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ou Hegel designaram como "alienação", na experiência do

A EDUCAÇÃO CONTRA A BARBÁRIE


não-eu no outro.
A situação é paradoxal. Uma educação sem indivíduos é
opressiva, repressiva. Mas quando procuramos cultivar indiví-
duos da mesma maneira que cultivamos plantas que regamos
com água, então isto tem algo de quimérico e de ideológico.
A única possibilidade que existe é tornar tudo isso consciente
na educação; por exemplo, para voltar mais uma vez à adap-
tação, colocar no lugar da mera adaptação uma concessão
Adorno — A tese que gostaria de discutir é a de que des-
transparente a si mesma onde isto é inevitável, e em qualquer
barbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação
hipótese confirontar a consciência desleixada. Eu diria que
hoje em dia. O problema que se impõe nesta medida é saber
hoje o indivíduo só sobrevive enqtanto núcleo impulsionador
se por meio da educação pode-se transformar algo de dedsivo
da resistência.
em relação à barbárie. Entendo por barbárie algo muito sim-
Becker — Podemos concordar em que formamos as pes-
ples, ou seja, que, estando na dvilização do mais alto desen-
soas para' a sua individualidade e ao mesmo tempo para sua
volvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas
função na sodedade?
de u m modo peculiarmente disforme em relação a sua pró-
Adorno — D o ponto de vista formal naturalmente isto é
pria dvilização — e não apenas por n ã o terem em sua arrasa-
evidente. Entretanto acredito apenas que no mundo em que
dora maioria experimentado a formação nos termos corres-
nós vivemos esses dois objetivos não podem ser reunidos. A
pondentes ao conceito de dvilização, mas t a m b é m por se
ideia de uma e s p é d e de harmonia, tal como ainda vislvmíbra-
encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, u m
da por Humboldt, entre o que fundona sodalmente e o ho-
Ódio primitivo oij, na terminologia ciolta, um impulso de des-
mem formado em si mesmo, tornou-se irrealizável.
truição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de
Becker — Não. Trata-se de resistir a essas tensões, que são
que toda esta civilização venha a explodir, aliás uma tendên-
insolúveis tal como o é a relação entre teoria e prática, que se
da imanente que a caracteriza. Considero tão urgente impe-
encontra no ponto central de nossa educação moderna.
dir isto que eu reordenaria todos os outros objetivos educa-
Adorno — Mas neste caso a educação também precisa
donais por esta prioridade.
trabalhar na direção dessa ruptiu-a, tornando consdente a
própria ruptura em vez de procurar dissimulá-la e assimiir Becker — Quando formulamos a questão da barbárie de
algum ideal de totalidade ou tolice semelhante. u m modo tão amplo, então, é evidente, é muito fácil angariar
apoio, porque obviamente todos serão de imediato contrários
à barbárie. Mas se quisermos testar como a educação pode
interferir nesse fenómeno ou agir profdaticamente para evitá-
lo, parece-me necessário caracterizar com mais precisão o
que é a barbárie e de onde ela surge. Neste caso predsamos
indagar se uma pessoa em todos os sentidos compensada.
temperada, esclarecida, livre de agressões e, portanto, n ã o jam igualmente agudas em outros lugares, mas porque de
motivada à capacidade da agressão, constitui em si u m produ- qualquer modo na Alemanha aconteceu a mais horrível ex-
to almejável da sodedade. plosão de barbárie de todos os tempos, e porque, afinal, co-
Adorno — Eu começaria dizendo algo terrivelmente sim- nhecemos a situação alemã melhor a partir de nossa própria
ples: que a tentativa de superar a baroárie é decisiva para a experiênda •viva. • ' '
sobrevivência da hvunanidade. A obviedade a que o senhor se Becker — Havendo c o n s d ê n d a de se tratar de u m fenó-
referiu deixa de sê-lo quando observamos as concepções edu- meno geral, podemos começar a partir do exemplo alemão. E
cadonais vigentes, sobretudo as existentes na Alemanha, em como o senhor afirma com muita procedênda, existem mui-
que são importantes concepções como aquela pela qual as tos motivos para tanto. Na questão "O que é possível à educa-
pessoas devam assumir compromissos, ou que tenham que se ção?" sempre nos defrontamos com o problema de até que
adaptar ao sistema dominante, ou que devam se orientar con- ponto uma vontade consciente introduz fatos na educação
forme valores objetivamente válidos e dogmaticamente i m - que, por sua vez, provocam indiretamente a barbárie.
^ s t o s . Pela minha visão da situação da educação alemã, o Adorno — Mas também o contrário. Quando o proble-
problema da desbarbarização não foi colocado com a nitidez ma da barbárie é colocado com toda sua u r g ê n d a e agudeza
e a gravidade com que pretendo abordá-lo aqui. Isto basta na educação, e justamente em instituições como a sua, que
para colocar em discussão luna tal aparente obviedade. desempenha u m papel-chave na estrutura educadonal da Ale-
Becker — Talvez por u m momento fosse necessário n ã o manha hoje, então me inclinaria a pensar que o simples fato
se restringir à Alemanha e perguntar se este problema n ã o se de a questão da barbárie estar no centro da c o n s d ê n d a provo-
coloca de u m modo semelhante no mundo inteiro. Embora caria por si uma mudança. Por outro lado, que existam ele-
uma determinada forma da pedagogia de orientação idealista mentos de barbárie, momentos repressivos e opressivos no
seja tipicamente alemã neste contexto, os perigos da barbari- conceito de educação e, predsamente, também no conceito
zação, mesmo que em roupagens diferentes, também se colo-, da educação pretensamente culta, isto eu sou o último a ne-
cam em outros países. Se quisermos combater este fenómeno gar. Acredito q u e e isto é Freud puro — justamente esses
por meio da educação, deverá ser decisivo remetê-lo a seus jnomentos repressivos da cultura produzem e reproduzem a
fatores psicológicos básicos... barbárie nas pessoas submetidas a essa cultura.
Adorno — N ã o apenas aos psicológicos, mas t a m b é m Becker — Por outro lado, poderíamos dizer que se exage-
aos objetivos, que se encontram nos próprios sistemas sodais. rarmos a ênfase à desbarbarização, então contribuímos para
Becker — Eu concebo a psicologia t a m b é m como um evitar a mudança da sodedade. Ajudamos eventualmente
fator objetivo. t a m b é m a evitar u m desenvolvimento em direção a "novas
Adorno — Sim, porém entendo como sendo fatores ob- fronteiras", como se diz na América. Servimos, por assim di-
jetivos neste caso os momentos sodais que, independentemente zer, à realização do lema "A calma é a obrigação primordial
da alma individual dos homens singulares, geram algo como da ddadania"; e penso que o decisivo estaria em determinar o
a barbárie. conteúdo predso da desbarbarização em face de muitas exi-
Neste momento estou mais inclinado a desenvolver es- gências ingénuas de tolerânda e de calma. Estou convenddo
sas questões' na situação alemã. N ã o por pensar que não se- •que isto não significa para o senhor u m desenvolvimento hos-

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til a mudanças. Mas seria dedsivo determinar com precisão o algo que as manifestações dos secundaristas de Bremen de-
que a desbarbarização deva ser neste contexto. monstra, então é predsamente a condusão de que a educa-
Adorno — Concordo inteiramente com o senhor quanto ção política não foi tão inútil como sempre se afirma; isto é,
a que o que imagiriO ser a desbarbarização n ã o se encontra que essas pessoas não permitiram que lhes fosse retirada a
no plano de u m elogio à moderação, uma restrição das afd- espontaneidade, que não se converteram em obedientes ins-
ções fortes, e nem mesmo nos termos da eliminação da agres-
trumentos da ordem vigente. A forma de que a ameaçadora
são. Neste contexto parece-me permanecer totalmente proce-
barbárie se reveste atualmente é a de, em nome da autorida-
dente a proposição de Strindberg: "Como eu poderia amar o
de, em nome de poderes estabeleddos, praticarem-se predsa-
bem, se não odiasse o mal".
mente atos que anundam, conforme sua própria configura-
De resto, o conhecimento psicológico defendido como
ção, a deformidade, o impulso destrutivo e a essênda mutilada
teoria justamente por Freud, coq» cujas reflexões acerca des-
da maioria das pessoas.
sas questões ambos nos revelamos impressionados, encontra-
Becker — Contudo predsamos tentar imaginar a pers-
se em concordânda t a m b é m com a possibilidade de sublimar
pectiva em que se situam os jovens. Onde adquirem os crité-
de tal.modo os chamados instintos de agressão, acerca dos
quais indusive ele manifestou concepções bastante diferentes rios para deddir o que é bárbaro? Frequentemente se distin-
durante sua vida, de maneira que justamente eles conduzam g e hoje em dia entre a violênda contra os homens e a
a t e n d ê n d a s produtivas. Portanto, creio que na luta contra a yiolênda contra as coisas.JDistingue-se entre a violênda que é
barbárie ou em sua eliminação existe u m momento de revolta praticada, e aquela que é apenas ameaça; ^ala-se de a u s ê n d a
que poderia ele próprio ser designado como bárbaro, se partís- de violência em ações em si mesmas proibidas. Por assim di-
semos de um concdto formal de humanidade. Mas já que to- zer, desenvolve-se uma graduação da ausênda efetiva e da au-
dos nós nos encontramos no contexto de cvdpabilidade do s ê n d a aparente de violênda, e a partir deste padrão a questão
próprio sistema, ninguém estará inteiramente Uvre de traços da barbárie passa a^ser avaliada por muitas pessoas. Se enten-
de barbárie, e tudo dependerá de orientar esses traços contra do bem, a barbárie parece ter u m outro sentido para o se-
o princípio da barbárie, em vez de permitir seu curso em dire- nhor. A_viglênda pode ser u m sintoma da barbárie, mas n ã o
ção à desgraça. precisa necessariamente sê-lo. Na realidade, ao senhor inte-
Becker — Gostaria de colocar \mia questão muito pred- ressa uma outra coisa, o que, na minha opinião, ainda n ã o
sa: recentemente u m político afirmou que os distúrbios de ficou daro.
rua em Bremen por causa dos aumentos tarifários dos trans- Adorno — Bem, parece ser importante definir a barbárie,
portes seriam uma comprovação da falênda da formação políti- por mais que me desagrade. Suspeito que a barbárie existe
ca, pois a juventude se manifestou por m d o de formas bárbaras em toda parte em que há uma regressão à violência física pri-
contra vima poáção pública, acerca de cuja justeza poderia haver mitiva.sem qúe haja uma vinailação transparente com obje-
várias visões, mas que não poderia ser respondida mediante o tivos radonais na sodedade, onde exista portanto a identifica-
que seriam confessadamente intervenções bárbaras. ção com a erupção da violênda física. Por outro lado, em
Adorno'— Considero esta afirmativa dtada pelo senhor circunstândas em que a violência conduzindusive a situações
como sendo uma forma condenável de demagogia. Se existe bem constrangedoras em contextos transparentes para a ge-

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ração de condições humanas mais dignas, a violênda n ã o discussão a reflexões sobre fins transparentes e humanos, e
pode sem mais nem menos ser condenada como barbárie. n ã o a reflexões em abstrato. Pois, e nisto o senhor está cober-
Becker — O senhor diria, se entendo bem, que, por to de razão, a reflexão pode servir tanto à dominação cega
exemplo, n ã o é barbárie a demonstração de jovens ou adultos como ao seu oposto. As reflexões predsam portanto ser
baseada em considerações radonais, ainda que rompa os limi- transparentes em sua finalidade humana. É necessário acres-
tes da legalidade. Mas que è barbárie, por outro lado, a inter- centar estes considerandos.
venção exagerada e objetivamente desnecessária da polida Becker — Chegamos a uma questão muito difícil: como
numa situação destas. educar jovens para que efetivamente apliquem essas reflexões
Adorno — Certamente penso assim. Se examinarmos a objetivos humanos, ou seja, isto é factível para os jovens? Eu
mais de perto os acontecimentos que ocorrem atualmente na diria que pode muito' bem ser possível, mas representa u m
rebelião estudantil, então descobriremos que de modo algum rompimento com u m conjunto de ideias que se tornaram
se trata neste caso de erupções primitivas de violênda, mas muito simpáticas. Por exemplo, uma proposição básica da pe-
em geral de modos de agir politicamente refletidos. Se neste dagogia recorrente na Alemanha, a de que a competição en-
caso esta reflexão é correta ou eqxxivocada, isto não precisa tre crianças deve ser prestigiada. Aparentemente aprende-se
ser discutido agora. Mas não é verdade que se trata de uma latim tão bem assim por causa da vontade de saber latim me-
consdência deformada, imediatamente agressiva. Os aconte- lhor do que o colega na carteira à nossa dirdta ou à nossa
dmentos são entendidos, na pior das hipóteses, como estan- esquerda. A competição entre indivíduos e* entre grupdsT^
do a serviço da humanidade. Creio que, quando u m time de consdentemente promovida por muitos professores e em '
fora que vence é ofendido e agredido num estádio, ou quan- muitas escolas, é considerada no mimdo inteiro e em siste-
do u m grupo de presumíveis bons d d a d ã o s agride estudantes mas políticos bem diversos como u m princípio pedagógico I
ainda que só mediante palavras, podemos apreender de u m partiailarmente saudávd. Sou inclinado a afirmar — e me
modo radical, a partir desses exemplos tão atuais, a diferença interessa saber sua^ opinião a respeito — que a competição,
entre o que é e o que não é barbárie. principalmente quando não balizada em formas muito flexí-!
Becker — Entretanto, em minha opinião as reflexões por veis e que acabem rapidamente, representa em si u m elemeiv^
si só não garantem u m parâmetro frente à existênda da bar- to de educação para a barbárie.
bárie. Enquanto dirigente governamental, por exemplo, pos- Adorno — Partilho inteiramente do ponto de vista se-
so me dispor ao uso de armas nudeares em algum lugar da gundo o qual a competição é u m princípio no fiando contrá-
Terra com base em considerações estritamente radonais, e rio a uma educação humana. De resto, acredito t a m b é m que
este ato pode ser bárbaro, apesar do procedimento abrangen- u m ensino que se realiza em formas humanas de manefra al-
te, controladíssimo, estritamente radonalizado e não subordi- guma xfltima o fortalecimento do instinto de competição.
nado a emoções graças à utilização de computadores. As re- Quando muito é possívd educar desta maneira esportistas,
flexões e a racionalidade por si não constituem provas contra mas não pessoas desbarbarizadas. Em minha própria época
a barbárie. escolar, lembro que nas chamadas humanidades a competição
Adorno — Mas eu não disse isto. Se me recordo — e sou não desempenhou papel algum. O importante era realizar
u m pai de família cuidadoso — me referi t a m b é m em nossa aqiulo que se tinha aprendido; por exemplo refletir acerca das

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debilidades do que a gente mesmo faz; ou as exigências que sequências anímicas equivocadas por meio da competição.
colocamos para nós mesmos ou à objetivação daquilo que Neste sentido creio que u m ponto dedsivo consiste t a m b é m
imaginávamos; trabalhar no sentido de superar representações em diminmr o peso das formas muito primitivas e marcadas
infantis e infantilismos dos mair diferentes tipos. da competitividade na educação física.
Abstraindo brincadeiras que transcorreram paralelamente, Adorno — Isto levaria a u m predomínio do aspecto lúdi-
em minha própria formação não me lembro de que o chamado co no esporte frente ao chamado desempenho máximo. Con-
impulso agônico tenha desempenhado aquele papel dedsivo que sidero esta uma inflexão particularmente humana indusive neste
lhe é atribuído. Na situação escolar, esta é uma daqudas mitolo- âmbito dos exerddos físicos, a qual, segundo penso, parece ser
gias que continuam lotando nosso sistema educadonal e que ne- estritamente contrária às concepções vigentes no mundo.
cessitam de uma análise dentífica séria. Becker — Isto vale para todas as suas afirmações acerca
Becker — Alegra-me muito o^ato de o senhor ter frequen- da competição, pois evidentemente poder-se-ia defender a
tado uma escola que lhe foi tão agradávd, e alegra-me a nossa tese de que é predso se preparar pela competição na escola
concordânda tão profunda acerca da recusa das iddas exagera- para uma sociedade competitiva. Bem ao contrário, penso
das de competitividade. Crdo que tanto no seu tempo como que o mais importante que a escola predsa fazer é dotar as
hoje a massa dos professores continua considerando a competiti- pessoas de u m modo de se reladonar com as coisas. E esta
vidade como um instrumento central da educação e um instru- relação com as coisas é perturbada quando, a competição é
mento para aumentar a efidênda. Eis um aspecto em que pode colocada no seu lugar. Nestes termos, creio que uma parte da
ser fdto algo de frmdamental em rdação à desbarbarização. desbarbarização possa ser alcançada mediante uma transfor-
Adorno — Isto é, desacostumar as pessoas de se darem mação da situação escolar numa tematização da relação com
cotovdadas. Cotoveladas constituem sem dúvida uma expres- as coisas, uma tematização em que o fim da proclamação de
são da barbárie. N o sistema educadonal inglês — por menos valores tem uma função, assim como t a m b é m a multiplidda-
que nos agrade o momento de conformismo que ele encerra, de da oferta de íoisas, possibilitando ao aluno uma seleção
o objetivo de se tornar brilhante, o que de fato não é uma boa mais ampla e, nesta medida, vima melhor escolha de objetos,
máxima, e que no fundo é hostil ao espfrito — encontra-se na em vez da subordinação a objetos determinados preestabele-
ideia de fair play momentos de uma consideração segundo a ddos, os inevitáveis cânones educadonais.
qual a motivação desregrada da competitividade encerra algo Adorno — Talvez eu possa voltar mais uma vez a certas
de desumano, e nesta medida há muito sentido em se apro- questões fundamentais na tentativa de uma desbarbarização
veitar do ideal formativo inglês o cetidsmo frente ao saudávd mediante a educação. Freud fundamentou de u m modo es-
desejo do sucesso. v sendalmente psicológico a t e n d ê n d a à barbárie e, nesta me-
Becker — Eu até iria mais além. Creio que erramos em dida, sem dúvida acertou na explicação de vxma série de mo-
insistir demasiado nesta ideia ainda hoje no esporte. Nvuna mentos, mostrando, por exemplo, que por intermédio da
sodedade gradualmente liberada dos esforços físicos, em que cultura as pessoas continuamente experimentam fracassos,
a atividade física assume uma importante função lúdica e es- desenvolvendo sentimentos de culpa subjacentes que acabam
portiva na escola que é muito mais importante do que jamais se traduzindo em agressão. Tudo isto é muito procedente,
ocorreu na história da humanidade, ela poderia provocar con- tem vima ampla diwdgação e poderia ser levado em conta pda

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educação na medida em que ela finalmente levar a sério as são. O senhor j á havia respondido com a citação de Strind-
conclusões apontadas por Freud, em vez de substituí-las pela berg. Mas penso que predsamos nos proteger de equívocos.
pseudo-profundidade de conhecimentos de terceira mão. Certamente o senhor conhece as propostas tom pouco sur-
Mas no momento refiro-me a uma outra questão. Penso preendentes de Konrad Lorenz, qu2 desenvolveu com suas
que, além desses fatores subjetivos, existe uma razão objetiva exposições acerca da agressão o ponto de vista de que, se qui-
da barbárie, que designarei bem simplesmente como a da fa- sermos preservar a paz mundial, será necessário abrir novos
l ê n d a da cvdtura. A cultura, que conforme sua própria natu- campos às agressões dos homens. E nessas considerações
reza promete tantas coisas, n ã o cvimpriu a sua promessa.JEla cabe, por exemplo, o campo esportivo há pouco descrito pelo
dividiu os homens. A divisão mais importante é aquela entre senhor ocupando o lugar da guerra a ser evitada. Acredito
trabalho físico e intelectual. Deste modo ela subtraiu aos ho- que — por mais interessantes e estimulantes que sejam as
mens a confiança em si e na própria cultura. E como costvmia observações de Konrad Lorenz acerca das agressões entre os
acontecer nas coisas humanas, a consequência disto foi que a animais — a c o n d u s ã o a que se chega nestes termos, ou seja,
raiva dos homens n ã o se dirigiu contra o não-cumprimento a recomendação de agressões de alívio, é muito perigosa.
da situação pacífica que se encontra propriamente no concei- Adorno — Ele condui assim por razões de darwinismo
to de cultura. Em vez disto, a raiva se voltou contra a própria sodal. T a m b é m a m i m ele parece extraordinariamente peri-
promessa ela mesma, expressando-se na forma fatal de que goso, porque implica de uma certa maneira reduzir os ho-
essa promessa n ã o deveria existir. mens ao estado de seres naturais.
Bem, na medida em que tais nexos, como o da falênda Becker — Não crdo que esta seja a opinião de Lorenz.
da cultxira, a j)erpetuação sodalmente irnpositiva da barbárie Adorno — Não, não é. Mas neste modo de pensar, como
e este mecanismo de deslocamento que há pouco descrevi também no de Portmann, seguramente existem certas ten-
são levados de u m modo abrangente à c o n s d ê n d a das pes- d ê n d a s desse tipo. Com a educação contra a barbárie no fun-
soas, seguramente n ã o se poderá sem mais nem menos mu- do não pretendo-nada além de que o último adolescente do cam-
dar esta situação, p o r é m será possívd gerar u m clima que é p o se envergonhe quando, por exemplo, agride u m colega com
incomparavelmente mais favorável a vuna transformação do rudeza ou se comporta de urn modo brutal com uma moça;
que o clima vigente ainda hoje na educação alemã. Esta ques- quero que por m d o do sistema educadonal as pessoas comecem
tão central para m i m é dedsiva; é a isto que me refiro com a a ser inteiramente tomadas pda aversão à violênda física.
função do esdaredmento, e de maneira nenhuma à conver- Becker — Quanto à aversão eu seria cuidadoso ...
são de todos os homens em seres inofensivos e passivos. A o Adorno — Então pergunto se não existem situações em
contrário: esta passividade inofensiva constitui ela própria, que sem violênda não é possível. Eu diria que neste caso tra-
provavelmente, apenas uma forma da barbárie, na medida em ta-se de uma sutUeza. Mas creio que antes de falarmos sobre
que está pronta para contemplar o horror e se omitir no mo- as exceções, sobre a dialética existente quando em certas cir-
mento dedsivo. cunstândas a antibarbárie requer a barbárie, é predso haver
Becker — Concordo inteiramente. Ainda mais quando dareza de que até hoje ainda não despertou nas pessoas a vergo-
eu temia rias suas exposições inidais que a desbarbarização nha acerca da rudeza existente no prindpio da cultura. E que
deveria começar, por assim dizer, com uma diminuição da agres: somente quando formos exitosos no despertar desta vergonha, de

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maneira que qualquer pessoa se torne incapaz de tolerar bru- vez a r e n ú n d a ao comportamento autoritário e à formação
talidades dos outros, só então será possível falar do resto. de vim superego rigoroso, estável e ao mesmo tempo exterio-
Becker — Bem, a palavra "vergonha" é muito mais do rizado. Por isto a dissolução de qualquer tipo de autoridade
nieu agrado, do que a palavra ariterior, "aversão". Existe vuna não esdaredda, prindpalmente na primeira infanda, consti-
Literatura ampla a este respeito que — como é do seu conhe- tui vim dos pressupostos mais importantes para uma desbar-
cimento — condviz a luta contra a barbárie por meio de vuna .barização. Mas eu seria o último a minimizar essas questões,
forma de descrição da barbárie que pode ser apreciada. E na pois os pais com que temos de lidar são,^por svia vez, t a m b é m
aversão exagerada frente à barbárie pode haver elementos produtos desta cviltura e são tão bárbaros como o é esta cul-
análogos. Nestes termos considero mais procedente a sua tura. O direito de, punição continua sabidamente a ser, em
afirmação de que é predso gerar uma vergonha. Além disto terras alemãs, u m recurso sagrado, de que as pessoas dificil-
eu diria que a educação (e por istf^ o termo "esdarecimento" mente abrem mão, tal como a pena de morte e outros diposi-
talvez ainda predse de esdarecimentos) nessas questões deve- tivos igualmente bárbaros.
ria se dar com as crianças ainda bem pequenas. É necessário Becker — Se concordamos acerca de como é dedsiva a
que determinados desenvolvimentos ocorram nvun período educação na primeira infância, então provavelmente t a m b é m
etário — como diríamos hoje — da pré-escola, onde não se concordamos em relação a que a autoridade esdaredda, tal
verificam apenas adequações sodais dedsivas e definitivas, como o senhor a formula, não representa uma substituição
como sabemos hoje, mas t a m b é m ocorrem adaptações dedsi- da autoridade pelo esdarecimento, mas que neste âmbito e
vas das disposições anímicas. E é preciso reconhecer com bas- justamente na primeira infância predsa haver t a m b é m mani-
tante franqueza que em primeiro lugar sabemos pouco acerca festações de autoridade.
de todo este processo de sodalização, e t a m b é m ainda temos Adorno — Determinadas manifestações de autoridade,
pouco conhecimento dentificamente comprovado acerca de que assumem u m outro significado, na medida em que já n ã o
que ações t ê m quais efeitos nesta idade. N o fundo, o impor- são cegas, não íe originam do prindpio da violênda, mas são
tante é deixar as agressões se expressarem nesta idade, mas ao consdentes, e, sobretudo, que tenham u m momento de
mesmo tempo inidar a sua elaboração. Mas é isto precisa- transparência indusive para a própria criança; quando os pais
mente que coloca as dificuldades maiores ao educador, dei-
"dão uma palmada" na criança porque ela arranca as asas de
xando assim bem daro que no referente a esse problema a
uma mosca, trata-se de u m momento de autoridade que con-
formação de educadores encontra-se engatinhando, se é que
tribui para a desbarbarização.
chegou a tanto.
Becker — Isto está inteiramente correto. Creio que con-
Adorno — Como alguém que pensa psicologicamente, cordamos quanto a que, nessa primeira infanda e no sentido
isto parece-me ser quase uma obviedade. Jsto deve-se a que a da desbarbarização, a criança não pode ser nem submetida
p e r p e t u a ç ã o da barbárie na educação é mediada essendal- autoritariamente à violênda, nem submetida à insegvirança
mente pelo princípio da autoridade, que se encontra nesta total pelo fato de não se oferecer a ela nenhuma orientação.
cultura ela própria. A tolerânda frente às agressões, colocada Adorno — Contudo, creio que justamente as crianças
com muita razão pelo senhor como pressuposto para que as que são anêmicas no sentido das concepções vigentes dos
agressões renundem a seu caráter bárbaro, pressupõe por sua adultos e t a m b é m dos pedagogos, as chamadas plantas de es-

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tufa, com as quais foi exitosa já precocemente como que uma
sublimação da agressão, serão t a m b é m como adultos ou EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
como adolescentes aqueles que são relativamente imunes em
face das agressões da barbárie. O importante é predsamente
isto. Acredito ser importante para a educação que se supere
este tabu acerca da diferendação, da intelectualização, da es-
piritualidade, que vigora em nome do menino saudável e da
menina espontânea, de modo que consigamos diferendar e
tornar tão delicadas as pessoas no processo educadonal que
elas sintam aquela vergonha acerca de cuja i m p o r t â n d a ha- Adorno — A exigência de e m a n d p a ç ã o parece ser evi-
víamos concordado. dente numa democrada. Para predsar a questão, gostaria de
remeter ao i n í d o do breve ensaio de Kant intitulado "Respos-
ta à pergunta: o que é esdaredmento?". Ali ele define a me-
noridade ou tutela e, deste modo, t a m b é m a e m a n d p a ç ã o ,
afirmando que este estado de menoridade é auto-inctilpável
quando sua causa não é a falta de entendimento, mas a falta
de d e d s ã o e de coragem de servir-se do entendimento sem a
orientação de outrem. "Esdarecimento é a saída dos homens
de sua auto-inculpável menoridade". Este programa de Kant,
que mesmo com a maior m á vontade não pode ser acusado
de falta de dareza, parece-me ainda hoje extraordinariamente
atual. A democracia repousa na formação da vontade de cada
vmi em particular, tal como ela se sintetiza na instituição das
eleições representativas. Para evitar u m resultado irracional é
preciso pressupor a aptidão e a coragem de cada u m em se
servir de seu próprio entendimento. Se abrirmos m ã o disto,
todos^ os disciu-sos quanto à grandeza de Kant tornarn-se.
mera retórica, exterioridade;_como quando estamos na Ala-
meda da Vitória e chamam a nossa atenção para o grande
P r í n d p e Eleitor. Quando se pretende levar a sério o conceito
de uma tradição intelectual alemã, é predso começar reagin-
do energicamente a uma tal simação.
Becker — Parece-me ser possível mostrar daramente a
•partir de toda a concepção educacional até hoje existente na
Alemanha Federal que no fundo não somos educados para a

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e m a n d p a ç ã o . Pensando na simples situação da estruturação heteronomamente, simação que confere uma i m p o r t â n d a
tríplice de nossa educação em escolas para os denominados ainda maior ao processo.
altamente dotados, em escolas para os denominados media- Adorno — Gostaria de sustentar por uma perspectiva
namente dotados e em muitas escolas para os que seriam pra- bem diversa essa questão fundamentada pelo senhor nos ter-
ticamente desprovidos de talento, encontra-se nela já prefigu- mos de vuna reflexão espedfica acerca de u m dos problemas
rada luna determinada menoridade inidal. Acredito que n ã o pedagógicos mais importantes da Alemanha, na medida em
fazemos jus completamente à questão da e m a n d p a ç ã o se n ã o que o sentido de nosso diálogo n ã o reside em discutirmos
inidamos por superar, por meio do esdarecimento, o falso acerca de algo que sequer sabemos com segurança ser contro-
conceito de talento^ determinante em nossa educação. Mui- verso, e sim em que abordemos as mesmas questões a partir
tos de nossos ouvintes sabem que recentemente publicamos dos diferentes contextos que são peculiares à nossa experiên-
o laudo "Talento e aprendizado'^ do Conselho Alemão de da, procurando ver pela via da experiênda os resultados cor-
Educação, em que procuramos tornar daro com base em ca- respondentes. Se me é permitido dizer algo bastante pessoal,
torze laudos de psicólogos e sociólogos que o talento não se tenho tido a experiênda de que o efeito das minhas próprias
produções, quando existe, na verdade n ã o se reladona de
encontra previamente configurado nos homens, mas que. em
modo dedsivo com talento individual, inteligênda ou catego-
seu desenvolvimento, ele depende do desafio a que cada u m
rias semelhantes, mas que, devido a vuna série de acasos feli-
é submetido. Isto quer dizer que é possível "conferir talento"
zes de que n ã o me vanglorio e para q u e . n ã o contribuí em
a alguém. A partir disto a possibilidade de levar cada u m a
nada, não fui submetido em minha formação aos mecanis-
"aprender por intermédio da motivação" converte-se numa
mos de controle da d ê n d a no modo usual. Portanto, conti-
forma particular do desenvolvimento da emancipação.
nuo arriscando ter pensamentos não-assegurados, via de re-
Evidentemente a isto corresponde uma instituição esco- gra cedo banidos dos hábitos da maioria das pessoas por esse
lar em cuja estruturação não se perpetuem as desigualdades mecanismo de controle poderosíssimo chamado universidade
espedficas das dasses, mas que, partindo cedo de uma supe- — sobretudo no período em que são, como se costvima dizer,
ração das barreiras classistas das crianças, torna praticamente assistentes. Assim, a própria dência revela-se em suas diversas
possível o desenvolvimento em direção à e m a n d p a ç ã o me- áreas tão castrada e estéril, em d e c o r r ê n d a desses mecanis-
diante uma motivação do aprendizado baseada n;ama oferta mos de controle, que até para continuar existindo acaba ne-
diversificada ao extremo. Para nos expressarmos em termos cessitando do que ela mesma despreza. Se tal afirmação for
corriqueiros, isto n ã o significa emancipação mediante a esco- correta, implicará a demolição desse fetiche do talento, de
h para todos, mas e m a n d p a ç ã o pela demolição da estrutiua- evidente vinculação estreita com a antiga crença romântica
ção vigente em três níveis e por intermédio de vuna oferta na genialidade. Isto, além do mais, encontra-se em concor-
formativa bastante diferenciada e múltipla em todos os níveis, dância com a condusão psicodinâmica segundo a qual o ta-
da pré-escola até o aperfeiçoamento permanente, possibilitan- lento n ã o é uma disposição natural, embora evenmalmente
do, deste modo. o desenvolvimento da e m a n d p a ç ã o em cada tenhamos que conceder a existência de u m resíduo natural —
indivíduo, o qual predsa assegurar sua e m a n d p a ç ã o em u m nesta questão não há que ser puritano — , mas que o talento,
mundo que parece particularmente determinado a dirigi-lo tal como verificamos na relação com a linguagem, na capad-

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dade de se expressar, em todas as coisas assim, constitui-se, vendo na Alemanha até mesmo uma questão aparentemente
em uma importantíssima proporção, em função de condições tão pertinente ao plano do espírito como a emandpação.
sociais, de modo que o mero pressuposto da emancipação de Assim Ernst Lichtenstein, em seu livro Educação, autori-
que depende uma sodedade livre j á ençontra-se determinado dade, responsabilidade — reflexões para uma ética pedagógica
pela a u s ê n d a de liberdade da sodedade. que, se estou corretamente informado, é muito influente so-
Becker — N ã o pretendo apresentar novamente, por as- bretudo nas discussões acerca da Volksschule, a escola para as
sim dizer, todo o arsenal reladonado a essa questão. Mas é camadas mais populares, afirma que: ,,;,4^.
preciso dizer que, por exemplo, tudo o que Basil Bernstein
Não estaríamos ameaçados pela realidade de uma decadência rápida
descobriu acerca do desenvolvimento da linguagem na infan-
e terrível do sentido de autoridade, de respeito, de confiança, de
da em segmentos sodalmente inferiores, e o que Oevermann crença na ordem em vigor, de disposição ao compromisso em todos
adaptou para a Alemanha revelan^com toda dareza que j á no os planos da vida, de modo que às vezes uma educação positiva,
i n í d o da socialização podem se colocar condições que impli- edificante, profunda, queira se apresentar como ameaçada?
quem uma ausência de emandpação dvuante toda a vida. De
resto me diverti acompanhando as suas considerações auto- N ã o pretendo sequer me deter nas jfrases de que Lich-
biográficas, porque talvez não seja por mero acaso que nós tenstein se serve. O interessante a ser talvez notado t a m b é m
dois estejamos inseridos na d ê n d a hoje, embora n ã o tenha- pelos nossos ouvintes é que aqui n ã o se fala 4e compromissos
mos uma trajetória típica para essa dência e justamente por baseados em uma posição cuja verdade objetiva se assume
isto nos encontremos em condições de conversar acerca do com base em motivos para tanto, como no tomismo medie-
conceito de e m a n d p a ç ã o . val nos termos da situação espiritual então vigente, mas se
Adorno — Contudo, o que é peculiar no problema da advoga pelo compromisso e pela ordem talvez porque sejam
e m a n d p a ç ã o , na medida em que esteja efetivamente centra- bons por u m ou outro motivo, sem qualquer consideração
do no complexo pedagógico, é que mesmo na literatura pe- em relação à aufonomia e, portanto, à emancipação. Trinta
dagógica n ã o se encontre esta tomada de posição dedsiva ou quarenta páginas depois, Lichtenstein declara: "Afinal o
pela educação para a emandpação, como seria de se pressu- que significa 'autonomia'? Nominalmente significa autolegis-
por — o que constitui algo verdadeiramente assustador e lação, legislação para si próprio. Isto já induz à confusão".
muito nítido. Confusão para quem?
Com o auxilio de amigos acompanhei u m pouco a lite-
Pois este conceito [...] porta inevitavelmente a ideia de uma razão
ratura pedagógica acerca da temática da e m a n d p a ç ã o . Mas,
legisladora soberana absoluta, que também na educação reivindica-
no lugar de emandpação, encontramos vun conceito guarne-
ria ser a única medida. Esta pressuposição do "ser humano autóno-
ddo nos termos de uma ontologia existendal de autoridade, mo" [...] é irrealizável para os cristãos.
de compromisso, ou outras abominações que sabotam o con-
cdto de emandpação atuando assim não só de modo implídto, Bem, Kant certamente era cristão.
mas explidtamente contra os pressupostos de uma democrada.
Em minha opinião essas coisas deveriam ser expostas e apresen- Mas também a reflexão histórica demonstraria que a ideia de uma
tadas de modo mais acessívd, tal é o mofo que continua envol- pedagogia da razão pura é simplesmente falsa. Objetivos educacio-

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nais nunca são posicionamenios do pensamento, nunca são racio- educar. É efetivamente mvuto interessante este fenómeno da
nalmente impositivos, universalmente válidos. continuidade mvmdial do domínio da educação n ã o - e m a n d -
padora, embora a época do esdarecimento já vigore há tem-
Creio que filosoficamente é muito bem possível criticar pos, e embora certamente não apenas em Kant, mas t a m b é m
o conceito de luna razão absoluta, bem coiuo a ilusão de que em Karl Marx haja muitas coisas que se o p õ e m a essa educa-
o mundo seja o produto do espírito absoluto, mas por causa ção não-emandpadora.
disto n ã o é permitido duvidar de que sem o pensamento, e
Em sua dtação anterior fiquei particularmente impres-
u m pensamento insistente e rigoroso, n ã o seria possível de-
sionado com a constatação de que a imagem do ser humano
terminar o que seria bom a ser feito, vuna prática correta. a u t ó n o m o seria irrealizável para os cristãos. É interessante
Simplesmente vincular a crítica filosófica do idealismo com a que todo o movimento reformador cristão, da igreja confes-
denúncia do pensamento constitíli para m i m vmi sofisma sional até o concílio, se mova progressivamente em torno do
abominável, que precisa ser exposto com clareza para levar a chamado cristão emandpado. Aqui certamente não podemos
este mofo finalmente uma luz que possibilite sua explosão. tratar também dos problemas teológicos. Mesmo assim é pre-
Becker — N ã o tenho certeza se este mofo pode explodir, dso constatar que em ambas as igrejas existe hoje vuna inter-
mas... pretação teológica que leva a sério o conceito de emandpa-
Adorno — Creio que, qviimicamente, é possível. Mas n ã o ção de um modo semelhante à sua concepção em Kant, a
sei se é possível sodalmente. partir do que efetivamente questiona massivamente a estrutu-
Becker — O problema extrapola bastante a Alemanha e ra vigente de ambas as igrejas.
o pensamento alemão. H á alguns anos a imprensa norte-ame- Adorno — Certamente. O próprio pequeno ensaio de
ricana anvmdava o êxito de que Caroline Kennedy "convertia- Kant atesta esta direção, ao explidtar que existiriam na pró-
se nvuna criança cada vez mais adaptada". O simples fato de a pria igreja de seu tempo possibilidades de e m a n d p a ç ã o tal
adaptação ser o êxito prindpal da educação infantil já deveria como ele a concebe. Mas o senhor tem toda a razão quanto a
ser motivo de reflexão, pois este tipo de pedagogia desenvol- que o problema da e m a n d p a ç ã o não é unicamente alemão,
veu-se num mundo completamente desvinculado dos efeitos mas internadonal. E, poderíamos acrescentar, u m problema
do idealismo alemão. que ultrapassa em muito os limites dos sistemas políticos.
Adorno — Marcado mais pdo darwinismo do que por H d - Nos Estados Unidos, efetivamente, duas exigêndas diferentes
degger. Mas os resultados são muito semelhantes. se chocam diretamente: de u m lado, o vigoroso individualis-
Becker — Eu queria chegar justamente neste ponto. mo, que não admite preceitos, e de outro lado a ideia da
Creio que a questão da emandpação é a rigor vun problema adaptação assumida do darwinismo por intermédio de Spen-
mundial. Estive dvirante algvunas semanas visitando escolas cer, o ajustamento, que ainda há trinta ou quarenta anos
da União Soviética. Foi muito interessante ver como num país constituía uma palavra mágica na América e que imediata-
que há mviito tempo realizou a transformação das relações de mente tolhe e restringe a independênda no próprio ato, mes-
produção mudou extraordinariamente pouco em termos de mo de sua prodamação. Aliás, trata-se de uma contradição
não educar as crianças para a emancipação e que nessas esco- que percorre toda a história bvuguesa. Que ideologias de ca-
las persista dominando um estilo totalmente autoritário de racterização tão diferente como a ideologia vulgar do prag-

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matismo, na América, e a filosofia de Heidegger, na Alema- de autoridade. Investigações empíricas tais como as realizadas
nha, terminem por coincidir justamente no mesmo, isto é, na nos EUA por minha finada colega Else Frenkel-Brunswik reve-
glorificação da heteronomia, isto confirma a teoria das ideo- laram justamente o contrário, ou seja, que as crianças chama-
logias, na medida em que até mesmo formações intelectuais das comportadas tornaram-se pessoas autónomas e com opi-
que se oponham t ã o asperamente quanto a seu conteúdo po- niões próprias antes das crianças refratárias, que, uma vez
dem, repentinamente, coincidir nos termos de sua referência adultas, imediatamente se reúnem com seus professores nas
social, ou seja, naquilo que procuram manter ou defender. mesas dos bares, brandindo os mesmos discursos. É o proces-
Como, aliás, são quase chocantes as coincidências entre o po- so — que Freud denominou como o desenvolvimento nor-
sitivismo ocidental e o que ainda sobrou de metafisica na Ale- mal — pelo qual as crianças em geral se identificam com uma
manha. Seria possível afirmar que essas coincidências aponta- figura de pai, portanto, com uma autoridade, interiorizando-
riam até mesmo a falênda da filosofi^ a, apropriando-a, para então ficar sabendo, por u m processo
Becker — Em sua d t a ç ã o ainda uma outra questão cha- sempre muito doloroso e marcante, que o pai, a figiira pater-
m o u minha atenção. É correto considerar a autonomia nesta na, não corresponde ao eu ideal que aprenderam dele, Uber-
forma como conceito oposto à autoridade? N ã o seria necessá- tando-se assim do mesmo e tornando-se, predsamente por
rio refletir essa relação de u m modo u m pouco diverso? essa via, pessoas emandpadas. Penso que o momento da au-
Adorno — Creio até mesmo que ocorram algvms abusos toridade seja pressuposto como u m momentci genético pelo
com o conceito de autoridade. Justamente eu, que afinal sou processo da e m a n d p a ç ã o . Mas de maneira algutma isto deve
o responsável prindpal pela Authoritarian Personalíty — e n ã o possibilitar o mau uso de glorificar e conservar esta etapa, e
estou me referindo a ser responsável pelo fenómeno que ali quando isto ocorre os resultados n ã o serão apenas mutilações
se aborda — , tenho u m certo direito de apontar esta questão. psicológicas, mas justamente aqueles fenómenos do estado
Em primeiro lugar, autoridade é u m conceito essendalmente de menoridade, no sentido da idiotia sintética que hoje cons-
psícossodal, que n ã o significa imediatamente a própria reali- tatamos em todos cfs cantos e paragens.
dade sqdal,. Além disso existe algo como uma autoridade técnica Becker — Creio que é importante fixarmos esta questão:
— ou seja, o fato de que u m homem entende mais de algum que evidentemente o processo de rompimento com a autori-
assunto do que outro — , que não pode simplesmente ser des- dade é necessário, p o r é m que a descoberta da identidade, por
cartada. Assim, o conceito de autoridade adquire seu signifi- sua vez, não é possível sem o encontro com a autoridade.
cado no âmbito do contexto sodal em que se apresenta. Disto resulta uma série de consequêndas muito complexas e
Mas quero acrescentar ainda algo mais espedfico, já que aparentemente contraditórias para a elaboração de nossa es-
o senhor apontou a questão da autoridade; algo que se rela- trutura educacional. Afirma-se que não tem sentido uma es-
dona ao processo de sodalização na primeira infância, e por cola sem professores, mas que, por sua vez, o professor pred-
esta via eu diria que se refere como que ao ponto de con- sa ter dareza quanto a que sua tarefa prindpal consiste em se
fluênda das categorias sodais, pedagógicas e psicológicas. O tornar supérfluo. Esta simultaneidade é tão difícil porque nas
modo pelo qual — falando psicologicamente — nos conver- formas de relacionamento atuais corre-se o risco de u m com-
temos em u m ser humano autónomo, e portanto emandpa- portamento autoritário do professor estimulando os alunos a
do, não reside simplesmente no protesto contra qualquer tipo se afastar dele. Nesses termos todo esse processo que o se-

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19 ^tXÁ

nhor acabou de descrever seria praticamente destruído por poder efetivar essa identificação, justamente porque as resis-
uma falsa focalização. O resultado será uma emancipação ilu- t ê n d a s a ela são excessivamente poderosas. E predsamente
sória de esmdantes que acabará em superstição e na depen- porque não conseguem realizar a identificação, porque h á
dência de todo vun conjvuito de manipulações. inúmeros adultos que no fiando apenas representam u m ser
Adorno — Concordo inteiramente. Talvez se possa ver o adulto que nunca conseguiram ser totalmente, e assim possi-
problema da menoridade hoje ainda por u m outro aspecto, velmente predsam sobre-representar sua identificação com
talvez pouco conhecido. De uma maneira geral afuma-se que tais modelos, exagerar, encher o peito, bravejar com voz adul-
a sodedade, segundo a expressão de Riesman, "é dirigida de ta, só para dar credibilidade frente aos outros ao papel mal-su-
fora", que ela é h e t e r ô n o m a , supondo nesses termos simples- cedido para eles próprios. Creio que justamente esse meca-
mente que, como t a m b é m Kant o faz de u m modo bem pare- nismo gerador da menoridade t a m b é m pode ser encontrado
d d o no texto referido, as pessoas acatam com maior ou me- entre certos intelecmais. - '
nor resistênda aquilo que a existênda dominante apresenta à Becker — Imagino que não apenas entre intelectuais. Se
sua vista e ainda por cima lhes inculca à força, como se aquilo aplicarmos o conceito de papel a todo o espectro sodal, en-
que existe predsasse existir dessa forma. contrariamos manifestações semelhantes em todas as cama-
H á pouco eu dizia que os mecanismos da identificação e das da sodedade. Tome-se a situação de vima empresa onde
da susbtituição nvmca acontecem sem deixar marcas. Gostaria indusive o trabalhador individual, o aprendiz, o empregado,
de ressaltá-lo em relação ao próprio conceito de identificação. justamente quando insatisfeito com sua situação, representa
Certamente o conjunto de nossos leitores já ouviu falar do funções, papéis que provêm das mais diferentes situações.
conceito de fiinção que desde Merton^e sobretudo desde Tal- Creio que se aplicarmos as consequêndas da necessidade da
cott Parsons desempenha vun papel tão importante na socio- e m a n d p a ç ã o ao conjunto do processo de trabalho, rapida-
logia contemporânea, sem que de vun modo geral as pessoas mente tenhamos que conduir por mudanças bastante profun-
atentem a que já no próprio conceito de função ou papel, das em toda nosSa formação profissional. Volto a destacar a
derivado do teatro, prolonga-se a não-identidade dos seres referenda ao conselho educadonal e às recentes recomenda-
humanos consigo mesmos. Isto é, quando a função é convert- ções para a formação dos aprendizes. O fato de na Alemanha
ida em u m padrão sodal, por essa via se perpetua também ainda termos vima formação de aprendizes que — abstraindo
que os homens n ã o são aqueles que eles mesmos são, portan- de vim n ú m e r o reduzido de excelentes empresas de grande
to que eles são não-idênticos. Considero repugnante a versão porte — provém propriamente do período pré-industrial, i m -
normativa do conceito de papel, e é predso contrapor-se a ele plica efetivamente que perpetuamos formas de menoridade e
com todo o vigor. Mas de vim ponto de vista fenomenológi- que toda a formação no local de trabalho, todo o chamado on
co, portanto como descrição de uma situação de fato, ele é the job training ocorre na prática com muita frequência sob
procedente. Quer me parecer que para a maioria das pessoas formas de adestramento; nos casos de reeducação que se
as identificações com o superego que efetuam e de que então apresentam atualmente, por exemplo, na agricultura e na m i -
n ã o conseguem mais se libertar sempre eram ao mesmo tem- neração, de enorme importância numérica, deparamo-nos
po mal-sucedidas. Portanto, pessoas incontáveis interiorizam, com as dificuldades resultantes de oferecermos determinados
por exemplo, o pai opressivo, brutal e dominador, mas sem aprendizados bem objetivos, mas sempre fracassamos nos ter-

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mos dessa oferta, porque junto com ela não transmitimos ou Becker — vcho que não predso chamar sua atenção para
não conseguimos transmitir o comportamento a u t ó n o m o . a dialética do esdarecimento; acrescento apenas que eviden-
Por exemplo, quando alguém que trabalhou como contador e temente o mesmo processo que torna possível a maioridade
se tornou supérfluo pela introdução das máquinas correspon- pela e m a n d p a ç ã o também coloca em risco os resultados da
dentes, devendo passar por luna preparação educadonal e m a n d p a ç ã o a partfr da fraqueza do eu ou do risco da fraque-
como programador, é necessário que não aprenda apenas o za do eu.
que deverá fazer, mas receba t a m b é m uma outra perspectiva Adorno — Sim, este é u m risco muito grave. Creio que
de orientação, uma outra dimensão de pensamento. Para isto nestes termos chegamos propriamente ao ponto crítico de
seria necessário, por exemplo, aprender possivelmente uma nossa discussão. No ensaio que dtei no início, referente à per-
outra língua, mesmo sem necessitá-la, pois deste modo de- gunta "vivemos atualmente em uma época esdaredda" Kant
senvolve-se u m outro plano de experiênda. Esta combinação respondeu: "Não, mas certamente em vuna época de esdare-
entre preparação imediata e horizolrite de orientação é algo cimento". Nestes termos ele determinou a e m a n d p a ç ã o de
que na prática ainda falta a toda nossa formação profissional e u m modo inteiramente consequente, n ã o como uma catego-
que eu considero tão importante porque, num mundo como ria estática, mas como uma categoria dinâmica, como u m vfr-
o nosso, o apelo à e m a n d p a ç ã o pode ser uma e s p é d e de dis- a-ser e não vun ser. Se amalmente ainda podemos afirmar que
farce da manutenção geral de u m estado de menoridade, e vivemos numa época de esdarecimento, isto tornou-se muito
porque é muito importante traduzir a possibilidade de eman- questionável em face da pressão inimaginávd exerdda sobre
dpação em situações formativas conaetas. as pessoas, seja simplesmente pela própria organização do
Adorno — Sim, certamente este t a m b é m é u m momen- mundo, seja num sentido mais amplo, pelo controle planifica-
to significativo. Sem assumir a pretensão de julgar obrigato- do até mesmo de toda realidade interior pela indvistria cultu-
riamente a respeito desse setor específico, gostaria de acres- ral. Se não qviisermos aplicar a palavra "emancipação" n u m
centar que a e m a n d p a ç ã o precisa ser acompanhada de uma sentido merameqte retórico, ele próprio tão vazio como o
certa firmeza do eu, da unidade combinada do eu, tal como discvirso dos compromissos que as outras senhorias empu-
formada no modelo do indivíduo burguês. A situação atual- nham frente à emandpação, então por certo é predso come-
mente muito requisitada e, reconheço, inevitável, de se adap- çar a ver efetivamente as enormes dificvildades que se o p õ e m
tar a condições em permanente mudança, em vez de formar à emancipação nesta organização do mundo. Creio que deve-
m n eu firme, relaciona-se, de uma maneira a meu ver muito ríamos dizer algo a este respeito.
problemática, com os fenómenos da fraqueza do eu conhed- O motivo evidentemente é a contradição sodal; é que a
dos pela psicologia. Considero como questão em aberto se organização sodal em que vivemos continua sendo heterôno-
isto efetivamente favorece a e m a n d p a ç ã o em pessoas pratica- ma, isto é, nenhuma pessoa pode existfr na sodedade atual
mente desprovidas de uma representação sólida da própria realmente conforme suas próprias determinações; enquanto
profissão, e que mudam e se adaptam relativamente sem es- isto ocorre, a sodedade forma as pessoas mediante inúmeros
forço, ou se justamente essas pessoas se revelam como não- canais e instândas mediadoras, de u m modo tal que tudo ab-
emandpadas, .na medida em que aos domingos deixam de sorvem e aceitam nos termos desta configuração h e t e r ô n o m a
lado qualquer reflexão nos estádios esportivos. que se desviou de si mesma em sua c o n s d ê n d a . É daro que

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isto chega até às instituições, até à discussão acerca da educa- pode ser pressuposta sem mais nem menos, uma vez que ain-
ção poUtica e outras questões semelhantes. O problema pro- da predsa ser elaborada em todos, mas realmente em todos
priamente dito da emancipação hoje é se e como a gente — e os planos de nossa vida, e que, portanto, a única concretiza-
quem é "a gente", eis uma grande questão a mais — pode ção efetiva da e m a n d p a ç ã o consiste em que aquelas poucas
enfrentá-lo. pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua ener-
Becker — Ao que me parece, neste aspecto vuna das tare- gia para que a educação seja vuna educação para a contradi-
fas mais importantes na reforma da escola é o fim da educa- ção e para a resistência. Por exemplo, imaginaria que nos ní-
ção conforme l u n cânone estabelecido e a substituição deste veis mais adiantados do colégio, mas provavelmente t a m b é m
cânone por vuna oferta disciplinar muito diversificada, por- nas escolas em geral, houvesse visitas conjuntas a filmes co-
tanto, vuna escola — conforme a expressão técnica — dotada merdais, mostrando-se simplesmente aos alunos as falsidades
de ampla diferendação eletiva e extepsa diferendação interna aí presentes; e que se proceda de maneira semelhante para
no plano das diferentes disdplinas. Todos os "jogos de eman- imunizá-los contra determinados programas matinais ainda
d p a ç ã o " , tais como se dão, por exemplo, na partidpação estu- existentes nas rádios, em que nos domingos de manhã são
dantil na administração, adquirem outro significado na medi- tocadas músicas alegres como se vivêssemos num "mundo
da em que o próprio aluno partidpa individualmente ou em feliz", embora ele seja u m verdadefrp horror; ou então que se
grupo da definição de seu programa de estudos e da seleção leia junto com os alunos uma revista ilustrada, mostrando-
de sua programação de disdplinas, tornando-se por esta via Ihes como são iludidas, aproveitando-se suas próprias necessi-
não apenas mais motivado para os estudos, mas t a m b é m dades impulsivas; ou então que u m professor de música, n ã o
acostumado a ver no que acontece na escola o resultado de oriundo da música jovem, proceda a análises dos sucessos
suas dedsões e não de dedsões previamente dadas. Tenho musicais, mostrando-lhes por que u m hit da parada de suces-
certeza que evidentemente t a m b é m este sistema, quando uti- sos é tão incomparavelmente pior do que u m quarteto de
lizado do modo correspondente, pode se converter em facha- Mozart ou de Beetfiioven ou vima peça verdadeiramente au-
da aparente e usado de fato como instânda tecnocrática de têntica da nova música. Assim, tenta-se simplesmente come-
seleção. Mas acredito que isto não é inevitável. Parece-me çar despertando a consdência quanto a que os homens são
que nas manifestações frequentemente abstrusas da oposição enganados de modo permanente, pois hoje em dia o mecanis-
estudantil existe atualmente vxm núcleo verdadeiro através do mo da ausência de e m a n d p a ç ã o é o mundus vult decipi em
qual se poderia — bem, n ã o quero dizer "apreendê-la" —, âmbito planetário, de que o mundo quer ser enganado. A
mas ao qual se deveria dar a resposta verdadeira, oferecendo consdência de todos em relação a essas questões poderia re-
ao estudante com vontade de partidpar das decisões a chance de sviltar dos termos de vuna crítica imanente, já que nenhvxma
partidpar da definição de seu próprio currícvilo escolar objetivo. democrada normal podería se dar ao Ivixo de se opor de ma-
nefra explídta á vun tal esclarecimento. Por outro lado, posso
Adorno — Tenho a impressão de que, por mais que isto
muito bem imaginar o lobby da indústría dnematográfica
seja almejável, tudo ainda se dá excessivamente no âmbito
imediatamente presente na capital caso houvesse tal inidati-
institudonal, sobretudo da escola. Mesmo correndo o risco
va, explidtando que deste modo pretendemos promover uma
de ser taxado dé filósofo, o que, afinal, sou, diria que a figura
propaganda ideológica unilateral, além de prejudicarmos, por
em que a e m a n d p a ç ã o se concretiza hoje em dia, e que n ã o

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outro lado, os interesses económicos da indústria cinemato- do firente ao otimismo possivehnente assodado ao discutido.
gráfica, t ã o importantes para o balanço das finanças alemãs. Quero dizer apenas que até mesmo esse homem emandpado
N l u n processo real para promover a emancipação tudo isto permanece arriscado — o senhor mesmo alertou para essa
teria de ser levado em conta. questão — a não ser emandpado.
Becker — Com o que ainda ficamos sem saber se esses Adorno — Quero atentar expressamente para este risco.
filmes desvendados dessa maneira exercem mesmo assim, E isto simplesmente porque não só a sodedade, tal como ela
com base em motivações subjacentes muito bem conhecidas existe, m a n t é m o homem não-emandpado, mas porque qual-
ao senhor, u m poder de atração considerável, de modo que quer tentativa séria de conduzir a sodedade à e m a n d p a ç ã o
talvez a indústria cinematográfica acabe inclinada a conside- — evito de propósito a palavra "educar" — é submetida a
rar esse desvendamento uma e s p ^ e de propaganda, em vez resistêndas enormes, e porque tudo o que h á de r u i m no
de opor-se de cara ao mesmo. mundo imediatamente encontra seus advogados loquazes,
Adorno — Mas é possível torná-los "infectos" aos jovens. que procurarão demonstrar que, justamente o que pretende-
Todas as épocas produzem os termos que lhe são apropria- mos encontra-se de há muito superado ou então está desatua-
dos. E muitas dessas expressões são muito boas, como por lizado ou é utópico. Prefiro encerrar a conversa sugerindo à
exemplo "nojento", "tornar infestado". Eu advogaria bastante atenção dos nossos ouvintes o fenómeno de que, justamente
uma educação do "tornar infecto", -v quando é grande a ânsia de transformar, a repressão se torna
Becker — Gostaria de abordar mais uma questão que neste muito fácil; que as tentativas de transformar efetivamente o
nosso mundo em u m aspecto específico qualquer imediata-
contexto sempre me perturba. Imaginemos por u m instante fa-
mente são submetidas à p o t ê n d a avassaladora do existente e
zer tudo o que dissemos aqui: teríamos uma instituição escolar
parecem condenadas à impotência. Aquele que quer transfor-
diferenciada em que a amplitude das ofertas produz as motiva-
mar provavelmente só poderá fazê-lo na medida em que con-
ções de aprendizado correspondentes, em que não ocorre a
verter esta impotência, ela mesma, juntamente com a sua
seleção conforme falsos conceitos de talento, mas sim uma
própria impotênda, em um momento daquilo que d e pensa
p r o m o ç ã o nos termos da superação dos obstáculos sociais
e talvez t a m b é m daquilo que ele faz.
correspondentes por meio de uma educação compensatória e
assim por diante e, por esta via, poderíamos esclarecer, por - • '• •• • .. : • - ,: .• • . .>r '-• ^«j, •;

assim dizer, determinados pressupostos básicos para a eman-


cipação, e na formação profissional seriam feitas coisas seme-
lhantes. Permanece a questão da possibilidade de, mesmo
ocorrendo tudo isto, aquele que por esta via se torna esclare-
cido, criticamente consciente, ainda permanecer teleguiado
de uma deteminada maneira em seu comportamento, não
sendo, em sua aparente emandpação, a u t ó n o m o no sentido
que se imaginava nos primórdios da Ilustração. N ã o penso
que isto seja u m argumento contrário a tudo o que discuti-
mos. Porém trata-se de uma espéde de alerta para ter cuida-

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