Você está na página 1de 6

EDUCAÇÃO PERMANENTE COMO ESTRATÉGIA DE APRIMORAMENTO DO

PROCESSO DE TRABALHO: A experiência do GT PAIF Recife

Autora: Mariana Machado da Rosa e Silva Valois


Co-autores: Allyde Amorim Penalva Marques; Cynthia dos Santos Monteiro

Palavras-chaves: Educação permanente, PNAS, proteção social básica, PAIF, CRAS.

Este trabalho visa apresentar a experiência da formação do Grupo de Trabalho – GT


PAIF na cidade do Recife, que se deu a partir dos encontros de monitoramento realizados
pela Divisão dos Centros de Referência de Assistência Social - CRAS (DCRAS), responsável
pela gestão dos referidos equipamentos no Recife, tendo por objetivo inicial a ampliação dos
debates técnicos e estudos coletivos no sentido de qualificar e potencializar o trabalho social
com famílias desenvolvido pelas equipes técnicas do Serviço de Proteção e Atenção Integral
às Famílias - PAIF dos CRAS.
A Política de Assistência Social, está situada, em Recife, na Secretaria de
Desenvolvimento Social, Juventude, Política Sobre Drogas e Direitos Humanos (SDSJPDDH),
sendo executada, pela Secretaria Executiva de Assistência Social (SEAS), por meio de suas
diversas gerências responsáveis pela gestão e provimento dos serviços socioassistenciais,
os quais se encontram divididos por níveis de proteções: básica e especial de média e alta
complexidades, segundo a Política Nacional de Assistência Social - PNAS (BRASIL, 2004).
Para o desenvolvimento da proteção social básica, nível de proteção social executado
primordialmente e estrategicamente pelo Serviço PAIF, em articulação com os demais
serviços da rede socioassistencial e da rede de proteção social como um todo, a cidade do
Recife possui atualmente 12 CRAS, distribuídos nas 06 Regiões Político-Administrativas -
RPAs do Recife, sendo eles: Santo Amaro; Campina do Barreto; Alto Santa Terezinha; Alto
do Mandú; Dois Irmãos; Cordeiro; Torrões; Totó; Bongi, Ibura; Pina, Ibura de Cima/COHAB.
Segundo a PNAS, os CRAS são a principal porta de entrada do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), constituindo-se unidades públicas estatais descentralizadas,
responsáveis pela oferta de serviços de proteção social básica, tendo como objetivo prevenir
a ocorrência de situações de vulnerabilidade e riscos sociais nos territórios (BRASIL, 2009a).
A PNAS (BRASIL, 2004, p. 33) refere-se às situações de vulnerabilidade social
aquelas decorrentes da “pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos
serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de
pertencimento social (discriminações etárias, étnicas ou por deficiências, dentre outras)”.
O PAIF é o serviço responsável por desenvolver a proteção social básica no CRAS
por meio do trabalho social com famílias, de caráter continuado, com a finalidade de
fortalecer a função protetiva das famílias, prevenir a ruptura dos seus vínculos, promover seu acesso e
usufruto de direitos e contribuir na melhoria de sua qualidade de vida. Prevê o desenvolvimento de
potencialidades e aquisições das famílias e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, por
meio de ações de caráter preventivo, protetivo e proativo (...) (BRASIL, 2009, p. 6).

De acordo com a NOB-SUAS, sabe-se que a atuação do PAIF nos CRAS devem se
dar junto às famílias referenciadas no território de abrangência do CRAS, cujo
referenciamento deve ser dado a partir do diagnóstico socioterritorial, a partir do qual o
município se organiza em territórios onde há maior concentração de famílias em situação de
vulnerabilidade social. Assim, de acordo com o porte do município, o mesmo poderá
referenciar até 2.500 famílias, 3.500 ou 5.000 famílias por CRAS, com capacidade de
atendimento anual de 500, 750 e 1.000 famílias, respectivamente (idem, 2009).
Destaca-se que a cidade do Recife possui 1.537.704 habitantes, segundo dados do
Censo 2010. Ainda, segundo o Plano Municipal de Assistência Social do Recife 2018-2021, o
Cadastro Social das Famílias - CadÚnico possui 307.600 pessoas cadastradas, sendo 51%
destas beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF). Das pessoas idosas e pessoas com
deficiência, beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC), são 43.781 e 40.971,
respectivamente, totalizando um número de 84.752 pessoas.
Estes números revelam que o quantitativo dos referidos equipamentos de proteção
social básica não é suficiente para atender a população em situação de vulnerabilidade social
do Recife. Famílias beneficiárias do Bolsa Família e do BPC (ou que possuem perfil para tal)
estão entre os públicos prioritários para o trabalho social com famílias desenvolvido pelo PAIF
nos territórios de abrangência dos CRAS, os quais, no Recife, precisam realizar o atendimento
aos 94 bairros da cidade, sendo que aqueles que estão situados nas áreas de abrangência
dos referidos equipamentos devem ter acompanhamento continuado (os bairros situados fora
da área de abrangência recebem, a priori, atendimento apenas pontual) .
Este cenário já é revelador de muitos desafios para a execução da política de
assistência social no Recife, uma vez que o número de equipamentos existentes não
consegue atender a realidade. Mas, observamos relativos avanços, uma vez que em 2016
eram apenas 08 CRAS implantados na cidade.
Em 2016, após análise dos diversos instrumentos de registro utilizados pelas equipes
técnicas dos CRAS, a DCRAS identificou a discrepância entre o número de famílias
acompanhadas e de técnicos de referência do PAIF nos territórios. A partir daí, a DCRAS
adotou como estratégia a realização de reuniões sistemáticas com as equipes dos CRAS
(iniciando com três CRAS que se destacaram na relação número de famílias acompanhadas
e quantidade de técnicos, e posteriormente com os demais equipamentos), com o objetivo de
compreender a distribuição e os critérios de inclusão e desligamento das famílias do PAIF.
Este processo de monitoramento trouxe resultados significativos junto às equipes de
trabalho, contribuindo diretamente para a avaliação dos processos internos de cada
equipamento. Além de possibilitar melhor compreensão das diferenças dos critérios de
inclusão e desligamento do acompanhamento PAIF realizados pelos CRAS, abriu espaço
para reflexões e construções coletivas sobre o plano de acompanhamento familiar e a
importância do seu registro no Prontuário SUAS, contribuindo inclusive para a avaliações
técnicas quando do desligamento das famílias.
Sobre isto, destaca-se a importância da sistematização como instrumento de trabalho
importante para o cotidiano profissional, que ainda se configura como um desafio diário das
equipes de referência dos CRAS, que precisam dar respostas às diversas e complexas
demandas e situações de vulnerabilidade e risco social, as quais para seu enfrentamento
necessitam das articulações e respostas junto à rede de proteção social, inclusive por meio
de visitas domiciliares e institucionais. Por isto, por vezes os instrumentos de registro
concorrem com os instrumentos de atendimento direto à população.
Portanto, o processo de monitoramento trouxe à tona aspectos importantes do
processo de inclusão e desligamento das famílias no acompanhamento PAIF, como o
necessário alinhamento da prática e das intervenções realizadas pelos CRAS e o
aprimoramento contínuo téorico-metodológico e técnico-operativo dos profissionais. Ainda, e
não menos importante, as equipes técnicas multidisciplinares destacaram outros fatores
também relacionados às dificuldades de acompanhamento e desligamento das famílias do
PAIF: o volume de demandas atendidas pelos profissionais (requerendo desses profissionais
atenção maior às demandas mais urgentes), além da complexidade das mesmas, fato que
requer articulação constante e respostas de uma rede mais ampla de proteção social,
composta pelas demais políticas públicas.
Esse processo de construção motivou o surgimento de um grupo de trabalho (GT),
tendo sido sugerido pela DCRAS, com aceitação positiva por parte das equipes PAIF dos
CRAS. O GT PAIF é, então, implantado com a representação de profissionais das referidas
equipes, das diversas áreas (Serviço Social, Psicologia e Pedagogia), com um titular e um
suplente de cada equipamento. tendo por objetivo a ampliação dos debates técnicos, estudos
coletivos acerca das normatizações e orientações técnicas da PNAS e construção
democrática de instrumentais de trabalho (como o plano de acompanhamento familiar, ainda
tão frágil em sua elaboração e aplicabilidade na atuação cotidiana de trabalho).
Desde então, as reuniões do GT PAIF acontecem nas últimas segundas-feiras de cada
mês, atualmente na sede da Prefeitura do Recife (inicialmente aconteciam de forma
descentralizada, nos CRAS, com intuito de propiciar que os representantes conhecessem as
equipes e os equipamentos e suas estruturas) e vem se constituindo gradativamente
enquanto grupo alinhado à proposta da educação permanente, tendo participado da I Mostra
de Experiências em Educação Permanente, promovida pela Comissão de Educação
Permanente do Recife, em 2018.
Atualmente o GT PAIF está em fase de finalização de um documento-relatório,
direcionado às instâncias de gestão da Política de Assistência Social do Recife, bem como
aos trabalhadores dos serviços de proteção social básica. O mesmo é resultado das
discussões ocorridas, no período 2017-2018, referentes ao Caderno de Orientações Técnicas
sobre o PAIF – Volume 1 (BRASIL, 2012)1 em que se confrontou as orientações do referido
documento com a realidade vivenciada pelas equipes de referência do PAIF nos CRAS.
Esse processo de construção abriu caminho para a ampliação dos debates, para o
início de um exercício da superação do imediatismo, do praticismo e das respostas imediatas,
em um movimento de reflexão crítica sobre a prática, de suspensão do cotidiano, no sentido
da análise, reflexão e adequação de práticas profissionais e processos de trabalho, seja no
que se refere às relações internas às equipes de trabalho, seja no que diz respeito ao trabalho
dirigido diretamente aos cidadãos que demandam as ações de proteção social do PAIF. Esta
perspectiva está em consonância com a mudança de cultura de trabalho que propõe a Política
Nacional de Educação Permanente (PNEP), entendida a educação permanente como
Processo contínuo de atualização e renovação de conceitos, práticas e atitudes profissionais das equipes de
trabalho e diferentes agrupamentos, a partir do movimento histórico, da afirmação de valores e princípios e do
contato com novos aportes teóricos, metodológicos, científicos e tecnológicos disponíveis. Processo esse mediado
pela problematização e reflexão quanto às experiências, saberes, práticas e valores pré-existentes e que orientam
a ação desses sujeitos no contexto organizacional ou da própria vida em sociedade (BRASIL, 2013, p. 34)

A PNEP traz como objetivo "desenvolver junto aos trabalhadores da Assistência Social
as competências e capacidades específicas e compartilhadas requeridas para a melhoria e
qualidade continuada da gestão do SUAS e da oferta e provimento dos serviços e benefícios
socioassistenciais (Idem, p. 27).
Sendo assim, enquanto resultados do processo de reflexão e construção coletiva dos
participantes do GT PAIF, podemos visualizar potencialidades existentes nos trabalhos
desenvolvidos pelas equipes PAIF dos CRAS do Recife, bem como limites e desafios que se
apresentam no cotidiano, dentre os quais:
 A necessidade de fortalecer o trabalho articulado, em rede - intrasetorial (a rede da
assistência social, em seus níveis de proteção) e intersetorial -, na perspectiva da
proteção social integral às famílias. Sobre isto, o GT já vem levantando alguns
problemas importantes, como: o esvaziamento das reuniões de rede em algumas
RPAs; o sucateamento das políticas sociais; as dificuldades estruturais (o insuficiente
número de veículos para visitas institucionais, por exemplo) e o necessário

1
Este documento tem como subtítulo "O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF, segundo
a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais", tendo como objetivo aprofundar o conhecimento sobre o
conteúdo da Tipificação e esclarecer alguns conceitos relacionados ao Serviço PAIF. Embora os profissionais da
assistência social já tenham tido acesso a este documento, consideramos que o revisitar de seus conceitos
permitiu a reflexão das práticas e confronto dos resultados esperados e o que tem sido priorizado na cidade do
Recife.
estabelecimento de fluxos (planos de atuação intersetorial, a exemplo da educação e
saúde); o fortalecimento da cultura do diálogo e da comunicação;
 O fortalecimento do trabalho interdisciplinar (articulação de saberes e intervenções no
conjunto do "trabalho social" com famílias, considerando as especificidades e os
limites das profissões, o que recai em pensar conjuntamente sobre atribuições,
instrumentos e processos de trabalho);
 A integração e a continuidade dos benefícios socioassistenciais, programas de
transferência de renda e serviços e ações de geração de trabalho, emprego e renda.
Aqui destacamos o ACESSUAS e os benefícios eventuais (necessidade de
regulamentação específica de acordo com a PNAS, continuidade, expansão,
qualificação e publicização).
 O fortalecimento de ações e serviços que invistam no "empoderamento" das famílias
e sujeitos atendidos - entendido como "consciência para além de sua situação
particular" ou "consciência coletiva" e de direitos de cidadania (BRASIL, 2012, p. 51 e
52). Ou seja, que se invista mais em atividades com coletivos (grupos, reuniões,
campanhas, dentre outras iniciativas) e que envolva a participação, o controle social e
o sentido de pertença social e coletividade (inclusive nos processos de planejamento,
execução e avaliação da própria política de assistência social). Não afirmamos aqui
que tais iniciativas não ocorrem, mas sugerimos maior destaque, publicização e troca
das experiências vivenciadas, reflexão das metodologias utilizadas, dos processos de
trabalho, etc. Entendemos também que o atendimento individual tem sua relevância
no trabalho social com famílias, mas consensuamos que precisamos investir mais em
atividades coletivas e coletivizadoras. Entendemos este ponto como um desafio
(diante de todo o contexto apresentado neste documento e da atual conjuntura), mas
também uma grande potencialidade a ser fortalecida pelos CRAS nos territórios.
 A revisão contínua de fluxos e processos de trabalho, metodologias utilizadas, na
perspectiva da autorreflexão da atuação profissional e da avaliação continuada e
participativa da gestão do Serviço PAIF2.
Os pontos aqui destacados resumem e, por isso, não esgotam, as reflexões e
considerações de um conjunto de trabalhadores vinculados à função de gestão (a gerente da
DCRAS, que é assistente social) e ao provimento dos serviços e benefícios socioassistenciais
(técnicos de referência do PAIF – assistentes sociais, psicólogos/as e pedagogos/as –,
ocupando cargos efetivos ou com contrato temporário).

2Este ponto está relacionado a outras propostas do grupo, a exemplo: do estímulo a uma rotina de trabalho que
garanta espaços de estudo e discussões acerca da Política da Assistência Social (além dos aspectos operacionais
da execução) e da instituição da supervisão técnica conforme a política de educação permanente.
O conjunto desses representantes dos CRAS e DCRAS que compõem o GT PAIF se
colocam hoje com objetivos mais ampliados, na busca pelo aperfeiçoamento de suas práticas
profissionais e revisão crítico-reflexiva de seus processos de trabalho (e, portanto, dos
fundamentos teóricos, técnicos e políticos que embasam este trabalho), na perspectiva da
qualificação do trabalho social com as famílias do PAIF e do acesso aos direitos sociais. Tal
exercício tem demonstrado a riqueza de possibilidades aventadas diante dos diversos
saberes e práticas profissionais que compõem e enriquecem a Política de Assistência Social.

Referências

BRASIL Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional


Básica – NOB/Suas. Brasília: MDS-Secretaria Nacional de Assistência Social, 2005.

______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas:


Centro de Referência de Assistência Social - CRAS. Brasília: MDS, 2009a.

______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas


sobre o PAIF Volume 1: O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF,
segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília: MDS, 2012.

______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de


Assistência Social. Brasília: MDS, 2004.

______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de


Educação Permanente do SUAS. 1ª ed. – Brasília: MDS, 2013.

______. Conselho Nacional de Assistência Social. Tipificação dos Serviços


Socioassistenciais (Resolução n. 109, de 11 de novembro de 2009). Brasília, MDS: 2009.

Você também pode gostar