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sito que transforma e reconhece, ao mesmo tempo, zação da precariedade, isto é, como foi valorizada a
Precariedade como
aquilo que, particularmente nos meios populares, insegurança social na história e no nosso tempo.
constitui a tripla dimensão da condição precária:
Seria errado, na verdade, pensar que a nova ges-
Christian Laval
proposta ideológica se não estivesse apoiado em dis- estáveis. Esta nova gestão do emprego apoia-se, em
posições e dispositivos que fazem, com efeito, da vez disso, em uma certa concepção de vida, que não
Professor de Sociologia da Universidade Paris- vida, do trabalho e do amor um certo “estilo de vida”, pode ser compreendida somente como negativa,
Ouest Nanterre-La Defense. Co-autor do livro inscrito e reconhecido na lei e nas instituições. como sugerido pelas palavras “precária”, “insegura”
“A Nova Razão do Mundo”, escrito com Pierre ou “precariedade”. Do ponto de vista patronal, na
A questão que se coloca ao sociólogo, se ele levar
Dardot. concepção propriamente neoliberal, o que chama-
a sério a fórmula de Parisot, seria, então, de saber
mos de precariedade é designado por palavras muito
como essa forma de existência toma corpo, como ela
Longe de ser apenas um modo de gestão do tra- mais positivas: as de “empreeendedor”, “empresa” ou
pode se estender bem além do trabalho tão somente.
balho pelo capital, gostaríamos de propor aqui que, “empreendedorismo”.
No que diz respeito a este último, as coisas são bas-
sob a perspectiva biopolítica do capital, a precarie- tante claras. As últimas décadas mostraram em que O que nos indica que “a cultura da precariedade”,
Resumo dade tornou-se, primeiro intelectualmente e deve
se tornar praticamente uma forma de existência,
consistia a política neoliberal de perda de segu- da parte dos dominantes, ou seja, daqueles que assu-
O autor propõe que, sob a perspectiva biopolítica do ca- rança nos empregos, o que poderíamos chamar de mem o discurso capitalista, existe bela e formosa,
pital, a precariedade já se tornou intelectualmente e logo um “estilo de vida”. Em outras palavras, gostaríamos produção política de insegurança social, e que vai e que se trata da racionalidade empresarial, que é a
deve se concretizar quase em uma forma de existência, de levar a sério a frase bem conhecida de Laurence junto com a segurança policial - uma política neoli- versão positiva, legítima e dominante do que chama-
um “estilo de vida”. As últimas décadas mostraram em que Parisot, a atual presidente do MEDEF1, quando ela beral que recoloca o binômio liberdade e segurança mos aqui de “precariedade”. A empresarialidade4 é a
consistia a política neoliberal de perda de segurança nos disse: “A vida é precária, o amor é precário, por que no qual Michel Foucault viu a marca do governo concepção da precariedade vista do alto. Esta empre-
empregos, o que poderíamos chamar de produção políti- o trabalho escaparia desta lei? (Le Figaro, 2005)”. 101
ca de insegurança social. O texto trata, então, da incerteza liberal. Rememoremos a célebre divisa da fisiocra- sarialidade apresenta-se como um modo de governo
Sempre é bom levar a sério essas pequenas frases que cia francesa: “Propriedade, Liberdade, Segurança”, das condutas dos trabalhadores, mas pretende ser
como forma de existência de uma sociedade de empreen-
dedores e o empreendedor de sua própria vida contra o parecem insignificantes, mas que, sem sequer preci- inscrita na Declaração dos Direitos do Homem de também um modo de existência novo que, além do
assalariado protegido. sar de longa exegese, falam da dominação do capi- 1789 (art. 2)2. Mas, poderíamos igualmente lembrar emprego, faz da ligação instável, móvel, instrumental
tal sobre o trabalho e a vida, como esta outra sen- a proposta de Bentham, cuja obra jurídico-política com a organização produtiva e com as instituições sua
Palavras-chave: precariedade; estilo de vida; neoliberalismo.
tença inesquecível também de Laurence Parisot, que visa estabelecer a “fabric of certainty” 3, o edifício da própria marca e seu alto valor agregado. O que está
afirma: “a liberdade de pensamento termina onde certeza como condição para o desenvolvimento de em questão é algo que poderia ser chamado de “mais-
Résumé começa o código de trabalho”. Temos aqui um dis- interesses privados. Certeza que consiste em assegu- -vida” [por analogia à “mais-valia”] que a empresaria-
L’auteur propose que, du point de vue biopolitique du ca- curso claro de uma estratégia oculta. rar ao proprietário a garantia dos frutos de seu tra- lidade traz, e que também poderia ser nomeado de
pital, la précarité est devenue d’abord intellectuellement
Se seguirmos esse pensamento a respeito da pre- balho e a satisfação das expectativas bem fundadas, precariedade de luxo.
et doit devenir pratiquement une forme d’existence, un
“art de vivre”. Les dernières décennies ont montré en quoi cariedade como lei natural, lei da espécie, veremos e que supõe a educação dos indivíduos para calcular
Poderíamos nos enganar ao pensar que a valori-
consistait la politique néolibérale d’insécurisation des que existe aí um naturalismo que coloca em pé de as consequências de seus atos, antecipando assim o
zação desta “precariedade de luxo” concerne apenas
emplois, ce qu’on pourrait appeler la production politique igualdade nossa condição mortal, nossa situação de princípio de responsabilidade individual ilimitado
a alguns funcionários de altos salários, de “elevado
d’insécurité sociale. L’article traite de l’incertain comme trabalhador exposto à precariedade do trabalho e ao que deve reger as relações entre os indivíduos de uma
la forme de l’existence d’une société d’entrepreneurs et de potencial”. Preferimos sugerir antes que, se a precarie-
desemprego, e nossa relação afetiva com os outros, sociedade reduzida a uma coleção de indivíduos.
l’entrepreneur de sa vie contre le salarié protégé dade pode ser uma “tática” de vida para escapar dos
exposta que está à ruptura, ao divórcio e à separa- Em um momento-chave na história social euro- constrangimentos de um emprego assalariado alie-
Mots clés: precarité; art de vivre; néoliberalisme. ção. A precariedade, segundo o raciocínio da repre- peia e francesa, marcada por uma pressão muito nante, pode também ser uma estratégia para impor
sentante do patronato, é exatamente uma condição poderosa dos empregadores e governos de plantão um modelo para todos os trabalhadores, com efeitos
existencial em sua tripla dimensão de vida: biológica, em favor de uma maior erosão do direito social em altamente diferenciados e desiguais de acordo com a
econômica, afetiva e amorosa. Inútil sublinhar aqui nome da “competitividade” e da “redução da dívida”, posição ocupada nas novas organizações de trabalho.
Versão de_conferência proferida na Universidade de Paris-Ouest a dimensão ideológica, por vezes cínica, do propó- é importante considerar todas as formas de ideali-
Nanterre, La Défense, no quadro do encontro internacional “To have
the courage of incertainty”, Cultures of Precarity, 6-7 de Dezembro de 1_ Nota de tradução: Mouvemment des Entrepeneurs Démocratiques 4_ Nota da revisão técnica: o termo traduz o original entrepreneurialité,
2012. Tradução de Gisely Hime e revisão técnica de Leonardo Gomes Français (MEDEF) é uma organização de empregadores fundada em 2_ Cf. o comentário de Arnault Skornicki (2011). que por sua vez traduz o termo inglês entrepreneurship: veja-se a
Mello e Silva. 1998, que representa as empresas francesas. 3_ Nota da tradução: Em inglês no original. própria explicação do autor em Dardot e Laval (2016, p. 134, nota 4).
Referências