslegitimar as lutas e os movimentos sociais.
(DURIGUETTO, 2017, p.110).
82
3- CONCLUSÃO
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
83
LEVY, C. Como o iFood criou máquina oculta de propaganda para desmobilizar
movimento de entregadores. Brasil de Fato, 2022. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2022/04/04/como-o-ifood-criou-maquina-oculta-de-
propaganda-para-desmobilizar-movimento-de-entregadores. Acesso em: 11 jul. 2022
84
CAPITAL FICTÍCIO E A LÓGICA DESTRUTIVA DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA: o
caso da barragem da Samarco
34AssistenteSocial e mestre pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social pela Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Eixo Temático: Ofensiva ultraneoliberal do capital e lutas sociais.
85
1- INTRODUÇÃO
86
ou seja, oculta a sua configuração como dispêndio de trabalho humano e, assim,
esconde aquilo que lhe determina valor. Diante do produtor, a mercadoria se apresenta
como uma objetividade mística que contém em si a capacidade de se autovalorizar:
[...] a forma-mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho em que
ela se representa não tem, ao contrário, absolutamente nada a ver com sua
natureza física e com as relações materiais [dinglichen] que dela resultam. É
apenas uma relação social determinada entre os próprios homens que aqui
assume, para eles, a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas [...] A
isso eu chamo de fetichismo, que se cola aos produtos do trabalho tão logo eles
são produzidos como mercadorias e que, por isso, é inseparável da produção de
mercadorias (MARX, 2017a, p. 147-148, grifos nossos)
87
Neste momento deparamos com D-D´, dinheiro que engendra mais dinheiro, valor que
valoriza a si mesmo, sem o processo mediador entre os dois extremos”. O processo de
produção e o princípio fundante do valor e do mais-valor, na aparência do capital portador
de juros, é apagado. O capital aparece “como fonte misteriosa e autocriadora de juros, de
seu próprio incremento” e não apresenta “nenhuma cicatriz de seu nascimento”. Em D-D`
“temos a forma mais sem conceito do capital, a inversão e a coisificação das relações de
produção elevadas à máxima potência [...] a mistificação capitalista em sua forma mais
descarada”. (MARX, 2017b, p.441,442).
Para Marx,
Ao desenvolverem-se o capital portador de juros o sistema de crédito, todo
capital parece duplicar e às vezes triplicar pelos diversos modos em que o
mesmo capital ou o mesmo título de dívida aparece sob diferentes formas em
diferentes mãos. Esse capital “monetário” é, em sua maior parte, puramente
fictício (MARX, 2017b, 527).
88
desvelar o conteúdo das formas cada vez mais complexas que o valor assume no
desenvolvimento do modo capitalistade produção.
A crise que demarca o período supracitado exige respostas que se concentram na
implementação das políticas neoliberais, a expansão do capital fictício e a transferência
do excedente produzido nos países periféricos para o centrodas economias mundiais
(CARCANHOLO, 2010, p. 3).
O que o processo de desregulamentação e inovações financeiras propiciou, a
partir dos anos 70 do século passado, e com mais força nos anos 90, foi o
crescimento substancial de novos instrumentos desse capital fictício, assim como
a expansão brutal da massa de valor desse tipo de capital (CARCANHOLO,
2010, p. 6).
89
A dimensão assumida pelo capital fictício em decorrência do desdobramento e
expansão do capital portador de juros e sua constante necessidade de valorização, como
sinalizado, significa um processo de intesificação da exploração dos fatores subjetivos e
objetivos da produção, a exploração da força de trabalho e dos recursos naturais
renovavéis e não-renováveis.
É nesse processo que está inserido os determinantes econômicos, históricos e
sociais do rompimento da barragem do Fundão em Mariana, Minas Gerais, no dia 5 de
novembro de 2015.
90
pressão de demanda acaba, de fato, antecipando o movimento de alta nos
preços. O mesmo processo, com sinal invertido, explica a fase de baixa nos
preços das commodities, o que ocorreu a partir de meados de 2008. Esse ciclo
no preço das commodities também se insere no contexto da atual crise do
capitalismo contemporâneo.
91
gráfico 3. Entre 2011e 2014, a taxa de acidentes por milhão de horas-homem
trabalhadas aumentou de 0,49para 1,27, um acréscimo de 160%. Dentre os
trabalhadores da mineração, os mais vulneráveis e expostos a condições de
perigo são os terceirizados. No rompimento da barragem do Fundão, dos
14trabalhadores mortos, 13 eram de empresas terceirizadas e apenas um
funcionário direto da Samarco (WANDERLEY et al, 2016, p. 56).
4- CONCLUSÃO
Ele [o capital] teria de “renunciar ao valor de troca pelo valor de uso e passar da
forma
geral da riqueza para uma forma específica e tangível desta”, o que não se
concebe que possa fazer sem deixar de ser capital – ou seja: modo alienado e
reificado do processo de controle sociometabólico, capaz de seguir o rumo
inexorável de sua própria expansão (sem preocupação com as consequências)
justamente porque rompeu as restrições do valor de uso e da necessidade
humana (MESZÁROS, 2011, p. 253).
92
5- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
93
MINERAÇÃO EXTRATIVISTA EM MARIANA (MG): o capitalismo moendo vidas e a
natureza
João Caio Oliveira da Silva35
Daniele Correia36
Eixo temático37
RESUMO
Este artigo trata brevemente sobre a mineração extrativista
na cidade de Mariana no estado de Minas Gerais. Na
primeira seção, discorremos sobre seus aspectos históricos
e os impactos sociais na região. Na segunda seção,
problematizamos a atuação do serviço de atenção
psicossocial Conviver, da Fundação Renova, que utiliza da
estrutura do município, ou seja, do fundo público municipal,
para atuar nas consequências de seu crime ambiental.
Buscamos evidenciar as contradições presentes nessa
dinâmica e os reflexos dessa lógica para a vida das pessoas
e para a natureza, ocasionando o agravamento das
expressões da questão social.
ABSTRACT
This article deals briefly with extractive mining in the city of
Mariana in the state of Minas Gerais. In the first section, we
discuss its historical aspects and the social impacts in the
region. In the second section, we problematize the
performance of the psychosocial care service Conviver, of
the Renova Foundation, which uses the structure of the
municipality, that is, the municipal public fund, to act on the
consequences of its environmental crime. We seek to
highlight the contradictions present in this dynamic and the
consequences of this logic for people's lives and for nature,
causing the worsening of the expressions of the social issue.
da USP (FSP/USP). Docente do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP). E-mail: daniele.correia@ufop.edu.brORCID: 0000-0003-1154-4196.
37As expressões da exploração/opressão de classes no contexto da ofensiva ultraneoliberal do capital.
94
1- INTRODUÇÃO
95
população, bem como apresentaremos o Serviço de acolhimento psicossocial
Conviver,que atua na intervenção às expressões da questão social da região.
96
multilaterais promoveram uma profunda mudança nas recomendações aos países
periféricos como o Brasil.
Sendo assim, os anos de 1990 caminharam rumo a um amplo consenso
neoliberal, favorável à implementação de ajuste e reformas institucionais do Fundo
Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, no que conhecemos como
contrarreforma do Estado, representando desregulamentação comercial e financeira,
desregulação do mercado de trabalho e minimização do Estado para os interesses da
classe trabalhadora e máximo para os do capital. Tal feito diminuiu aportes para a
Seguridade Social, privatizou empresas estatais e executou demissões em massa. Um
processo expresso pela mudança do padrão de acumulação capitalista, que desde os
anos 1980 passa a funcionar sob o imperativo da mundialização financeira (CHESNAIS,
1996).
Sob essa égide neoliberal e no curso da contrarreforma do Estado brasileiro,
presenciamos um dos maiores saques cometidos contra nosso país. Em 6 de maio de
1997, o governo Fernando Henrique Cardoso privatizava a principal empresa estratégica
brasileira no ramo da mineração e infraestrutura: a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)
criada em 1942 com recursos do Tesouro Nacional. A venda fechou em 3,3 bilhões,
quando somente suas reservas minerais eram calculadas em mais de R$100 bilhões à
época. Desde então, o Brasil não tem mais soberania sobre os recursos minerais do
território, sendo tais recursos, atualmente, explorados pela Samarco Mineração S.A. de
propriedade da Vale e BHP Billiton.
Além do narrado passado histórico, determinadas formas de (re)produção
permanecem em curso em Mariana, a título das mineradoras que exercem um forte
impacto na vida das populações locais, tendo como agravante o crime de rompimento da
barragem de Fundão que ocorreu no dia 05 de novembro 2015, de responsabilidade da
empresa Samarco. Sendo este considerado um dos maiores crimes/desastres de
barragem em curso na história do país, visto que a lama passou por várias cidades
doestado de Minas Gerais e Espírito Santo - afetando diversas pessoas e suas condições
de vida e de trabalho, assim como o meio ambiente e os territórios.
De acordo com Gonçalves (2019), através do rompimento da barragem de rejeitos
de mineração da empresa Samarco em Mariana:
Evidencia-se a intensificação das múltiplas expressões da questão social,
que perpassa as vidas e o cotidiano das várias comunidades rurais e
urbanas, quilombolas, ribeirinhas, indígenas e assentamentos agrários
que foram impactados ao longo das mais de 40 cidades atingidas pela
lama. Além do início da luta pelo reconhecimento de direitos, e o lastro de
destruição e degradação das vidas e do meio ambiente percorrendo o Rio
Doce até o Estado do Espírito Santo – ES(GONÇALVES, 2019. p. 27).
97
Diante dessas evidências, torna-se explícito o caráter exploratório e prejudicial
causado pela mineração em Mariana, liquidando minerais, vidas e recursos naturais em
prol da manutenção do enriquecimento dos países centrais, conforme aponta Marini
(2005).Essa conjuntura em curso situada em Mariana se agrava com o avanço do
ultraneoliberalismo pelo país, e com o aumento da exploração da classe trabalhadora
pelo modo de produção capitalista, endossado pela burguesia nacional entreguista, no
qual os direitos da grande parcela de mulheres e homens são liquidados a cada dia e, por
outro lado,e de forma crescente a riqueza do que é socialmente produzida concentra-se
na mão de poucas pessoas.
Diante das contradições que avançam e são geradas pela dinâmica de
funcionamento do modo de produção capitalista, Mascaro (2018), nos coloca a pensar os
golpes e ofensivas neoliberais não apenas como um golpe de Estado ou um golpe
políticoper se, mas também como um golpe de classe, ou seja, da classe dominante,
contra qualquer possibilidade de emancipação da classe trabalhadora, mantendo-a cada
vez mais em opressão e exploração.
38Art.54 da Lei de Crimes Ambientais - Lei 9605/98: Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que
resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a
destruição significativa da flora: I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana; II -
causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas
afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população; III - causar poluição hídrica que torne
necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade; IV - dificultar ou impedir o
uso público das praias; V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos,
óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos.
98
Dentro desse escopo de atuação, o Serviço Conviver inicia suas atividades em
2016, em que a equipe profissional era contratada de forma terceirizada para atuar na
intensificação das expressões da questão social decorrentes do crime ambiental e
genocídio populacional. Em 2019 é feito um processo seletivo subsidiado pela prefeitura
do município de Mariana para contratação de novos trabalhadores do Serviço. Destaca-
se: os trabalhadores passam a ser remunerados pelo fundo público do município,
demonstrando um contrassenso, uma vez que a responsabilidade de custeio e reparação
deveria recair não à sociedade, mas unicamente à empresa.
Pelo exposto em tela, percebemos a natureza do Estado capitalista, em que
coaduna com o modo de produção capitalista numa estrutura que acentua os
antagonismos de classe em prol da acumulação de capital, onde povos, classes e
interesses percam para que outros possam ganhar e contrabalancear suas quedas
econômicas (Mascaro, 2018).
Atualmente o Serviço Conviver é composto por uma equipe multiprofissional
composta por 4 psicólogos, 3 terapeutas ocupacionais, 1 assistente social, 1 médico
psiquiatra e 1 educador social, atua no acolhimento e acompanhamento individual e
coletivo/familiar, como um dispositivo da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de
Mariana, com base na POLÍTICA NACIONAL DA SAÚDE MENTAL, pela LEI N. 10.216,
de 6 de ABRIL de 2001. A defesa passa pela oferta de serviços através das RAPS em
todo o país, prezando pelos serviços de qualidade e em prol da construção de um novo
modelo de atenção à saúde mental, que promova a viabilização do acesso aos direitos
dos usuários, a favor da luta antimanicomial e da emancipação humana.
A população usuária do Conviver é composta por mais de 600 famílias
cadastradas nos prontuários do serviço, um número elevado se contabilizarmos de
maneira individual. Essa população é composta majoritariamente por mulheres e homens
negras e negros, que tiveram substancial alteração de seus modos de vida e trabalho,
fragilizando os vínculos comunitários. A atuação do Serviço Conviver se dá pelo
acolhimento e escuta dos sofrimentos. Em encaminhamentos mais pragmáticos, tais
como necessidade de benefício assistencial, novamente recai sobre o fundo público do
município, uma vez que a Fundação Renova apenas oferece um cartão alimentação
(frisamos, de forma condicionalizada). Em casos de sofrimento psíquico intenso os
usuários são encaminhados para os Centros de Atenção Psicossocial do município,
recaindo novamente sobre o custeio da sociedade.
As atribuições do Assistente Social e do único estagiário da categoria (realizado
pelo autor) no Serviço estão sendo apreendidas e voltadas para a leitura crítica da
99
realidade e da busca pela viabilização do acesso aos direitos dos usuários, considerando
a realidade social local e as particularidades sócio-históricas da região. Considerando
também a importância do trabalho multiprofissional, o Conviver atua, quando necessário,
em articulação com outros serviços do município - CRAS, INSS, CREAS, Assessoria
Cáritas, Matriciamento nas UBS, Ministério do Trabalho e Fundação Renova/Samarco
(quando há a necessidade de alguns encaminhamentos que são de responsabilidade da
empresa). A articulação com os outros dispositivos ocorre quando determinadas
questões ou demandas são identificadas como objeto de intervenção dos outros serviços,
mantendo as especificidades de cada equipamento em sua atuação, considerando
também que o Conviver atua com o recorte do público e com a particularidade da saúde
mental.
E aqui reside um ponto de reflexão importante, pois os agravos à saúde mental
dessa população específica são notórios, e eles tendem a permanecer, mesmo que sob
outras circunstâncias e condicionantes, quando estes forem para o novo contexto de vida
nos reassentamentos, onde terão que se adaptar a uma nova realidade de onde eles
vivam antes do rompimento/crime.
(R)existe uma luta, a qual foi pauta da II Conferência Municipal de Saúde Mental
de Mariana (2022)na qual foi posta a necessidade de credenciamento do Conviver e de
expansão desse modelo de serviço para outras localidades, dada a recorrência de
crimes/desastres causados na região e que não agem de forma pari passu às
emergências.
4- CONCLUSÕES
100
Sob esse cenário, não nos resta outra alternativa a não ser lutar por uma nova
forma de sociabilidade diferente da regida pelo modo de produção capitalista, em que o
trabalho explora, adoece e mata. Urge uma articulação coletiva da classe trabalhadora
em uma perspectiva anticapitalista, que também significa antirracista,feminista e
ecosocialista, para uma verdadeira emancipação humana. Ou, nós que somos maioria,
seremos aniquilados.
Latinoamérica, Calle 13
5- REFERÊNCIAS
BERTOLLO, Kathiuça. A mineração extrativista em Minas Gerais: “ai, antes fosse mais
leve a carga”. Scielo. 2021.
101
GUDYNAS, Eduardo. O novo extrativismo progressista na América do Sul: teses sobre
um velho problema sob novas expressões. 2012. Disponível em:
http://extractivismo.com/wp-
content/uploads/2016/07/GudynasNovoExtrativismoProgressistaBr12.pdf
http://cgj.tjrj.jus.br/documents/1017893/1038413/politica-nac-saude-mental.pdf
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm
MASCARO, Alysson. Leandro. Crise e Golpe. 1. ed. - São Paulo: Boitempo, 2018.
VELOSO, Tercio Voltani. A Dimensão dos Lugares: fluidez, dinâmica social e ocupação
do espaço urbano em Mariana nos Livros do Tombo de 1752. Dissertação (Mestrado em
História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro
Preto (ICHS/UFOP), Mariana, 2017. Disponível em:
http://www.repositorio.ufop.br/handle/123456789/9077
102
VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal e Serviço Social:
resistências e articulações internacionais
EIXO TEMÁTICO 2
As expressões da exploração/opressão de
classes no contexto da ofensiva
ultraneoliberal do capital
RACISMO ESTRUTURAL E EXPLORAÇÃO: da escravidão ao (des)privilégio da
servidão capitalista
1- INTRODUÇÃO
De acordo com Martins (2012) apesar das contradições capitalistas, da crise e das
transformações gestadas no mundo do trabalho atingirem a totalidade dos trabalhadores
104
e trabalhadoras, são observadas “novas estratégias de produção e subordinação do
trabalho ao capital” que não afetam igualmente brancos e negros. Deste modo, faz-se
necessário destacar a “condição de desigualdade do negro no contexto das novas
estratégias de produção e subordinação do trabalho ao capital”, e assim apresentar
indicadores que demonstram as desigualdades raciais, ou seja,a desigualdade
vivenciada pelo trabalhador negro no mercado de trabalho brasileiro.Neste cenário
contemporâneo é essencial compreender as bases teóricas que destacam a existência
de uma superpopulação relativa de trabalhadores, o que é crucial para refletir acerca do
desenvolvimento socioeconômico do capitalismo brasileiro e da desigualdade racial,
frente ao desemprego de longa duração, uma vez que se observa uma tendência de
ampliação anual do tempo médio de procura por trabalho, e a inserção dos trabalhadores
na informalidade, e em subempregos com condições precárias de trabalho40.
40A Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançou um estudo recente intitulado "Perspectivas sociais e
do emprego no mundo: Tendências de 2017" (2016) estimando que 201,1 milhões de pessoas estariam
desempregadas no mundo em 2017, e que de cada três novos desempregados no mundo, um seria
brasileiro. Prevendo um total de 3,4 milhões de novos desempregados, a OIT afirmava que a taxa mundial de
desemprego em 2017 seria de 5,8%, contra 5,7% de 2016. No Brasil esta taxa alcançou 12,7%, sendo o
maior índice registrado desde 2003. A OIT relatou ainda em sua pesquisa a preocupação com a
informalidade no mercado de trabalho, e indicou que em 2017 as “formas vulneráveis de trabalho” (como
trabalhadores familiares não remunerados, baixos salários, direitos restritos e trabalhadores por conta
própria) representariam mais de 42% da ocupação total, ou seja, 1,4 bilhões de pessoas em todo o mundo
em 2017. Conforme foi explicitado, o avanço da precarização das condições de trabalho é intensamente
crescente nas últimas décadas, subjugando trabalhadores e trabalhadoras à margem do regime de
assalariamento, que com a crise do valor, passam a não servir para a exploração capitalista, não sendo nem
mesmo cabível enquadrá-las no conceito de “exército industrial de reserva” da superpopulação relativa do
capital.
105
campo (cacau) e 74% dos trabalhadores do campo (cana) são negros, e ainda 74% dos
sinaleiros (ponta-rolante) também são negros. A Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) do quarto trimestre de 2017 apontou que o salário médio de um
brasileiro branco é de 2.697,00reais, de 1.606,00 reais de um pardo e de 1.570,00 reais
de uma pessoa negra.
Uma pesquisa do Instituto Ethos realizada em 2016 inferiu que apenas 6,3% das
vagas de gerência são ocupadas por negros, e que 4,7% do quadro executivo são
compostos também por homens negros, já para as mulheres negras a situação é ainda
pior, pois apenas 1,6% das posições de gerência são ocupadas por elas, e 0,4% do
executivo é composto por mulheres negras.O desemprego, através da perda de
centralidade no processo produtivo, faz com que essa força de trabalho viva procure
ocupações de naturezas diversas e de (sub)contratos, que em países de capitalismo
periférico atingem perfis específicos da diversidade categórica da força de trabalho: os
pretos e pretas, periféricos e favelados das cidades. Historicamente e marcadamente
este perfil da força de trabalho, expulso da valorização de valor, formam “as classes
perigosas” que sentem com violência os mecanismos punitivos através do
(super)encarceramento em massa da força de trabalho preta e pobre, da militarização
das cidades, bem como do generalizado controle territorial, levando ao extermínio em
massa desta força de trabalho excluída e sobrante.
106
estrutural41.Almeida (2014) afirma a existência de um processo de “desumanização da
população negra”, em que este genocídio é situado como um “princípio tácito do
capitalismo”, expressão da violência racial institucionalizada no Brasil. Deste modo,
alguns indicadores sociorraciais salientam a “desigualdade racial na Diáspora Negra42”, e
são percebidos frente a experiência de vivência da população negra e dos “múltiplos e
contraditórios processos antinegros”. Apesar das ideologias e práticas discriminatórias do
Estado, observa-se “as possibilidades de múltiplas resistências e lutas pela
materialização e emancipação humana”.O Atlas da violência (IPEA, 2019) divulga
constantemente relatórios acerca dos dados da violência no Brasil e descreve o horror,
em que 75,5% das vítimas brasileiras de homicídio eram negras43.Os dados revelam
ainda que no Brasil, se considerarmos as “subpopulações” por raça/cor, a cada indivíduo
não negro assassinado, proporcionalmente, 2,7 negros são mortos, o que significa que
não apenas a posição econômica importa, mas a cor da pele é que se revela como um
forte fator de letalidade.
41Almeida (2018) sistematiza três concepções de racismo que perpassam o debate da “questão racial”: o
individualista, o institucional e o estrutural. O autor afirma que o racismo não é apenas uma violência direta,
ou ofensa direta, na forma de discriminação, entretanto, para entender o racismo como um fenômeno
conjuntural é de fato entendê-lo como uma forma de racionalidade, um modo de normalização e
compreensão das relações, ele constitui não apenas as relações conscientes, mas inconscientes. Ele é um
modo de estrutura social, um modo normal de vida cotidiana, para além de uma patologia, compreender o
racismo de modo estrutural para o autor, se refere a um ethos social, visto de modo econômico, político e
subjetivo. Apoiados nestes pontos o racismo estrutural é o constrangimento de indivíduos negros em seu
cotidiano.
42 De acordo com a autora, a diáspora é um processo amplo e político de genocídio e violência, provocado no
século XV, que conformou formações sociais especificas na América e Oceania, a partir do deslocamento de
africanos e indígenas nestes territórios.
43Para Cerqueira e Coelho (2017) há uma diferença de letalidade dos afrodescendentes que poderia ser
explicada para além da “questão social”, e assim por três mecanismos associados ao racismo, “sendo dois
indiretos – que passam pelas políticas e práticas educacionais e pela discriminação no mercado de trabalho,
e pelo desemprego – e outro direto, o que é denominado como ‘racismo que mata’”. Para mais em:
CERQUEIRA, D; COELHO, D. S. C. Democracia racial e homicídios de jovens negros a cidade partida. IPEA,
2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2267.pdf
107
O Brasil, que foi o último país latino-americano a abolir a escravidão(apenas em
1888) deixou a míngua um milhão e meio de pessoas. De fato, a abolição da escravatura
deve ser vista como estratégia político-econômica, como um “grande acordo” que inicia
um processo de mudança do modo de produção, e que por sua ver era uma exigência
econômica externa e interna. Os negros passam a ocupar o “exército dos desocupados”,
preenchendo o lugar relegado pelos não discriminados racialmente(MARTINS, 2012).O
racismo estrutural, manifestado por práticas objetivas e subjetivas, apresenta suas raízes
demarcadas no processo histórico de escravidão que promove o preconceito e a
segregação racial para além apenas do mercado de trabalho.
44 Eurico (2013) torna mais inteligível o conceito de discriminação racial ao citar que “as desigualdades são
entendidas como discriminação racial quando se encontram e se comprovam mecanismos causais que
operam na esfera individual e social e que possam ser retraçados ou reduzidos à ideia de raça. Assim,
grupos considerados superiores obtêm privilégios em relação aos outros grupos, considerados inferiores. A
discriminação racial materializa o preconceito racial que é a manifestação comportamental baseada no juízo
de valor, socialmente construído e destituído de base objetiva (EURICO, 2013, p.294). Disponível em:
EURICO, M. C. A percepção do assistente social acerca do racismo institucional. Revista Serv. Soc. Soc.,
São Paulo, n. 114, p. 290-310 abr./jun, 2013.
108
peculiar da relação entre capital/trabalho – a exploração, sendo exclusivamente ligada a
sociabilidade erguida sob o comando do capital.
109
A renomada estudiosa afirma ainda que a crise do capitalismo e as mudanças
ocorridas na sociedade do trabalho apresentam elementos históricos particulares na
formação social do Brasil, em que a discriminação racial deve ser compreendida “como
uma marca impressa na constituição do capitalismo brasileiro” (MARTINS, 2012, p.451),
devendo sempre estar ligada às determinações socioeconômicas da lógica do capital.
Resgatando os elementos da gênese do capitalismo brasileiro, pautado no prolongado
período de escravismo, é notável que frente a “libertação” da força de trabalho negra,
sem políticas e meios adequados de subsistência e de reparação, esta apresentou e
apresenta ainda hoje inserções nas ocupações precárias e informais.
110
2018 a vulnerabilidade das mulheres negras ao desemprego foi 50% maior. O “Estudo do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a cada 1 ponto percentual a
mais na taxa de desemprego, as mulheres negras sofrem, em média, aumento de 1,5
ponto percentual. Para as mulheres brancas, o reflexo é de 1,3 p.p”. (IPEA, 2018, s/p)
3- CONCLUSÃO
111
dado psicológico, pois o racismo se constitui como uma relação social central no
capitalismo contemporâneo, portanto, dotado de materialidade e historicidade (ALMEIDA,
2018). O marxismo, enquanto método analítico, ou seja, enquanto interpretação da
realidade social, econômica e política Brasileira, foi tomado pela branquitude, como um
privilégio branco (idem), e enquanto não se retomar este debate será difícil traçar
estratégias para além da ortodoxia, do colonialismo e do racismo científico.
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da violência, 2019. Disponível em:
http://www.forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2019/06/Atlas_2019_infografico_FINAL.pdf
____. Jovens e mulheres negras são mais afetados pelo desemprego, 2018. Disponível
em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34371
112
A PAZ ESTÁ PROIBIDA: construtos da violência racial e repressão às “classes
perigosas”(1970).
45 Rafael Matheus de Jesus da Silva; Graduado em História pela Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG); Mestrando em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista “Mesquita Filho” (UNESP) -
campus Franca/SP-Brasil; Bolsista vinculado a CAPES-DS pelo mesmo programa e Integrante do grupo de
Pesquisa Núcleo Negro da UNESP (NUPE), E-mail: rafaelmjsilva@hotmail.com
46Dagoberto José Fonseca; Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP, São Paulo, SP, Brasil), pós-doutor em Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp,
Campinas, SP, Brasil), Professor (orientador) do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Serviço
Social da Universidade Estadual Paulista (UNESP, São Paulo, SP, Brasil), E-mail:
dagobertojose@gmail.com.
47Texto submetido para o eixo:Ofensiva ultraneoliberal do capital e lutas sociais - Memória de lutas e
resistências.
113
1- INTRODUÇÃO
114
reforçadas por um Estado punitivo, que também pode ser visto indispensavelmente como
um “Estado penal” (NETTO, 2009).
Desse modo,as discussões das relações raciais no Brasil no contexto da ditadura
exposto no presente trabalho, traz à baila uma das práticas cotidianas ao conceito que
Nascimento (2016) descreve como genocídio do negro brasileiro, entre as quais se
configura por mecanismos de controle sistematizados que inibem liberdades a partir de
estratégias de extermínios a um grupo racializado48.
48Termo que ganhou amplitude a partir dos estudos de Arthur de Gobineau em “Ensaio Sobre a Desigualdade
das Raças Humanas” (1853). Define a raça como conceito biológica para a condição social do indivíduo. O
que segundo o mesmo explica a desigualdade. Esse argumento carrega um significado pejorativo, que de
modo geral, atesta os indivíduos negros a um aspecto de inferioridade. Nesse sentido, utilizamos o termo
aqui como menção as associações entre negritude e marginalidade, bem como, de outros aspectos que
denotam estereótipos.
49 O Estado de bem-estar social ou denominado como Estado Assistencial defendido por alguns intelectuais,
vem da expressão em inglês Welfare State define-se pela intervenção do Estado na vida social e econômica
da sociedade, seja na distribuição de rendas ou na prestação de serviços como saúde e educação.
50 Cf. Ernst Mandel, O capitalismo tardio, ed. cit., cap. 4 e ainda A crise do capital. Os fatos e sua
115
Nesse sentido, as concepções sobre direitos e garantias sociais antes vista no
Estado do Bem-Estar e mistura com as demandas do mercado, que por sinal as torna
obsoleto ao ponto de reduzir, terceirizar e precarizar como uma forma de extrair um valor
acumulativo.Essa nova tendência diminui a ação do Estado em condições mínimas em
prol de um discurso desenvolvimentista macroeconômico e abre espaço para as
privatizações.O que por sua vez,fragilizou áreas como potenciais alvos de interesse
especulativo do mercado - quais sejam; saúde, educação e segurança.
Essa última, no caso do Brasil que atravessava um período ditatorial, recebe
investimento massivo na militarização policial,afim de garantir a segurança nacional a
quaisquer que sejam o risco a soberania do Estado. O modelo desenvolvimentista de
cunho liberal serviu como uma luva para a ditadura militar, que como se sabe
amplamente discutido através de uma extensa bibliografia51teve apoio da classe média e
da burguesia entre as quais se beneficiavam da supervalorização do mercado privado,
em paralelo com o policiamento ostensivo e altamente lucrativo. Era lançado o
casamento incestuoso entre Estado, segurança e capitalismo privado, como efeito,
produziu a “militarização da vida social” (NETTO, 2013). Ainda segundo o mesmo autor:
a substituição do “Estado de bem-estar social” pelo “Estado penal”, a repressão
estatal se generaliza sobre as “classes perigosas”, ao mesmo tempo em que
avulta a utilização das “empresas de segurança” e de “vigilância” privadas –
assim como a produção industrial, de alta tecnologia, vinculada a estes “novos
negócios” (e não se esqueça do processo de privatização dos estabelecimentos
penais). (NETTO, 2013. p. 27)
51Sobre a participação da burguesia no regime da ditadura militar, importante leitura de CAMPOS, Pedro H.
P. Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988. (2014).
116
e consequentemente a cor da pele. Para o autor, de acordo com as análises de Sidney
Chalhoub o conceito sobre “classes perigosas” percorreu as discussões de
parlamentares brasileiros no período inicial da república, preocupados com o processo de
pós-abolição e dos espaços a serem ocupados pela população negra, perfizeram a
compreensão social acerca da vadiagem, associado aos negros encarados como
arruaceiros, melindrosos e de má índole.
117
dos bailes teriam sido “perseguidos políticos” da ditadura (PEDRETTI, 2018, p.
97).
Soma-se a isso, o ambiente de vigilância que ocorria nos subúrbios do Rio de Janeiro,
seguidas de sucessivas blitzen, além de prisões que ocorriam de modo arbitrário,
permitiram abusos de poderes, bem como, de uma política criminal da polícia militar
ancorada no racismo. Assim, conter a massa negra a partir da asfixia em nome da
segurança nacional, contra o “criminoso comum” em detrimento do “criminoso político”
era o modelo que o Estado agenciava a corporação militar a partir do filtro racial que
atestava o corpo negro como potencial criminoso. Pires (2018) expõe essa discussão:
52
Legislação que tipifica os crimes contra a segurança nacional a ordem política e social, utilizada no
contexto do regime militar para cassar políticos, inibir direitos civis (como parte do combate a subversão),
bem como, decretar prisões de modo arbitrário pela polícia e outros órgãos de segurança do Estado.
118
A questão agora não estava relacionada à contenção dos riscos que a massa
negra representava para a segurança pública, em razão de sua “criminalidade
potencial”, mas a necessidade de que fossem monitorados de perto pelos órgãos
de repressão, e eventualmente mais do que isso, por desafiarem as bases
estruturais da ordem social vigente. (PIRES. 2018. p, 1063)
A partir desse contexto, compreende-se que, no regime militar a ação da polícia passa a
ganhar novas feições, politizadas pela repressão efetiva de controle do Estado junto à
periferia sobre um aparato institucionalizado da corporação militar, como modo de instituir
a ordem e o controle das “classes perigosas”. Esse processo, conforme assinala
Munanga e Gomes (2006),inscreveu sobre um grupo social uma vigilância exclusiva que
não se restringe apenas a dispersão da população negra, mas da mobilização e
articulação entre coletivos que passaram a denunciar a repressão nos subúrbios e do
tratamento da abordagem policial denunciadas por entidades estaduais de agremiações
negras representadas por líderes militantes, que ressurgiam no cenário nacional com as
mobilizações da luta contra a discriminação racial. Nesse contexto, surge o Movimento
Negro Unificado (MNU),seu nascimento ocorre justamente com a principal manifestação
dos coletivos negros.
A cena que figura na memória dos coletivos negros conforme aponta Rios (2012),
é a manifestação nas escadarias do teatro municipal de São Paulo em 1978, na ocasião
o protesto ocorria mediante a morte sob tortura do trabalhador negro Róbson Silveira da
Luz e a discriminação sofrida por quatro atletas juvenis negros, retirados do Clube de
Regatas Tietê, em São Paulo. A projeção desse descontentamento das entidades negras
potencializou uma nova militância negra, na qual, vinha se firmando ao decorrer da
década de 70. Além do evento propiciar o nascimento do MNU, representaria um marco
para a luta negra de contestação da dignidade humana.
Nesse contexto, denunciavam a disposição da ditadura civil militar ao politizar o
ocultamento de corpos, a sistematização e silenciamento das testemunhas, bem como,
das perseguições ideológicas ao instituir novas formas e ferramentas de exclusão racial
que permitiram o que Achile Mbembe (2018) define como “necropolítica”, ao invisibilizara
morte de pessoas negras, coberta por uma estrutura racial que organiza os espaços na
ordem geral da sociedade. Da mesma maneira, determina os lugares a serem ocupados
pela sociedade na organização social,na qual o Estado de direito tenta abarcar.
119
3- CONCLUSÃO
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIMA, Lucas Pedretti. Bailes soul, ditadura e violência nos subúrbios cariocas na
década de 1970. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Departamento de História, 2018.
120
NETTO, J. P.Introdução ao método da teoria social. In: Serviço Social: Direitos Sociais
e Competências Profissionais. – Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009
MUNANGA, Kabengele e GOMES, Nilma Lino (orgs). O negro no Brasil de hoje. – São
Paulo: Global, 2006.
121
FORÇA DE TRABALHO SUPÉRFLUA, DESOCUPAÇÃO, INATIVIDADE E RAÇA/COR:
uma interpretação dos dados estatísticos da PNADC/IBGE
Elizete M. Menegat
Dayane A. Cardoso da Silva
Resumo:
O objetivo geral desta pesquisa é refletir em torno da
categoria social e analítica dos supérfluos do mundo do
trabalho na atualidade, quando se observa o
amadurecimento das novas tecnologias altamente
poupadoras de força de trabalho desenvolvidas pela 4ª
revolução industrial. Como objetivo específico, buscamos
analisar o crescimento dos supérfluos, atualmente, no Brasil,
a partir de dados da série histórica da PNADC/IBGE.
Abstract:
The general objective of this research is to reflect on the
social and analytical category of the "superfluous" in the
world of work today, when the maturation of new
technologies that are highly labor-saving developed by the
4th industrial revolution is observed. As a specific objective,
we seek to analyze the growth of superfluous in Brazil,
based on data from the PNADC/IBGE historical series.
122
salário a um valor mínimo necessário à reprodução da força de trabalho garantindo,
assim, uma condição fundamental para a apropriação do mais-valor pelo capital.
Nesse sentido, ambos, o contingente dos necessários e o contingente dos
desnecessários à produção – os supérfluos -, constituíram-se, lógica e dialeticamente,
essenciais ao processo de valorização do capital e da acumulação capitalista. Em outras
palavras, tanto os necessários quanto os desnecessários foram historicamente
constituídos como partes funcionais da mesma forma de organização social do trabalho
que foi imposta pelo moderno sistema mundial de produção de mercadorias. Portanto,
não só o exército permanente de trabalhadores ativos, mas, também, o exército
permanente dos inativos foi constituído pelo imperativo da valorização do capital. A
existência de ambos foi, desde o princípio, determinada pela lei do valor
(MARX,1984:195).
Entre os séculos XVI e XVIII, o movimento violento da acumulação originária do
capital gerou, no centro europeu e na periferia colonial, uma gigantesca massa de força
de trabalho explorável. O nascente sistema mundial de produção de mercadorias, depois
de roubar a propriedade das condições de reprodução dos camponeses e artesãos, na
Europa, e dos povos originários, na periferia colonial, separou funcionalmente a massa
mundial de exploráveis em socialmente necessários e socialmente desnecessários. Além
desta cisão econômica fundamental, produziu-se a cisão racial em brancos e não
brancos e, em homens e mulheres e masculinos e femininos
(QUIJANO:2005),(LUGONES, 2008). Com o objetivo de produzir mais-valor, o novo
padrão eurocêntrico de poder combinou todos os modos historicamente conhecidos de
controle sobre o trabalho, os recursos e os produtos. Os colonizados – negros e
indígenas – foram violentamente incorporados a este moderno sistema mundial de
produção de mercadorias como fração da força de trabalho a ser explorada pelos
regimes de escravidão e de servidão, com o objetivo único de produzir lucros para o
moderno sistema europeu. Durante cerca de quatro séculos, o trabalho assalariado foi
privilégio, quase exclusivo, dos homens brancos. QUIJANO: 2005).
Determinada pela lei do valor, a quantidade de supérfluos cresce na razão direta
do desenvolvimento das forças produtivas e do progresso da acumulação (MARX, 1984).
Portanto, a relação entre a quantidade dos que são considerados necessários à produção
e a quantidade dos que são considerados desnecessários, varia historicamente. Em
termos relativos, o número de supérfluos cresceu, no mundo, em todos os momentos em
que houve desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, aumento da produtividade
do trabalho. E, a partir de meados dos anos 1970, quando as taxas de lucro alcançadas
123
pelo desenvolvimento das tecnologias da 3ª revolução industrial começam a declinar,
começa-se a observar, pela primeira vez, o crescimento não apenas relativo, mas,
também absoluto, do número de supérfluos em nível mundial54 ( KURZ:2019). É deste
período a criação do termo “desemprego estrutural” para denominar este fenômeno de
criação, no nível mundial, de uma massa humana de desempregados e inativos que já
não podia mais ser caracterizada como exército industrial de reserva, uma vez que a sua
existência começava exceder, em muito, as quantidades funcionais de supérfluos
exigidos pelo sistema. Desde então, a substituição do trabalho vivo por mecanismos cada
vez mais autômatos, vem evidenciando a trágica superfluidade do próprio trabalho.
Mas, como medir a variação histórica das quantidades de supérfluos e estimar o
seu futuro? As melhores janelas para a observação do crescimento das quantidades de
supérfluos,são os momentos históricos de elevação da produtividade proporcionada
pelas revoluções das matrizes tecnológicas, as denominadas revoluções industriais
(KURZ: 2018). Desde a acumulação originária e, posteriormente, nos anos críticos do
primeiro desemprego tecnológico criado pela emergência da 1ª Revolução Industrial e,
principalmente, um século depois,com a 2ª Revolução Industrial, as periferias
colonizadas foram utilizadas como depósitos de supérfluos gerados pelos países
europeus (BAUMAN, 2005). Ao longo da segunda metade do século XIX, na época em
que nascia a 2ª Revolução Industrial, a Europa descartou milhões de supérfluos que
vieram aportar nas Américas. Para recebê-los, as nações periféricas que se
beneficiavam do trabalho escravizado de não-brancos, foram pressionadas, antes por
razões econômicas do que humanitárias, a realizar a transição para o trabalho livre. À
imensa maioria dos não-brancos coube, desde então, o lugar e a função de supérfluos na
estrutura do trabalho produtor de mais valor (MENEZES, 2013).
Não só na América mas, em todo o planeta, os movimentos permanentes de
expansão do capitalismo criaram, em quantidades cada vez mais crescentes, “uma
massa racializada de supérfluos” (McINTYRE:2011) que, atualmente, pode ser analisada
como resultado do novo pico de aumento da produtividade do trabalho, impulsionado pela
4ª revolução industrial. Entre 2008-2012, entramos, globalmente, na era da 4ª revolução
industrial. A ultrapassagem definitiva da 3ª revolução industrial para a 4ª vem sendo
reconhecida pelo salto disruptivo no padrão das relações dos humanos com as máquinas
124
e das máquinas entre si. A 4ª revolução industrial representa um novo movimento de
aceleração dos processos de automação industrial, desta vez possibilitados pela
integração de inovações tais como a inteligência artificial, a manufatura digital (3D), a
robótica, a internet das coisas e a computação em nuvem.
Conforme os autores do relatório The chalenge of slums, “as cidades tornaram-se
o depósito de lixo desta população excedente” (ONU, 2003, citado por DAVIS, 2006:91).
Também para autores como Bauman (2005) e Davis (2006), estes “refugados” do
sistema de produção de mercadorias vêm sendo depositados, como lixo, nos campos de
refugiados, nas favelas e nas periferias das metrópoles mundiais onde formam uma
verdadeira “orla dos párias”. Neste cenário de agudas desigualdades sociais, raciais e
territoriais, os moradores das favelas e periferias urbanas encontram-se no limite da
sobrevivência: definitivamente sem empregos, sem proteção do Estado e,
tendencialmente, sem meios de viver.
Nesta direção, o objetivo específico deste trabalho é dimensionar o problema
representado pelo crescimento dos supérfluos, no Brasil, a partir de dados da série
histórica da PNADC/IBGE.
Os dados desta pesquisa oficial vem confirmando o crescimento contínuo, nos
últimos anos, de um contingente de brasileiros em idade de trabalhar que já não
desenvolve qualquer atividade econômica, quer como ocupados no mercado formal ou no
informal. Considerando o contexto mundial da introdução das tecnologias da 4ª
revolução industrial em curso, o presente artigo limitou-se a estudar dados da PNADC
sobre as relações, atualmente existentes, entre a quantidade de trabalhadores ativos
(ocupados e desocupados) e a quantidade de trabalhadores inativos (não trabalham e
não procuram emprego).
125
Portanto, as mudanças na PNADC, em 2012, foram impulsionadas pela
necessidade urgente dos governos produzirem instrumentos mais adequados para
controlar, de modo contínuo e mais rigoroso, as repercussões internas causadas pelo
movimento global e avassalador de destruição de um elevado número de postos de
trabalho desencadeado, principalmente, depois da crise mundial de 2008. Este novo
abalo da crise estrutural do capitalismo acelerou a introdução, em escala global, das
tecnologias típicas da 4ª Revolução Industrial, produzindo efeitos sociais ainda mais
catastróficos.
Do ponto de vista da utilidade econômica para o sistema de produção de
mercadorias, a PNADC classifica a população brasileira total em dois grupos: 1)
População em Idade Ativa (PIA), formada pelos que têm acima de 14 anos, e 2)
população abaixo da idade ativa.
Por sua vez, o universo da PIA - população em idade de trabalhar - é dividido,
pela PNADC, em dois grupos: os efetivamente ativos e os inativos. Os ativos são também
reconhecidos, pela PNADC, como contingente da PIA que “está na força de trabalho”e,
os inativos, o contingente da PIA que “está fora da força de trabalho”.
A População Economicamente Ativa (PEA), por sua vez, é formada pela reunião
dos “ocupados” - os que exercem alguma ocupação, seja no mercado formal ou informal
– e dos “desocupados” – os que não exercem qualquer ocupação, seja no mercado
formal ou informal, mas, estão procurando ocupação. Assim, o percentual “dos que não
trabalham, mas, estão procurando trabalho” é classificado, pela PNADC, como força de
trabalho ativa e, portanto, relativamente funcional ao sistema de produção. Para os fins
deste trabalho, consideramos que, os assim denominados, “desocupados” constituem
aquele corpo de indivíduos supérfluos à produção, mas que ainda são competitivos e,
portanto, capazes de disputar, entre si, as vagas rotativas e as eventuais novas vagas
que surgirem, seja no âmbito formal ou informal.
Este grupo de excedentes do mundo do trabalho encontra-se próximo daquilo que
poderíamos denominar, ainda hoje, de relativamente supérfluos55 ou exército de reserva..
São, neste sentido, a camada dos supérfluos que ainda guarda certa funcionalidade para
o sistema de produção, ao contrário do grupo que o IBGE classificou de “desalentados”,
que são aqueles que desistiram de procurar trabalho e integram o contingente dos
inativos.
55 No Capítulo XXIII, ao analisar a superpopulação relativa, Marx afirmou: “...a acumulação capitalista produz
constantemente – e isso em proporção à sua energia e às suas dimensões – uma população trabalhadora
adicional relativamente supérflua ou subsidiária, ao menos no concernente às necessidades de
aproveitamento por parte do capital (MARX, 1984: 199). Grifos nossos.
126
Os assim denominados, pela PNADC, de “inativos” ou “fora da força de trabalho”
– nem trabalham, nem procuram trabalho - podem ser considerados como o contingente
dos definitivamente supérfluos. Tudo indica que eles foram definitivamente desativados
do processo de produção de mercadorias. Estes, já não podem ser considerados úteis
sequer como reserva de força de trabalho. O contingente massivo de inativos não
desempenha mais qualquer função no mundo do trabalho.
Ao contrário da taxa de desocupação, o quantitativo dos inativos é, em geral,
subnotificado pelos canais tradicionais de divulgação dos dados da PNADC – inclusive
por vários canais de informação do próprio IBGE. O que, primeiro, aparece estampado
nas manchetes são as “taxas de desocupação”, as quais dizem respeito, apenas, aos
supérfluos funcionais - não trabalham, mas, procuram trabalho. A taxa de desocupação –
também denominada de taxa de desemprego - não revela a totalidade dos que não
trabalham, pois, não inclui o elevado percentual de supérfluos definitivos: os que nem
trabalham e nem procuram trabalho.
Por exemplo, a taxa de desocupação, no 2º trimestre de 2020, foi de 13,6%, que
correspondia a 12, 8 milhões de brasileiros. Esta taxa informa que 13,6% da população
em idade de trabalhar está procurando trabalho e, portanto, mobilizada aguardando a
eventual oportunidade de ocupação de alguma vaga. Contudo, poucas matérias
noticiavam que, além dos 12,8 milhões, havia uma legião de 77,8 milhões de supérfluos
na categoria dos que nem trabalhavam nem procuravam trabalho na data da pesquisa.
Estes são os que desistiram de procurar trabalho; são os denominados, pela PNADC, de
“fora da força de trabalho”. São os definitivamente supérfluos. Estes tendem a compor a
orla dos miseráveis, dos “seres humanos não rentáveis” que não encontram mais
condições “de viver do seu trabalho” e adquirir, no mercado, os meios de viver (KURZ,
2019). Trata-se da parcela que fica sem “fundos de subsistência” (MARX, 1984: 209).
E, qual é a quantidade de supérfluos que o Brasil apresenta na atualidade?
Considerando o total dos relativamente supérfluos e dos definitivamente supérfluos, o
Brasil alcançava, no 2º semestre de 2020, a cifra de 90,6 milhões. Este cálculo resulta
da soma de 12,8 milhões mais 77,8milhões, acima comentado. Em porcentagem, o
universo “dos que não trabalham” representava, naquela data, 52% da população em
idade de trabalhar, como podemos observar na Tabela 1:
TABELA 1 – Total da PIA - população em idade de trabalhar X Total da PIA que trabalha
(Taxa de ocupação) X Total da PIA que não trabalha (“não trabalha, mas, procura
trabalho” + “não trabalha e nem procura trabalho”)
127
Ano Total PIA Total da PIA Percentual da Total da PIA Percentual da
(milhões) que trabalha PIA que que não PIA que não
(milhões) trabalha trabalha trabalha
(Tx de (milhões)
ocupação)
Entre 2012 e 2020, inverteu-se a relação entre os que estão ocupados - “os que
trabalham” - e os que não estão ocupados - “os que não trabalham”. Isso não pode
passar despercebido. As formas de reprodução do capital, na era da 4ª revolução
industrial, iniciada ao redor de 2010, parecem exigir, contraditoriamente ao imperativo de
valorização do valor, a inutilização de parcelas majoritárias da população em idade de
trabalhar.As novas tecnologias e o novo pico de produtividade que elas alcançaram é
responsável por esta nova rodada de eliminação do trabalho vivo e, portanto, pela
elevação do número de supérfluos a patamares assustadores.
128
Os dados indicam que, atualmente, não há lugar, nem mesmo na economia
informal, para mais da metade da população brasileira em idade de trabalhar, como foi
visto. Não surpreende que a maioria dos trabalhadores resgatados, pelos órgãos oficiais
de fiscalização, retorne ao trabalho análogo à escravidão por falta de alternativas de
sobrevivência (REPÓRTER BRASIL, 2011).
As séries históricas da PNADC informam, ainda, que, entre os ocupados, os
negros – pretos e pardos – consolidaram-se como grupo majoritário no trabalho informal.
Eles constituem maioria, principalmente, nas atividades informais mais mal remuneradas
tais como, serviços domésticos, construção civil e agropecuária. E, entre os ocupados no
setor formal, as séries revelam que os negros também são ampla maioria nas atividades
que oferecem as mais baixas remunerações tais como os denominados serviços gerais
vinculados à carga e descarga, limpeza, manutenção, segurança. E, os negros são,
também, tragicamente majoritários no interior do imenso contingente formado pelos
desocupados e pelos inativos: isto é, tanto entre os supérfluos relativos quanto entre os
supérfluos definitivos. Nesse sentido, os negros e, principalmente, as mulheres negras,
constituem a fração majoritária do universo de pobres e miseráveis do país. São,
portanto, maioria entre os sujeitos que não podem garantir sua sobrevivência através do
rendimento do seu trabalho uma vez que estão sendo definitivamente dispensados pelos
robôs e computadores da nova era de produtividade do trabalho.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
129
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERINGUY, A. Pela primeira vez mais da metade dos brasileiros não tem trabalho, diz
FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael A. The future of employment: how susceptible
are Jobs to computerisation? 17/09/2013. Diponível em:
<https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf
>. Acesso em: 03/10/2016.
KRENAK, A. Idéias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1984(L.1).
130
MENEGAT, E. Cidades em colapso: sobre o crescimento da população desocupada
e inativa nas capitais brasileiras. In: PINTO, N. M. e outras. Famílias e políticas sociais:
os desafios da intervenção social. Viçosa: UFV Editora, 2020.
QUADROS, Waldir. É assustadora a bomba relógio que temos pela frente. Entrevista
concedida a Patricia Fachin. IHU-UNISSINOS, 14/06/2019. Disponível em: <“É
assustadora a bomba-relógio que temos pela frente”. 80% dos trabalhadores brasileiros
são pobres e vivem com renda de até 1.700 reais. Entrevista especial com Waldir
Quadros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU>. Acesso em: 12/05/2020.
131
RACISMO ESTRUTURAL EM TEMPOS DE NEOCONSERVADORISMO: UMA
ANÁLISE DAS PRÁTICAS RACISTAS EM EMPRESAS AÉREAS
RESUMO
ABSTRACT
Espírito Santo e graduada em Letras Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN). E-mail: mayanasilva1995@gmail.com
Eixo temático: As expressões da exploração/opressão de classes no contexto da ofensiva ultraneoliberal do
capital.
132
1- INTRODUÇÃO
133
no Rio de Janeiro, de quando esteve num Quilombo, expressa escancaradamente a visão
a-histórica e racista da classe dominante: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais
leve lá pesava sete arrobas. Não servem para nada, nem para procriadores servem mais".
Nesta toada, o racismo passa a estar não mais velado, mas escancarado nas
estruturas sociais e institucionais, o que torna essa violência ainda mais perigosa, pois
que amplamente aceita pela sociedade, sendo interiorizada no cotidiano e legitimada
pelos meios midiáticos. Com isso, vivenciamos retrocessos nas conquistas dos direitos
da população negra e demais minorias sociais, alvejados por ataques moralistas, que
negam as diferenças e a diversidade e intensificam processos de subalternização e
desumanização, que “implicam violência contra o outro, e todas são mediadas
moralmente, em diferentes graus, na medida em que se objetiva a negação do outro:
quando o outro é discriminado lhe é negado o direito de existir como tal ou de existir com
as suas diferenças” (BARROCO, 2011, p.209).
Segundo o IPEA (2019), os negros representam 76% das vítimas de homicídios
no Brasil59, resultado da criminalização da pobreza, da militarização da vida cotidiana e
do agigantamento da figura do Estado Penal, autoritário e hierárquico em detrimento do
Estado Democrático de Direito. A violência policial tem um alvo certo: o negro, pobre e da
periferia. A morte de George Floyd, asfixiado por um policial branco em Minnesota (EUA),
dos brasileiros João Alberto de Silveira Freitas, espancado até a morte por dois
seguranças brancos no estacionamento de um supermercado e a morte de Genivaldo de
Jesus Santos, asfixiado numa câmara de gás improvisada numa viatura policial,
evidenciam os a crueldade animalesca do nazifascismo imbricado nas práticas
racializadas de culto à violência e ao militarismo.
A história do Brasil racista e classista tem sido escrita todos os dias,
exaltada e rememorada pela violência policial [...] a prática desses
segmentos policiais tem escrito e reescrito a história na pele, no corpo (e
no espírito) dos escravos, no dorso da sociedade (dorso pobre e negro).
(Soares, 2020, p. 56)
134
entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um
grupo, tornando-nos ainda mais responsáveis pelo combate ao racismo e aos racistas.
Consciente de que o racismo é parte da estrutura social e, por isso, não
necessita de intenção para se manifestar, por mais que calar-se diante do
racismo não faça do indivíduo moral e/ou juridicamente culpado ou responsável,
certamente o silêncio o torna ética e politicamente responsável pela manutenção
do racismo. A mudança da sociedade não se faz apenas com denúncias ou com
o repúdio moral do racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas e da
adoção de práticas antirracistas. (ALMEIDA, 2019, p. 34)
135
3- O RACISMO E SUAS INTERSECCIONALIDADES: a expressão do pensamento
antinegro nas companhias áreas
136
companhias aéreas brasileiras: Azul Linhas Aéreas, Gol Linhas Aéreas e Latam. Acerca
do cabelo Black Power foram inferidas algumas recomendações:
Este tipo de corte deve-se ter atenção em relação ao volume do cabelo. Porém,
o estilo de corte Black Power é permitido, desde que seja discreto e neutro.
Portanto, ele não pode ser um Black Power muito grande, ou seja, volumoso. [...]
Segundo informações, a Azul Linhas Aéreas fala que o cabelo do profissional da
aviação (comissário de voo/aeromoça) não pode interferir no casquete (chapéu
da comissária). Avalia-se que o tamanho permitido é de3cm de comprimento,
contando da raiz para ter um cabelo Black Power. (Grifos nossos)
137
Posto isso, observou-se que algumas Instituições aéreas reproduzem, em suas
normatizações, o racismo explícito. Na atual forma de sociabilidade embebida pelo
neoconservadorismo, o preconceito contra a pessoa negra se espraia na forma de
governo, nas organizações sociais e no próprio modelo econômico, sendo reforçado
pelos mecanismos institucionais de empresas como essas, que se omitem na luta pela
desconstrução da cultura racista-sexista e reforçam a normalização acentuada da
segregação racial e a supervalorização das identidades raciais brancas.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
138
estabelecidos. A luta contra o racismo deve estar vinculada a uma luta maior, por uma
forma de sociabilidade, na qual o outro seja possível em suas diferenças e alcance a
emancipação humana.
5- REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento,
2018.
SOARES, Luís Eduardo. Dentro da noite feroz: o fascismo no Brasil. São Paulo:
Boitempo, 2020.
139
GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA: análise sobre mortes violentas em uma região
do município de Juiz de Fora
Resumo
Palavras-chave
Abstract
Thisarticleaimstobringtheimpactsandperceptionsoffamiliesab
outviolent deaths of young people in a region of the
Municipality of Juiz de Fora. Through an interview, based on
the method of life history, I present elements that permeate
the history and the different areas of life of the familie
sofvictim sofviolent deaths, see king to analyze and correlate
the stories presented with the social context, considering
structural racism and the social inequalities as motivating
factors for the various form sofextermination of black bodies.
Keywords
60Assistente Social especialista em saúde da família pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Trabalho de
conclusão de residência orientado pelo professor Dr. Bruno Bruziguessi Bueno.
E-mail.:pamelasoarez14@gmail.com. Eixo temático: Ofensiva ultraneoliberal do capital e lutas sociais.
140
1- INTRODUÇÃO
141
buscando compreender a perspectiva que essas famílias têm em relação às mortes
violentas desses jovens. Por conseguinte, procuro, através desta pesquisa, explicitar os
principais elementos que aprofundam esse fenômeno. Nesse sentido, vislumbro contribuir
para o entendimento de que as mortes violentas de jovens negros da periferia estão
atreladas ao racismo estrutural da sociedade brasileira.
2- RESULTADOS E DISCUSSÕES
É que eu trabalhava e meu marido na época de vez de trazer o dinheiro pra casa
gastava tudo na rua com bebida. (...). Eu passei muita dificuldade. A gente
discutia muito, às vezes ele me batia. Até que chegou a um ponto que eu não
quis mais. (E1)
(...) No natal e ano novo a gente reunia a família, mas depois minha irmã morreu
matada, o marido dela matou ela, com 36 facadas. Com um negócio de droga,
ele via homem para todos os lados, aí ele sentiu ciúme e matou ela (...). (E2)
(...) Ele gostava é de bater, gostava de espancar os filhos, que ele bebia muita
cachaça. Até na minha mãe ele batia (...). (E3)
142
negra. Com efeito, a introjeção e naturalização da violência contra corpos negros são
produzidas pelo racismo, que, de acordo com Almeida (2021, p. 65), “constitui todo um
complexo imaginário social”.
A partir das falas ainda é possível identificar que as condições estruturais, de vida
e moradia, sempre foram precárias e/ou insuficientes, assim como as condições objetivas
de subsistência, na qual podemos identificar pelo histórico de situações de insegurança
alimentar. Podemos perceber que as desigualdades econômicas, que tem como marca
um recorte de raça, é um marcador para situações de violência, aumentando a incidência
de vitimizações (CERQUEIRA; MOURA, 2013). No Brasil, de acordo com dados do IBGE
(2021), em 2020, 10,4% da população (21,9 milhões de pessoas) viviam com até o valor
de 1/4 de salário mínimoper capita mensal (cerca de R$ 261,00) e 29,1%,
aproximadamente 61,4 milhões de pessoas, com até 1/2 salário mínimo per capita (cerca
de R$ 522,00), enquanto 3,4% (7,2 milhões de pessoas) tinham rendimento per capita
superior a cinco salários mínimos (R$ 5.225,00). Esses dados evidenciam a disparidade
econômica e social existente em nosso país. Vale lembrar que a pandemia de COVID-19,
maior crise sanitária dos últimos tempos, aprofundou a desigualdade social, aumentando
a destruição de postos de trabalho e, consequentemente, as condições de reprodução
social das famílias.
143
possuem as menores remunerações como agropecuária (60,7%), construção (64,1%) e
nos serviços domésticos (65,3%). Por outro lado, a população branca ocupa as
atividades com maiores remunerações.
144
indústria do narcotráfico. Em seu estudo, Costa e Barros (2019) evidenciam que para os
adolescentes o tráfico constitui como uma atividade laborativa, constituído por categorias
análogas ao trabalho formal, com chefes, horários, cargos e funções. Assim, as autoras
evidenciam, parafraseando Lyra (2011), que há um deslocamento dessas categorias para
outra esfera existencial e não um repúdio puro e simples ao estudo ou trabalho, como é
disseminado pelo senso comum.
Por conseguinte, Costa e Barros (2019) indicam que a violência manifestada pela
disputa de territórios pelo tráfico é consequência da criminalização das drogas e da
ausência do Estado no sentido de regulamentação e mediação dos conflitos inerentes
desse mercado ilegal. Consequentemente, esse processo corresponderia a uma forma
de execução da necropolítica, mencionada por Mbembe (2020). Sob essa lógica, o
Estado não atua diretamente sobre as mortes desses corpos negros, mas sua ausência
abre brecha para uma terceirização dessas mortes. Nesse sentido, percebemos que há
uma mudança na compreensão sobre a violência e a criminalidade pelos entrevistados,
indicando um processo de complexificação e aprofundamento desses conflitos perante o
acirramento das desigualdades frente ao contexto neoliberal.
Antes o pessoal tinha respeito, porque tinha um traficante que eles mataram, que
ele colocava respeito, não tinha essas confusões não. Hoje em dia eles não tem
respeito mais não. Tudo agora deles é dá tiro. (E1)
Antigamente o bairro aqui era melhor do que hoje. Tinha malandragem?! Tinha.
(...) Mas eles respeitava as pessoas né. Até ajudava as famílias que precisavam.
Chegavam perto deles, pediam um gás, uma cesta básica, eles davam. Eles
morreram, mataram eles, né. Mas veio outros. Os traficantes antigamente não
mexiam com a gente, ao contrário, eles ajudavam as pessoas que precisavam.
(E2)
(...) Mas antigamente não tinha esse problema que tem agora, os outros
matando os outros, os outros dando arma para menor matar os outros. Chegou a
esse ponto pelo tráfico, tráfico de drogas. Antigamente não tinha droga. Agora
tem tudo, e tudo eles jogam na mão dos menor. Antigamente era melhor agora
piorou tudo. (E3)
145
(...) conheço quem matou. Eram pessoas que eu vi crescer. Ainda tenho contato
com as famílias, mãe, irmão… a gente conversa (...). (E2)
Eu nem vou muito lá pra baixo para passar perto deles, eles me conhecem. Eles
não mexem comigo não, porque eu não passo perto deles. O menino que matou
meu neto eu conheço. Meu neto nunca mexeu com ele. Os outros que pagam
para fazer, dão arma e eles vão e mata. Mas agora ele tem que pensar na vida
dele (...) mas ele também vai levar um tiro e vai morrer. Hoje e amanhã o dia
dele vai chegar. (...) Esse menino que matou meu neto morava do lado da minha
casa. Ele era criado ali, eu brincava com ele todo dia. Ninguém pensava que ele
ia matar meu neto [choro]. (E3)
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além disso, foi evidenciado como a morte de jovens negros no Brasil demarca a
efetividade de uma política de morte, que executa por aparatos diretos ou terceiriza o
extermínio através da ausência do Estado. Podemos perceber que o extermínio de
corpos negros, no contexto neoliberal, não está restrito apenas nas mortes e nos
encarceramentos, ele encontra-se em todos os sentidos da vida desses sujeitos, seja na
146
exclusão dos espaços de poder, seja na assimilação ou aniquilação da cultura, na falta
de acesso às políticas e na invizibilização e destituição de sua condição de cidadão.
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. 1. ed. São Paulo: Jandaíra, 2021. p. 19-255.
147
Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes. Acesso em: 01 Fev.
2022.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. 1. ed. São Paulo: N-1 edições, 2018. p. 5- 71.
SILVA, A. P. et. al. “Conte-me sua história”: reflexões sobre o método de História de Vida.
Mosaico: estudos em psicologia, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 25-35, 2007. Disponível
em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/mosaico/article/view/6224/3816. Acesso em: 11
nov. 2021.
ZANELLA, Sandra. Mortes violentas ficam estáveis em Juiz de Fora, após duas quedas.
Jornal Tribuna de Minas. Disponível em:
https://tribunademinas.com.br/noticias/cidade/03-01-2021/mortes-violentas-ficam-
estaveis-em-juiz-de-fora-apos-duas-quedas-2.html. Acesso em: 1 mar. 2021.
148
A SEGREGAÇÃO ESPACIAL COMO EXPRESSÃO DA EXPLORAÇÃO E DA
OPRESSÃO DAS CLASSES POBRES NO BRASIL
1- INTRODUÇÃO
61 Advogada e jornalista. Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Especialista em Direito Público e em Direito do Trabalho e Previdenciário. Professora orientadora: Dra.
Elizete M. Menegat. E-mail:erikawinter@gmail.com.Eixo temático:As expressões da exploração/opressão de
classes no contexto da ofensiva ultraneoliberal.
149
XXI, a segregação espacial atinge as classes pobres de forma contundente e o cenário,
tanto nos países subdesenvolvidos como nos países centrais, é devastador.
O agravamento da crise urbana nos países periféricos é resultado da ofensiva
ultraneoliberal, que se espalhou pelo mundo, após a crise estrutural do capital nos anos
1970, e no Brasil se ampliou a partir da década de 1990. A população pobre foi afetada
diretamente pelas inserções dos Estados subordinados às ações dos mercados e dos
organismos multilaterais do capital, como o Banco Mundial, Fundo Monetário
Internacional e Organização das Nações Unidas (ROLNIK, 2015).
A reprodução ampliada do capital, cerne das políticas, trouxe implicações em
todas as áreas, não só econômica, e exacerbou as contradições entre a relação de
domínio do capital sobre o trabalho. A ofensiva ultraneoliberal intensificou as
engrenagens do modo de sociabilidade capitalista, que se funda, principalmente, na
exploração e no antagonismo entre as classes. “No capitalismo, as formas de
sociabilidade se estruturam em relações de exploração, dominação, concorrência,
antagonismo de indivíduos, grupos, classes e Estado” (MASCARO, 2013, p. 170).
O direito à moradia digna tem sido roubado das classes pobres, com índices
alarmantes de população em situação de rua no Brasil(POLOS/UFMG, 2022). São famílias
que até pouco tempo atrás tinham acesso, mesmo que precário, à habitação e ao
trabalho e foram destruídas pela política econômica regressiva. Indivíduos que estão
sucumbindo ao chamado projeto histórico-social da burguesia, com intensificação do
terrorismo de Estado - através de variados meios de violência, dominação e coerção,
racismo,xenofobia, flexibilização e precarização do trabalho, criminalização das
organizações da classe trabalhadora, entre outros, que escancaram a pauperização e
desigualdade social (DARDOT, LAVAL, 2017).
150
Petrella e Prieto (2020) ressaltam que os pobres são parte indissociável do
processo de reprodução do capital, apesar de aparentarem ser descartáveis, pois além
da venda de sua forca de trabalho, “são consumidores precários de mercadorias e estão
cada vez mais inseridos no processo geral de exploração desmedida” (PETRELLA,
PRIETO, 2020, p. 585). Isso porque, segundos os autores, diante das políticas de
reprodução ampliada do capital, há cada vez menos a expansão exponencial de lucros e
mais-valia. Com isso, é necessário o aumento dos níveis de exploração e expropriação,
inclusive sobre a população pauperizada e desempregada, que cumpre o papel de
exército industrial de reserva.
Contraditoriamente, observa-se um processo de extermínio da população de
baixa renda pelas políticas ultraneoliberais adotadas pelo Estado brasileiro. Garantidor de
elementos basilares do sistema como propriedade privada, liberdade econômica e
contratual, como formas de manutenção da ordem para a reprodução ampliada do
capital, o Estado avança sobre essa classe desassistida que perde desde o trabalho até
a moradia e a dignidade. “Nota-se, contudo, que o Estado muda de forma e função à
medida que se acentua a competição capitalista mundial, e seu objetivo é menos
administrar a população para melhorar seu bem-estar do que lhe impor a dura lei da
globalização” (DARDOT, LAVAL, 2017, p. 15).
De acordo com Mascaro (2013), o Estado é uma criação do capitalismo e sua
constituinte existencial é a dinâmica de reprodução do capital. “O aparato estatal é a
garantia da mercadoria, da propriedade privada e dos vínculos jurídicos de exploração
que jungem o capital e o trabalho” (MASCARO, 2013, p. 20).Ou seja, esse Estado
autômato nada garante aos indivíduos, apenas lhes oferta a liberdade contratual de
vender sua força de trabalho de modo cada vez mais precário.
Para o autor, as mudanças do capitalismo contemporâneo a partir da década de
1970, fizeram “com que o capital se estabelecesse ainda mais como um superpoder para
além dos Estados nacionais” (MASCARO, 2013, p. 166). Estes assumiram um papel
fundante no processo, já que para a engrenagem funcionar foi preciso que esse
“superpoder” perpassasse por dentro dos Estados. Mascaro afirma que o neoliberalismo
“não é a abolição da forma política estatal, mas, antes, a sua exponenciação”
(MASCARO, 2013, p. 195), que toma corpo a partir da década de 1980.
151
familiar, político, cultural, geracional, subjetivo - à reprodução ampliada do capital
(DARDOT, LAVAL, 2017, p. 143).
152
A moradia alçou a condição de direito fundamental na Constituição Federal (CF)
de 1988, e de direito social com a Emenda Constitucional nº 26, de 2000.Com a CF de
1988, o Estado passou a ter uma função positiva em relação à moradia, ao exercer o
papel de promotor de políticas públicas para tutelar o direito. Na prática, sabe-se que o
Estado capitalista não foi criado para atender a esta função constitucional de promover e
garantir moradia digna a todos, ao contrário, seu papel é de ser um aparato à reprodução
capitalista, através da troca de mercadorias e da exploração da força de trabalho sob a
forma assalariada (MASCARO, 2013).
153
tendência capitalista é aumentar o número de “sem-propriedade”, nas palavras de
Menegat (2005, p. 111).
Note-se que até os anos 1970, a maioria dos brasileiros vivia no campo. O
fenômeno de inchaço populacional nas cidades é relativamente novo,e aconteceu em um
curto espaço de tempo, impulsionado pela crise da década de 1970.As políticas
implantadas intensificaram o processo de expropriação de terras rurais, ocupadas por
milhares de famílias, expulsas de seus meios de produção. Na década de 1990, capitais
como Rio de Janeiro e São Paulo possuíam moradores de todas as regiões do país,
sendo que metade deles moravam em condições indignas e 70% em ocupações
informais (DUARTE, MELLO, 2001).
De acordo com um levantamento do Programa das Nações Unidas para os
Assentamentos Humanos (UN-Habitat, 2003), São Paulo está entre as cidades mundiais
com os maiores percentuais de concentração de indivíduos vivendo em áreas informais.
Entre as cidades estão Etiópia (99,4%), Tchade (99,4%), Afeganistão (98,5%) e Nepal
(92%). A capital global dos favelados é Mumbai (10 a 12 milhões). Em seguida vem
Cidade do México e Daca (9 a 10 milhões cada), e, depois, com uma média de 6 a 8
milhões de pessoas estão Lagos, Cairo, Karachi, Kinshasa-Brazzaville, São Paulo,
Xangai e Délhi (DAVIS, 2006).
Em 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que
mais de cinco milhões de domicílios brasileiros estavam localizados em aglomerados
informais. “Em vários países do hemisfério Sul, essas políticas interagiram fortemente
com o padrão “tradicional” de provisão habitacional para os pobres – os assentamentos
autoconstruídos -, aprofundando e transformando as condições de pobreza e exclusão”
(ROLNIK, 2015, p.158).
Rolnik (2015), em sua obra Guerra dos Lugares, relata casos mundiais de
expropriação da terra e de expulsão de milhões de pessoas de suas moradias, inclusive
no Brasil. Ela define como um processo de desconstrução da habitação como um bem
social e de transmutação em mercadoria e ativo financeiro. Na América Latina e,
especialmente, no Brasil, assiste-se a incrementação severa da violência pelo Estado,
que comanda os horrores ditados pelos governante sultraneoliberais. “Trata-se da
conversão da economia política da habitação em elemento estruturador de um processo
de transformação da própria natureza e forma de ação do capitalismo em sua versão
contemporânea (...) (ROLNIK, 2015, p. 26).
A extinção de milhões de postos de trabalho é um duro golpe da ofensiva
ultraneoliberal, amparada pela quarta revolução industrial, desde meados de 2010.
154
Ocupações que não serão realocadas para gerar novas vagas de emprego. Isso significa
que o aumento do desemprego é gradual e irreversível. A Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua (PNAD), do IBGE, mostrou que o número de pessoas
desocupadas no terceiro trimestre de 2021era de mais de 35 milhões, com idade entre 25
e 39 anos. Mais de 100 milhões de pessoas, no total, a partir de 14 anos, estavam
desempregadas no período. Num país de 213,3 milhões de habitantes, em
2021,praticamente metade da população estava fora do mercado de trabalho.
Sem perspectivas de trabalho, ou na incerteza dos empregos atuais, e sob a
insegurança constante de expropriação e remoção de sua moradia, os sujeitos sociais
agonizam jogados nas periferias, áreas insalubres e ruas das cidades brasileiras. A força
de trabalho, até então indispensável para a engrenagem capitalista funcionar, começa a
tomar novas formas, menos essenciais e mais descartáveis. A exclusão socioterritorial,
pauperização e desigualdade social extremas são as expressões mais dramáticas da
crise urbana contemporânea, que alcançou índices alarmantes e irreversíveis.
3- CONCLUSÃO
155
designada para as pessoas com capacidade para o trabalho, mas que deixaram de
procurar ocupação pelo fato de não encontrarem mais um lugar no mercado de trabalho.
É a massa empobrecida, que aumenta de modo progressivo com a ordem
mundial ultraneoliberal, transformando os pobres, mais cedo ou mais tarde, em não
rentáveis, na definição de Robert Kurz (2006). Os indivíduos se tornam inúteis e entraves
à propriedade privada da classe dominante e do Estado, a mercadoria mais cara do
processo capitalista.
4- REFERÊNCIAS
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. COMUM: ensaio sobre a revolução no século XXI.
São Paulo: Boitempo, 2017.
DUARTE, Cláudio R.; MELLO, Caio B. Crise da cidade e fetiche do trabalho. [S.l.]: [s.n.],
2001. Disponível em: https://www.krisis.org/2001/crise-da-cidade-e-fetiche-do-trabalho/.
Acesso em: 24 de abril de 2020.
HARVEY, David. O direito à cidade.Lutas Sociais, São Paulo, n. 29, p. 73-89, jul./dez.
2012.
KURZ, Robert. Seres humanos não rentáveis. [S.l.]: [s.n.], 2006. Disponível em:
www.obeco-online.org/rkurz254.htm. Acesso em: 27 de abril de 2020.
MASCARO, Allyson Leandro. Estado e Forma Política. São Paulo: Boitempo, 2013.
156
_________. A periferia é o limite: notas sobre a crise do modelo ocidental de
urbanização. Cadernos Metrópole, São Paulo,n.13, p.107-132, 1° sem. 2005. Disponível
em https://revistas.pucsp.br/metropole/article/view/8801. Acesso em: 07 de junho de
2019.
ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das
finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.
157
TRABALHO FEMININO NA REALIDADE NACIONAL: RELAÇÕES DE EXPLORAÇÃO,
DOMINAÇÃO E OPRESSÃO
1- INTRODUÇÃO
62Mestranda no PPG de Serviço Social na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), marinaftoledo@gmail.com.
Orientadora: Profª Drª Maria Lúcia Duriguetto.
158
articuladas. As relações desiguais e hierarquizadas entre os sexos se estabelecem na
intersecção entre as esferas reprodutiva e produtiva, e pensar o trabalho feminino não
pode deixar de levar em conta esses dois aspectos.
Lima, Hirata, Nogueira e Gomes (2007) apresentam dados que demonstram que
áreas como as das novas tecnologias reforçam a marginalidade das mulheres, em
especial as não qualificadas, e que o setor de serviços, um dos que mais absorve mão-
de-obra feminina, exemplificado aqui pelo trabalho em telemarketing, se caracteriza por
tarefas monótonas, repetitivas e estressantes, apresentando condições de trabalho
precárias e, frequentemente, resultando em questões de saúde física e mental. Nogueira
(2008), outra autora a trabalhar com a questão das teleoperadoras, corrobora os achados
das autoras citadas previamente, acrescentando que as mulheres podem estar
cumprindo um papel de cobaia desse processo de modificação do trabalho, cada vez
mais precarizado e flexível, uma vez que as trabalhadoras têm menos legislações
estabelecidas para protegê-las e uma menor participação nos sindicatos, podendo esse
modelo posteriormente estender-se para o trabalho masculino. Além disso, o salário
feminino, que ainda é concebido como complementar a renda familiar, tem se mostrado
cada vez mais imprescindível para esse orçamento nos tempos atuais. Assim, embora
reconheça-se que esse trabalho apenas introduz um tema complexo e extenso, busca-se
realizar um esforço na direção da desomogeneização da classe trabalhadora,
reconhecendo as especificidades referentes ao trabalho feminino e trazendo estudos que
sejam capazes de ilustrar essa realidade.
BRASILEIRA
159
Segundo o Boletim especial 8 de Março lançado pela DIEESE (2022), o que se
constata no mercado de trabalho brasileiro mais recentemente, diante da conjuntura
explicitada, é aumento do desemprego, da informalidade, do trabalho precário, da
subutilização da mão de obra e redução dos rendimentos de trabalhadores e
trabalhadoras. Ele trabalha com dados obtidos através da PnadC (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Continua), e demonstra que, de 2019 para 2021 tivemos uma
diminuição uma diminuição na força de trabalho feminina no Brasil, com um número
expressivo de mulheres saindo do mercado de trabalho durante a pandemia e ainda não
tendo retornado na ocasião da coleta dos dados, mais especificamente o fim de 2021.
Severo (2019) apresenta alguns fatores do governo Bolsonaro que agravaram a situação,
como o fim do Ministério do Trabalho, com a maioria das suas responsabilidades sendo
direcionadas para o Ministério da Justiça e a diminuição de suas competências, e a
proposta da carteira de trabalho verde e amarela, apresentada já na campanha de Jair
Bolsonaro, outro elemento preocupante, uma vez que suprimiria diversos direitos
trabalhistas.
160
o ensino fundamental, e tiveram dificuldades para responder sobre a renda, mas essa
varia entre um e dois salários mínimos, existindo períodos que ficam sem trabalho e
renda. Esse valor não leva em consideração gastos aumentados pelo trabalho domiciliar,
como energia elétrica, por exemplo, além delas assumirem o valor das peças danificadas.
As pesquisadoras verificaram que a formação de cadeias de desconcentração produtiva
não elimina as características tayloristas do trabalho, permanecendo uma rígida divisão
do trabalho, sendo esse repetitivo e especializado, além de exigir pouca qualificação.
Somado a isso, na América Latina é uma prática comum que o preço do trabalho seja
determinado pelo tomador de serviços, com essas cadeiras produtivas se organizando
em torno de decisões unilaterais e assimetria. A jornada de trabalho é de em média 12
horas por dia, intercalado com as tarefas domésticas, e em períodos de pico, trabalham
também no sábado e domingo, porém sem o adicional de hora extra que um trabalho
formal proporcionaria.
161
de trabalho relacionados às operações simplificadas e repetitivas, mesmo as mulheres
bancárias sendo mais escolarizadas do que os homens nesse ramo. Esse diferencial
educacional não é remunerado pelo banco. A maioria das mulheres trabalha como
escrituária, um cargo que envolve formas de controle mais rígidas, trabalho fragmentado
e rotinizado e trabalho taylorizado. Como o processo de seleção e promoção acontece
através de concurso público, não impedindo a participação de mulheres, aquelas que se
mantém no cargo escrituário são culpabilizadas individualmente, ignorando que as
funções domésticas atribuídas a elas colocam impedimentos a outros regimes de
trabalho. Segundo Segnini (1998, p. 157), “desta forma, as mulheres inserem-se nas
tramas tecidas socialmente que possibilitam a criação de segmentações e desigualdades
estruturais nas relações de trabalho.”. Ademais, há relatos de sobrecarga de trabalho ao
conciliar o trabalho em tempo parcial no banco com o trabalho reprodutivo e o alto índice
de L.E.R. (Lesão por Esforços Repetitivos) detectada em 408 bancários em 1993, sendo
80% mulheres.
162
prolongamento da jornada de trabalho torna-se vantajoso para os empresários,
que não arcam com os tradicionais ônus das horas extras, cujo adicional legal no
Brasil é de no mínimo 50%, exigido nas relações assalariadas reconhecidas.
Dessa forma, o trabalho domiciliar, embora mascarado como autônomo, torna-se
uma expressão de precariedade, sem a regulamentação das jornadas de
trabalho e outros direitos sociais.” (p. 264)
163
“Destarte, como resposta pode-se afirmar que a organização do trabalho
feminino e sua convergência entre gênero, classe e raça atuam para reduzir as
oportunidades das mulheres na construção civil, não apenas através de um único
modo, mas por meio de um complexo sistema de consubstancialidades e
separações que exercem um forte controle e pressão desfavoráveis ao trabalho
feminino.” (JORGE, 2019, p. 206)
164
controlados pela empresa. Nogueira e Pereira (2019) também discutem a saúde das
trabalhadoras e sua inserção em trabalhos com condições precárias através de uma
pesquisa documental e bibliográfica sobre a inserção da força de trabalho feminina no
setor portuário no porto de Santos (SP), o maior da América Latina, com a aplicação de
questionários semiestruturados à 15 das 19 “amarradoras” do porto, de forma aleatória.
As autoras afirmam que em 2014, eram 194 mulheres entre 1513 funcionários
trabalhando no setor portuário, com poucas diferenças nos anos anteriores. O trabalho
realizado pelos amarradores é manual e extenuante, exigindo força física, destreza e
movimentos repetitivos. A Lei da Modernização dos Portos, que trouxe um maior
incentivo à privatização, levou a uma maior intensificação do trabalho, e, como
consequência, a um maior adoecimento dos trabalhadores e trabalhadoras. Verificou-se o
aumento de depressão e estresse, somado ao esforço físico o aumento da pressão e da
responsabilidade, e, de acordo com as entrevistadas, as doenças mais comuns estão
relacionadas às condições de trabalho precárias e à insalubridade, como pouca
iluminação, muitos ruídos, mau cheiro, entre outras queixas.
3- CONCLUSÃO
165
4- REFERÊNCIAS
LIMA, Terezinha Moreira; HIRATA, Helena; NOGUEIRA, Cláudia Mazzei; & GOMES,
Vera Lúcia Batista. Trabalho, gênero e a questão do desenvolvimento. Políticas Públicas,
v. 11, n. 2, p. 221-235, 2007.
166
O DEBATE EM TORNO DA RELIGIÃO E OS CONSUMIDORES DE DROGAS
RESUMO
ABSTRACT
1- INTRODUÇÃO
63
Mestranda em Trabalho e Política Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), bolsista
CAPES; dayanabf1997@gmail.com. Ofensiva ultraneoliberal do capital e lutas sociais.
167
precisamente em sua fase tardia) onde a característica da contemporaneidade pode ser
definida pela exuberância irracional.
A herança da filosofia grega de Platão e Aristóteles já definiam este padrão de
comportamento humano pela palavra pleonexia – seria o “desejo desmesurado por
muitas coisas, muitas riquezas e muitos consumos” (Carneiro,2018).
Evidenciamos esta condição cuja qual a sociedade contemporânea se exibe; para
caminharmos na direção onde possamos corroborar que - há vícios em muitas coisas no
capital. Ao passo que o consumo de drogas em excesso pode se relacionar mais a uma
fuga e uma tentativa de remediar o mal-estar gerido nesta organização.
Assim como a religião tem sido para Marx: o ópio do povo64; a loteria: o ópio da
miséria; todos se associam como uma manifestação de sofrimentos reais. Do sofrimento
do espírito, do mesmo modo como Hawthorne (1850) em seu clássico - A letra
Escarlate,65 designa a manifestação do mal-estar da alma - em suas palavras: “uma
doença do corpo, para a qual olhamos como se contivesse em si o todo, talvez não seja
afinal senão um sintoma de alguma enfermidade do espírito”.
A relação cuja qual a sociedade e o Estado desenvolveu ao longo dos últimos
cem anos com as drogas e seus usuários se equívoca em muitos aspectos. E seu
tratamento materializa a punição e moralização dos sujeitos. Ao passo que vivenciamos
uma barbárie em torno e em prol da “guerra às drogas” que esgota os recursos em nome
de uma purificação dos indivíduos que consomem drogas.
Forjando um saber que limitou a relação dos usuários a seu combate. O
movimento puritano associado ao pensamento sanitário, “também contrário aos excessos
e as paixões referidas às massas urbanas, indicou uma continuidade da força religiosa no
processo de secularização das sociedades” (CAVALCANTE&GOMES,2020), havendo a
necessidade por parte das ciências sociais (e outras áreas associadas ao estudo da
sociedade) de compreender o poder religioso diante da sociabilidade, onde a mesma é
64A famosa frase de Marx a respeito da religião como o ‘ópio do povo’ serviu, numa interpretação rasteira,
para uma condenação ao mesmo tempo das drogas e do sentimento religioso. Deste fato, temos nas
palavras de Marx, sua colocação sobre a religião que se aplica às drogas: ‘é o soluço da criatura oprimida, o
coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito (grifos nossos,
CARNEIRO,2008,p. 434,437).
65A letra Escarlate de Nathaniel Hawthorne publicado em 1850, trata – se de um romance norte-americano
onde a personagem principal Hester Prynne é tomada por uma comunidade puritana no século XVII como
bode expiatório. Faremos uma analogia ao processo de moralização vivenciado pela protagonista da obra,
para melhor exemplificar a forma como o puritanismo estadunidense influenciou e ainda predomina a
concepção em torno da punição sobre o qual sua doutrina estabelece o que considera pecaminoso.
168
capaz de contemplar “o apoio social e a intolerância – nos espaços cotidianos da
reprodução da vida”.
O presente artigo propõe demonstrar o papel da cultura puritana estadunidense,
associada a moralidade que tem construído lapsos dentro da sociedade e do Estado. No
Brasil temos a intensificação deste movimento pela reafirmação conservadora e sua
liderança com traços fascistas com estreito relacionamento entre o governo Federal e a
ação religiosa neopentecostal.
2- DO PURITANISMO AO PROIBICIONISMO
66Sobre este processo Escohotado, nos esclarece a partir da fala de Benjamin Rush já em 1785: “No futuro
será assunto do médico salvar a humanidade do vício, tanto como até agora o foi do sacerdote. Concebamos
169
[…] esta aliança do puritanismo e terapeutismo cristaliza – se em leis
porque se coordena com a expansão norte-americana sobre o planeta,
somada à actividade incansável de três homens. O primeiro é o reverendo
W. S. Crafts, alto funcionário com Th. Roosevelt, que na Conferência
Missionária Mundial (1900) propõe celebrar o início do segundo milénio
cristão com uma cruzada civilizadora internacional contra bebidas e
drogas; o seu fim é uma política de proibição para as raças aborígenes,
no interesse tanto do comércio, como da consciência
(ESCOHOTADO,2004;p.94).
os seres humanos como pacientes num hospital; quanto mais se resistir aos nossos esforços para os servir,
mais serão necessários os nossos serviços” (ESCOHOTADO,2004;p.92).
67 Discurso do senador americano Volstead difundida pelo rádio sobre a promulgação da Lei Seca–Volstead
Act.
170
A sobriedade contínua da existência é equiparada à defesa do juízo moral.
Independentemente do efeito, o que realmente se trata é da condenação da
indulgência para consigo próprio. Essa severidade puritana foi o traço
característico da relação com o corpo ao longo da era cristã. A renúncia total, a
abstinência completa, o jejum eterno dos psicofármacos, a castidade completa
dos orgasmos químicos é a norma proibicionista que decorre da arcaica
condenação do fruto proibido, inscrito na cultura como emblema do limite da
interdição (CARNEIRO, 2018;p.291).
68 Referência ao clássico livro da literatura distópica. Onde o autor Aldous Huxley cria uma sociedade
autoritária baseada no mundo pós as inovações de Henry Ford. O admirável mundo novo nos apresenta uma
realidade pautada no trabalho e na necessidade dos personagens de utilizar uma droga fornecida pelo
Estado para se submeterem a um mundo fantasioso sem plena consciência de sua realidade concreta. A
analogia se funde ao processo hegemônico da ideologia dominante, bem como Ford o fez em seus tempos
de modo reverso.
69 Contido no Caderno 22 (1934) – Americanismo e Fordismo.
171
farmacologicamente dissidentes, ou seja, a fórmula se baseia em reprimir a dissidência
política e religiosa” (grifos nossos,CARNEIRO,2018).
As ideias hegemonicamente dominantes sobre as drogas são portanto,
construções que se baseiam em campanhas de grupos moralistas, associadas ao
eugenismo; ao racismo; a violação de corpos de sujeitos cujo quais há necessidade de
enquadramento aos ditames do capital e sua exploração de raça, classe, gênero, etnia.
A cruzada baseada na suposta ciência sobre as drogas desconsidera o vínculo
intrínseco das substâncias psicoativas na história da humanidade. Lançando ao campo
da medicina (mas especificamente da neurociência, genética e epidemiologia) como
único capaz de desvendar e tratar os sujeitos consumidores de drogas e sua
dependência. A medicina, sancionada pelo Estado, se arroga assim o direito de
determinar como ‘quem deve tomar as decisões sobre quando devem ser usadas, por
quem e por meio de quem’ (CARNEIRO, 2018).
Há pensadores que explicaram o vínculo estreito entre determinadas substâncias
e a forma como a sociedade lida com tais consumos por base na crença. Ao passo que a
cultura humana (que desde sempre tende a fazer este movimento de busca por respostas
com base na teologia) associou ao longo de sua ordem ao - “fruto proibido do Éden e na
punição ao seu consumo”. As drogas são vistas como “bodes expiatórios, na qual a
humanidade e a própria divindade recebem esta condição sacrificial na sua gênese
constitutiva” (CARNEIRO, 2018).
Como na obra de Escohotado (2004), “as religiões apresentam conhecimentos
ancestrais e ritualizados sobre o uso das drogas” o que parece dar – lhes o direito de
discutir o tratamento nos meios público e privado, muita das vezes negando a ciência
para estabelecer tratamentos baseados no “livramento do pecado”. Coincidindo com
“aquilo que caracterizava a moralidade capenga da época puritana” (Hawthorne, 1850).
Todavia, os tempos de prosperidade vivenciados pelo pacto fordista – keynesiano
pós segunda Guerra Mundial se esgotam nos fins dos anos sessenta adentrando em uma
crise que vai às raízes de acumulação do capital. Para tanto, a solução das nações,
desenvolvidas a partir de 1970, centralizam os ideais neoliberais nas políticas e práticas
do Estado, ocasionando transformações nas relações sociais e culturais em âmbito global
conforme a sua progressão e avanço.
No campo da política das drogas – temos um novo ordenamento reafirmando o
pacto proibicionista no combate às substâncias e seus usuários. Discursos marcantes
como o do presidente Nixon (1970-1973), onde sobre suas palavras declarou às drogas
172
como inimigas número um dos EUA, desencadearam uma nova onde de violência em
torno dos sujeitos que consomem tais substâncias, como também a reafirmação de que
os países latinoamericanos influenciavam o consumo e o mercado70.
Para nossa análise voltada à influência religiosa nas políticas estatais. O fato do
afastamento do catolicismo como religião predominante na América Latina a partir da
década de 1970, e a consequente ascensão do movimento evangélico, nos dá um novo
norte para contemplar o último decênio deste século. Destacando que as mudanças
ocasionadas pela esfera do capital e do trabalho (o desemprego; a imprevisibilidade do
futuro; a violência; a globalização) acarreta na aproximação a novas vertentes espirituais.
O exame da secularização no projeto de modernidade dos países da
América Latina combina distintos componentes no âmbito da cultura
popular, cujas tradições se reproduzem numa cotidianidade marcada
pelas incerteza de acesso aos meios para reprodução da vida e pelo
sistemático distanciamento das massas à educação formal atualizando
traços religiosos tradicionais com modernos numa racionalidade
hemiderna (CAVALCANTE&GOMES,2020;p.61).
70Este movimento segundo Cavalcante e Gomes estaria mascarando o a intenção de conter os movimentos
revolucionários na América Latina, asseverando a constatação dos Estados de tornar novamente as drogas
como bode expiatório.
173
3- CONCLUSÃO
Buscamos através desta breve exposição, contemplar uma análise que vincula
organicamente a questão das drogas à religião, principalmente na relação de moralização
contida na sociedade civil; executada pelo Estado e aclamada pelos movimentos
religiosos que tendem a uma purgação dos sujeitos que desassemelham ao
tradicionalismo moral. Neste passo a intenção seria de contribuir para o debate crítico em
torno das políticas para consumidores de drogas ilícitas.
Todavia, coube (mas cabendo ainda muito mais) estabelecer a necessidade de
compreensão em torno do peso da religião dentro da sociedade e Estado para
contemplarmos a forma como demasiada permanência influência às políticas em torno
dos consumidores de drogas mas com um aspecto estritamente moral a estes sujeitos se
estendendo ao campo privado.
A permanência da religião dentro da esfera estatal, representa um processo que
acarreta simultâneos retrocessos no campo das políticas públicas e consequentemente
desencadeia uma onda de perseguição sobre os usuários que não se limita ao campo
penal.
As instituições que trabalham pelo viés da cidadania, vem ao longo dos últimos
vinte anos, perdendo espaço para a repressão e uso da violência exercido por
instituições como as Comunidades Terapêuticas que trabalham vinculadas ao campo
religioso com base na moral como fundamento constituinte de sua organização e ação.
Desse modo, o debate em torno da correlação de forças dentro do Estado, que se
articula aos movimentos religiosos para reafirmar uma conduta moral burguesa, é mais
que necessário pelos movimentos antiproibicionistas para que seja possível reconquistar
os espaços políticos e públicos que estão sendo perdidos.
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
174
em: http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2015/02/Revista-Outubro-
Edic%CC%A7a%CC%83o-6-Artigo-10.pdf
175
VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal e Serviço Social:
resistências e articulações internacionais
EIXO TEMÁTICO 3
Lutas Sociais, resistências
e internacionalização
OFENSIVA ULTRANEOLIBERAL: o ataque as lutas sociais urbanas como resposta à
crise do capital
RESUMO
ABSTRACT
1- INTRODUÇÃO
177
decorrente do processo de desindustrialização e da reestruturação produtiva, e a redução
de gastos sociais e a privatização dos serviços públicos com o avanço das políticas
neoliberais pôs o trabalho e a moradia no centro da problemática urbana.
No sentido de promover uma retomada da acumulação do capital, o capitalismo
aprofunda o processo de apropriação do espaço urbano como mercadoria, promovendo a
segregação socioespacial. Com o avanço do ultraneoliberalismo, as respostas às
demandas por moradia e a partilha dos espaços citadinos foram voltando-se cada vez
mais para suprir a necessidade incessante de valorização do capital. Ao mesmo tempo,
as lutas sociais urbanas em torno de moradia sofrem o empenho ininterrupto do capital
em penaliza-las, operando ora por via do tratamento repressivo, com uso de violência e
dominação, ora pelo processo de deslegitimação, fechando os espaços de controle social
democrático conquistados pelos movimentos sociais, bem como pela criminalizando das
suas pautas.
Diante disso, o artigo objetiva refletir o avanço do capital sobre o espaço urbano e,
consequentemente, sobre as lutas sociais em torno do direito à cidade e a moradia.
Através da revisão bibliográfica, identificou-se que no processo de reconversão da crise,
o capitalismo tem empreendido forças para deslegitimar as lutas sociais. Assim, o
primeiro item concentra-se em compreender as repercussões da crise capitalista no
espaço urbano, e o segundo concentra-se nas consequências desse processo às lutas
sociais.
178
trabalho, com o desemprego estrutural, as reduções salariais, o crescimento do exército
industrial de reserva, o aumento da pobreza e miséria e o enfraquecimento da sua
organização política.
Após a crise estrutural do capital, que foi causada por uma crise de
superprodução, a recuperação dos lucros se daria pela via dos investimentos
especulativos, dado que foi disponibilizado um montante de capital em sua forma
monetária, do qual parte permaneceu na circulação da esfera financeira, estruturando um
novo regime mundial de acumulação capitalista em que o capital se valoriza na própria
esfera financeira e não mais na esfera de produção, o que Chesnais (1996) denomina de
mundialização do capital.
Nessa nova fase do desenvolvimento capitalista, o capital financeiro e
especulativo se valoriza em seu interior, por meio das instituições financeiras e dos
fundos mútuos e de pensão, e se sobrepõe ao capital produtivo, conforme reitera
Chesnais (1996, p. 14) ao afirmar que “o estilo da acumulação é dado pelas novas
formas de centralização de gigantescos capitais financeiros”. Sob esse novo padrão de
acumulação, foram articuladas medidas de liberalização, desregulamentação e
privatização como forma de sustentá-lo, rompendo com qualquer tipo de controle às
relações sociais.
A adoção do receituário neoliberal pelo Brasil em 1990 e o avanço das suas
políticas implicam decisivamente na configuração das cidades e no acirramento da
questão urbana/habitacional brasileira, tanto pela redução de gastos sociais do Estado e
a privatização dos serviços públicos quanto pela concepção de cidade – em sua
organização espacial – como fonte de investimento no setor produtivo, para potencializar
a reprodução e acumulação de capital financeiro com empreendimentos urbanos
(ALVES, 2019). Souza (2018) destaca que estes empreendimentos urbanos sob forças
neoliberais compromete a gestão das cidades ao passo que
179
mecanismo de absorção da produção excedente que os capitalistas produzem sempre
que buscam por lucros, como defende Harvey (2013).
Os mecanismos de acumulação do capital se mostram na alarmante – e visível –
segregação urbana na realidade brasileira. De acordo com o jornal Estadão (2011), pelas
fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o quantitativo de
aglomerados subnormais72 teve seu número quase dobrado no período de 20 anos. Em
1991, cerca de 4,48 milhões de pessoas (3,1% da população) viviam em assentamentos
irregulares, passando para 6,53 milhões (3,9%) em 2000.No ano de 2010, essa realidade
alcançou 11,42 milhões de pessoas morando em favelas, palafitas ou outros
assentamentos irregulares.
Assim, o progresso das cidades brasileiras é limitado e/ou delimitado pelo
segmento populacional que possui meio de pagá-lo, uma vez que a moradia nas cidades
é altamente mercantilizada, ou seja, possui valor de troca e a exploração do espaço
urbano é fonte de acumulação do capital. A sequela é um enorme contingente de
pessoas expropriadas dos direitos básicos, sendo “resultado de um processo de
urbanização que segrega e exclui” (MARICATO, 2000, p. 155). Dessa forma, o aumento
exponencial de ocupações de terras de forma irregular é sintetizado por Santos (2009
apud MONTEIRO; VERAS, 2017), pela lógica excludente do mercado imobiliário e pela
ausência de políticas sociais – principalmente de uma política de habitação – que
atendam as reais demandas da classe trabalhadora, em especial, da parcela que
vivencia o trabalho informal e aquelas condições de trabalho e de vida da forma
estagnada da Superpopulação Relativa no Brasil.
Na realidade, o que se percebe é que a ação do Estado, por meio das políticas
habitacionais, e do capital, por meio do setor imobiliário, oferece as condições estruturais
para a produção da segregação socioespacial, determinando uma divisão da população
por classe social nos espaços urbanos (SANTOS, 2018). Os indicadores
socioeconômicos e a segregação e guetização encontradas nas cidades revelam as
agruras que seguimentos populacionais t em enfrentado para que as estratégias de
reconversão da crise econômica sejam realizadas.
72 Aglomerado Subnormal é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos
ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico
irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas com restrição à ocupação. No
Brasil, esses assentamentos irregulares são conhecidos por diversos nomes como favelas, invasões, grotas,
baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas, entre outros(IBGE,
2021).
180
A concentração de renda e riqueza pelas empresas capitalistas no campo, a
redução de gastos sociais seguindo o receituário neoliberal, e o avanço do capital
imobiliário sobre as cidades como resposta à crise do capital monopolista aprofunda as
desigualdades urbanas, e também, contrário a esse movimento, desencadeia um
processo de luta por moradia.
181
capitalista, mesmo sob o comando de projetos políticos inclinados “à esquerda”, as ações
são movidas para
182
às reivindicações dos movimentos sociais urbanos de luta por moradia, também se
mantiveram na esfera da violência e repressão.
São os pobres e considerados incapazes de contribuir para o desenvolvimento econômico
do país que devem ser expulsos e excluídos dos lugares privilegiados das cidades. Essa
estratégia ganha força na opinião pública por propagar – veículos midiáticos com financiamento do
capital – a ideia do outro como inimigo e perigoso. Por isso recorrem a estratégia de associação
da pobreza à criminalidade como parte das medidas punitivas e repressivas estatais, conjugando-
os suas reinvindicações como ilegais e seus sujeitos como criminosos (SAUER, 2008 apud
DURIGUETTO, 2017). Trata-se, portanto e ao mesmo tempo, de “ocultar a lógica conflituosa das
lutas de classe” e uma forma de “administração das desigualdades e, também, das resistências
organizadas pelos trabalhadores” (DURIGUETTO, 2017, p. 108).
As ações de remoção com justificativas questionáveis também é uma estratégia
que acompanha há muito tempo os movimentos urbanos que ocupam áreas estratégicas
de valorização do capital. Essa tendência compõe o bojo das intervenções abusivas e
arbitrárias dos agentes do Estado na retirada dos integrantes dos movimentos, que
utilizam
chegada repentina de equipes de demolição, sem qualquer aviso prévio para que
os moradores providenciassem outra moradia ou a remoção adequada dos seus
pertences; emprego de táticas violentas e intimidantes, como o acionamento da
polícia militar para lançar bombas com gás de pimenta contra moradores
resistentes; retirada de pessoas sem o recebimento de habitação alternativa e/ou
indenização justa; realização de remoções com base em justificativas
contestáveis, como as de definição de área de risco (MATTOS, 2013, p.180-
181).
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
183
fortalecimento do ultraneoliberalismo, esse cenário se aprofunda e se soma a um projeto
reacionarista conservador que promove ataques às forças sociais populares, tal como
ocorre com os movimentos de luta por moradia.
Pressupõe-se que, em tempos turbulentos, em termos políticos e econômicos,
como os atuais, compreender os processos que cercam e estruturam a vida urbana
contribui para o conhecimento da realidade social do sujeito político denominado "sem-
teto" ao tempo que contribui para fortalecer as formas de resistência contra as
determinações do capital.
5- REFERÊNCIAS
MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. In: ARANTES,
Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia (org.). A cidade do pensamento único:
desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000.
MATTOS, Romulo Costa. Remoção das favelas do Rio de Janeiro: uma história do tempo
presente. Outubro Revista, n. 21, 2013.
NETTO, José Paulo. Transformações societárias e Serviço Social. Serviço Social &
Sociedade, São Paulo, ano XVII, n. 50, 1996.
184
SANTOS, Maria Elisabete Pereira dos et al. O Programa Minha Casa Minha Vida
(PMCMV) e o Direito à Moradia - a experiência dos Sem Teto em Salvador.
Organizações & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 713-734, 2014.
185
DA INCONSEQUÊNCIA IRRACIONAL À CRISE POLÍTICA: Notas sobre classismo,
lutas sociais e antirracismo
Fillipe Perantoni73
1- INTRODUÇÃO
73
Assistente Social do IFPB, campus João Pessoa, e doutorando em Serviço Social pela Escola de Serviço
Social da UFRJ.
Eixo Temático: Ofensiva ultraneoliberal do capital e lutas sociais
186
Acreditamos que nenhuma opressão será superada nos marcos deste modo de
produção, embora, também é importante reconhecer que, diversas outras opressões, e
aqui destacamos a opressão de raça, não serão automaticamente extirpadas com o fim
da exploração de classe.
Assim como a ampla maioria dos movimentos antirracistas, nos parece ser uma
posição irracional desconsiderar a luta anticapitalista apartada da luta antirracista, da
mesma forma que não é possível combater o racismo sem um enfretamento sistemático
ao predatório modo de produção capitalista.
187
para se estabelecer um eixo comum entre movimentos que caminham de maneiras tão
diferentes. Considerando que ainda há nos movimentos sociais clássicos, tais como
partidos e sindicatos, um racismo velado, acreditamos haver também um
constrangimento geral em reconhecer isso publicamente. Nenhum partido ou sindicato do
campo anticapitalista se assume racista, muito embora tenham dificuldades em aplicar
políticas realmente antirracista na maioria das vezes. Sabemos que isso é grave, mas
felizmente tem se tornado cada vez mais comum o diálogo formativo/educativo com
movimentos antirracistas classistas, o que tem permitido aos poucos uma reaproximação
entre estas pautas. Não sem cicatrizes, não sem dificuldades, no entanto permeado com
o argumento mais forte para que a unidade aconteça, que é destruir o modo de produção
capitalista e o racismo.
Entretanto, gostaríamos de nos atentar para um outro movimento que vem
ganhando força, identificados por nós como um movimento antirracista sectário não
classista. No seu programa, a luta contra o racismo combinada a ataques sistemáticos a
partidos e sindicatos, mas não só. Ataques também aos movimentos que tenham
brancos/brancas em suas fileiras, sejam eles/elas filhos/filhas da classe trabalhadora ou
não.
Sabemos que esse é um fenômeno mundial, mas gostaríamos de contribuir no
debate sobre o caso brasileiro, sobretudo nesta conjuntura neoconservadora74.
Longe de fechar a discussão, nossa intenção é apenas iniciá-la, sobretudo
sabendo o tabu existente quando se toca nesse temário, uma vez que
Com o devido cuidado que a questão exige, acreditamos que um dos principais
aspectos da crise de representatividade política vivida no Brasil, expressa nas severas
dificuldades de partidos e sindicatos (movimentos classistas) em agregar
trabalhadores/as, advém do seguinte cenário:
74Para maiores definições sobre o neoconservadorismo, recomendamos o livro organizado por Gallego
(2019), “O ódio como política: reinvenções da direita no Brasil”.
188
visto que a dominação de classe se realiza nas mais variadas formas de
opressão racial e sexual. A relação entre Estado e sociedade não se resume
à troca e produção de mercadorias; as relações de opressão e de exploração
sexuais e raciais são importantes na definição do modo de intervenção do
Estado e na organização dos aspectos gerais da sociedade” (ALMEIDA,
2019, p. 97).
189
classistas, deve ser recíproco e sincero, pois somente com o fortalecimento dessa
unidade é que será possível enfrentar o capitalismo predatório contemporâneo.
O risco aqui, e é sobre isso que gostaríamos de dar uma atenção especial, pois
vem sendo uma tendência, e também é uma das nossas hipóteses, é de que está
ocorrendo uma disputa intraclasse, em que os movimentos clássicos, como partidos e
sindicatos, estão sendo atacados (e acabam também atacando), por movimentos
antirracistas sectários não classistas. Com o argumento principal de hierarquizar o
racismo como a maior de todas as opressões, não se dão conta de que ela não é a única
e nem necessariamente a que mais oprime. Na batuta deste argumento, nenhum
movimento social, que não negro, seria relevante nos embates políticos do tempo
presente.
De antemão já ponderamos que esta perspectiva, para além de um
estranhamento entre os movimentos de resistência, acaba também enfraquecendo
ambos os lados, deixando o capital seguir seu fluxo exploratório sem a unidade das
resistências organizadas.
Sobre isso, o exemplo da política estadunidense pode nos ajudar a apresentar a
hipótese. Aqui entendemos, partindo do argumento de Haider (2019), como as lutas
identitárias75 não podem se prender a traços específicos. A insistência nessa posição
pode levar a derrotas históricas, que podem ser até mais duras para os movimentos
identitários.
O que começou como uma promessa de superar algumas limitações do
socialismo, de modo a construir uma política socialista mais rica, mais diversa
e inclusiva, terminou sendo aproveitado por aqueles com uma política
diametralmente oposta àquelas do Combahee River. O exemplo mais recente
e mais marcante foi a campanha presidencial de Hillary Clinton, a qual adotou
a linguagem da “interseccionalidade” e do “privilégio” e usou a política
identitária para combater o surgimento de uma opção de esquerda no Partido
Democrata, em torno de Bernie Sanders. Os apoiadores de Sanders foram
condenados como “manos do Bernie”, apesar de haver amplo apoio entre as
mulheres. Eles foram acusados de negligenciar as preocupações dos negros,
apesar do efeito devastador para muitos negros americanos do
comprometimento da corrente dominante do Partido Democrata com as
políticas neoliberais. (HAIDER, 2019, p. 34)
E continua:
[...] essa era claramente a situação em que estávamos nos metendo nos
Estados Unidos, enquanto liberais otimistas celebravam a substituição de
movimentos de massa, distúrbios e células armadas por um plácido
multiculturalismo. Ao longe de várias décadas, o legado dos movimentos
antirracistas foi canalizado para o progresso de indivíduos como o Barack
75Entendemos que o termo identitário não é o mais apropriado, preferimos utilizar o termo de movimento
social antirracista, pensando especificamente neste movimento. Destacamos também as ressalvas feitas a
esta conceituação por Virgínia Fontes, em vídeo gravado para o Canal da editora Boitempo em outubro de
2021, assim como em entrevista de Alysson Mascaro gravada para o Canal da TV247 em 2020.
190
Obama e o Bill Cosby, que iriam liderar o ataque contra movimentos sociais e
comunidades marginalizadas. (HAIDER, 2019, p. 44)
3– Conclusão
191
sociedade sem classes é exatamente o que esteve e que está hoje no
coração da luta dos negros. São os negros que representam a luta
revolucionária por uma sociedade sem classes. (HAIDER, 2019, p. 41)
Entretanto, reforçamos mais uma vez, o identitário preso ao específico não traz
avanços e, pelo contrário, faz o jogo do inimigo de classe.
Partindo desta premissa, nosso alerta vai no sentido de que alguns grupos,
identificados com este campo antirracista sectário não classista,assumidamente ou não,
acabam por fazer a “política do constrangimento”, desqualificando militantes e
organizações, não por suas posições teóricas ou entendimentos de realidade, mas pela
condição de gênero, raça e etnia.
Acreditamos que, na atual conjuntura de crise política e ascenso neoconservador,
nada mais funcional a este sistema do que reforçar o estranhamento entre militantes e
organizações que poderiam se unificar numa pauta universalizante.
Sem correr o risco de cometer generalizações, o debate no campo da teoria social
crítica deveria ser o de instrumentalizar os mediadores universalizantes e não o de
eliminar da trincheira das lutas sociais as organizações clássicas.
Longe de reduzir a importância da vivência acumulada de segmentos sociais
explorados para além da condição de classe trabalhadora, todavia, nos parece mais
tático, vislumbrando a luta anticapitalista, a unidade na refuncionalização do mediador
universal das lutas sociais, num caminhar coletivo, horizontal, heterogêneo, fraterno e,
principalmente, anticapitalista.
Na contramão de uma “política de constrangimento”, muito mais propositivo contra
este sistema seria incorporar, em partidos e sindicatos, cursos de formação, secretarias
específicas, direção compartilhada, trabalho de base em territórios específicos e,
192
fundamentalmente, um balanço político em que seja reconhecida a lacuna histórica no
não tratamento adequado destas pautas.
A própria classe trabalhadora precisa aprender sobre relações de opressão
intraclasse, não sem tensões, mas com a responsabilidade histórica de construir com os
irmãos de classe a ferramenta de luta responsável por destruir o “velho mundo” e pensar
num mundo sem opressões.
Se com o fim do capitalismo não é garantido o fim de todas as opressões, no
capitalismo, sobretudo durante as crises, as opressões tendem a se acentuar para
violências ainda mais brutais.
Para a resistência da classe trabalhadora é fundamental a organização de um
movimento contra-hegemônico e, para isso, a disposição para educar o conjunto da
vanguarda militante nesse momento é imprescindível. Ao capitalismo, nada interessa
mais do que uma guerra intraclasse, pulverizando lutas totalizantes e perdendo do
horizonte a macropolítica, enquanto as políticas de estado garantem a alta lucratividade
do grande capital às custas do sangue dos/as trabalhadores/as em toda sua
heterogeneidade.
Somos socialistas porque acreditamos que o trabalho deve ser organizado
para o bem coletivo daqueles que fazem o trabalho e criam os produtos, e
não para o lucro dos patrões. Os recursos materiais devem ser igualmente
distribuídos entre aqueles que criam esses recursos. Porém não estamos
convencidas de que uma revolução socialista que não seja também uma
revolução feminista e antirracista garantirá nossa libertação. (HAIDER, 2019,
p.32)
Assim, fica nesta contribuição o nosso apelo contra os sectarismos que só servem
aos nossos inimigos de classe. Sabemos que o momento é de profunda ressignificação
do mediador universal, algo impossível sem a intrínseca participação de todos os
movimentos sociais. Acreditamos que esta ferramenta organizativa ainda apresenta
enorme potencial para organizar o grande exército da classe trabalhadora. A velha
toupeira continua incessantemente o seu trabalho por debaixo da terra. Cabe a nós a
escolha em sermos a água que amolece o solo ou o concreto que inutiliza os caminhos
subterrâneos.
4- BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Silvio Luiz de; SANTOS, Júlio César Silva. Crise, racismo e neoliberalismo. In:
SOUZA, Edvânia Â. de; Silva, Maria Liduína de Oliveira e (Orgs.). Trabalho, Questão
Social e Serviço Social: a Autofagia do Capital. São Paulo: Cortez, 2019.
ALMEIDA, Silvo Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.
193
_____________________. Estado, direito e análise materialista do racismo. In:
KASHIURA JUNIOR, Celso Naoto; AKAMINE JUNIOR, Oswaldo; DE MELO, Tarso
(Orgs.). Para a crítica do Direito: reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. São
Paulo: Outras Expressões; Dobra Universitário, 2015.
HAIDER, Asad. Armadilha da Identidade: raça e classe nos dias de hoje. São Paulo:
Veneta, 2019.
194
MEMÓRIAS DE LUTAS E RESISTÊNCIA: O que Walter Benjamin tem a nos dizer?
Juliana Viana Ford76
Resumo:
Esse texto apresenta o ponto de vista de Walter Benjamin
sobre a memória e a resistência política na modernidade.
Para o autor, o declínio da primeira por meio do avanço das
técnicas de alienação sensorial repercute na fragilização da
segunda. O que pode ser analisado segundo o tratamento
dado à memória das vítimas da ditadura brasileira e o
consequente enfraquecimento da resistência política e
popular acerca do legado de violência deixado por ela.
Palavras-chave: Memória. Resistência. Choque. Alienação
sensível.
Abstract:
This text presents Walter Benjamin's point of view on
memory and political resistance in modernity. For the author,
the decline of the first through the advancement of sensory
alienation techniques has repercussions on the weakening of
the second. What can be analyzed according to the
treatment given to the memory of victims of the Brazilian
dictatorship and the consequent weakening of political and
popular resistance about the legacy of violence left by it.
Keywords: Memory. Resistance. Shock. Sensitive
alienation.
195
1- INTRODUÇÃO
196
seus efeitos no fato de que os homens voltavam silenciosos dos campos de batalha, pois
aquilo que tinham vivenciado não era mais comunicável (BENJAMIN, 2012, p. 124).
A guerra produz um trauma coletivo, no corpo e na psique dos indivíduos.
Todavia, isso não acontece apenas nela. Na modernidade, com o aumento do poder da
técnica, o trauma passa a ser vivido pelas pessoas cotidianamente, ao passo em que a
modificação dos espaços afeta a capacidade de resposta aos estímulos em excesso
nesses ambientes. Essa reação instantânea, não mediatizada aos estímulos, está ligada
à redução da produção de memórias e de resistência aos processos de submissão ao
capital.
197
Ocorre que na modernidade os choques são cotidianos e, por conseguinte,
responder aos estímulos sem pensar não se tornou apenas corriqueiro, mas necessário à
sobrevivência. Pois, o desenvolvimento tecnológico inunda nossos sentidos com
estímulos constantes, e a reação instantânea que o corpo produz em resposta aos
choques passa a dominar o modo de existir em coletividade. Os indivíduos se alienam de
si mesmos para se adequar à configuração do espaço modificado pelo progresso técnico,
e em última instância pelo capital.
198
O uso consciente de técnicas anestéticas é uma característica da modernidade,
na qual a própria realidade é transformada em um narcótico. Tal configuração pode ser
entendida sob o prisma do desenvolvimento da fantasmagoria. O termo, afirma Buck-
Morss, “Descreve uma aparência de realidade que engana os sentidos através de
manipulação técnica. E conforme se multiplicavam no século dezenove as novas
tecnologias, assim também o potencial para efeitos fantasmagóricos.” (BUCK-MORSS,
1996, p. 27). Nos ambientes privados da burguesia produz a sensação ilusória de
controle total por meio de texturas, tons e prazeres sensuais, assim como nos espaços
públicos a formação das cidades continha o aspecto fantasmagórico das mercadorias em
exibição nas vitrines de lojas, forma esta que deu origem aos centros comerciais como
ambientes que provocam a falsa sensação de serem absolutamente controlados.
“Fantasmagorias são tecnoestéticas. As percepções que oferecem são ‘reais’ o quanto
baste - o seu impacto sobre os sentidos e nervos é ainda ‘natural’ de um ponto de vista
neurofísico.” (BUCK-MORSS, 1996, p. 27). Todavia, os efeitos da fantasmagoria são
compensatórios em relação aos choques: ela manipula o sistema sinestésico por meio do
controle dos estímulos externos, ocasionando a anestesia do corpo devido à inundação
dos sentidos. A consciência é alterada por distração sensorial, de modo que os efeitos
dessa alteração são experimentados coletivamente, como uma mesma percepção do
mundo e dos ambientes totais. Por isso, diferente da anestesia provocada pelas drogas,
a fantasmagoria assume a posição de um dado objetivo. Em resumo: “A adicção
sensorial a uma realidade compensatória. toma-se um meio de controle social” (BUCK-
MORSS, 1996, p. 28).
199
formas de resistência política. Pois, se a memória está ligada à produção de experiência
com sentido na convivência social, na edificação de valores coletivos relativos ao trabalho
como forma de desenvolvimento das capacidades humanas e não apenas de
sobrevivência no capitalismo, e essa experiência desaparece, levando embora consigo o
compartilhamento de conhecimentos orgânicos por meio da narração, rompe-se o
processo pelo qual o passado é revisitado no presente por meio da rememoração
(Eingedenken). O passado fica cada vez mais distante de nós, e sem as suas referências
o presente se realiza como a mera expansão de si mesmo, como um campo em que as
expectativas e as possibilidades não são projetadas para além dos limites do que é
conhecido.
200
Os acontecimentos mais recentes, sob o atual governo federal, apontam que o passado
não foi suficientemente elaborado a ponto que os horrores da ditadura não se repitam. Os
responsáveis por esses horrores nada sofreram, estão impunes. Muitos foram
homenageados, dando nome a ruas, praças e edifícios. Seus familiares foram
recompensados pelos serviços prestados ao Estado com o recebimento de pensões que
lhes garante uma vida confortável, sem dissabores. Enquanto isso, as memórias das
vítimas desse período continuam sendo desrespeitadas. Seus familiares seguem
inquietos, lutando para que não haja esquecimento.
Gagnebin (2014), afirma que há uma política de esquecimento das atrocidades
cometidas durante a ditadura. Ela se define, entre outros elementos, pela não criação de
um estatuto das vítimas, evitando-se até mesmo o uso dessa palavra em textos oficiais; a
promulgação da Lei de Anistia, de 1979, que incluía militares e policiais acusados de
tortura, assassinato e desaparecimento e excluía vários militantes de esquerda; o não
julgamento dos torturadores como prova de que a tortura é tolerada no país, apesar da
assinatura de tratados internacionais condenando-a; e a continuação do uso desse
expediente por agentes de órgãos do Estado.
Conclusão: a ditadura brasileira, tantas vezes celebrada como ditadura suave (tal
qual no infame jogo de palavras entre “ditadura” e “ditabranda”), porque não
assassinou um número tão grande de vítimas como as de seus ilustres vizinhos,
não é somente objeto de uma violenta coerção ao esquecimento, mas também é
um regime que se perpetua, que dura e contamina o presente. Trata-se não
apenas de um caso de recalque social e político violento, mas também da
“naturalização da violência como grave sintoma social no Brasil”, como afirma a
psicanalista Maria Rita Kehl. A luta pela revisão da lei da anistia, pela abertura
dos arquivos secretos e pela restituição dos restos mortais dos desaparecidos,
vai além de uma luta pelo esclarecimento do passado, pois visa também a
transformação do presente (GAGNEBIN, 2014, p. 255).
Os impeditivos para que se elabore uma memória das lutas do passado que sirva
para modificar o presente enfraquecem nossa posição perante as ameaças que
persistem desde lá. Isso não quer dizer que não há mais memória ou resistência que nela
esteja amparada. Afinal, embora o capitalismo tenha se expandido para todo o planeta,
não podemos dizer que o progresso técnico avançou sobre diferentes regiões com a
mesma velocidade e intensidade, eliminando as diferenças entre elas. A
superestimulação dos sentidos por meio das tecnoestéticas e o anestesiamento dos
corpos ocorre de formas distintas, conforme as condições existentes. No Brasil, a
penetração das fantasmagorias tecnoestéticas se somou a certas condições existentes,
próprias da nossa formação socioeconômica e cultural.
201
Nosso passado colonial deixou marcas profundas nas estruturas sociais que
constantemente são repostas por interesse do capital internacional. Por exemplo, o
paternalismo que atravessa as relações contemporâneas, e que indica a não superação
de desigualdades econômicas, políticas e culturais, determina quem são os cidadãos
brasileiros, aqueles que acessam direitos e são respeitados. Nem todos têm
reconhecidas as suas necessidades. Nem todos serão considerados dignos de existir.
Até mesmo a vida não lhes pertence, mas a alguém que decide quem vive e como vive.
O senso de impotência diante dessas estruturas torna as pessoas conformadas com um
“destino”, despojadas do que é fundamental para a resistência política.
Sobre a desarticulação das lutas do presente e da resistência com base no
sequestro da memória das vítimas da ditadura pelo Estado, temos que
4- CONCLUSÃO
202
5- REFERÊNCIAS
203
O DEBATE SOBRE OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS: perspectivas e críticas
Resumo:
Abstract:
1- INTRODUÇÃO
77 Assistente Social na Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Mestrando em Serviço Social pela
Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail. euler.campos@hotmail.com. Eixo temática: Ofensiva
ultraneoliberal do capital e lutas sociais.
204
nomeados “velhos movimentos sociais”. Nesse caminho, busca-se problematizar esta
novidade e seus pressupostos, que se vinculam à uma pseudocrise da perspectiva
marxista. Ainda, aponta-se as características que estes novos movimentos possuem para
debater, a partir da perspectiva marxista, as fragilidades e potencialidades que eles
apresentam. Por fim, busca-se entender quais possibilidades existem diante desta
realidade, na busca por uma leitura marxista que considere a diversidade da classe
trabalhadora, percebendo que as determinações da estrutura social é que produz as
particularidades que sujeitam setores da classe trabalhadora a diferentes opressões.
2- DESENVOLVIMENTO
205
geral” (WOOD, 1996, p.122), em detrimento de fazer emergir a diferença, apresentando
distintas identidades particulares, vinculadas às características de “gênero, raça,
etnicidade, sexualidade”, bem como a expressão destas particularidades nas opressões e
resistências individualizadas e diversificadas. Wood (1996) aponta que na perspectiva
pós-moderna, tende a se insistir na “natureza fluida e fragmentada do eu humano (o
"sujeito descentrado"), que toma nossas identidades de tal modo variáveis, incertas e
frágeis” (WOOD, 1996, p.123), o que dificulta na construção de um reconhecimento
coletivo capaz de construir solidariedade e uma ação coletiva que se sustente por uma
identidade, experiências e interesses comum – como a identidade de classe – havendo
uma ênfase nas diferentes experiências de opressão. Finalizando, a autora reforça que a
pós-modernidade se estrutura rejeitando as grandes narrativas, incluindo as teorias
marxistas da história. (WOOD, 1996)
206
É neste cenário que emergem, a partir de uma “nova esquerda”, os “novos
movimentos sociais”. Anunciavam o “esgotamento de ‘velhas’ formas de fazer política” e
das perspectivas de organização social da “velha esquerda” (NEVES, 2020, p.39). O
novo, nesse sentido, propõe uma atualização da organização de lutas, com tendência a
formas mais “democrática e horizontais” (NEVES, 2020, p.39).
207
interpelação discursiva que não tem levado suficientemente em conta o passado cultural
e as contradições específicas de cada segmento em particular" (SCHERER-WARREN,
1996, p. 70 apud MARTINS, 2017). Cada qual, a partir das suas lutas individualizadas,
estariam organicamente contribuindo para o aprofundamento da experiência democrática.
208
entre dominantes e dominados; reapresentam o projeto nacional
desenvolvimentista, a apologia da cooperação e da interdependência e,
com isto, ocultam o imperialismo.” (PETRAS, 1999, apud MOTTA, 1999,
p.181)
209
Por último, ao anunciar enquanto “novo”, estes movimentos acabam por construir
narrativas que desconsideram as históricas resistências dos diferentes setores que
sofrem opressão.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se aqui trazer, ainda que brevemente, alguns pontos que possibilitam
resgatar a relação entre pós-modernidade e os novos movimentos sociais, bem como
realizar a crítica, reconhecendo as fragilidades e importâncias. Nesse apanhado, é
importante reconhecer que os tensionamentos provocados pelos novos movimentos
sociais permitiram desvelar as diversas opressões vivenciadas no interior da classe
trabalhadora, oportunizando construções importantes. No entanto, incorre em erro e
limitações quando estes movimentos desvinculam sua relação enquanto classe
trabalhadora, demandando importante atenção. Carece articular os questionamentos
sobre gênero, sexualidade, raça, dentre outros, num viés classista, inclusive recuperando
importantes construções de autores e autoras que se esforçaram (e esforçam) em
demonstrar quão intrínseca é essa relação, como Rosa Luxemburgo, no debate sobre
gênero, Ângela Davis sobre gênero e raça, e John D’Emilio no debate sobre a
sexualidade. É necessário construir junto aos novos movimentos sociais um debate
crítico que considere a classe.
Outro fato importante é atentar a relação que o serviço social construiu com os
movimentos sociais. Iamamoto (2004), alertava sobre a necessidade da consolidação dos
vínculos da relação serviço social e movimentos sociais, levando em consideração a
agenda política e reivindicações, tendo em vista que estas “sinalizam a existência de
profundas formas de violação de direitos e de opressão que aparecem naturalizadas em
diferentes instituições e dimensões da vida social” (CISNE; SANTOS, 2014, pág.172).
Contudo, deve-se atentar para que esta vinculação não corrobore com a leitura pós-
moderna da realidade, em que se desconsidera a classe. O serviço social possui, em seu
210
processo histórico, importante acúmulo teórico que permite ampliar o debate juntos aos
novos movimentos sociais num viés classista. É fundamental construir estratégias que
permitam vincular as demandas levantadas pelos novos movimentos sociais às lutas
gerais da classe trabalhadora, na busca por superar o velho e o novo, evitando incorrer
em erros ou maior fragmentação nas lutas gerais. Abre-se, então, um novo caminho que
vem sendo traçado por diferentes setores da esquerda marxista, que busca combinar a
ação revolucionária a partir das lutas dos movimentos particulares, numa ação que cria,
em um processo dialético, a luta geral pela emancipação humana e superação da
sociabilidade imposta.
4- Referências bibliográficas:
CISNE, Mirla; SANTOS, Silvana M.M dos. Movimentos feministas e pela liberdade de
orientação e expressão sexual: relações com a luta de classes no Brasil de hoje. In:
ABRAMIDES; DURIGUETTO (org). Movimentos sociais e serviço social: uma relação
necessária. São Paulo: Cortez, 2014.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 1ª edição, São Paulo, Boitempo,
2007.
211
MOTTA, Célia Maria da. Neoliberalismo: América Latina, Estados Unidos e Europa de
James Petras. Lutas Sociais. São Paulo, n.9, p.180-183, 1999. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/issue/view/1209. Acesso em:
NETTO, J. Capitalismo e reificação. São Paulo: Ciências Humanas, 1981. Disponível em:
https://marxismo21.org/jose-paulo-netto/ . Acesso em: 26/01/2022.
212
RELAÇÕES ENTRE QUESTÃO AGRÁRIA, QUESTÃO SOCIAL E LUTAS SOCIAIS NA
FORMAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL BRASILEIRA
78Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de
Juiz de Fora. Atualmente doutorando e bolsista CAPES no programa citado sob orientação da Profª. Drª
Ednéia Alves de Oliveira. E-mail: anderson.martins.silva@hotmail.com.
213
1- INTRODUÇÃO
214
transformação de todos os bens em mercadorias a serem vendidas no mercado de modo
a gerar lucros aos seus possuidores. Ademais, toda a produção passou a ser orientada
para o mercado externo (metrópole portuguesa) com vistas a realização do processo de
acumulação capitalista na Europa.
Nesse período, foi estabelecida aquela que nos parece a forma mais duradoura e
persistente de exploração capitalistas do povo brasileiro e de seu solo, qual seja, o
modelo agroexportador brasileiro pautado na produção em larga escala de gêneros como
a cana-de-açúcar, o algodão, o gado bovino, o café, dentre outros, para abastecer o
mercado externo. A enorme dimensão tomada pelo modelo assinalado na economia
brasileira pode ser apreciada quando observamos que em meados do século XIX a
“colônia Brasil exportava mais de 80% de tudo o que era produzido em nosso território”
(STEDILE, 2012b, p. 22).
No que diz respeito a organização da produção entre 1500 e 1850, observamos a
consolidação do sistema de plantation. Tal sistema era caracterizado pela produção
agrícola em grandes e continuas extensões de terra baseada na monocultura orientada
para a exportação e no trabalho escravo. Dada a sua orientação para o mercado externo,
a localização das empresas deveria se dar “próxima aos portos, para diminuir custos com
transporte”. Apesar de utilizarem mão de obra escrava, as unidades produtivas adotavam
o que existia de mais avançado no que diz respeito as técnicas e aos meios de produção
disponíveis à época.
Com relação a propriedade da terra, no período tratado até aqui, não havia a
propriedade capitalista da terra no Brasil de modo que as terras ainda não eram tratadas
como mercadoria. Não havia possibilidade de comprar ou vender terras. Toda a terra era
propriedade da Coroa que, concedia o direito hereditário de uso de grandes extensões
terra aos capitalistas-colonizadores e seus descendentes. Como destaca Stedile (2012b,
p. 24), o principal critério para a escolha dos donatários era a “disponibilidade de capital e
o compromisso de produzir na colônia mercadorias a serem exportadas para o mercado
europeu”.
Sob pressão do capitalismo inglês pelo fim da escravidão e da série de
movimentos contestatórios da escravidão que se desenvolvem no interior da sociedade
brasileira ao longo do século XIX, foi somente em 1850 com a Lei nº 601 (Lei de terras)
que a terra foi transformada em mercadoria por meio da normatização da propriedade
privada da terra. Estabelecia-se como princípio excludente que “todos” poderiam ter
acesso à terra, desde que a comprassem com dinheiro. De maneira geral, tratava-se de
um expediente com o objetivo de, frente a iminência da abolição da escravidão no Brasil
215
impedir que os negros e negras libertos pudessem se apossar das terras, perpetuando a
concentração de terras e pela via do direito criando o latifúndio moderno no país.
O modelo agroexportador e o sistema de plantation no Brasil ao longo da colônia
e do império basearam-se em um “verdadeiro genocídio para o povo brasileiro”. Como
indica Stedile (2012b), a população que em 1500 era de cerca de 5 milhões, a qual se
somaram os milhões de negros e negras sequestrados na África durante os 350 anos de
tráfico, ao fim do século XIX não era muito maior do que os mesmos 5 milhões
observados no início da invasão portuguesa, evidenciando-se a ocorrência ao longo de
todo o período de um massacre sistemático da população indígena e negra como um dos
fundamentos do desenvolvimento do modelo agroexportador brasileiro.
Como sinaliza Stedile (2012b, p. 26), após a Lei Aurea a inviabilização pelas elites
dominantes brasileiras da transformação dos trabalhadores negros em camponeses por
meio da Lei de terras de 1850 ocasionou a migração de um contingente de 2 milhões de
pessoas das fazendas para as cidades em busca de alguma forma de sobrevivência
“agora vendendo ‘livremente’ sua força de trabalho”. A mesma Lei também vedou o
acesso dos trabalhadores negros a terrenos nas cidades para a construção de suas
moradias, visto que os melhores terrenos já eram propriedade privada dos capitalistas.
Deste modo, restou aos negros e negras a ocupação dos piores terrenos, nas encostas
de morros e manguezais economicamente não atrativos para a acumulação de capital.
Assim, nesse período, começaram a se formar as primeiras favelas brasileiras.
Com a abolição do trabalho escravo, o sistema de plantation entrou em crise. A
solução encontrada por nossas elites para substituir o trabalho escravo foi a importação
de trabalhadores do exército industrial de reserva de países como Alemanha, Itália e
Japão. Esses trabalhadores foram direcionados, por um lado, para a região sul com a
venda de pequenos lotes de 25 a 50 hectares aos imigrantes e, por outro, para as
grandes plantações de Café do Rio de Janeiro e São Paulo, nas quais eram obrigados a
trabalhar sob o regime de colonato.
A crise vai se estender entre a abolição e os anos 1930 e é no seu bojo que vai
conformar-se o campesinato brasileiro que viria a protagonizar as importantes lutas pela
terra anos depois no pré-golpe de 1964. A primeira vertente de formação desse
campesinato consistiu nos dois milhões de imigrantes europeus já assinalados, ao passo
que, a segunda deve a sua origem as “populações mestiças que foram se formando ao
longo dos 400 anos de colonização”. Dada a limitação de seu acesso à terra pela Lei de
terras, migraram para o interior do país em busca de possibilidade de trabalhar em terras
ainda não ocupadas pelo setor agroexportador. Nesse longo percurso rumo ao sertão, o
216
interior do Brasil – notadamente Minas Gerais, Goiás e o interior da Bahia – foi ocupado
por milhares de trabalhadores que pouco a pouco o povoaram com base em atividades
de produção agrícola de subsistência. Apesar de não terem a propriedade privada da
terra a “ocupavam, de forma individual ou coletiva, provocando, assim, o surgimento do
camponês brasileiro e de suas comunidades” (STEDILE, 2012b, p. 28-29).
O ano de 1930 inaugurou uma “nova fase da história econômica brasileira. A crise
do modelo agroexportador levou a manifestação de uma crise política e institucional no
país, expressa na queda da monarquia e no estabelecimento da República, no
movimento tenentista e na coluna Prestes e, por fim, no golpe – “revolução política por
cima – dado pela burguesia industrial ascendente contra a oligarquia rural exportadora e
que colocou Getúlio Vargas na Presidência da República em 1930. A partir daí, passou a
se desenvolver o processo de industrialização dependente do Brasil, caracterizado por se
realizar sem “rompimento com os países centrais, desenvolvidos, e sem rompimento com
a oligarquia rural, origem das novas elites dominantes”. Trata-se de fato, de uma aliança
entre a burguesia nascente e a oligarquia agroexportadora de origem colonial,
fundamentada na necessidade das divisas geradas por essa última para o processo de
industrialização brasileiro (STEDILE, 2012b, p. 29).
No que diz respeito a questão agrária, o “período se caracteriza pela
subordinação econômica e política da agricultura à indústria”. Surge nesse momento, as
indústrias de insumos, máquinas e equipamentos, adubos químicos e venenos voltados
para o “desenvolvimento” da agricultura. Ademais, também passa a se desenvolver a
agroindústria com a criação de indústrias para o beneficiamento da produção agrícola
brasileira.
Em síntese, tratou-se de um “processo de modernização capitalista da grande
propriedade rural” que do ponto de vista dos camponeses, significou a ampliação da
submissão as regras do mercado de trabalho capitalista e a exploração industrial de sua
força de trabalho; a ampliação do seu papel enquanto exército industrial de reserva via
migração para as cidades, pressionando o salário médio para baixo; o fortalecimento de
seu papel enquanto fornecedor de alimentos a preços baixos para nascente classe
trabalhadora das cidades e por fim; os camponeses também foram convocados a
produzir “matérias primas agrícolas para o setor industrial” (STEDILE, 2012b, p. 31-32).
Do ponto de vista da propriedade da terra, apesar de haver a multiplicação de
pequenas propriedades por meio da compra e venda no mercado, a tendência
predominante continuou sendo de ampliação da concentração da propriedade das terras
no Brasil. Deste modo, no início dos anos 1960, o campo brasileiro apresentava como
217
característica a moderna agricultura capitalista combinada a um setor camponês
“completamente subordinado aos interesses do capital industrial” (STEDILE, 2012, p. 32-
33).
É nesse cenário que se desenvolvem no pré-1964 – em meio à crise cíclica do
modelo de industrialização dependente durante os governos de João Goulart – as
grandes lutas do movimento dos trabalhadores do campo pela reforma agrária – Ligas
Camponesas, MASTER etc – no bojo da luta pelas reformas de base na sociedade
brasileira e que serão violentamente reprimidas a partir do golpe civil-militar de 1964.
O golpe militar teve como objetivo fundamental destruir toda a mobilização
democrático-popular e projetos de esquerda que se desenvolviam no Brasil entre 1950 e
1964. Deste modo, no que diz respeito a questão agrária, em oposição a perspectiva da
Reforma Agrária gestada pelos movimentos sociais, a ditadura apresentou uma proposta
de modernização conservadora da agricultura brasileira sem Reforma Agrária.
Contraditoriamente, tratava-se da tentativa mais organizada de modernização no campo
brasileiro até aquele período, evidenciando-se o papel significativo do Estado ao longo de
todo o processo de modernização conservadora. O Estado foi responsável pela criação
das condições para o desenvolvimento da produção de equipamentos e insumos
agrícolas em solo nacional, de um sistema de pesquisa e extensão – como dão exemplo
a Embrapa e Embrater – para o desenvolvimento da agricultura e, por fim de condições
de financiamento para levar adiante todo o processo. No cerne dessa modernização
conservadora encontrava-se a aliança do grande capital-agroindustrial com a oligarquia
fundiária.
Também foi uma característica da modernização da agricultura brasileira a sua
relação com a Revolução Verde, tanto ideologicamente com a oposição a Reforma
Agrária, quanto por meio da ampliação da utilização de máquinas, sementes transgênicas
e agrotóxicos baseados em armas de guerra obsoletas para “ampliar” a produtividade das
lavouras. Como fruto desse processo o Brasil é atualmente o país que mais consome
agrotóxicos no mundo.
Como aponta Alentejano (2012, p. 480), a modernização conservadora da
agricultura inverteu de maneira radical o princípio da agricultura tradicional, segundo o
qual, deve-se respeitar não somente a diversidade ambiental, como também os distintos
regimes alimentares vigentes na humanidade. Na direção contrária dos princípios
observados, o que avançou foi, por um lado, uma “agricultura padronizada que se impõe
à diversidade ambiental, artificializando os ambientes e adequando-os ao padrão
mecânico-químico da agricultura moderna” e, por outro, a imposição ao conjunto da
218
humanidade de um “padrão alimentar que atende aos interesses das grandes
corporações agroindustriais”.
Deste modo, o processo de modernização da agricultura brasileira implicou a
ampliação do controle das transnacionais/agronegócio sobre a agricultura brasileira, seja
por meio da determinação e controle do padrão tecnológico da produção brasileira, seja
por meio do investimento na indústria de beneficiamento da produção agropecuária. A
título de exemplo, em 2010, as transnacionais tinham uma participação de 44% nos
investimentos do agronegócio, eram responsáveis por 51% das exportações de soja e
37% das de carne suína brasileira.
A compreensão da questão agrária a partir de uma perspectiva ontológica exige a
consideração dos distintos momentos de expropriação das terras/concentração aos
produtores diretos ao longo da história do capitalismo, sua transformação em simples
meio de exploração do trabalho alheio, nesse sentido, produção e reprodução do mais-
valor e, por fim, toda a luta de classes que envolve o movimento capitalista de
concentração e centralização da terra (WOOD apud ALMEIDA; BEZERRA, 2021).
Segundo Almeida e Bezerra (2021, p. 41-42), o agronegócio brasileiro nos fornece
um “interessante exemplo do modo como opera o capital na agricultura” por meio de
expropriações que alienam os recursos naturais do ser social e os apresentam como
meio de dominação das coisas sobre os produtores sociais, estabelecendo-se uma
relação de exploração da força de trabalho – produção do mais-valor – que se desdobra
na distribuição do mais-valor nas formas de renda da terra e lucro, apropriados
respectivamente, pelo proprietário fundiário e pelo capitalista industrial.
Para compreender o agronegócio enquanto expressão da questão agrária no
Brasil, faz-se necessária a consideração não apenas das condições de vida e de trabalho
do proletariado urbano-industrial, mas também, da situação de exploração na qual se
encontram o proletariado rural e o camponês mini fundiário que produz para o mercado e
retira dessa atividade uma remuneração similar em grandeza aquela obtida pelo
proletariado. No bojo dessa análise também se torna fundamental a consideração dos
aspectos relacionados as assimetrias de cor e ração e suas diferentes expressões
enquanto constituinte de nossa questão agrária desde o início da invasão portuguesa.
Ademais, cabe destacar o enorme número de camponeses expulsos do campo e que
engrossam as fileiras do proletariado sob a forma de superpopulação relativa pronta à ser
empregada pelo capital de acordo as necessidades de sua acumulação.
Sob pressão da crise estrutural do capital iniciada nos anos 1970 e de seus
desdobramentos em uma série de clises cíclicas nesse início de século XXI, a exploração
219
da força de trabalho do proletariado urbano-industrial, proletariado rural e do campesinato
brasileiro tem sido intensificada promovendo o retrocesso das relações de trabalho no
país, por meio da intensificação das jornadas, ampliação da extração de mais-valia
relativa por meio da utilização de maquinaria no agronegócio, destruição de direitos
trabalhistas, ampliação do trabalho informal e proliferação do emprego de trabalho
análogo a escravidão nos grandes latifúndios do país. O quadro é aprofundado pela
ausência da reforma agrária ao longo dos distintos governos do pós-ditadura.
Nas condições sinalizadas, ganham especial importância as lutas sociais contra o
agronegócio e suas expressões na arena política. Trata-se da luta contra a política
econômica brasileira atual de favorecimento dos setores agroexportadores e financeiros,
da luta por políticas públicas voltadas para a distribuição de terras, fornecimento de
crédito barato aos pequenos produtores, fiscalização do latifúndio improdutivo, em
síntese, políticas orientadas para a retomada da reforma agraria no país como um dos
elementos fundamentais para a resolução da questão agrária no Brasil e de suas
implicações para o desenvolvimento de nossa questão social.
3- À GUISA DE CONCLUSÃO
220
defesa dos direito à alimentação e a segurança alimentar e nutricional no país; 3) lutar
pela reforma agrária como política pública – para além dos limites da política de governo
– e redistributiva para além do minimalismo assistencialista visto ao longo do último
período; 4) contribuir para a discussão da questão ambiental e social junto aos
trabalhadores por meio da dimensão socioeducativa presente no Serviço Social e 5) por
fim, atuar permanentemente junto aos movimentos sociais da classe trabalhadora da qual
o assistente social também é parte.
4- BIBLIOGRAFIA
221
AGROECOLOGIA E SOBERANIA ALIMENTAR: contribuições ás experiências de
formação política no Brasil e na Espanha
* Assistente Social, Professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-doutoranda pelo Instituto de
Sociologia e Estudos Camponeses da Universidade de Córdoba,
Espanha.Email:monicagrossiufjf@gmail.com
** Sociólogo y antropólogo. Profesor e investigador del Instituto de Sociología y Estudios Campesinos (ISEC)
de la Universidad de Córdoba. Director del máster “Agroecología: un enfoque para la sustentabilidad rural”.
Email: david.gallar@uco.es
222
1- INTRODUÇÃO
223
político de soberania alimentar em 1996, são elementos que se potencializaram
mutuamente, fortalecendo também, a formação de quadros na afirmação uma agricultura
camponesa contraposta ao modelo de agricultura capitalista hegemônico.
A Via Campesina trabalha desenvolve processos de formação política e técnica
de suas organizações, de seus dirigentes e de sua base. Fortalece a formação em
agroecologia e soberania alimentar, como elementos que congregam força social e
político-organizativa, para que suas organizações possam fundamentar suas ações
direcionadas para mudanças sociais significativas na agricultura e na sociedade,
relacionadas com a construção da soberania dos povos e dos territórios.
Compreendemos a agroecologia numa perspectiva que ultrapassa o
desenvolvimento de uma agricultura ecológica, que produza alimentos saudáveis, uma
vez que esta perpectiva restrita, pode e vem sendo capturada pelo capitalismo como um
nicho de mercado. Numa perspectiva mais ampla, a construção da agroecologia
compreende três dimensões que são complementares: a dimensão técnico-
produtiva(manejo ecológico na produção agrária); a dimensão sócio-econômica
(elementos sociais e econômicos do processo de produção, circulação e consumo,
formas organizativas) e a dimensão política (relações de poder,níveis de autonomia
alcançados nos territórios, suas culturas,envolvendo produção, circulação e
consumo)Sevilla Guzmán e Cuéllar Padilla(2012).
Sevilla Guzmán (2005), vem defendendo que a dimensão política da agroecologia,
questiona a destruição das culturas camponesas operada pela revolução verde, e remete
à compreensão dos camponeses sobre os processos de exploração aos quais estão
submetidos, para que eles possam desenvolver, junto com técnicos, processos de
transição da agricultura convencional para a agroecologia. Estes processos envolvem,
224
política agrícola e de alimentos.Dentre seus pilares destacamos: a centralidade da
alimentação como um direito humano coletivo, e não como uma mercadoria, deve estar
no centro das políticas; a importância de quem produz e quem consome os alimentos; o
controle dos sistemas alimentares em nível local e nacional, priorizando a produção da
agricultura familiar em pequena escala, diversificada, reduzindo a distância entre quem
produz e quem consome; valorização e promoção dos conhecimentos camponeses e
indígenas, através de processos de investigação participativa e do diálogo entre os
saberes tradicionais e científicos; valorização, recuperação e potencialização da
natureza, e das energias renováveis, para as atuais e futuras gerações. (DECLARAÇÃO
DE NYÉLÉNI, 2007).
Gallar e Calle (2017) trazem questões importantes relacionadas á necessária
repolitização da agroecologia, no sentido de ressituar a agroecologia como ponto de
saída para a transição agroecológica em direção á soberania alimentar. Para estes
autores, a agroecologia política é compreendida como "el análisis e la actuación sobre las
condiciones sociales, las redes y los conflictos que resultan del apoyo hacia un cambio
social agroecológico{...}la democratización alimentaria"(p.2). Afirmam a indispensável
participação de sujeitos políticos coletivos, que ocupem a arena social e política em
disputa, com aborgagens contra hegemônicas, que tenham base social, cooperação
estável, espaços de reflexão próprios, intelectuais orgânicos, capacidade de articulação e
horizonte social e político, para fortalecer os necessários enfrentamentos e a construção
de alternativas.
Estas resistências se acentam em experiências de diversos sujeitos coletivos como
movimentos camponeses, sindicalismo agrário e movimentos urbanos de consumo
crítico, tendo a agroecologia e a soberania alimentar como base para as estratégias
produtivas e como elementos decisivos para a luta política.
225
3- FORMAÇÃO POLÍTICA NO MST COM ÊNFASE NA AGROECOLOGIA.
226
A fundamentação teórico-metodológica dos centros/escolas de formação baseia-
se nos princípios filosóficos e pedagógicos da educação e da pedagogia construídos pelo
MST, a partir de três principais fontes: a Pedagogia Socialista, a Educação Popular e o
Materialismo Histórico Dialético. A partir de sua luta, estes processos pedagógicos são
orientados pelo projeto de Educação do Campo, que se manifesta na ação prática da
relação entre ciência, cultura e trabalho como principio educativo. Nesta perspectiva
ampliada de educação e de formação humana, o método pedagógico de formação em
agroecologia não se restringe à dimensão técnica, uma vez que o perfil do educando que
se pretende formar é concebido
227
coordenador pedagógico,como professor), abrangendo todo o processo de concepção(
2010-2013) e desenvolvimento de cinco cursos concluídos pela EAC (2014, 2015, 2016,
2017-2018, 2019-2020). Situa este estudo
228
nas estruturas das organizações( na perspectiva gramsciana, de formação de sujeitos
políticos coletivos e intelectuais orgânicos em luta pela hegemonia). O desenvolvimento
da organicidade da turma e da mística, também são elementos fortalecedores da
identidade coletiva.
5- Conclusões
229
socializar os esforços, as dificuldades e as potencialidades da formação de quadros.
Concluimos que, possuindo suas especificidades, estas experiências correspondem aos
princípios de formação de quadros construídos pela Via Campesina, sendo relevantes e
indispensáveis, aos processos político-organizativos e ao fortalecimento de organizações
camponesas, para lutas sociais pela reforma agrária e para a construção de outro
sistema agroalimentar, que se contrapõem ao modelo hegemônico das corporações
transnacionais do agronegócio.
6- Referências Bibliográficas
MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Programa Agrário do MST: VI
Congresso Nacional. São Paulo, 2013.
230
CONSIDERAÇÕES SOBRE A GREVE INTERNACIONAL DE MULHERES DE 2017
Lucimara dos Reis Pinheiro79
Maria Lúcia Duriguetto80
1- INTRODUÇÃO
79 Graduação em História na UFJF, Mestrado em Serviço Social no PPG/Serviço Social da UFJF. Mail:
lureisp@hotmail.com
80Professora da Faculdade de Serviço Social da UFJF. Mail: maluduriguetto@gmail.com
231
de classes. Neste trabalho, buscamos visibilizar a formação da classe trabalhadora numa
perspectiva que abarque as mulheres, não apenas contingencialmente, mas buscando
entender que as relações de dominação de gênero agem enquanto componentes
fundantes da conformação da classe e de seus processos de exploração. Nos parece
evidente, a partir da percepção de que a classe não é homogênea, que a composição
étnico/racial é outra determinação estruturante para o entendimento do que aqui nos
ocupamos. Constatada a diversidade que a formação da classe comporta, partimos da
compreensão das opressões vivenciadas pelas mulheres como componentes
necessários da dinâmica da luta de classes. Sua percepção de sujeito explorado em um
duplo processo de alienação que, ao mesmo tempo as aliena do trabalho realizado e da
sua própria condição de trabalhadoras pertencentes a esta mesma classe, e, portanto,
com direitos em luta em níveis diferenciados dentro do conjunto da classe, como elucida
Saffioti (2019). É este entendimento da dupla exploração e opressão que leva à
construção de formas organizativas exclusivas de mulheres com vistas a ganhos de
ascensão enquanto sujeito histórico e político pertencente à classe; elevação de
consciência de sua posição no sistema capitalista; ganhos qualitativos de direitos e, por
consequência, um entendimento ampliado do sistema de dominação a que são
submetidas. É necessário que essas movimentações sejam percebidas e investigadas
sob uma perspectiva teórica que compreenda a práxis numa dimensão de totalidade, que
ultrapasse os recortes que identificam as opressões como um dado em si mesmas, com
historicidade própria alheia aos processos históricos mais amplos, os quais têm na
exploração da força de trabalho suas determinações centrais. Partindo dessa
compreensão, buscamos apontar por meio do advento da GIM/2017, que parcela do
movimento feminista contemporâneo tem efetuado ações de auto-organização do
conjunto das mulheres da classe trabalhadora numa perspectiva de combate ao sistema
capitalista.
232
ocorrida em 2017. Demarca este construto teórico e de ação, a vinculação do movimento
feminista ao processo geral da luta emancipatória, em que um dos elementos centrais
está na articulação e na construção de alianças com as demais frações e segmentos da
classe trabalhadora. Assim, apreendemos a construção da greve como ponto de partida
do que consideramos ser mais um marco da ação organizada das mulheres sob o crivo
do pensamento feminista materialista no campo da movimentação da luta de classes em
âmbito mundial.
As mudanças no padrão de acumulação - passagem do modelo fordista para o da
acumulação flexível (e a acentuação crônica dorentismo financeiro) a partir dos anos de
1970, bases edificantes da formulação das políticas de ajustes neoliberais como um novo
ethos político-econômico adensaram os condicionantes estruturais da crise do
capitalismo, cujos efeitos mais agudos se avolumaram a partir de 2007 e implicaram no
aprofundamento da reorganização das formas e meios de exploração das frações das
classes dominantes sobre o conjunto da classe trabalhadora. O movimento dos ciclos de
intensidade e variedade das formas e meios de exploração desenvolvidos no interior
deste padrão de acumulação foram acompanhados, para além da instrumentalização
aberta dos Estados nacionais na garantia da reprodução da valorização do capital, pela
hipertrofia dos seus aparatos coercitivos contra as possibilidades emergentes de
resistência e de contestação à esta conformação Cf Harvey (1993); Antunes (1999);
Vaccant (2001). É neste contexto de desmonte, nos países centrais, do padrão de
regulação social welfariano e os deletérios impactos regressivos nas condições de vida e
de trabalho das classes subalternas que assistimos, no ano de 2016, a agitação do
movimento de mulheres em vários países, circunscrevendo suas reações e demandas
em questões relacionadas aos direitos reprodutivos, violências de gênero e aos
desdobramentos políticos e econômicos da crise sobre as mulheres trabalhadoras.
Na Polônia, país que possui uma das legislações menos avançadas sobre a
questão do aborto na Europa, milhares de mulheres foram às ruas contra um projeto de
lei que visava restringir ainda mais os direitos de decisão das mulheres sobre seus
corpos. O projeto previa a proibição do aborto, até então autorizada, em casos de má
formação fetal grave. Uma paralisação das atividades junto a uma grande mobilização de
mulheres marcou o recuo da apresentação do projeto de lei no parlamento polonês. Na
Argentina, também neste ano, sob o lema Ni Una Menos, centenas de mulheres ficaram
à frente da organização de grandes manifestações em várias cidades do país devido ao
alto índice de feminicídios. O crime brutal cometido contra Lúcia Perez, de 16 anos que
foi estuprada, drogada e empalada, levou um número ainda mais expressivo de mulheres
233
às ruas naquele ano, assim como à paralização das atividades laborais. Numa
demonstração da abrangência da movimentação feminista e de sua ação política, no
continente americano, diante da eleição do representante da direita conservadora,
Donald Trump à presidência em 2016, as mulheres declararam que não aceitariam as
posturas sexistas, xenófobas, racistas e conservadoras por ele defendidas. No dia
seguinte a sua posse, em janeiro de 2017, ocuparam as ruas de várias cidades, com o
apoio de setores da mídia, intelectuais e artistas, com o objetivo de demarcar posição
contrária à ascensão do conservadorismo e da política ultraliberal representada por
Trump. Dentre as oradoras da marcha em Washington, Angela Davis politiza, num
sentido mais amplo, aquela movimentação.
Em um momento histórico desafiador, vamos nos lembrar que nós somos
centenas de milhares, milhões de mulheres, transgêneros, homens e jovens que
estão aqui na Marcha das Mulheres. Nós representamos forças poderosas de
mudança que estão determinadas a impedir as culturas moribundas do racismo e
do hétero-patriarcado de levantar-se novamente. [...]Esta é uma Marcha das
Mulheres e ela representa a promessa de um feminismo contra o pernicioso
poder da violência do Estado. E um feminismo inclusivo e interseccional que
convoca todos nós a resistência contra o racismo, a islamofobia, ao anti-
semitismo, a misoginia e a exploração capitalista81.
A grande adesão das mulheres ao movimento tomou conta dos noticiários em torno da
posse de Trump:
[...] a Marcha das Mulheres em Washington, pareceu atrair uma multidão maior
do que a que compareceu um dia antes para testemunhar o juramento de Trump
nos degraus do Capitólio. [...] claramente superaram os 200 mil manifestantes
projetados pelos organizadores, preenchendo longas faixas do centro de
Washington ao redor da Casa Branca e do National Mall. Centenas de milhares
de mulheres se aglomeraram em Nova York, Los Angeles, Chicago, Denver e
Boston, somando a uma manifestação pública de dissidência em massa contra
Trump incomparável na política moderna dos EUA para o primeiro dia completo
de um novo presidente no cargo. Organizadoras da chamada Marcha das Irmãs
estimaram 750 mil manifestantes nas ruas de Los Angeles, uma das maiores [...].
A polícia afirmou que o comparecimento foi maior que a marcha pró-imigração
que levou às ruas 500 mil pessoas. Cerca de 400 mil pessoas marcharam em
Nova York [...] O evento de Chicago ficou tão grande que os organizadores
fizeram um comício, em vez de uma parada pela cidade. A polícia afirmou que
mais de 125 mil pessoas compareceram, [...], mesmo número reportado para
Boston e Denver. Protestos menores ocorreram também em cidades como
Seattle, Portland, Oregon, Madison, Wisconsin e Bismarck, na Dakota do Norte82.
234
conservadora no mundo. Nos cabe observar que, em 2016, nos três países em que a
ação organizada das mulheres tomou relevância de forma a chamar a atenção do mundo,
os governos centrais estavam sob direção de políticos do campo da direita conservadora.
No que pese as questões de gênero serem o fator imperativo das mobilizações, podemos
entendê-las dentro de um vasto campo de movimentações políticas orquestradas numa
reação à acentuação das formas de exploração e opressão postas neste marco de crise
estrutural do capital.
Assim, a luta por elas conclamada não está somente circunscrita às questões
mediadas pelo gênero que informam tipos e formas de discriminação. Mesmo sendo este
o mote da ação, extrapolam esse sentido a partir do entendimento de que é necessária
uma ação que transcenda a luta por direitos iguais entre homens e mulheres, para a
garantia real da construção de um novo projeto de sociedade. Se, por um lado, as
feministas resgatam essa forma de enfrentamento ao buscar interromper o processo de
produção, por outro a revigoram trazendo à cena o debate da divisão sexual do trabalho
e o da reprodução social. A greve proposta pelas mulheres inclui trabalhadoras formais,
235
informais, desempregadas e, por via da paralisação das atividades, também na esfera
privada, levantam a questão do uso e exploração/expropriação por parte do sistema
capitalista de sua força de trabalho na esfera da reprodução da vida.
No capitalismo, o trabalho das mulheres no mercado formal é apenas uma parte
do trabalho que realizam. As mulheres são também as principais realizadoras do
trabalho reprodutivo – trabalho não remunerado que é igualmente importante
para a reprodução da sociedade e das relações sociais capitalistas. A greve das
mulheres destina-se a tornar este trabalho não remunerado visível e enfatizar
que a reprodução social é também um local de luta. Além disso, devido à divisão
sexual do trabalho no mercado formal, um grande número de mulheres ocupam
postos de trabalho precários, não têm direitos trabalhistas, estão desempregadas
ou são trabalhadoras sem documentos84.
84https://vermelho.org.br/2017/03/04/o-significado-da-greve-das-mulheres-neste-8-de-marco/>.Acesso em
julho de 2020.
236
99%. Na introdução do manifesto, Biroli (2017) tece uma aproximação do feminismo
proposto no manifesto com a luta política feminista no Brasil.
As reações aos direitos das mulheres se ampliaram ao mesmo tempo em que
outros direitos são colocados em xeque de maneira brutal. No Brasil e em outras
partes do mundo, direitos trabalhistas, à saúde e à segurança na velhice são
desmantelados, evidenciando a face atual do neoliberalismo. Sexismo,
xenofobia, racismo e transfobia estão articulados à redução das garantias de
trabalhadoras e trabalhadores e ao aumento das desigualdades e da violência.
Por isso intelectuais feministas chamam a todas nós para uma greve
internacional no 8 de março, em que mulheres de diferentes partes do mundo
estejam nas ruas contra todas essas violências. É uma chamada pelo que temos
buscado por aqui também, uma reconstrução das esquerdas na qual feminismos
capazes de conectar direitos reprodutivos e trabalho, sexualidade e xenofobia
em uma agenda ampla, marcada pelo diálogo com diferentes grupos de
mulheres, têm um papel central a cumprir86.
4- CONCLUSÃO
da classe. Ao contrário, cada vez mais o chamamento da GIM e da construção dos seus fóruns e frentes
buscam tais organizações para engrossarem a efetividade e alcance de suas ações, bem como entende que
estes são espaços privilegiados de disputa contra hegemônica das manifestações ideológicas representadas
nas mediações desiguais e de dominação de gênero, raça/etnia e, assim, contribuir para corrigir distorções e
contradições que o movimento de esquerda carrega ao não incluir de forma qualitativa o debate sobre as
relações de dominação mediadas por gênero e raça/etnia às pautas das categorias ou às pautas gerais da
política.
237
o debate da luta antissistema comprometida com a luta do conjunto heterogêneo das
mulheres, o que indica um avanço do próprio movimento feminista.
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
238
QUESTÕES DE GENERO, MOVIMENTO FEMINISTA E SERVIÇO SOCIAL
Giovanna Urbano²
RESUMO:
Este trabalho aponta os desdobramentos históricos e
culturais da questão de gênero e seus impactos nas
relações sociais, reconhecendo-a como uma das
expressões da questão social, tendo em vista a relação
estabelecida com o sistema capitalistavigente. Ademais,
reflete o histórico do movimento feminista e o papel do
Serviço Social no enfrentamento das questões de gênero,
com base no compromisso ético político da profissão e
eliminação de todas as formas de preconceito, afirmando
um projeto profissional empenhado na construção de outra
ordem social sem dominação e exploração de classe,
gênero e raça/etnia.
ABSTRACT:
This work points out the histori caland cultural development
soft he genderis sueand its impact son social relations,
recognizing it as one ofthe expression. softhe social issue, in
view ofthe relationship established withth ecurrent capitalist
system. Furthermore, it reflect sthe history of the feminist
movement and the role of Social Work in confront inggende
rissues, based on the ethical political commitment of the
profession and the elimination of all forms of prejudice,
affirming a professional Project committed to the
construction of another social order without domination and
exploitation of class, genderand race/ethnicity.
239
1- INTRODUÇÃO
Este cenário revela os obstáculos socialmente impostos para a ascensão social das
mulheres e para a conquista de seus direitos, que só passou a ter uma outra perspectiva
através das iniciativas e da organização do movimento feminista que consolidou
conquistas como a participação política, o direito ao voto, e a inserção no mercado de
trabalho. No entanto,ainda hoje a luta por direitos, o combate às violências de gênero e
desconstrução dos papeis socialmente impostos às mulheres, necessitam tomar
proporções e ocupar espaços cada vez maiores na sociedade, tendo em vista os
inúmeros desdobramentos e impactos das desigualdades presentes no meio social.
Considerando as ideias de Iamamoto e Carvalho (2015), o serviço social participa
do processo de produção e reprodução das relações sociais no contexto capitalista e lida
com as diversas expressões da questão social. Nessa conjuntura, a profissão também se
depara com as demandas das questões de gênero.
Torna-se fundamental refletir e perceber as relações de dominação, exploração e
desigualdade e os seus efeitos na realidade social, econômica e política, para que no seu
exercício profissional, o assistente social reforce o compromisso com a liberdade, a
autonomia, a emancipação e a expansão plena dos indivíduos sociais, afirmando a
defesa dos direitos humanos e a recusa dos preconceitos de qualquer natureza, além da
defesa da equidade e da justiça social, visando a construção de uma nova ordem
societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero, ressaltando a
importância de sua intervenção no âmbito das expressões da questão social, tendo em
240
vista os princípios do Código de Ética do/a Assistente Social e o projeto ético político da
profissão.
2- DESENVOLVIMENTO
241
Nesse sentido, evita qualquer tipo de transformação na ordem social ou melhorias
para as classes trabalhadoras, ou para qualquer grupo minoritário, para que não ocorra
modificações nas relações sociais ou a ascensão de novas classes sociais ao poder.
Netto (2012), também contribuiu nas reflexões teóricas a respeito dos ideais
conservadores, associando-os sempre à questão social:
242
ganhando espaços através das ações de organizações feministas, que se estenderam
até 1932, ano em que se deu a instituição do Código Eleitoral Brasileiro, durante o
governo de Getúlio Vargas.
A chamada segunda onda do feminismo, surgiu na década de 60 no EUA, e no
Brasil, um pouco mais tarde, na década de 1970, o foco das reivindicações, segundo
Boni (2015) estavam na busca pela igualdade e pelo fim das discriminações, atuando de
forma crítica contra os modelos de mulher, padrões sexuais e de família vigentes.
Torna-se importante destacar que neste período o Brasil enfrentava o Regime
Militar, que teve início em 1964, momento político marcado por muitas barreiras e
repressões aos movimentos de mulheres, tendo em vista o caráter opressor e violento da
ditadura.
Com o golpe militar de 1964, tanto os movimentos das mulheres, quanto os
demais movimentos populares e de esquerda foram silenciados, erradicados e
massacrados. No entanto, ocorriam ações de grupos de mulheres em resistência à
ditadura através de passeatas, manifestações e organizações clandestinas.
Pode-se dizer então, que nesse período, o movimento feminista brasileiro
compunha um movimento de articulação das lutas contra as formas de opressão das
mulheres juntamente com as lutas pela redemocratização. Entre as décadas de 70 e 80,
o movimento feminista adentrou na sua terceira onda, em que prosseguiu se expandindo
no cenário da redemocratização até a promulgação da Constituição Federal de 1988,
assumindo uma perspectiva mais propositiva, de intervenção nas políticas públicas,
buscando maior representatividade e legitimidade.
Nos anos que se seguiram, adentrando os anos 2000, as atividades dos
movimentos no Brasil estiveram voltadas para as ações políticas e organizativas e de
conquista de políticas públicas, visando o aprimoramento das legislações de proteção a
mulher e o monitoramento/ implantação dessas políticas, em constante articulação e
interlocução com o Estado.
Com esse cenário de lutas e resistênciaas mulheres foram transformando o seu
modo de vida em muitos aspectos, conquistando o mínimo de liberdade, ingressando no
mercado de trabalho, conhecendo sua sexualidade, sendo, afinal, reconhecidas como
sujeitos de direitos.
O fundamento do serviço social é a realidade social, que se demonstra complexa
e multifacetada, logo, o exercício profissional deve ser entendido a partir do movimento
histórico e das transformações da sociedade, tendo em vista a apreensão crítica das
relações sociais.
243
Enquanto categoria profissional que trabalha com a realidade social, é
fundamental encontrarmos ferramentas de açãoque possibilitem repensar e transformar
cada vez mais nossa sociedade com relação à desigualdade de gênero, por meio da
educação, da cultura e de políticas que sejam inclusivas e voltadas para a valorização da
mulher, visando a eliminação das desigualdades e violências existentes e o acesso aos
direitos.
As demandas provenientes das desigualdades de gênero se expressam para o
serviço social nos mais diversos espaços sócio ocupacionais, assim, o assistente social
se depara com inúmeras situações que envolvem os impactos das desigualdades de
gênero e as vulnerabilidades decorrentes, como a violência física, psicológica, moral,
sexual e patrimonial, situações de exclusão e preconceito, ausência de acesso a
condições básicas de vida dentre outras violações de direitos.
No que se refere ao enfrentamento das desigualdades de gênero, é fundamental
que a atuação do assistente social reforce sua postura ética e política e demostre preparo
teórico metodológico, compreendendo a questão de gênero em sua totalidade, com base
na realidade histórica, conjuntural e estrutural.
O projeto ético político do serviço social brasileiro e os princípios fundamentais
trazidos pelo Código de Ética da Profissão, tem como valores centrais a liberdade e o
comprometimento com a autonomia, a emancipação e a expansão plena dos indivíduos
sociais, afirmando a defesa dos direitos humanos e a recusa dos preconceitos de
qualquer natureza, além da defesa da equidade e da justiça social, visando a construção
de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero.
Partindo disso, é imprescindível que o assistente social em suas intervenções nas
questões de gênero, busque fomentar a autonomia a emancipação das mulheres,
contribuindo para que se percebam enquanto sujeitos de direitos e para que se
reconheçam enquanto seres livres.Nesse sentido, reforçamos que é fundamental que o
profissional se posicione contrariamente às situações de preconceitos, violação de
direitos, autoritarismo e arbitrariedade, reforçando o seu compromisso com a defesa
intransigente dos direitos humanos.
É necessário atuar em contraposição ao pensamento conservador e de senso
comum, a partir do reconhecimento das realidades sociais de maneira crítica,
considerando os contextos e determinantes históricos, econômicos e culturais que
envolvem cada demanda que se expressa no cotidiano profissional, articulando
estratégias de enfrentamento das desigualdades de gênero, que assumam umas práxis
244
feminista que busque reverter as desigualdades vigentes e resistir à banalização das
violências, preconceitos e opressões.
É necessário que os profissionais estejam inseridos na elaboração, gestão e
operacionalização das políticas públicas com compromisso de promover a equidade de
gênero e atuar em diferentes contextos, a partir da pratica investigativa voltada à
construção do aporte teórico da área, que pode subsidiar as políticas públicas na
perspectiva de gênero.
Ademais, deve-se considerar a articulação da dimensão teórica e interventiva,
construída a partir do olhar crítico e generalista do assistente social, que percebe como
as relações sociais se estruturam perpassando as questões de classe e gênero, com o
compromisso de promover a equidade de gênero, a construção de uma nova ordem
societária sem exploração de classe, e pela defesa da liberdade, cidadania, democracia,
direitos humanos e justiça social.
3- CONCLUSÃO
A partir dessa análise, é fundamental pensar a questão de gênero como sendo uma
expressão da chamada questão social, considerando a influência e o impacto que o
modo de produção capitalista e a formação da sociedade de classes, acrescido ao
sistema patriarcal vigente, exercem sobre a vida das mulheres.
245
Nesse sentido, entende-se que para o enfrentamento das desigualdades de gênero, é
fundamental que a atuação do assistente social reforce sua postura ética e política, e
demostre preparo teórico metodológico, compreendendo a questão de gênero em sua
totalidade, com base na realidade histórica, conjuntural e estrutural. Além disso, é
necessário que os profissionais de Serviço Social estejam inseridos na elaboração,
gestão e operacionalização das políticas públicas com compromisso de promover a
equidade de gênero.
4- REFERÊNCIAS
CARLOTO, Cassia. O conceito de gênero e sua importância para a análise das relações
sociais.Serviço Social em Revista, Londrina,v. 3, n. 2, jan./jun., 2001.
IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no
Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 41. ed. São Paulo: Cortez,
2015.
246
LUTAS SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL: a diversidade sexual na revisão da literatura
profissional brasileira
PIBIC/CNPq no GEDIS/CNPq/UFJF sob orientação do Prof. Dr. Marco José de Oliveira Duarte. E-mail:
carolina.fernandes@outlook.com. Eixo temático: Resistências, Lutas e Internacionalização do Serviço Social.
90 Graduando em Odontologia da Faculdade de Odontologia da UFJF. Bolsista de Iniciação Científica
PIBIC/CNPq no GEDIS/CNPq/UFJF sob orientação do Prof. Dr. Marco José de Oliveira Duarte. Email:
matheuacontato0i@gmail.com. Eixo temático: Resistências, Lutas e Internacionalização do Serviço Social.
247
1- INTRODUÇÃO
248
LGBTQI+?; ii - a busca nas bases de dados, utilizando-se dos descritores e os periódicos
acima descritos; iii - a análise crítica dos conteúdos apresentados nos artigos
selecionados; iv - a discussão dos resultados; v - a apresentação da revisão integrativa.
Ressalta-se que a escolha pela revisão integrativaé que ela éa mais ampla abordagem
metodológica referente às revisões, permitindo a inclusão de estudos experimentais e
não-experimentais para uma compreensão completa do fenômeno analisado.
249
estigma que pesava historicamente sobre as vidas de homossexuais -criminoso,
degenerado e louco-, e, consequentemente, asua cidadania precária (BENTO, 2014),
que representa uma dupla negação: nega a condição humana e de
cidadão/cidadã de sujeito que carregam no corpo determinadas marcas. Essa
dupla negação está historicamente assentada nos corpos das mulheres, dos/as
negros/as, das lésbicas, dos gays e das pessoas trans (travestis, transexuais e
transgêneros). Para adentrar a categoria de humano e de cidadão/cidadã, cada
um desses corpos teve que se construir como “corpo político” (BENTO, 2014, p.
167).
250
na publicização pública dos fatos, mas em conversas informais tanto com estudantes de
graduação e pós-graduação, em diversas unidades de formação acadêmica, como com
profissionais da área em diversos lugares sócio-ocupacionais em que se dá o trabalho
profissional.
Há uma suspeita e de certo modo, um medo, que está muito mais no campo
privado e moral dos protagonistas desta ação de dissuadir, tomando emprestado a
narrativa que faz defesa de um projeto de classe que é isento, vago e lacunar das
sexualidades e gêneros. Esse último, ainda é um tema mais palatável e plausível, tendo
em vista o acervo bibliográfico e o legado das lutas feministas para esses estudos e suas
organizações, o que diferencia substancialmente dos estudos de sexualidade, mesmo
que os tomem pelo sistema sexo/gênero (RUBIN, 1986).
É necessário romper com a colonialidade dos discursos e com a tutela da razão.
Assim, em vez de identificar e aniquilar as diferenças na vida social e no mundo
acadêmico, padronizando, patrulhando e criando cópias de si, é imperativo o exercício da
democracia, no debate político e na produção do conhecimento científico, em uma
perspectiva crítica e emancipatória, elementos tão caros ao nosso projeto ético-político
profissional e que nos alicerça para as (r)existências na disputa dos projetos societários
em curso.
O terceiro diz sobre a tensão entre dois paradigmas radicalmente distintos,
um sobre as estruturas discursivas determinista, essencialista e universal sobre a
sexualidade, o sexo e o gênero, típicas do modelo biologizante e medicalizante ou,
sumariamente dizendo, o modelo biomédico. Este ainda é muito presente na ordem dos
discursos profissionais, sobre uma verdade sobre o corpo e a diversidade humana. E o
outro, os paradigmas e abordagens construtivistas e/ou de produção social dos corpos,
sexualidades e subjetividades, que no campo da saúde coletiva tem-se como
determinação social da saúde.
É, portanto, sobre essa disputa de narrativas, essencialista versus construtivista,
na ordem dos discursos acadêmicos, em geral, mas do Serviço Social, em particular, que
está a gênese para outros debates sobre a sexualidade e as dissidências sexuais.
Assim, Vance (1995), tomando como referência a considerável contribuição da
também antropóloga Gayle Rubin (1986), que descreveu a sexualidade e gênero em
domínios distintos, retoma a questão afirmando que
a sexualidade e o gênero são sistemas distintos entrelaçados em muitos pontos.
Embora os membros de uma cultura vivenciem esse entrelaçamento como
natural, sem costuras e orgânico, os pontos de conexão variam historicamente e
nas diversas culturas. Para os pesquisadores da sexualidade, a tarefa não
consiste apenas em estudar as mudanças na expressão do comportamento e
251
atitudes sexuais, mas em examinar a relação dessas mudanças com alterações
de base mais profundas no modo como o gênero e a sexualidade se organizam e
inter-relacionam no âmbito de relações mais amplas (VANCE, 1995, p. 12).
252
que de forma hegemônica impõe o controle no exercício e na expressão das
sexualidades, tendo por base a hegemonia patriarcal, o sexismo, a
heterossexualidade compulsória, a cisgeneridade e os binarismos de gênero e
sexualidade (EURICO et al., 2021, p. 301-2).
não ser específico sobre sexualidade ou diversidade sexual, a revista apresentou significativos artigos sobre
o tema
253
citados acima. Dos 21 periódicos, os 42 artigos selecionados foram encontrados em 15, o
restante dos outros periódicos nada foi encontrado, em seus bancos de dados, sobre os
temas da sexualidade ou da diversidade sexual, são eles: Argumentum; Libertas;
Direitos, Trabalho e Política Social; Oikos, Serviço Social e Saúde; Moitará e Serviço
Social em Debate.
254
4- CONCLUSÃO
5- REFERÊNCIAS
255
VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal e Serviço Social:
resistências e articulações internacionais
EIXO TEMÁTICO 4
Política Social, trabalho e questão social:
retrocessos e resistências na conjuntura atual
POLÍTICA SOCIAL, AVANÇOS, RETROCESSOS E DESAFIOS: uma análise a partir
da teoria valor-trabalho
93 Assistente Social, servidora pública da Prefeitura Municipal de Macaé-RJ, Doutoranda em Política Social
pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Artigo orientado pelo professor Dr. Carlos Antonio de Souza
Moraes.
94Artigo vinculado ao eixo temático: Política Social, trabalho e questão social: retrocessos e resistências na
conjuntura atual
257
of multiple determinations, pointing out its setbacks and
challenges.
1- INTRODUÇÃO
Incontáveis são os artigos que expressam o grande avanço alcançado no âmbito
da Política Social no Brasil com a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. No que diz respeito à proteção social, destacam-se, não somente, a garantia do
direito do cidadão e o dever do Estado, como ainda, a configuração de uma nova
organização agora alicerçada sob os parâmetros da seguridade social, tendo destinação
orçamentária própria e princípios universais.
Por outro lado, defendemos que, conforme aponta Behring (2009), as discussões
em torno da estruturação da política social tendo como parâmetros somente a cidadania
e a concessão de políticas redistributivas são mistificadoras da realidade e frustrantes à
medida que descartam os aspectos fundantes da teoria social em Marx, quais sejam:
258
teoria do valor-trabalho, o materialismo histórico e dialético e a perspectiva da revolução,
esperando dessa forma resultados que não são condizentes com as fundamentações da
políticas social e com as condições concretas de luta dos trabalhadores.
Por esse motivo, objetivamos apresentar uma reflexão sobre apolítica social
brasileira na era do capitalismo financeiro, partindo da análise das confluências da teoria
do valor-trabalho no modelo de produção capitalista em vigência. Reconhecendo, por
tanto, a política social como síntese de múltiplas determinações e conectando-a com a
realidade concreta objetiva, contribuindo, assim, para a superação de análises ingênuas
em relação à sua capacidade de resposta e até mesmo a sua estruturação.
De acordo com Marx, toda mercadoria possui valor de uso e de troca. O valor de
uso é a utilidade de uma coisa, e se realiza com sua utilização ou consumo. Na
sociedade capitalista os “valores de uso são, ao mesmo tempo, os veículos materiais do
valor de troca” (MARX: 2013, l. 830). O valor de troca, por sua vez, é definido pela
quantidade de um produto que é possível conseguir em troca de uma certa quantidade de
outro produto. Desta forma, o valor de troca depende da quantidade de trabalho
que é medida pelo tempo de sua duração, e o tempo de trabalho, por frações do
tempo.
259
Assim, na relação de permuta das mercadorias, o valor de troca se revela
independente do seu valor de uso, instaurando a autovalorização.
Isto é, mediante a divisão social do trabalho e a propriedade privada, o trabalho na
sociedade capitalista aparece como trabalho assalariado, trabalho que pertence ao outro,
cujo produto é para satisfazer a necessidade do outro e não a sua, ocorre, dessa forma, a
subsunção do processo de trabalho ao capital, subjugando-o ao processo de valorização.
260
animais (comer, beber e procriar); 4) homem alienado do homem, se torna estranho aos
outros homens, autoestranhamento humano, consequentemente, às suas possibilidades
históricas:
261
Nessa forma de produção, o operário ainda tem consciência do processo de
trabalho, o qual permanece sob seu domínio. O único comando que o capital tem sobre o
operário é o da coerção, mas como diz Marx (1980) não deixa de já ser uma perversão,
as coisas são personificadas e as pessoas coisificadas.
262
E quais são as consequências dessa relação nas políticas sociais? A sociedade
capitalista é caracterizada pela divisão social do trabalho e a propriedade privada, a partir
da contradição existente entre a produção social de riqueza e a apropriação privada da
mesma, daí eclodem as desigualdades sociais e, consequentemente, as expressões da
questão social. Para manutenção dessa sociedade burguesa e do seu modo de produção
capitalista emerge o papel do Estado.
263
Dito isso, observamos que a arena de disputa, nesse campo, não se resume a
questão de políticas sociais redistributivas ou não, até mesmo porque essas em momento
nenhum alteraram as bases da produção, e sim incidiram nas questões de distribuição, a
qual bem sabemos não são a origem da desigualdade social. As “perspectivas
redistributivas levaram, no máximo, a um conflito na ordem – ainda que taticamente
importante -, em especial nos países de capitalismo periférico” (BEHRING, 2009, p. 24).
3- CONCLUSÃO
As Políticas Sociais são uma síntese de múltiplas determinações, então para além
dos elementos estruturantes do capital a luta de classes, delimitada pela força de
dominação da burguesia, pelas contradições e exigências das diferentes frações da
burguesia e pela força dos movimentos das classes subordinadas, irão, também, conferir
concessões e/ou construir alternativas concretas ao poder existente, estabelecendo
assim, nova tessitura à conflituosa engrenagem do capital.
264
Dessa forma o modo de produção capitalista, ordenado pela lógica de valoração
que lhe é própria, assim como, a luta inter e intraclasses irão estruturar as medidas
adotadas pelo Estado, tanto em relação ao mercado quando ao modo de produção e
reprodução da sociedade capitalista, imputando às políticas sociais uma verdadeira força
política e econômica a serviço do capital, porém, também uma oportunidade de
emancipação política dessa sociedade.
Desta forma, as políticas sociais na atualidade servem de material tanto para o
planejamento econômico quanto político, quanto como campo de luta e de resistência,
porém não pode ser apartada da realidade objetiva em que está, sobo risco das
ambiciosas pretensões se naufragarem em meio ao oceano de determinações em que se
encontram.
4- REFERÊNCIAS
BEHRING, Elaine. Fundo público, valor e política social. São Paulo: Cortez Editora,
2021
265
NEOLIBERALISMO, FUNDO PÚBLICO E A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA
266
1- Introdução
2- Desenvolvimento
267
naturalmente pelas leis do mercado, pela livre concorrência e pautado no individualismo.
Ademais, defendiam ferrenhamente a desigualdade, chamado de valor positivo,
necessário para a sobrevivência do capital.
268
A implementação do neoliberalismo ao redor do mundo é considerada de
sucesso, um projeto que hoje é hegemônico, mas essa hegemonia não se construiu de
um dia para o outro. Com o sucesso do neoliberalismo em suceder o Estado de Bem-
Estar de modelo Keynesiano, principalmente na Europa Ocidental, e, posteriormente em
outras partes do mundo, começou então o declínio dos direitos sociais e das políticas
sociais implementadas anteriormente.
Laurell (1995) analisa como as políticas sociais são instituídas. Conforme a autora
o desenvolvimento do capitalismo agudiza a “questão social” e acarreta o surgimento de
novas expressões. Alguns exemplos dessas expressões são a proletarização, que faz do
salário necessidade central para a sobrevivência humana e o definhamento das formas
tradicionais de proteção social que ocasiona a insegurança social e pobreza. Entretanto,
Laurell (1995) sinaliza uma interessante contradição que acontece, na medida em que o
capitalismo avança há o encorajamento, e a necessidade, de luta social para a garantia
da satisfação de suas necessidades sociais (saúde, educação, aposentadoria), que
transforma a “questão social” em fato político.
O resultado direto das lutas protagonizadas pelos sujeitos sociais está nas
políticas sociais, que são “um conjunto de medidas e instituições que tem por objetivo o
bem-estar e os serviços sociais” (LAURELL, 1995, p. 153). O Estado tem papel
fundamental na criação e consolidação dessas políticas. Para caráter de análise,
considera-se aqui as políticas sociais e o modelo de proteção social que se consolidam
no Estado de Bem-Estar que surgiu no pós-guerra.
269
significa atenuar as determinações do mercado, na medida em que o Estado toma para si
a responsabilidade de garanti-los enquanto direito para todas as pessoas, e não apenas
a quem merece ou realizou uma contribuição prévia.
270
Em conformidade com Fleury (2004), as primeiras medidas de proteção social
ocorreram em contexto de negação da necessidade de intervenção estatal na “questão
social”, com o argumento de que o mercado seria eficaz na erradicação dos problemas
que emergiam decorrentes do modo de produção capitalista. Entretanto, a teoria liberal
mostrou-se ineficiente no controle dos problemas que surgiam, evidenciando a
necessidade do Estado institucionalizar um modelo de proteção social que assegurasse
direitos mínimos aos trabalhadores.
271
O aumento, ou diminuição, da proteção social entre os anos 1930 e 1960, se dá,
exclusivamente, por jogo de poder e para legitimação dos governantes. Cabe aqui
ressaltar as principais características das políticas no âmbito da proteção social nestas
décadas, Fleury (1997) elenca a centralização, o caráter autoritário, a baixa eficácia e
eficiência, a baixa cobertura, o caráter paternalista e clientelista como as características
centrais das políticas sociais empregadas até então.
272
políticas sociais, pauta a direção das ações do Estado e dita quais políticas sociais serão
priorizadas. Para tanto, é fundamental que o fundo público tenha recursos suficientes
para garantir o financiamento da seguridade social e de outras políticas sociais que são
necessárias para a população.
3- Considerações finais
4- Referências Bibliográficas
BEHRING. Elaine. Crise do capital, fundo púbico e valor. In: BOSCHETTI, Ivanete, [et
al.]; Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo; Cortez, 2010.
273
BOSCHETTI, Ivanete. A Política de Seguridade Social no Brasil. In: CFESS; ABEPSS.
(Org.). Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília:
CFESS, 2009, v. 1, p. 323-340.
FLEURY, Sônia. Seguridade Social Inconclusa. In: Denise Rocha; Maristela Bernardo.
(Org.). A era FHC e o Governo Lula: transição. Brasília: INESC, 2004. p. 105-119.
274
A (DES)PROTEÇÃO SOCIAL E A SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO
Shirlene Anabor 97
275
1- INTRODUÇÃO
276
ainda mais grave, pois foi autorizado que gestantes trabalhem em postos laborais
insalubres. Logo, pela condição biológica e de gênero, com esta reforma trabalhista, é
provável que as mulheres estejam mais submetidas que os homens a sofrer com as
diversas formas de violência, decorrentes da intensificação da precarização do trabalho.
277
2- A RELAÇÃO ENTRE CAPITAL E TRABALHO E O ESTADO NO CAPITALISMO
DEPENDENTE
98O autor se refere a um novo imperialismo que “tem seus vetores de ação em movimento num contexto de
supremacia do capital fictício, um contexto de expansão dos mercados sem precedentes e de dispersão do
poder político e econômico para novos países do globo” (XAVIER, 2018, p. 388).
278
capitalista, que, ao mesmo tempo em que concentra riquezas nas economias centrais,
aprofunda a pauperização das economias periféricas.
Essas resistências, sob a forma de reivindicações por terra, por alimento, por
trabalho, entre outras, são absorvidas pelo Estado, que, assim como as classes sociais
aqui constituídas e suas lutas travadas, não se explicam pelo puro exercício da política,
“mas pela crítica à economia-política, ou seja, pela análise das condições reais que
determinam a produção e reprodução da vida de seres humanos em condições
históricas reais” (SILVA, 2021, p.8).
279
independência se não há independência econômica, [...] a independência política é uma
mentira se não há independência econômica” (p. 65, tradução nossa). Assim, o Estado
no capitalismo dependente reproduz os interesses do capital em meio à debilidade
produtiva latino-americana, constituindo-se como fundamental para a reprodução e
manutenção da superexploração da força de trabalho.
280
População em Situação de Rua, juntamente com a Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), estima que, no ano de 2021, 160.097 mil pessoas viviam em situação de rua no
Brasil. Conforme reportagem99, em 2022, são 142 mil famílias brasileiras que vivem em
ocupações por conta da falta de moradia, sendo que São Paulo ocupa a primeira
colocação entre os estados com maior número de família nessa situação (45.183),
seguido do Amazonas (29.291), Pernambuco (19.278), Paraíba (9.973) e Rio Grande do
Sul (8.121), em quinto lugar.
99 Reportagem veiculada pela Rede Globo de Televisão, no Jornal Hoje. Disponível em:
https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2022/06/27/o-drama-da-falta-de-moradias-no-brasil-142-mil-familias-
vivem-em-ocupacoes.ghtml
281
utiliza de mecanismos coercitivos e autoritários, mesmo que sob a aparência democrática
para a manutenção da ordem social (OSÓRIO, 2019), “garantindo” com isso, as
condições de sobrevida da população, ao mesmo tempo em que a reprodução da
superexploração da força de trabalho e da estrutura que a sustenta.
4- CONCLUSÃO
5- REFERÊNCIAS
BAMBIRRA, Vânia. Teoría de ladependencia: una anticrítica. Serie Popular Era: México,
1978.
282
em:https://www.scielo.br/j/sssoc/a/jK8Jvp8DJFPsS6FHGcBXSnt/. Acesso em Dezembro
de 2021.
PAIVA, Beatriz Augusto; SOUZA; Cristiane Luiza Sabino de; MARIOTTO, Cristiano. A
luta antirracista como exigência ético-política: reflexões numa perspectiva latino-
americana. In. Questão Social e Direitos Humanos. Volume IV. (orgs) Paiva, Beatriz
Augusto de; SAMPAIO, Simone Sobral. Florianópolis : Editora da UFSC, 2021.
PAIVA; Beatriz Augusto de; ROCHA; Mirella; CARRARO, Diceane. Política social na
América Latina: ensaio de interpretação a partir da Teoria Marxista. SER Social, Brasília,
v. 12, n. 26, p. 147-175, jan./jun. 2010. Disponível
em:https://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/12702. Acesso em
Dezembro de 2021.
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). Disponível em:
https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Do
micilios_continua/Trimestral/Comentarios_Sinteticos/2022_1_trimestre/pnadc_202201_tri
mestre_comentarios_sinteticos_Brasil_Grandes_Regioes_e_Unidades_da_Federacao.pd
f
SILVA, José Fernando Siqueira da. América Latina: capital e devastação social. R.
Katál., Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 7-19, jan./abr. 2021. Disponível
em:https://www.scielo.br/j/rk/a/8nbgcNbSMnh3mcPYzBgWXYh/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em Dezembro de 2021.
VAHDAT, V. S.; BORSARI, P. R.; LEMOS, P. R.; RIBEIRO, F. F.; BENATTI, G. S. S.;
CAVALCANTE FILHO, P. G. FARIAS, B. G. Retrato do Trabalho Informal no Brasil:
desafios e caminhos de solução. São Paulo: Fundação Arymax, B3 Social, Instituto
Veredas. 2022.
283
A CENA DE USO DA TECNOLOGIA E A DESIGUALDADE SOCIAL DO BRASIL
RESUMO:
O trabalho por hora proposto é resultado dos primeiros
movimentos de projeto de Iniciação Científica intitulado
“Novas tecnologias nos processos de trabalho e a teoria do
valor trabalho de Marx”. Esta publicação retrata o momento
inicial da pesquisa e busca apresentar a cena que torna
pertinente a investigação. Traz dados e informações que
demonstram o crescimento de novas tecnologias de
comunicação e informação, mediando a produção e a
circulação de mercadorias e apresenta questões
preliminares.
ABSTRACT:
The proposed hourly work is the result of the first
movements of a Scientific Initiation project entitled “New
technologies in work processes and Marx's labor theory of
value”. This publication portrays the initial moment of the
research and seeks to present the scene that makes the
investigation relevant. It brings data and information that
demonstrate the growth of new communication and
information technologies, mediating the production and
circulation of goods and presents preliminary questions.
284
1- INTRODUÇÃO
100 O trabalho por plataforma aqui referenciado diz respeito, dentre outros, ao trabalho de motofretistas e
motoristas que vendem sua força de trabalho mediada por aplicativos de celular.
101 Com os aparelhos digitais desconectados de qualquer rede de acesso à internet.
102 Sempre ligado à rede mundial.
285
aparecem como devolutivas ao entrar em sites com anúncios direcionados a buscas
recentes, incentivos de compras nas redes sociais, complementação de buscas nas
plataformas de pesquisas, e até os tipos de notícias que aparecem no feed103. As
mudanças propostas desde o navegador que o indivíduo utiliza ao aceitar cookies104 de
sites e assinar formulários que repassam matérias a terceiros até decisões
governamentais não questionadas pela sociedade estariam ligadas à pressa de
resultados.
Na indústria nacional, poderíamos rememorar a análise do filme Blade Runner,
realizada por Duayer (2010), no desejo capitalista de ter um “humano” que não esteja
sujeito às fragilidades do ser humano e possa ser explorado livremente. Espalham-se
pela internet vídeos de indústrias de ponta do capitalismo central apenas com autômatos
operando.
Por fim, é importante destacar que tais fenômenos ocorrem concomitantes às
mudanças nas regras do trabalho. Onde até mesmo a identidade do trabalhador estaria
em disputa, ser trabalhador ou ser empreendedor. Este é um pouco do cenário que
buscaremos evidenciar, vejamos.
103Página principal que apresenta um fluxo de conteúdos mais recentes (fotos, vídeos, links, etc).
104Fragmentos de código que permitem ao site guardar em uma memória de curto prazo as informações do
usuário, tais como login e preferências de navegação, de modo a direcionar um serviço mais personalizado.
286
No Brasil a imanente contradição se entrelaça na condição de que, o país está
entre as nações mais digitalizadas do mundo, por outro lado, é um dos países com maior
concentração de renda, com mais de 11 milhões de pessoas desempregadas pelo país e
altos níveis de miséria. Além do mais, a falta de investimento em infraestrutura coloca
nossa telefonia e conectividade dentre as mais caras, de acordo com o Banco Mundial
(BANCO MUNDIAL, 2016).
Se de um lado tivemos um grande número de salas de cinemas fechadas por todo
o globo, serviços como a Netflix cresceram acima das expectativas de Wall Street,
abrindo espaço a um público maior, entretanto sem invisibilizar o número de pessoas que
não tiveram onde morar, o que comer e se arriscar diariamente ao sair de casa para
trabalhar. Em matéria na revista Época Negócios, das dez empresas que mais cresceram
durante a pandemia, todas eram voltadas para negócios digitais, liderando a lista
Amazon, Microsoft e Apple, com Facebook em sexto lugar e PayPal em nono. No Brasil,
os serviços de Delivery de comida, que já vinham em franco crescimento antes da
pandemia, só nos três primeiros meses após o anúncio do primeiro caso no país, cresceu
mais de 60%.
Um panorama do uso de TI no Brasil, realizado pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV), retrata que se tem 447 milhões de dispositivos digitais, isto inclui: computador,
notebook, tablet e smartphone, tanto em uso corporativo, quanto doméstico, em uso no
Brasil. Esse número revela haver mais de dois dispositivos digitais por habitante até
junho de 2022. A de se destacar que isso não significa que cada brasileiro terá dois
dispositivos, mas, haja vista a desigualdade econômica e o custo do acesso, o dado pode
traduzir uma disparidade enorme no acesso. Isso será um problema, à medida que direito
e cidadania estiverem condicionados à inclusão digital. Como foi o caso do ensino remoto
pelas escolas e universidades por todo o país. Ou ainda com a presença maciça dos
smartphones permanecendo como dominante na maioria dos usos, como nos bancos,
compras e mídias sociais.
Ainda de acordo com a FGV, em 2021, quando ainda se vivia o isolamento social
de maneira mais extensiva, houve um crescimento de 27% de vendas de dispositivos
digitais, com 14 milhões de unidades; em 2022, a estimativa foi de um crescimento
próximo a 10%. Numa prospecção, não havendo nenhuma turbulência atípica na
economia do país, é previsto para 2023 a ultrapassagem de 216 milhões de
computadores (desktop, notebook e tablet) em uso, resultando em um computador por
habitante, uma vez que se observa a permanência do home-office e/ou do trabalho
híbrido. Da mesma forma, isso não significa que todas as pessoas do país terão acesso
287
aos computadores, haja vista que o “Mercado de trabalho: conjuntura e análise”
publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) 2022, apresentou que,
em aspectos gerais na análise do mercado de trabalho, a taxa de desemprego foi de
11,1% no quarto trimestre de 2021, uma queda expressiva em relação ao mesmo
trimestre de 2020 (14,2%).
Outro ponto que contradiz os dados apresentados acima acerca da inclusão
digital à sociedade concerne o acesso e condições de compra da classe trabalhadora
brasileira aos meios digitais. Os modelos são por vezes limitados em termos de recursos,
causando problemas tais como um facilmente visto e vivido por muitos ao longo da
Pandemia: a incompatibilidade do aparelho em acessar um aplicativo do Governo. O
mercado de aparelhos eletrônicos permanecerá em ascensão pelos próximos anos,
atingindo a esfera doméstica, como os Smart Home Devices e também a corporativa,
desde a educação até o trabalho, com o uso de Machine Learning.
Cada vez mais as empresas investem em TI, e ao que se apresenta nos dados
mais recentes obtidos, os bancos lideram esse patamar, posto que a indústria bancária
possui um gasto superior a 120 mil reais para cada empregado. E os investimentos em
TI, equivalem a 8,7% de suas receitas.
O Estudo Mercado Brasileiro de Software: Panorama e Tendências 2022,
elaborado em parceria com a International Data Corporation (IDC), — apontada como
líder em inteligência de mercado, serviços de consultoria e eventos para os mercados de
tecnologia da informação, telecomunicações e tecnologia de consumo —, registrou que o
Brasil detém 1,65% dos investimentos em tecnologia ao nível global, e é o principal nos
investimentos na América Latina (40% de todo o investimento na região).
Como meio de trabalho nos processos produtivos, o estudo “investimento em
indústria 4.0” da Confederação Nacional da Indústria (CNI), aponta o crescimento do
investimento de 2016 a 2018 para processo de produção. 46% das empresas que
responderam à pesquisa utilizam tecnologias de automação com sensores de
identificação do produto e condições operacionais. No desenvolvimento de produtos 37%
das respondentes utilizam sistemas integrados de engenharia para desenvolvimento e
manufatura de produtos. Quanto aos modelos de negócios, 11% incorporam serviços
digitais nos produtos (Internet das Coisas) e 16% utilizam serviços de nuvem associados
ao produto. Dessas empresas que responderam ao estudo, 48% pretendem investir ou
continuar investindo em tecnologias digitais.
A concentração de uso da tecnologia está na região sudeste do Brasil, com 88,8%
na área urbana e 64,6% na área rural, considerando os dados de 2019 Pesquisa
288
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD contínua), e com pessoas entre 20
e 24 anos, a média principal que corresponde a ocupação dos postos de trabalho. Nesta
mesma região é onde se concentra o maior número de empregos e faturamento do setor
TIC do país.
No que diz respeito ao Estado, além das reformas legislativas para se “abraçar”
novos modelos de negócios digitais como a uberização, há o reconhecimento da
necessidade das tecnologias. O Estado de São Paulo, por exemplo, possui política de
acesso gratuito, o Acesse São Paulo, cujo objetivo é promover o acesso gratuito à
internet em espaços públicos com desktops. No Rio de Janeiro de Janeiro há o programa
Baixada Digital, que se volta para o acesso em banda larga sem fio a 11 municípios da
Baixada Fluminense. No Espírito Santo há 15 cidades digitais mapeadas, com destaque
a capital, Vitória Online é um projeto que permite a qualquer cidadão acessar a internet
utilizando uma rede sem fio. Belo Horizonte, a capital mineira, além de ser considerada a
cidade brasileira mais digital no ranking divulgado em 2011 pelo CPqD, foi eleita neste
ano pelo Congresso Smart City Expo Latam, uma das três principais ‘cidades inteligentes’
do mundo.
Com isso, acredita-se ter apresentado as primeiras aproximações de pesquisa ao
cenário das novas tecnologias que medeiam o trabalho na produção e circulação de
mercadorias na contemporaneidade brasileira.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
289
de consciência da classe trabalhadora. É sabido, desde junho de 2013 que o potencial de
mobilização dos meios digitais é real, entretanto, em termos subjetivos, o referido
movimento expressava, dentre outras coisas, a decadência ideológica do pensamento
burguês, outrora revolucionário.
Ao fim deste trabalho, além de maior clareza da dimensão e do impacto que
essas novas tecnologias podem ter sobre a classe trabalhadora, fica mais latente o
potencial de desenvolvimento para futuras investigações.
4- REFERÊNCIAS
DUAYER, Mário. CAPITAL: More Human than Human (Blade Runner e a Barbárie do
Capital). Disponível em:
https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/6117/5082. Acesso em: 30 jun.
2022.
MEIRELLES, Fernando. Panorama do Uso de TI no Brasil - 2022. Ed. 2022. São Paulo.
Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/panorama-uso-ti-brasil-2022. Acesso em: 27
jun. 2022.
290
Irregular (de 1996-2008); Trimestral (de 2009-2012); Semestral (a partir de 2013). Título
da capa: Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. ISSN 1676-0883. Acesso em: 3 jul.
2022.
Previsões da IDC Brasil para 2021 apontam que o mercado de TIC crescerá 7%.
Disponível em:
https://www.idc.com/getdoc.jsp?containerId=prLA47452221#:~:text=Sobre%20a%20IDC
%3A%20A%20International,telecomunica%C3%A7%C3%B5es%20e%20tecnologia%20d
e%20consumo. Acesso em: 27 jun. 2022.
291
CRISE E RETROCESSO NAS POLÍTICAS E DIREITOS SOCIAIS: opressões da
classe trabalhadora no governo Bolsonaro
1- INTRODUÇÃO
105Assistente Social do Projeto Social Curso Preparatório Luísa Mahin (CPLM). Graduada e Mestranda em
Serviço Social no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Serviço Social (FSS) daUniversidade
Federal de Juiz de Fora. E-mail: joyce.queiroga@hotmail.com –Eixo Temático: Ofensiva ultraneoliberal do
capital e lutas sociais – Política Social, trabalho e questão social: retrocessos e resistências na conjuntura
atual.
292
dominação, opressão e exploração da classe trabalhadora. Partindo dessa concepção o
presente artigo pretende fazer uma breve análise sobre o direcionamento dado a política
econômica do governo atual de Jair Bolsonaro, entendida por muitos autores como de
extrema direita, que tem intensificado as expressões da opressão da classe trabalhadora.
Para isso organizamos o artigo em três momentos. Primeiro realizamos uma breve
contextualização das configurações político-econômicas pré-governos Bolsonaro, no final
do Governo Dilma Rousseff e como o direcionamento das suas políticas levaram ao
processo de impeachment. O segundo momento faremos explanações sobre a
configuração das políticas sociais e econômicas de extrema direita já dentro do governo
de Jair Bolsonaro e como isso influenciou diretamente na maior opressão dos(as)
trabalhadores(as) do país. Finalizaremos como algumas notas conclusivas sobre o tema
sem a pretensão de uma conclusão definitiva sobre o assunto.
293
afetou sua base de sustentação no Congresso e com a queda no crescimento da
economia ampliaram-se os descontentamentos. Os escândalos de corrupção e a forte
defesa da imprensa e dos economistas neoliberais a uma rígida política ortodoxa,
baseada na contenção do crédito, na elevação dos juros e no corte de gastos públicos,
minaram ainda mais o apoio da presidenta.
Dilma conseguiu reeleger-se, mas com o agravamento da crise política e
econômica seu governo perdeu rapidamente a iniciativa política.De acordo com Oreiro e
Paula (2019), com o impeachment veio a transição para uma agenda ortodoxa-liberal,
que apresentava propostas extremamente prejudiciais a classe trabalhadora
294
a classe trabalhadora seguiam as orientações de organismos internacionais, que, em sua
maioria, apresentavam benefícios somente a curto prazo.
Mediante essa breve contextualização, faremos no item seguinte explanações
sobre o aprofundamento das opressões e retrocessos ainda maiores nas políticas
públicas e direitos sociais da classe trabalhadora.
295
governo culminou no golpe em 2016 com seu impeachment, tivemos a intensificação de
dois projetos considerados opostos. O governo de seu então vice-presidente Michel
Temer seguiu um direcionamento aprofundando políticas de cunho mais conservador,
deu andamento as contrarreformas como a Reforma Previdenciária e Trabalhista, a EC –
95 que limita os gastos governamentais em políticas sociais por 20 anos e com a crise
estrutural econômica e política instáveis terminamos em 2018 com a eleição de um
candidato de extrema-direita representante das classes dominantes.
Desde sua campanha eleitoral, o atual presidente Jair Bolsonaro já vem
demonstrando o direcionamento que daria durante o seu governo em relação às
diferentes demandas sociais no país. Segundo Marques (2019) o candidato já
apresentava posições misóginas, machistas, homofóbicas e racistas, defendia a tortura, a
ditadura e outras barbaridades com um direcionamento conservador. O que se deseja
segundo autor é implementar "um projeto ideológico e econômico bem específico, no qual
não há margem para concessões aos movimentos sociais e para o convívio com a
diversidade entre outros aspectos" (MARQUES, 2019, p.13).
A partir de 2019, sob a nova gestão governamental, observamos um grande salto
na destruição da proteção social, das questões ambientais, da reforma agrária, dos
direitos da população indígenas, da população negra, dos LBTQIAP+. A autora Cohn,
traz como exemplos a revisão e redução de benefícios previdenciários e assistenciais;
redução de gastos com a educação e saúde o que afeta diretamente a produção
científica, de tecnologia e meio ambiente; redução de políticas direcionado a produção
cultural; o aumento da população em situação de rua; doenças já consideradas
erradicadas sífilis e sarampo voltam a aparecer com frequência; alto do índice de
desemprego fechando o ano de 2021 com 12 milhões de desempregados (IBGE, 2021),
o Brasil voltando para o Mapa da Fome configurando grande retrocesso nas políticas de
combate à fome.
O projeto político e social do atual governo além retirar recursos materiais usa a
dominação ideológica, alienando a classe trabalhadora em relação aos seus direitos
enquanto cidadãos, objetivando segundo Cohn (2020) retornar aos anos 1960, porém de
forma agravada, rompendo com a solidariedade social mesmo que sejam políticas
direcionada aos extremamente mais pobres.
Castilho e Lemos (2021) colocam que o “bolsonarismo tem implementado como
política oficial a necropolítica, que advém de um domínio autoritário de definir quem deve
morrer e quem merece viver, aprofundando ainda mais a barbárie social contra a classe
trabalhadora” (CASTILHO E LEMOS, 2021,p.269). A Necropolítica, termo trabalhado por
296
Achille Mbembe caracteriza a direção política que vai contra a sobrevivência da classe
trabalhadora, aponta para o extermínio de sujeitos considerados descartáveis ao sistema.
O direcionamento das políticas no atual governo leva ao desmatamento criminoso
da Amazônia, liberação de agrotóxicos contrarreforma da Previdência Social, políticas
repressivas de combate ao crime, redução do orçamento das políticas sociais, cortes de
recursos nas universidades, na ciência, na cultura, incentivo a política armamentista. Não
são elaboradas propostas que tenha como objetivo principal a proteção à vida e contra
miséria. As autoras afirmam que as ações do governo têm a direção de viabilizar a morte,
com enxugamento do Estado brasileiro e elaboração de políticas punitivas contra a
classe trabalhadora configurando o estado de contenção social e penal.
Destacamos as contrarreformas da previdência Social como um dos pontos
principais da “gestão” de Jair Bolsonaro, retirando das às políticas públicas levando um
desmonte da Seguridade Social. Nessa lógica, de uma seguridade social enfraquecida
somada a uma ideologia antiestado presente no governo de Bolsonaro fragiliza ainda
mais o que restou do sistema de proteção social. Em apenas vinte e seis meses de
governo a destruição implementada pelo Estado, que constitucionalmente tem o dever de
financiar e implementar políticas de proteção social, revela a agudeza do
ultraneoliberalismo e genocídio perpetrado pelo Estado: a necropolítica (CASTILHO E
LEMOS, 2021, p.274)
As autoras ainda trazem alguns exemplos de práticas do atual governo como o
Auxílio Emergencial, recurso financeiro emergencial destinados às famílias em situação
de maior vulnerabilidade social e econômica mediante a pandemia do novo Coronavírus
(COVID-19). É sabido que a pandemia afeta de forma mais cruel a classe trabalhadora
que se encontra em piores condições de vida, acesso precário ao sistema de saúde, alto
índice de desemprego, moradias precárias e alimentação insuficiente, além de outros
direitos sociais negados. Ao recorrer a esse benefício, que já é muito pouco diante do
custo de vida para se suprir as necessidades básicas, apresentou grande dificuldade
para o acesso, processos lentos de análises, recusa de avaliação, grande espera para o
recebimento, além de ficar mais evidente o não acesso à tecnologia de grande parte da
classe trabalhadora. Na saúde continua o processo de sucateamento dos serviços, e a
partir da aprovação da Emenda Constitucional 95 a situação foi agravada acelerando o
desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Uma de suas primeiras ações foi o
cancelamento do Programa Mais Médicos que mesmo com seus problemas de
planejamento e execução, atendia em torno de 700 municípios em áreas isoladas.
297
As políticas de privatização do Estado, as terceirizações, contrarreformas
trabalhistas e previdenciárias, o desemprego em massa e o crescimento do trabalho
informal, sucateamento da saúde, da educação, a propagação de um senso comum da
ineficiência do serviço público e de seus servidores, mercantilização dos direitos sociais,
a questão social sendo naturalizada, a legitimação da violência estrutural e racial leva
direta e indiretamente ao extermínio da classe trabalhadora.
4- NOTAS CONCLUSIVAS
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
298
COHN, Amélia. As Políticas de Abate Social no Brasil Contemporâneo. Lua Nova, São
Paulo, 109: 129-160, 2020. Disponível em
https://www.scielo.br/j/ln/a/Y3jzjrjsLPLS9QfRhnC3kvG/?lang=pt. Acesso em 20 de março
de 2022
FÉLIX, P.R. Cidadania e Capitalismo: uma análise a partir da crítica marxista do direito.
R. Praia Vermelha, Rio de Janeiro, v.29, n. 1 (especial), p. 13-38, 2019. Disponível em
https://revistas.ufrj.br/index.php/praiavermelha/article/view/14324. Acesso em outubro de
2021
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Revista de Saúde Coletiva • Disponível em
http://obsestadosocial.com.br/literatura/estado-de-bem-estar-social-padroes-e-crises/ .
Acesso em 14 de dezembro de 2021
VIANNA, M.L.W. Parte III - O estado de bem-estar no contexto atual Política versus
economia: notas (menos pessimistas) sobre globalização e Estado de bem-estar.
Disponível em: http://books.scielo.org/id/8fmv5/pdf/gerschman-9788575413975-11.pdf
Acesso em 14 de dezembro de 2021
299
FOME, TRABALHO E QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL: Desafios e retrocessos em
tempos pandêmicos
1- INTRODUÇÃO
A atual pandemia da COVID-19 tem gerado grandes desafios para o Brasil e para
toda a economia mundial. A crise econômica instaurada tem impactado principalmente o
106 Advogado. Doutorando em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC. E-mail:
danielpitzz@gmail.com
107Professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Professora colaboradora no
Programa de Pós-graduação em Serviço Social, UFSC. Doutora em Educação pela Universidade Federal de
Minas Gerais. E-mail: robertatraspadini@gmail.com
300
mundo do trabalho, intensificando as desigualdades históricas de nosso país por meio do
aumento da fome, do desemprego, expondo a situações de risco a classe trabalhadora e
limitando ainda mais os serviços essenciais.
O objetivo geral deste trabalho é refletir sobre a fome e a superexploração da força
de trabalho como particularidades da expressão da questão social no Brasil.
De fato, a fome e a superexploração da força de trabalho correspondem a
características estruturais da nossa sociedade, sendo produto da luta de classes, afinal,
ambas se relacionam à expropriação dos direitos da classe trabalhadora.
O mercado de trabalho brasileiro é heterogêneo e possui um alto índice de
informalidade que soma um total de mais de 38 milhões de pessoas, representando mais
da metade da força de trabalho em onze estados brasileiros (RUBINSTEIN, 2020). Na
América Latina, os trabalhadores informais tiveram uma perda média de 81% de
rendimento na pandemia, a impactar diretamente o aumento da fome, da pobreza e das
desigualdades. Logo, a garantia de uma renda básica a esses trabalhadores é
fundamental ao combate à pandemia, à miséria e para garantir, minimamente, a proteção
aos seus direitos humanos e fundamentais (SILVA, 2020).
A atuação do governo brasileiro na pandemia tem se baseado principalmente em
medidas para responder à crise direcionada ao interesse burguês, ou seja, ao benefício
de grandes empresários para a suspensão dos contratos de trabalho, redução salarial
etc. Pouco é oferecido para as políticas voltadas para a sobrevivência da classe
trabalhadora.
Portanto, parte-se do entendimento que a questão social e os seus
desdobramentos, como a fome e a superexploração da força de trabalho, ocorrem não
somente pela falta, mas pela sua forma de consumo, sendo essenciais para a reprodução
do capitalismo.
A metodologia aplicada a este trabalho foi a pesquisa bibliográfica e a técnica de
abordagem qualitativa. Portanto, utiliza-se a literatura relacionada com a temática com a
finalidade de fundamentar a sua análise.
2- DESENVOLVIMENTO
301
que representam a maioria entre os pobres e os trabalhadores informais no país
(COSTA, 2010).
É imprescindível que façamos uma análise de conjuntura sobre essa situação,
entenda o processo de formação social brasileira, que em suas estruturas traz marcas
profundas de desigualdades ainda não enfrentadas e tampouco superadas.
Ademais, percebemos que a atual gestão catastrófica de Bolsonaro no combate a
pandemia da Covid-19 tem prejudicado diretamente diversos trabalhadores,
principalmente os informais que representam mais de 50% da população, tentando
suportar todas as incertezas desse período junto a recorrente repressão do próprio poder
público(SILVA, 2020).
Apesar do auxílio emergencial ter garantido, mesmo que de forma inédita e
temporária, um mínimo de dignidade e subsistência para essa população, a realidade
brasileira é que muitos passaram por dificuldades tecnológicas para se cadastrarem e
terem acesso ao benefício. Além disso, diversos trabalhadores de aplicativo e
ambulantes também tiveram seu benefício negado ou foram excluídos compulsoriamente,
propagando uma lógica higienista pelo governo (COSTA, 2020).
Nesse seguimento, o governo federal se abstém de debates sobre a pauta histórica
da renda básica universal, reanimado pelo contexto de pandemia, pelo pretexto de
aumento da crise econômica no período pós-pandêmico. No entanto, permanece urgente
a preservação da ótica dos direitos fundamentais, sendo a renda básica universal uma
possibilidade de ampliação da cidadania para além da formalidade, garantindo uma
estabilidade mínima aos trabalhadores cuja rotina diária é essencial para a sua
sobrevivência e de sua família (SILVA, 2020).
Portanto, é necessário políticas públicas efetivas e abrangentes que atendam
diretamente todos esses trabalhadores atingidos no Brasil, que identifique a realidade de
cada grupo social para organizar e implementar programas de combate a fome, a renda
básica, moradia social e promoção de trabalho e renda sustentáveis, sempre seguindo na
direção para que os trabalhos sejam emancipatórios (SILVEIRA, 2020).
É necessário entender que dentro da ótica capitalista, o trabalho se apresenta não
como um dignificador da vida, mas sim como forma de exploração da classe
trabalhadora, principalmente em países com fortes estruturas desiguais e com
determinantes históricos de profunda desigualdade social como o Brasil (ANTUNES,
2018).
Os Estados latino-americanos, como o Brasil, não buscam mecanismos para alterar
a desarmonia entre os valores de seus produtos exportados, buscando suprimir essa
302
perda apenas através da ampliação da exploração do/a trabalhador/a. Logo, a América
Latina auxiliou nitidamente o aumento de mais-valia e da taxa de lucro nos países
industriais, resultando em implicações totalmente distintas e rigorosamente opostas à
realidade desses países (MARINI, 2005).
Se observarmos as explicações de Williams (2012) e Cueva (1983) percebemos
que o Brasil, como outras colônias latino-americanas e caribenhas possuem uma
dependência econômica proveniente do monopólio comercial, bem como uma
dependência política e cultural.
Frisa-se que a dinâmica de nossa dependência é baseada na superexploração da
força de trabalho como forma de compensar a transferência de valor para os Estados
centrais. De fato, a nossa dependência hoje é mantida e perpetuada pelo capitalismo
global, se aprofundando por meio das contrarreformas e das expropriações realizadas
pelo Estado.
É importante mencionar sobre a superexploração do trabalho pois é uma
característica estruturante da economia capitalista dependente brasileira, contribuindo
para o entendimento sobre as particularidades da política social e sobre o processo
histórico da luta de classes em nosso país. Afinal, historicamente o método operado pelo
Estado dependente é inclinado a rejeição e exclusão da classe trabalhadora, preservando
essa lógica de superexploração, limitando totalmente o impacto das políticas sociais e
impossibilitando qualquer chance de rompimento com a imensa desigualdade e da
participação democrática em nosso país.
A propensão do Estado monopolista é justamente afastar a classe trabalhadora dos
espaços decisórios, a partir da concentração de poder pela burguesia e da simulação da
democracia na América Latina. Desse modo, a política social em nosso país, originada
pela luta da classe trabalhadora, refletirá suas limitações a partir dessa própria luta que é
consumida pela dominação econômica e política dos Estados monopolistas e pela
manutenção desse Estado ao se estabelecer essa dominação e desigualdade como
padrões normais de sociabilidade (FERNANDES, 2006).
Além disso, é importante destacar que se observamos a relação da questão social
com o sistema capitalista, vemos que há processos estruturais que sustentam as
desigualdades e as divergências que formam a questão social. É sob o contexto de fome,
desemprego, subempregos e pauperismo da classe trabalhadora que se manifestam
dimensões urgentes da questão social, afinal, “a prosperidade do capital e a força do
Estado estão enraizadas na exploração do trabalhadores do campo e da cidade” (IANNI,
1989, p. 147).
303
De fato, o desenvolvimento da sociedade do capital se favorece diretamente das
condições hostis sob ao qual a classe trabalhadora encontra-se forçada a produzir.
Justamente nessa sociedade que busca o crescimento econômico se desenvolve as
desigualdades que formam a questão social (IANNI, 1989).
No documentário “História da Fome no Brasil”, realizado pela Organização das
Nações Unidas (ONU) em 2019, percebe-se nitidamente como a fome é uma expressão
da questão social em nosso país e como o modo de produção capitalista contribui para a
sua sustentação. Afinal, as formas de produzir e reproduzir o capital contribuem para o
privilegiamento da burguesia, tendo ela prioridade no acesso direto a água, terra,
sementes e na distribuição de alimentos. Portanto, é essencial a compreensão da
discussão teórica acerca da fome, enquanto expressão da questão social, para termos
um pensamento crítico acerca das suas políticas públicas de enfrentamento e não
acharmos que os programas sociais irão solucionar problemas estruturais da sociedade
do capital (ONU, 2019).
A materialidade da fome, potencializada pela pandemia da COVID-19, pode ser
observada no estudo realizado pela Rede Penssan sobre a insegurança alimentar em
2020:
Do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões conviviam com algum
grau de Insegurança Alimentar e, destes, 43,4 milhões não tinham alimentos em
quantidade suficiente e 19 milhões de brasileiros(as) enfrentavam a fome (REDE
PENSSAN, 2021, p. 35).
304
É importante compreendermos que mesmo antes da pandemia a insegurança
alimentar já fazia parte da realidade de grande parte da classe trabalhadora brasileira,
seja ela leve, moderada ou grave. O privilégio da burguesia sempre preponderou em
nosso país e não foi alterado nestes anos de pandemia.
Frisa-se que a fome, a pobreza, a superexploração da força de trabalho etc. são
expressões da questão social que atravessam a vida da classe trabalhadora e com os
quais os/as assistentes sociais e outros profissionais esbarram habitualmente na sua
prática profissional. Logo, partimos da óptica que a questão social é um elemento central
na relação entre profissão e realidade. Ao inseri-la como referência para a ação
profissional vislumbra-se a divisão da sociedade em classes, cuja apropriação da riqueza
socialmente produzida é totalmente diferenciada (YAZBEK, 2001, p. 33).
A questão social se transforma e se reorganiza, porém se mantém
substancialmente a mesma por se referir a uma questão estrutural, que não se soluciona
numa formação econômico social por natureza excludente. Percebe-se que no cenário
atual, vemos novas expressões da questão social com impactos enormes sobre o
trabalho, gerando perdas no nosso sistema de proteção social (YAZBEK, 2001, p. 33).
É importante ressaltar também que a política neoliberal, sobretudo a partir dos anos
de 1990 no Brasil, impulsionou a ideia de refilantropização estabelecendo um “amparo
moral que visa a ajuda ao necessitado”, não se criando direitos e se despolitizando os
padrões de proteção social. Logo, o crescimento do terceiro setor traz respostas
privatistas à questão social, sendo autenticado pelo neoliberalismo (YAZBEK, 2001, p.
37).
Ao se instituir a política neoliberal é consolidado a dissociação entre mercado e
direitos, aprofundado a cisão entre o econômico e o social, separado a acumulação da
produção, instalado desregulamentações públicas, reiterado desigualdades” e
estabelecido uma conformação despolitizada de abordagem da questão social (YAZBEK,
2001, p. 38).
De fato, os limites e as possibilidades da ação estão postos na prática cotidiana.
São limites de várias ordens, mas, principalmente limites de ordem estrutural, postos pelo
próprio sistema capitalista. Estamos em um terreno de disputa em que o desafio é
reinventar mediações capazes de articular a vida social da classe trabalhadora com o
mundo público dos direitos e da cidadania.
305
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
306
https://www.brasildefato.com.br/2020/07/07/mesmo-atendendo-requisitos-trabalhadores-
tem-auxilio-emergencial-negado. Acesso em 7 maio 2022.
IANNI, Octavio. A questão social. Revista USP, 1989. p.145-154. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/25490/27236. Acesso em: 05 mai. 2022.
RUBINSTEIN, Licia. País tem 11 estados com mais de 50% na informalidade, que
‘sustenta’ o emprego. Rede Brasil Atual. 14 fev. 2020. Economia. Disponível em:
https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/02/pais-tem-11-estados-com-mais-de-
50-na-informalidade-que-sustenta-o-emprego/. Acesso em: 13 ago. 2020.
307
WILLIAMS, E. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
308
A POLÍTICA MUNICIPAL PARA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM BELO
HORIZONTE: uma proposta de análise dos anos de 2017 a 2022
1- INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata-se de uma intenção de pesquisa, que ainda está na fase
inicial de desenvolvimento através do Programa de Mestrado em Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ. O tema é a Política Municipal para
População de Rua em Belo Horizonte, em que se pretende analisar sua estrutura e
organização, a partir da publicação decreto municipal 16.730 de 28 de setembro de 2017,
108Assistente Social, Mestranda do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UERJ- Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, olgainah@gmail.com. Eixo temático: Ofensiva ultraneoliberal do capital e lutas
sociais: Política Social, trabalho e questão social: retrocessos e resistências na conjuntura atual
309
que institui a Política Municipal Intersetorial para Atendimento à População em Situação
Rua, em que a Prefeitura Municipal assume compromissos intersetoriais de atendimento
a este público, como: garantia de ações de saúde, assistência social, trabalho e renda,
educação, segurança alimentar e nutricional, dentre outros.
A pesquisa a ser realizada será de caráter exploratório, de natureza qualitativa.
Pretende-se realizar entrevistas semiestruturadas, com gestores e movimentos sociais
participantes da construção do decreto municipal e do Comitê de Monitoramento e
Avaliação da Política Municipal para População de Rua; análise documental de portarias,
decretos, notas técnicas referente ao atendimento à população em situação de rua no
município em questão e pesquisa bibliográfica.
2- DESENVOLVIMENTO
310
uma delas é estruturante: “a formação de uma superpopulação relativa sobrante, que não
é absorvida pelo mercado de trabalho” (SILVA, 2011, p. 204). Destaca também que este
fenômeno acontece com maior incidência nos grandes centros urbanos, espaço onde
circula mais facilmente, o capital.
A partir deste marco conceitual, Silva (2011) apresenta sua pesquisa, em que se
destaca alguns elementos, entre eles: a faixa etária da população, que varia de 25 a 55
anos, ou seja, as pessoas estão em idade produtiva. Outro ponto relevante apontado pela
autora, é que as pesquisas realizadas a partir de 2000, apresentam o fato de que grande
parte das pessoas em situação de rua são do próprio município em que permanecem nas
ruas, ou de cidades próximas, o que para a autora se relaciona com o desemprego e
reafirma a característica urbana do fenômeno.
Tiengo (2018) assim como Silva (2011) ressaltam o fenômeno de população em
situação de rua e sua relação direta com a sociedade capitalista, resgatando
conceituações marxianas. Desta forma, tendo como base a Lei Geral de Acumulação
Capitalista109, traz a vinculação do fenômeno da população em situação de rua ao
processo de acumulação do capital e consequentemente, da pauperização e miséria da
classe trabalhadora.
A Lei Geral de Acumulação Capitalista, é de acordo com Netto (2010) objeto
central para a “questão social”, que por sua vez está inscrita no cerne da relação entre
capital x trabalho, na exploração da classe trabalhadora e na luta de classes.
As respostas do Estado para o enfrentamento da “questão social” é fundamental
para o surgimento e desenvolvimento das políticas sociais.
Behring e Boschetti (2011) evidenciam que o surgimento e o desenvolver
das políticas sociais não podem ser analisados de maneira unilateral, pois seria
insuficiente para a compreensão da sua formação. Estas, por sua vez, precisam ser
consideradas sob vários fatores, entre eles políticos, econômicos e sociais. Para tanto,
apontam o campo contraditório da política social, que se constituiu uma resposta do
Estado para garantir a sua hegemonia, e possuem funcionalidade para reprodução e
109De acordo com Marx (2017) a Lei Geral da Acumulação Capitalista diz respeito ao processo de
acumulação do capital na mesma medida em que se aumenta o proletariado. Este processo por sua vez, se
dá por meio da valorização do capital, que diz respeito à parcela do valor do trabalho não pago/ não
repassado ao trabalhador e acumulada pela classe capitalista, que por sua vez se transforma em capital. A
acumulação, se dá, portanto, por meio da exploração do trabalho e extração da mais valia, absoluta ou
relativa, que é o seu elemento constitutivo. Esta extração cada vez maior de lucro (advindo da mais-valia)
permite o desenvolvimento das forças produtivas e por conseqüência permite que uma quantidade menor de
trabalhadores produza uma quantidade maior de produtos, conforme já abordado na conceituação da
superpopulação relativa. A partir deste fato, há uma alteração na composição técnica do capital,
principalmente do capital variável, ou seja, segundo Marx (2017) há um aumento da massa dos meios de
produção comparada à massa da força de trabalho.
311
acumulação no sistema capitalista, ao reduzir custo da força de trabalho, mantendo
índices de consumo, ao mesmo tempo em que respondem às pressões, demandas e
necessidades sociais da classe trabalhadora organizada, não deixando, porém, de ser
utilizada enquanto estratégia de cooptação desta classe social. (BEHRING; BOSCHETTI,
2011)
Corroborando com a mesma perspectiva, Iamamoto e Carvalho (2007) apontam
que ao incorporar as lutas sociais da classe trabalhadora por melhores condições de
trabalho e vida, o Estado através da sua classe dirigente, a burguesia, incorpora parte de
seus interesses como estratégia de legitimação do modo de produção capitalista e da
institucionalização das lutas sociais, esvaziando-as assim de um caráter de rompimento
com o sistema. Yazbek (2015) aponta ainda que, ao mesmo tempo em que as políticas
sociais possuem características funcionais a este modo de produção, correspondem, em
certa medida, a incorporação de demandas históricas das classes subalternizadas.
Neste sentido, Iamamoto e Carvalho (2007) em acréscimo aos pontos já
mencionados, enfatizam que estas se caracterizam enquanto estratégias do capital de
socialização dos custos de reprodução social do segmento da classe trabalhadora. O
capital ao não garantir um salário que corresponda ao suficiente para suprir as
necessidades sociais, lança mão das políticas sociais com forma de salário indireto ou
complementação deste, na “garantia” da reprodução da classe trabalhadora, dividindo
para o conjunto da sociedade os seus custos, através das ações realizadas pelo Estado.
Ou ainda, repassa ao Estado à responsabilidade de manutenção da superpopulação
relativa110 ou o chamado exército industrial de reserva.
Ainda sobre o referencial de Behring e Boschetti (2011), no que se refere ao
surgimento das políticas sociais tal qual são conhecidas atualmente, é importante a
localização das primeiras experiências, pós Segunda Guerra Mundial, que deram início a
um processo na história, em que se instala em alguns países do capitalismo central, o
chamado “Estado de Bem-estar Social”, ou como assim nomeia posteriormente, Boschetti
(2016), o Estado Social Capitalista. As primeiras experiências com políticas sociais
tiveram origem na Alemanha, a partir da ideia de Seguro Social obrigatório, que consistia
110De acordo com Marx (2017) a superpopulação relativa está diretamente vinculada ao processo da Lei
Geral da Acumulação do Capital, a partir do crescimento excessivo da massa trabalhadora ao mesmo tempo
em que não ocorre o mesmo crescimento nos meios de ocupação, há assim, a existência de grandes massas
que estão subitamente disponíveis para serem alocadas, ou seja, há transformação de parte da população
trabalhadora em mão de obra desempregada ou semi desempregada, que se constitui como superpopulação
relativa ou exército industrial de reserva. A partir do investimento nos meios de produção desenvolve- se
métodos que diminuem a quantidade de trabalhadores necessários para criação de determinados produtos,
ocorre então a exploração extensiva ou intensiva das forças de trabalho individuais. Cresce, portanto, a força
produtiva do trabalho e há o aumento de trabalhadores não empregados.
312
no pagamento de empregado e empregador de um determinado valor e que garantiam,
posteriormente, o acesso a auxílios relativos ao trabalho. Este período demarca a
passagem de um Estado mais liberal para um mais intervencionista.
Boschetti (2016) nos aponta que ao longo do desenvolvimento do capitalismo, a
questão dos capacitados x incapacitados para o trabalho sempre foi ponto central para a
formatação da política social. Garantir a manutenção de indivíduos incapacitados para o
trabalho e a reprodução da força de trabalho, assegurando a capacidade de trabalhar de
homens e mulheres, através de regulação de salários é segundo a autora, umas das
funções do Estado Social Capitalista. Este fato gera uma tensão constante entre trabalho
e assistência, inclusive esta última atua como uma forma de “mediar à reprodução da
superpopulação relativa” (Boschetti, 2016, p. 89), conceituação esta que abordaremos
adiante.
Netto (2011) ao discorrer sobre o método em Marx também nos faz apontamentos
sobre concepção histórica do objeto de pesquisa e reafirma que ao estudar teoria social
não estamos abordando “coisas acabadas”, mas de um conjunto de processos, para
tanto é necessário compreender as instituições sociais como produtos históricos.
Para a construção que aqui se pretende fazer, é necessário destacar o processo
de contrarreforma ocorrido no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), processo
este que possui rebatimentos diretos na política social no Brasil na atualidade. Neste
período, destaca-se as privatizações, o sucateamento da Seguridade Social e
flexibilização das relações de trabalho (BEHRING, 2008).
A partir das reflexões desta autora, no que se refere a redefinição do papel do
Estado, este foi marcado a privatização, pelo entreguismos de empresas públicas para o
capital estrangeiro, mas também teve fortes rebatimentos na Seguridade Social, atingindo
inclusive conquistas previstas na Constituição. Como consequência, ocorre a focalização
das políticas públicas, transformando as mesmas, em ações pontuais e compensatórias,
destinadas somente para aqueles que não poderiam acessar através da iniciativa
privada, reafirmando a concepção de uma política pobre para os pobres, em que se
evidencia o estímulo aos planos de saúde e convênios, comprometendo a lógica da
universalidade do SUS, além das reformas na previdência social. Calca-se assim,
conforme nos aponta Mota (2010), a ideia do cidadão-consumidor, aquele que pode
pagar para acessar determinados bens e serviços e o cidadão-pobre, que acessaria por
via da esfera pública, este último, público da assistência social.
Ainda no que concerne à assistência social, Mota (2010), elucida que diante da
focalização das políticas sociais nos pobres, ou ainda na extrema pobreza, inclusive
313
através da privatização da saúde e da previdência social, a assistência social assume
centralidade na política de Seguridade Social, por meio dos seus benefícios de
transferência de renda, o que responde inclusive às orientações dos mecanismos
internacionais, como FMI e Banco Mundial (NETTO, 2010; MOTA, 2010).
Mota (2010), a partir de estudos sobre a Seguridade Social nas décadas de 90 e
2000, alerta que é importante correlacionar esta centralidade ao processo ideológico das
classes dominantes, que ao subordinar o Estado aos seus interesses, constrói a narrativa
de um novo modo de enfrentamento à questão social e, portanto, ao pauperismo,
deslocando as bases de sua compreensão na exploração do trabalho e na acumulação
de riquezas, para perspectivas que dão ênfase à ideia de “excluídos’ socialmente,
desfiliados da proteção social do Estado.
Neste sentido, segundo a autora, enquanto aparato ideológico cabe à política de
assistência social, através da garantia de renda e de acesso ao consumo, a tarefa de
“incluí-los”. Destarte, a política de assistência social se transforma em um fetiche, no
principal instrumento de enfrentamento à desigualdade social e à pauperização relativa.
Transforma-se em um mito e contribui para o apassivamento da questão social. (MOTA,
2010)
Ao refletirmos sobre a esfera municipal, é importante ressaltar o pioneirismo de
Belo Horizonte na execução de uma política para população em situação de rua,
conforme nos aponta Reis Junior (2012), a capital mineira foi a primeira metrópole a criar
um programa municipal, em 1993, o “Programa da População em Situação de Rua”
através da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, além de fomentar a criação
do Fórum Municipal para População em Situação de Rua. O autor ainda destaca, que o
Centro de Saúde Carlos Chagas, localizado na região central da capital, foi o
equipamento em saúde em que se executou a primeira equipe de saúde da família no
Brasil com atendimento voltado exclusivamente para pessoas em situação de rua.
Atualmente, segundo o site institucional da Prefeitura de Belo Horizonte, a capital
oferta 17 serviços socioassistenciais destinados a este público111. Ademais, ao longo
destes anos houve esforços de reordenamento e parametrização destes serviços, como
se pode observar na Resolução CMASBH nº 030, de 13 de dezembro de 2017.
Dos marcos regulatórios importantes, identifica-se o Programa Estamos Juntos,
instituído pela lei municipal Nº 11.149, que prevê o desenvolvimento de ações de
314
inclusão produtiva tanto pela Subsecretaria de Assistência Social, quanto pela Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Econômico, ações como intermediação de mão de obra e
qualificação profissional. O programa “Estamos Juntos”, portanto, nos permite analisar a
compreensão do executivo municipal sobre a inserção da população de rua no mundo do
trabalho, além de possibilitar a análise da relação de tensão entre trabalho e assistência
social, conforme já explicitado no presente trabalho.
No concernente à política urbana, em 2017, foi instituída portaria conjunta com
diversas outras áreas, incluindo assistência social, em que se estabelece diretrizes para
atuação de agentes públicos com a população em situação de rua no que se refere à
ocupação do espaço público. A disputa pelo espaço urbano e consequentemente o direito
à cidade é constantemente negado a este público e medidas de caráter coercitivo foram
fundantes no início do desenvolvimento das políticas sociais, como por exemplo, a Lei
dos Pobres, o trabalho forçado e as workhouses (casas de trabalho), nas primeiras
legislações sociais que visavam o combate à mendicância, conforme nos relembra
Behring e Boschetti (2011).
3- CONCLUSÃO
Estes são somente alguns elementos que podem ser observados diante de uma
pesquisa preliminar as orientações e publicações da Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte.
Isto posto, este trabalho por se tratar de uma pesquisa ainda em desenvolvimento,
parte-se de duas hipóteses a serem confirmadas ou refutadas pelo o estudo. A primeira
hipótese é de que a política de assistência social no município de Belo Horizonte assume
uma centralidade nas ofertas destinadas a pessoas em situação de rua, caracterizando-a
assim, como a principal estratégia do poder público municipal no enfrentamento a esta
expressão da “questão social”. Assume, portanto, a função de mediadora de acesso às
demais políticas setoriais, atuando como mecanismo integrador das demais políticas
públicas. Neste sentido, corrobora-se com os apontamentos realizados por Mota (2010)
ao discutir a Seguridade Social Brasileira.
Como segunda hipótese, supõe-se que a maioria dos serviços são executados por
meio de parcerias com o terceiro setor, organizações sociais, fator que influencia
significativamente na organização da política e no papel do poder público municipal.
315
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Governo Federal. Dados Cadastro Único. Belo Horizonte. CECAD- MC.
Disponível em:
https://cecad.cidadania.gov.br/agregado/resumovariavelCecad.php?uf_ibge=31&nome_e
stado=MG+-+Minas+Gerais&p_ibge=3106200&nome_municipio=Belo+Horizonte&id=44.
Acesso em 01 de março de 2021.
316
Sociais e Serviço Social no Brasil: : esboço de uma interpretação teórica-metodológica.
21. ed. São Paulo: Cortez, 2007. Cap. 1 e 2. p. 29-121.
MARX, Karl. A lei geral da acumulação capitalista. In: MARX, Karl. O Capital: livro I. 2.
ed. São Paulo: Boitempo, 2017. Cap. 23. p. 689-770.
YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. 8ª ed. São Paulo,
Ed. Cortez, 2015.
317
MULHERES EM CÁRCERE
Resumo:
O presente artigo objetiva analisar a conjuntura do
aprisionamento de mulheres no Brasil, especialmente do
estado de São Paulo. Pretendo apontar as principais
características da população prisional feminina, visando os
determinantes sociais e históricos que marcam estas
mulheres. Abordamos a análise dos programas de
ressocialização ofertados pelo Estado, buscando
compreender em qual momento a instituição promove a
emancipação da mulher como forma de romper este
processo que (re)produz as expressões da Questão Social
antes de seu cárcere. Apresentarei dados da seletividade do
sistema punitivo, onde mulheres pretas eempobrecidas
estão no eixo central do sistema de controle do Estado.
PALAVRAS CHAVES: encarceramento de mulheres;
questão social; emancipação social.
Abstract:
This article aims to analyze the situation of the imprisonment
of women in Brazil, especially in the state of São Paulo. I
intend to point out the main characteristics of the female
prison population, aiming at the social and historical
determinants that mark these women. We approach the
112 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” - UNESP/Franca;
Especialista em Atendimento Psicossocial a Vítimas de Violência (Psicologia, UFSCAR); Mestranda em
Serviço Social no Programa de Pós Graduação da Unesp/ Franca sob a orientação do Professor Dagoberto
José Fonseca.
113ProfessorLivre Docente em Antropologia Brasileira pela Faculdade de Ciências e Letras-UNESP-Campus
318
analysis of the resocialization programs offered by the State,
seeking to understand at what moment the institution
promotes the emancipation of women as a way of breaking
this process that (re)produces the expressions of the Social
Question before their imprisonment. I will present data on the
selectivity of the punitive system, where black and
impoverished women are at the center of the state control
system.
KEY WORDS: incarceration of women; social issues; social
emancipation.
1- Introdução
Hannah Arendt, em “A condição Humana”, desmistifica o espaço privado como
sendo o retrato da intimidade, colocando a privacidade em oposição ao espaço público, de
embates políticos, ao expor que privado, em seu entendimento original significa privação,
ou seja, de ser privado de sua própria existência.
Seguindo esta compreensão, permite-se identificar a evidente invisibilidade daquela
pessoa que fica confinada ao espaço privado, porque não é vista pelos outros e que por
mais que se esforce, é desprovida de interesse por estes outros. Investigando de que
maneira ocorreu o confinamento da mulher ao espaço privado, verifica-se que as
diferenças biológicas serviram como fundamento para a naturalização da divisão dos
papéis sociais desempenhados por homens e mulheres.
Transformações relevantes nas estruturas das formações sociais ocorreram da
compreensão dos mecanismos concebidos que alteraram fatores naturais em processos
culturais compostos pelos grupos sociais que levaram à metamorfose de machos e fêmeas
em homens e mulheres (MIYAMAMOTO, 2020).
Nesta perspectiva de entendimento da realidade social através da categoria de
gênero, partimos da percepção que os papéis e significados de masculino e feminino são,
de fato, engendrados pelas escolhas socioculturais e não pelo seu destino biológico.
O patriarcado configura-se em um tipo hierárquico de relação, que invade todos os
espaços da sociedade, tem uma base material, corporifica-se, por fim, representando uma
estrutura de poder baseada tanto na ideologia quanto na violência (SAFFIOTI, 2004).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, ele maximiza as relações de dominação
e de poder exercido pelo homem em relação à mulher, assim indica os estereótipos em
relação às mesmas, de sua suposta inferioridade intelectual e cognitiva, de sua instituída
319
dependência emocional, social e econômica ao homem, de seu confinamento ao espaço
privado e ao seu destino biológico reprodutivo e de sua suposta aversão à política
(SAFFIOTI, 2004).
Por sua vez, o sistema político econômico desenvolve estratégias deliberadas de
manutenção da ordem pública e assim, ratifica a conservação das classes, revelando as
desigualdades sociais, deste modo, produzindo mecanismos invisíveis e eficientes de
controle social.
Segundo Borges, vivemos em uma sociedade marcada pela lógica hoje neoliberal e
desde sua fundação, racista e com desigualdade de gênero. São opressões estruturais da
constituição de uma sociedade que surge, para o mundo ocidental, pela exploração
colonialista e ainda marca, em todos seus processos, relações e instituições sociais, as
características da violência, a usurpação, a repressão e o extermínio daquele período
(BORGES, 2000).
A institucionalização das cadeias e prisões no Brasil ocorreu no final do
VXIII através da Carta Régia de 8 de julho de 1796 e as primeiras prisões públicas foram
construídos a partir de 1850 (Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 2022) e eram consideradas como
estabelecimentos de grande importância dentro do sistema punitivista, funcionando como
local para manter as pessoas presas até o momento de serem julgadas ou para as que
aguardavam a execução de sentenças.
Dessa forma, formou-se o alicerce para a criação de locais disciplinadores, visando
produtividade e dominação, tais como os conventos, quartéis, escolas e hospícios,
entendidos como instituições totais, a prisão, segundo Goffman, também seria um
“...local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com
situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável
período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.”
(GOFFMAN, 1999, p. 22).
320
que se revissem, criticamente, os dois tipos correntes de abordagem dos problemas
femininos (SAFFIOTI, 2013, p.40).
Uma sociedade patriarcal aliada aos interesses da ideologia capitalista para refletir
sobre novas perspectivas de emancipação da mulher encarcerada no sistema prisional. As
políticas públicas de ressocialização da mulher encarcerada devem oportunizar o seu
ingresso ao mercado de trabalho em atividades e competências que possam de fato
promover a sua emancipação social.
Segundo Iamamoto, o regime capitalista de produção é tanto um processo de
produção das condições materiais da vida humana, quanto um processo que de
desenvolve sob relações sociais –histórico –econômicas – de produção específicas. Em
sua dinâmica, produz e reproduz seus expoentes: suas condições materiais de existência,
as relações contraditórias e formas sociais através das quais se expressam (IAMAMOTO,
in TEMPORALIS/Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social 2001).
2- Desenvolvimento
114As 22 unidades femininas estão divididas em 11 Penitenciárias (02 Centros de Progressão Penitenciária
(CPP), 01 Centro de Detenção Provisória (CDP), 05 Centros de Ressocialização (CR), 01 unidade de Regime
Disciplinar Diferenciado (RDD) e 02 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátricos (masculino e feminino)
e 01 Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário também masculino e feminino. (www.sap.sp.gov.br).
321
As mulheres representam cerca de 6% do total de pessoas encarceradas no país e
no Estado de São Paulo 4,1% do total de presos, segundo os dados divulgados pelo
Infopen (Informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro).
O perfil das mulheres encarceradas revela as condições de vulnerabilidade sociais
e, em muitos casos, de miséria, resultado de processos de exclusão direitos sociais
anteriores ao aprisionamento.
“... isto significa que o desafio teórico acima, salienta, ainda, a pesquisa das
diferencialidades histórico –culturais (que entrelaçam elementos de
relações de classe, geracionais, de gênero e de etnia constituídos me
formações sociaisespecíficos) que se cruzam e tencionam na efetividade
social. Em poucas palavras: a caracterização da “questão social”, em suas
manifestações já conhecidas e em suas expressões novas, tem de
considerar as particularidades histórico culturais e nacionais”(NETO, in
TEMPORALIS/Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social. 2001,p 49).
3– Conclusão
A pesquisa assume, assim, um papel decisivo na conquista de um estatuto
acadêmico que possibilita aliar formação com capacitação, condições indispensáveis tanto
a uma intervenção profissional qualificada, quanto à ampliação do patrimônio intelectual e
bibliográfico da profissão, que vem sendo produzido especialmente, mas não
exclusivamente, no âmbito da pós-graduação stricto senso. Apesar da nossa recente
tradição em pesquisa e do viés empirista e epistemologia a que a caracteriza, nota-se uma
significativa expansão dela nos últimos anos e também um significativo avanço na sua
qualidade, a partir da adoção do referencial teóricometodológico extraído da tradição
marxista (GUERRA, 2009).
A metodologia aplicada para condução da presente pesquisa é a histórico-
dialética. Segundo (Gil, 2008)
“Para Marx e Engels, a estrutura econômica (ou infra-estrutura) é a base
sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, à qual
correspondem determinadas formas de consciência social ou ideológica. O
modo de produção da vida material é, portanto, o que determina o processo
social, político e espiritual. Cabe ressaltar, entretanto, que essa relação
infra-estrutura/superestrutura deve ser entendida dialeticamente. Não é
uma relação mecânica nem imediata, mas se constitui como um todo
322
orgânico, cujo determinante é em última instância a estrutura
econômica”(GIL, 2008, p 22).
323
Ressocialização, o que nos permitirá compreender se a instituição está condicionada à
lógica meramente punitivista ou se há a preocupação em garantir direitos.
Pretendemos, portanto, responder as indagações contidas nos objetivos gerais e
confirmar a hipótese de que a gestão do sistema penitenciário no Estado de São Paulo
produz e reproduz as expressões da Questão Social que atravessa a vida das mulheres
encarceradas. Em como elas viviam antes do encarceramento e como e posterior a sua
inserção no sistema prisional.
4 -Referências Bibliográficas
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa em ciências sociais. 6ª ed. São
Paulo: Editora Atlas S. A., 2008.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Pesquisa Qualitativa: Um Instigante Desafio 2. ed. São Paulo:
Editora Veras, 2012.
324
TEMPORALIS/ Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Ano, 2, 3
(jan/jul 2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001.
Sites Institucionais
www.carceraria.org.br/
www.dados.mj.gov.br
www.gmf.tjrj.jus.br/histórico
www.orcamento.planejamento.sp.gov.br/
www.sap.sp.gov.br/
325
TRANSVESTIGÊNERES E PRECARIEDADE DA VIDA: Interseccionalidade,
prostituição e trabalho em realidade interiorana.
Resumo:
Trata-se de estudo de caso, com pesquisa em andamento
que tem por objeto as transvestigêneres trabalhadoras de
sexo. Tal pesquisa pretende analisar o nível de
precariedade da vida, a interseccionalidade das opressões e
a organização da prostituição transvestigênere enquanto
trabalho.
Para isso, analisamos a origem do termo transvestigênere, o
conceito de precariedade da vidae o conceito de
interseccionalidade de gênero, raça, classe e território.
Entrevistamos 6 trabalhadoras sexuais transvestigêneres,
analisaremos o discurso sob a ótica focaultiana e traremos
os resultados dessa pesquisa coma escrevivênciade
Conceição Evaristo, que é o narrar as histórias das suas e
de si.
Palavras-chave: Interseccionalidade, trabalho sexual,
transvestigêneres
Abstract:
Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós Doutor em Políticas Sociais. E-mail:
majodu@gmail.com. Eixo temático: Resistências, Lutas e Internacionalização do Serviço Social.
326
For this, we analyzed the origin of the term transvestigender,
the concept of precarious ness of life and the concept of
intersectionality of gender, race, class and territory.
We interviewed 6 transvestigender sex workers, we will
analyze the discourse from a focaultian perspective and
wewillbring the results of this research with the
“escrevivência” of Conceição Evaristo, whichistonarratethe
stories of theirs and of themselves.
Keywords: Intersectionality, sex work, transvestigenders
1- INTRODUÇÃO
O Brasil é o país que mais mata pessoas transvestigêneres no mundo. Esse dado
alarmante, ressoa nos ouvidos de quem, de alguma maneira se vê atravessado por essa
violência. O fato de viver nesse país nos levou a tentar entender os processos de
precarização da vida das pessoas tranvestigêneres, a interseccionalidade de gênero,
raça, classe e território e a organização do trabalho dessas pessoas em nossa cidade.
É assim que nasce a pesquisa em andamento que subsidia essa comunicação
oral analisando a precariedade da vida e o modo como as opressões se dão sobre os
corpos tranvestigêneres que tem como único modo de sobrevivência a prostituição.
Nas linhas abaixo, ainda que rapidamente procuramos trazer a metodologia
utilizada, nosso referencial teórico analisado e o princípio dos resultados de pesquisa que
subsidiarão a construção de políticas públicas para essa população.
2- DESENVOLVIMENTO
327
transexual e transgênero, que é o termo mais guarda-chuva que a comunidade discute e
não são da nossa comunidade. São da cisgeneridade para nos definir”. (SIQUEIRA,
2021, n. p.)
Assim, em 2015, como surgimento do Prepara Nem, curso pré-vestibular voltado
para a aprovação de pessoas transvestigêneres nos vestibulares, ocorreu o lançamento
do curso em vídeo, que é o primeiro marco onde é usado o termo transvestigêneres118.
Indianarae explica que:
“Se ser travesti no termo mais raiz da palavra quer dizer através da vestimenta,
nós somos além de vestimenta né? Além de vestimenta né... E ainda tem aquela
questão de orientação sexual e tudo isso, não é apenas uma questão de
identidade, não é apenas uma questão de orientação, é apenas uma questão de
não ser do outro, ou seja, dacisgeneridade né? E apenas isso né? E como você
se sente mais confortável. Ser transexual é também através da vestimenta, da
identificação com o gênero oposto e através da genitália. Nós também somos
além genitália, nós somos além gênero, nós somos além dessas questões todas
né? Porque nós, é rompemos com o sistema né? E se transgênero é um termo
guarda-chuva né, mas que também na sua terminologia em transicionar uma
viagem através do gênero, e que também traz a questão da identidade do gênero
oposto. Como eu disse nós somos além disso. Então se nós somos além disto
nós teríamos que criar uma terminologia e a gente poderia unir as três palavras
em uma só para criar uma nova, mas que fosse da nossa comunidade que nos
definesse, mas que ampliasse, que também fosse cômoda para todas as
pessoas né, inclusive não binários, pessoas intersexuais que quisessem usar um
termo. E aí, eu então lancei a palavra transvestigênere né, que é justamente isso
nós somos além, nós somos uma... nós somos uma viagem, nós estamos do
outro lado, nós estamos em transição, nós podemos ir transicionar, transformar,
romper, desconstruir e ver que nada disso mais hoje importa, e voltar tudo
novamente ao início e refazer tudo” (SIQUEIRA, 2021, n. p..).
A visita de Erika Hilton à cidade do Rio de Janeiro teve dois motivos, um, por
conta do surgimento da Casa Nem e o outro, da busca de explicação do significado do
conceito de transvestigênere, que acontece em um bar, na zona norte da cidade do Rio,
junto a Conceição Evaristo. A partir deste momento, elas e várias pessoas começaram a
usar o conceito, na militância e em trabalhos acadêmicos, afirmando que ele foi criado
por ela para o movimento, de nós por nós.
Indianarae pontua que é necessária a contestação, porque esta traz o espaço
para novas vivências, mas também para que possamos pensar sempre se ao defender a
ideia de mulheres e homens trans não estarmos criando uma binariedade de gênero do
lado de cá também. A fim de que possamos mostrar outras mulheridades e
masculinidades, para 35 além da cisgeneridade, pois esta, de alguma maneira, oprime
outres que não tenham a mesma vivência da nossa. Ao analisar o movimento, observa
que se tem uma reafirmação do corpo cisgênero, que é um corpo branco e com uma
118O vídeo pode ser assistido no Facebook no perfil da Casa Nem, disponível em:
<https://www.facebook.com/PreparaNem/videos/1716751091872064>. Acesso em 21 mar. 2022
328
forma definida e com isto questiona o quanto este está reproduzindo de opressões e
cisgeneridade (SIQUEIRA, 2021).
Usamos como referencial teórico para a pesquisa a interseccionalidade dos
conceitos de precariedade da vida da filósofa americana Judith Butler e de
interseccionalidade de raça, gênero, sexualidade e território na visão de Lélia Gonzalez e
Patricia Hill Collins. Nesse sentido procuramos explorar o conceito de precariedade da
vida.
Para Butler essa percepção de que nossos corpos são frágeis e que a qualquer
momento podemos ser mortas pelo capricho de outrem traz medo e traz luto (BUTLER,
2019). Esse luto, permanente na vida de nós, pessoas transvestigêneres, é causado pela
sobrevivência no país que mais mata pessoas transvestigêneres no mundo em números
absolutos. Segundo os dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(ANTRA), o Brasil teve 89 pessoas trans mortas no 1º semestre em 2021, sendo 80
assassinatos, 9 suicídios. Houve ainda 33 tentativas de assassinatos e 27 violações de
direitos humanos (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021).
A ideia da morte aqui é única e exclusivamente a morte por ousar ser um corpo
ininteligível, abjeto, execrável e matável. Corpo onde o enquadramento social do
ininteligível, atua, segundo Butler (2015), para diferenciar aquelas vidas que podem viver
e aquelas que podem morrer, ou em outras palavras, aquelas que podem ser produzidas
num continuum de vida. Esses enquadramentos sociais, que veremos mais algumas
vezes nessa parte do projeto, tem seus reflexos e expressões que necessariamente
constroem e geram ontologias específicas para cada sujeito (BUTLER, 2015). Esses
enquadramentos sociais que definem ontologias para o sujeito, diferentemente daquelas
definidas pelo sujeito, atuam e definem vidas enlutáveis ou não e colocam sobre esse
mesmo sujeito o peso do medo e do luto individual (BUTLER, 2015).
Funciona mais ou menos assim. A nossa identidade é construída sobre alguns
pilares, como as performances de gênero e as atuações na sociedade que conformariam
a égide da ontologia do sujeito, aquilo que definiria quem somos como sujeitos. Tais
pilares são exemplificativos, mas não únicos e diriam para nós e para nossas irmãs, que
somos pessoas transvestigêneres e como tal merecemos existir no mundo, sermos
enlutáveis e temos o direito de contarmos com uma rede de proteção para a diminuição
da precariedade da vida.
No entanto, para a sociedade cisheterossexista, aquilo que seria garantido para
eles de maneira natural, no nosso caso se transforma em antinatural. Ou seja, se uma
mulher cis, performa a feminilidade e isso diz que ela é uma mulher, para nós, enquanto
329
sujeitos, esse direito básico, que seria construtor de nossas identidades, é negado e,
assim, transformado em antinatural, transformando nossos corpos em corpos não
inteligíveis. Portanto, para a sociedade cisheterossexista, é ela quem pode dizer quais
são os corpos inteligíveis, quais as práticas permitidas, enquanto sujeito e identidade,
quais os corpos podem performar determinados gêneros, quais não e quem nessa
sociedade pode viver e quem não, tendo a sua existência ameaçada de violação a todo
momento.
As primeiras elaborações da autora sobre a interseccionalidade de gênero, raça e
classe está no artigo, intitulado, racismo e sexismo na sociedade brasileira, publicado em
1984. No artigo a autora introduz o conceito de lixo falante, contando sobre uma festa
organizada por pesquisadores brancos para falar sobre uma pesquisa sobre pessoas
pretas. De forma jocosa e bem-humorada, Lélia fala de uma festa em que ela estava.
Uma festa figurada sobre como ainda funciona a produção de conhecimento em uma
sociedade estruturalmente racista e machista, talvez. Ela nos conta que estavam todos
os brancos arrumados em torno da mesa e tão ocupados em ensinar o “crioléu”, que nem
repararam que com um pouco de esforço o espaço da mesa serviria a todos, brancos e
pretos (GONZALEZ, 2020).
A autora explica seu interesse pela interseccionalidade, sinalizando a falta de uma
análise mais profunda sobre os elementos constitutivos das opressões das mulheres
negras nas ciências sociais e se fundamentando em Jacques-Alain Miller, em sua Teoria
da Alíngua, para afirmar que “a análise encontra seus bens nas latas de lixo da lógica. Ou
ainda: a análise desencadeia o que a lógica doméstica (MILLER, 1976, p. 17 apud
GONZALEZ, 2020, p. 98).
No artigo a autora introduz o conceito de lixo falante, contando sobre uma festa
organizada por pesquisadores brancos para falar sobre uma pesquisa sobre pessoas
pretas. De forma jocosa e bem-humorada, Lélia fala de uma festa em que ela estava.
Uma festa figurada sobre como ainda funciona a produção de conhecimento em uma
sociedade estruturalmente racista e machista, talvez. Ela nos conta que estavam todos
os brancos arrumados em torno da mesa e tão ocupados em ensinar o “crioléu”, que nem
repararam que com um pouco de esforço o espaço da mesa serviria a todos, brancos e
pretos (GONZALEZ, 2020) Em determinado momento da festa a coisa toda se dá assim:
“Foi aí que a neguinha que tava sentada com a gente deu uma de
atrevida. Tinham chamado ela pra responder uma pergunta. Ela se
levantou, foi lá na mesa pra falar no microfone e começou a reclamar por
causa de certas coisas que tavam acontecendo na festa. Tava armada a
quizumba. A negrada parecia que tava esperando por isso pra bagunçar
330
tudo. E era um tal de falar alto, gritar, vaiar, que nem dava mais pra ouvir
discurso nenhum. Tá na cara que os brancos 45 ficaram brancos de raiva
e com razão. Tinham chamado a gente pra festa de um livro que falava da
gente e a gente se comportava daquele jeito, catimbando a discurseira
deles?” (GONZALEZ, 2020, p. 95).
331
feitas com 6 mulheres transvestigêneres e que aguarda a aprovação do comitê de ética
em pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Após a transcrição das 6 entrevistas coletadas, os dados serão compilados e
produzidos de acordo com a análise de discurso foucaultiano, que se pretenderá analisar
as narrativas pensando estas, na perspectiva da escrevivência, como construções
sociais, refletindo a visão de mundo das sujeitas entrevistadas na sociedade em que
vivem. Mas também de nossas implicações, uma vez que como travestis prostitutas que
somos deixaremos de ser somente pesquisadora para mergulharmos na escrita com
nossas vivências que farão da pesquisa da dissertação de mestrado um ato subversivo
de escrever de si e das suas. É a epistemologia travesti colocada às escuras na
academia.
3- CONCLUSÃO
Embora essa seja ainda uma pesquisa em andamento, com base em nossas
entrevistas que estão no momento sendo transcritas e com a análise da participação
dessas trabalhadoras em grupo de whatsapp organizado para o auxílio e assistência
dessas trabalhadoras, pudemos perceber que diferentemente do discurso moralista da
falta de mercado de trabalho para essas profissionais, a escolha da prostituição enquanto
trabalho, não se dá somente sob a ótica da compulsoriedade. Ainda que essa seja a
principal causa para a procura da prostituição enquanto modo de sustento na sociedade
capitalista, é preciso considerar a auto-agência das pessoas transvestigêneres na
escolha da prostituição enquanto meio de sustento. Esperamos elaborar melhor esses
entendimentos ao final da dissertação de mestrado que está construída e pretendemos
defender até o final desse ano.
4- REFERÊNCIAS
332
BENEVIDES, B. G.; NOGUEIRA, S. N. B. (org.). Dossiê dos assassinatos e da
violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. São Paulo: Expressão
Popular; ANTRA; IBTE, 2021. Disponível em: <
https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf>.
Acesso em 21 ago. 2021.
SIQUEIRA, I. Entrevista, 9. jun. 2021. Entrevistadora: Dandara Felícia Silva Oliveira. Juiz
de Fora, 2021. 1 arquivo MP4 (120m).
333
ESCALADA CONSERVADORA E ULTRANEOLIBERALISMO: indicações a partir da
política de assistência social
119 Assistente Social. Professora Adjunta na Escola de Serviço Social da UFRJ. Doutorado em Serviço Social
pelo Programa de Pós-graduação da UERJ. Professora orientadora. Vinculação a um eixo temático: Ofensiva
ultraneoliberal do capital e lutas sociais.
120Graduanda do 6º Período da Escola de Serviço Social da UFRJ. Bolsista de Iniciação Científica FAPERJ.
334
1- Bolsonarismo e ultraconservadorismo
Vivemos há quase quatro anos sob a tutela de um governo que, como Virgínia
121
Fontes elucida, apesar de não poder ser caracterizado, de fato, como um governo
fascista, é possível afirmar se tratar de um governo protofascista. Ademais, acumula
características do militarismo, conservadorismo e autoritarismo. A extrema direita, em sua
reconfiguração, busca tomar novos espaços de poder, somou elementos para que
pudesse se fortalecer e expandir. O governo Bolsonaro aglutinou, para além dos
principais elementos citados acima, uma espécie de cruzada contra grupos
historicamente discriminados e oprimidos, como mulheres e a população LGBTQi+, bem
como contra os povos indígenas, aos movimentos sociais e à esquerda de um modo
geral.
O atual governo condensa e amplifica o pior da nossa formação social brasileira,
legitimando e reproduzindo discursos e práticas compatíveis com ideias de supremacia
branca, do racismo estrutural, subalternização das mulheres e a intensificação do aparato
coercitivo do Estado como principal estratégia de enfrentamento à “questão social”.
Borges e Matos (2019) (afirmam que) tais “ideias não nasceram de Bolsonaro, já
germinavam pela sociedade, ele e seus aliados souberam capitalizá-las e transformar em
poder, unindo-se às forças reacionárias, de matriz fundamentalista.” (2019, p. 73).
Rompendo com a promessa eleitoral de um governo composto por profissionais técnicos
e capacitados, torna-se evidente a divisão de ministros(as) entre aqueles que defendem e
dão seguimento ao projeto ideológico bolsonarista, nas pastas de Educação, Direitos
Humanos e Relações Exteriores e o projeto de submissão econômica nas pastas de
Economia, Meio Ambiente e Saúde, por exemplo.
O ultraconservadorismo, portanto, tem sido fundamental para criar bases de
consenso e legitimação em torno do projeto político-econômico em curso, extremamente
desfavorável à classe trabalhadora. Ao desempenhar diversos ataques às Universidades
Públicas, ao Sistema Único de Saúde, Política de Atenção à Mulher, Previdência Social e
às políticas de transferência de renda, bem como à toda estrutura do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), direitos do trabalho, entre outros, o projeto econômico
caminha em consonância com as exigências do grande capital, ampliando cortes e
contingenciamento de recursos, acentuando, de forma cada vez mais aguda, o
subfinanciamento imposto à Seguridade Social e demais políticas sociais.
121Virgínia Fontes, pela TV Boitempo, dialogando sobre “O Protofascismo no Brasil sob Bolsonaro”.
Disponível em: <https://youtu.be/PbbyXHr7cB0>. Acesso em: 18 mar. 2022.
335
Conforme destacado por Borges e Matos (2019), além de cumprir seus deveres
com a classe rentista, o atual governo tem compromisso com pautas conservadoras e,
por meio delas, reproduzem a violência em sua forma excessiva. O verdadeiro sucesso
de vários dos objetivos principais do governo Bolsonaro que, somente não caiu, como
terminará seu mandato é dado pois “em síntese, o governo atual só está realizando uma
agenda programada e em consonância com os interesses do capital financeiro.”
(BORGES; MATOS, 2019, p. 74). O conservadorismo é companheiro inseparável do
ultraneoliberalismo, atualmente o êxito de um se deve ao sucesso na implementação de
outro.
336
Segundo Behring (2021), dispositivos jurídicos e institucionais são elaborados já a
partir da década de 1990, condensando uma espécie de “ajuste fiscal permanente”.
Desde então, tivemos o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRE)(1995), a
Desvinculação de Receitas da União (DRU/1994), a Lei de Responsabilidade Fiscal
(2001), a Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos (2016) e o Orçamento de
Guerra (2020) e consolidaram a transferência de recursos em nome da estabilidade
econômica, já que o Estado pode flexibilizar a qualquer momento as regras
administrativas e até mesmo orçamentárias, principalmente, quando se trata de “gastos”
com as políticas sociais.
Por seu caráter mais extensivo e permanente a Desvinculação de Receitas da
União (DRU) e a Emenda Constitucional 95 despontam como expressão acirrada da
inflexão neoliberal a partir de 2016.
A DRU partiu de um mecanismo provisório e se tornou parte de uma estratégia
permanente em que, obrigatoriamente, a porcentagem inicial de 20% de todos os
impostos e contribuições devem ser desvinculados. Em 2016, durante o governo de
Temer, a Emenda Constitucional nº 93/2016 ampliou o alcance da DRU, que passou da
incidência de 20% para 30%, acompanhado pela expansão também temporal, passando
a valer até o ano de 2023, afiançando a garantia de sua renovação. O aumento da
desvinculação junto à EC nº 95 configuram medidas econômicas excepcionais de
expropriação econômica e, consequentemente, de direitos sociais na esfera mais
sensível de sua materialização, ocasionando impacto direto na sua continuidade e
manutenção.
Já a Emenda Constitucional nº 95compõe “a estratégia de formulação de um novo
regime fiscal para o Brasil, com o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, é
medida inédita no mundo.” (COSTA; LIMA, 2021, p. 313). Enquanto a mídia reproduzia,
em 2016, que o Teto de Gastos, como foi denominada a EC, seria utilizada para tentar
melhorar contas públicas122 já que, segundo o ministro da Economia Henrique Meirelles,
a despesa pública teria crescido de forma insustentável no Brasil. Determinados
segmentos de parlamentares brasileiros, em defesa da PEC 55123 (EC/95) definem a
medida como um ato responsável do Estado e, durante o processo de tramitação,
manusearam dados de países centrais que aderiram a um modelo econômico similar de
122 Martello, Alexandro; Matoso, Felipe. “Governo propõe teto para gastos públicos com duração de 20 anos”.
Net, jun. 2016. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2016/06/teto-para-gastos-publicos-
tera-duracao-de-20-anos.html>. Acesso em: 14 de mai. de 2022.
123 Medeiros, Étore. “Nenhum país adotou teto de gastos como o da PEC 241”. out. 2016. Disponível em:
<https://apublica.org/checagem/2016/10/truco-nenhum-pais-adotou-teto-de-gastos-como-o-da-pec-241/>.
Acesso em: 14 de mai. de 2022.
337
contenção de gastos, divulgando a recuperação da economia e queda na taxa de
desemprego.
No entanto, à despeito da narrativa ideológica em curso, a EC 95 não permite a
expansão do orçamento, especialmente das despesas públicas não obrigatórias nas
políticas de saúde, educação, ciência, tecnologia e infraestrutura (TEIXEIRA;
BOSCHETTI, 2018), comportando apenas o ajuste da inflação anual e não impactou em
melhorias nos níveis de emprego ou indicadores econômicos do país. Ao tempo em que
vem promovendo o desfinanciamento das políticas sociais, as despesas com a dívida
pública permanecem intocadas. Um ajuste fiscal desse porte é indicativo de uma
profunda radicalização neoliberal que vem centrando as bases da destruição das já
frágeis estruturas do Estado social brasileiro. Trata-se, portanto, de uma das pilastras
centrais da ofensiva ultraneoliberal que ganha contornos cada vez mais destrutivos para
a política social brasileira.
Por fim, no sentido de definir sinteticamente o ultraneoliberalismo sua
particularidade precípua reside na sua face “ultra”, isto é, uma espécie de “plus” a mais
de neoliberalismo, caracterizado pela radicalidade e rapidez com que seus objetivos são
traçados e igualmente veloz em relação a expropriação de direitos trabalhistas e sociais
da classe trabalhadora. Intensifica o processo de socialização dos custos da crise do
capital com todo conjunto da sociedade, enquanto se utiliza da escalada do discurso
ultraconservador como mote mobilizador do ressentimento social em prol da agenda
reacionária. A jornada de ascensão ultraneoliberal, iniciada em 2016 no Brasil, permeia
medidas político-econômicas sem precedentes e sua continuidade dada em 2018 foi
essencial para aprofundar o projeto seminal iniciado pelo governo Temer.
Desse modo, aliado ao ultraconservadorismo, o ultraneoliberalismo demonstram
sua ampla capacidade de devastação, como classifica Behring (2021), ao afirmar que
trata-se da face de um “[...] capitalismo em estado puro, exaurindo a força de trabalho
como forma de recompor suas taxas de lucros, o que corrobora o debate anterior sobre a
função precípua do fascismo.” (2018, p. 211).
Conforme demonstrado por Cislaghi (2021), se o “neoliberalismo de cooptação”
comportava tímidas medidas de conciliação de interesses de classes antagônicas, com
ganhos (ainda que frágeis) para a classe trabalhadora e as chamadas “minorias sociais”,
o ultraneoliberalismo é muito mais brutal e praticamente impermeável às demandas da
classe trabalhadora.
338
3- À guisa de conclusão: Desmonte e assistencialismo: velhos artifícios em novos
formatos
Os mesmos órgãos internacionais que definiram a órbita da política social no país
e deram origem ao Índice de Desenvolvimento Humano, as “linhas da pobreza”, “mapa
da fome” e que reconheceram o potencial das políticas de alívio à pobreza dos governos
petistas no que tange aos impactos nos indicadores socioeconômicos, reconhecem a
volta do aumento da pobreza no mundo e no país. O Brasil, desde 2018, voltou ao mapa
da fome124 e, entre os anos de 2018 e 2020 segundo a FAO, OMS e ONU 7,5 milhões de
brasileiros voltaram a compor o mapa, aumentando em cerca de 3 milhões de brasileiros
no período de dois anos.
Em meados de 2022, em dois anos de pandemia e em quatro anos de uma
desgovernada gestão bolsonarista, o Brasil é assolado gravemente por seu maior
problema estrutural que atinge 4,1% da população total do país, de acordo com o Mapa
da Fome realizado pela Organização para Alimentação e Agricultura (FAO)125. A agenda
de cortes e falta de vontade política, a não ser a eleitoreira responsável por organizar
uma PEC recheada de auxílios incluindo o aumento em duzentos reais no Programa
Auxílio Brasil, impulsionaram o aumento quantitativo da população atiradas à de
insegurança alimentar grave, somando 61 milhões de pessoas, onde desses, 15 milhões
a enfrentam em sua forma moderada.
Em consonância com o desmonte da política de assistência social,o atual governo
vem inviabilizando de forma concreta o acesso de diversos segmentos à alimentação, no
momento em que fragiliza a concepção da legislação, do programa e dos conselhos
relativos à Política de Segurança Alimentar. Ao fragilizar mecanismos que viabilizam o
direito humano à alimentação adequada, toda a cadeia de programa e meios necessários
para executá-la se tornam igualmente frágeis. O elo entre o SUASe o Programa de
Aquisição de Alimentos, por exemplo, possui uma materialização limitada que
acompanha a inconsistência das medidas de atendimento das necessidades da classe
trabalhadora.
Desde 2017 a Função 08 (Assistência Social) vem perdendo recursos e com o
governo Bolsonaro há uma intensificação do desfinanciamento. Ademais do impacto da
EC95, que já é extremamente nociva e implica o congelamento de gastos, o governo
124 GUIMARÃES, José. “Com Bolsonaro, o Brasil voltou ao mapa da fome”. Net, jul. de 2021. Disponível
em:<https://www.cartacapital.com.br/opiniao/frente-ampla/com-bolsonaro-o-brasil-voltou-ao-mapa-da-fome/>.
Acesso em: 13 de mai. de 2021.
125 G1. "Brasil volta ao Mapa da Fome das Nações Unidas". Net. 06 jul. de 2022. Disponível em:
<https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/07/06/brasil-volta-ao-mapa-da-fome-das-nacoes-
unidas.ghtml>. Acesso em: 8 de jul. de 2022.
339
Federal tem impetrado outros mecanismos para amplificar o desfinanciamento, com
impactos sobre o núcleo central do pacto federativo e da lógica de financiamento do
SUAS que está assentada no cofinanciamento federal.
O alcance da Assistência Social permanece engessado e apenas em um
momento excepcional, como o de calamidade pública pela Pandemia da COVID -19,
observa-se crescimento nos recursos da União para este campo. No ano de 2020, os
gastos executados na Função 08 do orçamento Federal foram de, aproximadamente, R$
410 bilhões, de acordo com o Portal da Transparência. Um aumento exponencial, se
comparado ao executado em 2019 que foi de R$ 92,85 bilhões. Devemos elucidar que
este crescimento tão significativo se deu em função dos gastos com o pagamento do
Auxílio Emergencial, com mais de 60 milhões de beneficiários.
Após o período mais crítico da pandemia, Paulo Guedes, ministro da Economia,
insistia que o alto valor do Auxílio Emergencial iria quebrar a economia brasileira e então
inicia a jornada de redução do valor até a extinção do benefício, ignorando milhões de
brasileiros no desemprego, informalidade e em insegurança alimentar. Apenas na
assistência social a queda no volume de recursos para o ano de 2021 foi de mais de 63
% (BEHRING; SILVA, 2022).
Em um contexto de desfinanciamento da política de assistência social e desmonte
dos serviços socioassistenciais do SUAS e tendo, o Programa Bolsa Família, uma fila de
espera em torno de 1,4 milhão de famílias, o governo Federal, através da Medida
Provisória nº 1.061, institui O Programa Auxílio Brasil e extingue o Programa Bolsa
Família, em novembro de 2021. De acordo com o governo, “o Programa Auxílio Brasil
constitui uma etapa do processo gradual e progressivo de implementação da
universalização da renda básica de cidadania a que se referem o caput e o § 1º do art. 1º
da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004.” (BRASIL, Lei nº 14.284 de 29 de dezembro de
2021). No entanto, o padrão e formato do Programa proposto distanciam-se
sobremaneira da ideia de renda básica universal.
As consecutivas extinções do Auxílio Emergencial e do Programa Bolsa Família, a
PEC dos Precatórios e o processo de pente-fino somado aos consecutivos cortes de
mais de 158 mil beneficiários126, bloqueios de 654 mil bolsas127 e contingenciamento de
recursos em nome do controle de gastos estruturaram os subsídios para o novo
126Notícias. Política genocida e os cortes no Bolsa Família.Net. ago. de 2020. Disponível em:
<https://adusb.org.br/web/page?slug=news&id=10630&pslug#.YoAt9WjMJdh>. Acesso em: 14 de mai. de
2022.
127Notícias. Pente-fino cancela 469 mil contratos do Bolsa Família e bloqueia outros 654 mil. Net. nov.
340
programa do governo Bolsonaro que surgia com prazo de validade (final de 2022),
expressando de maneira evidente o caráter eleitoreiro da proposta, conforme defendido
por Boschetti (2022). O que somente se alterou por que o Congresso garantiu que o
benefício extraordinário, que completa o valor de R$ 400 tenha um caráter mais
permanente, com previsão orçamentária pelo menos até 2026
É muito característico de diferentes governos a substituição de programas com
vistas à legitimação de seus projetos políticos. No governo Bolsonaro essa tendência
assume um alinhamento extremamente ideológico, como o que se deu com as
mudanças, por exemplo, do Ministério dos Direitos Humanos pelo Ministério da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos, do Bolsa Família para o Auxílio Brasil, o “Minha
Casa, Minha Vida” substituído pelo programa “Casa Verde e Amarela”, entre muitos
outros.
A proximidade com as eleições e o reconhecimento do potencial de capitalização
política de programas de transferência de renda possibilitada pela experiência do Auxílio
Emergencial fez com que o presidente mudasse sua postura pública em relação a esta
modalidade de programa social.
Seguindo o formato do autoritarismo característico deste governo, o Programa é
instituído por decisão unilateral, sem estudo de viabilidade, sem debate ou construção
coletiva nas instâncias de pactuação da política de assistência social, com quebra do
pacto federativo e desprezo pela institucionalidade recente no campo do SUAS. Pelo
formato e composição, o referido programa se afasta do conceito de benefício /direito
social que tem uma perspectiva de continuidade de permanência do direito de base
constitucional para a perspectiva do auxílio, que carrega o viés da transitoriedade e
instabilidade, já que sua base de financiamento está assentada, basicamente, em
endividamento público.
Além do mais, a configuração proposta consolida um programa de intensa
fragmentação de benefícios, com um assento muito forte dos auxílios complementares. O
próprio governo chegou a denominar o Auxílio Brasil como uma “cesta de benefícios”.
Nessa mesma direção, o conjunto de critérios para acesso a estes benefícios
complementares implica em um recrudescimento das exigências de acesso, como ter
grávida, nutriz, criança ou adolescente, pessoas do grupo familiar acessando emprego
formal. E, entre outros elementos que assentam uma lógica ainda mais focalista e
conservadora, tem mecanismos de ativação para o trabalho muito mais proeminentes do
que no PBF.
341
4- REFERÊNCIAS
BEHRING, E. Fundo público, valor e política social. São Paulo: Cortez Editora, 2021.
BOSCHETTI, I.; TEIXEIRA, S. O. (orgs). O fardo do radical ajuste fiscal para a classe
trabalhadora sob a ótica das despesas do Orçamento da Seguridade Social. In: Anais do
16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social. Vitória, 2018.
Bravo, M. I. S., Pelaez, E. J., Cislaghi, J. F., Behring, E. R., Teixeira, S. O., & Boschetti, I.
S. (2020). AJUSTE FISCAL E SEGURIDADE SOCIAL: retrocessos e desafios em tempos
de ofensiva conservadora. Revista de Políticas Públicas, 24, 200-220.
342
POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, BENEFÍCIOS EVENTUAIS E DESAFIOS
ATUAIS
RESUMO:
Partimos de nossas experiencias profissionais no campo da
Política de Assistência Social e de pesquisa bibliográfica,
para levantarmos algumas reflexões sobre os atuais
desafios enfrentados pela referida política na materialização
dos benefícios eventuais, no atual contexto
ultraneoliberal.Os resultados evidenciam que o
ultraneoliberalismo neofascista implica no avanço da
degradação das condições dignas de vida, com aumento e
naturalização da pobreza e do desemprego o que, por sua
vez, eleva significativamente a demanda por tais benefícios,
que deveriam ser eventuais e complementares, mas
acabam se tornando essenciais à sobrevivência da classe
explorada.
Palavras-chave: Política de Assistência Social. Benefícios
Eventuais. Ultraneoliberalismo.
ABSTRACT:
We start from our professional experiences in the field of
social assistance policy and bibliographic research, to bring
forth some reflections about modern challenges faced by
such policy in the materialization of eventual benefits, in the
current ultra neoliberalism context. Results show that the
ultra neoliberalism neo-fascist implies the advancement of
the degradation of decent life conditions, with increase and
naturalization of poverty and unemployment, which, in turn,
significantly elevates the demand for the aforementioned
benefits which should be occasional and complementary, but
in the end become vital to the exploited class’s survival.
Key words: Social Assistance Policy. Occasional Benefits.
Ultra neoliberalismo.
Especialista em Políticas Públicas e Intervenção Social. Mestranda em Serviço Social e Direitos Sociais pelo
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Direitos Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte (UERN). E-mail: bcsobn@gmail.com.
Eixo temático: Política Social, trabalho e questão social: retrocessos e resistências na conjuntura atual.
343
1- INTRODUÇÃO
344
infra-estrutura, tais como os de saúde, previdência, educação, saneamento,
habitação etc., amparados pela liberalização da economia, sob a égide da
liberdade de mercado e retração da intervenção do Estado (MOTA, 2009, p. 09).
345
Assistência Social, reforçando o viés de proteção conservador, voltado ao modelo
tradicional de família, desconsiderando as dinâmicas familiares, ao passo em que a
responsabiliza por demandas que deveriam ser supridas pelo Estado.
346
3- BENEFÍCIOS EVENTUAIS E OS DESAFIOS PARA SUA MATERIALIZAÇÃO
ENQUANTO DIREITO SOCIAL
347
de situações de ameaça à vida; e V - outras situações sociais que comprometam
a sobrevivência.
348
Outro desafio relacionado a materialização dos benefícios eventuais se refere a
seletividade, isto é, mediante o desfinanciamento da Política de Assistência Social, os
benefícios eventuais têm perdido seu caráter de direito social, uma vez que, apesar do
seu acesso ser garantido a todos que deles necessitem, sua concessão acaba sendo
marcada pela seleção do mais necessitado entre os necessitados. Assim, famílias e
sujeitos que são público-alvo dos benefícios eventuais acabam tendo seu direito negado,
mediante os parcos recursos destinados as afianças sociais. Isso ocorre porque
Além disso, não podemos deixar de destacar o desafio posto pela cultura
assistencialista que incide sobre os benefícios eventuais. Ao manter tais benefícios como
política de governo ao invés de política de Estado, as gestões municipais,
prioritariamente, utilizam os benefícios eventuais como valor de troca, endossando
práticas paternalista e clientelista, a partir da indicação de quais sujeitos vão ser
contemplados com o benefício eventual. Essa realidade se agudiza mediante a falta de
regulamentação dos benefícios eventuais. Ou, quando regulamentados, sua
transformação em letra morta.
349
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
5- REFERÊNCIAS
FONSECA, R. S. R. da.; ALENCAR, T. R. de. Para uma análise inicial dos impactos do
ultraneoliberalismo brasileiro sobre a reprodução social. RTPS – Rev. Trabalho, Política
e Sociedade, Vol. 6, nº 10, p. 317-338, jan.-jun./2021.
350
MOTA, A. E. Crise contemporânea e as transformações na produção capitalista. In:
Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009.
351
BENEFÍCIOS EVENTUAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19: uma análise
das demandas e desafios na oferta no município de Parintins/Am
352
1- INTRODUÇÃO
353
Dessa forma, os Benefícios Eventuais inserido na Proteção Social Básica são
imprescindíveis para cobrir as necessidades básicas daqueles de que dela necessitam.
São provisões ofertadas em forma de pecúnia e bens de consumo que contribuem para
garantir a Proteção Social dos grupos majoritários da sociedade. Nessa perspectiva, é
dever do poder público implementar políticas públicas sociais concretas para viabilizar os
direitos dos cidadãos vulnerabilizados.
354
Orgânica de Assistência Social no Art. 4º da Lei 8. 742/1993.Assim, um desses princípios
é a, I-Integração à rede de serviços socioassistenciais, com vistas ao atendimento das
necessidades humanas básicas. Com base nessas legislações que o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) define e assenta fundamentos cruciais para a execução de
ações, visando estabelecer objetivos direcionados à Proteção Social.
Com o avanço da pandemia da Covid-19 desde março de 2020, os segmentos mais
vulneráveis da sociedade têm sido duramente impactados, necessitando de medidas de
proteção social em seus variados setores. Nesse momento de excepcionalidade, vários
campos de trabalho criaram estratégias para o acompanhamento dos usuários aos
serviços públicos e privados.
No âmbito da política de assistência social o Ministério da Cidadania disponibilizou
a Portaria Nº337, de 24 de março de 2020, que trata acerca de medidas para o
enfrentamento da emergência de saúde pública no âmbito do Sistema Único de
Assistência Social. Nesta resolução foi acordado que os atendimentos aos usuários
seriam realizados por meio de ligação telefônica ou via WhatsApp, sendo voltados
principalmente aos grupos de risco, tais como idosos, gestantes e lactantes, visando
assegurar sua proteção.
Para tanto, a mesma portaria orienta o Sistema Único de Assistência Social a
disseminar informação acerca dos cuidados necessários a prevenção do novo
coronavírus. Além disso,a socialização de informação acerca dos serviços da rede
socioassistencial e as estratégias adotadas em tempos de pandemia da covid19 foi
extremamente necessáriaaos cidadãos em situação de vulnerabilidade social,para que os
mesmos tivessem acesso às necessidades básicas.
355
bens de consumo e direcionado à família para atender as condições do nascimento. No
município de Parintins/Am, recentemente, o auxílio natalidade, segundo a assistente
social 01 da equipe do Plantão Social da SEMASTH, tem a demanda acentuada voltada
para a concessão de “kit bebê”.
No ano de 2020 foram ofertados cerca de 521 kits bebê e no ano de 2021, houve
um aumento expressivo de procura sendo concedido 1.045 Kits. Este benefício
geralmente contém os itens como enxoval, utensílios de higiene e alimentação, sendo
ofertado de acordo com a dignidade e cultura da família beneficiária.
A respeito do auxílio funeral, em conformidade com o Conselho Nacional de
Assistência Social, decreto Nº212/2006 que regulamenta os Benefícios eventuais, o
auxílio funeral constitui-se como uma prestação temporária que visa reduzir a
vulnerabilidade da família em situação de morte.
Durante a pandemia da covid-19a demanda por auxílio funeral no Município de
Parintins ocorreu, principalmente, pelas famílias que não têm condições de custear as
despesas dos serviços advindos da morte. Assim, constatou-se que a oferta para esse
auxílio se deu basicamente para cobrir as despesas através da concessão de urna
funerária, sendo concedido no ano de 2020 um total de303 urnas funerária, já no ano de
2021 houve um aumento expressivo, sendo concedidas 675 urnas pelo serviço funeral.
Na atual conjuntura, a oferta de benefícios eventuais voltada às pessoas
vulnerabilizadas tem se intensificado, sendo as cestas básicas a maior demanda no
município de Parintins. No entanto, foram concedidas no ano de 2020 um total de4.305
cestas básicas, já no ano de 2021 a demanda elevou-se para 10.508 concessão deste
benefício, sendo o limite da oferta, pois sabe-se que a demanda é bem maior.
A respeito disso, o assistente social 01 que atua no plantão social da Secretaria
Municipal de Assistência Social elucida que:
A demanda é muito grande, quando acontece algo como a pandemia, a
demanda acaba sendo maior, inesperada. Para amenizar a situação das famílias
é concedida a cesta básica, mas acaba chegando um quantitativo, por exemplo,
o governo pode mandar 3.000 Cestas Básicas a gente tem que ter a ‘tendência’
de 3.000 cestas, mas as vezes acaba passando. E isto não é o suficiente, então
a gente tem que ir atrás de recursos.
356
Em vista disso, a procura por cestas básicas tornou-se acentuada, um dos motivos
está atrelada ao aumento do desemprego. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (2021), apontam que a taxa de desemprego, no primeiro trimestre de 2021
atingiu 14,8%. Isto retrata a realidade de milhares de pessoas que não têm condições de
suprir as necessidades materiais de existência, mas também comprova a inoperância do
Estado na implementação de políticas públicas permanentes relacionadas à segurança
alimentar.
Diante do alto índice de desemprego e de situações de calamidade pública como a
enchente que atingiu o município no ano de 2020 e 2021, a Semasth concedeu o aluguel
social às famílias atingidas. Assim, pode-se dizer que a “calamidade” ou “desastre” faz
parte de uma historicidade sociocultural e política de acesso desigual às riquezas sociais,
o que acarretou ocupações precárias e em áreas de risco (CFESS, 2022).
Em situações de calamidade pública, a Política de Assistência Social não intervém
de forma isolada, mas opera junto à Defesa Civil.No mais, o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS)articulado à Defesa Civil e em consonância com a Tipificação
Nacional dos Serviços Socioassistenciais são responsáveis pelo mapeamento territorial,
com intuito de estabelecer o Serviço de Proteção às famílias afetadas por desastres
naturais.
As ofertas dos benefícios sociais direcionadas às pessoas em situações de
vulnerabilidade e risco social são geralmente concedidas de acordo com as necessidades
detectadas pela equipe que atua no Plantão Social, sendo avaliada as vulnerabilidades
agravadas por ocorrências que geram perdas e afetam a integridade física e psíquica dos
indivíduos e membros da família.
Nesse contexto, percebe-se que a equipe do plantão social atende à demanda dos
usuários conforme a realidade específica das famílias. Constatou-se que mesmo
atendendo as demandas e ofertando todas as modalidades de benefícios. Existe um
protocolo a ser seguido pelos profissionais, ou seja, é feita uma seleção para que os
benefícios sejam concedidos às famílias em situação de vulnerabilidade.
De acordo com as falas das assistentes sociais do plantão social, verificou-se que a
seleção é feita mediante a renda per capita familiar:
A seleção é por conta da situação de vulnerabilidade e se a família se encaixa no
perfil. Tem muita gente que tem renda no final do mês, mas tem família que não
tem nenhuma renda. Só tem do auxílio Brasil que agora é 400 reais por mês,
mas fora isso, tem indivíduo que não tem renda nenhuma, não recebe nenhum
benefício. Então essas são as principiais famílias que passam a ser selecionadas
para receber o benefício eventual (Assistente social 02).
357
socioassistencial. Temos o auxílio Brasil, o auxilio estatual, o BPC 87/88. Mas
tem suas exceções. Há famílias digamos que, tem um emprego, mas naquele
determinado mês, ficou desempregado, como ocorreu na pandemia, que houve o
aumento do desemprego, ou ainda devido a uma possível eventualidade e
precisou de algum benefício, mas enfim, a gente sabe que a gente está sujeito a
isso, aí é analisado, se a pessoa se enquadrar, é contemplada (Assistente social
03).
Verificou-se nas falas dos assistentes sociais que, o atendimento no plantão social,
faz-se necessário à população em situação de vulnerabilidade. Porém, percebeu-se que
ao seguir à rigor os critérios de seleção para a concessão dos benefícios eventuais, os
profissionais correm o risco de cair nas armadilhas do assistencialismo. Reproduzindo
assim, a prática conservadora e pragmática.
Em tempos de pandemia isto tornou-se evidente, principalmente no que concerne à
tentativa de atender as demandas imediatas. Contudo, foi necessário atuar com base nas
diretrizes e princípios que norteiam a ação profissional no âmbito da política de
assistência social em tempos de pandemia da covid19,visando a concessão de oferta de
benefícios eventuais aos cidadãos em situações de vulnerabilidade, atuando de forma
crítica em meio a um cenário caótico de destituição dos direitos de cidadania.
Infere-se, portanto, que a equipe do Plantão social que atua no setor dos benefícios
eventuais, responsáveis pela efetivação de políticas voltadas aos direitos de cidadania,
devem criar estratégias e mecanismos de intervenção diante do atendimento de
demandas e operacionalização de oferta por benefícios eventuais em tempos de
pandemia da covid19. De modo a possibilitar o acesso da população vulnerabilizada aos
benefícios socioassistenciais, visando cobrir as necessidades básicas dos cidadãos.
4- CONCLUSÃO
358
cenário instaurado pela pandemia da Covid-19. Logo, os profissionais tiveram que
redefinir suas ações, fundamentando-se a partir do arcabouço teórico-metodológico,
técnico-operativo e ético-político, atuando de forma crítica na busca pela garantia e
efetivação dos direitos sociais.
5- REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 12. 435, de 6 de julho de 2011. Altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro
de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12435.htm.
359
IBGE/PNAD COVID19. Desemprego atinge 14 milhões de pessoas na quarta semana de
setembro. In: agenciadenoticias.ibge.gov.br.
360
GESTÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO CONTEXTO DA PANDEMIA
DO COVID 19 NA CIDADE DE SÃO PAULO
RESUMO:
ABSTRACT:
de Pesquisa Gestão Socioambiental e a Interface com a Questão Social – GESTA – EIXO: – Política Social,
trabalho e questão social: retrocessos e resistências na conjuntura atual
361
1- INTRODUÇÃO
Em uma escala global, as políticas sociais têm sido contestadas por determinados
grupos que através da retórica de enfrentamento ao novo Coronavírus, tem se enfatizado
362
a necessidade de contrarreformas, agravando ainda mais a situação de crise profunda
que estamos vivendo, onde segundo Yazbek et.al., (2020) as desigualdades se tornam
mais visíveis, atingindo de forma distinta alguns grupos da população.
A Pandemia coloca na pauta do dia a reflexão de que se o vírus não faz distinções
para infecção, por outro lado, os privilégios de classe desvelam os abismos
socioeconômicos da sociedade brasileira, que segundo Toledo e Rosa (2020) a partir
dessa realidade escancarada, muitas ações poderiam ser tomadas no sentido de
enfrentamento à essas questões, mas, ao que parece, a lógica adotada para a condução
das políticas públicas tem focalizado a “indústria na UTI” e a “morte dos CNPJs”.
2- DESENVOLVIMENTO
Uma das expressões dessa divisão desigual dos meios de produção e distribuição
de riquezas se materializa na precarização das relações de trabalho, segundo Mascaro,
(2020) as classes desprovidas de capital são coagidas a obter através de estratégias de
venda a sua força de trabalho.
363
A imensa desigualdade existente apenas intensifica os custos humanos da
pandemia. Mascaro (2020) afirma que o flagelo do desemprego, as habitações precárias
(que inviabilizam suportar a quarentena), as contaminações em transporte público lotados
e a fragilidade do sistema de saúde são exatamente e necessariamente contradições
históricas do sistema capitalista.
A Figura a seguir mostra que o distrito de Moema (81 anos) e Jardim Paulista (80
anos) tem a maior idade média ao morrer da capital e registraram número baixo de óbitos
por Covid-19. Ambos os distritos somaram 130 casos de falecimentos.
Do lado oposto, temos os distritos Grajaú (59 anos) e Cidade Tiradentes (57
anos), que além de apresentarem a menor idade média ao morrer, demonstram altos
números de óbitos por Covid-19, somam 469 mortes.
Isso representa que os distritos mais vulneráveis têm 3,5 vezes mais óbitos se
comparados a distritos localizados em regiões mais abastadas da cidade.
364
Figura 1. Covid-19 e idade média ao morrer na cidade de São Paulo
A Figura 2 mostra que os três distritos que não reúnem domicílios em favelas, Alto
de Pinheiros, Jardim Paulista e Moema, de acordo com os dados oficiais, tem baixo
número de óbitos pelo Covid-19 se comparados com a média da cidade.
365
Figura 2. Covid-19 e moradia na Cidade de São Paulo
Desta forma, Sposati (2004) reafirma que a assistência social, como campo de
efetivação de direitos é política estratégica, está voltada para a construção de mínimos
sociais e para a universalização de direitos.
366
Discorrendo sobre a Assistência Social e a Pandemia, Bichir e Stuchi (2020),
defendem a ideia de que em face à pandemia de Covid 19, as provisões da Política de
Assistência Social mostram-se essenciais, principalmente a partir da estrutura
consistente que se consolidou nos últimos anos.
3- CONCLUSÃO
Desde que o início da crise sanitária, uma série de medidas vem sendo tomadas,
tanto no sentido da prevenção, como no enfrentamento e mitigação dos impactos da
pandemia na sociedade, em especial na Política de Assistência Social.
367
Diante disso é necessário a compreensão de que a crise sanitária que estamos
imersos trouxe, para o Poder Público em geral e para o Sistema Único de Assistência
Social em particular, o desafio de aliar o objetivo de prevenção redução da disseminação
da COVID com as inúmeras vulnerabilidades presentes no cotidiano da população,
especialmente em uma megalópole com mais de 12 milhões de habitantes como é o caso
de São Paulo.
No caso de São Paulo foi possível perceber que o enfrentamento do vírus só foi
possível a partir do trabalho intersetorial da assistência social com outras políticas
públicas, principalmente pelo fato de que as inúmeras vulnerabilidades presentes no
território exigiam ações de caráter intersetorial.
4- REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo. O trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020.
368
LARA, Ricardo e HILLESHEIM, Jaime. Modernização trabalhista em contexto de crise
econômica, política e sanitária. Revista Comitê SUASSC/COVID19. Santa Catarina, v. 1,
n.1, 2020.
MACHADO, Neila Maria Viçosa. Pandemia, fome e miséria: uma relação destruidora.
UFSC, 2020.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Trad. Paulo
Cezar Castanheira, Sérgio Lessa. - 1.ed. revista. - São Paulo: Boitempo, 2011.
TENÓRIO, Fernando Guilherme. A Questão Social Acrescida. Rev. Nau Social, v. 11, n.
20. p. 105-109., 2020.
369
NEGACIONISMO E DESVALORIZAÇÃO DA CIÊNCIA: expressões do
conservadorismo na Política de Saúde brasileira atual
134 Assistente Social. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço
Social/Universidade Federal de Juiz de Fora. Email: isabellapaixaoalves@gmail.com
135 Graduanda em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social/Universidade Federal de Juiz de Fora.
Universidade Federal de Juiz de Fora. Orientadora do projeto de pesquisa: “Determinação social da saúde e
pandemia da COVID-19 no Brasil”. Eixo temático: Ofensiva ultraneoliberal do capital e lutas sociais- Política
Social, trabalho e questão social: retrocessos e resistências na conjuntura atual.
Email:marinamcastro@gmail.com
370
1- INTRODUÇÃO
2- DESENVOLVIMENTO
371
sociedade constituída por classes distintas, necessariamente algumas classes se
encontram em situação superior.
Podemos dizer que existe certo consenso em colocar Edmund Burke como o pai
do conservadorismo clássico, quando em 1790 pública “Reflexões sobre a Revolução na
França” - origem da sua matriz ideológica que possui forte irracionalismo e discurso
reacionário, os quais ainda são conceitos que estruturam as formas conservadoras atuais
(SOUZA, 2016).
Lukács (1959) em “El asalto a La Razón” aponta que o irracionalismo é a resposta
mais clara do pensamento reacionário e que se manifesta na luta constante contra o
materialismo e o método dialético, sendo uma expressão filosófica da luta de classes. O
que marca o irracionalismo é o conteúdo fundamental de repulsa ao marxismo e de
afirmação dos preceitos da burguesia reacionária.
Nos encontramos aquí com uma nota muy importante del irracionalismo: uno de
losservicios más señalados que esta filosofia presenta a la burguesia
reaccionaria consiste precisamente em oferecer al hombrecierto “confort” enlo
tocante alaconcepcióndel mundo, lailusión de uma libertad total, lailusión de la
independência personal y ladignidad moral e intelectual, em uma conducta que lo
vincula em todos y cada uno de sus actos a la burguesia reaccionaria y
loconvierte em servidor incondicional syo (LUKÁCS, 1959, p.19).
372
Sobre a ascensão da extrema-direita no Brasil, embora diversos autores dêem
importante destaque às manifestações ocorridas em 2013140, Calil (2020) defende que as
bases do avanço da extrema direita já estavam se estruturando pelo menos desde o
início dos anos 2000.
O autor demonstra, através do estudo de Patschiki (2012), que o “Mídia sem
máscara” foi uma rede social importante na disseminação de idéias conservadoras e
reacionárias. Esta veiculava ideais Olavistas141, disseminando fakenews, através de um
forte discurso anticomunista e que tinha como principal objetivo demonstrar como toda a
grande mídia brasileira seria supostamente comandada pela esquerda.
Assim, as raízes do Bolsonarismo não são resultado apenas do processo vivido
na última década, mas pode-se dizer de um marco relacionado às efervescentes
manifestações de 2013, que demonstram importante esgarçamento do pacto social que
se vinha administrando.
140 As jornadas de junho de 2013 foi um grande movimento de massa ocorrido no Brasil que, a partir da
disputa de diferentes pautas, contribuiu para o avanço de grupos conservadores no Brasil. A esse respeito
ver em: DEMIER, F. Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad x,
2017.
141 Olavo de Carvalho (1947-2022) foi um autodeclarado filósofo, com trajetória controversa e polêmica,
expressivo representante do conservadorismo brasileiro, destacou-se por sua visão reacionária que forneceu
importantes bases ideológicas ao bolsonarismo. (CALIL, 2021) Tendo sido diversas vezes referenciado pela
mídia brasileira como “guru do bolsonarismo”. Com relação à pandemia propriamente dita, não foram raras as
vezes que Olavo de Carvalho minimizou sua gravidade, chamando-a de “historinha de terror”, colocou em
dúvida a existência do coronavírus e dos benefícios da vacina. Ironicamente faleceu de complicações da
Covid-19, vírus que negava a existência, no início de 2021.Para entender sobre a relação entre Olavismo e
Bolsonarismo, consultar: CALIL, Gilberto. Olavo de Carvalho e a ascensão da extrema-direita.
ARGUMENTUM (VITÓRIA), v. 13, p. 64-82, 2021.
373
fascistas em um “regime político que ainda mantém um conjunto de salvaguardas
democráticas” (CALIL, 2021, p.71).
142 Análises do surto de ebola em 2014-2015 sugerem que o aumento no número de óbitos causados por
sarampo, malária, HIV/AIDS e tuberculose atribuíveis a falhas no sistema de saúde ultrapassou o número de
óbitos causados pelo ebola (OMS, 2020).
374
destaca algumas delas que no desenvolvimento da sociedade moderna transformaram-
se em epidemias e pandemias, em ordem temporal, a saber:
143A CPI da Covid foi criada em 13/04/2021 no Senado Federal, sendo presidida pelo Senador Omar Aziz, e
teve como finalidade investigar a falta de oxigênio para pacientes internados no Amazonas, bem como
possíveis desvios de verbas públicas e omissão dos entes federados na condução da situação de calamidade
pública gerada pela pandemia. O relatório final foi aprovado em 26/10/2021 e pode ser acessado em
https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2441. Acesso em 14 jun 2022.
375
Ao mesmo tempo em que relativizava o risco, disse que pessoas com perfil de
atletas, como ele, não seriam acometidas pela doença. Não por acaso, também
se posicionou nos meios de comunicação de que a economia não poderia parar
por causa de alguns, tidos na retórica governamental, mesmo que não
expressamente, como “débeis”, “fracos”, “incapazes”, enfim, gente que poderia
ser descartada pela economia do capital e por uma sociedade “ideal”, tal qual
nos antigos sonhos hitleristas (MATOS, 2021, p.32).
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
376
DEMIER, F. Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil. Rio de
Janeiro: Mauad x, 2017.
MANDEL, Ernest. O Capitalismo Tardio.2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
377
COMUNIDADES TERAPÊUTICAS NO NORTE FLUMINENSE DO ESTADO DO RJ:
análises iniciais e preocupantes.
1- INTRODUÇÃO
144 Assistente Social / Docente, UFF – Campos dos Goytacazes / Dra em Política Social, professora
orientadora, julianalobo@id.uff.br
145 Discente do curso de Serviço Social / UFF – Campos dos Goytacazes, laissantostheodoro7@gmail.com
146 Discente do curso de Serviço Social / UFF – Campos dos Goytacazes, kessia_ramos@hotmail.com
147 Discente do curso de Serviço Social / UFF – Campos dos Goytacazes, victoriabaqueiro@id.uff.br
Eixo temático- Ofensiva ultraneoliberal do capital e lutas sociais / Política Social, trabalho e questão
social: retrocessos e resistências na conjuntura atual
378
no Estado do Rio de Janeiro. O projeto visa mapear as CTs credenciadas e em
funcionamento na Região Norte Fluminense no Estado do RJ, através da identificação da
quantidade de CTs em funcionamento localizadas no Norte Fluminense, com o objetivo
de compreender como o cuidado em saúde mental vem sendo realizado pelas CTs e qual
a forma de financiamento das mesmas.
Diante disso, cabe destacar o atual retrocesso que abate a Rede de Atenção
Psicossocial -RAPS desde o ano de 2015, retrocessos esses que reforçam o
chamamento e financiamento das Comunidades Terapêuticas em âmbito nacional.
Cabendo destaque aos estudos o olhar acerca das CTs as quais representam o trabalho
forçado, as práticas religiosas obrigatórias e abstinência como cura para os usos de
drogas.
379
Com isso, a aproximação com o Norte Fluminense no Estado do RJ no olhar
sobre as CTs revela, ainda parcialmente, a efervescência de instituições na região de
estudo, em especial no meio urbano e dificuldade do acesso à informação de forma
transparente e socializada sobre onde as CTs se localização, forma de funcionamento,
terapêutica ofertada e base de financiamento. Como expressão do desmonte da Política
de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas e inserção das Comunidades Terapêuticas
como caminho de cuidado que expressão o trato moralista e cristão ao tema.
380
investimento de recursos financeiros para a manutenção das Comunidades Terapêuticas
e hospitais psiquiátricos.
Cabe ressaltar, que as críticas feitas as CTs versam sobre o trabalho forçado, as
práticas religiosas obrigatórias e a abstinência da droga, como cura para os usos de
drogas, seguindo o caminho da violação dos direitos humanos na contramão da redução
de danos. Isso reforça a lógica do não cuidado em redes de saúde cunhada no respeito,
liberdade e cuidado no território, colocando a internação como solução.
381
Esse modelo de tratamento pode ser relacionado à psiquiatria tradicional, pois
nota-se traços importantes da violação de direitos humanos, estigmas e a exclusão dos
usuários de drogas. Com a justificativa de mantê-los em um ambiente livre de
substâncias psicoativas, segregando os sujeitos e os afastando de suas relações sociais.
As comunidades terapêuticas são regulamentadas por lei através da Resolução nº
01/2015, que as classifica como “entidades que realizam o acolhimento de pessoas com
problemas associados ao uso nocivo ou dependência de substância psicoativa” (BRASIL,
2015). Essas instituições são financiadas pelo Governo Federal, Estadual e Municipal
através da Secretaria Nacional de Política de Drogas desde 2011 e tiveram a ampliação
do seu fundo com o enfrentamento a epidemia falaciosa do crack, com o Plano Crack: É
Possível Vencer.
382
O funcionamento desses espaços restringe os direitos do usuário, excluindo-o
do convívio com a sociedade e família e violando justamente o que a Lei 10.216/2001
que inaugura a Reforma Psiquiátrica, destacando o cuidado em liberdade. A inclusão
das Comunidades Terapêuticas na Portaria 3088/2011, que instaura a RAPS, imprime
condução repressiva que se olha a questão das drogas. Por fim, o financiamento público
com autorização governamental tenta enfatizar as CTs como serviço de referência para a
“Nova Política de Saúde Mental” no campo da droga, ocasionando um risco a política de
saúde mental e fortalecendo o sucateamento dos CAPS ad e o desmonte da atenção
neste campo.
383
sociais, sites das prefeituras dos municípios do Norte Fluminense, visitas as Secretarias
Municipais de Saúde e Secretarias de Vigilância Sanitária. Porém, pode-se dizer que a
pesquisa demonstra uma clara dificuldade para acessar informações concretas e mais
elaboradas sobre esses espaços.
4- CONCLUSÃO
A presente pesquisa nos permite refletir sobre a Política de Saúde Mental, Álcool
e outras Drogas e o cuidado aos usuários de drogas através do cuidado em redes de
saúde perpetrado pela compreensão e exercício da RAPS. Nos últimos anos, observa-se
que os serviços que compõem a RAPS e que em diálogo com as políticas sociais na
lógica do cuidado intersetorial e em rede estão sofrendo com o desmonte da política
social brasileira.
384
usuários de drogas que simbolizam um não lugar para estes no cuidado no território
como cidadãos de direitos.
5- Referências
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Análise das Políticas Públicas sobre
Drogas no Orçamento Federal – 2005 a 2019. Relatório Institucional. Brasília, 2021.
Disponível em: <
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=37958&Ite
mid=457>. Acesso em 10 de junho de 2022.
385
mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Ministério da Saúde. Brasília, 2011
BRASIL. LEI Nº 13.840, DE 5 DE JUNHO DE 2019. Esta Lei altera a Lei nº 11.343, de 23
de agosto de 2006, para tratar do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas,
definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e tratar do
financiamento das políticas sobre drogas e dá outras providências. Brasília, DF;2019.
386
A ATUAÇÃO DOS RESIDENTES NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA EM
TEMPOS DE PANDEMIA COVID - 19
1- INTRODUÇÃO
148Assistente Social graduada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Saúde da
Família e em Saúde do Adulto pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Orientadora:prof.ª.Dra.
Marina Monteiro de Castro e Castro. Professora da Faculdade de Serviço Social/UFJF. E-mail:
luciane_silvaf@yahoo.com.br. Eixo temático: resistência, lutas e internacionalização do Serviço Social. Sub
eixo: Política Social, trabalho e questão social: retrocessos, resistências e desafios ao Serviço Social.
387
ApandemiadoCovid-19originou-se no continente asiático, espalhando-se
rapidamente pelo mundo como pontuado por (CIRINO et.al, 2021). Trata-se de um vírus
respiratório (SARS-CoV-2), sendo transmitido principalmente por 3 meios: contato,
gotículas ou aerossóis. Com isso, algumas medidas para a contenção da disseminação
do vírus devem ser seguidas, a exemplo do distanciamento social, da etiqueta
respiratória ao tossir e espirrar, higienização constante das mãos e superfícies, e do uso
de máscaras. (BRASIL,2021a,2021b).
2- DESENVOLVIMENTO
388
internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”, visando a
proteção da coletividade. Posteriormente tais medidas tornaram-se compulsórias
mediante pena de “responsabilização civil, administrativa e penal dos agentes infratores”.
(BRASIL, 2020c, n.p). Entre as medidas previstas, estavam:
De uma maneira geral, foi preciso que todos se adaptassem a nova realidade
imposta, mudando o seu ritmo de vida e de trabalho. Desse modo em relação aos
serviços de saúde do município:
(...) Art. 5ºFica determinado à secretaria de saúde que adote providências para: i -
capacitação de todos os profissionais para atendimento, diagnóstico e orientação
quanto a medidas protetivas; ii – estabelecimento de processo de triagem nas
unidades de saúde que possibilite a rápida identificação dos possíveis casos deCOVID-
19 e os direcione para área física específica na unidade de saúde – separada das
demais-para o atendimento destes pacientes; III – suspensão das cirurgias eletivas; IV -
as prescrições de receituários de medicamentos utilizados em doenças crônicas e de
medicamentos sujeitos a controle especial que contenham a indicação “uso contínuo” ou
o período de tratamento superior a 30 dias, no âmbito do Sistema Único de Saúde local,
serão aceitas pelo prazo devalidade de 06 meses da data de emissão; V – aquisição de
equipamentos de proteção individual – EPIs para profissionais de saúde; VI –
389
ampliação do número de leitos para os casos mais graves(...). Idem
(2020b,n.pgrifonosso).
390
que comer, não ter como obter a sobrevivência cotidiana, não poder pagar o aluguel,
conta de luz, comprar botijão de gás, e ainda, ter filhos apinhados no espaço com
ausência de cuidados” (SPOSATI,2020,p.102).
3- CONCLUSÕES
391
4- REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Governo Federal. Como é transmitido? Vírus pode ser
transmitido durante um aperto de mão (seguido do toque nos olhos, nariz ou boca), por
meio da tosse, espirro e gotículas respiratórias contendo o vírus. Publicado
em 08/04/2021 20h10 Atualizado em 12/05/2021 01h24. Disponível em:
https://www.gov.br/saude/ pt-br/coronavirus/como-e-transmitido . Acesso em 04 de abril
de 2022.
392
FIOCRUZ- Fundação Oswaldo Cruz. Brasil celebra um ano da vacina contra a Covid-
19. Rio de Janeiro/RJ. Publicado em 18 de janeiro de 2022. Disponível em: https://portal.
fiocruz.br/noticia/brasil-celebra-um-ano-da-vacina-contra-covid-19.Acesso em 05 de abril
de 2022.
NEDEL, F.B. Enfrentando a COVID- 19: APS mais forte do que nunca! Belo
Horizonte/BH. APS em revista, v.2, n.1, p. 11-16, jan-abr 2020. Disponível em:
https://apsemrevista.org/aps /article/view/68. Acesso em: 03 de novembro de 2021
393
https://sbim.org.br /images/files/posicionamento-discurso-presidente-covid19-v3.pdf.
Acesso em 05 de abril de 2022.
394
A AUSÊNCIA DE POLÍTICAS SOCIAIS PARA PESSOAS TRANS E A
JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À CIDADANIA
1- INTRODUÇÃO
395
Na teoria, os direitos decorrentes da cidadania são acessíveis a todos de forma
igualitária. No entanto, na prática, a cidadania não vem sendo usufruída por todos os
cidadãos da mesma forma, uma vez que grupos sociais considerados minoritários são
excluídos e marginalizados e tem seus direitos fundamentais suprimidos.
396
No entanto, a dificuldade da gestão estatal estaria em conciliar uma política de
acumulação que não acentue as iniquidades sociais de modo a torná-las ameaçadoras, e
uma política de equidade que não só não comprometa, como também ajude a
acumulação do capital (SANTOS, 1979).
Uma explicação das políticas sociais considera que estas devem ser vistas como
respostas às “necessidades” do trabalho e às “necessidades” do capital,
compatibilizando-se entre si. Nesse sentido, participam “tanto [d]a elaboração
política de conflitos de classe quanto [d]a elaboração de crises do processo de
acumulação”. Propõe, além disso, que a sua importância decisiva consistiria em
regulamentar o processo de proletarização, tendo nele uma função constitutiva
(AUGUSTO, 1989, p. 110).
O termo política social teve seu uso generalizado no Brasil após 1970 em
decorrência do aumento do interesse oficial pelas questões sociais e passou a integrar,
mesmo com status secundário, os nos planos de governo elaborados a partir de então.
Embora inicialmente não tenha sido estabelecido claramente o papel do Estado na
gestão das políticas públicas, saúde, educação, habitação, transporte, alimentação e
saneamento aparecem como áreas de intervenção das políticas sociais (AUGUSTO,
1989).
397
cidadania (FELIX, 2019), principalmente quando consideramos grupos historicamente
marginalizadoscomo é o caso das pessoas trans e travestis.
398
“classificação biológica das pessoas como macho ou fêmeas [ou intersexuais], baseada
em características orgânicas como cromossomos, níveis hormonais, órgãos reprodutivos
e genitais” (JESUS, 2012, p. 13).
Pessoas que não se conformam com o gênero a elas atribuído ao nascer foram e
ainda são extremamente discriminadas no Brasil e no mundo, na medida em que
a conformidade entre sexo e gênero continua a ser a expectativa dominante da
sociedade.
Seja por ação ou por omissão, muitos estados têm se furtado de reconhecer a
existência de uma violência específica, que inclui a orientação sexual e/ou a
identidade de gênero das pessoas como fator determinante dessa violência e
das violações de direitos humanos, sociais e políticos, e pautar política de
enfrentamento das mesmas, que garantam dignidade, respeito, proteção e a
garantia dos direitos as pessoas trans e Não-Binárias (BENEVIDES, 2021).
399
Na prática social, pessoas trans e travestis não possuem proteção doEstado e
não estão seguras para existir numa sociedade em que são reiteradamente
desumanizadas e onde o próprio Estado, governos e agentes públicos fazem parte do
problema sobre diversas óticas.
Ainda que se apresentem como espaço neutro, as intervenções do Estado são,
portanto, formas de reatualização ou de manifestação do padrão de domínio
existente na sociedade. Embora financiadas com recursos extraídos da
totalidade do público, o “interesse geral” que proclamam traduz-se como
intermediação estatal dos interesses particulares (AUGUSTO, 1989, p. 108).
No entanto, mesmo diante dos números não oficiais e da realidade social que
demonstram que as pessoas trans existem e estão em sua maior parte em situação de
vulnerabilidade social, o Poder Legislativo se nega a discutir a inclusão e a diversidade e
se posiciona contrário às medidas que garantam direitos básicos à essa população.
400
mediante o cumprimento de procedimentos específicos que tem a morosidade
como característica (PEDRA, 2020, p. 20).
401
Recentemente, em abril de 2022, em decisão histórica e extremamente
significativa por se tratar do combate à violência de gênero, o Superior Tribunal de
Justiça estabeleceu que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) se aplica aos casos de
violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.Na prática, pessoas trans e
travestis dificilmente podem contar com a segurança pública, uma vez que a relação
entre a polícia e esse grupo social é sempre identificada como conflituosa.
Não se trata aqui de uma crítica à atuação do Poder Judiciário, uma vez que a
garantia de direitos deve ser uma prioridade do Estado. O que se pretende é provocar a
reflexão acerca das limitações das decisões judiciais que buscam garantir direitos
fundamentais das pessoas trans e travestis no contexto de uma sociedade em que a
transfobia é estrutural; bem como acerca da necessidade da proposição de políticas
públicas que tenham por objetivo o combate efetivo do preconceito, estigmatização e
exclusão desse grupo e o acesso à cidadania.
4- CONCLUSÃO
402
que promove o deslocamento do poder decisório acerca da efetivação de políticas
públicas, função típica dos Poderes Legislativo e Executivo, para o Poder Judiciário.
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUGUSTO, Maria Helena Oliva. Políticas públicas, políticas sociais e política de saúde:
algumas questões para reflexão e debate. Tempo social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo,
1(2): 105-119, 2.sem. 1989.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 23. Ed. Rio de
JANEIRO: Civilização Brasileira, 2017.
FÉLIX, P.R. Cidadania e Capitalismo: uma análise a partir da crítica marxista do direito.
R. Praia Vermelha, Rio de Janeiro, v.29, n. 1 (especial), p. 13-38, 2019.
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho - ensaios sobre sexualidade e teoria queer.
Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
403
MELLO, Adriana. O Supremo Tribunal Federal e o Direito das Travestis à Unidade
Prisional Feminina - Comentários à Decisão Proferida no Habeas Corpus nº 152.491.
Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 16 - n. 1, p. 193-211, 1º sem. 2018.
SCOTT, J.W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, n.
20 (2), 1995. p. 71-100.
404
VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal e Serviço Social:
resistências e articulações internacionais
EIXO TEMÁTICO 5
Ofensiva ultraconservadora e resistências:
formação e trabalho profissional
TENDENCIAS DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NA GRADUAÇÃO EM SERVIÇO
SOCIAL: ANÁLISE A PARTIR DAS MONOGRAFIAS.
RESUMO:
ABSTRACT
406
1- INTRODUÇÂO
407
e pelo movimento de organização das classes trabalhadoras, com amplas repercussões
no mercado profissional de trabalho. (ABEPSS, 1996: 5)
Cabe ressaltar que esses três núcleos congregam os conteúdos necessários para
a compreensão do processo de trabalho do assistente social, afirmam-se como eixos
articuladores da formação profissional pretendida e desdobram-se em áreas de
conhecimento que, por sua vez, se traduzem pedagogicamente através do conjunto dos
componentes curriculares, rompendo, assim, com a visão formalista do currículo, antes
reduzida a matérias e disciplinas. Esta articulação favorece uma nova forma de
realização das mediações entendida como a relação teoria-prática que deve permear
toda a formação profissional, articulando ensino-pesquisa-extensão (ABEPSS, 1996:9).
Assim, a lógica curricular proposta compreende a pesquisa como principio formativo
transversal à formação profissional.
408
O projeto político pedagógico do curso de Serviço Social da UFOP, em
consonância com as Diretrizes da ABEPSS, instituiu componentes curriculares
profundamente relacionados à pesquisa: a disciplina de Pesquisa em Serviço Social 1,
Pesquisa em Serviço Social 2, e o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que também
se desenvolve em dois componentes curriculares. De acordo com as Diretrizes o TCC:
409
disciplinas de Seminário de Trabalho de Conclusão de Curso I e II. Nossa pesquisa se
baseou na análise de trinta TCC’s elaborados no período compreendido entre 2016 e
2021que foram depositados na biblioteca digital do ICSA. É importante ressaltar que a
inserção de TCC’s na biblioteca digital teve início em 2016 demarcando o ano de início
do período analisado. Cabe ressaltar ainda que em 2021 ainda não foi atingida a
submissão da totalidade de TCC’s no formato digital ainda que o número de trabalhos
submetidos tenha crescido.
410
metodologias. Uma hipótese importante a ser investigada refere se à possível definição
por metodologias que não exijam a submissão e tramitação nos comitês de ética em
pesquisa que, principalmente em um período marcado pela redução na duração dos
períodos letivos, pode inviabilizar o cronograma de execução das pesquisas.
Outro aspecto importante para nossas reflexões sobre a ética em pesquisa está
relacionado à indicação do Código de Ética como referência no processo investigativo.
Ainda que o código de ética indique os princípios que devem nortear as pesquisas chama
a atenção que os autores não se refiram ao mesmo ao construir suas propostas
metodológicas e por vezes esse documento basilar para a profissão sequer é indicado
entre as referências bibliográficas. Essa ausência pode indicar uma lacuna a ser
trabalhada nas disciplinas de pesquisa em Serviço Social e nas orientações de TCC’s.
3- CONSIDERAÇÔES FINAIS
411
discentes nas pesquisas bem como buscamos identificar lacunas que devem ser objeto
de aprofundamento em disciplinas da graduação.
Por fim, é importante indicar que nossas analises, ainda que iniciais, indicam o
impacto do período pandêmico para as pesquisas. Tais impactos merecem ser
aprofundados para que seja possível construir estratégias de qualificação da formação
profissional.
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS
MARX, Karl. "Introdução" in Para a crítica da economia política, Salário, preço e lucro. O
rendimento e suas fontes. São Paulo: Abril Cultural, “Os economistas”, 1982.
MINAYO, Maria Cecília. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, Vozes,
1994.
412
LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina. Metodologia cientifica. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2000.
RICHARDSON, Roberto. J. etall. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas,
1989.
413
A INDISPENSABILIDADE DO ESTUDO DA (CRÍTICA DA) ECONOMIA POLÍTICA
PARA A FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
1- INTRODUÇÃO
153Assistente Social; Doutorando em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora / UFJF (bolsista FAPEMIG);
e-mail julianozancanelo@gmai.com ; Eixo Temático: Resistências, Lutas e Internacionalização do Serviço Social / área
temática: ofensiva ultraconservadora e resistências: formação e trabalho profissional;
414
Serviço Social (ABEPSS), de 1996. As quais estabelece no Núcleo de Fundamentos
Teórico-Metodológicos da Vida Social a necessidade da abordagem científica sobre o ser
social e sua produção histórica e particular na sociedade capitalista, sob a compreensão
das leis econômicas que regem tendencialmente o processo produtivo e a dinâmica de
reprodução social no bojo da luta de classes. Algo que está necessariamente articulado
com os outros núcleos de fundamentação para a formação profissional — Fundamentos
da Formação Sócio-Histórica da Sociedade Brasileira e Fundamentos do Trabalho
Profissional (ABEPSS, 1996).
415
de conhecimentos sobre as leis econômicas, desenvolvido no chamado período clássico
da Economia Política. Segundo Marx (1982), a tradição intelectual franco-inglesa forjou
os pensadores que marcaram a Economia Política Clássica, desde William Petty
(Inglaterra) e Pierre de Boisguillebert (França) a David Ricardo (Inglaterra) e Jean de
Sismondi (França). Também, destacamos o intelectual britânico Adam Smith que, junto
com David Ricardo, representam os principais pensadores da fase clássica da Economia
Política.
154“Laeconomía política estudia, pues, los diversos aspectos delproceso económico que se manifiestan a
través de lasleyes económicas. Es una ciencia teórica, contrariamente alahistoria económica y a
laeconomíadescriptiva, que estudianeldesarrollo de procesos económicos concretos entiempos y lugares
determinados.” (LANGE, 1966, p.87);
416
revolucionária. Afinal, alicerçada em preceitos do liberalismo clássico em contraposição à
sociabilidade feudal e absolutista, a Economia Política Clássica representou a vontade
coletiva da burguesia revolucionária de superação do Antigo Regime e de irrupção da
nova ordem — a ordem burguesa.
155Mesmo ano da publicação do Manifesto do Partido Comunista, elaborado e escrito por Marx e Engels
devido à sua deliberação no II Congresso da Liga dos Comunistas, em 1847, enquanto um documento
programático da Liga. “Nos começos de fevereiro de 1848, o documento (de cujo original só se conservou
uma página, manuscrita por Marx) é enviado à sede da Liga, em Londres, e provavelmente a 23 ou 24 do
mesmo mês sai da pequena tipografia de J. E. Burghard a primeira edição, com três mil exemplares em
alemão, do Manifesto — naturalmente sem a identificação dos autores, uma vez que se tratava do programa
de um coletivo político. E quase ao mesmo tempo em que a Liga ingressava aberta e publicamente da arena
política, apresentando-se com o Manifesto, a revolução — que logo se estenderia pela Europa continental —
explodia em Paris” (NETTO, 1998, p.16).
417
do Valor-Trabalho e a análise das relações sociais a partir da produção foram
incorporadas por intelectuais que se vinculavam ao proletariado, observadas as críticas à
própria construção clássica da Economia Política (NETTO e BRAZ, 2012).
418
referência no conhecimento teórico. Portanto, esse movimento é algo que parte do
externo e é reproduzido no plano das ideias. Então, para a tradição marxista, teoria não é
o que retrata estaticamente a realidade, ela extrai da realidade um movimento efetivo
dela própria.
419
constante disputa de interesses estruturalmente antagônicos. Dessa forma, percebemos
que o Serviço Social ao participar do processo de reprodução das relações sociais, atua
sobre a basilar contradição entre capital e trabalho que sustenta a atual ordem societária.
Assim, enquanto uma profissão que se insere na divisão social e técnica do trabalho
como uma especialização do trabalho coletivo e que se debruça sobre a reprodução das
relações sociais capitalistas, o Serviço Social é transpassado pelas contradições desta
sociedade de classes fundamentalmente divergentes. Como a reprodução das relações
sociais do atual modo de produção pressupõe a reprodução de suas características
fundantes no movimento histórico do real, mais uma vez reafirmamos que a reprodução
das relações sociais presume a reprodução da ineliminável contradição entre a classe
dominante e a classe despossuída e explorada. E como o Serviço Social atua na
reprodução das relações sociais, sua natureza profissional, essencialmente, é polarizada
pelo conflito estrutural entre as classes sociais historicamente opostas. Dessa forma, por
mais que o Serviço Social, enquanto uma profissão inscrita sob o estatuto do
assalariamento, tende a aderir ao hegemônico pensamento conservador das classes
proprietárias e que exploram o trabalho alheio, não se pode eliminar a conflitividade de
interesses de classes que é situado no significado social desta profissão. Afinal, conforme
Iamamoto e Carvalho (2014), o Serviço Social além de atender requisições do capital
para a reprodução das relações sociais, também, e neste mesmo processo social,
responde a certas necessidades do polo oposto na luta de classes. Sob essa perspectiva,
os autores afirmam que o Serviço Social
420
trabalho, a intervenção profissional responde a necessidades e interesses de ambas as
classes. E nesse processo, a depender da vinculação teórico-política de seus agentes
profissionais e da correlação de forças sociais e institucionais em que estão inseridos, a
profissão, no bojo de sua autonomia relativa, conta com a potencialidade de poder
fortalecer uma ou outra extremidade da luta de classes. Assim, mesmo com as condições
estruturais desfavoráveis, o agir profissional do Serviço Social, imerso na contradição
entre as classes, pode, por exemplo, potencializar certas necessidades das classes
trabalhadoras e subalternas, ao mesmo passo que responde a determinados interesses
das classes dominantes.
3- CONCLUSÃO
421
Político hegemônico da profissão, expresso, por exemplo, nas Diretrizes Curriculares da
ABEPSS.
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABEPSS. Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social. ABEPSS: Rio de Janeiro,
1996.
IAMAMOTO, Marilda Villela e CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no
Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 41.ed. São Paulo: Cortez,
2014.
LANGE, Oskar Richard. Economía Política: problemas generales. / trad. de Siverio Ruiz
Daimiel. — México: FCE, 1966.
MARX, Karl.A Miséria da Filosofia. / tradução de José Paulo Netto. São Paulo: Boitempo,
2017.
______. Para a crítica da Economia Política. Salário, Preço e Lucro. O rendimento e suas
fontes. São Paulo: Abril, 1982.
NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. — 8.
ed. São Paulo: Cortez, 2012.
NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. 1.ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2011.
______. Prólogo: Elementos para uma leitura crítica do Manifesto Comunista. In: MARX,
Karl e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
422
O ENSINO DA QUESTÃO SOCIAL NA FORMAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS
156 Assistente social. Especialista em Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental (UNISINOS).
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Política Social e Serviço Social da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), professora orientadora: Dra. Thaísa Teixeira Closs. camilamsdb@homail.com.
157 Assistente social. Mestre e doutora em Serviço Social (PUCRS). Especialista em Residência Integrada em
423
1- INTRODUÇÃO
424
profissão no Brasil entre a ditadura militar e a redemocratização da sociedade brasileira,
o Serviço Social, a partir da vertente de intenção de ruptura com o conservadorismo e da
aproximação com a tradição Marxista, se apropria, ressignifica e difunde na profissão a
concepção de questão social nos aportes analíticos da matriz do materialismo histórico
dialético, (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982) marcando assim seu posicionamento e
compromisso com os direitos da classe trabalhadora e com a superação da ordem
burguesa.
A questão social, passa assim a ser compreendida como um conjunto de
expressões de desigualdades e lutas sociais que emergem de uma relação de
disparidade e contradição entre as classes sociais no sistema de produção e
sociabilidade capitalista, em aspectos econômicos, políticos e culturais, mediadas ainda
pelas relações de gênero, étnico-raciais, regionais e culturais (IAMAMOTO, 2001). A
incorporação da teoria social de Marx como matriz teórico-metodológica fornece as
mediações necessárias para desvendar os artifícios do pensamento conservador que
pairam sobre a questão social, segundo Netto (2001, p.45), ao desvendar a dinâmica da
lei geral de acumulação capitalista, a análise marxiana também "revela a anatomia da
questão social", portanto revela sua dimensão contraditória e indissociável do modo de
produção capitalista. A questão social passa a ser concebida como fundante sócio-
histórica do Serviço Social e, dessa forma, como eixo analítico dos fundamentos da
profissão (CLOSS, 2015), assumindo uma posição central na formação profissional, bem
comose constitui em objeto de intervenção profissional do assistente social, aspectos que
as Diretrizes Curriculares formuladas pela ABEPSS em 1996 têm por objetivo
materializar. (ABEPSS, 1996).
A construção das referidas diretrizes marca a história da formação em Serviço
Social no Brasil. Goin (2019) explicita que a nova lógica curricular, ao apostar na
indissociabilidade entre história, teoria e método, rompe com a endogenia que analisava
o Serviço Social nele e por ele mesmo e possibilita compreendê-lo nos processos sociais,
como produto e produtor desses processos, em suas múltiplas determinações. Closs
(2015) aponta que a concretude histórica que a questão social atribui à profissão, faz com
que ela tenha esse caráter de centralidade, junto à categoria trabalho, na estruturação
curricular, esta centralidade enriquece a proposta de formação, pois articula
componentes de análise da gênese profissional, da particularidade da profissão na
divisão sociotécnica do trabalho e na sociedade burguesa e as bases interpretativas
críticas do espaço sócio-ocupacional do Serviço Social, por isso as Diretrizes Curriculares
425
da ABEPSS apostam na transversalidade da questão social aos componentes
curriculares para garantir uma formação generalista.
Dessa forma, a apreensão das particularidades da questão social, e de todos os
conteúdos e matérias do currículo, é subsidiada pela articulação de três Núcleos de
Fundamentação da formação: Núcleo de Fundamentos Teórico-metodológicos da Vida
Social, que trata da compreensão dos fundamentos, categorias, conhecimentos e teorias
que explicam a realidade e a totalidade histórica do ser social; Núcleo de Fundamentos
da Particularidade da Formação Sócio-histórica da Sociedade Brasileira, que articula o
processo histórico de formação da sociedade brasileira, as particularidades do seu
desenvolvimento e dos desdobramentos do capitalismo em um país latino-americano
dependente e Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional, que recupera a
profissionalização do Serviço Social, como trabalho especializado, considerando sua
matéria e objeto de trabalho, os instrumentos, técnicas e recursos que conformam a
intervenção profissional. (ABEPSS, 1996).
Mas as contra-reformas do ensino superior atropelaram esses processos, e
trouxeram diversos desafios na implementação efetiva das Diretrizes Curriculares da
ABEPSS. Em sua aprovação em 2001 sofreu várias descaracterizações, supressão de
princípios e conteúdos das matérias, deixando as unidades de ensino com escassa
referência, prejudicando a garantia da transversalidade e articulação dos conteúdos, o
que indica desafios de materialização da questão social como ordenadora do
currículoperpassando as matérias e disciplinas nos currículos dos cursos de Serviço
Social. Diante da conjuntura de precarização da formação e do ataque neoliberal às
universidades, se evidencia a importância de preservar as conquistas que atribuem
legitimidade intelectual, moral e cultural à profissão e impulsionar seu avanço. (KOIKE,
2009).
426
impactos das contrarreformas na política de educação na formação em Serviço Social
hoje são inúmeros e, segundo Iamamoto (2014), são decorrentes do contexto de
expansão acelerada da oferta de vagas, principalmente na modalidade à distância, de
prevalência de instituições de ensino privadas não universitárias que prejudicam o tripé
ensino, pesquisa e extensão como base da formação, de precarização das condições de
trabalho docente, de alteração no perfil socioeconômico e de identidade dos estudantes,
com relação à gênero, etnia e geração, de financeirização, mercantilização e privatização
da política educacional e da vida social e de proposta do ensino superior por competência
focado no sistema produtivo.
Guerra (2018) alerta que nesse contexto as categorias centrais para a formação
de assistentes sociais tendem a ser tratadas como conceitos positivados,
descontextualizados e/ ou desconexos da natureza da profissão. É necessário tratá-las
rigorosamente no âmbito teórico, histórico e metodológico, os docentes devem adotar um
recurso pedagógico que demonstre claramente os nexos internos e intrínsecos entre as
categorias, na perspectiva de superar tendências formais-abstratas e antiontológicas que
invadem a racionalidade da profissão: o teoricismo, o metodologismo e a adoção de uma
concepção de história cronológica e para isso, é necessário radicalizar as diretrizes e
seus princípios, defender a universidade como espaço de formação integral, crítica e de
produção de um conhecimento socialmente relevante.
O que ocorre é que com relação ao ensino da questão social, a profissão tem
analisado pouco se seu processo formativo está contemplando o ensino a partir das
Diretrizes Curriculares da ABEPSS. Closs (2015), em seu estudo sobre a produção dos
periódicos da área sobre a questão social em sua mediação com o ensino e a formação,
apontou que as produções são escassas. Em levantamento realizado em outubro de
2021 no catálogo de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), com o objetivo de identificar as produções sobre o
ensino da questão social na formação profissional, a partir dos descritores "questão
social", "Serviço Social" e "ensino", somente uma tese foi encontrada tratando
especificamente sobre o tema, a de Ferreira (2015), que revela diversos desafios que
ainda se colocam no processo da apreensão da questão social pelos assistentes sociais,
como a heterogeneidades de concepções, a dificuldade de compreensão da sua gênese
e estrutura no conflito capital-trabalho e da sua dimensão contraditória e política de
desigualdades e resistências, afetando o desenvolvimento das mediações necessárias
para a intervenção profissional.
427
Realizou-se pesquisa documental em julho de 2022 nos currículos
disponibilizados nos sites de 10 instituições públicas e privadas que ofertam cursos de
Serviço Social presenciais ativos no Rio Grande do Sul, identificados a partir do sistema
E-MEC do Ministério da Educação. A pesquisa revelou a seguinte realidade e
configuração curricular com relação às disciplinas de questão social: 9 cursos (9 de 10)
possuem ao menos uma disciplina com o descritor "questão social" no currículo, que se
localizam entre o primeiro e o terceiro semestre. Um curso (1 de 10) não tem disciplina
intitulada dessa forma no currículo e é de uma instituição privada. Apenas dois cursos (2
de 10) ofertam duas disciplinas intituladas de questão social, de carga horária total de
60h cada e ambos são de instituições públicas, em um (1 de 2) as disciplinas são
ofertadas no primeiro e no terceiro semestre e em outro (1 de 2) uma é ofertada no
primeiro semestre e outra é optativa, podendo ser cursada em qualquer etapa, o restante
do total dos cursos (7 de 10), ofertam somente uma disciplina com esse título no
currículo. Das 11 disciplinas levantadas nessa pesquisa, nove (9 de 11) possuem carga
horária de 60h e duas (2 de 11) possuem 80h. Elas estão nomeadas principalmente
como: "questão social e Serviço Social" (5 de 11) e o restante articula dimensões como:
objeto de trabalho do Serviço Social (1 de 11), trabalho (1 de 11), capitalismo (1 de 11),
transformações societárias (1 de 11), formação social brasileira (1 de 11) e mídia (1 de
11).
Nestes mesmos cursos, realizou-se pesquisa documental nos seus sites
institucionais, nos itens que apresentam as informações do curso, do processo formativo
e da profissão, com objetivo de identificar se/como a questão social aparece nesta
descrição, se evidenciou o que segue: as apresentações nos sites seguem a tendência
comum de citar o que a instituição concebe como competências profissionais do
assistente social, seus espaços de atuação, os segmentos com que trabalha e seu objeto
de intervenção. Dos 10 cursos, somente um (1 de 10), de uma universidade pública, cita
a questão social na sua apresentação, quando se refere ao objetivo geral do curso. Os
demais objetos de estudo e de intervenção citados nas apresentações aparecem da
seguinte forma e frequência: necessidades, demandas e desigualdades sociais (4),
políticas públicas e sociais e programas sociais (3), processos sociais (2), realidade
social (1), conjunto das relações sociais (1) e exclusão social (1).
Apesar da maioria dos cursos no estado prever a disciplina de questão social no
seu currículo é preciso aprofundar a análise de como ela está sendo abordada nestas
disciplinas e na configuração total do processo formativo. É curioso que a questão social
e suas expressões sejam elementos invisibilizados nas apresentações dos cursos, o
428
objeto de intervenção da profissão não é algo publicizado para a sociedade e futuros
alunos no principal portal de divulgação, informações e ingresso dos cursos, que são as
mídias digitais das instituições. As competências profissionais tão amplamente citadas
nas apresentações traduzem as formas de enfrentamento ao objeto de trabalho, mas não
o objeto em si e essa demarcação é importante na atual conjuntura. Guerra (2018)
sinaliza que o projeto de formação deve ser orientado por um projeto de profissão
coerente e consistente, que deixe claro de que Serviço Social está se falando, quais os
seus objetivos, atribuições e competências sócio-profissionais e à qual perspectiva se
vinculam, de maneira a não ceder às tendências neutralizadoras, conservadoras e
neoliberais que disputam terreno na profissão.
É preocupante que no interior do Serviço Social ainda seja necessário travar
esforços para que a questão social seja afirmada como objeto de trabalho a partir dos
fundamentos teórico-metodológicos definidos nas Diretrizes Curriculares, enquanto as
expressões da questão social se agudizam, se complexificam e se fetichizam no cenário
sócio-político e sanitário brasileiro, no auge da revolução 4.0 de intensificação do uso das
tecnologias de informação e comunicação, da pandemia de covid-19, que aprofundou o
processo de regressão dos direitos sociais e que segundo Rafael (2020, p. 128)
descortina "o quão violento e anticivilizatório é o modo de produção capitalista, que
sacrifica vidas dia a dia", das novas morfologias que se colocam mundo do trabalho,
como o teletrabalho, a plataformização e uberização, que promovem desvinculação
empregatícia e desregulamentação social do trabalho, legitimadas por legislações como a
reforma trabalhista e da previdência, criando uma tendência de intensa precarização,
terceirização, instabilidade e desemprego total, que segundo Antunes (2018) coloca a
servidão como um privilégio de sobrevivência. É preocupante que não tenhamos
consolidado na profissão a questão social como objeto de trabalho, enquanto suas
expressões nos demandam profundamente uma intervenção cada vez mais complexa,
atenta, crítica, criativa e coletiva.
Para Koike (2009), manter sob permanente crítica e atualização o processo da
formação profissional é uma necessidade de todos os campos profissionais. Para os
assistentes sociais, pensar seu processo educativo/formativo, requer cautelosa avaliação
do atual estágio do capitalismo e seu Projeto Ético-político. Lewgoy e Maciel (2016)
destacam que desde a década de 1990, podemos resgatar da trajetória histórica do
Serviço Social, uma composição dialética de configurações, problematizações e
resistências que buscam garantir o Projeto Profissional por meio de estratégias que se
propõem a enraizar e florescer as Diretrizes Curriculares, de manter a organização
429
política da profissão e de sintonizar seu Projeto com a direção social da formação. Nesse
sentido, se faz necessário fortalecer e apostar nessa composição dialética diante de
contextos tão desafiadores que se colocam, germinar as sementes que a luta coletiva dos
assistentes sociais plantou no decorrer da história, passa por afirmarmos o compromisso
de traçar permanentemente caminhos de análise da qualidade da formação e do trabalho
profissional, consolidando o Projeto Ético-Político do Serviço Social.
4- CONCLUSÕES
5- REFERÊNCIAS
430
capitalismo: novas facetas do neoliberalismo. Uberlândia: Navegando Publicações,
2020.
CLOSS, T. T. Questão Social e Serviço Social:uma análise das produções dos periódicos
da área. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 253 - 266, ago./dez. 2015.
NETTO, J. P. Cinco Notas a Propósito da Questão Social. Temporalis, n. 03, Ano 02,
ABEPSS, Grafiline, 2001.
431
AS OBRAS DE RICARDO DE ANTUNES NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM
SERVIÇO SOCIAL: apresentando pistas…
Hiago Trindade158
Ana Lídia Alves159
Mateus Matias da Silva160
Rayane Abrantes161
158 Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do curso de
Serviço Social da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), onde coordena o Grupo de Estudo,
Pesquisa e Extensão em Trabalho, Lutas Sociais e Serviço Social (GETRALSS). E-mail:
hiagolira@hotmail.com
159 Discente do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Membro do
Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Trabalho, Lutas Sociais e Serviço Social (GETRALSS). E-mail:
160 Discente do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Membro do
Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Trabalho, Lutas Sociais e Serviço Social (GETRALSS). E-mail:
161 Discente do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Membro do
Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Trabalho, Lutas Sociais e Serviço Social (GETRALSS). E-mail:
432
known works (Adeus ao Trabalho? and Os Sentidos do
Trabalho), but without being restricted to them.
1– Introdução
433
no âmbito da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). De modo geral, o
referido projeto tem por objetivo identificar a influência das obras produzidas por Ricardo
Antunes no âmbito dos cursos de graduação em Serviço Social ofertados por Instituições
de Ensino Superior públicas no Brasil e, para isso, está em curso a produção de dados
relacionada a diversos aspectos, tais como: número de referências obrigatórias e
complementares das obras de Ricardo Antunes, períodos e disciplinas em que estas
obras comparecem, dentre outros aspectos. No âmbito deste artigo, temos como foco a
análise de um dado específico, qual seja: aquele direcionado para apresentar os livros162
registrados no âmbito dos 33 Projetos Político-Pedagógicos (PPPs) a que consultamos,
mediante pesquisa documental.
2- Apresentando as pistas…
162Émister lembrar que, durante o processo de produção dos dados mediante pesquisa documental, além
dos livros, também identificamos um número (reduzido) de artigos e capítulos de livro, os quais não
constituem objetos de tratamento de nossa análise nesse momento.
434
Gráfico 1 - obras presentes nos PPCs
40 38
33
30
20 13 11
10 4 4 3
1
0
ha
ho
?
r
ho
l
l
al
i
bo
as
as
ho
er
l
l
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A
di
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in
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e
a
ia
ez
ár
qu
er
op
Ri
s e
as
Cl
Cumpre frisar que, além destas obras, também registramos, em menor proporção,
a presença de artigos e capítulos de livros. Dentre os livros mais referenciados, há duas
particularidades que precisam ser apontadas: 1) O livro Riqueza e Miséria do trabalho no
Brasil, nos três volumes registrados (2006, 2010, 2013), não constitui um material de
autoria exclusiva de Ricardo Antunes, trata-se, em verdade, de uma coletânea que
aglutina diversos pesquisadores do chamado mundo do trabalho, apresentando os
resultados de pesquisas sobre diversas categorias e temas envoltas à temática. Não por
acaso, em grande medida, esta obra consta nas disciplinas que intencionam
problematizar as questões e dilemas do mundo do trabalho na contemporaneidade.
435
Assim, as obras de autoria específica de Ricardo Antunes mais reivindicadas
pelos PPPs foram Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho e Os sentidos do trabalho – Ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho163, publicadas, respectivamente, nos anos de 1995 e 1999. Como percebemos,
antes desse período, outras interessantes produções do autor já haviam sido
socializadas, à exemplo de Trabalho e Rebeldia (1992) e O que é sindicalismo? (1983).
Mas, de fato, foi com Os sentidos do trabalho e com Adeus ao trabalho? que Ricardo
Antunes galgou maior notoriedade no universo acadêmico intelectual.
No que se refere especificamente a esta segunda obra, fazemos coro com José
Paulo Netto, ao levantar a ideia segundo a qual
[…] este Ricardo Antunes que conhecemos no seu perfil atual emergiu com
Adeus ao trabalho? Penso que o livro publicado em 1995 assinala o estágio em
que o livro publicado pelo autor alcança o plano sobre o qual vai se desenvolver,
desde então e com seus traços pertinentes e peculiares, a sua elaboração
teórica mais decisiva. (NETTO, 2015, p. 273 – grifos originais).
Por que esses livros são tão expressivos? Podemos dizer avançar em uma chave
de interpretação segundo a qual, em meios aos debates sobre o fim do trabalho, de sua
centralidade e/ou sobre a extinção da classe trabalhadora a ganhar terreno no Brasil a
partir dos anos 1980, Ricardo Antunes foi construindo um conjunto de pesquisas e sendo
atravessado por outros tantos questionamentos fazendo com que, de um lado, suas
obras já publicadas fossem ganhando apêndices para auxiliar no aprofundamento dos
temas abordados e, de outro lado, novas obras fossem produzidas para dar respostas
complexas a uma realidade também complexa e em constante movimento.
163 Doravante, faremos referência a essas obras apenas por seus títulos principais.
436
Cada qual a seu tempo e a seu modo, os livros presentes no gráfico trouxeram
contribuições importantes para o universo acadêmico e para os setores da esquerda e
progressista no Brasil. Estas obras, expressam o amadurecimento intelectual e,
especialmente a partir de “A rebeldia do trabalho”, uma produção que se nutre e se
aproxima, das concepções de Lukács e seu debate sobre a ontologia do Ser Social,
como revela o próprio Antunes (2015) em entrevista concedida por alusão à
comemoração dos 15 anos de Adeus ao trabalho? no Brasil.
3- Considerações Finais
437
ser possível avançar na indicação de algumas pistas a esse respeito, contribuindo assim
para fomentar dos debates nesse campo temático.
4- Referências
438
ANTUNES, R. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil – Volume 3. São Paulo:
Boitempo, 2013.
439
LIBERDADE, DEMOCRACIA E CIDADANIA: tendências identificadas no debate dos
fundamentos
164
Assistente social, mestre e doutora em Serviço Social, docente do Departamento de Fundamentos do Serviço Social da
Escola de Serviço Social/UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. fgraveortiz@gmail.com
165
Assistente social, mestre em educação, doutor em Serviço Social, docente do Departamento de Serviço Social e do
Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal de Mato Grosso. josileyrafael@yahoo.com.br
166
Assistente social, mestre e doutor em Serviço Social, docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe. fellix.ufs@gmail.com
440
also dialogue with the professional category, which express a link to a
reformist project of the order of capital.
Keywords: freedom, citizenship, democracy
1. INTRODUÇÃO
441
aprovação das Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Serviço Social
(1996).
Deste modo, entende-se que esta aliança acadêmica e político-institucional se
revela não somente importante, como estratégica, visto a necessidade premente de
interlocução das pesquisas afins e seus pesquisadores, tendo em vista que: i.) a análise
própria do objeto – fundamentos do projeto ético-político profissional – pressupõe a
exigência de que o mesmo se coloque a partir da perspectiva da totalidade; ii.)é
inconteste que a pesquisa quando coletiva e integrada tende a ampliar sua capacidade
reflexiva e propositiva; iii) tende a favorecer a mobilidade discente, a formação de
quadros de pesquisadores graduados e pós-graduados e a proposição de novas
investigações, dentre outros aspectos.
Neste sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar os primeiros resultados do
referido projeto, obtidos por meio de revisão e análise bibliográfica e documental, cujo
objetivo central é: identificar e analisar as tendências expressas nos fundamentos
históricos, teóricos e políticos acerca das categorias liberdade, cidadania e democracia
no contexto da sociabilidade burguesa nos países centrais e dependentes, com ênfase
na particularidade brasileira.
Desde a década de 1970 vivenciamos uma das mais profundas crises do capital,
que assume uma natureza “estrutural”, conforme sinaliza Mészáros (2009). Em meio às
consequências destrutivas desse processo, verificamos a derruição do que se
convencionou denominar de “Estado de Bem-Estar Social”, além de um contínuo
movimento de redução de direitos – humanos e de cidadania –, pelo estreitamento dos
canais democráticos, bem como o aprofundamento de diversas formas de restrições de
liberdade.
Tal fenômeno, resultante das contradições irreconciliáveis do próprio
desenvolvimento capitalista, apesar de assentar-se nas suas estruturas gerais, assume
rebatimentos particulares nos distintos países. No Brasil, cuja dinâmica sócio-histórica
conformou-se de modo periférico e dependente, tais consequências resultam em
contornos mais acentuados. Pois bem, como um país inscrito num processo de
desenvolvimento geral desigual e combinado, possuímos traços que incorporam
elementos demarcados por “ritmos irregulares e espasmódicos, desencontrados e
442
contraditórios” (IANNI, 1992, p.60), ademais de uma persistente coexistência entre o
moderno e o arcaico articulados num mesmo processo de desenvolvimento de
“modernização conservadora” (FERNANDES, 1987). Isso quer dizer que a precariedade
de seu sistema de proteção social, a não constituição de um Estado de Bem-Estar – tal
qual se estruturou em outros países de economia central –, a sua estrutura sócio-política
de caráter autoritário, com baixa participação democrática acabam por particularizar as
consequências da crise capitalista.
Mesmo com essas marcas estruturantes, destacamos o significado que
representou o processo de “redemocratização no país” a partir de uma abertura lenta e
gradual que possibilitou o reingresso na cena política de sujeitos coletivos (movimentos
sociais, partidos políticos, organizações da sociedade civil, etc.) que contribuíram para
estruturação de uma nova cultura sócio-política que incidiram, por sua vez, em diversas
organizações e profissões, como o Serviço Social. Nesse contexto, um novo perfil
profissional se amadureceu, ressignificando sua auto-imagem, a partir de uma direção
ético-política e pressupostos teórico-metodológicos, orientados a partir de determinados
princípios emancipatórios.
Ao longo dos de 1990, tais princípios foram incorporados nos marcos de um novo
projeto profissional, tendo na liberdade o seu valor ético central, apreendida enquanto
“possibilidade de escolher entre alternativas concretas” (NETTO, 1999). Nesse percurso,
afirma-se um compromisso com a “autonomia”, a emancipação e a plena expansão dos
indivíduos”. Como afirma Netto (1999, p.105, grifos no original) o núcleo político desse
projeto se reclama “radicalmente democrático – vista a democratização enquanto
socialização da participação política e socialização da riqueza socialmente produzida”
(NETTO, 1999, p.105). A defesa da democracia aqui – política e econômica – assume um
caráter tático fundamental, na contramão da estrutura autocrática brasileira.
Conquanto, alinhado no bojo das lutas gerais da classe trabalhadora, o projeto
que ganhou hegemonia no interior da categoria profissional reafirmou um posicionamento
a favor da equidade e da justiça social, bem como investido no âmbito da cidadania,
pauta-se pela sua ampliação e consolidação, com vistas a garantia dos direitos civis,
políticos e sociais das classes sociais.
Trata-se, de um conjunto de valores que devem ser apreendidos de modo
articulado, orientados na perspectiva de vinculação a um projeto que propõe a construção
de uma nova ordem, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. Essa
vinculação assumida nos marcos desse projeto profissional, como vimos, tem na luta por
443
direitos, humanos e de cidadania, da democracia e da liberdade sustentáculos ético-
políticos fundamentais.
Convém pontuarmos que, apesar da inscrição daqueles valores nos marcos de
um projeto profissional mais amplo de cariz crítico, disso não deriva um alinhamento
homogêneo, seja pela apropriação dos fundamentos daqueles valores em sua dimensão
categorial, seja pelos distintos compromissos ético-políticos que deles resultam, o que
nos demanda um esforço teórico-analítico na qualificação do debate e da
problematização de suas consequências.
No tocante ao debate, vale destacarmos algumas tendências teórico-
metodológicas que vem se processando e que, por sua vez, implicam na afirmação de
determinados projetos sócio-políticos. Verificamos a influência de postulados que
reafirmam a defesa da cidadania, nos limites das conquistas democrático-cidadãs
burguesas, seja incorporando os pressupostos do sociólogo inglês T. H. Marshall (1967
[1950]); seja na sua reatualização conservadora, com a incorporação de outros
fundamentos, alguns de matriz eclética, que, ao fim e ao cabo, enfatizam uma proposta
que atrela os compromissos profissionais em seus níveis de apreensão teórica e valores
ético-políticos na defesa de direitos de cidadania e da democratização do Estado aos
limites das conquistas do Estado de Bem-Estar Social (GOMES, 2013; SANTOS, 2018),
sustentando a reafirmação de um novo contratualismo de matriz socialdemocrata.
Nesse percurso, dialogam com a categoria profissionaltendências teórico-
analíticas, que expressam vinculação a um projeto reformista da ordem do capital,
exigindo para isso a adoção de medidas que possam tornar aquele sistema
sociometabólico mais “socialmente responsável”, “democrático”, a partir de “soluções
negociadas” entre o conjunto das personificações do capital, buscando o estabelecimento
da “verdadeira liberdade humana”, transfigurados na fluida condição de “cidadão/ã”. De
um modo, a “armadilha categorial” na qual se sustenta algumas dessas análises acaba
por requisitar alternativas de estruturação de uma “igualdade de status”. As alternativas,
portanto, centram-se na maior “participação”, no “controle social”, no “aperfeiçoamento
dos quadros institucionais”, na “inclusão dos excluídos” – como se existisse um “lado de
fora” do processo de acumulação capitalista –, ou seja, determinantes que, no limite,
buscam incidir no campo da distribuição, distando-se da defesa de uma “igualdade
substantiva”,conforme Mészáros (2009).
Noutro campo, identificamos tendências que, nos marcos da recente crise do
capital, assentam-se em pressupostos reatualizados com influência da vulgata pós-
moderna cujas alternativas buscam se localizar sob a perspectiva de uma nova
444
“emancipação social” (SOUSA SANTOS, 2002), reduzida ao processo de
“democratização da democracia” (burguesa). Na tentativa de atualizar a defesa da
cidadania, rejeita-se, a limitada formulação marshalliana centrada na esfera dos direitos
civis, políticos e sociais, exigindo a sua ampliação e incorporação de outras demandas, a
partir do “fortalecimento da esfera pública”, do significado dos chamados “Novos
Movimentos Sociais” (NMS) como um espaço importante da luta pela cidadania,
enquanto uma esfera para além do Estado e que a este interpela pela possibilidade de
maior democratização. Os conflitos – identificados no campo da luta de classes, ou não –
passam a se constituir como objeto regulador a partir do “discurso” do “simbólico”, do
aperfeiçoamento do “político”, o que acaba por recair, em larga medida, numa cisão com
a base material que sustenta aquelas dimensões, derivando-se num politicismo.
Nessa esteira, é possível apontarmos o estímulo à estratégia do
“empoderamento” (empowerment) como paradigma teórico-metodológico de intervenção.
A lógica que subjaz esse tipo de defesa, conforma-se na potencialização dos sujeitos
desprovidos, nessa leitura, de força e de poder (material e simbólico). De algum modo,
acoplam-se a uma perspectiva de reatualização conservadora as não ultrapassadas
“práticas” voltadas para a ajuda, o apoio, circunscritas nos processos de psicologização
das relações sociais, ou numa nova “pedagogia da ajuda” (ABREU, 2011), servindo em
algumas dessas discussões de um solo fértil para ao estímulo às chamas “práticas
terapêuticas” no interior da profissão.
De um modo ou de outro, identificamos nesses quadros referenciais (marshalliano
e eclético) um alinhamento ao projeto reformador capitalista, que acaba por desaguar em
mais um sustentáculo ideopolítico de hegemonia burguesa, não acidentalmente,
plasmando-se no aparente discurso consensual da defesa intransigente da cidadania
que, intentando velar os conflitos irreconciliáveis de classe, homogeiniza o conjunto da
sociedade burguesa numa forma ilusória de “comunidade cidadã”. Não nos parece
ocasional, por exemplo, que uma das retóricas que informa parte dessas abordagens no
atual estágio do desenvolvimento capitalista seja a defesa de uma “cidadania mundial”,
sintonizada nos marcos da “mundialização do capital” (CHESNAIS, 1996).
Tais abordagens, de caráter conservador, se vêem tensionadas nos debates
formulados no interior da categoria profissional, a partir da apropriação crítica histórico-
ontológica marxiana/marxista dos fundamentos da cidadania, da democracia e da
liberdade e do esforço teórico-analítico em buscar apreender as contradições que
permeiam o debate e por quais mediações seria possível conectar a luta pela cidadania,
democracia e liberdade no horizonte da construção de outra ordem societária, para além
445
do capitalismo. Posto não se configurar um bloco homogêneo, ainda que, em muitas
situações, reivindicando o legado da tradição marxista, entendemos que na apreensão
dessas distintas mediações também se localizam algumas das divergências, por
exemplo, no que concerne, ao papel que pode ser atribuído às lutas que se operam por
dentro do Estado, dos limites das políticas sociais, e da apreensão do que se constitui a
própria cidadania, a democracia e a liberdade e sua relação com o processo de
desenvolvimento capitalista.
Constatamos que a direção estratégica que preconiza o CE no compromisso com
a construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe etnia
e gênero (CFESS, 1993), incorpora a defesa da liberdade, da democracia e da cidadania.
Tais fundamentos não se colocam somente no campo de legitimação profissional, mas se
inserem no arco de mediações (algumas explicitamente táticas como a democracia e
cidadania, aqui também se inserem as liberdades “democráticas”) fundamentais na
dinâmica da luta de classes, expressa em suas múltiplas formas na dinâmica
contemporânea, o que nos exige a capacidade de inserção no conjunto dessas lutas,
ainda que plasmadas no campo mais imediato (por terra, por moradia, por uma
seguridade social universal e pública, etc.), articulando com aquela meta estratégica.
Vale destacar que apesar dos desafios que podemos problematizar, também nos
foi possível identificar o esforço que vem sendo sustentado com vistas ao fortalecimento
daquela direção sócio-política construída ao longo dos anos de 1980, a qual vem sendo
qualificada nas mais diversas manifestações, tais como a produção acadêmica, o
protagonismo das entidades representativas e o compromisso de diversos profissionais
afinados/as com essa direção.
Certamente, para desvelamento dessas tendências que se processam no interior
do debate profissional faz-se necessário o investimento em estudos e pesquisas que
tornem mais nítidas essas polêmicas e divergências teórico-metodológicas que, por sua
vez, traduzem-se em diferentes propostas de projetos profissionais.
3- CONCLUSÕES
446
Assim, considerando a necessidade do desvelamento crítico de tais tendências,
uma vez que muitas vezes, as mesmas se mostram como isentas de contradição, o que
camufla suas diferenças estruturais, entendemos ser imprescindível a qualificação do
processo de apropriação dos fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço
Social. Esta [qualificação] tende a fortalecer o ensino para graduandos e pós-graduados
da área, bem como, e, por conseguinte, também o processo de afirmação das Diretrizes
Curriculares de ABEPSS.
A formação crítica de pesquisadores, professores e assistentes sociais (em
especial os supervisores de estágio), a partir da realização de diversos cursos e
atividades, também pode favorecer a análise crítica dos fundamentos, impedindo uma
análise rasa e acrítica das concepções de liberdade, democracia e cidadania na
sociedade burguesa e para o Serviço Social, fortalecendo teórica e politicamente a
categoria profissional e sua relação mais ampla com a classe trabalhadora e as lutas
sociais.
4- REFERÊNCIAS
MÉSZÁROS. Para além do Capital. Rumo a uma teoria de transição. São Paulo,
Boitempo, 2009.
447
NETTO, J.P. A construção do projeto Ético-Político do Serviço Social frente à crise
contemporânea”. In.:Capacitação em Serviço Social e Política Social, Mod. 1 Brasília,
CEAD, 1999.
SANTOS, P. R. F. dos. Dos limites da cidadania crítica à crítica dos limites da cidadania –
perspectivas teóricas e projetos políticos em disputa no Serviço Social brasileiro. (Tese).
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
448
A ÉTICA ENQUANTO OBJETO DE PESQUISA NA CONTEMPORANEIDADE
1- INTRODUÇÃO
449
Serviço Social (ENPESS), de 2016 e 2018, e do Congresso Brasileiro de Assistentes
Sociais (CBAS), de 2016 e 2019. O método de abordagem da pesquisa qualitativa, de
caráter exploratório, foi o de análise de conteúdo, articulou-se as categorias que
emergiram no processo de análise das narrativas e gramáticas científicas. Baseou-se em
analisar as compreensões teóricas e conceituais evidentes nos relatos, observando
tendências do debate, autores e referências teóricas, perspectivas ético-políticas.
Salientando a compreensão a respeito da ética e como está se relaciona com a profissão.
Para tanto, efetuou-se a leitura dos artigos encontrados e análise de seus conteúdos.
Consideramos que existe certa desproporção entre a importância que a
discussão ética passou a assumir, nos anos 1990, na sociedade brasileira e no
Serviço Social, e sua apropriação pela academia. São raros os núcleos de
pesquisa em ética e mesmo a existência de uma disciplina de ética profissional
nos cursos de pós-graduação, o que evidencia uma contradição, na medida em
que o exercício profissional é cotidianamente perpassado por conflitos e
questionamentos de caráter ético-moral (BRITTES, BARROCO, 2021, p. 29).
450
valores e projetos éticos e políticos, em contextos sócio-históricos precisos (BARROCO,
2009).
168a) a dimensão filosófica - fornece as bases teóricas para uma reflexão ética voltada à compreensão dos
valores, princípios e modos de ser ético-morais e oferece os fundamentos para uma concepção ética; b) o
451
o modo de ser (ethos) da profissão; a normatização objetiva no código de ética
profissional. É concretizada “[...] como ação moral, através da prática profissional, como
normatização de deveres e valores, através do código de Ética Profissional, como
teorização ética, através das filosofias e teorias que fundamentam sua intervenção e
reflexão e como ação ético política” (BARROCO, 2009, p. 175).
modo de ser (ethos) da profissão que diz respeito - 1) à moralidade profissional (consciência moral dos seus
agentes objetivada na teleologia profissional), o que reproduz uma imagem social e cria determinadas
expectativas; 2) ao produto objetivo das ações profissionais individuais e coletivas (consequências ético-
políticas);c) a normatização objetiva no Código de Ética Profissional, com suas normas, direitos, deveres e
sanções (BARROCO, 2010, p. 70).
452
Contudo, cabe salientar que os artigos aparecem de forma repetida, ou seja, os
encontrados com o descritor “ética e direitos humanos” também aparecia nos de “Ética” e
do “Projeto Ético-Político”. Nos anais do ENPESS de 2016, foram selecionados oito
artigos e no ano de 2018 foram coletados quatro artigos, relacionados à temática da ética
e dos direitos humanos.
Após a leitura minuciosa de todos os trabalhos, constatou-se que nove dos artigos
lidos fizeram menção a ética no seu sentido ontológico, resgatando brevemente a
ontologia do ser social, o trabalho no seu sentido ontológico, a moral, os valores,
demonstrando uma preocupação em fazer essa demarcação teórica na construção da
argumentação. Pois, como bem nos lembra (BARROCO, 2010), somente norteada pela
análise feita da apropriação do processo de instituição histórica do ser social, que a ética
instituída ontologicamente é capaz de ser entendida. É indispensável elucidar qual a
concepção de ética pautada em seus escritos, uma vez que existem distintas
compreensões sobre a mesma, sendo que o Serviço Social tem instituída uma
determinada apreensão acerca de seu conceito.
Quatro dos treze artigos não explicitam as particularidades da ética no seu sentido
ontológico, o que é de suma importância, pois conforme destaca (BARROCO, 2009, p.
167) “É pela apropriação do processo de constituição histórica do ser social que a ética
fundamentada ontologicamente pode ser compreendida”. Portanto, é relevante apontar
as bases ontológicas da ética, ainda que brevemente, seus pressupostos ontológicos
fundamentados no pensamento crítico marxista.
Ainda que parte dos escritos não tenham evidenciado os fundamentos ontológicos
da ética, de uma determinada compreensão de homem, de sociedade, de moral, de
valores, fizeram um resgate da importância de defesa do projeto ético-político crítico do
Serviço Social brasileiro, tanto no âmbito da formação como do trabalho profissional, se
453
restringindo apenas ao debate da ética profissional. Todavia, mesmo que essa
demarcação não tenha sido sinalizada, o projeto que estão defendendo é expresso nos
inscritos, o qual baseia-se na perspectiva marxista defendida nos fundamentos do projeto
ético-político crítico do Serviço Social, assim como nota-se a preocupação em apontar
esse projeto.
Acerca dos autores que fundamentam os debates, em sua maioria a Maria Lúcia
Barroco é a autora mais citada, aparecendo em seis dos treze trabalhos, sendo utilizada
tanto nas particularidades da ética profissional como no debate da ética na perspectiva
ontológica. O que reflete a importância histórica dessa grande pesquisadora para o
Serviço Social brasileira, haja vista sua contribuição significativa para o debate da ética. A
segunda autora mais utilizada é a Cristina Brites, que também tem contribuições precisas
para o debate da ética e dos direitos humanos. Tal quadro demonstra a preocupação em
fundamentar-se nos autores do campo profissional, respaldados na defesa da
perspectiva crítica, fortalecendo o pluralismo, embora alguns em campos com análises
que se diferem, estão dentro do campo democrático das ideias.
454
perscrutar as fontes originais do debate é de extrema importância para não nos
afastarmos da compreensão da ética direcionada pela práxis169.
455
Ético Político. Os artigos analisados expressam essa potencialidade, fornecendo ricos
subsídios para a construção da reflexão da pesquisa realizada, os estudos apontam
observações sobre a trajetória ético-política percorrida pela profissão, o impacto da
maturação intelectual do Serviço Social brasileiro no debate da ética, especialmente no
que concerne à elaboração dos seus códigos de ética.
4- CONCLUSÃO
456
5- Referências Bibliográficas
BRAVO, Maria Inês Souza. RAIZER, Eugenia Célia. LEMOS, Esther Luíza de Souza.
ELPIDIO, Maria Helena. O protagonismo da ABESS/ABEPSS na virada da formação
profissional em Serviço Social. In. Congresso da Virada e o Serviço Social hoje:
reações conservadoras, novas tensões e resistências. SILVA, Maria Liduína de Oliveira
e. (org). - São Paulo : Cortez, 2019.
GYÖRGY, Lukács. Para uma ontologia do ser social I. - 2. ed. - São Paulo: Boitempo
Editorial, 2018.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. - 38ª. ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2018.
457
A PESQUISA NA FORMAÇÃO DOS/AS ASSISTENTES SOCIAIS EM MEIO A
PRECARIZAÇÃO EDUCACIONAL NO ENSINO SUPERIOR
1- INTRODUÇÃO
170 Assistente social, mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UFBA; E-mail:
jamilesantos2011@gmail.com; Eixo temático: Ofensiva ultraconservadora e resistências: formação e trabalho
profissional.
458
conhecimento pelo Serviço Social. Assim para alcançar nosso objetivo, utilizaremos
autores tais como Iamamoto (2015), Antunes (2018), Bossi (2007), Druck (2013), Moraes
(2016) dentre outros.
Entende-se que o ensino superior privado encontra-se demarcado por uma
intensa expansão, mediantes as propostas neoliberais, reflexo da reestruturação
produtiva do Estado brasileiro. Este cenário tem impactado na formação profissional a
partir do momento que a qualidade do ensino tem sido afetada com a instauração de
cursos EAD, e a precarização do trabalho docente. Logo, faz-se necessário analisar este
cenário de forma a compreender criticamente a realidade, constituindo-se assim como
um espaço de luta para o enfrentamento das expressões da questão social.
459
Tais nuances são marcadas por um contexto de precarização do trabalho
instaurado desde a década de 1990 (DRUCK, 2013). Para Antunes (2018, p. 59) “a
precarização não é algo estático, mas um modo de ser intrínseco ao capitalismo, um
processo que pode tanto se ampliar como se reduzir, dependendo diretamente da
capacidade de resistência, organização e confrontação da classe trabalhadora”. Ou seja,
nasce com a criação do próprio trabalho assalariado no sistema capitalista.
É nesta lógica que estão inseridos os assistentes sociais, em um cenário de
precarização, de insegurança no trabalho, salários baixos, intensificação na rotina
trabalhista, sujeitos ao cumprimento de metas, a superexploração e violação dos direitos
trabalhistas.
É nesse contexto que também inserem-se docentes/ pesquisadores, em um
processo de precarização evidente,
na organização e nas condições de trabalho, como ritmo e intensidade do
trabalho, autonomia controlada, metas inalcançáveis, pressão de tempo,
extensão da jornada de trabalho, polivalência, rotatividade, multiexposição a
agentes físicos, químicos, ergonômicos e organizacionais. Esses aspectos
conduzem a intensificação do trabalho, ritmos acelerados (potencializados pelo
patamar tecnológico da microeletrônica) e autoaceleração. (DRUCK, 2013, p. 62)
460
30%, esses índices apontam um legitimo meio de mercantilização da educação superior
que impactam a rotina de trabalho de professores. Outras informações trazidas pelo
mesmo autor aponta que entre 1980 a 2004, houve um crescimento de docentes em
exercício nas IES, tanto publica quanto privada, conforme os registros, o percentual de
docentes inseridos nas instituições públicas foi de 53%, enquanto nas instituições
privadas atingiu um percentual de 270%, que se tornou possível devido a flexibilização da
legislação instituída no segundo mandato de FHC (BOSSI, 2007). De certo modo, Bossi
(2007) indica que
tal crescimento da força de trabalho docente foi (e continua sendo) marcado pela
flexibilização dos contratos trabalhistas. São essas possibilidades de contratação
precária, abertas por práticas constituídas à margem da lei ou mesmo por
modificações na legislação trabalhista, que têm feito com que o número de
docentes aumente. Nesse sentido, é certo também que, tornado numericamente
predominante, o trabalho considerado precário e informal tende a converter-se
em medida para todo tipo de trabalho restante. Este é o principal fundamento
histórico do processo que atravessamos. É nesse “Espelho de Próspero” às
avessas que, por exemplo, os docentes considerados trabalhadores “formais”
começam a se verem refletidos, sem necessariamente conseguirem entender as
formas atuais do seu próprio trabalho como expressão da dominação capitalista.
(BOSSI, 2007, p. 1510).
461
e por valores monetários que o docente consegue agregar ao seu salário e à própria
instituição.
Em vista disso, muitas universidades, públicas e especialmente as instituições
privadas não desenvolvem pesquisas, vinculando o ensino a dimensões operativas do
trabalho, simplificando a qualidade de ensino, uma vez que a relação ensino, pesquisa e
extensão deixa de existir (MORAES, 2016). Moraes (2016) destaca que as universidades
públicas que se empenham em realizar pesquisa, encontram barreiras no que concerne a
infraestrutura básica para realização das atividades, outro ponto a ser destacado é o
confronto institucional (seja por parte dos docentes ou coordenadores da instituição) a
determinadas pesquisas.
Nesse sentido, os ataques à universidade e a precarização do trabalho docente
representam uma ameaça à formação do assistente social, sobretudo, no que se refere a
dimensão investigativa e a intensificação do debate sobre pesquisa no Serviço Social. É
por meio da pesquisa e dimensão investigativa que é possível construir um caminho para
um leitura crítica da realidade social, capaz de atribuir maior visibilidade que envolvem a
produção e reprodução da questão social.
462
da formação profissional, aos conhecimentos e habilidades considerados essenciais ao
desempenho do assistente social” (IAMAMOTO, 2014). Sendo assim, a pesquisa se
encontrará no núcleo dos fundamentos do trabalho profissional do Serviço Social, estes
compreendem todos os elementos constitutivos do Serviço Social como uma
especialização do trabalho: sua trajetória histórica, teórica, metodológica e técnica, os
componentes éticos que envolvem o exercício profissional, a pesquisa, o planejamento e
administração em Serviço Social e o estágio supervisionado (DIRETRIZES
CURRICULARES, 2001).
Portanto, infere-se que a dimensão investigativa é vital para a própria atualização
e reprodução do Serviço Social, assim será requerido ao assistente social
463
investigação como dimensão constitutiva do trabalho do assistente social e como
subsídio para a produção do conhecimento sobre processos sociais e
reconstrução do objeto da ação profissional. (ABEPSS, 1996, p.18)
464
reformulações – tem tentado, a partir de princípios e definições gerais, explicar
uma gama ampla de fenômenos através de um esquema conceitual abrangente
e, ao mesmo tempo, sintético. Historicamente construídas, enquanto analise e
expressão do interesse de classes, tentaram avançar na construção de reflexões
vinculadas ao conhecido e desconhecido, por meio de aproximações e
distanciamentos que intentam desvendar dimensões não pensadas a respeito da
realidade, que só se revelam a partir de interrogações elaboradas por meio do
processo de construção teórica. (MORAES, 2016, p. 128)
4- CONCLUSÃO
465
5- REFERENCIAS
DRUCK, M.G. (verbete) A Precarização social do trabalho, IN: IVO, A. (coord.) Kraychete,
E.; Borges, A.; Mercuri, C.; Vitale, D.; Senes, S. (org.) (2013) Dicionário Temático
Desenvolvimento e Questão Social – 81 problemáticas contemporâneas, São Paulo:
Ed.Annablume, verbete Precarização social do trabalho, Druck, G. (p. 373-380).
466
XXI: formação, trabalho, pesquisa, dimensão investigativa e particularidade da saúde.
2016. 318 f. Tese (Doutorado) - Curso de Fundamentos e Pratica Profissional, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.
467
NOTAS SOBRE A PESQUISA E O ENSINO DO SERVIÇO SOCIAL NA HISTÓRIA
1- Introdução
A presente comunicação é resultado de reflexões preliminares, portanto ainda em
curso, inconclusas, sobre o porquê do Serviço Social brasileiro na atualidade se debruçar
tão pouco sobre a pesquisa e o ensino na pós-graduação sobre a trajetória histórica da
profissão no país e no mundo.
Tais reflexões foram fomentadas em duas atividades que estamos participando. A
primeira se dá com a nossa inserção no projeto de pesquisa coordenado pelas
professoras Marilda Iamamoto e Cláudia Mônica dos Santos, intitulado "O Movimento de
Reconceituação do Serviço Social na América Latina (Argentina, Brasil, Chile e
468
Colômbia): determinantes históricos, interlocuções internacionais e memória". A pesquisa
foi concluída em 2020, entretanto a rede de pesquisa encontra-se no momento
construindo um novo projeto de investigação. A segunda atividade são as aulas
ministradas nas disciplinas "Trabalho e Serviço Social na América Latina", na pós-
graduação em Serviço Social da UERJ e “Fundamentos do Serviço Social:
desenvolvimento socio-histórico e concepções contemporâneas” na pós-graduação em
Serviço Social na UNIOESTE – Campus de Toledo. Nesses dois espaços foram latentes
a constatação de poucos esforços na atualidade para o desvelamento da história na
profissão.
Neste sentido, o VII Seminário Internacional da Faculdade de Serviço Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora oportuniza a problematização do tema no
respectivo eixo temático, sua socialização e interação com demais pesquisadores(as) da
área.
469
José Paulo Netto, em seu artigo “Para uma história nova do Serviço Social"
(2016), critica que desde a década de 1990 o Serviço Social vem realizando mais
pesquisas históricas de estudos localizados e particulares e poucas abordagens
abrangentes da história, tratando-se assim, nos termos do autor de uma atrofia. Destaca,
a falta de estudos sobre a história na profissão no último quartel do século passado. Esse
período é praticamente o mesmo da constituição doque atualmente denominamos,
projeto ético-político do Serviço Social brasileiro (ainda que como atente o próprio autor,
em outro texto, de 1996, um não é sinônimo do outro, mas certamente sem a intenção de
ruptura o atual projeto não existiria). Considera o autor problemática tal lacuna, pois
identifica que “consiste em proclamá-lo e em invocá-lo como se fora um projeto cujo
pluralismo não tem fronteiras e que, portanto, comporta ilimitadas possibilidades de
concretização teórica e prática.” (Netto, 2016, p. 65,Grifos originais).
Ao mesmo tempo, o acompanhamento da implantação das Diretrizes Curriculares
para os Cursos de Serviço Social aprovadas pela ABESS (1996), desde a pesquisa
avaliativa realizada em 2006 pela então ABEPSS, entre diferentes aspectos, evidenciou
que a temática “aponta um elemento fundamental que é a particularidade histórica do
Serviço Social apreendida na história da realidade social em que se insere” (Cardoso,
2007, p. 38).
No que se refere à implementação da matéria “Fundamentos históricos e teórico-
metodológicos do Serviço Social” no âmbito dos cursos de graduação, a pesquisa
identificou quatro tendências distintas tanto quanto à forma de organização quanto de sua
concepção. Entre elas destaca a que considera a “centralidade no Serviço Social como
profissão na história, numa perspectiva de totalidade” (Cardoso, 2007, p. 41), ao mesmo
tempo permanecendo o desafio da “compreensão histórica da profissão respaldada em
uma concepção crítico-dialética”(Cardoso, 2007, p. 52).
Na literatura profissional no campo da perspectiva histórico-crítica disponível ao
leitor, existem duas expressivas obras, que não por acaso são dos autores citados. A
obra de Iamamoto e Carvalho (1982) que aborda da emergência da profissão até 1950. E
o livro de Netto (1991) que cobre da década de 1960 a 1980.
Problematizando este tema em 1982, Iamamoto inaugurou a interpretação
situando
o Serviço Social na história, na contrapartida de uma história do Serviço
Social aprisionada em seus muros internos, uma vez que se entende
serem as condições que peculiarizam o exercício profissional de
assistentes sociais uma concretização da dinâmica das relações sociais
vigentes na sociedade em determinadas conjunturas históricas.
(Iamamoto; Carvalho, 1991, p. 81)
470
Yazbek (2018) ao analisar os Fundamentos do Serviço Social, baseando-se em
Iamamoto, afirma que “a profissão só pode ser entendida no movimento histórico da
sociedade, no complexo processo de reprodução de relações sociais” (2018, p. 48).
Iamamoto em seu atual projeto, ao pesquisar o processo de reconceituação do Serviço
Social latinoamericano, tem dado ênfase a contribuição do Centro Latino-Americano de
Trabalho Social – CELATS para a renovação crítica na região, sendo o clássico livro de
Manrique Castro (2011) uma referência que permanece no estudo sobre América Latina.
Se tratou de convencionar o marco inaugurador da reconceituação o Seminário
Regional Latino-Americanode Serviço Social realizado em Porto Alegre em 1965, indo até
1975 quando se encerrou a possibilidade de algum debate crítico no Cone Sul, em
virtude das ditaduras militares (Lopes, 2016). Em 1974 foi criado o CELATS, órgão que
vai dinamizar as ideias reconceituadoras e superá-las, no período entre 1975-1985,
desenvolvendo ações na região como capacitações à distância, financiamento de
pesquisas, promoção de eventos latinoamericanos, financiamento de eventos regionais e
nos países, etc. Estas foram fundamentais para a renovação crítica do Serviço Social.
O balanço crítico realizado no posfácio da obra “Serviço Social na História:
América Latina, África e Europa”, Iamamoto & Yazbek consideram que “a concepção de
fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do Serviço Social privilegia a história
em seu movimento e nas suas contradições” (2019, p 511). Ao analisar os 80 anos do
Serviço Social no Brasil Mota considera que nas três últimas décadas e meia, a profissão
“ampliou sua função intelectual, como profissão e área de produção de conhecimento”
(2017, p. 46).
Assim, a análise do passado recente, como nas produções de Silva (2019),Goin
(2019), Iamamoto & Yazbek (2019), Iamamoto & Santos (2021), Mota, Vieira e Amaral
(2022) fortalece a“virada” da profissão, explicitando a sua diferença com o Serviço Social
Tradicional. O investimento destas pesquisas ilumina o presente e desmascara discursos
que se apresentam como pluralistas (conforme Netto, 2016, atenta), que na realidade
reapresentam o que já foi negado, mas não suficientemente criticado (de acordo com
Iamamoto). Reafirmar o conteúdo e acertos do projeto de ruptura, também reafirmará sua
imprescindibilidade, demonstrando que não há romantismo que rompa com os desvalores
da sociabilidade capitalista.
471
3- Ponto de partida para se estudar a história da profissão: a negação da endogenia
472
memória (melhor: às memórias) que se tem dela.Essa memória,
realmente não é o fundamento sobre o qual deve se assentar o
procedimento qualificado para desvendar e trazer à luz o processo
histórico efetivo: a memória (individual e coletiva, aquela dos sujeitos
singulares e aquela de categorias profissionais, grupos e classes sociais)
é parte constitutiva da história profissional e incide sobre ela; mas a
memória não se elabora a partir de parâmetros lógicos e racionais: é uma
construção ideal que recupera vivências - no sentido do "vivido"
conceptualizado por H. Lefebvre - não necessariamente filtradas
intelectiva e analiticamente. Há memórias distintas, e até colidentes, dos
mesmos eventos e processos históricos. Ora, a reconstrução analítica -
suposto da reprodução teórica - do processo histórico efetivo, na pesquisa
da sua gênese e do seu desenvolvimento para alcançar o seu
conhecimento verdadeiro, demanda operações e procedimentos
específicos e rigorosos, próprios da ciência histórica" (Netto, 2016, p. 52).
Naturalmente a coleta da memória faz parte do fazer história, como aponta Netto
(2016). Porém, há que se considerar dois aspectos.
O primeiro refere-se ao uso exagerado do recurso a entrevistas na pesquisa em
Serviço Social e donde as respostas dos sujeitos são, muitas das vezes, pouco
problematizadas e tratadas como a verdade. O que se trata ser uma expressão,
certamente, do real, mas não de toda a realidade. Daí a importância de cotejar com
outras fontes, pensemos aqui especialmente na pesquisa documental.
O segundo é que se acompanhamos o desafio que Netto (2016) identifica da
história nova, há que se reconhecer que muitos dos sujeitos estão na ativa e corre-se o
risco, inconsciente, desses sujeitos ao realizarem a pesquisa histórica darem mais peso
para suas memórias (de articulações, embates, etc) em detrimento do contexto mais
geral da época (pensemos aqui na totalidade) e do impacto real dessas ações (no curso
dos fatos historicamente).
Sendo assim, o objetivo é “impregnar de história o Serviço Social na sociedade
contemporânea. O pressuposto é que história na sua processualidade – no seu vir a ser –
é o ‘terreno’ da análise do Serviço Social, o que conclama uma perspectiva de totalidade
na leitura dos processos histórico-sociais.” (Iamamoto; Yazbek, 2019, 15/16).
Assim, se está correto de que há uma invasão pós-moderna, de raiz
neoconservadora no projeto ético-político, se reivindicando como componente desse
projeto faz-se urgente: totalizar a história, ou histórias, do Serviço Social; realizar a crítica
ao conservadorismo; pesquisar na história a importância da ruptura com ruptura do
conservadorismo, estudando a tendência responsável por isso e que constitui o projeto
ético-político do Serviço Social brasileiro.
473
4- Considerações finais
474
Assim, se antes havia uma aridez, hoje existem iniciativas importantes. Netto que
em 2016 fez a crítica sobre a importância de uma história nova, em 2021, ao apresentar o
livro “A história pelo avesso” (Iamamoto; Santos. 2021), afirma que “a construção desta
nova história já está em curso”.
A pesquisa que coloca o Serviço Social como objeto de estudo é central no
fortalecimento da profissão também como área de produção de conhecimento no campo
das Ciências Humanas e Sociais.
Com essas breves notas queremos contribuir para que se alimentem novas
iniciativas de estudos sobre a história, bem como a sua abordagem no ensino pós-
graduado, espaço por excelência de novos docentes e pesquisadores. Para alimentar
esse ânimo, precisamos discutir francamente os possíveis problemas que podem estar
propiciando esse pouco interesse por parte das gerações mais recentes na profissão,
vide o pouco número de teses e dissertações que abordam o "Serviço Social na História".
5- REFERÊNCIAS
475
LOPES, Josefa Batista. 50 Anos do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na
América Latina: a construção da alternativa crítica e a resistência contra o atual avanço
do conservadorismo. Revista de Políticas Públicas. São Luís, v. 20, n 1, p 237-252,
jan./jun. 2016. Disponível em
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/view/5054/3103.
Acesso: 10 jun 2022.
MANRIQUE CASTRO, Manuel.História do Serviço Social na América Latina, 12 ed.
São Paulo: Cortez, 2011.
MONTAÑO, Carlos. A natureza do Serviço Social: um ensaio sobre sua gênese, a
“especificidade” e sua reprodução. São Paulo: Cortez, 2007.
MOTA, Ana Elizabete; VIEIRA, Ana Cristina; AMARAL, Angela. Serviço Social no
nordeste: das origens à renovação. São Paulo : Cortez, 2022.
MOTA, Ana Elizabete. 80 anos do Serviço Social brasileiro: conquistas históricas e
desafios na atual conjuntura. Serviço Social e Sociedade, n. 128, p.39-53, Abr, 2017.
Disponível em https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n128/0101-6628-sssoc-128-0039.pdf.
Acesso: 10 jun 2022.
NETTO, José Paulo. Para uma história nova do Serviço Social no Brasil. In: SILVA, Maria
Liduína de Oliveira e Silva (org.). Serviço Social no Brasil: história de resistências e de
ruptura com o conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016.
_____. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São
Paulo: Cortez, 1991.
SILVA, Maria Liduína de Oliveira e (org.). Congresso da Virada e o Serviço Social
hoje: reação conservadora, novas tensões e resistências. São Paulo : Cortez, 2019.
YAZBEK, Maria Carmelita. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos e as
tendências contemporâneas no Serviço Social. In: GUERRA, Yolanda; LEWGOY, Alzira
M. B.; MOLJO, Carina. B.; SERPA, Moema, SILVA, José F. S. da. Serviço Social e seus
fundamentos: conhecimento e crítica. Campinas: Papel Social, p. 47 – 84, 2018.
476
QUESTÃO RACIAL E SERVIÇO SOCIAL: Os desafios para o enfrentamento do
racismo na formação profissional
RESUMO:
477
understanding of the social issue and its expressions, as well
as in the critical theoretical maturation in the process of
professional training.
1- INTRODUÇÃO
A luta cotidiana para que se entenda o Serviço Social como uma profissão
inserida na divisão técnica do trabalho começa no início da formação e deve conter a
gênese da profissão e suas principais rupturas, como norteadores da formação seguidas
dos processos metodológicos e teóricos que fundamentam a profissão. O Serviço Social
brasileiro surge e tem sua institucionalização entre as décadas de 1930 a 1940. E pode
ser entendido em dois processos de extrema importância no que tange sua gênese, o
primeiro deles é o redimensionamento do Estado produto da fase monopolista do
capitalismo, a qual as suas funções se correlacionavam entre políticas e econômicas.
Segundo Forti (2003) tem-se:
478
dos conflitos de classe, suscitados por essa ordem do capital e pela consequente
conformação política dos movimentos operários – mecanismo tomado como eficiente para
aplacar os conflitos que ameaçam pôr em xeque a ordem societária estabelecida, ou seja,
os antagonismos da relação capital/trabalho, objetivados nas múltiplas e tipificadas
expressões da “questão social[...] (FORTI, 2013, p. 51)
[...] Como profissão inscrita na divisão do trabalho, o Serviço Social surge como parte de
um movimento social mais amplo, de bases confessionais, articulado à necessidade de
formação doutrinária e social do laicato, para uma presença mais ativa da Igreja Católica no
“mundo temporal”, nos inícios da década de 30. Na tentativa de recuperar áreas de
influências e privilégios perdidos, em face da crescente secularização da sociedade e das
tensões presentes nas relações entre Igreja e Estado, a Igreja procura superar a postura
contemplativa[...] (IAMAMOTO, 2013, p. 18).
173Referência a Lei nº.12.711, de 29 de agosto de 2012 que dispõe sobre a inserção em Universidades
Federais, Instituições Estaduais e ensino técnico de nível médio.
479
não negros segundo o censo do IBGE 2018, ocupando 56% do território nacional é
também o contingente que mais é aviltado de seus direitos. O Brasil pelo seu histórico de
mais de trezentos anos de escravidão caminha em passos lentos no que diz respeito às
tratativas do racismo no que diz respeito à população afro-brasileira. A temática de raça e
etnia embora existente no país desde os primórdios de sua constituição de fato não é
consideravelmente assimilada ou questionada pela minoria branca, que em grande parte
dos casos enxerga a política de cotas como um privilegio ou injustiça aos demais
brasileiros.
Desde a captura na África até a chegada dos navios no Brasil, os negros (as)
sofreram a mais perversa desumanidade que a escravidão podia gerar. O Brasil não se
edificaria sem os negros (as/es), não se entende o país se este dado não for levado em
conta. É preciso ir além da realidade aparente, guiar-se pelos aspectos econômicos,
teóricos e práticos. São estes elementos que determinam as relações organicamente e
heterônomas da sociedade (Silva ,p.14. 2017).
480
expropriados do continente africano variava de doze a quinze anos, ao se recuperarem
da viagem eram expostos como mercadorias nas lojas dos comerciantes de escravistas,
amarrados uns aos outros como animais selvagens que acabara de serem capturados.
Apáticos desde a África foram desnaturalizados destribalizados separados dos parentes.
Aportando no Brasil como animais pacíficos, martirizados que só reagiam em resposta ao
açoite que constantemente eram apresentados. Não tinham tempo de criar bases de
revolta, após chegarem viviam em média sete anos, devido às péssimas condições de
trabalho e existência que lhes eram concebidas.
[...] tudo foi sangue e chibata, sempre. Jogado nas senzalas imundas. Dormindo no chão ou
arranjando-se em cima de folhas, trabalhando de 14 a 18 horas por dia, indo ao tronco
pelas menores faltas, a vida dos escravos é uma crônica de crueldades, a que não faltam
as manifestações sádicas dos seus senhores e sinhazinhas.[...] (O negro no Brasil, Júlio
José Chiavenato, p.107).
[...] lida com múltiplas expressões das relações sociais da vida cotidiana, o que permite
dispôs de um acervo privilegiado de dados e informações sobre várias formas de
manifestação das desigualdades e da exclusão social em sua vivência pelos sujeitos, de
modo que ele é facultado conhecer a realidade de maneira direta: a partir da intervenção na
realidade, das investigações que realiza, visando responder esta realidade[...] (GUERRA,
2009, p.712).
481
A discriminação racial pode ser evidenciada por todos (as) os (as) profissionais
envolvidas no processo assim como pode ser cometida por ele (a) nesse sentido é
necessário que o debate das questões étnicas em sua totalidade seja pauta recorrente da
categoria para a plena solidificação do Projeto Ético Político Profissional e a garantia de
direitos desse contingente social. Neste contexto, destaca-se a importância desse estudo
para o Serviço Social enquanto categoria profissional para o conhecimento não apenas
da questão racial intrínseca de nossa sociedade. Enfim “um dos maiores desafios que o
Assistente Social vive no presente é desenvolver sua capacidade a realidade e construir
propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos a partir das
demandas emergentes no cotidiano” (Iamamoto, 1999.p.57).
482
a abolição formal e documentada permitiu e permite que os (as/es) negros do Brasil
continuem as margens da sociedade que ajudaram a construir. Permeia no Serviço
Social brasileiro certo descaso com a questão étnico racial. Ainda que o Código de Ética
do (a) Assistente Social apregoe não compactuar com nenhuma forma de preconceito;
respeito à diversidade e ao exercício profissional sem discriminar ou ser discriminado
inclusive no que tange a temática étnica racial.
[...] XI. Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões
de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual,
identidade de gênero, idade e condição física. (Código de Ética do (a) Assistente Social
*Aprovado em 13 de Março de 1993 Com as alterações Introduzidas pelas Resoluções
CFESS nº290/94, 293/94, 333/96 e 594/11). [...]
[...] Profissional que atua nas expressões da questão social, formulandoe implementando
propostas de intervenção para seu enfrentamento, com capacidade de promover o
exercício pleno da cidadania e a inserção criativa e propositiva dos usuários do Serviço
Social no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho. [...] (Diretrizes
Curriculares para o Curso de Serviço Social, 2002).
483
[...] A inclusão, nos conteúdos curriculares obrigatórios, do debate sobre as relações sociais
de classe, sexo/gênero, etnia/raça, sexualidade e geração de forma correlacional e
transversal. A realização de, no mínimo, uma disciplina que tematize o Serviço Social e as
relações de exploração/opressão de sexo/ gênero, raça/etnia, geração e sexualidades,
preferencialmente, antes da inserção da(o) estudante no campo de estágio. Aqui,
ressaltamos, ainda, as Leis nos 10. 639/03 e 11.645/2008, assim como a Resolução nº 01
do Conselho Nacional de Educação(CNE/MEC), no que diz respeito à incorporação
obrigatória do tema sobre relações étnico raciais nos currículos. (ABEPSS).[...]Disponível
em<http://www.abepss.org.br/noticias/apresentacao-graduacao-15>.Acesso em:
03/06/2022).
As articulações entre as lutas sociais devem ser travadas entre os sujeitos sociais
coletivos, docentes, discentes, pesquisadores, trabalhadores do SUAS, servidores
públicos, população assistida, classe trabalhadora, supervisoras (es) de campo,
movimentos sociais, sindicais e populares. Sendo assim a luta e a defesa dos direitos
sociais é o horizonte ainda que distante, só se supera as opressões quando se vislumbra
projetos de emancipação humana.
4- REFERÊNCIAS
484
BRASIL.Lei nº.12.711, de 29 de agosto de 2012.Dispõe sobre a inserção em
Universidades Federais, Instituições Estaduais e ensino técnico de nível médio.
FORTI, Valéria. Ética, crime e loucura: reflexões sobre a dimensão ética no trabalho
profissional. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
485
“Ó, VIDA FUTURA! NÓS TE CRIAREMOS”: 50 anos do Serviço Social na UFMT174
JosileyCarrijo Rafael175
1- INTRODUÇÃO
174 A frase entre aspas foi extraída do poema Mundo Grande, de Carlos Drummond de Andrade.
175 Assistente Social; Mestre em Educação pela UFMT; Doutor em Serviço Social pela UFRJ; Docente no
Departamento de Serviço Social e no Programa de Pós-Graduação em Política Social da UFMT. Eixo
Temático: Ofensiva ultraconservadora e resistências: Formação e Trabalho profissional. E-mail:
josileyrafael@yahoo.com.br
486
institucional sem precedentes. Tais acontecimentos não podem ser escamoteados dos
registros e memórias do cinquentenário da UFMT e do curso de Serviço Social, afinal, o
curso e toda a Universidade são gestados no contexto da Ditadura Militar,
especificamente no contexto social, econômico e político dos anos 1970, sob as marcas
do Ato Institucional (AI) número 5. Vejamos, se o nascimento está marcado pelo sangue
dos anos de chumbo, o cinquentenário ironicamente também recebe as digitais do
autoritarismo e truculência dos tempos do chamado bolsonarismo.
A pesquisa realizada buscou suprir a carência de sistematização dos dados
históricos que marcam essa trajetória, com a complexa tarefa de transcender a uma mera
análise endógena do referido curso e sua localidade geográfica, para somar ao que Netto
(2016) defende ao provocar sobre a necessidade de “uma história nova do Serviço Social
no Brasil”, sem capitulações, e que, extrapole os “estudos históricos
localizados/particulares”.A pesquisa documental e bibliográfica aqui apresentada, expõe
os dados relacionados as características e especificidades dos projetos pedagógicos que
orientaram a formação em Serviço Social no primeiro e único curso público e gratuito do
Estado de Mato Grosso.
487
desdobramentos do “Movimento de Reconceituação”, que teve seu ponto de partida no I
Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social, realizado na capital gaúcha, em
maio de 1965. A questão central da reconceituação estava atrelada “a funcionalidade
profissional na superação do subdesenvolvimento”, colocando em xeque o Serviço Social
“tradicional”. No Brasil, o caldo das problematizações culminou na complexa “renovação
do Serviço Social”, definida por Netto (2005, p. 131) como o rearranjo das tradições da
profissão por meio de investimento nas tendências do pensamento social
contemporâneo, “como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática,
através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação
teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais”.
A pesquisa de Medeiros (1984) sobre a criação do curso de Serviço Social na
UFMT, apresenta o processo de urbanização e desenvolvimento de Cuiabá articulado
com as relações sociais dominantes que marcam a transição dos anos 1960 para 1970
em Mato Grosso. Para compreensão do processo histórico de criação e desenvolvimento
do curso de Serviço Social na UFMT, soma-se a esse estudo, a pesquisa realizada por
Santos (1994), que analisou o processo de revisão curricular que se desencadeou
durante os anos 1980 no curso de Serviço Social da UFMT. Revisão que foi impulsionada
pelo debate nacional capitaneado pela então Associação Brasileira de Ensino de Serviço
Social (ABESS), em torno da elaboração do novo currículo para formação em Serviço
Social, que culminou no emblemático Currículo Mínimo de 1982. Recentemente, a
pesquisa realizada por Rafael (2020), contribuiu com a sistematização histórica dos 50
anos de curso de Serviço Social, concomitantemente comemorado com o cinquentenário
da UFMT.
Ao socializar os dados da pesquisa, Rafael (2020) apresenta um quadro
documental dos 50 anos do Departamento de Serviço Social da UFMT, sustentado pelos
projetos que orientaram o processo de formação, ou seja, os projetos pedagógicos que
marcaram a direção social e política no cinquentenário do curso. Nesse percurso
identificamos:
488
Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social 2007 a 2010 3705
(PPP-2007)
Projeto Pedagógico do Curso de Serviço Social (PPC- 2011 – vigente 3204
2010)
Fonte: Rafael (2020).
Identificamos que o curso não foi criado e implementado através das orientações
de um Projeto de Formação, mas sim de uma Estrutura Curricular, que foi revista
pontualmente em alguns momentos de sua execução. Essa Estrutura, sustentava-se na
tríade metodológica do Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade, distribuídas em 9
(nove) disciplinas, sendo 3 (três) unidades/semestres para cada. Esse currículo teve
como referência as Estruturas Curriculares das Escolas do Rio de Janeiro na época,
especificamente os cursos sediados hoje na Universidade Federal Fluminense (UFF-
Niterói), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). As
professoras que atuaram na criação do curso em Cuiabá entraram em contato com a
então Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS) e foram convidadas
pela presidente, Maria Amália Arrozo, a participarem de um encontro sobre o currículo
mínimo do Serviço Social, promovido pela entidade na Faculdade Fluminense de Serviço
Social (MEDEIROS, 1984, p.57).
Apesar da condição periférica de Cuiabá, a criação e desenvolvimento do curso
de Serviço Social na UFMT se deu de maneira afinada com as discussões que se
processavam nas entidades da profissão.
As inquietações do corpo docente na época culminaram na revisão da grade
curricular em 1972, tomando como maior referência o “Currículo Pleno da PUC-RJ, por
se considerar o mais completo” (MEDEIROS, 1984, p.73). Nessa reformulação não foi
alterado o núcleo duro da proposta de 1970, “a reformulação curricular se fez,
primordialmente, para atender às exigências do sistema de crédito”. A forte marca
psicologizante continuava imperando na nova grade. Em 1974 o currículo de 1970 passa
por outra readequação, com objetivo de atender a política nacional de regionalização das
Universidades, o Departamento de Serviço Social da UFMT define a necessidade de
formação de um “assistente social amazônico”, na direção do perfil definido pela UFMT
enquanto Universidade da Selva (UNISELVA).
A virada dos anos 1970 para 1980 foi marcada pela abertura política, nesse
processo temos a possibilidade de revisão do currículo de formação profissional,
realizado pela ABESS, com destaque para as Convenções Nacionais. O Currículo
Mínimo foi aprovado em 1982 e sancionado pelo então Conselho Federal de Educação.
489
Em Mato Grosso, as inquietações do corpo docente da UFMT com o seu currículo
se espraiavam para os cursos de formação de supervisão de estágio, nas ações de
extensão e nas consultorias que eram buscadas junto aos profissionais e intelectuais dos
grandes centros. Nesse período, docentes afastados/as para cursar o Mestrado retornam
para o Departamento de Serviço Social e trazem consigo a experiência acumulada, já
dispondo de material bibliográfico em contraposição ao Serviço Social “tradicional”. A
soma desses elementos culminou na elaboração e aprovação do “Projeto de Formação
Profissional do Assistente Social na UFMT”, de 1985 (PFP-1985). O percurso de
elaboração e implantação desse Projeto, foram analisados por Santos (1994, p. 68), que
avalia existir “um certo descompasso entre as questões que permeavam as discussões
da categoria, a nível nacional, e as questões que moviam os docentes do curso de
Serviço Social da UFMT”.
Santos (1994, p.77) apresenta que o processo de revisão curricular na UFMT se
processou alinhada com as orientações da ABESS. Criou-se uma “comissão de currículo”
composta por professores/as e alunos/as que posteriormente se desdobrou em outras
duas subcomissões, uma que elaborou o “Ante-Projeto de Formação Profissional do
Curso de Serviço Social da UFMT”, a outra que produziu o documento “Estruturação da
Prática Curricular – Proposta para o Ante-Projeto do Novo Currículo Pleno do Curso de
Serviço Social da UFMT”. A elaboração do Projeto de Formação foi marcada por
inúmeras reuniões, debates e contribuições de inúmeras assessoras, nomes como
NobucoKameyama, Alba Maria Pinho de Carvalho, Marilda Iamamoto, Carmelita Yazbek,
Rosângela Batistoni, dentre tantas outras.
O PFP-1985 eliminou da estrutura curricular a tríade caso, grupo e comunidade,
após 15 anos de vigência na UFMT. Assim, o diferencial do PFP-1985 se expressava na
centralidade das disciplinas: História do Serviço Social; Teoria do Serviço Social I, II, III e
IV; Metodologia do Serviço Social I, II, III e IV. Com enfoque no neotomismo, positivismo,
fenomenologia e centralidade no marxismo.
O PFP-1985 adentrou a década de 1990 levando consigo velhas e renovadas
inquietações e contradições em relação ao processo de formação na UFMT. A
participação de quadros do corpo docente nas entidades representativas da categoria,
período de transição da nomenclatura ABESS para ABEPSS - Associação Brasileira de
Ensino e Pesquisa em Serviço Social, a renovação e qualificação do corpo docente, o
estreitamento da profissão com os clássicos da tradição marxista, potencializaram o
reconhecimento da necessidade de reformulação do PFP-1985. Esse exercício é
cumprido parcialmente, pois não identificamos no PPP-1997 um esboço fidedigno aos
490
apontamentos da ABEPSS, ou seja, aos princípios e objetivos previstos nas Diretrizes
Curriculares (DC) de 1996.
As Diretrizes Curriculares de 1996, se constituem na unidade entre os núcleos de
fundamentação da formação, distribuídos assim: Núcleo de Fundamentos Teórico-
Metodológico da Vida Social; Núcleo dos Fundamentos da Formação Sócio-histórica da
Sociedade brasileira; Núcleo dos Fundamentos do Trabalho Profissional. Temos então,
no Código de Ética de 1993 e nas DC da ABEPSS, juntamente com a Lei nº 8.662/93, de
Regulamentação da profissão, os grandes alicerces do que denominamos como Projeto
Ético-Político Profissional (PEPP).
A virada para o século XXI foi marcada pelo adensamento do debate nacional e
local em torno da implementação das DC, que em 2002 foi aprovada pelo Conselho
Nacional de Educação, com substancial esvaziamento do conteúdo proposto pela
ABEPSS em 1996. Na UFMT, algumas propostas foram esboçadas propondo a
reformulação do PPP-1997, porém, nenhuma tentativa culminou na revisão geral, o que
se processou foram alterações pontuais e adaptações que tentavam contemplar alguma
especificidade das DC.
Somente em 2007, após muitas reuniões, debates, assembleias, inúmeras
revisões, tramitações e apreciações em várias instâncias, é aprovado o PPP-2007,
atendendo integralmente as DC da ABEPSS.
[...] esse novo projeto tem como desafio abrir trincheiras numa guerra do capital
contra o trabalho, do Estado contra a sociedade, fortalecendo dessa maneira a
direção social que vimos construindo desde os anos 80 e está impressa no nosso
projeto ético-político: formar profissionais em consonância com a realidade
social, sem perder de vistas que somente em condições objetivas pode-se mudar
o rumo da história, mas que são sujeitos da história todos os homens e mulheres
que desejam uma nova ordem social mais humana, mais justa e mais igualitária.
Por conseguinte, com garantias de democracia, cidadania e direitos sociais
(UFMT, 2007, p.7).
491
complementariedade das disciplinas que se distribuem entre eles. A centralidade do
trabalho e da questão social se manifestou não somente na forma de disciplinas e
ementas, mas na transversalidade que esses conceitos/categorias passaram a ocupar no
PPP-2007.
A reformulação também promoveu a implantação de uma Política de Pesquisa e
Extensão, assim como o Regulamento de Estágio, que dentre outros elementos definia
as atribuições do/a estagiário/a, da supervisão acadêmica e supervisão de campo. O
Departamento optou pela dissolução dos núcleos temáticos de pesquisas que haviam
sido criados na década de 1990, e definiu duas linhas de pesquisas, em consonância
com o projeto de criação do Programa de Pós-Graduação em Política Social (PPGPS).
Em 2010 o PPP-2007 foi revisado e aprovado (implementado em 2011), com
objetivo de reparar as lacunas em relação à carga horária, que extrapolava os 100 dias
letivos estabelecidos pelo MEC, dado a carga horária de 75 horas das disciplinas. Com
isso, foi elaborado o PPC-2010 que propõe a supressão e acréscimos de algumas
disciplinas, reformulação de ementas e atualização das bibliografias. Essa reformulação
suprimiu um total de 501 horas, na comparação entre o PPC-2010 e o PPP-2007, parte
da carga horária eliminada era das disciplinas de Seminário de Práticas do Estágio
Supervisionado, espaço que era destinado para a realização da supervisão acadêmica.
Temos nesse ponto, um retrocesso político-pedagógico que vai na contramão das DC e
da Política Nacional de Estágio (PNE) elaborada e aprovada em 2009 pela ABEPSS.
O PPC-2010 esteve sob vigência até o ingresso dos/as estudantes do ano de
2022, seu processo de implementação articulado ao seu constante monitoramento
possibilitou ao corpo docente, Colegiado de Curso e ao Núcleo Docente Estruturante
(NDE), acumularem durante toda a década o conjunto de elementos que exigem revisão
e/ou substituição, no sentido de garantir uma formação radicalmente crítica, de qualidade
e antenada com o movimento da história e particularmente da profissão. Assim, o
Departamento de Serviço Social da UFMT reitera seu compromisso com o Projeto Ético-
Político Profissional hegemônico, tendo como suporte a ontologia do ser social.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
492
Departamento de Serviço Social da UFMT possui um vasto acervo documental, pouco
explorado no âmbito de pesquisas que objetivam apresentar dados sobre o processo
histórico, que carecem de digitalização e manipulação cuidadosa, no sentido de
construirmos um banco de dados que sirva para os/as pesquisadores/as do quadro
docente e para todos/as aqueles virão.
Mesmo reconhecendo as lacunas e necessidades de maiores investimentos, não
nos esquivamos em reconhecer a riqueza que identificamos e analisamos nesse recorte
de pesquisa, ainda que a particularidade requisite mediações para atingirmos o que nos
propusemos a construir, rumo a uma “história nova do Serviço Social”. O acesso e
análise à/da documentação apresentada no presente artigo, nos possibilitou
identificarmos como a profissão se movimentou na especificidade do espaço formativo
mato-grossense, os fundamentos que subsidiaram os diferentes momentos, mostram
como o Departamento de Serviço Social também expressam as diferentes perspectivas
que atravessaram a reconceituação do Serviço Social brasileiro, quais seja, perspectiva
modernizadora, perspectiva de reatualização conservadora e perspectiva de intenção de
ruptura.
Em junho de 2022, o Departamento de Serviço Social aprovou o Projeto
Pedagógico de Curso, com intuito de implementá-lo a partir do primeiro período letivo de
2023. O mesmo, deverá ser apreciado e aprovado pelas instâncias superiores, dentre
elas a equipe revisora e técnica da Pró-Reitoria de Graduação (PROEG), que aponta
sugestões e as correções a serem incorporadas. Nesse movimento, caberá ao
Departamento de Serviço Social, criar estratégias para o processo de implementação da
curricularização da extensão, tarefa imposta pelo MEC para todos os cursos de
graduação. A implementação da extensão não pode ser tratada como mero
fortalecimento da extensão, mas como ameaça para as questões de gerenciamento de
encargos, no sentido de desabonar necessidade de contratação de corpo docente e
consequentemente reduzir as vagas nos Departamentos e Faculdades.
Inúmeros são os desafios, assim como é potente nossa resistência ao tentarmos
não ceder espaço para o retrocesso e para o conservadorismo, que parece avançar na
velocidade da luz. A riqueza dessa história, analisada aqui pelas brechas possíveis e
impostas pelas delimitações normativas, é compreendida como a soma de esforços de
várias gerações, de diferentes posições, raças, orientações sexuais e setores da classe
trabalhadora, que teceram arduamente essa trajetória. Ainda que, as discordâncias no
âmbito dos fundamentos teóricos e posições políticas existam e precisam ser apontadas,
entendemos que somente conhecendo de forma aprofundada o que rechaçamos no atual
493
estágio da profissão e da sociabilidade burguesa, é que poderemos criar anticorpos
contra os ventos do Serviço Social “tradicional” e conservador que ronda nossas vidas e
atravessa igualmente as diferentes gerações, sujeitos individuais e coletivos que
construíram os 50 anos de curso de Serviço Social na Universidade Federal de Mato
Grosso.
4- REFERÊNCIAS
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2005.
NETTO, José Paulo. Para uma história nova do Serviço Social no Brasil. In: SILVA, Maria
Liduína de Oliveira. Serviço Social no Brasil: História de resistências e de ruptura
com o conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016.
494
VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal e Serviço Social:
resistências e articulações internacionais
EIXO TEMÁTICO 6
Internacionalização do Serviço Social:
as articulações contemporâneas
na formação e trabalho profissional
SERVIÇO SOCIAL E PANDEMIA DA COVID-19: contribuições de pesquisa internacional
1- INTRODUÇÃO
176 Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora da Faculdade de
Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (graduação e pós-graduação). Email.
marinamcastro@gmail.com. Eixo: Internacionalização do Serviço Social: as articulações contemporâneas na
formação e trabalho profissional
177 Doutora em Serviço Social pela Universidade Católica Portuguesa e mestre em Família e Sistemas
Sociais, pelo Instituto Superior Miguel Torga. Pós-Graduada em Proteção de Menores e em Economia Social
pela Universidade de Coimbra. Licenciada em Serviço Social, pelo Instituto Superior Miguel Torga.
Professora convidada na Licenciatura de Serviço Social da Universidade Lusófona do Porto. Coordenadora
Geral na Santa Casa da Misericórdia de Vagos. Email: p4118@mso365.ulp.pt
496
demandas profissionais e impactos nos sujeitos profissionais enquanto trabalhadores,
muitas vezes, na linha de frente do combate à pandemia. Dentre esses profissionais,
encontram-se os/as assistentes sociais supervisores/orientadores de campo de estágio.
Nesse sentido, avançando nas interlocuções de pesquisa internacional da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) com a Universidade Lusófona do Porto
(ULP), apreendemos como fundamental analisar os impactos da pandemia nos
assistentes sociais supervisores de estágio das duas Instituições, realizando um estudo
comparativo178, na medida em que há particularidades das formações sócio-históricas
dos dois países que interferem diretamente na conformação do trabalho profissional. Os
Cursos de Serviço Social das duas Instituições vem nos últimos anos desenvolvendo
articulações e colaborações e a proposição desta pesquisa é fruto desse processo que
vem sendo construído.
Ressaltamos que essa interlocução parte de uma perspectiva de que
2- DESENVOLVIMENTO
178 A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de ética da UFJF sob o número 48388821.4.0000.5147.
497
reorganizar para contenção do vírus. Como nos afirma Davis (2020, p.12), a pandemia
também nos demonstrou que “a globalização capitalista parece agora biologicamente
insustentável na ausência de uma verdadeira infra-estrutura de saúde pública
internacional”.
Harvey (2020) logo no início da pandemia, já nos sinalizava que os efeitos
econômicos da pandemia seriam visíveis, acirrando os processos internos de cada país.
498
linha da pobreza (IBGE, 20022 c) e em Portugal, no primeiro trimestre de 2022, o país
conta com 308 mil pessoas desempregadas (INE, 2022).
O trabalho do assistente social nos dois países possui particularidades postas a
partir da trajetória da profissão, da sua institucionalização e de articulação de entidades
organizativas (MARTINS; CARRRARA, 2014; CARVALHO; PINTO, 2015; SANTOS;
MARTINS, 2016). Porém, a organização da supervisão de estágio se aproxima na
medida em que o estágio é componente estratégico nos currículos formativos do Serviço
Social, sendo os/as estudantes acompanhados por um supervisor/orientador assistente
social vinculado à espaços sócio-ocupacionais e pelo supervisor/orientador acadêmico179.
Conhecer a realidade do trabalho profissional é fundamental, na medida em que
um dos desafios nos componentes do estágio
179 Para maior conhecimento sobre a formação profissional nos países, ver em: SANTOS E MARTINS, 2016.
499
limites e possibilidades do trabalho profissional no contexto da pandemia; e seus
impactos na formação profissional em Serviço Social.
O número de profissionais entrevistados foi de trinta e sete, garantindo a
proporcionalidade entre as duas Instituições e os campos de estágio em vigência no
momento da coleta de dados, uma vez que a realidade da pandemia impactou no
retomada das atividades de estágio. Nas duas Instituições, o estágio sofreu com a
paralisação das atividades, reorganização das atividades de trabalho do assistente social
e incorporação de atividades na modalidade remota.
O roteiro de entrevista abarcou questões como a modalidade de trabalho
desenvolvida durante a pandemia: remota, híbrida ou presencial; as consequências que a
pandemia trouxe ao seu trabalho e as principais dificuldades na intervenção profissional
durante a pandemia, além de questões que envolvem as consequências deste processo
para a população dos dois países. Também demos ênfase às alterações vivenciadas
pelas profissões na relação vida pessoal/profissional.
Partimos do indicativo de que, apesar dos processos históricos diferenciados
vivenciados por Brasil e Portugal, a pandemia tem impactos similares nas condições de
saúde e trabalho das assistentes sociais supervisoras de estágio; além dos/das
trabalhadores conviverem permanentemente como medo de contágio do vírus.
Vimos ainda que as profissionais, prioritariamente mulheres, conviveram nesse
período com alta carga de stress e de dificuldades de conciliação da vida pessoal com a
vida profissional, especialmente àquelas que exercem atividades de cuidado junto às
famílias.
Destacamos que a pesquisa ainda está em desenvolvimento e com a análise mais
apurada dos dados, teremos um panorama importante dos impactos da pandemia nos
espaços sócio-ocupacionais em que os supervisores de estágio das duas Instituições de
ensino encontram-se inseridos. No entanto, a coleta de dados já nos afirma que
500
Ressaltamos que, especialmente, o cenário do Brasil de retrocessos do âmbito
das políticas sociais e de acirramento das expressões da questão social, atingiu
fortemente o trabalho dos assistentes sociais, gerando a preocupação nos profissionais
em construírem estratégias de enfrentamento a esse contexto, especialmente no que
tange ao reforço na articulação da rede de serviços sócio-assistenciais e defesa dos
direitos da população.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIRH, A. França: pela socialização do aparato de saúde. Terra sem Amos: Brasil, 2020,
p.25-30. Disponível em:
https://terrasemamos.files.wordpress.com/2020/03/coronavc3adrus-e-a-luta-de-classes-
tsa.pdf. Acesso em: 14 jun 2020.
501
DAVIS, M. A crise do coronavírus é um monstro alimentado pelo capitalismo. DAVIS,
Mike, et al: Coronavírus e a luta de classes. Terra sem Amos: Brasil, 2020, p.5-12.
Disponível em: https://terrasemamos.files.wordpress.com/2020/03/coronavc3adrus-e-a-
luta-de-classes-tsa.pdf. Acesso em: 14 jun 2020.
OMS. OMS afirma que COVID-19 é agora caracterizada como pandemia. OMS, 2020.
Disponível em: https://www.paho.org/pt/news/11-3-2020-who-characterizes-covid-19-
pandemic. Acesso em 02 jul 2022.
502
PORDATA. Estatísticas sobre Portugal e Europa. Disponível em:
https://www.pordata.pt/Portugal. acesso em 02 jul 2022.
503
IRRACIONALISMO, NEOCONSERVADORISMO E INCIDÊNCIAS NO SERVIÇO
SOCIAL: notas para o debate
RESUMO:
ABSTRACT:
180 Professor no Departamento de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Doutorando em Serviço Social pela UFJF-MG, Mestre em Serviço Social
pela UFJF. E-mail: jhony.zigato@ufvjm.edu.br
181 Professora no Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
504
1. INTRODUÇÃO
Isto significa que projetar na dinâmica da vida social uma moral conservadora que
prolifere normas e valores de negação da genericidade humana e o “espírito
revolucionário” (Marcuse, 1978) são estratégias fundamentais para assegurar o modo
capitalista de se comportar (Barroco, 2008), que expressa a lógica mercantil que organiza
a sociabilidade baseada na valorização da posse privada de bens materiais e na
transformação do indivíduo em objeto, em que a competitividade e o individualismo são
valores cultuados para subordinar o homem ao reino das reificações e garantir a
manutenção da propriedade privada. É nesse ambiente que a ideologia, diz Lukács
(2018), deve ser compreendia como expressão de uma elaboração intelectual da
realidade e necessária à administração dos conflitos do ser social, desempenhando uma
função social central nas sociedades de classes. Disseminada na cotidianidade via um
sistema de representações, normas e valores limita a liberdade como autonomia, o
conhecimento crítico, nega e viola os direitos humanos, impõe o conformismo, o
irracionalismo, o moralismo, aprofunda a alienação e a banalização da vida. É nesse
universo que o Serviço Social brasileiro é desafiado, considerando os avanços obtidos
pela profissão nas últimas décadas e objetivado sob a designação de projeto ético-
político. A sua gênese e consolidação no seio profissional estão assentadas nas bases
sociopolíticos que derrotou a ditadura militar no país, tendo suas bases legitimadoras
ampliadas nos processos de mobilização, luta e resistência aos processos sociais que
marcam a sociedade brasileira a partir dos anos 80. Assinala, também, a consolidação de
uma nova cultura profissional inscrita na razão dialética, com exigências teóricas, práticas
e institucionais ao trabalho e a formação profissional. Processo que se abre com o
aprofundamento da crise capitalista e com a ideologia neoliberal. Na história mais recente
505
esse processo se agudiza, a partir 2016, com o golpe que leva a deportação da
Presidenta Dilma Rousseff e, na sequência, a eleição de Bolsonaro, cujos contornos e
tendências é de ameaça às liberdades democráticas, ataques aos direitos humanos, com
forte apelo a práticas discriminatórias, preconceituosas, pragmáticas.
183 Partimos do entendimento de que ideologia não é uma interpretação do real, mas é parte do processo em
que a classe dominante, em uma sociedade de classes, utiliza de mecanismos para ocultar, naturalizar,
inverter, justificar o real a seu favor (lembrando que nas formas ideológicas também podem existir uma
dimensão do real) e apresentar como interesse universal os seus interesses particulares. Por isso Marx
afirma que as ideias dominantes são as ideias da classe dominante. Importante ressaltar ainda que
concordamos com Iasi (2007, p. 20-21), quando ele afirma que a “ideologia não pode ser compreendida
apenas como um conjunto de ideias que, pelos mais diferentes meios (meios de comunicação de massas,
escolas, igrejas, etc.), são introduzidas na cabeça dos indivíduos. Isso levaria ao equívoco de conceber uma
ação anti-ideológica como a simples troca de velhas por ‘novas’ ideias. Quando, numa sociedade de classes,
uma delas detém os meios de produção, tende a deter também os meios para universalizar sua visão de
mundo e suas justificativas ideológicas a respeito das relações sociais de produção que garantem sua
dominação econômica [...]”.
506
fragmentário, o microscópio, o transitório, o fatual não são percebidos como objetivação
da reificação da sociedade capitalista “[...] O mediato é suprimido de qualquer
inteligibilidade e instala-se a irrazão. Essas são pistas fundamentais para se chegar ao
desvendamento das origens do irracionalismo contemporâneo” (Evangelista, 2007, pg.
71).
184 A eleição de Donald Trump em 2016 nos EUA e Boris Johnson na Inglaterra em 2019 são exemplos da
escalada do conservadorismo no mundo. E a eleição de Bolsonaro coroa no Brasil o avanço
ultraconservador.
185Importante lembrar que uma das características do neoconservadorismo no Brasil é sua ligação com os
elementos do fundamentalismo religioso e anticomunismo.
507
assim articula, a profissão, à reprodução das relações sociais, relações em sociedade
que tem substrato material nas relações sociais de produção na sociabilidade capitalista.
508
afirmarem a realidade vivida e representada pelo agente profissional como uma unidade
contraditória que não se anulam, mesmo se negando em todo o tempo.
O intento de ruptura com o serviço social tradicional, segundo Netto (2005) não
significou a eliminação do lastro conservador da profissão. O que houve, a partir de fins
da década de 1970 em diante é a aproximação e maturação da profissão com a teoria
social de Marx e que ganhou proeminência, hegemonia no seio profissional, convivendo
com elementos da conservação. Soma-se a isto um “descompasso” da vanguarda
profissional, com predominância de ocupação nos espaços de formação, e o grande
contingente profissional nas esferas terminal e de planejamento das políticas sociais que
enfrentam o dilema de que na prática a teoria é outra.
509
dinamização da cultura conservadora no seio profissional, mas também é solo histórico
de constituição de mediações ético-políticas de vinculação do Serviço Social com a
classe trabalhadora e suas pautas de lutas e resistências.
510
justa e, sobretudo, expressam formas de resistências a barbárie que todos/as estamos
submetidos/as .
5- CONCLUSÃO
511
aliás nunca esteve, mas elas se espraiam de diversas formas no seio profissional. E é
nesse campo que faz central a razão dialética para combater visões abstratas e
aligeiradas da vida social. Aqui destaca-se o papel da universidade pública (mas só) na
formação em Serviço Social, pois esta não se esgota na graduação, mas, sem dúvida, é
o ponto de partida.
6- REFERÊNCIAS
BARROCO, Maria Lúcia. Ética: fundamentos sócio-históricos. São Paulo: Cortez, 2008.
IAMAMOTO, Marilda. Serviço Social em tempos de capital fetiche. São Paulo: Cortez,
2008.
LUKÁCS, Georg. Para a ontologia do ser social. Vol. 14. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2005.
512
Os Fundamentos do Serviço Social: análise das tendências teórico-metodológicas
presentes no debate do Serviço Social
RESUMO:
O estudo apresentado se trata de parte dos resultados da
pesquisa intitulada “Fundamentos do Serviço Social: uma
análise das tendências teórico-metodológicas presentes no
debate do Serviço Social”, que tem como objetivo analisar
as principais tendências teórico-metodológicas atuais
presentes na produção de conhecimento do Serviço Social
brasileiro, entre os anos 2007 a 2017. Empiricamente
trabalhamos com seis revistas nacionais consideradas
referências na área. Os resultados alcançados permitiram
afirmar que o direcionamento crítico assentando na
perspectiva marxista e marxiana é o que prevalece nas
publicações da área.
ABSTRACT:
The study presented is part of the results of the research
entitled "Fundamentals of Social Work: an analysis of
theoretical-methodological trends present in the Social Work
debate", which aims to analyze the main current theoretical-
186AssistenteSocial formada pela UNR, Argentina, Dr.ª em Serviço Social pela PUC-SP, Pós-doutorado em
Serviço Social pela PUC-SP e pela UFRJ, Professora titular da UFJF, Faculdade de Serviço Social,
(graduação e Pós-graduação) Pesquisadora do CNPq, Membro do grupo de Pesquisa Serviço Social,
Movimentos Sociais e Políticas Públicas. Pesquisa: “Fundamentos do Serviço Social: uma análise das
tendências teórico-metodológicas presentes no debate do Serviço Social”. CNPq.
187Assistente Social formada pelo CES-CL, Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz
de Fora - UFJF, Professora do curso de Serviço Social do CES-CL, integrante da Pesquisa: “Fundamentos
do Serviço Social: uma análise das tendências teórico-metodológicas presentes no debate do Serviço Social”.
CNPq.
188 Graduada em História pela UFJF e Graduanda na Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal
de Juiz de Fora. Bolsista PIBIC/CNPq de Iniciação Científica na Pesquisa “Fundamentos do Serviço Social:
uma análise das tendências teórico-metodológicas presentes no debate do Serviço Social”. E-mail:
shirleyseso@gmail.com.
189 Graduanda na Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Voluntária de
Iniciação Científica na Pesquisa “Fundamentos do Serviço Social: uma análise das tendências teórico-
metodológicas presentes no debate do Serviço Social”. E-mail: marianalperes@hotmail.com.
513
methodological trends present in the production of
knowledge. of the Brazilian Social Service, between the
years 2007 to 2017. We empirically work with six national
journals considered references in the area. The results
achieved allowed us to affirm that the critical direction based
on the Marxist and Marxian perspective is what prevails in
publications in the area.
1- INTRODUÇÃO
190Pesquisa financiada pelo CNPq, através de Bolsa de Produtividade em Pesquisa e Bolsas de Iniciação
Científica PIBIC/CNPq e pela UFJF/BIC: Fundamentos do Serviço Social: uma análise das tendências
teórico-metodológicas presentes no debate do Serviço Social.
514
ao Serviço Social internacional, motivo pelo qual ficaram fora da nossa análise.Portanto,
trabalhamos sobre os 443 artigos restantes, a saber 23,4%, dos artigos.
2- DESENVOLVIMENTO
As principais temáticas abordadas tem como foco a análise das mais distintas
manifestações da dinâmica da sociabilidade burguesa sob os ditames do capital.
No que se refere aos trabalhos que fazem mediação direta com a profissão, a
temática dos Fundamentos ainda é a menos discutida pela categoria num total de 18,7%,
conforme veremos no quadro pouco mais abaixo, sendo o tema trabalho profissional o
mais abordado com 43,8% dos artigos, seguido pela questão da formação profissional
com 37,5% das publicações.
Como mencionado acima, do total dos 1896 artigos publicados, entre 2007 a
2017, nas seis revistas investigadas (73,6%) não se vinculam ou fazem algum tipo de
mediação com a profissão, se tratando de temas diversos.
191Alguns autores já sinalizavam serem poucas as produções, que têm o Serviço Social como objeto de
pesquisa, como sinalizou Iamamoto no ENPESS de 2004. Na mesma direção, Closs, Prates e Carraro (2015)
analisando os Programas de Pós-graduação em Serviço Social, apontaram, inclusive, ser a Política Social a
maior concentração da área.
515
universo profissional. O quadro abaixo apresenta os temas recorrentes destes estudos,
que não são mediados com a profissão, além do quantitativo destes e suas devidas
porcentagens.
Tabela 1 – Principais temáticas dos artigos que não fazem mediação com o Serviço Social. Elaborada pelo
Grupo de Pesquisa Tendências Teórico Metodológicas do Serviço Social na Contemporaneidade, da UFJF,
coordenado pela professora Carina B. Moljo, em maio de 2022.
516
2.2- Temáticas dos artigos com mediação com o Serviço Social
Tabela 1 – Principais temáticas dos artigos que não fazem mediação com o Serviço Social. Elaborada pelo
Grupo de Pesquisa Tendências Teórico Metodológicas do Serviço Social na Contemporaneidade, da UFJF,
coordenado pela professora Carina B. Moljo, em maio de 2022.
2.3- Sobre a análise dos autores mais referenciados nos estudos publicados com
mediação com o Serviço Social brasileiro
517
citados temos: Marilda Iamamoto por 806 vezes, José Paulo Netto por 649, Karl Marx por
385, Ricardo Antunes por 159, Maria Carmelita Yazbek por 155, Yolanda Guerra por 140,
Ana Elizabete Mota por 139, Antonio Gramsci por 136, Maria Lúcia Barroco por 123, e,
GyorgyLukács por 102. A seguir apresentamos os 30 autores mais citados por artigos
assim como quantidade de vezes citados.
518
Marilena Chauí 38 Maria Inês Souza Bravo 65
Tabela 5 – Em ordem decrescente, à esquerda, relação de principais autores e quantidade de artigos citados.
À direita, relação de principais autores e quantidade de citações. Elaborada pelo Grupo de Pesquisa
Tendências Teórico Metodológicas do Serviço Social na Contemporaneidade, da UFJF, coordenado pela
professora Carina B. Moljo, em maio de 2022.
519
intelectual do pensamento crítico em nível nacional e internacional e, em ambos os
casos, a maioria dos autores se referenciam na teoria social de Marx.
3- CONCLUSÃO
520
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABEPSS. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social. Rio de Janeiro: ABEPSS,
1996.
521
SERVIÇO SOCIAL E PROJETO PROFISSIONAL: ALGUMAS REFLEXÕES
Luciana Gonçalves Pereira de Paula192
1- INTRODUÇÃO
192Assistente Social; Professora Associada da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz
de Fora; Doutora em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro; email: lugppaula@gmail.com; eixo temático “ofensiva ultraconservadora e resistências: formação e
trabalho profissional”.
522
Para isso, apresenta resultados parciais de uma pesquisa científica realizada pelo
Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensão sobre os Fundamentos do Serviço Social
(GEPEFSS), da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora
(FSS/UFJF). Essa pesquisa empírica, de caráter qualitativo, foi desenvolvida no período
de 2016 a 2019, foi submetida e aprovada junto ao Comitê de Ética para pesquisa com
seres humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora. Os procedimentos
metodológicos envolveram entrevistas estruturadas, realizadas com assistentes sociais,
alunas193 no Curso de Especialização “Serviço Social, Políticas Sociais e Processo de
Supervisão de Estágio”, oferecido pela FSS/UFJF.
193Com relação às assistentes sociais entrevistadas em nossa pesquisa iremos nos referir a elas no
feminino, uma vez que apenas mulheres se disponibilizaram a participar desse processo.
523
Essas dificuldades, postas pela realidade onde se insere o trabalho profissional do
assistente social no campo das políticas sociais, em um contexto de capitalismo ultra
neoliberal, muitas vezes são tomadas por esses profissionais como se fossem questões
internas, inerentes à profissão e ao seu Projeto Ético-Político (PEP). Muitos profissionais
do Serviço Social sentem-se frustrados por não conseguirem “materializar” o Projeto
Ético-Político no seu cotidiano profissional e creditam isso ao próprio direcionamento
crítico deste projeto e não às condições sócio-históricas prevalecentes na sociedade
capitalista na atualidade. Essa frustração, por sua vez, gera percepções equivocadas
acerca da realidade profissional e alimenta a falsa dicotomia entre teoria e prática.
524
Desse modo, faz-se necessário que os assistentes sociais se debrucem sobre a
natureza, o alcance a as possibilidades desse projeto. O Projeto Ético-Político do Serviço
Social não é a receita de solução para os problemas cotidianos dos assistentes sociais,
ele não pode ser tomado como um guia a ser seguido para se construir uma ação
profissional qualificada, ele é muito maior do que isso. E a sua compreensão requer a
recuperação da
Esses foram os elementos que nos motivaram à questão de pesquisa que será
apresentada o item que se segue.
525
3- ASSISTENTES SOCIAIS E PROJETOS PROFISSIONAIS – ANÁLISE DA
PESQUISA
526
nessa dimensão política, acho que isso é muito importante (Entrevistada
06).
527
Dessa forma, destacamos que os projetos profissionais, como exposto
anteriormente, envolvem uma série de elementos distintos:
528
sociais. E é, justamente nesse campo da divulgação dos valores ético-políticos presentes
em nosso projeto profissional crítico, que o assistente social pode oferecer uma
significativa contribuição aos processos sociais em construção.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
529
NETTO, J. P. A construção do projeto ético‑político contemporâneo. In:
Capacitação em Serviço Social e Política Social. Módulo 1. Brasília:
CEAD/ABEPSS/CFESS, 1999.
PAULA, L.G.P. de. SILVA, N.C.O. Planejamento e Serviço Social - O Plano de trabalho
como estratégia profissional do(a) assistente social. Anais do 15º Congresso Brasileiro de
Assistentes Sociais. Recife, 2016.
SIMAS, F. N.; RUIZ, J. L. S. Exercício profissional: uma mediação central entre direitos
humanos e o projeto ético-político do serviço social brasileiro. In: FORTI, V.; GUERRA, Y.
Projeto Ético-Político do Serviço Social: contribuições à sua crítica. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2014.
530
AS POSSIBILIDADES DO TRABALHO FRENTE À ATUAL CRISE CAPITALISTA:
contribuições ao Serviço Social
RESUMO:
Este artigo tem por objetivo apresentar de forma sucinta um
debate sobre o processo de acumulação capitalista e a crise
posta pelo capital, bem como a esfera do trabalho em sua
conformação, articulando ambas as temáticas. A partir
disso, reflete-se sobre uma perspectiva de trabalho e
sociabilidade que não seja conforme ao capital. Busca-se
também compreender como a crise e a estrutura
precarizada de trabalho atual afetam o Serviço Social, tanto
no caráter assalariado do assistente social, como nas
expressões da Questão Social com as quais os profissionais
lidam em sua prática.
ABSTRACT:
In this paper we briefly discuss the debate about the
capitalist accumulation of capital and its crisis as well as the
role of labour in this realm. Based on this, we reflect on a
perspective of labour and a sociability that does not conform
itself with capital. It also seek to understand how the current
crisis and the degraded conditions of labour affects the
Social Work, both as worker and of social crisis that this
professional deals with in his daily practice.
1- Introdução
O presente artigo tem por objetivo, tão brevemente, apresentar uma reflexão
acerca do atual momento do processo de acumulação do capital, mais especificamente
sua fase de crise, bem como os rebatimentos no mundo do trabalho. Compreender a
dialética capital-trabalho dentro deste processo se faz fundamental na medida em que o
194Doutorandoem Serviço Social pela UFJF, mestre e graduado em Serviço Social pela UFJF,
rafdbaz@hotmail.com
195Graduado em História pela UFJF, claudioayra@gmail.com
196Graduanda em Serviço Social pela UFJF, larissa.pereira.ufjf@gmail.com
531
Serviço Social como profissão se insere, na divisão sócio-técnica do trabalho, na
mediação do conflito entre estes pólos da sociabilidade capitalista. Isto posto, busca-se
uma também breve reflexão sobre os reflexos desse momento atual do conflito próprio
desta sociabilidade na profissão, tendo em vista o lugar de assalariamento do assistente
social, seu lugar enquanto classe trabalhadora, bem como a necessidade de pensar as
expressões da questão social, agudizadas nas crises, como elemento que compõe o
trabalho profissional. Desta forma, primeiro busca-se apresentar o processo de
acumulação em seu esgotamento atual que resulta na crise, articulado logo em seguida
com a situação de precarização da classe trabalhadora, apontando-se a necessidade de
superação dessa forma produtiva e da forma trabalho correspondente a esta. Por fim,
realizam-se apontamentos que permitem indicar caminhos de entendimento desse
processo dentro do Serviço Social, tanto na dimensão do assistente social como
trabalhador assalariado, como na sua relação de mediação das expressões da Questão
Social.
532
(Gráfico 1 – Taxa de lucro mundial, 1960-2019)
533
uma “nova e saudável desigualdade” que dinamizaria as economias avançadas
(Anderson, 1995).
E, no entanto, como mostra o gráfico, a lucratividade do capital nunca retornou
aos patamares do pós-guerra. Segundo Brenner (1999), os sinais mais visíveis da
desregulamentação econômica, da financeirização e da intensificação da circulação do
capital de curto prazo, vistos por muitos economistas como a causa das crises do
capitalismo neoliberal, são a consequência de um problema estrutural de excesso de
capacidade produtiva instalada, comprimindo os lucros da atividade manufatureira. São,
portanto, um sintoma do que Marx chamou de aumento da composição orgânica do
capital, que está na base da LQTTL. Massas de capital em busca de valorização migram
então para a esfera financeira e, a partir daí, projetam seus interesses para a sociedade.
Chesnaisexplica:
O papel “regulador” das finanças é exercido de múltiplas maneiras: pela fixação do
nível das taxas de juros; pela determinação da parte dos lucros que é deixada aos
grupos para investir sem medo de sofrer a sanção dos acionistas ou de dar aos
rivais os meios para fazerem oferta pública de ações; pela força dos mecanismos
que ela faz pesar sobre os governos para lhes impedir de sustentar as taxas de
investimentos e para empurrá-los à privatização e à desregulamentação.
(Chesnais, 2001, p.10-11)
534
cada vez mais comum os trabalhadores terceirizados, precarizados, subcontratados,
flexibilizados, em tempo parcial e o chamado ciberproletariado, que se relaciona a um
processo de substituição, não extinção, cada vez maior do trabalho vivo pelo trabalho
morto no processo produtivo. Para o autor a “nova morfologia do trabalho” faz necessário
se pensar uma “noção ampliada e moderna da classe trabalhadora” (Antunes, 2008,
p.139), que abarcaria todos aqueles que vendem sua força de trabalho em troca de
salário (classe-que-vive-do-trabalho), no caso os trabalhadores produtivos e
improdutivos, o proletariado rural, proletariado precarizado, o subproletariado moderno,
part-time, os terceirizados e precarizados, os assalariados da economia informal e
também os desempregados.
É importante ressaltar que Antunes apresenta o sentido do trabalho como central
e fundante, elemento este que implica significados e interpretações por demais
importantes. O sentido de fundante dá ao trabalho a primazia de ser a categoria que
permite ao ser social o “salto ontológico” (Antunes, 2013, 2015; Lukács, 2013) e o coloca
como gênese da humanidade. O sentido de centralidade do trabalho, por sua vez,
apresenta a ideia distinta de que a esfera do trabalho permanece, para Antunes,
enquanto elemento principal do ordenamento societal, da qual as demais esferas são
derivadas ou que sofrem grande influência. Também apresenta um sentido político, na
medida em que aponta a permanência da classe trabalhadora enquanto protagonista das
lutas sociais e como vanguarda de um processo de luta revolucionária. Retornando a
Marx, deve-se entender como este analisa o trabalho de forma geral e particular.
Para o autor alemão (2011, 2013), a produção de valores de uso, produtos para
satisfação de necessidades humanas, aparece enquanto elemento “comum a todas as
formas sociais”. Entendemos,pois, que o trabalho, em sua determinação geral apresenta
pelo menos os seguintes elementos: momento que medeia a relação entre o homem e a
natureza a fim de possibilitar a reprodução da vida humana (modificando o sujeito
enquanto ser social); dessa forma se constituindo como uma relação social entre os
homens, que produzem socialmente; e o elemento da teleologia, a capacidade humana
de planejar e de criar idealmente o que deseja efetivar antes de realizar propriamente o
que deseja ou necessita. O resultado desse processo de trabalho, o produto do trabalho,
é, então, um valor de uso produzido, algo útil, necessário à vida do sujeito. Porém, se os
elementos comuns podem estar presentes em épocas distintas, o que caracteriza seu
desenvolvimento são suas diferenças, aqueles elementos que não se repetem. Desta
forma, cabe sempre entender as categorias com relações recíprocas com o momento
histórico em que são observadas. O trabalho assalariado, por exemplo, que gera valor e
cria capital, como características particulares desta sociabilidade, ou seja, o trabalho
subsumido ao capital se apresenta na distribuição enquanto salário que compra
mercadorias para a satisfação do trabalhador. Assim, essa forma de trabalho,
assalariado, se coloca enquanto particularidade desta sociabilidade e não como forma
universal.
Apresentada a concepção marxiana do trabalho será exposto um fragmento do
debate de Postone, a fim de pontuar sua crítica no bojo do debate da centralidade do
trabalho. Para o canadense,
Daí se torna claro que a crítica marxiana é uma crítica do trabalho no capitalismo,
não apenas uma crítica da exploração do trabalho e do modo de distribuição, e
535
que a contradição fundamental da totalidade capitalista deve ser vista como
intrínseca ao reino da produção em si, e não apenas uma contradição entre as
esferas de produção e distribuição. (Postone, 2014, p.148)
Essa proposição de Postone mostra ser de grande relevância por deslocar o ponto da
crítica da exploração por uma crítica intrínseca do trabalho. O problema não se encontra
na distribuição, e na apropriação do trabalho alheio, somente, mas se encontra em
grande medida já na produção e na forma como o trabalho se subordina ao valor. Na
mesma linha, Duayer defende que:
536
Estado a implementação de programas focalizados e descentralizados de
“combate à pobreza e à exclusão social”. (Iamamoto, 2007, p.162)
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
537
6- REFERÊNCIAS
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX. 2 ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012;
538
IAMAMOTO, Marilda V..SERVIÇO SOCIAL EM TEMPO DE CAPITAL FETICHE: capital
financeiro, trabalho e questão social. 8. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2007;
LUKÁCS, György. O Trabalho. In: ______. Para uma Ontologia do Ser Social II. São
Paulo: Boitempo, 2013;
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro I. São Paulo: Boitempo, 2013;
__________.O Capital: crítica da economia política: livro III. São Paulo: Boitempo, 2017;
539
PANDEMIA POR COVID-19 E SERVIÇO SOCIAL
Requisições Institucionais e Atribuição Privativa
RESUMO:
O presente trabalho versa sobre as requisições institucionais
e as atribuições privativas dos assistentes sociais em
tempos de pandemia na Política de Saúde. Tais requisições
impõem desafios ao trabalho profissional e requer dos
assistentes sociais um posicionamento crítico e propositivo
em conformidade com suas atribuições.
ABSTRACT:
The present work deals with the institutional requirements
and the private attributions of social workers in times of
pandemic in the Health Policy. Such requests impose
challenges to professional work and require social workers to
take a critical and proactive stance in accordance with their
attributions.
197Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), assistente social do
Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e-mail: ingridadameuff@gmail.com,
Eixo Temático: Ofensiva ultraconservadora e resistências: formação e trabalho profissional.
540
1- INTRODUÇÃO
198 Entendemos que a reprodução das relações sociais “ não se reduz, pois à reprodução da força viva de
trabalho e dos meios materiais de produção. Não se trata, apenas, da reprodução material no sentido amplo:
produção, consumo, distribuição e troca de mercadorias. Refere-se à reprodução das forças produtivas e das
relações de produção na sua globalidade, envolvendo também, a reprodução espiritual: isto é, das formas de
consciência social, jurídicas, filosóficas, artísticas, religiosas e de antagonismos de classes [...]” (IAMAMOTO,
2007, p. 99).
541
é demandando para viabilizá-lo, mas este projeto institucional, na maioria das vezes,
distoa do projeto de profissão que a categoria defende.
Em conformidade com Iamamoto (2021) ratificamos que a intencionalidade ético-
política e transformadora do nosso projeto ético-político é tensionada pelas requisições
institucionais, que hoje tendem a restringir acessos e direitos à população usuária.
Também concordamos com Raichellis (2018) que o Serviço Social mantém em sua
história elementos vocacionais como a valorização de qualidades pessoais e morais,
discursos altruístas e apelo à empatia. Mas acreditamos que é pela via da autonomia
relativa que os profissionais podem elaborar estratégias individuais ou coletivas que
possam romper com o confessionalismo, com ações pragmáticas. Mas para romper com
tais ações, os profissionais precisam ter clareza do seu fazer, do objetivo de sua ação,
caso contrário, podem acabar por reforçar as requisições institucionais.
542
autonomia, pois acreditamos que é através dessa autonomia profissional, que os
assistentes sociais podem conseguir imprimir ao seu trabalho um caráter crítico,
propositivo, técnico, político.
Conforme exposto por Vasconcelos (2015) as requisições institucionais, em sua
grande maioria, são de cunho burocrático e administrativo, atividades estas que não
requisitam formação ou preparação para além do bom senso e o mínimo de
conhecimento em programas do pacote Office para realizar cadastros, planilhar dados,
também requisitam a necessidade de ser alfabetizado para colocar em ordem as fichas,
requisitam também que os profissionais mediem conflitos familiares, que saibam utilizar o
telefone, que saibam realizar o preenchimento de formulários, que saibam empacotar e
guardar pertences, entre outras atividades. Ou seja, não é necessária nenhuma formação
profissional para que essas atividades sejam executadas.
Entendemos que as questões relacionadas ao assalariamento e à necessidade
dos assistentes sociais subsistirem são triunfantes na decisão de se colocar de maneira
contrária às requisições institucionais, visto que os assistentes sociais pertencem à
classe trabalhadora e necessitam vender sua força de trabalho para sua reprodução.
Entretanto, como classe trabalhadora, os assistentes sociais, enquanto categoria,
precisam se unir para reverter o movimento institucional a seu favor e não é realizando
atividades que não estão no rol de suas atribuições e competências que isto irá
acontecer. No movimento contrário do que se espera, ao se “vender” aos ditames
institucionais, o que acontece é a ratificação de um lugar que apesar de não ser do
Serviço Social, acaba por ser compreendido enquanto o modo de ser e estar da profissão
na instituição, quando, na verdade, é a “prática qualificada que vai impondo [...] um novo
modo de ser e estar dos assistentes sociais, o que vai trazer como conseqüência o
reconhecimento por parte da instituição e dos usuários” (VASCONCELOS, p.533, 2015)
do que o Serviço Social faz!
Não é à toa que é na Saúde que mais se lista ações e mais se reage ao que não é
de competência ou atribuição do Serviço Social. Matos (2013) explicita que “a inserção
do Serviço Social nos serviços de saúde se deu por meio de uma busca de construção do
exercício profissional a partir do modelo médico clínico” (MATOS,2013,p.57). O Serviço
Social era apreendido como uma complementação ao trabalho do médico, sendo
identificado como paramédico, assim como as outras profissões da área da saúde.
Importa destacar que no início da década de 1960 alguns profissionais
começaram a questionar o conservadorismo da profissão, que culminou em um amplo
processo de revisão da profissão, que ficou conhecido como Movimento de
543
Reconceituação no Brasil, conforme fora trabalhado na sessão temática sobre o processo
de emergência do projeto profissional crítico. Esse Movimento foi um marco para o
Serviço Social no que diz respeito, principalmente, ao comprometimento com os
interesses da classe trabalhadora ao buscar romper com um exercício profissional
comprometido com os objetivos institucionais e com o conservadorismo enraizado na
profissão. No texto da Elpídio (2021) há uma afirmação de que o conservadorismo fora
rompido. Entretanto, discordamos da autora, pois partimos da ideia de que nem no
período histórico da Reconceituação podemos afirmar que houve uma superação do
conservadorismo. Partimos do pressuposto de que naquele período houve um intento ao
rompimento do conservadorismo, que ainda se encontra presente até os dias atuais na
profissão e também na atuação dos assistentes sociais.
O Serviço Social não é uma ilha. A profissão é atravessada pelas mudanças
operadas na sociedade capitalista. Concordamos com Iamamoto e Yasbek (2019) que as
mudanças operadas na sociedade capitalista, vem alterando as requisições colocadas ao
Serviço Social, sua inserção no trabalho coletivo, os recursos disponíveis, dentre outras,
Na atualidade, o capitalismo vem expressando sua face pós-moderna, onde há o esforço
de substituir a universalidade por análises micro-focais. As causalidades não são
consideradas, os fenômenos são tomados não em sua essência, mas de forma
fragmentada, singular, individualista. Assim, o pensamento pós-moderno se configura
como uma estratégia capitalista de difusão da ideologia dominante e manutenção da
ordem social hegemônica (PAULA, 2014). E o Serviço Social permanece sendo
requisitado enquanto uma profissão para propiciar o controle social.
Em tempos da pandemia pelo vírus Covid-19, assistimos, no Serviço Social na
saúde, à retomada do conservadorismo, mas sob uma nova roupagem, que tem se
expressado, por exemplo, na requisição de que os assistentes sociais ofereçam apoio
terapêutico aos usuários dos serviços, que ofereçam conforto emocional na comunicação
do óbito. Essas requisições se articulam com a prática do Serviço Social Clínico, que
defende que a intervenção profissional deve fortalecer de maneira psicossocial os
usuários a partir de um tratamento social (PAULA, 2014). É evidente que o sofrimento
psíquico dos usuários podem ser agravados em virtude das múltiplas expressões da
questão social que os sujeitos vivenciam. Entretanto, a subjetividade é o objeto de
trabalho da psicologia e não do serviço social199. Cabe ressaltar que existem muitos
assistentes sociais que defendem as práticas clínicas enquanto uma área de atuação do
199Importa destacar que o conjunto CFESS/CRESS tem publicações e normativas que vedam a prática do
Serviço Social Clínico. Para aprofundamento quanto à temática, verificar o site do CFESS.
544
Serviço Social e, este fato, demonstra que o neoconservadorismo vem ganhando adeptos
na categoria profissional. São eles, assistentes sociais, que tomam o “psicossocial”
enquanto objeto de trabalho, e não como uma área de atuação e acabam por psicologizar
as expressões da questão social, oferecendo “tratamento social” as mesmas. Esses
profissionais operacionalizam como estratégias de atendimento, aos usuários e suas
famílias, as terapias comunitárias, as terapias de família, visando ao fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários, visando ao empoderamento.
Ainda no rol das práticas clínicas, temos outra requisição institucional que nos tem
chamado atenção em tempos de pandemia: a mediação de conflitos. Esta que sempre
acontece de forma a dar recomendações as partes envolvidas e apoiá-las, como se os
assistentes sociais tivessem um aporte técnico-operativo ou teórico-metodológico próprio
para solucionar essas questões. Ainda nesse “âmbito familiar”, os assistentes socias tem
sido requisitados também para comunicar altas, óbitos, transferências, a entrar em
contato com os familiares para requisitar documento, exames anteriores, entre outros. O
Serviço Social é entendido enquanto a profissão que cuida da família e não por acaso
essas atividades são demandadas aos assistentes sociais, que ainda são encarados
como moças boazinhas, recatadas, educadas, que sabem falar e tratar as famílias. Os
contatos com as famílias devem ser realizados por aqueles que desejam que tal contato
seja realizado, afinal, são eles que conhecem o motivo de tal solicitação. A comunicação
de óbito deve ser realizada por quem tem competência técnica para explicar a causa-
morte, ou seja, o médico. O assistente social tem importante e delimitado papel nas
situações de óbito, que tem a ver com as orientações sobre o acesso aos benefícios
assistenciais, previdenciários, conforme resolução 03/2020 publicada pelo CFESS.
Outra requisição institucional aos assistentes sociais, durante a Pandemia, é o
preenchimento dos formulários de notificação epidemiológica, que são preechidos na
incidência de doenças específicas, como a Covid-19. Esses formuários colhem
informações estritamente clínicas, ou seja, também nessa situação, os assistentes não
possuem competência técnica para preenchê-los, mas estão sendo requisitados para
preencherem. Fato parecido ocorre com as fichas de notificação das violações de direito.
Entretanto, nessa ficha em específico qualquer profisisonal tem competência para
preenchê-la, porém, é comum verificarmos assistentes sociais as preenchendo, inclusive
em situações que sequer prestaram atendimento. Fica claro que em ambas as
requisições postas aos assistentes sociais o que se coloca é a secretarização aos
médicos, o que também já acontecia na atuação do Serviço Social na Saúde, onde os
assistentes sociais apoiavam a atuação dos médicos.
545
Tendo em vista o exposto, podemos inferir que as requisições institucionais
expressas nesse trabalho em nada se relacionam com as competências e atribuições
expressas na Lei de Regulamentação da nossa profissão. Entretanto, apenas refeletimos
aqui as requisiçoes que apesar de não serem de competência ou atribuição do Serviço
Social, são incorporadas ao trabalho profissional dos assistentes sociais na Saúde. Ao
incorporar tais requisições, os profissionais além de contribuir para a subalternização da
profissão, contribuem para a imagem que a profissão tem na sociedade, de maneira a
conservar o que está posto e não de transformar as relações sociais, econômicas e
políticas vigentes.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
546
profissão, pois se os assistentes sociais responderem, exclusivamente, às demandas
institucionais, o sentido do Serviço Social é alterado em sua essência. Acreditamos,
então, a categoria profissional deve refletir sobre as seguintes questões: A quais
objetivos a intervenção tem respondido? Em que medida o trabalho profissional, mesmo
que de forma inconsciente, tem reforçado as velhas práticas do Serviço Social? E para
finalizar, que imagem de profissão está sendo construída na instituição? Acreditamos que
por meio dessas indagações o serviço social pode conseguir alcançar os avanços que a
profissão teve nas dimensões ético-política e teórico-metodológica, mas que ainda
precisa ser construído na dimensão técnico-operativa. Para tal avanço não há receitas de
bolos, ou prescrições.
Supomos que para que a aproximação entre campo, ponta e academia, de fato
ocorra, a dimensão técnico-operativa precisa se constituir em objetos de pesquisa e para
tanto a categoria profissional também precisa estar aberta a ter o seu fazer profissional
tomado enquanto objeto de pesquisa. E o pesquisador precisa refletir sobre a forma
como a sua metodologia, a sua pesquisa será estruturada, visto que muitas pesquisas
que tomam a prática como objeto constroem uma análise de modo a criticar o que o
Serviço Social faz, mas pouco se dispõe a refletir e somar em estratégias para quem está
exercendo a profissão na ponta. Finalizamos aqui com alguns questionamento que foram
realizados durante algumas das aulas ministradas ao longo da disciplina: Qual a relação
entre a categoria profissional com o referencial marxista? Existe uma relação? Quais as
determinações contribuem para que a formação crítica que o Serviço Social tem
construído ainda encontre obstáculos para serem introjetadas no exercício profissional,
nos espaços sócio-ocupacionais? Questionamentos ainda sem respostas, mas que
podem suscitar discussões futuras.
4- REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
547
IAMAMOTO, Marilda, e YAZBEK, Maria Carmelita. Posfácio - Maria Carmelita
Yazbek/Marilda Villela Iamamoto in YAZBEK, Ma. C e IAMAMOTO, M. V. Serviço Social
na História – América Latina, África e Europa. SP: Cortez, 2019.
MATOS, Maurílio. Serviço Social, ética e saúde. Reflexões para o exercício profissional.
1ª Edição. São Paulo: Cortez Editora, 2013.
PAULA, Luciana. Estratégias e Táticas. 1ª Edição. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2016.
548
TRABAJO SOCIAL EN EL CONTEXTO DEL COVID-19: retrocesos, resistencias y
desafíos en la Región Iberoamericana
201Trabajadora Social, docente del Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto,
doutora em Trabajo Social por la Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Coordinadora de
lainvestigación. E-mail: vcarrara@ufop.edu.brComunicación vinculada eneleje temático: Resistências, Lutas
e Internacionalização do Serviço Social; Política Social, trabalho e questão social: retrocessos,
resistências e desafios ao Serviço Social.
202 Trabajador Social, docente del Departamento de Filosofía y Trabajo social de la Universitat de les Illes
Balears (UIB), España. Doutoramiento en Trabajo Social, Servicios Sociales y Política social. Vice-
coordinador de la investigación. E-mail: mangel.oliver@uib.es
203 Trabajadora Social, docente del Departamento de Trabajo Social y Servicios Sociales de la Facultad de
Trabajo Social de la Universidad de Granada, doutora en Antropología Social y Cultural por la Universidad de
Granada, España.E-mail: rosanadm@ugr.es
204 Trabajadora Social, docente del Departamento de Filosofía y Trabajo social de la Universitat de les Illes
Universidade Federal de Ouro Preto, becária de Iniciación Cientifica, del Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica Ações Afirmativas –PIBIC/AF – CNPq. E-mail: ariane.paula@aluno.ufop.edu.br
206Estudiante de Trabajo Social del Grado de Trabajo Social del Departamento de Serviço Social da
Universidade Federal de Ouro Preto, voluntaria en esta investigación y becaria de Iniciación Cientifica endel
Programa de Bolsas de iniciação científica e tecnológica da FAPEMIG enlainvestigación A Formação em
Serviço Social na Espanha pós Bolonha e a “era da educação digital”: fundamentos e perfil profissional. E-
mail: ana.cs1@aluno.ufop.edu.br
549
profundizar en la regulación de la profesión en sus
atribuciones privativas y competenciales.
1- Introducción
550
los déficits que históricamente se vienen dando en relación al desarrollo de actuaciones
de carácter preventivo.
551
2- Proceso metodológico
552
concretamente de: Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica, Cuba,
Ecuador, España, Perú, Portugal y Puerto Rico. El total del material analizado comprende
26 audiovisuales (en directo, conferencias web, mesas redondas, en blogs, facebook,
twitter, Youtube), y 20 artículos, provenientes de los Colegios profesionales de Trabajo
Social, instituciones académicas u otro tipo de organizaciones o colectivos profesionales
en general, en los países seleccionados para el estudio. Los ejes de investigación y
análisis se centraron en cuatro dimensiones: trabajo/ejercicio profesional, formación,
organización profesional y estudiantes.
3- Resultados y Discusión
Los resultados señalan, por una parte, desafíos a los que ha tenido que hacer
frente la profesión como: la amenaza de la sustitución del trabajo presencial por el trabajo
remoto; la falta de autonomía de las trabajadoras sociales para el desempeño de su
profesión; la necesidad de reivindicar derechos que vienen siendo progresivamente
enfrentados; la necesidad de rescatar la dimensión política del Trabajo Social; la
exigencia de profundizar en la regulación de la profesión que permita definir la atribución
de las competencias y funciones de las profesionales. Por otro lado, los resultados de la
investigación reflejan también aspectos como: las situaciones de estrés e incertidumbre
en las trabajadoras sociales que genera una situación de pandemia mundial que, en
determinados contextos, ha supuesto el fallecimiento de profesionales; la falta de
estructura básica de los servicios; la escasez de recursos materiales y profesionales; la
delegación de responsabilidades del Estado a la sociedad civil, y la existencia de
desigualdades estructurales que la pandemia ha puesto aún más de
manifiesto.Presentamos aquí los resultados parciales para los países de Brasil,
Colombia, Costa Rica, España, Perú y Puerto Rico, en el período pandémico, desde
marzo de 2020 a julio de 2021. Las expresiones de la cuestión social objeto de la
intervención e investigación profesional se vieron agravadas por el aumento del
desempleo, especialmente en el sector servicios y turismo. Al mismo tiempo, aumentó
exponencialmente el volumen de demandas de ayuda a los servicios sociales y
aparecieron nuevos usuarios que nunca habían demandado asistencia con anterioridad a
los mismos:
553
situacióneconómica muy precaria” (LOPEZ, La Manchuela, Albacete/España, 2020.
Colegio Oficial de Trabajo Social de CLM).
“(…) hoy los profesionales en Trabajo Social estamos presentes en diferentes ámbitos
de actuación, entre otros: salud, educación, servicios sociales, sector carcelario,
rehabilitación. Espacios donde se encuentra el mayor porcentaje de la población en
situación de vulnerabilidad (...) En este sentido, y ante la presencia del Covid-19 y la
cuarentena, se agudizan las situaciones que son objeto de la intervención del Trabajo
Social en la cotidianidad” (Carta Pública del Consejo Nacional de Trabajo Social,
Colombia, 2020)
554
Dios. Costa Rica. Expresiones de la intervención profesional en el contexto de
pandemia. Actividad organizada por ALAEITS)
555
“Hacemos una docencia virtual (...) pero en Perú sucede que el 25% de la población es
rural. Se estima que uno en cada cuatro peruanos no tiene Internet. Como se puede ir a
estudiar (...) en nuestro nuevo sistema remoto.” (ESCOBAR, Universidad Nacional
Mayor de San Marcos - Lima, Perú, 2021)
556
mencionar el actual paro nacional en Ecuador, impulsado por la Confederación de
Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE), con numerosas exigencias frente a las
situaciones de precariedad económica y social que presenta el país. También es símbolo
de esa pujanza de las movilizaciones populares latinoamericanas, las diferentes protestas
que desembocaron en la marcha más grande ocurrida en Chile, que tuvo lugar en 2019,
donde miles de personas salieron a las calles para responder al olvido estatal ante la
desigualdad social presente en el conjunto del país.
4- Consideraciones Finales
Dado que la profesión de Trabajo Social está articulada con la realidad histórico-
social, su sustrato material es la realidad social, y la vida cotidiana de ciertos segmentos
de la población (GUERRA, 1998). Por lo tanto, es una parte necesaria de esta profesión,
estudiar los segmentos que se colocan y se actualizan en la sociedad capitalista.
Investigar e indagar en los medios implicados en esta vida cotidiana, implica dilucidar
contextos y caminos necesarios para una mejor comprensión y desarrollo del
conocimiento teórico y metodológico de la realidad en la que se inserta esta profesión.
Podemos afirmar que los resultados preliminares indican que la pandemia, en los
países hasta el momento investigados, impactó en toda la categoría profesional, sea en
el ámbito académico, con repercusión en los estudiantes, en el ejercicio profesional, así
como en las organizaciones colectivas de trabajadoras sociales. Estas han venido
afrontando nuevas demandas que exigen respuestas rápidas y cualificadas, en cuanto a
la atención a los usuarios, y en relación a los propios profesionales en su quehacer diario.
Con la pandemia, la falta de estructura básica de servicios es aún más explícita en los
países en desarrollo, en América Latina.
557
criminalización de los pobres, y el debilitamiento y fragmentación de los sujetos colectivos
y sus luchas.
5- Referencias Bibliográficas
GIRELA REJÓN, B. El Trabajo Social y los Servicios Sociales en España: el precio del
neoliberalismo. Reidocrea, Granada, v. 6, 95-104. 2017
558
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. In: Ruy Mauro Marini: vida e obra.
TRANSPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (orgs). 1 ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2005.
559
A DIMENSÃO ÉTICA NA FORMAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA ESPANHA:
dados preliminares de pesquisa internacional
RESUMO:
Objetiva-se contextualizar o processo de pesquisa sobre a
dimensão da ética profissional no Serviço Social espanhol e
alguns achados preliminares, para contribuir com o debate e
o avanço de estudos sobre o Serviço Social internacional.
Foram analisados 38 Cursos de Serviço Social com 1565
planos de ensino. Destes, 137 (8,75%) abordavam
“ética/deontologia” e 8 cursos não contêm uma disciplina
sobre a temática, mas seu conteúdo é abordado em outras
disciplinas. Evidencia-se o desafio de superação da ética à
sua esfera normativa não articulado com suas outras
dimensões, dificultando a apreensão de uma ética aplicada
na formação e trabalho profissional.
207 Assistente Social, Mestra e Doutora em Serviço Social (UFRGS) Pós-Doutora pelo Departamento de
Serviço Social (UCM/Espanha), Professora do Departamento de Serviço Social e Pós-Graduação em Política
Social e Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Líder do Grupo de Estudo,
Pesquisa e Extensão sobre Trabalho, Formação e Ética em Serviço Social (GEPETFESS/UFRGS). Bolsista
Produtividade CNPq.
208 Assistente Social, Mestra em Política Social e Serviço Social pela UFRGS, Doutoranda em Serviço Social
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), bolsista do CNPq. Integrante do
GEPETFESS/UFRGS; do Grupo de Estudos e Pesquisa Trabalho e Política Social na América Latina
CNPq/UFSC, Núcleo de Pesquisa em Políticas e Economia Social –NEPES/PUCRS, e do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Políticas Públicas e Sociais -NEPPPS/UCS.
560
1- INTRODUÇÃO
209 Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto da doença
(Covid-19), causada pelo novo coronavírus, constitui-se emergência de saúde pública de importância
internacional, o mais alto nível de alerta da OMS, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional.
No mesmo ano, em 11 de março de 2020, a OMS caracterizou a Covid-19 como uma pandemia. Neste
sentido, é importante destacar que dois dias após essa caracterização, no dia 13 de março, decretou-se
“estado de alarme” na Espanha, um dos países considerados epicentros da pandemia.
561
ampliar estudos teórico-metodológicos sobre essa dimensão na formação profissional em
Serviço Social na Espanha.
Trata-se de uma possibilidade concreta de contribuição no processo de
internacionalização do ensino superior, que, “nos últimos anos, tem sido sinônimo de
qualificação e excelência no ensino superior, criando escala, valor e servindo de
estratégia na definição dos rankings entre as universidades” (MARTINS; CARRARA,
2014: 222), além de fortalecer os laços de cooperação internacional, inferindo sobre a
produção de conhecimento na área do Serviço Social.
Conforme já exposto, a pesquisa teve início no ano de 2020. Dez dias após a
chegada da pesquisadora na Espanha, decretou-se “estado de alarme” da população
espanhola, limitando a circulação de pessoas e a racionalização do uso de serviços ou
consumo de artigos de primeira necessidade, entre outros.
Diante deste contexto, exigiu-se adequações ao processo de pesquisa,
otimizando o processo de coleta dos dados para a modalidade online. No Brasil,
concomitantemente, acompanhou-se a negação e reducionismo do vírus, bem como o
processo lento de tomada de medidas de distanciamento, de cuidado e de proteção à
população em geral.
Mesmo em diferentes contextos, o grupo de pesquisa, composto por uma
doutoranda, dois mestrandos e três bolsistas de iniciação científica, e a pesquisadora,
encontraram-se, na modalidade online, semanalmente, para estudos, organização e
socialização dos processos de coleta e análise dos dados.
Nesta perspectiva, destaca-se que, além de contribuir com a pesquisa
internacional, a experiência aqui apresentada também possibilitou um importante
envolvimento entre discentes de graduação e de pós-graduação. Ressalta-se ainda que
essa articulação permitiu a construção de mediações com a formação profissional no
Brasil, bem como do fortalecimento dos fundamentos do Serviço Social brasileiro,
exigindo-se estudos e apropriação para as análises realizadas.
Ainda, e mesmo considerando as limitações do confinamento e parcas condições
concretas de aproximações físicas e articulações, a pesquisadora participou junto aos
distintos coletivos de Assistentes Sociais, como espaços formativos da e com a categoria
profissional, eventos e mesas redondas. Participou da realização de reunião com a
562
direção do Colégio Oficial de Madri em julho e da participação de grupos de discussão de
Assistentes Sociais da Espanha, possibilitando avançar no reconhecimento do trabalho e
da organização dos(as) assistentes sociais do país.
A partir desta aproximação e vivência, evidencia-se um reconhecimento destas
entidades representativas, no que se refere ao trabalho dos(as) Assistentes Sociais na
pandemia. Identificou-se uma retomada da categoria sobre os alertas e denúncias
realizadas sobre as implicações dos drásticos cortes ao financiamento necessário para
garantia do sistema de proteção social que já estava afetado. Assim, acredita-se que,
apesar das dificuldades da realidade e particularidades do Serviço Social espanhol, a
categoria se manteve na busca por justiça social, direitos humanos e busca pela
igualdade de oportunidades (REIDEL, 2020).
Neste processo identificou-se também que a Espanha possui em torno 40.000
profissionais vinculados aos Colégios Oficiais de Serviço Socialque totalizam 36 no país
(Colegios Oficiales de Trabajo Social) cujo organismo representativo superior é “Consejo
General del Trabajo Social”. Além deste, existe a “Asociación Universitaria Española de
Trabajo Social”.
Quanto à caracterização das Instituições de ensino, 94,7% se configuram como
Universidade, caracterizando-se pela premissa indissociável entre ensino, pesquisa e
extensão. 76,3% são natureza pública, o que não representa ensino gratuito, pois,
segundo informações do Ministerio de Educación, Cultura y Deporte (MECD), o custo
médio anual da graduação na Espanha, em universidades públicas, varia de 821€ a
1.302€ e em algumas não há distinção entre valores para europeus e estrangeiros
(MECD, 2022).
No estudo dos planos de ensino, identificou-se que das 1565 disciplinas, 137
abordam o tema da ética/deontologia, ou seja, em 8,7% há evidência da temática. Dos
cursos de Serviço Social, 8 não exibem disciplinas intituladas “ética/deontologia”, porém,
o conteúdo é abordado em outras disciplinas, pois em todos os cursos há, no mínimo,
uma que contém ética no plano de ensino.
As 137 que abordam a temática da ética/deontologia foram divididas em 11 blocos
temáticos: Ética; Fundamentos; Trabalho em áreas específicas; Práticas, estágio e
supervisão; Trabalho com famílias, indivíduos, grupos e comunidades; Investigação,
diagnóstico e avaliação; Habilidades profissionais; Serviços Sociais; Introdução ao
Serviço Social; Mediação; Antropologia, direitos e desigualdade. Apenas 32 (23,35%)
compuseram o bloco intitulado “Ética”, a partir da exibição no título “ética/deontologia”
(REIDEL; CORRÊA; MENDO, 2022). Nas Universidades pesquisadas, dois cursos
563
apresentam a incidência de 02 disciplinas específicas sobre ética, ou seja, somente 2
graduações contêm mais de uma disciplina de ética.
Na Espanha, evidenciou-se também que, assim como no Brasil, a centralidade da
ética é compreendida como um dos pilares de sustentação da direção que orienta o
trabalho profissional, reconhecimento amplamente compartilhado “tanto por profissionais
como acadêmicos que reconhecem que a ética é consubstancial ao próprio Serviço
Social e os(as) profissionais devem atuar sempre com uma direção ética. Este
reconhecimento é um dos motivos fundamentais que explicam o surgimento de tantas
reflexões e publicações em torno deste tema.” (PEMÁN; MEGALES, 2017, p.17, tradução
nossa).
Entretanto, na Espanha, o Serviço Social não possui a concepção do homem
como sujeito transformador, núcleo categorial da teoria social crítica. Por fim, identificou-
se também que o Serviço Social espanhol teve o seu primeiro Código de Ética aprovado
pela Asamblea General de Colegios Oficiales de Diplomados en Trabajo Social y
Asistentes Sociales somente em 1999, justificando-se “[...] en la necesidad de ahondar
en los principios éticos y deontológicos profesionales atendiendo a las nuevas realidades
sociales y a las normas que influyen directamente en la actividad profesional.” (Consejo
General del Trabajo Social, 2015). Ou seja, seis anos após a edição do quinto e último
código de ética da categoria no Brasil.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
564
uma fundamentação teórica restrita ao aspecto deontológico, o que represa/isola a
compreensão da ética de suas outras dimensões e da articulação entre elas, dificultando
a apreensão de uma ética aplicada na formação e, consequentemente, no trabalho
profissional.
Desta forma, ressalta-se que a dimensão ética não se limita ao código; esta é, ou
deveria ser, transversal, presente em toda extensão profissional. Compreendemos que o
processo de formação deve possibilitar o exercício do pluralismo onde se tornam
possíveis reflexões e debates sobre diferentes perspectivas teóricas que se confrontam
durante o processo de formação.
4- REFERÊNCIAS
IAMAMOTO, Marilda Villela; YAZBEK, Maria Carmelita. Introdução. In: YAZBEK, Maria
Carmelita; IAMAMOTO, Marilda Villela (org.). Serviço Social na história: América
Latina, África e Europa. São Paulo: Cortez, 2019. p. 11-30
MARTINS, Alcina Maria de Casto; CARRARA, Virgínia Alves. Serviço Social português e
brasileiro em diálogo: internacionalização da formação profissional. Em Pauta, v. 12, n.
33, p. 205-227, 2014. Disponível em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/view/13034. Acesso em: 12 fev.
2022
565
https://www.educacionyfp.gob.es/dam/jcr:b9e82c7a-1174-45ab-8191-
c8b7e626f5aa/informe-datos-y-cifras-del-sistema-universitario-espa-ol-2019-2020-
corregido.pdf. Acesso em: mar. 2020.
REIDEL, Tatiana; CORRÊA, Laís Duarte; MENDO, Maria Luiza. Serviço Social na
Espanha: aproximações com a ética profissional. Revista Libertas, Juiz de Fora,v.22,
n.1, p. 36-59,jan. / jun. 2022.
566
ESTÁGIO E SUPERVISÃO NA FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL: O debate
português
RESUMO:
ABSTRACT
This communication is the result of the dialogue between
Brazil and Portugal, through participation in an international
Programa de Pos Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF- Brasil. Pós-Doutora em
Serviço Social. E-mail: cmonicasantos@gmail.com Eixo Temático: Internacionalização do Serviço Social: as
articulações contemporâneas na formação e trabalho profissional.
213 Assistente Social. Professor da Graduação do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul- UFRGS- Brasil. Doutor em Serviço Social. E-mail: guilhermeferreira@ufrgs.br Eixo
Temático: Internacionalização do Serviço Social: as articulações contemporâneas na formação e trabalho
profissional.
214 Assistente Social. Professora da Licenciatura e do Mestrado em Serviço Social do Instituto Superior Miguel
Porto - ULP- Porto- Portugal. Doutora em Serviço Social. E-mail: p3349@ulusofona.pt Eixo Temático:
Internacionalização do Serviço Social: as articulações contemporâneas na formação e trabalho profissional.
567
seminar on internship and supervision. This seminar was
one of the products of the investigation entitled
“Fundamentals and mediations of Internship Supervision in
Social Work in training and professional practice: study of
the Ibero-American particularity”.
Keywords: Fundamentals of Social Work; Professional
qualification; Professional Work; Internship Supervision;
Iberoamerican research
1- INTRODUÇÃO
568
a formação e o trabalho profissional junto aos representantes coordenadores dos órgãos
representativos da profissão.
569
participação dos sujeitos envolvidos no estudo das respectivas IES parceiras da
pesquisa, e de diversas e distintas instituições das regiões brasileiras e portuguesas.
3.1- Contributos para a reflexão dos temas que subsidiaram as mesas e os debates
570
Os interlocutores do evento levantam algumas questões para se pensar a
formação e o que nos desafia: qual o estado da arte da pedagogia na formação? quais os
desenvolvimentos na supervisão pedagógica? qual o impacto dos estágios pedagógicos
nas instituições e na academia? como se distingue Portugal do Brasil relativamente aos
estágios e supervisão pedagógica em Serviço Social? E para refletir ao nível da
profissão: quais os requisitos de qualificação para a supervisão? qual a relação entre a
regulação profissional e a supervisão em Portugal? qual a relação entre supervisão e
intervenção? qual a relação entre a ausência de supervisão e os vínculos associativos? e
quais as relações entre o movimento associativo da profissão e a região autônoma da
Madeira? Conclui-se que a aprendizagem sobre a supervisão pedagógica traz
importantes contribuições à supervisão profissional e é importante lançar bases para uma
supervisão profissional. Se a supervisão profissional não for lançada nos primeiros anos
do exercício profissional, não é fácil ser aceita porque facilmente desenvolvemos o
exercício profissional num empobrecimento e isolamento difícil de ultrapassar.
Considera-se ainda necessária a reafirmação das relações históricas entre o
Serviço Social português e brasileiro. É exposto o que a ABEPSS vem desenvolvendo
em relação ao estágio no Brasil, e destaca-se dentre eles o projeto ABEPSS Itinerante
iniciado em 2011, e em 2009 o lançamento de uma Política Nacional de Estágios (PNE)
para pensar elementos para orientar as escolas.
Contudo, o contexto da pandemia trouxe o dilema de como os estágios
curriculares iriam decorrer num contexto de ensino remoto emergencial. Nesse sentido, a
ABEPSS realizou uma pesquisa com mais de 90 escolas (através de um questionário)
para saber como estavam decorrendo os estágios em contexto de pandemia. A tendência
de transposição “mecânica” do presencial para o remoto é preocupante, pois o ensino
remoto emergencial não abarca todas as dimensões de um estágio e supervisão
presencial. Por esta razão as orientações da ABEPSS reafirmam a incompatibilidade da
formação profissional em Serviço Social com o ensino remoto.
Em relação à pesquisa realizada, foram levantados alguns pontos relevantes e
que merecem aprofundamento e debate pela categoria em Portugal: i) as diferentes
tendências quanto à concepção de estágio, supervisão e orientação, incluindo, as
diferentes nomenclaturas destinadas à orientação: a) tendência que enfatiza o estágio e a
supervisão/orientação como um momento de experimentação ou de aprendizagem
prática, exclusivamente; b) tendência que ressalta o estágio, a supervisão/orientação
como espaço de aprendizagem teórico-prática; c) tutoria e supervisão pedagógica; d)
supervisores no local de estágio e supervisores na escola; e) supervisor institucional e
571
supervisor acadêmico; f) orientação no local e orientação acadêmica; ii) Quanto ao início
do estágio: um grupo acredita que a realização de estágios no primeiro semestre do
curso e até mesmo no primeiro ano do curso não é pertinente, se sustentando na
afirmativa de que os estudantes não reúnem as condições de maturidade, as condições
relacionais e, principalmente, as condições de elaboração teórica no primeiro ano; iii)
quanto à mudança de campo de estágio, quando a IES oferece dois ou mais
semestres desta atividade: há um grupo que considera que a licenciatura deve ser,
sobretudo, uma oportunidade para os estudantes contatarem com os diferentes campos
de intervenção do Serviço Social e, portanto, o ideal é que eles experimentem várias
instituições. Por outro lado, outro grupo acredita que deva haver uma continuidade no
campo de estágio pelo estudante, possibilitando um aprofundamento de conhecimentos;
iv) aprofundamento dos impactos diretos das políticas de austeridade fiscal, no
processo de precarização das instituições e de privatizações e do processo de Bolonha
para formação e exercício profissional, bem como, o rebatimento do trabalho remoto para
a saúde do trabalhador, quer seja da docência quanto do terreno (campo) e do estagiário.
Particularmente, Bolonha foi também destacada em outra exposição no relato de
experiência pelos supervisores do terreno (campo); v) a questão da atividade de
orientação/supervisão do terreno (campo) não ser considerada pelo empregador como
atribuição do profissional e, portanto, essa atividade não entra no planejamento do
trabalho e nem em sua carga horária.
No que confere ao contexto da pandemia da covid-19 no estágio acadêmico e
no processo de supervisão, ofereceu-se adensamento aos resultados da pesquisa
apresentados as seguintes questões:
216
Questões pontuais referem-se a pontos que não são gerais, ou seja, verbalizados por alguns participantes
e palestrantes.
217 Questões Comuns referem-se a pontos transversais e comuns as intervenções dos diferentes
participantes e palestrantes.
572
construção do estágio);
573
síncronas, não poderem aparecer em virtude de sua imagem e ainda não se sentirem
bem em relação a mostrar sua casa, sua vida privada. No Brasil, os alunos referem estar
cansados. Houve um processo de vacinação tardio em comparação a outros países. Há
limites institucionais da universidade pública na oferta de álcool gel, máscaras de
proteção e de infraestrutura (salas de aula ventiladas, etc.).
Em relação ao processo de estágio/supervisão há diferentes modalidades
vivenciadas pelos profissionais de campo: trabalho remoto; trabalho remoto/presencial;
trabalho presencial. Há um retorno dos/das assistentes sociais nas políticas públicas de
forma mais efetiva: assistência social, saúde e educação. As que possuem comorbidades
estão em casa. Os alunos que possuem comorbidades também não vão ao campo. A
supervisão à distância mesmo com as dificuldades possibilitou uma aproximação dos
supervisores acadêmicos, supervisores de campo e alunos, ocorrendo tríades
sistemáticas para o planejamento do estágio.
O processo de Bolonha aparece como um grande desafio. A duração do curso
entre três anos (seis semestres) e três anos e meio (sete semestres) vai interferir e fazer
a diferença no processo de estágio bem como a idade e maturidade do aluno. É
reforçada a importância da aproximação entre academia e os assistentes sociais em
exercício na função de supervisão de campo e a necessidade de continuidade da luta
para afirmação da profissão em face de outras profissões. Mais uma vez é
problematizado o fato da/do orientador/a não ser assistente social, foi colocado como
uma questão a ser pensada pelas organizações da categoria profissional em Portugal.
4- PROPOSIÇÕES
574
comissão para se pensar estas propostas acima referidas bem como as conclusões finais
deste evento. Foi constituída no seminário nove participantes docentes de distintas IES
de Portugal.
5- REFERÊNCIAS
SANTOS, Claudia Mônica; LEWGOY, Alzira Maria Baptista; ABREU, Maria Helena
Elpidio. A supervisão de Estágio em Serviço Social: Aprendizados, Processos e Desafios.
Coletânea Nova de serviço Social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
575
VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal e Serviço Social:
resistências e articulações internacionais
EIXO TEMÁTICO 7
Lutas Sociais e Serviço Social:
a construção de resistências
no interior da profissão
A RELAÇÃO ENTRE SERVIÇO SOCIAL E TEORIA SOCIAL DE MARX: análise das
revistas Serviço Social e Sociedade nos últimos 10 anos218
218Eixo temático: Resistências, Lutas e Internacionalização do Serviço Social: Lutas Sociais e Serviço Social:
a construção de resistências no interior da profissão.
219Professora do curso de Serviço Social da UFJF. Drª em Serviço Social pela UERJ. E-mail:
oliveiraedneia21@yahoo.com.br.
220Mestrando em Serviço Social/UFJF. E-mail: maxsalomao@gmail.com.
221Graduanda em Serviço Social/UFJF. E-mail:lauracabraljf@gmail.com.
577
Keywords: Social Work; Marx's social theory; Social Service
and Society.
1- INTRODUÇÃO
Destarte é importante ressaltar que o Serviço Social, pela sua própria dinâmica
dentro do modo de produção capitalista, vive em um conflito constante, pois ao mesmo
tempo que no Brasil, assume a perspectiva de lutar pela construção do comunismo, se vê
obrigado a responder às necessidades imediatas da classe trabalhadora e também da
578
sua subsistência, executando políticas públicas no seio do Estado burguês em tempos de
ofensiva do capital. Ao não compreender as categorias fundamentais da teoria de Marx
acaba por invocar soluções que são contrárias ao pensamento crítico e acreditamos que
isso se dá, devido ao fato de que as leituras de Marx continuam se efetivando por vias
secundárias em que o referido autor é apresentado muitas vezes com graves distorções,
ou ainda com citações ou frases que não traduzem seu pensamento. Nesse sentido, não
ocorreu uma leitura direta das suas fontes, mas de autores que interpretam Marx, o que
compromete as análises do Serviço Social e também da realidade em que se insere este
profissional.
Outro aspecto a ser destacado é o movimento do capital que impõe uma luta pela
sobrevivência de forma a afetar toda a classe trabalhadora e que impede que as
respostas se deem por vias do Estado tendo em vista o recorrente apelo ao corte de
gastos públicos, sobretudo nas políticas e serviços sociais e na crescente flexibilidade
das leis e contratos trabalhistas, para atender imposições das agências internacionais,
impactando no trabalho do assistente social e dos sujeitos com os quais trabalha
cotidianamente.
2- DESENVOLVIMENTO
579
não só um padrão de Estado específico, mas classes dominantes coorporativizadas em
torno de um projeto de desenvolvimento, que apesar de manter o padrão histórico de
dependência, carrega traços claros de modernização, tal qual ainda, o fortalecimento do
proletariado na cena social.
580
tendências conservadores da profissão, inspirando-se em uma certa fenomenologia,
rodeado pela recuperação religiosa velada, com ênfase caritativa psicossocial.
De todo modo, o que a hora dos acontecimentos era recheado de sentido, perde-
se em contradição mesmo com a matriz teórica assumida pelo corpo dito hegemônico
quando colocado em confronto com a teoria social de Marx e dos clássicos ortodoxos que
o seguiram, de forma que, tanto Lessa (2016) como Oliveira (2020) concluem que o
Serviço Social ao se aproximar do marxismo, afasta-se ao mesmo tempo de grande parte
do marxismo de Marx, assim, o significado social da profissão e seu papel distanciam-se,
e muito, da pretensão teórica proclamada pelo corpo autoafirmado hegemônico,
estabelecendo uma contradição gritante entre o lugar e significado da profissão no modo
de produção capitalista e suas pretensas tarefas transformadoras, descolando a análise
da realidade social da análise do papel social da profissão, atribuindo orientações e
tarefas profissionais não cabíveis aos limites profissionais, e por isso mesmo,
completamente distantes da prática profissional cotidiana. De modo que, o marxismo
torna-se um adereço retórico justificador de assunção de um projeto societário, que na
verdade não compete a uma categoria profissional, mas a uma classe com potenciais
revolucionários. Em suma, a profissão, principalmente por meio de sua raiz
hegemonizante, encontra dificuldades em assumir que a desejada extinção do modo de
produção capitalista (seja lá porque meios), é a extinção, justamente pela função social
conformadora, do próprio Serviço Social.
581
hoje ainda, ambiente de consideráveis contradições internas, acompanhadas por um
emaranhado de orientações teóricas, que mesmo segmentadas e pouco organizadas,
fazem-se aparecer a cada dia, como apontado especificamente no capítulo dois de
Oliveira (2020), ou ainda nas aparições das vertentes clínica, liberal, cristã,
neopentecostal, além é claro das atualizações ecléticas da modernização, presentes em
muito da pós-modernidade, ou mesmo das derivações híbridas que afirmam ainda beber
do marxismo, mas que estão permeadas de sincretismo. Mas, ainda mais importante e
reflexo das sérias contradições profissionais, incitadas pela dinamicidade do real, está a
problematização mesmo da presença do marxismo no seio da profissão, uma vez que,
apesar de autoafirmada hegemonia, a corrente marxista tem se mostrado reduzida ao
âmbito acadêmico, distanciada da prática profissional e cada vez mais esvaziada em
conteúdo, tal como apontam pesquisas como a de Oliveira (2020), Lessa (2020) e o
compilado de dados coletados por nossa pesquisa até o momento.
Nossa pesquisa primou por uma busca de textos publicados e disponibilizados on-
line na Revista Serviço Social e Sociedade. Desse modo, consultamos o acervo online da
revista com 329 artigos disponibilizados, publicados em revistas de 2010 a 2020. Nestes
realizamos o primeiro corte, considerando apenas artigos escritos por assistentes sociais
brasileiros, totalizando 220 artigos. Logo após, procuramos analisar apenas estes
escritos de assistentes sociais, buscando os textos de assistentes sociais que continham
algum escrito de Marx em seu referencial, consequentemente encontramos uma baixa
para 37 artigos ao longo dos 10 anos disponibilizados pela revista online.
Vale enfatizar que, a análise dos dados quantitativos nos oferece o seguinte
cenário: dos 329 artigos publicados pela revista entre 2010 a 2020, 66,86% eram de
582
assistentes sociais brasileiros, ou seja, 220 artigos. Do total de artigos publicados por
assistentes sociais brasileiros na revista, os 220, apenas 16,81% contém algum texto de
Marx em sua bibliografia, isto é, apenas 37 artigos. Se considerarmos o total de artigos
publicados, 329, o número de publicações de assistentes sociais brasileiros que se
referenciam em Marx, isto é, o usam em sua bibliografia, torna-se proporcionalmente
menor, isto é, aqueles 37 artigos selecionados representaram apenas 11,24% do total.
Em outros termos, levando em conta os 329 artigos totais publicados entre 2010 e 2020
na principal revista da profissão que alega ser majoritariamente marxista, apenas
11,24%, ou 37 artigos, são de profissionais da categoria que se utilizam de Marx em seu
referencial bibliográfico.
3- CONCLUSÃO
583
Porém, há uma questão séria que não pode deixar de ser notada e analisada, 3)
do total das publicações - 329 artigos, 220 são de assistentes sociais brasileiros, e destes
220 apenas 37 carregam em seu referencial bibliográfico algum escrito de Marx. Deve-se
levar em conta obviamente que, não é possível compreender definitivamente se um artigo
tem por orientação teórica o marxismo apenas tomando se há ou não presença de Marx
em seu referencial bibliográfico, consideramos as diversas ramificações do marxismo ao
longo da história, e a importância de muitos dos continuadores e intérpretes que se
colocam nesta tradição, porém, não há como ignorar, se tratarmos especificamente da
teoria social de Marx, ou do marxismo ortodoxo, que é vital a influência do próprio
fundador da tradição e sua presença nas produções que assim se orientam. Há ainda de
considerar que, por mais diversa e ampla que seja a tradição marxista, para ser
considerada como tal, deve girar em torno das formulações do próprio Marx – mesmo
que de seus imperativos do ‘método222’ –, assim, se não há presença deste, a
apropriação se dá por via secundárias, por fontes não originais e por vezes
consideravelmente distantes das formulações do fundador da tradição. Neste ponto então
não há como negar, de acordo com a nossa coleta de dados, a produção de assistentes
sociais brasileiros que têm Marx em seu escopo bibliográfico, presentes na Revista
Serviço Social e Sociedade nos últimos 10 anos, é bastante residual, chegando a apenas
1/6 do total das publicações, o que coloca em cheque a afirmação da hegemonia de uma
corrente profissional orientada pela teoria social de Marx, tendo em vista, que a presença
do fundador da corrente teórica é ínfima.
Tal presença residual nos leva a principal constatação, tendo em vista os dados
coletados e analisados até então, a orientação teórica marxista ou não é hegemônica,
levando em conta as publicações analisadas, ou o marxismo utilizado pela profissão é
fonte de adaptações e secundarizações223 tais que não apresenta em sua grande maioria
dos casos a presença do fundador da tradição marxista no escopo bibliográfico. Desta
forma, a presença do marxismo de Marx, é consideravelmente pequena e mesmo assim
contestável se fizermos a análise do conteúdo dos artigos que contém Marx (etapa
posterior da pesquisa). Assim, há uma clara semelhança entre o padrão de apropriação
222Lembrando a argumentação de Marx acerca de seu ‘método’: ‘’Meu método dialético, por seu fundamento,
difere do método hegeliano, senda a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo de pensamento – que
ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de ideia – é o criado do real, e o real é apenas sua
manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais que o material transposto para a cabeça do
ser humano e por ela interpretado’’ (MARX, 2017, p.28). E ainda que, ‘’Os filósofos apenas interpretaram o
mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo’’ (Marx, 2009, p.122).
223 Vale apontar que grande parte das bibliografias citadas e que se encaixam neste perfil de marxismo
secundário, não por sua qualidade mas justamente porque não são a bibliografia genética do Marx ou a
clássica que o acompanhou, compõe-se por autores como: Netto, Iamamoto, Antunes, Coutinho, Bhering,
etc. Isto é, marxistas brasileiros com forte vínculo com a categoria.
584
da teoria social de Marx por parte da atualidade profissional com a apropriação praticada
pela intenção de ruptura durante o processo de renovação, isto é, uma apropriação de
produções secundárias, por vezes descoladas completamente das formulações de Marx
e contaminadas por diversas outras correntes teóricas.
Há ainda a manutenção do padrão pluralístico, tendo em vista mesmo a não
hegemonia numérica das formulações orientadas por Marx, a presença de 1/3 de artigos
provenientes de outras áreas do conhecimento e o reduzido número de artigos com
genuína presença de Marx, abrem espaço para a presença de outras vertentes teóricas
orientadoras, de proposições a outras práticas profissionais, de adaptações diversas
entre teorias, de proposições multidimensionadas, que mesmo não explícitas diretamente
se manifestam nas relações bibliográficas, tais quais: o liberalismo, o reformismo, a pós-
modernidade, o conservadorismo e etc.
4- REFERENCIAL BIBLOGRÁFICO
LESSA, S. Serviço Social e trabalho: porque o serviço social não é trabalho. 3ª Ed.
Maceió: Coletivo Veredas, 2016.
NETTO, J. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64.
16ªed. São Paulo: Cortez, 2011.
585
Serviço Social brasileiro entre o espináfre e a criptonita
1- Introdução
224 Assistente social, Mestrando em Serviço Social no PPGSS Unesp (Franca), orientador: Dr. Gustavo José
de Toledo Pedroso. faa.ribeiro@unesp.br.
225 Bacharel em Serviço Social, membro do grupo de Pesquisa e Extensão Temas Raciais, da UFTM.
586
militares, parlamentares e/ou jurídicos cometidos pelas burguesias em deversas regiões
nas primeiras décadas deste milênio. Mas o movimento de ataque do capital sobre o
trabalho pode não explicar tudo, pois o capital se relaciona necessariamente com o
trabalho, dependendo não somente das suas forças para avançar sobre as riquezas
socialmente produzidas, se assim não fosse nós viveríamos sempre sob o total domínio
do capital, mas também da capacidade de reação, resistência e de (contra)ataque dos
que vivem do trabalho, além, é claro, dos limites impostos pelo mundo natural.
587
operar a construção do direito em tempos adversos, apoiando e fortalecendo as
lutas da “classe que vive do trabalho”, da qual os assistentes sociais fazem parte.
588
cooptação degenerada, inclusive advogando o “fim natural” do governo reacionário
instalado, se negando a urgência extrema de sua derrubada. O Serviço Social deve
cuidar de não atuar como um agente de reprodução desta hegemonia anticlassista que
pretende reorganizar a classe trabalhadora brasileira para uma nova etapa histórica de
sua autodesorganização, o que poderá desaguar em uma tormenta ainda mais grave
num futuro próximo.
A estratégia do Serviço Social hoje não pode ser “se articular com a classe
trabalhadora” genericamente, mas sim se articular com as frações não cooptadas da
classe trabalhadora latinoamericana e intervir de forma crítica junto às frações cooptadas,
visando contribuir com as tentativas (talvez até messiânicas, dado o nível de cooptação)
de reversão do quadro em que se encontram, buscando assim a cocriação das condições
históricas para um novo momento de avanço do “trabalho” contra o capital num futuro
próximo.
589
da classe trabalhadora brasileira se converteu hegemonicamente numa perspectiva
neoconservadora de mera administração dos conflitos sociais.
O que se observa é que o projeto conciliador da primeira década dos anos 2000
se enraizou rapidamente e profundamente no conjunto da classe trabalhadora brasileira,
cooptando não apenas lideranças populares, mas movimentos e organizações inteiras
(partidos, sindicatos e movimentos), e vem se renovando, formando base e influenciando
novas gerações. Um movimento histórico que criou e/ou recriou ideologias e narrativas
neoconservadoras e que tem a potencialidade de suplantar as perspectivas críticas mais
radicais desenvolvidas e acumuladas pelo movimento da classe trabalhadora brasileira,
inclusive pelo Serviço Social, na segunda metade do século XX.
590
das classes sociais antagônicas, somente neste campo se pode agradar a Deus e ao
Diabo.
Nas palavras de Yazbek (2019: 91-92), “de modo geral a política social brasileira,
a luta contra a pobreza tomou o lugar da luta de classes [...[ atribuindo a responsabilidade
da pobreza aos próprios pobres”. A pesquisadora do Serviço Social destaca que nesta
lógica o sistema capitalista apara as suas iniquidades jogando as suas vítimas para o
lugar de “pobres”, tirando-os do lugar de trabalhadores explorados, num processo que
despolitiza a classe trabalhadora e a própria política social. Aqui a política da hegemonia
da classe trabalhadora brasileira opera despolitizando a realidade social e as relações
sociais, indo ao encontro da seguinte sentença yazbekiana: “se a política opera de forma
descontínua, incompleta, seletiva e não democrática, passa a ter outro significado:
controle e enquadramento dos pobres” (YAZBEC, 2019: 99).
Não é mais possível que frações do Serviço Social brasileiro sigam reproduzindo
tais falácias ideológicas, abdicando do trabalho de formulação do pensamento radical e
591
classista alternativo para a própria categoria profissional, tanto quanto para a classe
trabalhadora brasileira.
Neste contexto não se pode defender uma articulação genérica do Serviço Social
aos movimentos da classe trabalhadora se se quer defender a sobrevivência da
perspectiva crítica no interior da categoria e a capacidade do Serviço Social de contribuir
para a retomada do pensamento crítico no conjunto da classe trabalhadora brasileira.
3- Provocações finais
592
Não basta que o presente seja de luta para que o futuro nos pertença, é preciso
um importante grau de consciência e organização de classe consequente, o que não se
verifica no momento brasileiro presente e não se vislumbra à curto prazo. O que coloca
como tarefa histórica, aos defensores do PEP e do projeto societário ao qual ele se
articula, o desenvolvimento de um amplo trabalho coletivo, sólido e radical de construção
de condições futuras para a sua viabilização nas próximas gerações, escapando ao
politicismo romântico que topa a construção de projetos junto à qualquer fração
aparentemente progressista.
593
trabalho, lutas que precisam ser acolhidas e incorporadas coletivamente pela categoria
também. Assim como as e os assistentes sociais devem buscar estratégias para a
coletivização das demandas apresentadas pela população.
4- Referências
594
SERVIÇO SOCIAL E AÇÃO POPULAR NO RIO GRANDE DO SUL
1- INTRODUÇÃO
595
militar, em 1964, em atividades de movimento estudantil e de cultura popular.
Posteriormente, de 1968 até 1972, com a prisão massiva de militantes da organização no
Rio Grande do Sul, a partir da experiência em Pelotas, protagonizada pelo docente e
diretor da Escola de Serviço Social de Pelotas, com destaque para a articulação do
“Esquema de Fronteira”. O estudo fundamentou-se no método dialético-crítico, a partir de
pesquisa qualitativa (MARTINELLI, 1999) através da triangulação das fontes (TRIVIÑOS,
1987): revisão bibliográfica, pesquisa documental e entrevistas com base na metodologia
de História Oral (MARTINELLI, 2009). De modo que o presente artigo apresenta
discussão preliminar sobre a contribuição da militância política de assistentes sociais na
Ação Popular para a profissão.
A Ação Popular foi fundada em 1962 no Rio Grande do Sul, na casa dos pais de
Maria Josefina Becker, então estudante de Serviço Social da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, com a participação de Betinho, Herbert de Souza,
membro da direção nacional da organização. Assim como nacionalmente, a AP gaúcha
nasceu majoritariamente de uma parcela da militância da Juventude Universitária
Católica (JUC), ou seja, de estudantes universitários, conforme relata Maria J. Becker:
Então nós fizemos um super esforço para mandar os alunos para as vilas, para as
comunidades... para as comunidades não, os bairros! Articulado. O quê? Com as
associações de bairro da área, ou com os sindicatos ou com a igreja. A gente ia
nas Comunidades Eclesiais de Base. Normalmente a área das Comunidades
Eclesiais de Base eram as aglutinadoras do processo. E fazíamos... Esse trabalho
foi muito contestado na minha prisão. Dizendo que inclusive eu estava aliciando a
população para serem adeptos da teoria marxista-leninista da Ação Popular.
(BECKER, 2021, p. 5).
596
A particularidade da AP no estado está em sua atuação pela via institucional.
Apesar do caráter conservador da administração de Ildo Meneghetti no governo do
Estado, em 1963, militantes apistas atuavam em seu governo: Valter Omon e Luis
Antônio Tim Grassi, que trabalhavam na Secretaria Estadual do Trabalho como
assessores sindicais, na articulação de movimentos de trabalhadores e de segmentos da
Juventude Operária Católica; e Maria Josefina Becker, já assistente social, com atuação
na Secretaria de Educação, sendo uma das responsáveis pelo desenvolvimento do
trabalho de educação de adultos a partir do método Paulo Freire (PIRES, 2015).
Para Oliveira (2016) essa já foi uma iniciativa de integração junto à classe
trabalhadora, com a alfabetização e conscientização de adultos na Secretaria de
Educação e com a organização de sindicatos na Secretaria do Trabalho, antes mesmo da
AP adotar essa diretriz. A partir do golpe civil-militar de 1964, que impôs novas restrições
à articulação da organização, parcela de seus militantes iniciou um processo de
“hibernação”, conforme relatado por seu ex-militante e ex-parlamentar gaúcho Raul
Carrion (Oliveira, 2016). Neste momento, uma das principais características da AP, que
era a sua abertura e estreita relação com as massas populares, foi revista em
decorrência do terrorismo de Estado perpetrado pela ditadura.
597
dos militantes de origem pequeno-burguesa junto aos trabalhadores urbanos e
campesinos, ao exemplo da Revolução Cultural Chinesa.
598
alguns tenham permanecido na AP e buscado articular a sua reorganização até o início
da década de 1980.
599
estudantil, através da UEE-RS e da UGES. As atividades de cultura popular ocorreram
desde o fim de 1962 promovidas por estudantes (BECKER, 1963).
Maria Josefina Becker foi membro da JUC antes da constituição da Ação Popular.
Atuou no movimento estudantil, participou do Comitê Central da Greve do 1/3 e articulou
experiências de alfabetização de adultos em Porto Alegre. Justamente quando os cursos
de alfabetização estavam sendo levados para o interior do Estado chegou o golpe de
1964, quando toda essa atuação é desarticulada. Eva Teresinha Silveira era sua colega,
amiga e companheira de AP - no futuro conhecida como Eva Faleiros. Foi uma liderança
estudantil, vice-presidente da Executiva de Estudantes do Serviço Social e atuou na
Divisão de Cultura da SEC na equipe de Lúcia Castillos. Os seus trabalhos de conclusão
de curso tematizaram experiências de Cultura Popular no campo da alfabetização de
adultos em Porto Alegre a partir desta inserção.
A compreensão das estudantes de Serviço Social era de que não seria possível
trabalhar com Cultura Popular sem que houvesse o engajamento do povo, o que se
relaciona com a sua compreensão de revolução: “uma revolução imposta não é
revolução. Não negamos a importância das vanguardas, das lideranças, no processo de
superação da alienação. Mas liderança não significa imposição, não significa dirigismo.
Significa conscientizar e indicar os instrumentos. A resposta final caberá ao povo.”
(BECKER, 1963, p. 14). De acordo com Maria, em depoimento recente,
600
consciência histórica, então a questão da cultura e da consciência histórica
sempre foram básicas. (BECKER, 2021, p. 14)
Para tanto, defendem um Serviço Social que promova a integração dos homens
em suas comunidades e as comunidades na sociedade mais ampla, e esta na sua
vocação histórica. Por isso, “é necessário que o Serviço Social seja um instrumento de
libertação, conscientizando o povo brasileiro, para que ele assuma seu papel de criador
de cultura e operário da construção da HISTÓRIA.” (BECKER, 1963, p. 45).
601
coordenador da célula da AP. Em entrevista, Salamoni reflete sobre as contribuições da
sua militância na AP na Escola de Serviço Social:
Claro que a influência é muito mais do que eu lá na Escola aqui. Entende? Até
porque o grupo da AP foi o que eu convidei. Aliás, nós fizemos uma mudança de
currículo na Escola, entre outras disciplinas nós introduzimos “Realidade latino-
americana”. E claro, quem foi dar a disciplina foi o cara que coordenava o grupo
de AP aqui em Pelotas. [...] Um ponto dessa reforma: nós entendíamos que o
aluno tinha que conhecer um pouco mais de história. Mas história, História! Não
era colocar uma disciplina para qualquer um vim lá dar as aulas. Foi aí que esse
cara, que era um cara que tinha se formado em Direito já, que tinha sido professor
de história em um curso de segundo grau. Mas era o coordenador da AP aqui,
entende? E isso entrou em 72. Mas em maio houve a minha prisão. Houve a
prisão dele também, desse cara, e aí se foi a disciplina. (SALAMONI, 2021, p. 5)
Os estágios realizados durante este período também foram marcados por uma
nova concepção, com a abertura de novos campos: “Porque nós abrimos aqui a Escola
para os estágios nas vilas. Não tem estágio em instituição! Tem estágio em vila!”
(SALAMONI, 2021, p. 7). A experiência era nova e estava em desenvolvimento quando
ocorreu o seu corte, devido à repressão ditatorial. De modo que não houve tempo
suficiente para uma maior elaboração sobre o que era aquela experimentação: “um
trabalho de... Não é o antigo Serviço Social de Caso, nem é o antigo Serviço Social de
Grupo. É trabalhar com todo mundo! Vamos chamar isso de Comunidade,
Desenvolvimento de Comunidade? Não sei!” (SALAMONI, 2021, p. 11). No entanto, a
atividade foi marcado pela articulação e inclusão da população das “vilas” pelotenses, o
que foi contestado pelos torturadores do DOPS:
Então nós fizemos um super esforço para mandar os alunos para as vilas, para as
comunidades... para as comunidades não, os bairros! Articulado. O quê? Com as
associações de bairro da área, ou com os sindicatos ou com a igreja. A gente ia
nas Comunidades Eclesiais de Base. Normalmente a área das Comunidades
Eclesiais de Base eram as aglutinadoras do processo. E fazíamos... Esse trabalho
foi muito contestado na minha prisão. Dizendo que inclusive eu estava aliciando a
população para serem adeptos da teoria marxista-leninista da Ação Popular.
(SALAMONI, 2021, p. 11).
602
4- CONCLUSÕES
5- REFERÊNCIAS
DIAS, Cristiane. A ação popular (AP) no Rio Grande do Sul: 1962-1972. 2011.
Dissertação (Mestrado em História) - Fundação Universidade de Passo Fundo, Passo
Fundo, 2011.
603
MIZOGUCHI, Jessica Flores. Serviço Social e Ação Popular no Brasil.
Orientadora: Thaisa Teixeira Closs. 2021. 83 f. TCC (Graduação) - Bacharelado
em Serviço Social, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2021.
OLIVEIRA, Cleverton Luis Freitas de. A Ação Popular e suas estratégias de
integração na classe trabalhadora do Rio Grande do Sul (1962-1972). 2016.
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2016.
604
SERVIÇO SOCIAL NA HISTÓRIA DA DITADURA NO RJ: veredas da
politização, repressão e resistência
Graziela Scheffer228
Márcia Cassin229
Tainá Souza Caitete230
Daniele Batista Brandt231
228 Assistente Social. Doutora em Serviço Social (UFRJ). Especialista em Saúde Mental Coletiva, Professora
Adjuntado Departamento de Fundamentos Teórico-Práticos do Serviço Social na FSS/UERJ, pesquisadora
Centro de Estudos Octávio Ianni (CEOI). E-mail: graziela.uerj@gmail.com.
229 Assistente social. Mestre e doutora em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da UFRJ. Professora do Departamento de Política Social da Faculdade de Serviço Social da UERJ.
Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas do Orçamento Público e Seguridade Social (GOPSS/UERJ)
e do Centro de Estudos Octávio Ianni (CEOI/UERJ). E-mail:marcia.cassin@hotmail.com.
230Assistente Social. Professora Adjunta do Departamento de Política Social na Faculdade de Serviço Social
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora e Mestre em Serviço Social pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas do Orçamento
Público e Seguridade Social-GOPSS.Faz parte do Centro de Estudos Octávio Ianni-CEOI e do coletivo
Questão Social em Foto.E-mail: taina.con@gmail.com.
231 Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
605
1- Introdução
606
2- Serviço Social no contrapelo da história da ditadura: panorama dos cursos de
Serviço Social no Rio de Janeiro
232 Realizamos um levantamento dos materiais relativo ao Centro Acadêmico de Serviço Social da UERJ
visando identificar documentos do movimento estudantil de 1960-1980. No trabalho campo na FSS-UERJ
verificamos são escassas documentação do período das décadas de 60-70. Fomos informadas que grande
parte do material histórico foi destacado pelo ex-diretor Wilson Cardoso na década 1980.
607
repressão e resistências vivenciadas nos cursos de Serviço Social no Rio de Janeiro, a
partir do resgate da trajetória da ESS-UFRJ, FSS-UERJ, da ESSN-UFF.
A ESSN-UFFa partir dos anos 1950 até 1964, teve importantes vinculações com o
pensamento de esquerda, em especial com os movimentos progressistas da Igreja
Católica, por meio do segmento da Juventude Universitária Católica (JUC) e Ação
Popular (AP), que influenciou estudantes de Serviço Social do período, os quais “exigiam
uma mudança na análise da realidade e das questões sociais brasileiras, bem como no
atendimento social a pobreza fluminense (GOMES, 1997, p.181).
Neste período, havia uma polarização das forças políticasno quadro amplo da
Guerra Fria na América Latina após a vitória do socialismo cubano no continente,
gerando uma crise na dominação burguesa nacional. Com a Revolução Cubana de 1959
“o socialismo passou a ser um elemento real das relações interamericanas, como algo
efetivamente ocorrido e que poderia ocorrer de novo”. (IANNI,1974, p.50). O período
inicial de 1960 foi marcado pelas lutas sociais das reformas de bases, acompanhado por
processos de conscientização e politização de operários, camponeses, estudantes e
intelectuais (AMMANN, 2003). O golpe civil-militar no Brasil em 1964 buscava frear as
lutas em torno das reformas bases e o processo de politização das organizações dos
trabalhadores e estudantes. As classes dominantes nacionais, sustentadas em interesses
do capital monopolista internacional, e apoiadas nos órgãos governamentais norte-
americanos, defenderam a Ditadura civil-militar consolidada a partir de 1964.
Sobre os estudantes ESSN-UFF do período, destacamos Suely Gomes Costa,
estudante de 1959-1962, representante do Diretório Acadêmico Maria Kiehl (DANK) e
integrante da AP que, após formada torna-se docente do curso de Niterói. Para Costa
(1993 apud Gomes, 1997, p.97-98) o Partido Comunista Brasileiro (PCB) da época era
“extremamente manietado pelo centralismo democrático e, eram pessoas com pouca
liberdade de pensar”. Já AP, considerava um movimento marxista de esquerda que era
“libertável, era movimento crítico”.
Apesar das divergências e disputas entre os segmentos católicos e comunistas no
interior do movimento estudantil – buscava-se uma estratégia de unificação dos
estudantes em torno de bandeiras comuns, especialmente sobre democratização da
sociedade e do ensino superior, a reforma agrária e a difusão do projeto de alfabetização
de Paulo Freire (CLOSS, et.al, 2021).. Para Costa (1995 p.71), a ESSN-UFF teve
influência das experiencias do MEB, do método de alfabetização de Paulo Freire e da
Ação Popular (AP) qual grande parte do Diretório Acadêmico eram membros dessa
608
organização. Em 1963, Herbert de Souza, liderança da AP, foi conferencista na ESSN-
UFF. Em termos nacional na organização do movimento estudantil do Serviço Social,
(...) havia também receio ou, mesmo, medo. Estávamos em plena ditadura, ano
de 1966. O golpe havia sido em 64; a turma começa em 65. A direção da
faculdade cabia alguém indicado pelo governo militar. Independente da formação
que tivesse– academicamente conceituado, mas no caso, presidindo um clube
de futebol- não tinha nenhuma familiaridade alguma com as questões da área do
Serviço Social.
609
escolha profissional destaca-se Maria Freitas e Lucia Perez, ambas as professoras
primárias eram vinculadas a Juventude Estudantil Católica (JEC) e desenvolveram ações
educativas no meio rural pautadas no método de Paulo Freire. et al
O perfil dos estudantes do curso noturno da FSS-UERJ era formado por jovens
mulheres trabalhadoras. As autoras também destacam que havia na época um curso
matutino, cujo perfil também era jovens mulheres, contudo se diferenciava por ser em sua
maioria oriundas de classe média altas que não precisavam trabalhar. Frisa-se que a
FSS-UERJ era o único curso noturno da época. Esse perfil de estudantes trabalhadoras
impulsionou as lutas por melhorias na formação pelo “Grupo do Paredão” que
reivindicavam a abertura da biblioteca no horário noturno, denunciam falta de sigilo no
estágio do Juizado do Menor e reivindicavam melhores campo de estágios para
estudantes trabalhadores (GUERREIROet al, 2019, p.9). Em 1967, organizam um jornal
clandestino chamado o Grito, o qual inspirou a turma seguinte de 1968 a criar um jornal
intitulado Berro, ambos jornais buscavam denunciar e reivindicar as questões da
formação do Serviço Social na ditadura. O Grupo Paredão recebeu apoio e se articulou
aos segmentos universitários que eram contrários à ditadura como exemplo integrantes
Diretório Central dos Estudantes (DCE), da Faculdade da Engenharia e do Sindicato de
Médicos (GUERREIROet al, 2019, p.9).
O grupo ganhou o Diretório Acadêmico (DA) da FSS-UERJ com a chapa
“Trabalho e Integração” em 1967. Durante a campanha, os segmentos pró-ditadura
acusaram a chapa de ser financiada com dinheiro de Moscou, formada por pessoas
perigosas que ocasionaria problemas na faculdade com a polícia (GUERREIRO et al,
2019). A Ditadura civil-militar buscava propagar a ideia de “inimigo interno” como
justificativa para as ações repressivas do Estado. A primeira ação da chapa no DAfoi a
realização de um curso pré-vestibular popular financiado com arrecadações das taxas
recolhidas das matrículas. A partir de 1967, o DA envolve-se diferentes manifestações
contra a ditadura, colocando cartazes sobre a morte de Che Guevara, na organização
dos estudantes FSS-UERJ para passeata da morte do estudante secundarista Edson
Luís, que posteriormente foi homenageando com seu nome na cantina. Em relação à
incidência do Movimento da Reconceituação latino-americana, já se identifica esta
influência no período. A turma noturna (1965-1968) indicou Dom Helder Câmara como
patrono e Seno Cornely para paraninfo, houve tentativas de proibição de ambos. As
estudantes da época colocam
Conhecemos o professor Seno, gaúcho, num seminário fora; conversei com ele
sobre possibilidade de palestra na faculdade, e ele se prontificou. A diretoria
610
montou o curso. (...) Esse curso causou certa resistência do corpo docente e no
diretor, que taxou nosso grupo mais uma vez, de “comunista”. (GUERREIROet
al, 2019, p.89).
611
das professoras vinculadas ao processo de renovação da profissão no país, rapidamente
se ampliou, resultou em greve dos estudantes do curso, mobilizações dentro e fora da
universidade e, finalmente, com a deflagração da greve estudantil da UERJ, no dia 29 de
abril de 1982.
A ESS-UFRJ, segundo Maria Amélia Arrouzo (2007), diretora do curso no período
de 1937- 1975, não houve interferências das forças repressivas do estado na instituição,
contrariando afirmação da pioneira, em 1966 ocorreu Massacre da Praia Vermelha (1966)
na UFRJ. Ruth Gusmão, assistente social (formada na PUC-RJ) e estudante de Ciências
Sociais:
(...) durante a invasão, pela Polícia Militar, da Faculdade Nacional de Medicina
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quando fui espancada; vítima
da truculência da Polícia Militar sobre um grupo de estudantes que participava de
manifestação no pátio do Ministério da Educação e Cultura, o que trouxe
sequelas físicas e exige permanente tratamento. O “massacre da Praia
Vermelha”, conhecido episódio do cerco e invasão da Faculdade de Medicina
pela polícia, do qual participaram cerca de 600 estudantes, no qual estive
presente, ocorreu em setembro de 1966 e significou uma resistência à ditadura
pelo movimento estudantil e sua luta pela democracia e autonomia universitária a
da UFRJ. (CFSS,2017, p.115).
Para Maria Inês Bravo (2007), não houve repercussão das publicações críticas da
reconceituação na ESS-UFRJ no período de 1960-1970. No curso prevaleceu a
perspectiva modernizadora, qual grande parte dos docentes foram colabores do Centro
Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBISS) nos
documentos de Araxá, Teresópolis e Sumaré. Participaram “Maria Gloria Nin, Ferreira-de
todos., Tecla Machado Soeiro, do Teresópolis e Sumaré Leila Bugalho, Ana Estella
Furtado, Maria Cristina Salomão de Almeida e Maria Augusta de Aguiar Ferraz Tempori,
do de Sumaré. (BRAVO, 2007, p.59). Bravo (2007) destaca dois aspectos que
alavancaram a renovação crítica no final da década 1970 na ESS-UFRJ: o primeiro foi a
entrada de novos professores via concurso público que eram mais críticos como Maria
Helena Rauta, Maria Durvalina Fernandes e Maria Almeida Lima. O segundo aspecto foi
o protagonismo do movimento estudantil nas décadas de 1980-1990. Maria Helena Rauta
afirma que ao assumir o cargo de professora na ESS-UFRJ, enfrentou dificuldades, pois
era considerada comunista, pois lia Paulo Freire e autores latino-americanos. Vejamos,
612
Ao longo da década 1980, com entrada de um quadro jovens professores e de
fortalecimento dos movimentos sociais na redemocratização do Brasil, a modernização
conservadora e a reatualização conservadora foram combatidas na ESS-UFRJ,
desabrochando um novo horizonte na escola, articulado aos debates do CELATS, da
tradição marxistas e as forças democráticas do país.
3- Considerações finais
4- Referências
ALMEIDA, Ney T. “Questão Social” e Serviço Social no Brasil. Para uma história nova do
Serviço Social no Brasil. In: SILVA, Maria Liduína Oliveira e (Org). Serviço Social no
Brasil: histórias de resistências e rupturas com o conservadorismo. São Paulo: Cortez,
2016
ALVES, Maria Elaene. História de um tempo sem memória- Resistencias das mulheres
do Serviço Social na Ditadura de 1965-1985.
613
CISLAGHI, Juliana Fiuza & BRANDT, Daniele Batista. A imaginação no poder: greve
estudantil de 1982 e gestão democrática na Faculdade de Serviço Social da UERJ. In:
VELOSO, Renato dos Santos et al (Orgs.). Trajetória da Faculdade de Serviço Social da
UERJ: 70 anos de história. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2014, p.107-130.
BRAVO, Maria Inês. Lutas, desafios e conquistas da Escola de Serviço Social da UFRJ.
IN: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Curso de Serviço Social na UFRJ.
Rio de Janeiro. UFRJ.2007
GOMES, Leila Maria Alonso. Proteção Social no Estado do Rio de Janeiro de 1954-1964.
Niterói: EDUFF, 1997
GUSMÃO, Ruth. Depoimento. In: Serviço Social, memorias e resistências contra ditadura.
Brasília: CFSS,2017.
NETTO, José Paulo. Para uma história nova do Serviço Social no Brasil. In: SILVA,
Maria Liduína Oliveira e (Org). Serviço Social no Brasil: histórias de resistências e
rupturas com o conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016.
614
SERVIÇO SOCIAL E PROCESSOS DE RESISTÊNCIA: análise preliminar acerca de
movimentos populares em Juiz de Fora no contexto da ditadura militar
Resumo:
Abstract:
234 Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), Campus de Rio das
Ostras. Doutora em Serviço Social. Integrante do Projeto de Pesquisa “A relação do Serviço Social com as
lutas sociais no Brasil nas décadas de 1960-1980: reflexões sobre a questão da natureza da dimensão ideo-
política profissional”. smmaia@id.uff.br
235 Estudante do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Integrante do
Projeto de Pesquisa “A relação do Serviço Social com as lutas sociais no Brasil nas décadas de 1960-1980:
reflexões sobre a questão da natureza da dimensão ideo-política profissional”.
carolinerosaoliveira@gmail.com
236 Estudante do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Integrante do
Projeto de Pesquisa “A relação do Serviço Social com as lutas sociais no Brasil nas décadas de 1960-1980:
reflexões sobre a questão da natureza da dimensão ideo-política
profissional”.larissa.pereira.ufjf@gmail.com
615
The main objective of this exploratory phase of the research is to
understand the socio-historical scenario and context of class
struggles in the city, in the search for the identification of elements
of the conjuncture that subsidize the reading of the approach of
Social Work to the struggles and processes of resistance in the
period.
Keywords: Social Struggles, Juiz de Fora, Military Dictatorship,
Social Work.
1- INTRODUÇÃO
616
espraiando ao longo das décadas de 1960-1980, por meio do vínculo político e
profissional de estudantes, assistentes sociais e docentes ao movimento das classes.
Nesse ensaio, socializamos uma primeira aproximação ao contexto sócio-histórico
da cidade de Juiz de Fora (uma das áreas de abrangência da Pesquisa), com o objetivo
de traçar aspectos da conjuntura local que possibilitem identificar possíveis interações e
articulações com a profissão. Nosso interesse é apreender a dinâmica de
desenvolvimento das organizações e lutas desse período e as vinculações que com elas
estudantes e segmentos profissionais estabeleceram.
617
que a Pesquisa pretende compreender a dinâmica de movimentação das classes
subalternas no contexto de radicalização da luta de classes no Brasil no referido de 1960-
1980, identificando os principais sujeitos sociais e qualificando o tipo de relação política e
profissional do Serviço Social com as lutas sociais.
237Este se apresentou como um dos desafios nesta fase exploratória. O sistema do repositório institucional
não permite estabelecer correlações no sistema de busca, o que fez com que fossem exibidos um conjunto
de produções que, em sua intensa maioria, não possuía nenhum vínculo com o estudo proposto. Mesmo
diante dessa identificação, optamos por seguir com esta fase da pesquisa como forma de identificar o volume
de produções, possíveis áreas de conhecimento que se detém à temática, entre outros.
618
Além dessas fontes, acessamos dois depoimentos de assistentes sociais à
Comissão da Verdade de Juiz de Fora, um artigo sobre o trabalho da Comissão Municipal
da Verdade de Juiz de Fora e o relatório final das Comissões da Verdade em Minas
Gerais e em Juiz de Fora. Todavia, o material aqui apresentado se debruça sobre as
produções vinculadas à UFJF.
238 Vale o destaque de que a pesquisa foi realizada no segundo semestre letivo de 2021, onde, devido ao
contexto da pandemia, ainda as atividades acadêmicas ainda se encontravam exclusivamente na modalidade
remota, e as bibliotecas fechadas para acesso ao público. Consideramos que essa condição acabou por
limitar o acesso a produções das décadas anteriores.
619
paralizações e mobilizações, vinculados aos movimentos paredistas239. Nos registros do
Arquivo do Sindicato dos Metalúrgicos de Juiz de Fora, há um conjunto de informações
sobre o período supracitado, ao qual destacamos o movimento de 1954, que culminou na
deflagração de greve em todos o estado de Minas Gerais, sendo que em Juiz de Fora,
com 05 dias de greve, cerca de 80% dos trabalhadores paralisaram suas atividades.
Pereira (2015) relata a realização de um comício na Praça da Estação que reuniu cerca
de 30 mil pessoas. Destaca-se ainda, a liderança de Clodesmith Riani, importante
sindicalista que terá um papel crucial nos anos de chumbo que viriam a seguir240.
239 Segundo o Guia do Movimento Paredista, do Sindjustiça, o movimento paredista é reconhecido pela
Constituição Federal como “direitos fundamentais de caráter coletivo, resultantes da autonomia privada
coletiva inerente às sociedades democráticas” (p.11). São instrumentos de pressão coletiva que aglutinam
movimentos paragrevistas (que antecedem uma greve organizada) e grevistas. Dentre os movimentos
paredistas encontram-se piquetes, movimento-tartaruga, greve de regulamento, greve de rodízio. O guia está
disponível em https://sindjustica.com/site/wp-content/uploads/2016/03/guia-do-movimento-paredista.pdf
240ClodesmidtRiani iniciou sua relação com o movimento sindical em Juiz de Fora, após ser integrante da
ordem para atravessar o trem na frente das tropas de Mourão no dia 21 de março de 1964. O maquinista
José de Souza cumpriu o combinado, mas a tentativa de atrasar o golpe culminou em sua morte. José de
Souza foi atirado do 8° andar do Dops e teve a morte retratada como suicídio” (BALTAZAR, 2017, p.36)
620
Vinculadosà teologia da libertação242, diversas pastorais, lideranças, padres e pastores
tiveram uma atuação significativa junto a periferias, movimentos sociais e sindicatos,
fundamentados, como nos indica Abreu (2010), em uma reflexão teológica ecumênica
latino-americana e brasileira que impulsiona à “afirmação de um projeto-religioso
alternativo, voltado para a tarefa libertária de humanização da vida” (ABREU, 2010, p.6).
São tratadas experiências desenvolvidas ao longo do período de 1960/1980 da atuação
de padres redentoristas na formação religiosa e política em bairros da cidade (LABHOI,
2019), Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI (ABREU, 2010),
Movimento Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (CARVALHAL, 2007).
242 Abreu (2010) salienta a importância da Teologia da Libertação como pioneira na elaboração de uma
“teologia original e contextualizada” (p.57) construída a partir da realidade latino-americana, “não depende,
portanto, da dominação teológica euro-americana” (idem).
243O Colina (Comando de Libertação Nacional) foi uma organização de guerrilha urbana, no Brasil, que surgiu
da divisão da organização Política Operária (Polop) e era composta basicamente por universitários mineiros.
621
E a aproximação do Serviço Social a estas experiências? Esta é a história a ser
pesquisada, registrada e contada pela Pesquisa em curso.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
622
Acreditamos que o desenvolvimento destaPesquisa possa contribuir para o
fortalecimento do projeto ético-político profissional por meio da análise e vibilidade da
relação da profissão com os processos de mobilização e de organização popular.
5- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
623
CARVALHAL, J.P. A serviço da vida: a influência da igreja católica na formação do
MovimentoNacional de Defesa dos Direitos Humanos (1982-1986)(Dissertação).
Programa Pós Graduação em História. UFJF,2007.
LABHOI. Entrevista com Adenilde Petrina Bispo (Entrevista). Laboratório de História Oral
e Imagem, UFJF, 2019.
LACERDA, G.E. As esquerdas entre os estudantes: memórias dos militantes estudantis
juizforanos durante a transição democrática brasileira (1974- 1984)(Dissertação).
Programa Pós Graduação em História. UFJF, 2010.
PEREIRA, L.M.C. Trabalhadores metalúrgicos de Juiz de Fora/MG: uma análise do
movimento operário e sindical e do recurso à justiça do trabalho (1950-
1960)(Dissertação). Programa Pós Graduação em História. UFJF, 2015.
SILVA, L.V. Associações: experiência de participação na redemocratização. Movimentos
Comunitários em Juiz de Fora – MG – 1974-1988 (Dissertação). Programa Pós
Graduação em História. UFJF,2010.
624
DIREITOS HUMANOS, JUSTIÇA REPRODUTIVA E CONTRIBUIÇÕES PARA O
SERVIÇO SOCIAL
RESUMO:
ABSTRACT:
1- INTRODUÇÃO
Como um dos adventos do século XX, os direitos humanos foram oficializados por
meio da Carta de fundação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, da carta
de fundação do Tribunal de Nuremberg, por volta de 1946 e pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos em 1948, são marcos históricos que inauguraram o debate
internacional que constituíram os direitos humanos. Sendo estes reconhecidos como um
625
conjunto de direitos básicos e inalienáveis a todos os indivíduos, em favor da dignidade
humana como valor intrínseco, que deriva de comandos éticos e jurídicos (REIS, 2006).
Sendo assim, todos os direitos humanos que foram pactuados em consensos, vão
ensejar ações de respeito, proteção e realização por parte dos Estados nacionais,
consistindo em violação de direitos humanos qualquer situação que ameace, viole ou
negligencie direitos reconhecidos no âmbito dos tratados internacionais.
Dentre esses direitos reconhecidos como direitos humanos, as questões
relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos, também fazem parte desses direitos
mais amplos, relacionados à dignidade humana.
Fruto de intensos processos históricos, de mobilizações políticas e provocações
de movimentos feministas, tem como um dos marcos a Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento das Nações Unidas (CIPD), em 1994, no Cairo, como um
dos momentos em que questões pertinentes à sexualidade e reprodução, foram pautadas
e incorporadas em documentos internacionais relacionadas às premissas dos direitos
humanos (CORRÊA, et al, 2006).
A partir deste momento, outras conferências e documentos internacionais que
sucederam a CIPD, passaram a incorporar a discussão sobre igualdade de gênero,
evidenciando a saúde e os direitos reprodutivos e sexuais.
As definições sobre saúde e direitos sexuais e reprodutivos, são campos de
disputas intensas, que acarretam responsabilidades e compromissos diferenciados, pois
podem resultar em apagamentos de subjetividades e desconsideração dos próprios
processos de exploração e opressão de populações ao longo da história, como é o caso
das mulheres negras, das indígenas e da diversidade sexual.
Os direitos sexuais e reprodutivos estão vinculados aos direitos civis e políticos,
como também, aos direitos econômicos, sociais e culturais, constituindo-se como
importantes conquistas do século XX (CORRÊA et al., 2006).
A Conferência do Cairo (1994), traz como definição para os direitos reprodutivos
em seus documentos:
Os direitos reprodutivos abarcam certos direitos humanos que estão
reconhecidos em leis nacionais, em documentos pertinentes às Nações Unidas
aprovados por consenso. Esses direitos se baseiam no reconhecimento do
direito básico de que todos os casais e indivíduos podem decidir livre e
responsavelmente o número de filhos, o espaçamento entre os nascimentos e
dispor de toda informação e meios para isto e o direito de alcançar o nível mais
elevado de saúde sexual e reprodutiva. (NAÇÕES UNIDAS, 1994, p.65)
626
Sendo assim, reconhece que o fundamento dos direitos reprodutivos é a
autonomia de decidir sobre a procriação, implicando que não pode haver restrições,
imposições, ou proibições de qualquer tipo de caráter natalista, que possa vir a impedir o
acesso aos métodos contraceptivos, sendo a pessoa capaz de decidir sobre o número e
o espaçamento de seus filhos.
Com relação aos direitos sexuais, sua conceituação veio depois do consenso
sobre os direitos reprodutivos, devido às pressões de países e setores conservadores
que estiveram presentes nas CIPD no Cairo em 1994, sendo portanto, os direitos sexuais
conceituados na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing no ano de
1995. Sendo estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as definições
mais específicas sobre sexualidade, identidade de gênero e sobre os direitos sexuais,
após consulta com diversos técnicos e profissionais da saúde (SABÔ, 2020).
Segundo a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em seu capítulo Mulher e
Saúde da declaração, no parágrafo 96, reconhece os direitos sexuais como:
Os direitos humanos das mulheres incluem os seus direitos a ter controle sobre
as questões relativas à sua sexualidade, inclusive sua saúde sexual e
reprodutiva, e a decidir livremente a respeito dessas questões, livres de coerção,
discriminação e violência. A igualdade entre mulheres e homens no tocante às
relações sexuais e à reprodução, inclusive o pleno respeito à integridade da
pessoa humana, exige o respeito mútuo, o consentimento e a responsabilidade
comum pelo comportamento sexual e suas consequências. (NAÇÕES UNIDAS,
1995)
627
Social, para se apropriar do tema e incorporar essa perspetiva nos processos de
intervenção profissional.
2- METODOLOGIA
Apoiado por reflexões acerca dos direitos humanos e sobre o conceito de Justiça
Reprodutiva, este texto tem como objetivo estreitar as compreensões sobre esses dois
universos e propiciar um debate sobre a pertinência do tema, para que o Serviço Social
se aproxime dessa temática.
Para construção deste trabalho foi realizado pesquisa bibliográfica em bancos de
dados e bibliotecas virtuais, e de pesquisa documental por material disponibilizado pelos
portais oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU), Fundo de População das
Nações Unidas (UNFPA) e pelo conjunto de entidades da categoria Conselho Federal de
Serviço Social (CEFSS) e Conselho Regional de Serviço Social (CRESS).
3- DESENVOLVIMENTO
628
saúde reprodutiva à justiça social, ampliando o reconhecimento das desigualdades e
vulnerabilidades que atingem as mulheres, pontuando as questões sobre raça e classe,
nos rebatimentos sob as suas sexualidade e reprodução. Todavia, é um conceito que
vem se popularizando recentemente, tendo sido resgatado pelo grupo americano Sister
Song Women of Color Reproductive Justice Collective, após 2003 (NORONHA, 2016).
A própria ONU, por meio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)
tem iniciado a utilização do termo em suas ações, aponta que deve-se olhar de forma
ampliada para os direitos reprodutivos, considerando os direitos humanos e a justiça
social, para um pleno exercício da saúde reprodutiva das mulheres (UNFPA, 2021),
reconhecendo que:
A abordagem conceitual sobre justiça reprodutiva, que emerge da experiência
das mulheres negras sobre o exercício da saúde reprodutiva, a partir das
construções realizadas no âmbito da Conferência Internacional sobre População
e Desenvolvimento das Nações Unidas – a Conferência de Cairo. O conceito
surge na perspectiva de ampliar as construções sobre direitos reprodutivos e
incorporar ali as especificidades de mulheres negras. (UNFPA, 2021)
629
saneamento básico, segurança alimentar. Significa, portanto, pensar e instituir em
todas as políticas sociais a justiça reprodutiva. (ZANGHELINI, 2020, p. 28)
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
630
conceituais e reconhecimento das estruturas opressoras que atuam de maneira desigual
sob as pessoas, acabam por confluir no termo Justiça Reprodutiva.
O conceito de Justiça Reprodutiva pode representar um ponto-chave para
concretização de reais transformações por reconhecer as estruturas patriarcais, racistas
e capitalistas que se interpõem na vida em sociedade, em especial na determinação da
vida das mulheres, para exercer controle e objetificação.
Adotar a abordagem em Justiça Reprodutiva nos processos de análise da
realidade e das condições de efetivação das políticas públicas, é construir um movimento
de instrumentalização das intervenções do assistente social, para articular com outras
políticas necessárias para a garantia de direitos e serviços, já que a concepções de
Justiça Reprodutiva, não se resume ao âmbito da saúde. É portanto, uma maneira de
atuar, que leva em consideração as estruturas sociais que se interpõe na vida das
pessoas, em especial das mulheres com seus marcadores de raça, classe e diversidade
sexual, que estão em maior risco de vulnerabilidade.
5- REFERÊNCIAS
CORRÊA, Sonia; JANNUZZI, Paulo de Martino; ALVES, José Eustáquio Diniz. Direitos e
saúde sexual e reprodutiva: marco teórico-conceitual e sistema de indicadores.
Disponível em: http://
http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/livros/article/view/142/140 .
NORONHA, Rayane. Por que a Justiça Reprodutiva é relevante para a luta pelo fim da
violência contra as mulheres?. Portal Cravinas. Brasília, outubro de 2016. Disponível em:
631
<https://catarinas.info/justica-reprodutiva-e-relevante-para-a-luta-pelo-fim-da-violencia-
contra-as-mulheres/#_ftn5>.
REIS, Rossana Rocha. Os direitos humanos e a política internacional. Rev. Sociol. Polit.,
Curitiba, 27, p.33-42, nov. 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-
44782006000200004.
SABÔ, Beatriz Caroline de Alcantra. Menina a vir a ser mulher: Dos direitos sexuais e
reprodutivos a justiça reprodutiva pela olhar da bioética. Dissertação de mestrado.
Programa de Pós-Graduação em Bioética, Universidade de Brasília. Brasília, 2020.
UNFPA. Sala de Situação debate justiça reprodutiva. UNFPA Brasil, 2021. Disponível em:
<https://brazil.unfpa.org/pt-br/news/sala-de-situacao-debate-justica-reprodutiva>. Acesso
em: 16, junho, 2022.
632
VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal e Serviço Social:
resistências e articulações internacionais
EIXO TEMÁTICO 8
Política Social, trabalho e questão social:
retrocessos, resistências e
desafios ao Serviço Social
CAPITALISMO DEPENDENTE, SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICAS SOCIAIS
RESUMO:
O presente texto tem como finalidade analisar aspectos do
desenvolvimento do capitalismo dependente do Brasil, a
partir da teoria marxista da dependência, traçando
elementos para compreensão da dinâmica de acumulação
do capital, em especial na atualidade diante de seu projeto
ultraneoliberal, que põem em xeque o projeto de produção
de políticas sociais públicas, dever do Estado e direito de
todos. O que por sua atinge o Serviço Social, vide que a
política social tem sido, grosso modo, seu espaço
hegemônico de atuação profissional.
ABSTRACT:
The present text aims to analyze aspects of the development
of capitalism dependent on Brazil, from the Marxist theory of
dependence, tracing elements to understand the dynamics
of capital accumulation, especially nowadays in the face of
its ultraneoliberal project, which call into question the project
of production of public social policies, duty of the State and
the right of all. What, by its reach social work, see that social
policy has been, roughly, its hegemonic space of
professional activity.
634
1- INTRODUÇÃO
Autores clássicos da referida vertente teórica como Theotonio dos Santos, Vania
Bambira, Ruy Mauro Marini e Jaime Osorio, tal qual da atualidade como Matias Luce e
Claudio Katz têm seus livros lançados no Brasil245 ou relançados e com isso contribuem
para o debate acerca do conhecimento das contradições de nossa formação social e da
atualidade das relações sociais de produção e reprodução da vida em nuestraÁmerica.
245 Como podemos ver no prefácio de Bambirra (2013) da segunda edição de O capitalismo dependente
latino-americano onde a autora diz: “É com muita alegria que escrevo este prefácio. Depois de mais de
quarenta anos a Teoria da Dependência finalmente chega ao Brasil.”
246 Com o marco inicial dessa interpretação em 1982 com o livro Serviço Social e relações sociais no Brasil:
635
2- CARACTERÍSTICAS DA FORMAÇÃO SOCIAL DEPENDENTE, SERVIÇO SOCIAL E
POLÍTICAS SOCIAIS EM TEMPOS DE ULTRANEOLIBERALISMO
636
Dentro desse ciclo dependente de inserção brasileira ao capitalismo mundial há
características que necessitam ser explicitadas acerca da utilização da força de trabalho.
Essa não se opera da mesma forma que nos países centrais, existe entre nós uma forma
ampliada de exploração da força de trabalho, o caráter da superexploração. Como forma
de compensar a transferência de valor para o centro num intercâmbio desigual, essa
exploração está calcada em 3 fatores, haja vista: “a intensificação do trabalho, a
prolongação da jornada de trabalho e a expropriação de parte do trabalho – configuram
um modo de produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador e não
no desenvolvimento de sua capacidade produtiva” (MARINI, 2000, p.125).
O aumento da produtividade no Brasil, como nos traz o autor, nesse sentido, não
significa um aumento da qualidade de vida, de valorização da sua força de trabalho e das
condições de vida. Pelo contrário, repõem as determinações da estrutura do capitalismo
dependente de forma acentuada, uma vez que conduz o país dependente a buscar uma
compensação da “perda de renda gerada pelo comércio internacional, através do recurso
a uma maior exploração do trabalhador” (MARINI, 2000, p.122), e essa superexploração
terá um caráter especial nas populações nativas e negras.
637
As reconfigurações no processo produtivo que o país passou ao longo do século
XX, em especial após a segunda metade da década de sessenta, com as inversões
produtivas não alteraram a disposição dependente de nosso capitalismo (DOS SANTOS,
2021).
638
A burguesia nacional, em suas diversas frações têm radicalizado suas ações em
busca de meios cada vez mais radicais para garantia da valorização do valor e essas
iniciativas estão evidenciadas na ampliação de seu apoio irrestrito aos projetos liberais-
fascistas que se expressam na campanha eleitoral de 2018 e em toda a agenda política
posta nos últimos 4 anos (2018-2022) no governo de Jair Bolsonaro. Demonstra-se um
avanço na destruição da coisa pública, via privatizações e tentativas de privatizações,
retirada de direitos, restrição da democracia burguesa (que como nos lembra o grande
Florestan, já é uma democracia restrita) e tantas outras ameaças às vidas das
populações pretas, lgbts, mulheres, indígenas, traços que são constitutivos da
sociabilidade construída no Brasil.
639
Dentro dessa ótica e na articulação com o debate sobre o capitalismo dependente
podemos empreender como a produção baseada na superexploração do trabalho, com
baixa remuneração e com seu traço heteronômico e subalterno “[...] gera agudas fraturas
sociais: ilhas de riqueza no meio de um mar de pobreza, trabalhadores esgotados
prematuramente, miséria e desemprego” (OSORIO, 2019, p.209). E diante dessas
expressões da questão social, dos processos das lutas de classe surgem necessidades e
espaços de intervenção no qual o Estado e as frações da classe dominante tendem, a
partir das lutas e pressões sociais, intervir na relação capital/trabalho, abrem-se, portanto,
espaços para o trabalho do/a Assistente Social, seja nas empresas ou nos espaços do
Estado.
O Serviço Social tendo passado pelo seu processo de renovação crítica, em
diálogo com a teoria marxista e construindo um projeto ético-político – que visa a
superação com o projeto liberal-burguês – compreende a sua inserção no processo de
reprodução das relações sociais.
E compreendendo essa dinâmica, apreende que as situações decorrentes das
mudanças conjunturais do capital e a capacidade de resposta do Estado frente as
expressões da questão social por meio das políticas sociais, lócus hegemônico de
atuação, passam por uma refuncionalização, com um processo de individualização,
mercantilização, precarização e fragmentação e que vão demandar respostas de tal
monta da(o) profissional do Serviço Social, que tendo como horizonte o projeto ético-
político, o código de ética tem chaves para tentar romper com essa lógica, dentro de sua
autonomia relativa (sem cair em nenhuma tendência messiânica).
3- CONCLUSÃO
640
interventiva e propositiva dos profissionais e das organizações políticas da categoria
como forma de enfrentar esse projeto dependente e de barbarização da vida social, pois
como nos diz Iamamoto e Carvalho (2014, p.103) é importante ter “[...] uma clara
compreensão teórica das implicações de sua prática profissional, possibilitando-lhe maior
controle e direção da mesma, dentro de limites socialmente estabelecidos”.
4- REFERÊNCIAS
IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e Serviço Social
no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 41 ed. São Paulo:
Cortez, 2014.
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. In: SADER, Emir (org.). Dialética da
dependência: uma ontologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis: Vozes; Buenos
Aires: CLACSO, 2000.
SANTOS, Josiane Soares. “Questão Social”: particularidades no Brasil. 1ed. São Paulo:
Cortez editora, 2012.
641
POLÍTICAS SOCIAIS E INTERSETORIALIDADE - Reflexões sobre a experiência em
Treinamento Profissional
RESUMO:
O presente trabalho relata a experiência em um
Treinamento Profissional. Neste artigo problematizamos os
principais desafios que encontramos na elaboração de um
catálogo com o mapeamento de toda a rede
socioassistencial de Juiz de Fora e apontamos que tal
instrumento pode viabilizar a articulação intersetorial das
políticas sociais de modo a atender os usuários em tais
políticas.
ABSTRACT:
The present work reports the experience in a Professional
Training. In this article we problematize the mainchallenges
that we find in the elaboration of a catalog with the mapping
of the entire social assistance network of Juiz de Fora and
we point out that suchan instrument can enable the
intersectoral articulation of social policies in order to serve
users in such policies.
247Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), assistente social do
Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e-mail: ingridadameuff@gmail.com,
Eixo Temático: Política Social, trabalho e questão social: retrocessos, resistências e desafios ao Serviço
Social.
248Mestranda do Programa em Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), assistente
social na Prefeitura de Congonhas, e-mail: anguimas@gmail.com, Eixo Temático: Política Social, trabalho e
questão social: retrocessos, resistências e desafios ao Serviço Social.
249Residente em Serviço Social do Programa Multiprofissional em Atenção Hospitalar da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), e-mail: lauragmarcola@gmail.com, Eixo Temático: Política Social, trabalho e
questão social: retrocessos, resistências e desafios ao Serviço Social.
250Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e-mail:
lararodrito@gmail.com, Eixo Temático: Política Social, trabalho e questão social: retrocessos, resistências e
desafios ao Serviço Social.
251Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),e-mail:
taise.antunes@outlokk.com , Eixo Temático: Política Social, trabalho e questão social: retrocessos,
resistências e desafios ao Serviço Social.
642
1- Introdução
643
escassez de informação para a população que ocasiona a dificuldade de acessar os
serviços.
644
multifacetadas da “questão social” no capitalismo” (BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p.
51). São respostas às demandas da classe trabalhadora, mas também expressam para
muitos segmentos dessa classe a única possibilidade de sobrevivência no capitalismo.
Concordamos com Duboc (2017) que
as características das políticas sociais no Estado burguês se expressam de
forma fragmentada e pontual - sejam elas na previdência social ou no sistema de
seguridade social - intervindo sobre a sequelas da “questão social” de forma
isolada da sua essência, que é sua emergência a partir da contradição entre
capital x trabalho na sociabilidade burguesa (DUBOC, 2017, p. 5).
645
diferentes saberes e visando o enfrentamento das expressões da questão social.
Ressalta-se, além disso, que a prática se efetiva em um processo político,
permeado de contradições, resistências, divergências, escassez de recursos,
entre outros (BELLINI et al, 2014, p.5).
A política social “no marco das formações sociais de classe (não importam a
natureza e a idade que tenham) vai sempre lidar com interesses opostos, já que ela
resulta da pressão simultânea entre sujeitos distintos: o capital e o trabalho” (PEREIRA,
2011, p. 28, grifos nossos). Dito de outra forma, as políticas sociais sob o capitalismo são
elaboradas para satisfazer necessidades sociais sem deixar de atender aos interesses da
classe dominante que está no poder, são formas paliativas de atender às demandas da
classe trabalhadora que não põe em xeque o sistema capitalista e que contribui também,
mesmo que, talvez, indiretamente ou diretamente, para sua perpetuação. Apostamos no
caráter intersetorial destas políticas para atender de maneira integral às demandas
postas pela classe trabalhadora, mas elucidamos que não podemos ser inocentes.
Mesmo que tais políticas se organizem intersetorialmente, há a necessidade precípua de
superação do sistema capitalista que é o gerador das múltiplas expressões da questão
social.
646
mapeamento da rede socioassistencial de Juiz de Fora se configurou como a meta
central para o reconhecimento das ações de articulação intersetorial nessa cidade.
Para o conhecimento dessa rede, foi necessário o recolhimento de dados das
instituições (nome, endereço, meios de contato atualizados e descrição das atividades)
que se deu principalmente por contatos telefônicos e por e-mail com diversas instituições
que a compõem, com as secretarias e conselhos municipais que regem as políticas
sociais. Entretanto, cabe destacar que a obtenção dessas informações não foi simples,
culminando em vários obstáculos que serão mencionados a seguir.
A primeira dificuldade encontrada no início do TP (2021), foi o esvaziamento de
informações no site da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e dos Conselhos Municipais. Não
haviam dados sistematizados e/ou atualizados sobre a rede da política de assistência
social e de saúde, as primeiras almejadas durante o levantamento.
Diante da dificuldade de acesso a dados básicos que deveriam estar publicizados
— com destaque para o site da PJF, visto que esse vem a ser um dos principais meios
de comunicação e de acesso à informação entre a PJF e o cidadão — recorreu-se às
secretarias (de assistência social- SAS e de saúde- SS) e houve mais uma vez
dificuldade em acessar tais dados, nessas o empecilho foi burocrático. Era preciso um
órgão superior autorizar a disponibilização desses dados ou simplesmente os setores da
secretaria recorrida não os possuía. Ressalta-se que a solicitação realizada pelo TP
consistia na simples relação dos equipamentos/instituições que compunham a rede da
política de assistência social e/ou da saúde.
Assim, novamente reaparece o questionamento da publicização dos dados, esses
que configuram uma requisição simples de nome/ telefone (para iniciar a verificação das
informações junto aos equipamentos), e que deveriam estar disponíveis de forma
transparente a qualquer cidadão. Nota-se um obscurantismo em torno da disponibilização
desses dados e que traz à tona a seguinte questão: se para o projeto de treinamento
profissional, ligado a uma universidade pública, o acesso aos dados tem se desenhado
como um impasse, como fica então para os profissionais que estão nas políticas
setoriais? E para o cidadão? No mais, se pode presumir que a articulação intersetorial
efetiva não se realiza, visto que dentro de uma mesma secretaria ou de um mesmo
conselho não há o essencial: dados sistematizados sobre as instituições que fazem parte
daquela política social.
Com isso, é notório a importância desse projeto, que gera como produto do
mapeamento realizado um catálogo com todas as instituições e equipamentos
contatados, que preconiza colaborar com o cotidiano profissional a partir de dados
647
organizados sobre os equipamentos das políticas de saúde, assistência social e
educação. Além disso, o catálogo conta também com informações sobre Instituições de
Longa Permanência para Idosos (ILPI), de atendimento psicossocial e alguns
equipamentos do sócio-jurídico.
Importa ressaltar também que, para além do esvaziamento de informações, do
obscurantismo em torno da disponibilização de dados essenciais para o andamento do
projeto, percebeu-se inclusive uma morosidade na obtenção das respostas às
solicitações realizadas aos equipamentos, via e-mail, e quando chegavam eram muitas
vezes respostas parciais, faltando alguma informação.
Posto isso, a questão que fica evidente é: por que a demora em dar resposta a
algo trivial, como dados básicos das instituições? Souza Filho e Gurgel (2016) aclaram
essa indagação ao revelar que “(...) consolida-se o tratamento paradoxal da burocracia.
Por um lado, um movimento de centralização burocrática, via núcleos estratégicos e, por
outro, o esfacelamento do quadro burocrático, via medidas de flexibilização e
precarização, voltadas para redução do gasto público.” (p.185)
Ainda em relação à burocracia encontrada como obstáculo durante o projeto, há o
ponto oposto, a informalidade percebida à medida que o projeto avançava. O WhatsApp
logo se constituiu como um mecanismo de acesso às informações buscadas, já que não
foi possível obtê-las pelasvias formais. Assim, foi acionada a “rede pessoas” por trás da
rede socioassistencial de Juiz de Fora, “alguém que conhece alguém”, que forneceria tais
informações. Pessoas/profissionais que trabalham nos conselhos, nas secretarias, nos
equipamentos e instituições em que era preciso realizar tal contato.
O produto final do Treinamento Profissional se materializa em um catálogo, como
já supracitado. O objetivo do mesmo é facilitar a promoção da intersetorialidade entre as
instituições e o conhecimento da rede de maneira uniforme. Para tanto, é necessário
pensar o que é intersetorialidade e como ela se realiza para além de encaminhamentos
entre os equipamentos.
Buscando romper com a lógica setorial, encarada como uma barreira e visando
além de encaminhamentos, o catálogo pretende abrir os horizontes para
desenvolvimento de ações conjuntas, projetos que aumentem o relacionamento das
instituições e dê visibilidade para atividades desenvolvidas que ainda não eram
conhecidas. “A intersetorialidade deve se concretizar como síntese de conhecimentos
diversos (interdisciplinaridade) para atuar sobre problemas concretos” (MONNERAT; DE
SOUZA, 2009, p. 204), para tanto o catálogo pode contribuir para maior articulação e
planejamento conjunto entre instituições, serviços ou políticas sociais.
648
É preciso deixar claro que perceber os limites da política, instituição ou profissão
não é um fator impossibilitante de uma ação intersetorial, pelo contrário. A compreensão
do fazer profissional e dos objetivos do serviço em que se está inserido são fundamentais
para compreender que por vezes é necessário que a resolução das demandas continuem
em outro lugar.
Para finalizar, cabe revelar que o projeto durante sua execução foi parabenizado
diversas vezes pela iniciativa, como também observou-se uma empolgação durante os
contatos telefônicos pela produção do catálogo, esse que foi visto por muitas instituições
como uma “vitrine” para que fosse conhecida por outros equipamentos da rede ― é por
essas situações que fica ilustrado como as ações intersetoriais na rede socioassistencial
de Juiz de Fora são incipientes ― desse modo, demarca-se a importância da
universidade pública, que por meio das suas ações de extensão, articuladas com o
ensino e a pesquisa, proporcionam contribuições imediatas à comunidade.
4- Considerações Finais
649
Poderíamos, de forma simplista, acreditar que é um acaso as informações não
estarem disponíveis com facilidade para profissionais e população, que as políticas
sociais estão sucateadas devido a somente a crise sanitária, mas buscamos analisar
profundamente e compreender as bases estruturais dos processos percebidos no dia-a-
dia desse sistema que explora a vida, que concede políticas sociais no limite que não
afete sua perpetuação e garanta seus lucros. Não é um simples catálogo, mas um
instrumento que proporcionou discussões e estudos aqui colocadas e também a
possibilidade de construção de uma intersetorialidade das políticas em Juiz de Fora ao
agrupar e casar informações importantes. Deixamos o anseio de que esse estudo
colabore para a discussão em torno da temática e abra mais experiências como essa.
5- Referencial Bibliográfico
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 6ª Edição. São Paulo:
Cortez Editora, 2007.
650
EXPROPRIAÇÕES DE DIREITOS E POLÍTICA DE SAÚDE: implicações para o
trabalho profissional
Fernanda Kilduff252
Abstract:
ThisproposalisintendedtoreflectonthepaperontheStateafterth
ecrisis in capital analyzingthe processo f sub-
fiancingandrefinancingofteh saudi publicpolicy in Brasil and
as implications for the professional workof social wokers, in
the contexto ofexpropriationsand conter reforms,
takingintoaccountthecurrent momento ofthe Covid-19
Pandemic.
1- INTRODUÇÃO
252Assistente Social; professora Adjunta da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (ESS-UFRJ); Mestre e Doutora em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social (PPGSS-ESS-UFRJ). E-mail: profa.nandakil@gmail.com
Eixo temático: Política Social, trabalho e questão social: retrocessos e resistências na conjuntura atual.
651
2- DESENVOLVIMENTO
Segundo Behring (2018), a tradição marxista interpreta o Estado como processo social
e histórico e como componente central da dinâmica de acumulação capitalista.A tradição
do materialismo histórico e dialético aborda o Estado, não a partir de uma definição
genérica, mas buscando seu modo de ser no processo histórico.Mandel (1985), destaca
que o capital é incapaz de produzir por si mesmo a natureza social de sua existência,
sendo o Estado quem garante e preserva a propriedade privada, possibilitando a
reprodução do capitalismo na sua totalidade. Entre suas funções, sobretudo na fase dos
monopólios, sua intervenção torna-se mais sistemática e complexa, buscando estimular a
expansão econômica e limitar e/ou retardar os efeitos das crises estruturais e cíclicas que
afetam periodicamente o capitalismo. Ademais, entre suas funções de primeira ordem,
está o controle contínuo da força de trabalho ocupada e excedente para prevenir eclosão
de conflitos de classe e para garantir ao capital a oferta permanente da mercadoria “força
de trabalho”.
De acordo com Fontes (2010), frequentemente o tema das expropriações é
relegado à condição de “acumulação primitiva”. Para a historiadora marxista, as
expropriações constituem um processo permanente, condição da constituição e
expansão da base capitalista. Na hipótese da autora, a expropriação primária, original,
constituída na origem do capitalismo que atinge a grandes massas campesinas ou
agrárias permanece e se aprofunda, ao lado de expropriações secundárias,
impulsionadas pelo capital-imperialismo contemporâneo, queincidem sobre trabalhadores
de longa data urbanizados; expropriações vinculadas à eliminação de postos de trabalho
e ao desmantelamento de direitos sociais e trabalhistas (expropriação contratual): trata-
se, dessa forma, de capturar recursos crescentes de origem salarial, e de convertê-los
em capital.Assim, as expropriações contemporâneas - entre outros processos- estão
relacionadas com a privatização de empresas e políticaspúblicas destinadas a prover
saúde, educação, previdência social, transporte, entre outros direitos sociais253.
Considerando o debate sobre a expropriação de recursos públicos na fase
contemporânea do capitalismo, Sousa (et. al, 2012) analisa que no Brasil, em tempos de
primazia do capital financeiro e de crise do capital, a disputa pelo fundo público (recursos
253No dia 9 de junho de 2022, o Ministro de Economia, o ultra neoliberal Paulo Guedes, enviou ao Congrego
um projeto de lei (PL) para vender a empresas privadas a parcela do Pré-Sal que pertence à União. A
proposta também inclui a desobrigação pública de utilizar esses recursos em investimentos nas áreas de
saúde e educação. Mais uma vez, verifica-se o programa desestatizador, privatizante e expropriador de
recursos e empresas públicas que caracteriza o (des) governo Bolsonaro.
652
através dos quais o Estado realiza suas atividades) entre o capital e o trabalho tornou-se
mais acirrada. O capital vem sendo cada vez mais privilegiado pelo Estado em detrimento
do trabalho, em razão especialmente da financeirização da dívida pública e da
diversidade de estratégias adotadas na privatização de políticas sociais, nichos cada vez
mais rentáveis.O Estado, administrado por governos de corte neoliberal, é convocado a
disponibilizar cada vez mais parte do fundo público para a reprodução do capital, ou seja,
para a produção e realização do valor.
Conforme destacado por Cavalcante (2014), a política de saúde é um espaço de
projetos/interesses contraditórios em confronto: por um lado o projeto do Movimento da
Reforma Sanitária que defende a saúde pública, universal e de qualidade e participou da
construção do Sistema Único de Saúde (SUS) e pelo outro, o projeto privatista que
entende a saúde como mercadoria, como serviço que se compra e vende no mercado.
No Brasil, as estratégias de contrarreformas na saúde assumem principalmente duas
formas: de um lado o subfinanciamento crônico, ou seja, desde que o SUS foi criado
nunca contou com os recursos necessários para funcionar com qualidade; e do outro, a
sua precarização, condição necessária para o crescimento de serviços de saúde
privados.
Assim, o período de existência do SUS tem sido acompanhado por uma trajetória
depersistência de reduzidos montantes de recursos, evidenciando o subfinanciamento
estrutural deste sistema254, explicado a partir de mecanismos legais que o Estado
implementa para transferir riqueza do trabalho para o capital. Por um lado, a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) que limita a realização de concursose contratações de
pessoal no serviço público; e por outro, a chamada Desvinculação de Receitas da União
(DRU), que permite a retirada ou desvio de recursos inicialmente destinados a políticas
sociais.
Aspolíticas macroeconômicas ortodoxas denominadas de “austeridade fiscal”,
caracterizaram os mandatosde Fernando Henrique Cardoso (FHC); orientações mantidas
posteriormentenos governos de conciliação de classe. Neste sentido, cabe observar que,
no governo de Dilma Rousseff (2011-2016),a expropriação de fundo público adotou um
ritmo mais acelerado e a DRU aumentou de 20% para 30%, sendo prorrogada até 2023.
Dessa forma, esses mecanismoscontinuam vigentes até o momento atual e permitem
desvincular/expropriar parte do orçamento das políticas sociais para pagamento de juros
254“Para uma ideia geral desse subfinanciamento, se o art. 55 das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal fosse aplicado, 30% dos recursos da Seguridade Social deveriam ser destinados à
saúde, mas isso nunca foi feito.” (FUNCIA; SANTOS, 2019 apudMENDES e CARNUT, 2020, p.15).
653
e amortização de dívida externaremunerando assim, o capital financeiro. Assim, cada vez
mais, o Capital e o Estado se des responsabilizamdas necessidades de reproduçãoda
classe trabalhadora.
Na hipótese de Mendes e Carnut (2020), com o golpe jurídico-parlamentar-
midiático de 2016, o subfinanciamento do SUS passou a ser transformado em
desfinanciamento, configurando um quadro de aniquilamento das tentativas de
construção de nosso sistema universal em saúde. A Emenda Constitucional 95/2016 foi
promulgada pelo governo Temer e teve por objetivo limitar a expansão dos gastos
públicos pelos próximos 20 anos, mas não o fez para as despesas financeiras,
mantendo-se alto o patamar de pagamento de juros da dívida por parte do governo
brasileiro255.
Essa medida, somada à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Desvinculação
de Receitas da União (DRU), provocam redução e/ou eliminação da oferta de serviços
públicos, esvaziamento e sobrecarga de equipes profissionais, precarizando ainda mais
as relações de trabalho.
Além do mais,cabe destacar um outro aspecto que contribui para prejudicar o
financiamento do SUS, ao longo da sua existência: as renúncias fiscais, no setor
saúde.“O total de renúncias fiscais concedidas à saúde privada cresceu de forma
considerável, passando de R$ 8,6 bilhões, em 2003; para R$ 32,3 bilhões, em 2015”.
(MENDES e CARNUT, 2020, p.17).
Percebe-se com esses dados, que a apropriação do fundo público na saúde pelo
capital manteve-se intensa, expropriando da classe trabalhadora o direito de acesso
universal à saúde.Assim, o SUS, passa a enfrentar, ao lado do subfinanciamento de mais
de 30 anos, um processo crescente e contínuo de desfinanciamento evidenciando-se a
relação orgânica entre Capital e Estado, sobretudo no papel decisivo que ocupa na
administração da crise contemporânea.
Como analisado, o ritmo da expropriação de recursos da saúde pública se
acelerou a partir de 2017, acumulando-se perdas de R$ 9,7 bilhões em 2018 e 2019256. É
com o SUS asfixiado que a população brasileira atravessou e continua enfrentando a
pandemia de Covid-19. Dessa forma, o neoliberalismo257 torna a política de saúde
255“Para uma ideia geral desse subfinanciamento, se o art. 55 das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal fosse aplicado, 30% dos recursos da Seguridade Social deveriam ser destinados à
saúde, mas isso nunca foi feito.” (FUNCIA; SANTOS, 2019 apud MENDES e CARNUT, 2020, p.16).
256“Os brasileiros e as brasileiras foram comunicados sobre a perda de R$9,7 bilhões no financiamento do
de 1970 que envolve aspectos econômicos, políticos, ideológicos e culturais; alterações profundas que
654
espaço de grande tensionamento e alvo de sucessivos ajustes fiscais, interferindo na
qualidade dos serviços e nas práticas profissionais.Além do subfinanciamento crônico e
desfinanciamento, a contrarreforma na política de saúde se efetiva com a incorporação
dos chamados “novos modelos de gestão”que buscam legitimar a lógica neoliberal da
eficiência do setor privado na gestão pública.Já na década de 2000, o Banco Mundial
(BM) apontava “problemas burocráticos no SUS” e “sugeria” (vale dizer,impôscomo
condição para o acesso dos governos a novosempréstimos), o repasse da política de
saúde para o setor privado denominado: “público, mas não estatal”:Fundações Estatais
de Direito Público e Privado, Empresas de Serviços Hospitalares, Organizações Sociais,
etc. administram crescentemente recursos públicos destinadosà política de saúde.
Aeste quadro de contrarreformas em andamento, a pandemia de Covid-19
acrescenta e exige novos desafios desituá-la no movimento da totalidade social.Precisa-
se demonstrar o seu caráter histórico e social questionando-se as condições concretas
de vida e existência da classe trabalhadora em cada formação social e de cada momento
histórico.
Raichelis e Arregui (2020, p.138), observam que:“a eclosão do novo coronavírus,
em meio à profunda crise estrutural do capital, acentuará exponencialmente seus traços
sistêmicos em curso, articulando em uma totalidade contraditória suas dimensões
econômica, política, social e sanitária”.
Nessa direção, analisa-se que a pandemia de Covid-19, não é um fenômeno
natural: o contato humano com o novo coronavírus esteve diretamente relacionado com o
desmatamento e desequilíbrios ambientais provocado pela organização capitalista da
agricultura e da pecuária.
Na particularidade do Brasil, a rápida proliferação deste vírus vincula-se com a
desigualdade estrutural provocada pela apropriação privada da riqueza socialmente
produzida e as péssimas condições de vida impostas à maioria da classe trabalhadora.
Neste país, o 5% mais rico detém a mesma fatia de renda que o restante 95% da
população e o 45% das propriedades agrícolas estão concentradas em menos de 1% de
proprietários ruralistas (OXFAM, 2017- 2019).
Observa-se que no país, as recomendações de isolamento social e prevenção
coexistiram perversa e contraditoriamente com altos índices de desemprego,
subemprego, precarização, ausência de moradia, inexistente ou precário abastecimento
buscam responder à crise estrutural do capital caracterizada pela queda das taxas de lucro, uma crise de
superacumulação de capitais e superprodução de mercadorias.
655
de água e saneamento básico, exigindo a compreensão da determinação social da
doença e partindo de uma concepção ampliada de saúde.
A inserção em trabalho remunerado com direitos e o acesso a benefícios
assistenciais não é a realidade de grande parte da classe trabalhadora que vive com
menos de um salário mínimo. OInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2022),aponta atualmente no Brasil,a existência de quase 12 milhões de
desempregados258 e mais de 38 milhões de trabalhadores informais.
Os processos de contrarreformas (considerando o sub e desfinanciamento) e a
pandemia de Covid-19,reconfigurarama política de saúde e o trabalho de diferentes
categorias profissionais, entre elas a de assistentes sociais, que participam da divisão
social e técnica do trabalho em atividades de gestão, planejamento, implementação e
avaliação de políticas públicas.
Na fase neoliberal do capitalismo, presencia-se o avanço da lógicaempresarial na
saúde259que se expressa, por exemplo,no fato daliberação de recursos ser apenas com
metas de produtividade; na falta de transparênciana administração de verbas públicas260
com fraudes e desviosde recursosoperados pelo chamado “setor público não estatal”;na
falta de concursos públicos (sendo as contrataçõescom vínculos precarizados,
temporários e com a eliminação de direitos trabalhistas); nos atrasos e baixos salários;na
instabilidade contratual e nas demissões frequentes; na ausência de plano de carreira
para as/os trabalhadoras/es do SUS; naalta rotatividade das equipes pelos processos de
trabalho desgastantes e orientados por metas de produtividade e pelaausência de
políticas de incentivos para qualificação profissional. Todos esses processos
impactamdesfavoravelmente nos atendimentos e nos serviços oferecidos às/os
usuárias/os261.
258Segundo a Agencia de Notícias do IBGE (abril, 2022), o primeiro trimestre do ano o desemprego no Brasil
chegou a 11,9%. Informações disponíveis em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ Acesso: 15 jun.2022
259O principal argumento neoliberal que justifica o repasse de financiamento para a gestão de organizações
privadas se fundamenta na “falta de eficiência” do setor público estatal, porém a precarização e “a crise” das
políticas públicas são principalmente provocadas pelo subfinaciamento estrutural e o desfinanciamento
crônico, tese defendida neste artigo.
260Para retratar esta falta de transparência no manejo da verba pública, lembramos que durante 2020, houve
como assistente social e da participação como docente em espaços de supervisão integrada comassistentes
sociais a partir das atividades de ensino na disciplina de Orientação e Treinamento profissional e de tutorias
acadêmicas realizadas com a equipe de serviço social da Residência Multiprofissional de um hospital
universitário.
656
Em contexto de pandemia de Covid-19, o desmonte histórico da saúde pública
cobra um preço alto. O acesso desigual e não universal ao sistema de saúde;
ainsuficiência de instalações hospitalares e de recursos humanos; profissionais da linha
de frente no combate à doença cansados, adoecidos, mal pagos e sem condições de
trabalho adequadas (infraestrutura precária, falta de insumos e medicamentos, sem
Equipamentos de Proteção Individual, etc.); testagem insuficiente, falta de leitos e vagas
em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), caracterizou a péssima administração do
des (governo) Bolsonaro.
Por sua vez, comorbidades e demandas de saúde reprimidas, ou seja, sem o
devido atendimento previamente ao contato humanocom ovírus SARS-CoV-2, aumentou
o número de mortes262.Cabe observar também que no decorrer da pandemia,
houveomissão de repasse de recursos financeiros do governo federal aos Estados: o
critério foi discricionário e não epidemiológico263.
Ao realizar debate sobre os impactos no trabalho das/os assistentes sociais,
Raichelis e Arregui (2020), demonstram que, o acompanhamento atento do debate
profissional em diversos espaços ocupacionais, públicos e privados, evidenciam, de um
lado, o medo, as pressões, as angústias reais de assistentes sociais, especial, mas não
exclusivamente, daqueles(as) que estiveram na linha de frente do trabalho presencial nos
períodos mais duros da pandemia, quando inda não havia disponibilidade de vacinas.
Do mesmo modo, a radicalização das expressões da questão social em contexto de
crise social, econômica e sanitária, tem provocado angústia e processos de adoecimento
das equipes de profissionais de saúde. Apesar das/os assistentes sociaisrealizarem
frequentemente ações coletivas trazendo a perspectiva do trabalho interdisciplinar e
intersetorial, enfrentam no cotidiano profissional situaçõesdifíceis, tais como o aumento
do desemprego e precarização das relações de trabalho da população atendida,
262Várias pesquisas demonstram a desigualdade racial no acesso ao sistema de saúde público. O número de
óbitos decorrentes da Covid-19 entre a população negra e parda é mais elevado que entre a população
branca. Pesquisa da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), realizada em junho de 2020,
apresenta índices acerca de adoecimentos e óbitos causados por Covid-19 no Brasil e nos Estados Unidos.
Os dados explicitam como o racismo estrutural é preponderante para o agravamento de casos e de óbitos. As
diferenças de mortalidade entre a população negra e branca, mostra que a pesar do vírus não fazer escolha à
hora de infectar, as ações de prevenção, saneamento e o atendimento dos serviços de saúde são fatores que
colocam em risco à população negra, que, no Brasil, é também o 75% da população mais pobre. Informações
disponíveis em:
https://www.abrasco.org.br/site/noticias/desigualdade-racial-por-que-negros-morrem-mais-que-brancos-na-
pandemia/49455/ Acesso: 13 jun.2022.
263Segundo Relatório do Tribunal de Contas (TCU): O Ministério da Saúde liberou apenas 29% do total de
recursos destinados ao combate da pandemia: “Chama a atenção o fato de Pará e Rio de Janeiro terem
respectivamente a segunda e terceira maior taxa de mortalidade por Covid-19, porém, são duas unidades da
federação que menos receberam recursos (...)” (Relatório do TCU, julho de 2020). Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/22/ministerio-da-saude-gastou-menos-de-um-terco-do-dinheiro-
disponivel-para-combate-a-pandemia-diz-tcu.ghtml Acesso: 14 de jun.2022.
657
intensificando-se situaçõesde violência e fome264, entre outras expressões da
desigualdade social agravadas no tempo presente265.
Por sua vez, na área principalmente de saúde, foi preciso reafirmar competências e
atribuições conforme nossa Lei de Regulamentação Profissional n.8662/1993, toda vez
que as equipes de assistente sociais foram tensionadas por demandas indevidas a nossa
profissão, não sendo pouco frequente em unidades de saúde verificar solicitações de
comunicação de óbitos por coronavírus a familiares.
3- CONCLUSÃO
264 Recentemente foi publicada pesquisa que monstra que existe no Brasil mais de 33 milhões de pessoas
com fome no Brasil; e seis de cada dez domicílios liderado por mulheres vivem alguma situação de
insegurança alimentar. Disponível em: https://www.brasilsemfome.org.br/ Acesso: 15 jun.2022.
265 Considerações feitas a partir de trabalho de tutoria acadêmica realizado com a equipe de Serviço Social
de um hospital universitário.
658
Social, nosso trabalho profissional deve direcionar-se na perspectiva de um horizonte
emancipatório: porque vivernão pode ser um privilégio de poucos e sim um direito de
todos (as).
4- REFERÊNCIAS
BEHRING, E.Estado no capitalismo: notas para uma leitura crítica do Brasil recente. In:
Marxismo, Política Social e Direitos.São Paulo: Cortez, 2018.
CONSELHO FEDERAL de SERVIÇO SOCIAL. Código de ética do/a assistente social. Lei
8.662/93 de regulamentação da profissão. - 10ª. ed. rev. e atual. Brasília: CFESS, 2012.
MANDEL, E.O Capitalismo Tardio. São Paulo: Ed. Nova Cultural Cortez, 1985.
Mendes, Áquilas; Carnut, Leonardo. “Capital, Estado, Crise e a Saúde Pública brasileira:
golpe e desfinanciamento”. SER Social,Universidade de Brasília. Departamento de
Serviço Social. SER Social. V. 22, n. 46, 1. sem./2020. 9-32 p. Disponível em:
https://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/25260/25136
659
ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL APÓS CONTEXTO DE PANDEMIA DA COVID-19: A
importância da atuação interdisciplinar entre psicólogos e assistentes sociais em
universidades públicas
RESUMO
O presente artigo tem como objetivoevidenciar a importância
da atuação interdisciplinar entre psicólogos e assistentes
sociais como estratégia e possibilidade para a consolidação
da assistência estudantil nas universidades públicas
brasileira, principalmente no complexo contexto
apóspandemia da Covid-19. Os procedimentos
metodológicos eleitos foram o desenvolvimento da pesquisa
bibliográfica e documental na apreensão de teorias
eestatísticas sobre o adoecimento da saúde mental e a
evasão no ensino superior. A reflexão teórica indica algumas
contribuições sobre o tema referenciado e possíveis
orientaçõespara o enfrentamento das desigualdades
socioeducacionais presentes especificamente na educação
superior pública no Brasil.
Palavras-chaves: Ensino Superior. Assistência Estudantil.
Covid-19.
ABSTRACT
This article aims to highlight the importance of
interdisciplinary action between psychologists and social
workers as a strategy and possibility for the consolidation of
student assistance in Brazilian public universities, especially
Rio de Janeiro (UERJ). Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - Universidade Estadual
Paulista – UNESP Campus de Franca/SP. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq – nível 2. E-mail:
elianacanteiro@terra.com.br. Linha de Pesquisa: Estado, Políticas Sociais e Serviço Social.
660
in the complex context after the Covid-19 pandemic. The
methodological procedures chosen were the development of
bibliographic and documental research in the apprehension
of the oriesand statistics on mental health illnessand drop
out in higher education. The theoretical reflection indicates
some contributions on the referenced topicand possible
guidelines for facing the socio-educational inequalities
present specifically in publichig her education in Brazil.
Keywords: Universityeducation. Student Assistance. Covid-
19.
1- INTRODUÇÃO
661
perspectiva totalizante das questões que atingem docentes e discentes (biopsicossociais)
são essenciais.Deste modo, este artigo busca analisar e discutir especificamente, sobre a
evasão no ensino superior público brasileiro, revelado nos dados estatísticos também, o
adoecimento em relação à saúde mental dos/as docentes e discentes, e a importância da
parceria de atuação entre psicólogos e assistentes sociais como estratégia para a
consolidação da assistência/permanência estudantil nas universidades públicas,
principalmente após pandemia da Covid-19.
A pandemia impactou a vida social de toda população, mas foi intensificada
principalmente na população que vivenciam vulnerabilidades socioeconômicascom o
acirramento das expressões da questão social. Portanto, a crise sanitária, principalmente
em países de economia periférica e dependente como o Brasil, intensificou a crise
socioeconômica e expôs a fragilidade das políticas sociais, dentre elas a política de
assistência estudantil. Este contexto, influencia sobremaneira nos aspectos psicológicos,
pedagógicos, sociais, ou seja, materiais e imateriais que impactam no acesso,
permanência e conclusão dos/as estudantes nas universidades públicas brasileira,
exigindo nestas universidades o seu enfrentamento.
A relevância do estudo se justifica devido aos desdobramentos financeiros,
físicos, políticos, sociais e emocionaisna vida dos/as estudantes, e que foram
potencializados pelo isolamento e distanciamento social imposto pela pandemia.Assim, é
possível afirmar que esta realidade trouxe durante e apóspandemia, inúmeros desafios
para os diretores, coordenadores e docentesem readequar a didática e os instrumentais
para prosseguir com as atribuições acadêmicas, período que exigiu sobretudo, a
necessidade de revisar e implementar novas técnicas pedagógicas para conduzir o
ensino aos estudantes de forma remota e, posteriormente, readequar o retorno do ensino
presencial nestas unidades de ensino. Ao considerar os percalços ocasionados pela
implementação do ensino remoto, tornou-se imprescindível repensar a inclusão de uma
política de assistência estudantil nas universidades públicasque contemplem os aspectos
biopsicossociais que incidem sobre o processo de ensino-aprendizagem e, portanto,
refletem no sucesso escolar dos/as estudantes, principalmente aqueles advindos da
classe trabalhadora empobrecida e/ou que sofrem algum tipo de opressão, preconceito e
vulnerabilidades.
Partindo dos fatos mencionados, uma das indagações apontada pelas autoras e
que orientou as reflexões do presente estudo foram: Quais foram os principais impactos
do adoecimento da saúde mental dos/as docentes e discentesnas universidades públicas
brasileiradurante e após o contexto de pandemia da Covid-19? De que forma os
662
psicólogos e assistentes sociais podem contribuir, efetivamente, para o acesso,
permanência e conclusão do ensino nesta conjuntura?
663
De acordo com as discussões apresentadas pela Escola de Economia de São
Paulo da Fundação Getúlio Vargas – FGV EESP,esta substituição das aulas presenciais
pelo ensino remoto durante o período de pandemia, modificoua rotina e impôs a
necessidade em adaptar o ambiente de estudos integralmente nas residências e, que por
muitas vezes, docentese discentes não possuíam condições estruturais e emocionais
adequadas para o desenvolvimento do ensino e aprendizagem. Neste contexto, fatores
como ansiedade, o convívio intensificado entre os membros do núcleo familiar, a
ausência de informação, propagação de “fake News”268, medo de contágio do vírus,
insegurança alimentar,aumento da violência doméstica, do desemprego e óbitos de
familiares e demais entes queridos, foi o cenário que certamente comprometeu a saúde
física e emocional de professorese estudantes durante o desenvolvimento (ou tentativa)
do ensino e aprendizagem, de forma específica da educação superior.Além do mais, ao
analisar as medidas preventivas orientadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
as quais foram materializadas a partir da realização do distanciamento social, é cabível
afirmar que as mesmas trouxeram consequências distintas para determinadas classes.
Este fato é plausível devido à luta de classes (MARX, 2014), as quais o acesso à riqueza,
poder e propriedade são acessadas de maneira desigual. Ao tratar de uma sociedade
capitalista, a pandemia da Covid-19 trouxe inúmeros rebatimentos na vida cotidiana de
toda população, além de evidenciar de forma ostensiva as desigualdades sociais e
acesso limitados aos direitos fundamentais.
Elencar tais reflexões na dinâmica da educação superior pública, pressupõe
considerar que a dinâmica complexa das desigualdades sociais e educacionais no
acesso e na permanência estudantil, enraizadas nas estruturas da sociedade, atinge de
forma desigual as mulheres, negros/as, aos povos indígenas, pessoas com deficiência, a
comunidade LGBTQIAP+269 e dentre outros segmentos sociais, o que permite refletir
também sobre o processo de construção e reafirmação das identidades dos/as discentes
no ensino superior público.
Diante do cenário evidenciado, é possível constatar a necessidade de incluir
apóspandemiao debate sobre a importância e protagonismo da assistência/permanência
estudantil, as repercussões do adoecimento da saúde mental, ebem como, a importância
268 “Notícias falsas ou informações mentirosas que são compartilhadas como se fossem reais e verdadeiras,
divulgadas em contextos virtuais, especialmente em redes sociais ou em aplicativos para compartilhamento
de mensagens”. (AURÉLIO, 2022).
269“LGBTQIAP+ é o movimento político e social que defende a diversidade e que busca mais
representatividade e direitos para essa população”.(FUNDO BRASIL, 2022). A sigla significa Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Transgênero, Queer, Intersexo, Assexual, e outras identidades, gêneros e orientações sexuais
que não se encaixam no padrão cis-héteronormativo (LGBTQIAP+).
664
de ampliar a parceria de atuação entre psicólogos e assistentes sociais como estratégia e
possibilidade para a consolidação da assistência/permanência estudantil, foco do
presente estudo.Tais requisições são expressivas quando analisados alguns dados
estatísticos publicizados sobre as dificuldades relacionadas à saúde mental de docentes
e discentes em ensino superior público no contexto da pandemia da Covid-19.
De acordo com a pesquisa efetuada em maio de 2021 pela Secretaria de
Modalidades Especializadas de Educação (SEMESP) 94,2% dos estudantes de
instituições públicas relataram ter tido dificuldades relacionadas à saúde mental e
concentração das aulas remotas. No tocante aos docentes, 93% relataram fadiga, stress,
cansaço físico e mental pela jornada de trabalho estendida após a implementação do
ensino remoto. Para compreender estes índices do adoecimento da saúde mental,da
evasão escolar e os demais fenômenos sociais que perpassam o universo educacional
durante e após contexto de pandemia, e que são determinados para além da motivação
econômica, é preciso considerar o aspecto estrutural da educação superior brasileira e os
principais impactos das desigualdades socioeducacionais, pois, os dados revelam que a
condição socioeconômica não é o único motivo responsável por abortar a trajetória
escolar do estudante. Questões como o racismo estrutural, as dificuldades pedagógicas,
a repetência escolar, defasagem no ensino básico, a violência, pandemia, e as demandas
do adoecimento da saúde mental, afetam expressivamente as populações supracitadas e
colocam em xeque as possibilidades do acesso, permanênciae conclusão do ensino
superior.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
665
uma política pública ainda não consolidada.Além do mais, faznecessário salientar a
importância da ampliação de respaldos legislativos para a efetivação dos princípios
estabelecidos pela mencionada Portaria.A oferta do atendimento psicossocial aos
estudantes que dela necessitar, torna-se primordial para viabilizar ascondições concretas
para o acesso, permanência e conclusão no percurso escolar, especialmente quando
considerado as demandas estudantis somada aos efeitos do adoecimento da saúde
mental.
Além dos esforços da comunidade científica e demais profissionais que
investigam os efeitos deletérios da pandemia da Covid-19 e seus impactos na educação,
éimportante incluir os protagonismos de psicólogos e assistentes sociais que buscaram
historicamente por meio de intensas lutas e reivindicações, inserir na agenda política da
educação a ofertado atendimento psicossocial.
Em nível Estadual, o PANEST não é sedimentado quanto ao PNAES, que
configura um programa de assistência estudantil em nível Federal. Este fato ocorre
devido a fragmentação na gestão das instâncias Estaduais de ensino superior público e,
consequentemente, nos repasses de financiamento das políticas de assistência
estudantil.Já na rede Federal de ensino,segundo o Tribunal de Contas da União (TCU)
“em 2013, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica contava, em todo
Brasil, com 320 psicólogos e 396 assistentes sociais”. (TCU, 2013, p. 18). Portanto, o
PNAES propiciou uma expansão da contratação de assistentes sociais e psicólogos nas
universidades públicas federais e institutos federais de educação tecnologia.Contudo, no
contexto vigente (2022), ainda não existe uma regulamentação legalque dispõe sobre a
obrigatoriedade da presença de psicólogos e assistentes sociais nas universidades
públicas brasileira, exigindo uma mobilização da comunidade educacional para incluir o
atendimento psicossocial nestas unidades de ensino e reiterar, constantemente,
arelevância deste atendimento para efetivação do direito à educação.
Devido aos limites deste artigo, não foi possível apresentar, todos os dados e
estatísticas referentes àevasão escolar no ensino superior público brasileiro que foram
identificados e tampouco, ampliar o debate sobre os aspectos biopsicossociais e,
especificamente as repercussões do adoecimento mental no processo de ensino-
aprendizagem. Contudo, o debate propiciou contribuir que a comunidade
educacionalreconheça a importância da atuação de psicólogos e assistentes sociais no
âmbito da educação pública superior.Apresença de Psicólogos e Assistentes Sociais
possibilita promover nas universidades a prevenção de situações de riscos e
vulnerabilidades e, bem como, a proteção social, a participação familiar e comunitária no
666
apoio ao processo de ensino-aprendizagem. Ademais, a intervençãonos cuidados
adicionais para a manutenção da saúde mental dos/as docentes, discentes e demais
profissionais no âmbito escolar e/ou a articulação com a rede de proteçãosocialexistente
em um determinado território, são atribuições e competênciasprevistas na formação da
Psicologia e Serviço Social.Referindo especificamente das contribuições do Serviço
Social na Educação, de acordo com o documento: “Subsídios para a atuação de
assistentes sociais na política de educação”(CFESS, 2013), o assistente social é o
profissional mediador das contradições pertinentes as expressões da questão social, e
auxilia na construção de acesso aos direitos sociais a partir de suas competências e
atribuições buscando viabilizar o acesso, a permanência e a conclusão da trajetória
acadêmica.Ademais, no ambiente escolar é manifestado diversas expressões da questão
social que exige dos/as assistentes sociais, o arcabouço teórico-metodológico, o
posicionamento ético-político e qualificação técnico-operativo para a efetivar a
intervenção e democratização do direito à educação. Coerente com o projeto ético-
político profissional, o/a assistente social deve exercer a dimensão socioeducativo e de
caráter transformador para avançar em ações interdisciplinares e fortalecimento das
organizações, movimentos coletivos e demais sujeitos nos espaços educacionais.
O desafio de construir uma política educacional orientada na perspectiva de
universalidade, qualidade, e pleno atendimento das demandas estudantis, é um
enfrentamento permanente na história da educação brasileira, e que na conjuntura atual,
após pandemia, a luta coletivae o tensionamento da classe trabalhadora pela efetivação
do direito à educação é impreterível.
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FAKE NEWS. Tradução: AURÉLIO (Brasil). [S. l.], 15 jun. 2022. Disponível em:
https://www.dicio.com.br/fake-news/. Acesso em: 15 jun. 2022.
667
FGV EESP (Brasil). Impactos da pandemia na saúde mental dos alunos e dos
professores. [S. l.], 6 jun. 2022. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Rma46Q5ja2Y&ab_channel=FGV. Acesso em: 9 jun.
2022.
FUNDO BRASIL. Significado da sigla LGBTQIA+. [S. l.], 22 jun. 2022. Disponível em:
https://www.fundobrasil.org.br. Acesso em: 22 jun. 2022.
IMPERATORI, Thaís Kristosch. Serviço Social e Sociedade. A Trajetória da Assistência
Estudantil na Educação Superior Brasileira, São Paulo, v. 1, n. 129, p. 1-19, maio 2017.
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n129/0101-6628-sssoc-129-0285.pdf. Acesso
em: 13 jun. 2020.
MARX, Karl. O CAPITAL. 2. ed. [S. l.]: Boitempo, 2014. 894 p. ISBN 9788575595480.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. LEI Nº 343, de 17 de março de 2020. [S. l.], 17 mar. 2020.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/PRT/Portaria%20n%C2%BA%20343-20-
mec.htm. Acesso em: 7 jan. 2022.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Folha informativa sobre COVID-19, [s. l.], 29 fev.
2020. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19. Acesso em: 7 jan. 2022.
SEMESP (Brasil). Educação superior e saúde mental. [S. l.], 21 maio 2021. Disponível em:
https://www.semesp.org.br/. Acesso em: 7 jun. 2022.
668
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: estratégias profissionais em tempo de
opressão de classes no contexto da ofensiva ultraneoliberal do capital
270 Assistente social, mestre em gestão social, educação e desenvolvimento local, doutorando em Serviço
Social (PPGSS/UNESP Franca), trabalhador no SUS-BH, professor no IEC/PUC Minas.
271 Médica, mestre em Infectologia e Medicina Tropical, trabalhadora no SUS-BH, professora na Faculdade
Gestão de Políticas Públicas com ênfase em Gênero e relações Étnico-Raciais pela UFOP, Trabalhadora no
SUS-BH.
273 Assistente social, Referência Técnica na Gerência de Atenção Primária à Saúde – GEAPS/SMSA.
669
1- INTRODUÇÃO
670
Convivência, Unidades de Acolhimento, que funcionam de porta aberta e podem acolher
diretamente os usuários ou por encaminhamentos diversos, seja das equipes de
Consultório na Rua (CnaR), das equipes de estratégia de saúde da família (Esf), das
UPAS, SAMU, CRAS, CREAS, abrigos, albergues, etc.
2- DESENVOLVIMENTO
274 Gonçalves (2001), afirma que o conceito de intrassetorialidade surge de forma consistente com a
promulgação da Política Nacional de Participação Social (PNPS), como resultado de um processo de revisão,
ocorrido de forma ampla, democrática e participativa, que possibilitou o surgimento de sua nova versão, que
aponta para a necessidade de articulação intrassetorial e intersetorial com outras políticas públicas, e
participação social, devido à impossibilidade do setor saúde responder sozinho ao enfrentamento dos
determinantes e condicionantes da saúde (p.34). Dessa forma, concepções e práticas tem sido defendido no
âmbito da gestão pública por sujeitos vinculados ao campo democrático e participativo.
671
18 mil pessoas em situação de rua, sendo que mais de 9 mil delas, ou seja, mais de 50%,
estão na capital mineira (DIAS, 2021).
672
articulação intra e intersetorial seja muito fomentada e tida como estratégia de
intervenção, na prática existem muitos desafios.
Como importante dimensão inerente aos serviços de saúde, a acolhida deve ser
observada pelos profissionais sob duas perspectivas: a acolhida inicial dos usuários no
serviço e a postura receptiva e acolhedora necessária durante todo o desenvolvimento do
trabalho.Considerando-se a primeira perspectiva, deve-se dar especial atenção ao
momento da acolhida inicial, pautada em postura acolhedora, ética e de respeito à
diversidade e dignidade das pessoas em situação de rua atendidas, bem como na não
discriminação de qualquer natureza.
673
enfermeiro, médico, dentista, assistente social, psicólogo, etc e dos profissionais de nível
médio como recepção, segurança, técnico de enfermagem, etc.O momento inicial de
contato com o Serviço deve também propiciar aos usuários o conhecimento dos
profissionais que compõem a equipe, das características e objetivos do serviço,
atividades realizadas e regras de convívio naquele espaço.
275O PTS incorpora a noção interdisciplinar que recolhe a contribuição de várias especialidades e de distintas
profissões. Assim, depois de uma avaliação compartilhada sobre as condições do usuário, são acordados
procedimentos a cargo de diversos membros da equipe multiprofissional, denominada equipe de referência.
Assim, as equipes de referência empreendem a construção de responsabilidade singular e de vínculo estável
entre equipe de saúde e usuário/família. Cada profissional de referência terá o encargo de acompanhar as
pessoas ao longo de todo o tratamento naquela organização, providenciando a intervenção de outros
profissionais ou serviços de apoio consoante necessário e, finalmente, assegurando a alta e continuidade de
acompanhamento em outra instância do sistema (PINTO et al., 2011).
674
É importante considerar que o atendimento coletivo também apresenta a
dimensão educativa no âmbito socioassistencial e também na saúde, no sentido de
contribuir para a educação política do usuário, fomentando a participação social, a
compreensão do contexto social em que vivem e o exercício da cidadania.
675
O levantamento de todas as informações possíveis deve considerar a história de
vida, as referências sociais e familiares, as necessidades, os valores, os desejos e
sonhos, o potencial, aptidões e suas mudanças. O PTS propõe um conjunto de ações
que serão desenvolvidas durante a rotina coletiva e as abordagens individuais, visando
atender aos objetivos específicos, segundo a demanda de cada um, para superar a
vulnerabilidade e risco.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
676
deeducação, à inexistência da moradia e/ou inserção ao mercado de trabalho. Além
disso, essaspessoas se deparam com o medo, o estereótipo, preconceito, processos de
adoecimento e as múltiplas formas de violência por estarem nas ruas.A experiência do
GT POP RUA promovido e organizado pelo Núcleo de Atenção Psicossocial, Promoção,
Prevenção e Intersetorialidade da Gerência de Assistência, Epidemiologia e Regulação
Centro-Sul (GAERE) tem se consolidado como um espaço de construção de ações e
ofertas intersetorialidade, mas também intrassetorial, o que tem proporcionado novas
práticas e cuidados em torno da saúde e cidadania da população em situação de rua,
assim, extrapolando o modelo biomédico, mas de gestão integral do cuidado e de
educação em saúde pautado nos Direitos Humanos.
Desse modo, GT POP RUA tem sido fundamental para que todos agentes
públicos sejam capazes de lidar com a realidade das pessoas em situação de rua de
forma humanizada e que sua atuação seja baseada na defesa e promoção dos direitos
humanos e na equidade.
4- REFERÊNCIAS
677
DIAS, André Luiz Freitas[et al.].População em Situação de Rua: Violações de Direitos e
(de)Dados Relacionados à Aplicação do CadÚnico em Belo Horizonte,Minas Gerais,
Programa Polos de Cidadania, Faculdade de Direitoda Universidade Federal de Minas
Gerais, 2021.
678
SERVIÇO SOCIAL E O DEBATE DO ENVELHECIMENTO: relevância de uma
maturidade teórica acerca da temática
276
Ingridilaine Carreiro de Oliveira Azevedo.
277
Rita do Nascimento Silvestre Dantas .
RESUMO
ABSTRACT
The
purposeofthepresentworkistoreflectontherelevanceofthemate
rialityoftheoreticalproduction in thesearch for a
constructiononthethemeofaging in theperceptionofthe social
worker, in particular theprocessofagingoftheworkingclass,
since it
experiencesdailytherepercussionsandexacerbationoftheexpr
essionsofthe “social question” in anultra-neoliberalscenario,
as well as theformsof management of social
inequalitiesgeneratedbythecapitalistproductionandreproducti
on system, in thissense, it
soughttoencouragethequestioningandproductionofknowledge
276 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Estagiária do
NEPEESS- Núcleo de Pesquisa em Educação, Envelhecimento e Serviço Social (UFRRJ). E-mail:
ingridilaine@ufrrj.br.
679
of social workersabouttheagingprocesswhileworkingclass in
peripheralcapitalistsociety.
1- INTRODUÇÃO
278 Ler-se-á: Netto (2017) “Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64.”
680
uma inquirição, mas, o que se identificou foi a necessidade de dar mais visibilidade
mesmo que de forma mais tímida neste trabalho a ampliar este debate dentro e fora das
academias, pretendendo chegar aos profissionais assistentes sociais que atuam na ponta
em distintos espaços que recebem, orientam e acolhem mulheres e homens
envelhecidos(as), para que assim possam realizar o processo da práxis acerca da
temática envelhecer.
Nesse sentido, justificamos este trabalho pela importância em construir uma
maturidade teórica em relação ao fenômeno do envelhecimento da classe trabalhadora
dentro do Serviço Social e a importância dessas análises para a formação profissional.
2- DESENVOLVIMENTO
Melhor explanado por IAMAMOTO; CARVALHO. “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de
279
681
desenvolvimento do país, na modernização da profissão de um ponto de vista técnico e
racional e por fim, ao momento primordial de Intenção de Ruptura - que fomentou a
posteriori o III CBAS- nas décadas de 1970-80 como afirma Netto (2017). Período ímpar
que possibilitou a profissão uma autorreflexão crítica dos seus arcabouços e
posicionamentos, assim também como permitiu que as/os assistentes sociais
possuíssem contato com outras áreas e temáticas, podendo enfim se debruçar sobre
debates antes não estudados pelos/as profissionais.
Os anos de 1990, de acordo com Abramides (2019) e Iamamoto (2015) foi um
momento axial para consolidação e amadurecimento do pensamento crítico marxista no
Serviço Social, todavia, mesmo diante de conquistas e avanços profissional e societário
como a Constituição Federal de 1988; num cenário capitalista, as mazelas sociais que
são intrínsecas ao sistema possuem respostas ínfimas a necessidade real da população,
pois o atendimento da "questão social" destacado por Iamamoto e Carvalho (2014)
fornecidos a determinada parcela da população (especialmente ao proletariado), são
fornecidos, pois esta determinada classe necessita estar engajada no processo de
produção. O que se reproduz em toda vida do proletariado, não só pela reprodução
material, mas também a reprodução ideológica, para que o mesmo não se rebele.
No que se refere a construção de uma maturidade teórica e metodológica o
Serviço Social tem mostrado estas nas questões como trabalho; “questão social”;
Políticas Sociais, Formação Profissional, Direitos Humanos entre outras categorias
estudadas. Mas na categoria envelhecimento não há um avanço significativo como nos
estudos explicitados281.
Neste contexto é que refletimos sobre a delimitação de referenciais teóricos
dentro do Serviço Social e das Ciências Sociais acerca do processo do envelhecimento
dos trabalhadores(a) que abordem de forma crítica, histórica e heterogênea o envelhecer
na sociedade do capital, entendendo e explicitando o fenômeno natural na especificidade
de classe.
Dessa forma, os/as profissionais analisam os fenômenos que tem em sua
centralidade a "questão social”, é neste aspecto que ratificamos o pensamento de
Teixeira que compreende o envelhecimento da classe trabalhadora como uma
281 Apesar de estudos realizados pela UFJF (2020) apontarem que a população idosa só está crescendo “O
número de brasileiros idosos de 65 anos e mais era de somente 1,6 milhão em 1950, passou para 9,2
milhões em 2020 e deve alcançar 61,5 milhões em 2100. O crescimento absoluto está estimado em 38,3
vezes. Em termos relativos, a população idosa de 65 anos e mais representava 3% do total dehabitantes de
1950, passou para 9,6% em 2020 e deve atingir mais de umterço (34,6%) em2100 (um aumento de 11,5
vezes no percentual de 1950 para 2100).”. Disponível em:
https://www.ufjf.br/ladem/2020/06/21/envelhecimento-populacional-continua-e-nao-ha-perigo-de-um-
geronticidio-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves. Acesso em: 07.jul.2022.
682
problemática social “É a classe trabalhadora a protagonista da tragédia no
envelhecimento, considerando assim a impossibilidade de reprodução social e de vida, já
que na ordem do capital estes perdem o “valor de uso” (TEIXEIRA, p. 64, 2009.)
282Referente a superpopulação relativa latente que compõe o EIR: Essa fonte da superpopulação relativa flui,
portanto, continuamente, mas seu fluxo constante para as cidades pressupõe a existência, no próprio campo,
deuma contínua superpopulação latente, cujo volume só se torna visível a partir do momento em que os
canais de escoamento se abrem, excepcionalmente, em toda sua amplitude. O trabalhador rural é, por isso,
reduzido ao salário mínimo e está sempre com um pé no lodaçal do pauperismo. (MARX, p, 470, 1980).
683
Estado, que por sua vez repercute nas políticas públicas com suas diretrizes de
focalização, descentralização, desfinanciamento público e regredindo os direitos do
trabalhador assalariado, assim, por consequência além de perpetuar relações de
expropriação e pauperização dos operários, limitam a ação dos assistentes sociais.
Esta reorganização do capital advindos desde a reestruturação produtiva da
década de 1970 como forma de organizar e gerenciar melhor sua expansão tem afetado
de forma abissal os trabalhadores envelhecidos que sofrem com este modelo societário
de controle do trabalho social,dispensando o trabalho concebido como improdutivo nas
fábricas e intensificando e ampliando a forma de expropriaçãodo trabalho excedente,
desta forma como bem citado por Alves (2021), empurrando os trabalhadores para
margem da informalidade e sem proteção social ou trabalhista, tornando um capitalismo
predatório283 e deixando sequelas na natureza e na sociedade “fratura metabólica” com
um sistema desigual e sem direitos.
3- CONCLUSÃO
283Ou como bem explicitado por Virgínia Fontes (2010) o capitalismo puro e selvagem que se configura como
capital-imperialista.
684
Pensar na população trabalhadora envelhecida que vivência a brutalidade do
envelhecer na sociedade do capital que estão defronte da maior longevidade da história e
taxas que preveem o aumento ao longo dos próximos anos, se faz extremamente
pertinente para uma atuação profissional em consonância com o Código de Ética (1993)
e Projeto Ético-Político, pois este envelhecimento está embricado as distintas expressões
da “questão social” como habitação, saúde, segurança, lazer e educação, ou seja,
reiteramos que é necessário compreender as especificidades ao redor.
Portanto, enquanto sociedade e classe, é de suma relevância pensarmos
coletivamente acerca do envelhecimento da classe trabalhadora, visto que é um processo
natural da vida e atinge ao coletivo; como categoria profissional do Serviço Social, pois
temos como objeto de análise e intervenção as expressões da “questão social”
intrínsecas ao modo de vida dos trabalhadores no capitalismo e que vem sendo
exacerbadas pela ofensiva ultraneoliberal contemporânea de redução de Direitos e
individualização dos sujeitos.
4- REFERÊNCIA
IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social
no Brasil: arcabouço de uma interpretação histórico-metodológica. 19 ed. São Paulo:
Cortez, 2006.
685
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil
pós-64. Cortez Editora, 2017.
686
JUVENTUDES, TEMPO E QUESTÃO SOCIAL: transição para a vida adulta na
sociedade do capital
1- INTRODUÇÃO
Os estudos sobre juventudes contribuem para olhar para os(as) jovens como
sujeitos, bem como, problematizar os estereótipos que costumam ser associados a essa
fase da vida. Portanto, permitem compreender os diversos modos de ser jovem na
atualidade. A articulação desses estudos permite, também, analisar os modos desiguais
de viver a juventude, relacionados aos modos desiguais de viver experiências humanas,
que marcam a vida e a leitura de mundo de jovens da classe trabalhadora.
Parece haver certo consenso entre os pesquisadores, movimentos sociais,
governos e sociedade, que não podemos lançar um olhar sobre esse público
284 Assistente social, professor universitário, mestre em Gestão Social (Una), Educação e Desenvolvimento
Local, acadêmico do Curso de doutorado do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade
Estadual Paulista (UNESP) campus de Franca.
285Assistente social, professor universitário, mestre em Educação (UEMG), acadêmico do Curso de doutorado
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUCSP).
687
considerando-o como “homogêneo” (BADARÓ, 2013; CARRANO, 2013 CORROCHANO,
2008; ABRAMO, 1997, LEÃO, 2004,). Por isso, pesquisadores/as da área têm utilizado o
termo no plural - estudos sobre juventudes - para ressaltar a heterogeneidade dos modos
de viver esta fase da vida, as interpretações e estudos das mais variadas dimensões que
envolvem o tema, com destaque para os aspectos científicos, políticos, econômicos,
culturais, antropológicos, sociológicos, biológicos e, até mesmo, cronológicos. Dessa
maneira, devemos falar em juventudes.
O debate sobre os(as) jovens e as juventudes assumiu distintas configurações e
orientam diferentes noções. A definição de juventudes pelo corte de idade é uma maneira
de se definir o universo de sujeitos que habitariam o tempo da juventude. Desse modo,
enxergar os jovens, tão somente pela lente cronológica pode nos induzir a um processo
de simplificação e desconsiderar um conjunto de outros fatores que contribuem para
pensar as juventudes, sejam econômicos, culturais e sociais (CARRANO; 2009a, p.3).
A forma como concebemos as juventudes hoje, por ser uma “uma produção da
modernidade” (LEÃO; 2004, p.20), fruto das sociedades europeias dos séculos XVI e
XVII, nos ajuda a pensar sobre a separação das fases da vida por etapas “distintas –
infância, adolescência, idade adulta, velhice” (LEÃO; 2004, p.21), onde as exigências
colocadas para cada fase são reguladas pelos interesses econômicos e pelo estado. Os
tempos da vida passam, assim, a serem condicionados às alterações operadas pelas
mudanças nas estruturas e conjunturas específicas do modo de produção e socialização
dos bens socialmente produzidos pelas sociedades, possibilitando diferentes acessos ao
longo das etapas de suas vidas.
O debate sobre a dimensão cultural juvenil apresenta uma abordagem
destacando-a como “relativamente autônoma, vista positivamente como símbolo de
mudança social e progresso e, ao mesmo tempo, como fonte de patologias e conflitos
sociais” (LEÃO; 2004, p.17). Desse modo, concordamos que “essas elaborações
(culturais) assim como as formas de expressá-las (numa linguagem), são sempre
híbridas, sincréticas, de fronteira” (CARRANO apud PEREGRINO; 2003; p.193).
As identidades juvenis também são temas que são pensados em diferentes
perspectivas, seja “na possibilidade de construção de identidades grupais e individuais”
(CARRANO apud PEREGRINO; 2003; p.193), em uma perspectiva de “que os jovens
possam realizar escolhas conscientes sobre suas experiências pessoais e constituir os
seus próprios acervos de valores e conhecimentos que já não mais são impostos como
heranças familiares ou institucionais” (CARRANO; 2012, p. 85), seja como um conceito
de identidade que não supõe, de forma alguma, qualquer conotação de homogeneidade;
688
pelo contrário, reforça a heterogeneidade, a diversidade cultural e a existência de
múltiplas juventudes particulares.
Não nos resta dúvidas das múltiplas expressões da condição juvenil e de
concebermos as juventudes, seja de modo singular, particular, universal e de forma
coletiva, considerando que os jovens de hoje vivem imersos em condições estimulantes e
positivas, mas, também, negativas.
Contudo, outras características podem ser encontradas entre as juventudes, de
modo que no seu cotidiano, socializam e articulam-se coletivamente, questionando as
relações sociais institucionalmente constituídas, buscando imprimir uma marca de
independência em relação às organizações formais da sociedade.
2- DESENVOLVIMENTO
689
pela ideia de indeterminação, um momento transitório e passageiro, geralmente marcado
por uma crise de identidade e de valores. (LEÃO; 2004, p.18), pela ideia das etapas de
“partida da família de origem, entrada na vida profissional e formação de um casal”
(LEÃO; 2004, p.19), pelo prolongamento do tempo de solteiros vivendo sós ou com
amigos. (LEÃO; 2004, p.18-19); “terminar os estudos, conseguir trabalho, sair da casa
dos pais, constituir moradia e família, casar e ter filhos” (CARRANO; 2009, p.170-171).
Embora o desenvolvimento dessas noções sejam importantes para se pensar o
processo sócio histórico, cultural e o conjunto de valores que envolvem a concepção de
transição para a vida adulta, Carrano (2008) argumenta que sobre uma certa
descronologização, onde “as etapas da vida obedecem cada vez menos às
normatizações e às regulações das instituições tradicionais como a família, a escola e o
trabalho sem constituírem fases muito bem definidas” (p.67) e colabora com o
entendimento de que nem todos os(as) jovens vivem a sua juventude como uma situação
de trânsito e preparação para as responsabilidades da vida adulta, de modo que
os jovens fazem seus trânsitos para a vida adulta no contexto de sociedades
produtoras de riscos – muitos deles experimentados de forma inédita, tal como o
da ameaça ambiental e do tráfico de drogas, mas também experimentam
processos societários com maiores campos de possibilidades para a realização
de apostas frente ao futuro (CARRANO; 2009a, p.2).
Contudo, consideramos que, embora a relação dos jovens com essas instituições
tenha mudado se comparada com gerações anteriores, o trabalho e a escola
permanecem como centrais nos modos de organizar a vida em sociedade e a
sobrevivência das classes populares. O conjunto das necessidades humanas, colocam
um conjunto de desafios e tarefas na busca por sobrevivência dos filhos da classe
trabalhadora, desse modo o conjunto das desigualdades produzidas pelas condições
objetivas de vida refletem imediatamente na forma como jovens se relacionam com o
trabalho e com a escola.
Para Carrano (2009a), isso quer dizer, que para jovens filhos/as da classe
trabalhadora as exigências da “vida adulta”, chegam enquanto estes estão
experimentando o seu período juvenil, sendo assim, sua defesa de que “a combinação de
distintas maneiras de enxergar a questão juvenil colabora para se tentar responder à
pergunta sobre quando alguém deixa de ser jovem e atinge a vida adulta (CARRANO;
2009a, p.3), corrobora com a visão de Leão (2004) que
essas questões impõem a necessidade do aprofundamento em pesquisas que
investiguem os diferentes modos de transição para a vida adulta vividos pelos
jovens brasileiros, atentando para a sua complexidade face à diversidade de
situações (LEÃO; 2004, p.28).
690
Percorrer as noções sobre a perspectiva de transição para a vida adulta
apresentada pelos pesquisadores nos parece um exercício importante para pensar a
complexidade da temática, no entanto, nas palavras de Corrochano (2008), percebemos
que mesmo diante de diferentes noções, existem alguns consensos, e o principal é que
“as diferentes abordagens teóricas e metodológicas é de que as transições juvenis
tornaram-se mais complexas’’ (CORROCHANO, 2008, p.19) e Leão (2004), também
entende ‘’que as etapas da vida têm sofrido um processo de reconfiguração em função
de um conjunto de mudanças sociais, econômicas e culturais no mundo
contemporâneo’’(p.27), logo, podemos avançar um pouco mais no debate.
691
(CARRANO; 2009, p.176). As experiências juvenis e percursos de jovens pobres286 nos
permite perceber os contornos do acesso e da ausência de condições objetivas para se
viver a condição juvenil de forma digna diante das “inseguranças no presente e
incertezas frente ao futuro” (CARRANO; 2009, p.176).
Pesquisadores da Fundação João Pinheiro (FJP) atem se dedicado em analisar a
trajetória dos jovens no mercado de trabalho mineiro com foco na precarização tem
destacado as diferenças da probabilidade dos jovens (homens e mulheres) terem um
trabalho precário ao longo dos últimos 30 anos.
A referida pesquisa conduzida por Souza, Marques e Campos (2021) com base
no PNADs e da PNAD contínua do IBGE dos anos de 1990, 1999, 2009 e 2019 com foco
e recorte nos jovens de faixa etária entre 17-24 e 25-29 anos tem buscado compreender
como que em cada um desses períodos afeta a probabilidade de ter um trabalho precário
e como o trabalho precário na juventude impacta a vida profissional futura.
A hipótese dos pesquisadores da FJP é que, “desempenhar uma atividade laboral
precária na juventude tenha efeitos prejudiciais no futuro, ou seja, menor rendimento,
maior desemprego ou trabalho informal” (SOUZA, et all, 2001).
Seguindo os esforços em compreender as dinâmicas das juventudes, Baptista
(2008) ao analisar a complexa relação entre família, juventude no contexto e avanço do
neoliberalismo identifica o crescimento compulsório do trabalho informal, em função do
desemprego, do trabalho desqualificado e mal remunerado.
Essas condições segundo a pesquisadora têm gerado o crescimento do
adoecimento dos jovens junto a o uso de substâncias psicoativas e os seus agravos, o
aumento da violência de gênero e até mesmo a entrada de jovens no tráfico de drogas e
de armas, continua a pesquisadora em afirmar “a contrapartida do Estado, no entanto
não acompanha a gravidade destas determinações, recaindo sobre a lógica da
286A utilização do termo “jovens pobres” está presente nos estudos sobre juventudes de CARRANO (2007,
2008, 2009a), CORROCHANO (2004), LEÃO (2004). As reflexões se aproximam considerando esses sujeitos
como segmentos excluídos ou em condição de exclusão, filhos de trabalhadores, sejam urbanos ou rurais,
que vivenciam situações precárias e desprotegidas. Estes autores refletem sobre a situação que vivenciam
de fragilidade de acesso às condições mínimas de cidadania. São Jovens oriundos de setores populares que,
por vezes, na sociedade capitalista, não são tratados como sujeitos de direitos. Sendo assim, considerando
que existem diferentes concepções e interpretações sobre juventudes, utilizaremos a mesma terminologia
caminhando na direção de pensar as juventudes, orientados pela noção de que são filhos da classe
trabalhadora e que estão cotidianamente sujeitos a diversas manifestações da questão social, evidenciadas
pela tensão entre o capital e o trabalho. São jovens que vivem, na maior parte das vezes, em condições
objetivas marcadas por desigualdades sociais e econômicas e, por consequência mais distante de acesso a
direitos sociais, riquezas e bens socialmente produzidos pela sociedade.
692
privatização e da responsabilização dos sujeitos pelos problemas sociais” (BAPTISTA,
2008, p. 103).
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
693
4- REFERÊNCIAS
BEHRING, Elaine Rossetti. SANTOS, Silvana Mara Morais dos. Questão social e direitos.
Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais: p. 267-283; v1.
Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.
694
FRIGOTTO, Gaudêncio. (Org.). Educação e crise do trabalho: perspectivas de final
de século. Petrópolis: Vozes, 1998.
SOUZA, Nicia Raies Moreira de; MARQUES, Denise Helena França; CAMPOS, Plínio de
Souza. A precarização do trabalho dos jovens em Minas Gerais: uma análise comparativa
sob a perspectiva de coortes e de gênero nos últimos 30 anos. In. 45º Encontro Nacional
da ANPOCS, 2021, online. Anais do 45º Encontro Nacional da ANPOCS, 2021.
SOUZA, Nicia Raies Moreira de; RIANI, Juliana de Lucena Ruas. Vulnerabilidade de
inserção no mercado de trabalho dos jovens moradores de favelas de Belo Horizonte.
Revista Ciências Sociais Unisinos, v. 55, p. 111, 2019. DOI:
https://doi.org/10.4013/csu.2019.55.1.11
695
RACISMO E SOFRIMENTO MENTAL: o olhar do Serviço Social a partir de uma
revisão integrativa
1- INTRODUÇÃO
696
foram utilizados os seguintes descritores: “racismo” e “adoecimento mental”; “racismo” e
“sofrimento mental”; “raça” e “sofrimento mental”; “raça” e “adoecimento mental”; “raça” e
“saúde mental”.
697
pensarmos no adoecimento da população negra atualmente. Os autores apontam ainda
que a moderna divisão territorial entre “centro e periferia”, especificamente, entre os
séculos XVII e XVIII - o Brasil, obviamente localizado na zona periférica - ocasionada no
momento em que o capitalismo se consolidava, provocou, não por acaso, processos de
enlouquecimento massivo, analisados por Foucault (1978). A constituição forçada dos
grandes centros urbanos capitalistas, fez com que as massas fossem separadas dos
meios de subsistência, tornando-se trabalhadores “livres”, possuindo apenas a sua força
de trabalho a ser vendida para o capital. No entanto, o capital não deu e não dá conta de
garantir o acesso a todas e todos no mercado de trabalho, o que vemos no alto índice de
desemprego -o desemprego estrutural, transformando os sujeitos e os grupos “em hordas
de miseráveis e loucos” (MENEGAT, DUARTE e FERREIRA, 2020, p. 103).
Baseando-se em Foucault (1978), Menegat, Duarte e Ferreira (2020) apontam
que a loucura é construída socialmente, ou seja, não pode ser encontrada num estado
selvagem. Por mais que se tenham relatos de distúrbios mentais na antiguidade, a forma
como os sofrimentos se apresentou e se apresenta na sociedade de classes é particular,
“se estrutura como epidemia entre as massas empobrecidas” (MENEGAT, DUARTE e
FERREIRA, 2020, p. 103). Desta maneira, compreender as formas de confinamento dos
adoecidos mentalmente e as formas de eliminação desses indivíduos, como, por
exemplo, o genocídio da população negra, são apresentadas pelos autores como linha de
análise para identificar os processos atuais. Nesta direção, miséria e loucura são
processos indissociáveis na conjuntura do capitalismo.
Mendes e Werlang (2013), artigo “16”, contribuem com a análise de Menegat,
Duarte e Ferreira (2020), afirmam que o sofrimento mental também está ligado a estados
de privação material como o não acesso à educação, a saúde, a moradia, a alimentação
e etc, assim, o sofrimento é uma resposta psicológica diante da dor, e “não teria um local
específico de manifestação no corpo, [...] mas se estenderia a todo ser” (MENDES e
WERLANG, 2013, p. 132). Nesta direção, pensar que sofrimento mental tem estreita
relação com a pobreza e, boa parte dos (as) pobres no Brasil compõe a população negra,
o campo de estudo da Saúde Mental não pode se eximir de fazer essa relação. Passos e
Moreira (2018), artigo “11”, apontam que há uma enorme escassez no campo da saúde
mental e da atenção psicossocial no que se refere à interlocução com a questão racial.
Assim, existe uma necessidade imediata do campo em tratar das novas expressões dos
manicômios na atualidade por esse viés, na medida em que tal lacuna pode contribuir
para os retrocessos vivenciados na atualidade.
698
O material de Passos e Moreira (2017), artigo “9”, também faz uma análise
macrossocial do processo de sofrimento mental, abordam acerca da conjuntura atual
internacional, com clara onda conservadora observada em vários países. Entre eles,
demonstram a realidade dos EUA, especialmente, a partir de uma marcha com caráter
fascista que ocorreu em agosto de 2017. Alguns grupos nacionalistas brancos se
reuniram com a intenção de protestar contra a retirada de uma estátua do general Robert
E. Lee, um dos sujeitos que lutou contra a abolição na escravatura no país. O grupo
conhecido como Ku Klux Klan, responsável pela marcha, demonstra como tem avançado
o ataque da extrema direita nos EUA. Quando trazemos essa realidade para o contexto
brasileiro, também presenciamos o avanço da onda conservadora, liderada por grupos de
extrema direita, o que acarreta a apologia à violência e opressões dos grupos mais
vulnerabilizados, como, por exemplo, a população LGBTQIA+, a população negra e as
mulheres, através dos números significativos de mortes desses segmentos.
A partir dessas leituras macrossocietárias acerca dos sofrimentos mentais,
apresentam-se análises mais afuniladas do que vem sendo discutido no campo da saúde
mental. Nesse sentido, Rosa e Guimarães (2020), artigo “13”, tratam sobre o tema das
drogas. Estes defendem que o uso das Substâncias Psicoativas (SPA) sempre esteve
presentes nas sociedades, seja para uso medicinal, recreativo ou mesmo nos rituais
religiosos. Com a intensificação da industrialização, do avanço do Estado por meio
jurídico e policial, vimos uma constituição de controle da produção, comercialização e
consumo dessas substâncias. Os autores afirmam que, no Brasil, as primeiras políticas
do Estado -em 1920- contra o uso de drogas estiveram diretamente entrelaçadas às
ações higienistas, eugenistas e racistas, uma vez que era um meio de encarcerar e
excluir a população negra. Na mesma linha de abordagem, Ferrugem (2020), artigo “14”,
aponta que a chamada “guerra as drogas” na atualidade se materializa com o genocídio
da população negra, pautado pelo racismo institucional contra esse segmento
populacional, uma vez que a guerra não é contra as drogas, mas sim contra pessoas e
corpos negros. Fundamentando-se no conceito de racismo estrutural, a autora coloca que
o racismo não é abstrato, ele sustenta e estrutura a organização social, econômica e
política da sociedade e, com a guerra às drogas não é diferente, esta tem uma
funcionalidade e uma finalidade para o benefício do grande capital.
Outro tema identificado na revisão integrativa é em relação às mulheres negras,
percebemos que esse grupo populacional aparece em muitos materiais encontrados
como vítimas de uma constante violência. Passos (2017), artigo “10”, faz uma abordagem
essencial acerca do trabalho das cuidadoras em saúde mental, especialmente dentro das
699
Residências Terapêuticas (RT), casas localizadas nas comunidades destinadas a acolher
usuários e usuárias em sofrimento mental que estiveram internados por longos períodos
nos hospícios e perderam o contato com suas famílias ou estas não apresentavam
condições para manter o cuidado desses sujeitos. Essas trabalhadoras, segundo a
autora, são na sua esmagadora maioria, mulheres negras, sem formação e pobres, ou
seja, os trabalhos mais precarizados ainda são destinados à população negra.
Outra análise riquíssima identificada na revisão, diz respeito à violência
institucional do Estado relacionada aos sofrimentos mentais da população negra.
Menegat, Duarte e Ferreira (2020) apontam o racismo como um determinante social do
processo saúde/doença, mais precisamente, do sofrimento mental. Utilizando-se de um
caso para materializar a linha de análise trabalhada, os autores esboçam o relato da
morte de Joselita Souza, decorrente de uma depressão desenvolvida após perder seu
filho assassinado na cidade do Rio de Janeiro. “Eles estavam dentro do carro, um Palio
branco, que foi metralhado com 111 tiros disparados por quatro policiais do 41º Batalhão
da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro (PMERJ), de Irajá” (MENEGAT, DUARTE e
FERREIRA, 2020, p. 105). Os autores apontam que a depressão quando envolta em
situações de violência, como um fator de estresse expressivo e com as marcas sociais, o
quadro é ainda mais grave, “o que em muito determina socialmente os transtornos
mentais causados, indelevelmente, pelo sofrimento social” (Idem, ibidem). Compreender
a relação entre racismo e os sofrimentos mentais, segundo os autores, trata-se de
abarcar o papel do Estado, de sua desresponsabilização no que se refere à efetivação da
cidadania e dos direitos humanos fundamentais da população negra.
Na mesma direção de análise, Jesus e Costa (2017), artigo “15”, apontam que o
racismo além de produzir condições desiguais objetivas para a população negra, também
produz especificidades na constituição subjetiva desses sujeitos. A subjetividade é
apresentada como uma “singularidade humana (...) que possibilita aos indivíduos
tornarem-se humanos, se expressarem e se relacionarem com o mundo interno e
externo, por meio de sentimento, raciocínio, saberes, afetos e consciência (JESUS;
COSTA, 2017, p. 322). A subjetividade é possibilitada a partir da mediação com o
trabalho, meio transformador da natureza a fim de responder às necessidades humanas
vitais. Este exerce um papel de transformação da natureza, mas também uma
transformação subjetiva dos sujeitos sociais. Apesar dos sujeitos vivenciarem as mesmas
formas históricas, social e cultural semelhantes, a subjetividade se difere e se distingue
de sujeito para sujeito. Utilizando-se de Sève, as autoras colocam que pensar a
personalidade é partir das suas relações sociais e dos limites e possibilidades
700
apresentados ao seu desenvolvimento, sendo uma das suas principais funções o
desenvolvimento das capacidades, “que retrata como o desenvolvimento e o progresso
psicológico estão relacionados a uma dinâmica externa ao indivíduo em si (...) ou seja, às
relações sociais e suas contradições” (JESUS; COSTA, 2017, p. 324). Nesta lógica,
segundo as autoras, pode-se pensar no racismo, pois as contradições sociais podem
rebater no desenvolvimento da personalidade e podem produzir uma tendência à
estagnação da personalidade ao longo do tempo. As autoras fazem a defesa de que a
análise desses processos subjetivos deve ser feita a partir do entendimento da
exploração do capital que aliena os sujeitos e transforma as relações de trabalho em dor
e sofrimento, tanto físico quanto psíquico.
Jesus e Costa (2017) realizaram ainda um estudo em uma comunidade virtual da
plataforma Facebook, -“Senti na Pele”- e identificaram que o racismo provoca dor,
sofrimento e, ao mesmo tempo, instiga a resistência desses grupo populacional. A partir
dos 22 relatos analisados, entre as formas de resistência,as autoras destacam que
identificaram 3, sendo elas: silenciar o sofrimento; negar o corpo e sua descendência
africana e negra e desejar embranquecer-se e, por fim, a resistência também, através da
militância em movimentos sociais, movimentos virtuais, como no caso da comunidade
“senti na pele”. No que tange à primeira categorização “silenciar o sofrimento”, as autoras
colocam que o silenciamento dos sujeitos diante de violências racistas muitas vezes é
entendido como uma forma passiva ou incontestável da população negra. No entanto,
fazem a defesa de que o silencio também expressa uma forma de resistência mais
ampla, pois o próprio ato de resistir com os corpos presentes nos espaços que, muitas
vezes foram negados à esta população, é também uma forma de luta diante do racismo.
A segunda caracterização referente à negação do corpo e o desejo de
embranquecimento, considerados um dos impactos mais profundos que o racismo
ocasiona na subjetividade de negros e negras, expressos em um processo de
internalização de valores e ideologias dominantes, fazem com que o próprio negro se
inferiorize e tente afastar de si “tudo aquilo que remete ao negro” (JESUS; COSTA, 2017,
p. 330), como, por exemplo, alisar os cabelos, se envergonhar da cultura africana, entre
outros. Observa-se que tais comportamentos individuais não são atos isolados, mas
expressam uma sociedade racista que produz personalidade e subjetividades permeadas
pela violência imposta do racismo. Assim, segundo Jesus e Costa (2017), é um duplo
processo na medida em que ao mesmo tempo em que respondem atos violentos diante
do racismo, são resultados também deste, o relato, a seguir, exemplifica isso.
701
Eu me odiava, eu odiava meu cabelo e minha pele, pois achava que eu tinha
algo errado, nunca ninguém tinha me dito que era uma pele bonita, ou que eu
deveria me orgulhar sendo eu mesmo. Minha irmã tem a pele clara, mas nossa
mãe é negra. Uma das vezes em que as chacotas e zoações eram frequentes eu
disse pra minha mãe: Eu queria ser branco igual a minha irmã, os garotos me
odeiam (...). Eu tinha delírios em querer ser branco, mas tudo isso era para
escapar disso, escapar da exclusão racial (RELATO 5 – H) (JESUS; COSTA,
2017, p. 330).
3- CONCLUSÃO
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
702
MENEGAT, M. E.; DUARTE, M. J. O.; FERREIRA, V. F. Os novos manicômios a céu
aberto: cidade, racismo e loucura. Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea,
Rio de Janeiro, v. 18, n. 45, p. 100-115, 1º semestre, 2020.
5- ANEXOS
TABELA 1- Artigos utilizados
703
Políticas do cuidado e Sistema Prisional: Relatos de uma experiência junto a
dissidentes sexuais e de gênero em Minas Gerais
289
Analista Executivo de Defesa Social - Psicóloga, na Secretaria de Justiça e Segurança Pública de
Minas Gerais. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Juiz
de Fora - UFJF. e-mail: sidnelly.almeida@estudante.ufjf.br
290
Analista Executivo de Defesa Social - Assistente Social, na Secretaria de Justiça e Segurança Pública
de Minas Gerais. Pós-graduada em Cidadania e Direitos Humanos no contexto das Políticas Públicas pela
Pontifícia Universidade Católica - PUC/MG. e-mail: marciaas168@gmail.com
704
to Women and Specific Groups - NuGE+, in the Penitentiary
Department of Minas Gerais, in the year 2021, the action proposal
is based on care policies (SPADE, 2022) and in the perspectives
of resistance to a model of penal biopower established in Brazilian
prison institutions, where life and democratic values are relegated
through the increasing policing of public policies.
1- INTRODUÇÃO
Em sua análise sobre a política penal norte americana, Davis (2020) nos trás
uma importante reflexão para pensarmos a realidade brasileira, o racismo estrutura a
formação cultural e as instituições no ocidente capitalista, de forma que, as instituições
705
penais se tornaram extensão e continuidade da política escravista estabelecida nas
américas. Os debates sobre interseccionalidade (AKOTIRENE, 2019) nos conduzem a
pensar a combinação de fatores sociais que corroboram para ampliar a exclusão social,
tornando assim, alguns grupos e indivíduos, vítimas de um processo de marginalização
intenso.
706
Os limites das instituições penais brasileiras e ausência de garantia dos
mínimos necessários à dignidade humana, colocam a família como um pilar no custeio
de questões essenciais, tais como, higiene pessoal e medicamentos. Dentro deste
contexto, a ausência de vínculos familiar e social impacta a saúde mental das pessoas
privadas de liberdade e também, suas condições de subsistência dentro das instituições
prisionais. Partindo da experiência junto ao projeto na PIEP, iniciaram-se articulações
para implementação do mesmo projeto nas dependências da Penitenciária São
Joaquim de Bicas I, popularmente conhecida como Professor Jason Soares Albergaria
e que a partir de junho de 2021 passa a ser unidade exclusivamente destinada a
custódia de pessoas LGBTQIA+ no Estado de Minas Gerais.
2- DESENVOLVIMENTO
Dentro deste contexto, o presente projeto nasceu das demandas básicas das
pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade. A pandemia inviabilizou os cuidados
presenciais, dificultou os afetos e os contatos com o mundo exterior por parte das
pessoas privadas de liberdade. Tal fato, impactou de forma mais intensa e significativa,
mulheres e pessoas LGBTQIA+. Outra forma significativa para manutenção das
necessidades básicas no contexto prisional, vem das instituições religiosas, que
frequentemente assumem o papel de garantir formas de subsistência aos
encarcerados. É nessa intersecção que verificamos a fragilidade ainda maior que incide
sobre pessoas LGBTQIA+, que recorrentemente sofrem o abandono familiar e os
julgamentos religiosos (FERREIRA, 2019).
707
aumento significativo dos casos de automutilação e nas práticas de autoextermínio,
fatos que tornaram o Estado de Minas Gerais, alvo de uma Ação Civil Pública (Autos nº
5001703-76.2021.8.13.0301), pois segundo a Defensoria Pública de Minas Gerais, de
janeiro a setembro de 2021, somaram-se seis suicídios e vinte e uma tentativas.
Outra frente de atuação engloba o Projeto Tio Flávio Cultural, onde diversos
parceiros realizam atividades culturais, de formação profissional e atenção psicossocial,
voltados ao fortalecimento das habilidades dos sujeitos e buscando alcançar todos os
indivíduos LGBTQIA+ privados de liberdade. Neste contexto, foram promovidos dia do
orgulho LGBTQIA+, saraus, atividades artísticas, palestras e atividades de convivência.
Um passo significativo é alcançar a participação popular, através da presença da
sociedade civil nas instituições prisionais, na busca por romper com o totalitarismo
dominante nestas modalidades de instituição (GOFFMAN, 2010).
708
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atuar junto aos seres humanos é também lidar com nossas fragilidades,
sensibilidades e necessidades. Implementar o projeto de Apadrinhamento e Participação
Social, torna-se uma estratégia potente a fim de ampliar a rede sócio-afetiva de pessoas
em privação de liberdade, como também, o fortalecimento de movimentos sociais que
possam romper com a lógica objetificante consumista instaurada pelo capital. O vínculo
afetivo e as possibilidades construtivas que perpassam pelo apadrinhamento e pelo
projeto tio Flávio cultural trazem a ideia de que as pessoas em cumprimento de pena
possam ser vistas, amparadas e afetadas por relações sinceras de troca afetiva, de modo
mais aclarado consigam evidenciar outras potencialidades e possibilidades sobre si e
sua própria reconstrução de vida e emancipação autônoma.
societário. Neste contexto Wood (1999) nos provoca para atentar a essencialidade do
à dignidade humana.
709
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Revan, 2009.
710
Dissidências sexuais e de gênero: implicações para o exercício profissional de
assistentes sociais
Guilherme Moraes da Costa291
RESUMO:
Esta reflexão teórica busca debater a interface entre o trabalho
profissional de assistentes sociais frente aos desafios trazidos pela
população LGBTI+. Por meio de uma abordagem qualitativa, no bojo
deste debate serão elaboradas algumas considerações sobre as
demandas requisitadas pelo segmento LGBTI+ aos/as assistentes
socais. A partir dessas considerações, nos propomos a realizar uma
análise acerca dos limites e das potencialidades do exercício
profissional de assistentes sociais frente a grupos minoritários e como –
e se – o compromisso ético-político destes profissionais tem se refletido
como uma prática socialmente referenciada no acesso e garantia a
direitos deste segmento. Como estratégia metodológica, será utilizada a
pesquisa bibliográfica para atingir os objetivos propostos.
ABSTRACT
This theoretical reflection seeks to discuss the interface between the
professional work of social worker sand the challenges brought by the
LGBTI+ population. Through a qualitative approach, in them idstof this
debate, some considerations will be made about the demands
demanded by the LGBTI+ segment of social workers. Based on the
seconsiderations, we propose to reflecton the limit sand potential of the
professional practice of social workers in the face of minority groups and
how – and if – the ethical –political commitment of these professionals
has been reflected as a socially referenced practice in acces sand
guarantee the rights of this segment. As a methodological strategy,
bibliographic research will be used to achieve the proposed objectives.
1- INTRODUÇÃO
O coletivo de pessoas que compreendem as lésbicas, gays, bissexuais, travestis,
transexuais, intersexos e outros sujeitos/as que se encontram nas demais expressões
das dissidências sexuais e de gênero (LGBTI+), por força de uma convenção social e
conveniência política estão inseridas numa mesma sigla. Contudo, nesse mosaico que
aglutina esse conjunto de caracteres, cada letra possui sua especificidade que é
711
atravessada por marcadores sociais como sexo, gênero, orientação sexual, identidade de
gênero, expressão de gênero, entre outros, como raça/etnia e classe social.
Quando o/a assistente social se depara no seu exercício profissional com alguém
deste segmento, é esperado deste/a profissional que este/a esteja instrumentalizado/a
para compreender as subjetividades desta população e assim evitar a propagação de
situações que envolvam preconceito e discriminação em razão de orientação sexual,
identidade de gênero e/ou expressão de gênero dissonante da norma cis-heterossexual.
Para Rich (1980) a heterossexualidade obrigatória funciona como uma
instituição. Wittig (2005) vai além e considera como um regime político baseado
na submissão e apropriação das mulheres. Para Preciado (2003) o aparato
social que constrói o feminino e o masculino a partir da divisão e segmentação
do corpo, para depois considerar esses fragmentos como eixos naturais e
antagônicos da diferença sexual é o sistema heterossexual.
Pode-se acrescentar que a heteronormatividade sexista e etnocêntrica concebida
como a opressão e a discriminação contra todas as pessoas ou identidades que
se situam fora, na situação de exclusão e desigualdades sociais em razão de
sexo, classe, idade, etnia, etc. (GARCIA, 2017, p. 70-71).
712
Silva (2016) está fazendo referência ao legado do movimento de reconceituação,
todavia, consideramos que quando ampliamos esta discussão no interior da profissão,
incorporando estes marcadores sociais impostos a população LGBTI+, há a necessidade
de uma intervenção qualificada por parte de assistentes sociais. Assim, o propósito desta
reflexão é debater os desafios trazidos pela população LGBTI+ para o exercício
profissional desta categoria, assim como, traremos indicativos de como melhor conduzir
essas situações.
Há uma discussão sobre as demandas deste segmento nas entidades da
categoria292, todavia, esta reflexão não avançará para estas questões, tendo em vista que
nossa proposta é explicitar quais os marcadores sociais que assistentes sociais devem
se atentar no atendimento às demandas da população LGBTI+.A partir disso,
discutiremos brevemente o serviço social e em sequência os meandros das dissidências
sexuais e de gênero, talqual as implicações de suas especificidades para o trabalho
profissional socialmente referenciado desta categoria profissional.
Ressaltamos que como objetivo último, não temos a menor pretensão de esgotar
este debate, mas sim fornecer elementos que permitam ampliar a discussão e fomentar
reflexões que enriqueçam o trabalho profissional com esse segmento populacional.
2- DESENVOLVIMENTO
292O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), tem realizado uma ação pedagógica junto à categoria por
meio da promulgação de resoluções que tratam direta ou indiretamente desta temática, como o Código de
Ética Profissional e Resoluções 489/2006, 594/2011, 615/2011, 785/2016 e 845/2018. Em 2010, a
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) criou o Grupo Temático de
Pesquisa (GTP) Serviço Social, Relações de Exploração/Opressão de Gênero, Feminismos, Raça/Etnia e
Sexualidades.
713
da pandemia, onde até então não existiam medidas farmacológicas eficientes, a solução
encontrada para evitar a crescente de contágios e mortes foi o distanciamento social,
medida que impactou especialmente aqueles que exerciam atividades laborativas
informais, sem a garantia de proteção social do Estado. Até houve um auxílio
emergencial por parte do Governo Federal, que durou pouco e quando foi repaginado, o
valor pago diminuiu e menos pessoas foram beneficiados. Empurrados para morte pela
fome ou pelo medo de contágio do vírus, a classe trabalhadora foi a mais afetada,
Antunes (2020).
Ainda em fevereiro do presente ano, a Rússia invadiu a Ucrânia, o que além de
causar a destruição do país europeu, gerou um significativo aumento no número de
refugiados e trouxe como uma das principais consequências a perda de vidas inocentes.
Uma consequência direta disso é o fenômeno da oscilação no preço das commodities,
em especial o petróleo. Considerando a política de preços da Petrobrás, que atrela o
valor do barril do petróleo ao cobrado no mercado internacional, fixado na moeda
estadunidense, a empresa tem imposto aos brasileiros sucessivos aumentos de preços
nos combustíveis e no gás de cozinha, o que têm feito a inflação disparar, atingindo
especialmente a parcela mais pauperizada da classe que vive do trabalho, Almeida
(2022).
É nessa quadra histórica que que assistentes sociais desenvolvem seu trabalho
profissional. Seu exercício profissional está condicionado a um empregador e
costumeiramente há o excesso de demandas, nas quais, a depender de sua gravidade e
da urgência das situações apresentadas, pode empurrar os/as profissionais para uma
atuação meramente “tarefeira”.
O fazer profissional de assistentes sociais é técnico e operativo, analítico e
interventivo, ou seja, está em constante movimento. Embora a atuação profissional
destes/as se dê sobre as manifestações da questão social, não são elas que demandam
a sua atenção. A atuação não é com a fome, a miséria, o desemprego ou a violência.
Mas sim com as pessoas que são vitimadas por estes fenômenos. Pelo reconhecimento
social que a profissão conquistou em seus quase 90 anos de história no país, quem
procura por esse tipo de atendimento se sente à vontade para contar sua história, abrir
sua vida, seus segredos, seus sonhos, sua intimidade. As relações sociais que geram
sua intervenção são condicionadas pela ordem vigente do capital, de maneira que este
fator não pode ser ignorado.
Neste contexto, o cotidiano pode ser uma armadilha e favorecer a ação “tarefeira”.
Ao deixar se enredar pela rotina, o/a assistente social pode automatizar o seu fazer
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profissional e deixar de realizar importantes mediações de acordo com quem lhe
demanda atendimento. Cada pessoa é única, cada história é singular, por mais que as
condicionalidades da vida concreta lhe imprimam características semelhantes àde tantos
outros. É nesse sentido que alertamos para a necessidade de que assistentes sociais se
apropriem e compreendam as particularidades da população LGBTI+ e atuem como
sujeitos/as luta contra a LGBTfobia.
Sobre a trama do cotidiano, Heller (2014) trata do preconceito explicando que
esse fenômeno possui uma função na sociedade. No dia-a-dia não é factível parar para
pensar em todo e qualquer movimento/ação que executamos, por isso, nos servimos da
ultra generalização, o que implica em juízos provisórios sobre praticamente tudo, uma
vez que o cotidiano é o espaço privilegiado do imediatismo. Na base do preconceito há
também um caráter emocional, o que eventualmente implica em dificuldades na sua
superação. Todavia, no horizonte da direção social que o serviço social se propõe, não
há espaço para esse tipo de apego, sendo exigido destes profissionais, conforme o 5º
princípio do Código de Ética do/a Assistente Social: “Empenho na eliminação de todas as
formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos
socialmente discriminados e à discussão das diferenças”.
Para compreender o que estamos chamando de dissidências sexuais e de
gênero, abordaremos conceitos chave como sexo, gênero, orientação sexual, binarismo
de gênero, cisgerenidade, transexualidade, expressão de gênero e LGBTfobia.
Quando a pessoa nasce, de acordo com a genitália que se apresenta, lhe é
designado um sexo: fêmea ou macho. Junto a essas determinações estão inseridas uma
série de expectativas de como essas pessoas devem se comportar, vestir, falar, quais
brincadeiras lhe são permitidas, quais profissões que devem desempenhar baseado nos
signos associados ao feminino e ao masculino.Reforçando a lógica do sistema
sexo/gênero, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse
logo no início do governo Bolsonaro: “Menino veste azul e menina veste rosa”. Assim,
estes estereótipos determinados a partir de genitálias definem os lugares sociais e as
posições que essas pessoas vão se localizar ao longo da vida.
No senso comum sexo e gênero são conceitos que podem se confundir,
entretanto não são a mesma coisa. Enquanto sexo faz referência o campo biológico e é
determinado ao nascer, gênero é uma construção social, pois, para a melhor
compreensão deste conceito é preciso ter em mente também suas dimensões histórica,
cultural e política. A manutenção do binômio sexo/gênero serve como alicerce para a
divisão sexual do trabalho que não tem outra serventia a não ser a subalternização das
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mulheres frente aos homens visando a reprodução social que levaao lucro e a
perpetuação do capitalismo via patriarcado, sexismo e dominação masculina.
Se os imperativos biológicos e hormonais fossem tão assoberbantes quanto quer
a mitologia popular, a interdependência econômica não seria necessária para
garantir uniões heterossexuais. Ademais, o tabu do incesto pressupõe a
existência de um tabu anterior, menos explícito, sobre a homossexualidade. A
proibição de determinadas uniões não heterossexuais. O gênero não é apenas
uma identificação com um sexo; ele também implica que o desejo sexual se dirija
ao outro sexo. A divisão sexual do trabalho entra em jogo com respeito ambos os
aspectos de gênero – ela cria homens e mulheres, e os cria como
heterossexuais. A supressão do componente homossexual da sexualidade
humana e seu corolário, a opressão dos homossexuais, são, portanto, produto
do mesmo sistema cujas regras oprimem as mulheres (RUBIN, 2017, p. 32).
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identidades trans através de categorias “travesti” e “transexual”, que possuem
diferenças discursivas, geográficas, históricas e sociais (FERREIRA, 2018, p.
32).
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3. CONCLUSÃO
4- REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob o fogo cruzado. São Paulo: Boitempo,
2020.
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FERREIRA, Guilherme Gomes. Diversidade Sexual e de gênero e o serviço social no
sociojurídico. São Paulo, Cortez Editora, 2018.
HELLER. Agnes. O cotidiano e a história. 10ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder.
NETTO, José Paulo. Cinco notas a propósito da "Questão Social". Temporalis, Brasília,
v. 3, n.1, p. 51-62, jun., 2001. Disponível em:
<https://www.abepss.org.br/arquivos/anexos/temporalis_n_3_questao_social-
201804131245276705850.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2022.
RUBIN, Gayle. Políticas do sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017. Tradução: Jamile
Pinheiro Dias.
SILVA, José Fernando Siqueira da. Sociedade do capital, América Latina e Serviço
Social: contribuição brasileira ao debate. In: SILVA, José Fernando Siqueira da;
GUTIÉRREZ, Teresa Del Pilar Muñoz (org.). Política Social e Serviço Social: Brasil e
Cuba em debate. São Paulo: Veras Editora, 2016. p. 147-177.
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ufjf.br/facssocial/vii-seminario-internacional/
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