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Entretanto, é bem pouco provável que as reformas propostas aqui sejam, algum dia,
levadas a sério. Ninguém: nem os parentes; nem os professores de cursinhos
vestibulares; nem as bancas de defesa; nem as bancadas de governo; nem os ministros
da educação, lhes dariam um só minuto de atenção. Pois elas se resumem a isso: se
quisermos formar uma sociedade de gente educada, preparada para preservar a sua
liberdade intelectual em meio às pressões da sociedade moderna, teremos que voltar a
roda do tempo quatro ou cinco séculos atrás, até fins da Idade Média, no preciso ponto
em que a educação começou a perder de vista o seu verdadeiro objetivo.
E quem já não acompanhou uma discussão nos jornais ou outro meio de comunicação
qualquer e percebeu a quantas vezes os escritores deixam de definir os termos que
usam? Ou notou o quanto é freqüente, na hipótese de alguém definir os termos que está
usando, o outro responder pressupondo na sua resposta, que o primeiro estava usando
esses termos em sentido exatamente oposto àquele? Você já se sentiu honestamente
preocupado com tantos usos de linguagem[7] gramaticalmente errada? E, em caso
afirmativo, você se sente incomodado, por sua deselegância ou porque receia o grave
mal-entendido em que isso poderia resultar?
Quem é que já não teve a impressão de que os jovens, assim que completado o período
escolar, não apenas se esquecem da maior parte do que aprenderam (o que já era de se
esperar), mas também se esquecem, ou revelam nunca ter aprendido de fato, como lidar
por si mesmos com um conteúdo novo? Você se incomoda com frequência quando vê
homens e mulheres adultos incapazes de distinguir um bom livro, do ponto de vista
acadêmico, e apropriadamente indexado, de um que, para o bom entendedor, é notório
que não chega a tanto?Ou que não saibam como manusear um catálogo de biblioteca?
Ou que, quando estiverem face a face com um livro de referência, sejam flagrados por
uma curiosa incapacidade de extrair dele os trechos relevantes para o problema que seja
de seu particular interesse?
Quantas vezes você já topou com gente para quem, por toda vida, “uma coisa é uma
coisa, e outra coisa é outra”, separada de todas as demais, como se estivessem
separadas em compartimentos estanques? Tanto, que têm grande dificuldade de
estabelecer conexão mental entre, digamos, álgebra e ficção policial, entre o saneamento
básico e o preço de salmão – ou, de maneira mais genérica, entre esferas distintas como
as do conhecimento filosófico e a economia, ou a química e as artes?[8]
Já se sentiu incomodado com certas coisas escritas por homens e mulheres adultos para
leitores e leitoras adultos? Um biólogo bastante conhecido, que escreve para uma revista
semanal disse que “Um argumento contra a existência de um Criador” (acho que ele
colocou de forma ainda mais forte, mas já que eu, infelizmente, perdi a referência,
parafrasearei seu raciocínio da forma mais agressiva possível) – “…um argumento contra
a existência de um Criador é que os escritores em massa conseguem produzir Lao seu
bel prazer[9], o mesmo tipo de diversidade produzida pela seleção natural “. Não ficamos
tentados a dizer que este é, antes, um argumento a favor da existência de um Criador?
Na verdade, é claro que isso não prova nem uma coisa nem outra; tudo o que essa
argumentação prova é que as mesmas causas materiais[10] (seja a re-combinação dos
cromossomos, pelo seu cruzamento e assim por diante) sejam suficientes para explicar
toda diversidade observável no mundo. Isso seria o mesmo que dizer que o mesmo
conjunto de notas musicais combinadas entre si, sejam a causa material capaz de
explicar tanto a Sonata ao Luar de Beethoven, quanto os sons produzidos por um gatinho
andando sobre as teclas de um piano. No entanto, tal comportamento do gato não prova
nem contesta a existência de Beethoven; tudo que se prova pelo argumento do biólogo é
que ele não era capaz de distinguir entre causa material e causa final. Eis aqui outro
exemplo retirado de fonte não menos acadêmica, a primeira página do Suplemento
Literário, nada mais, nada menos do Times:
“O Francês Alfred Epinas, afirmou que certas espécies (por exemplo formigas e vespas)
só são capazes de encarar os horrores da vida em associação com a morte”. Não sei
bem o que o francês quis dizer com isso, mas o que o repórter inglês diz que ele disse é
que é um absurdo flagrante. Não temos como saber, se a formiga encara a vida com
horror ou não, nem, em que sentido se pode dizer que a vespa que esmaga contra a
vidraça “enfrenta” os horrores da morte. O objeto do artigo me parece ser o
comportamento humano nas massas; assim, os motivos humanos foram transferidos, de
forma muito sutil, da proposta inicial, para o caso, a que deveria dar suporte. Assim, o
argumento acaba tomando por pressuposto, precisamente o que pretendia provar – fato
este que se tornaria logo patente se fosse apresentado num silogismo formal. Este é um
reles e aleatório exemplo de um vício que permeia livros inteiros – em especial livros
escritos por homens da ciência, [que se metem] a escrever sobre temas metafísicos.
Peço a sua atenção particular para a última sentença, que oferece uma explicação a que
o escritor se refere propriamente quando fala do “fato angustiante”, de que as habilidades
intelectuais a nós conferidas pela nossa educação, não sejam imediatamente
transferíveis[11] para outros campos[12], diferentes daqueles, nos quais nós as
adquirimos: “ele se lembra do que aprendeu, mas se esquece por completo de como
aprendeu”.[13]
O grande defeito da nossa educação atual – defeito este detectável através de todos os
inquietantes sintomas do problema que mencionei – não é que, embora nós muitas vezes
tenhamos sucesso em ensinar “conteúdos” aos nossos alunos, falhamos lamentável e
inteiramente em ensinar-lhes como pensar; eles aprendem tudo, menos a arte de
aprender . É como se, por mais que tivéssemos ensinado uma criança tocar “O Ferreiro
Harmonioso” ao piano, mas de maneira exclusivamente mecânica, sem nunca ter-lhe
ensinado a escala musical ou a ler uma partitura. Desse modo, por mais que tivesse
memorizado “O Ferreiro Harmonioso”, ele, no entanto, não teria a mínima noção de como,
a partir daí, encarar outra música como “A Última Rosa do Verão”. Por que eu digo
“como se”? Em certas áreas das artes e dos trabalhos manuais, é precisamente isso que
fazemos – esperamos que uma criança “se expresse” com o pincel, antes mesmo de
ensinar-lhe a lidar com cores e com o pincel. Há uma corrente de pensamento que
acredita ser esta a maneira mais correta começar os trabalhos.No entanto, observe bem:
não é este o método pelo qual um artista treinado se empenharia em descobrir um novo
método de pintura. Ele, que aprendeu pela experiência a melhor forma de economizar
esforços para pegar o jeito da coisa, começará rabiscando em um material rascunho
qualquer, a fim de “aguçar a sensibilidade para com a ferramenta”.
Agora, a primeira coisa notória é que duas destas “disciplinas” em qualquer ordem não
são o que chamaríamos de “disciplinas”: eles não passam de métodos de como lidar com
os conteúdos. A Gramática, de fato, é uma “disciplina” no sentido de que ela significa
definitivamente o aprendizado de um idioma – naquela época, gramática significava o
aprendizado do Latim. Mas a língua em si é simplesmente o meio pelo qual se expressa o
pensamento. Na verdade, o Trivium todo tinha a intenção de ensinar ao aluno o uso
apropriado das ferramentas [de estudo] da educação, antes que ele começasse a
aplicá-las às “matérias”. Primeiro ele aprendia o uso apropriado das ferramentas; não
apenas como fazer um pedido no restaurante, numa língua estrangeira, mas a estrutura da
língua, e assim, da própria linguagem – em que situação se encontrava, como se
constituiu, e como funcionava. Em segundo lugar, ele aprendia a usar o idioma; como
definir os seus termos e elaborar asserções mais refinadas; como construir um
argumento e como detectar falácias em um argumento. Em outras palavras, a gramática
abarcava a lógica e o uso do senso crítico. Em terceiro lugar, ele aprendia a se expressar
usando aquela língua – a como dizer o que ele tinha para dizer de forma elegante e
convincente.
Ao final dessa fase, solicitava-se que ele elaborasse uma monografia sobre algum tema
apresentado por seus mestres ou proposto por ele mesmo, e, em seguida, submetia a
sua tese à crítica da comunidade acadêmica. A essas alturas ele terá que ter aprendido
tudo – ou entrará em desespero – não apenas a escrever um ensaio[14] ou trabalho
acadêmico, mas também a falar em público de maneira sonora e inteligente e a fazer a
defesa, sem perder a pose.
É bem verdade que ainda subsistem traços e resquícios da tradição medieval no currículo
das escolas comuns de hoje, é claro, ou foram resgatados [em algum momento da
história]. Algum conhecimento de gramática ainda é exigido quando se estuda uma língua
estrangeira – talvez eu devesse dizer “voltou a ser necessário.” Na minha época mesmo,
passamos por uma fase assim, quando o ensino de declinações e conjugações era
considerado digno de repreensão, passando-se a dar preferência a abordar essas
coisas à medida que elas iam surgindo. O debate sociológico florescia nas escolas;
ensaios eram escritos; frisava-se a necessidade da “livre expressão”, de forma um tanto
exagerada.
Mas essas atividades são cultivadas de forma mais ou menos isolada, como se
pertencessem a algum departamento isolado, tratadas como supérfluas, ao invés de
formarem uma estrutura coerente de exercício mental, à qual todas as demais
“disciplinas” estejam subordinadas. No caso da gramática, elafoi atribuída ao
“departamento” de línguas estrangeiras. E a escrita de ensaios pertence a um
”departamento” de “Inglês”; ao passo que a dialética acabou praticamente divorciada do
restante do currículo, e é freqüentemente praticada de maneira assistemática e que foge
ao programático, através da prática exercícios extracurriculares, cuja relação com o que
chamamos de estudo é bem distante.
Que é preciso ter algum tipo de “conteúdo”, ninguém duvida. Não se pode aprender a
teoria da gramática de um idioma sem aprender o próprio idioma, ou aprender a
argumentar e falar em público, sem falar sobre nenhum assunto em particular. Os temas
de debate da Idade Média vinham em grande parte da teologia, ou da ética e da história
da Antiguidade. De fato, muitas vezes, eles se tornavam jocosos, especialmente perto do
final desse período. Os absurdos aberrantes do argumento escolástico desse período,
que tanto enervavam a Milton[16], dão, até hoje motivos, chacota e riso. Mas não saberia
dizer se esses temas eram mais tolos e prosaicos do que os temas escolhidos nos dias
de hoje para a escrita “dissertativa”. Atrevo-me a dizer que ficamos um tanto entediados
com propostas de redação do tipo “como foram as minhas férias” e por aí afora.Mas
grande parte desses gracejos é indébita, na medida em que se perdeu de vista o objetivo
e objeto da tese em debate.
A matéria mais apropriada do argumento pode ser vista, portanto, como sendo a
distinção entre localização e extensão no espaço; acontece que o tema em torno do qual
gira o argumento é a natureza dos anjos (embora, como vimos, pudesse ser qualquer
outra coisa); a lição prática a ser tirada do debate é a de não se usar palavras como “lá ”
num sentido descuidado e não científico, sem especificar, se o que se quer dizer é “está
lá” ou está “ocupando espaço lá”.
A paixão medieval pela discussão do sexo de anjos[21] já foi alvo de muito escárnio, mas
quando olhamos para abuso desavergonhado, tantas vezes praticado por escrito ou em
público ou através de polêmicas provocadas por expressões com conotação pejorativa e
de duplo sentido, sintamos no coração o desejo de ver cada leitor e cada ouvinte dessa
palestra pudesse estar armado de forma tão defensiva[22], a ponto de bradar:
“Distinguo“[23].
Pois nós nos damos ao luxo de deixar nossos jovens, rapazes e moças, saírem
desarmados, em tempos em que uma armadura nunca foi tão necessária. Uma vez que
ensinamos todos a ler, acabamos deixando-os à mercê da palavra impressa. Com a
invenção do rádio e do cinema, temos a garantia de que nenhuma aversão à leitura os
livrará de um incessante bombardeio de palavras, palavras e mais palavras. Eles não
conhecem o significado dessas palavras; eles não sabem manter distância delas, nem
desarmá-las, nem repudiá-las; são verdadeiras “reféns emocionais” das palavras, ao
invés de serem os seus mestres, pelo uso de suas faculdades mentais. Porque é que nós
que, em 1940 nos escandalizamos de ver os homens sendo destacados para lutar contra
tanques armados de metralhadoras, não nos escandalizamos de ver jovens, rapazes e
moças, destacados para o mundo, para lutar contra a propaganda em massa, com um
conhecimento limitado e superficial de “conteúdos”; e quando classes sociais e nações
inteiras se deixam hipnotizar pelas artimanhas do encadernador de livros de feitiços, nós
temos a descaramento de nos espantar.Damos esmolas para a educação para provar
que lhe damos importância – através do trabalho voluntário e apenas ocasional,
pequenas doações de dinheiro; nós prorrogamos a idade para encerramento dos
estudos, e planejamos a construção de escolas maiores e melhores; os professores
escravizam-se deliberadamente, seja durante ou fora do horário de aulas; e, no entanto,
pelo que vejo, a devoção de todo esse esforço é amplamente frustrada, devido ao fato de
que termos perdido as ferramentas de estudo da educação, e na falta delas, realizamos
um serviço malfeito e desconjuntado.
QUE FAZER?
O que, então, fazer? Não podemos regressar à Idade Média. Este é um lamento ao qual
já nos acostumamos com. Não podemos voltar atrás- será que não podemos mesmo?
Distinguo! Vamos definir cada uma das partes dessa proposição. Será que a expressão
“voltar atrás”, significa voltar no tempo, ou voltar atrás em um erro? A primeira é
claramente impossível ‘ per se’; a segunda é algo que pessoas dotadas de sabedoria
fazem o tempo todo. Será que a expressão “não podemos”- significa que o nosso
comportamento está irreversivelmente determinado, ou apenas, que tal coisa seria muito
difícil de acontecer, em vista da oposição que provocaria? O século vinte obviamente não
é e nem pode ser o século catorze; mas se a “Idade Média”, neste contexto, for tratada
simplesmente como uma frase pitoresca, que denota uma teoria educacional particular,
então parece não haver a priori , nenhuma razão porque não devêssemos “voltar” a isso –
com alterações. Por exemplo, já “voltamos” com alterações, para à idéia de apresentar
peças de Shakespeare da forma como ele as escreveu, e não nas versões
“modernizadas” de Cibber e Garrick, que já estrelaram como “última geração” do
progresso teatral.
Vamos nos divertir um pouco, imaginando que tal regresso progressivo fosse possível.
Expurguemos completamente todas as autoridades educacionais da história, e
mentalizemos uma bela escolinha de meninos e meninas, onde pudéssemos equipá-las
para o embate intelectual, ao longo de leituras selecionadas a dedo. Nós os dotaríamos
de pais excepcionalmente dóceis; recrutaríamos para a equipe da nossa escola
professores e mestres perfeitamente familiarizados com os métodos e com o objetivo do
Trivium. Nossa escola teria instalações físicas tais, que possibilitassem turmas pequenas
o bastante para quem gozem da atenção apropriada; e exigeremos uma Banca de
Examinadores desejosos e qualificados para testar os produtos que lhes apresentarmos.
Assim preparados tentaremos delinear um programa – um Trivium moderno, “com
alterações”, e vejamos no que vai dar.
Mas calma lá: que idade as crianças deveriam ter? Bem, escolhermos leituras tipo
“novela” dos tempos modernos, era melhor que eles não tivessem nada para
desaprender ; além do mais, nunca é tarde para começar algo bom, e o Trivium, por sua
natureza não é um aprendizado, mas uma preparação para o aprendizado. A ordem,
então, é: “fisgá-los ainda crianças”, exigindo de nossos pupilos nada mais do que a
capacidade de ler, de escrever e contar.
Admito que minhas idéias sobre a psicologia infantil não são nem ortodoxas, nem
iluminadas. Olhando para o meu próprio passado (uma vez que eu mesma sou a criança
que melhor conheço e a única, que eu posso pretender conhecer por dentro), consigo
vislumbrar três estágios de desenvolvimento. Designarei os mesmos, de forma bastante
rudimentar, de ‘Papagaio’, ‘Arrogante’ e ‘Poético’ – este último coincidindo,
aproximadamente, com a fase da puberdade. O estágio ‘Papagaio’ é aquele em que o
decorar[24] fica mais fácil e, de uma maneira geral, mais prazeroso; enquanto que o
raciocínio é ainda difícil e, de uma maneira geral, pouco prazeroso. Nessa idade,
memorizamos com facilidade as formas e as aparências das coisas; gostamos de recitar
os números das placas de carros; divertimo-nos com rimas e ruídos guturais de
polissílabos ininteligíveis; apreciamos o simples acúmulo de coisas, enquanto o raciocínio
é penoso e pouco apreciado.
A idade do ‘Arrogante’, que se segue (e, naturalmente, sobrepõe-se por algum tempo ao
anterior), caracteriza-se pelo gosto pela contradição, por revidar os outros, e “descobrir
defeitos neles” (especialmente nos “mais velhos”); além de propor charadas. Seu poder
de irritação é extremamente alto. Em geral esse potencial se ameniza no nível escolar
médio.
Agora, parece-me que o esquema do Trivium se encaixa de forma singular a estas três
idades: a Gramática, para a idade do ‘Papagaio’; a Dialética, para a idade ‘Arrogante’ e
a Retórica para a idade ‘Poética’.
O ESTÁGIO DA GRAMÁTICA
Vamos começar, então, pela Gramática. Na prática, estamos nos referindo à gramática
de uma língua específica; mas precisa ser um idioma que tenha declinações. A estrutura
gramatical de um idioma sem declinações é analítica demais para ser tratada por alguém
desprovido uma prática prévia em Dialética. Sem falar que as línguas com declinações
traduzem bem aquelas sem declinações, enquanto que as que não têm declinações, são
de pouco proveito para a tradução daquelas que têm. Direi logo de uma vez, e com
firmeza, que não há melhor fundamento para a educação, do que a gramática latina. Digo
isso, não porque o Latim seja tradicional e medieval , mas simplesmente porque até o
conhecimento de rudimentos do Latim pode reduzir ao menos pela metade o trabalho e
as dores da aprendizagem de quase qualquer outra coisa. Ele é a chave para o
vocabulário e para a estrutura de todos os idiomas teutônicos[25], bem como, para o
vocabulário técnico de todas as ciências, sem falar da literatura de toda civilização
mediterrânea, incluindo todos os seus documentos históricos.
Aqueles cuja preferência pedante por uma linguagem viva os persuade a privar seus
alunos de todas essas vantagens, poderão substituí-lo pelo Russo, cuja gramática é ainda
mais primitiva do que a do Latim. É claro que o Russo é útil para o aprendizado dos
demais dialetos Eslavos. Mas há algo a ser dito também em favor do Grego Clássico. No
entanto, dou preferência ao Latim. Depois de ter satisfeito aos classicistas[26] entre
vocês, passarei agora a horrorizá-los, acrescentando que não considero sábio ou
necessário amarrar o pupilo comum, o aluno médio, ao “tronco da era da Casa Grande e
Senzala”[27], com suas formas de verso e oratória tão artificiais e elaboradas. O Latim
Pós-Clássico e medieval, que se manteve língua viva até fins da Renascença, é mais fácil
e, sob alguns aspectos, mais vivo; seu estudo ajuda a dissolver a noção muito
disseminada, de que a prática do estudo e a literatura tiveram um fim abrupto por ocasião
do nascimento de Cristo e somente foram reanimados quando da invasão dos
Mosteiros.[28]
Deve-se ensinar o latim o mais cedo possível – num estágio em que a língua dotada de
declinações parece não espantar mais, do que qualquer outro fenômeno em um mundo
que causa cosntante espanto; e em que cantarolar “ Amo, amas, amat ” é tão
ritualísticamente encantador para os sentimentos, quanto cantarolar “Eu amo, tu amas, ele
ama…”.[29]
Nessa idade, é claro que é preciso exercitar a mente para outras coisas, além da
gramática latina. A capacidade de observação e a memória são as faculdades mais
vivas naquele estágio; e se quisermos aprender alguma língua estrangeira
contemporânea, devemos começar logo, antes que os músculos faciais e mentais se
tornem rebelde demais a sons estranhos. O Francês ou o Alemão falados, podem ser
praticados lado a lado com a disciplina gramatical do Latim.
Enquanto isso, o inglês em prosa e verso, poderá ser ‘decorado’ e a memória do aluno
deverá ser alimentada com um bom estoque de estórias de todos os gêneros – mitos
clássicos, lendas européias, e assim por diante[30]. Não acredito que as estórias
clássicas e obras primas da literatura antiga devessem ser as cobaias da prática de
técnicas gramaticais – essa foi um dos equívocos da educação medieval, que não
necessitamos perpetuar. As estórias devem ser apreciadas e relembradas em inglês,
associadas às suas origens, num estágio subseqüente. A recitação em voz alta deve ser
praticada, individualmente ou em grupo; pois não podemos esquecer que estamos
lançando os alicerces para o desenvolvimento do senso crítico e da Retórica.
Até aqui (exceto pelo Latim, é claro), nosso currículo não tem nada que se distancie muito
da prática comum [nos países de fala inglesa]. A diferença deverá ser percebida pela
atitude dos professores, que devem encarar todas estas atividades menos como
“conteúdos” em si, e mais como uma série de materiais que podem ser aproveitados na
próxima etapa, o Trivium. Que tipo de materiais são esses não é tão importante; trata-se
antes de tudo e de qualquer coisa que venha a ser útil armazenar na memória ao longo
desse período, seja coisa imediatamente inteligível ou não. A tendência moderna é tentar
impor explicações racionais à mente da criança, já na mais tenra idade. É claro que
perguntas inteligentes, que surjam de forma espontânea, devem receber respostas
prontas e racionais; mas é um grande erro supor que uma criança não seja capaz de
apreciar e lembrar de coisas que estão além do seu poder de análise – particularmente
se todas aquelas que têm forte apelo imaginativo (como, por exemplo, “Kubla Kahn”)[36],
uma rima atraente (como algumas das rimas para memorização do gênero latino), ou
uma rica série de polissílabas retumbantes (como “Quicunque vult”[37]).
O ESTÁGIO DA LÓGICA
É difícil dizer, com precisão, com que idade deveríamos passar da primeira para a
segunda etapa do Trivium. De uma maneira geral, a resposta é: assim que o aluno se
mostrar pronto para ‘arrojadas’ e intermináveis argumentações. Pois, da mesma forma
que as faculdades predominantes na primeira parte são a observação e a memória, na
segunda parte, a faculdade predominante é a razão discursiva. Na primeira, era a
Gramática Latina o exercício ao qual todo o restante do material estava, por assim dizer,
atrelado; na segunda, o exercício-chave será o da Lógica Formal . É aqui que o nosso
currículo apresenta sua primeira divergência acentuada em relação aos padrões
modernos. A perda de reputação da Lógica Formal não tem justificativa; e a negligência
com relação a ela está na raiz de quase todos os sintomas preocupantes que notamos na
constituição da intelectualidade moderna. A Lógica tem sido desacreditada, em parte,
porque passamos a supor que somos quase que totalmente condicionados pelo
inconsciente e pelo intuitivo. Não há tempo aqui para discutirmos se isso é verdade ou
não; minha constatação é que a preparação apropriada da razão é, com certeza, a
melhor forma possível de torná-lo verdade. Outra causa do estado de desgraça em que a
Lógica caiu é a crença de que ela seja inteiramente baseada em pressuposições
universais que costumam ser ou improváveis ouredundantes[39]. Isto não é verdade.
Nem todas as proposições são desse tipo. Mas mesmo se fossem, não faria diferença, já
que cada silogismo que parte de uma premissa do tipo “Todo ‘A’ é ‘B’” pode ser
reapresentado de forma hipotética[40]. A lógica é a arte da argüição correta: “Se ‘A’,
então ‘B’”. O método não se valida pela natureza hipotética de ‘A’. Na verdade, a utilidade
prática da Lógica Formal hoje não está tanto no estabelecimento de conclusões positivas,
mas antes na detecção imediata e exposição de inferência inválida.
Revisemos agora, rapidamente, nosso material e vejamos o quanto ele está relacionado
com a Dialética. Sob o aspecto da Linguagem, deveremos ter desenvolvido um
vocabulário e morfologia na ponta da língua; daqui para a frente poderemos então nos
concentrar na sintaxe, na análise (por exemplo, na construção lógica do pronunciamento)
e na história da linguagem (por exemplo, como é que viemos a organizar a nossa língua
da forma como o fizemos, a fim de expressar nossas idéias).
Mas acima de tudo, não devemos negligenciar o material que é tão abundante na vida
cotidiana do próprio aluno.
Há uma deliciosa passagem no livro de Leslie Paul intitulado “The Living Hedge” (A
Cerca-Viva), que conta a história de um grupo de garotos, que se divertiu por dias a fio,
discutindo uma pancada de chuva que caíra na sua cidade – uma chuva tão localizada
que molhou só metade da rua principal, deixando a outra seca. Começaram então a
discutir, se era possível alguém afirmar com razão, que sequer havia chovido na rua, ou
de passagem pela rua, ou numa parteda rua, naquele dia? Quantas gotas de água eram
necessárias para se constituir em pancada de chuva? E por aí afora. O debate sobre
esse assunto levou a um sem-número de situações similares, a respeito do movimento e
do repouso; do sono e da vigília; ‘ser’ ou ‘não ser’, e a divisão infinitesimal do tempo. O
trecho todo é um exemplo admirável do desenvolvimento espontâneo da faculdade de
raciocínio e da sede natural e apropriada pelo despertar da razão, para a definição de
termos e para a exatidão de enunciados. Eventos dessa natureza representam alimento
constante para tal apetite.
A decisão de um juiz numa partida; o grau até onde alguém pode transgredir o espírito de
uma lei, sem ser pego pela letra da lei: em questões como estas, as crianças são
criadoras de caso natas. Sua propensão natural só precisa ser desenvolvida e treinada –
e em especial, trazida até um estado de relacionamento inteligível com os eventos do
mundo adulto. Os jornais estão repletos de bom material para tais exercícios: decisões
legais, por um lado, em casos onde o motivo em questão não é por demais nebuloso; e
por outro, seria possível citar inúmeros exemplos de raciocínio falacioso e argumentos
confusos, nas colunas de opinião do leitor de certos periódicos.
Onde quer que se ache assunto para a Dialética, é claro que é extremamente importante
chamar a atenção para a beleza e parcimônia de uma excelente demonstração ou de um
argumento bem construído, do contrário, a reverência acabará sendo completamente
extinta. A crítica não deve ser meramente destrutiva; embora professor e alunos, ambos
devam estar prontos ao mesmo tempo para detectar falácias, tendenciosidades,
raciocínios descuidados, ambigüidades, irrelevâncias e redundâncias; devem caçá-los
como a ratos. Quem sabe este não seja o momento mais apropriado para se propor uma
resenha; junto com exercícios, como o de produção de um ensaio, e um resumo do
mesmo.
Sem dúvida haverá quem levantasse a objeção de que encorajar pessoas jovens na
idade ‘Arrogante’ a encarar, corrigir e discutir com os mais velhos fará com se que tornem
perfeitamente insuportáveis. Minha resposta a isso é que crianças nessa fase, já são
impossíveis de qualquer forma; e que a sua capacidade natural de argumentação pode
ser canalizada para um bom propósito, ou então pode ser desperdiçada e esvaída como
areia entre os dedos. Na verdade, essas coisas se tornam bem mais suportáveis em
casa, se forem disciplinadas na escola; em todo caso, os mais velhos que abandonaram
o salutar princípio de que crianças devem ser vistas, mas não ouvidas, não podem
reclamar de nada.
Digo e repito, nesse estágio não importa o conteúdo programado. Qualquer “assunto”
oferecerá substrato suficiente para o debate; mas ele deve ser visto como nada mais, do
que pasto a ser ruminado pela mente. Os alunos devem ser encorajados a ir e buscar a
sua própria informação; e então, devem ser orientados para o uso apropriado dos livros
de referência e das bibliotecas, e a aprender a reconhecer quais fontes são confiáveis e
de excelência, e quais não.
O ESTÁGIO DA RETÓRICA
De modo geral, qualquer conteúdo que se mostre como “gordura”, pode agora ser posto
em segundo plano, para que a mente passe a ser gradualmente preparada para a
especialização naquelas outras “disciplinas”. Assim, quando o Trivium estiver
completado, ela estará perfeitamente bem equipada para cuidar de si mesma. A síntese
final do Trivium – a apresentação e a defesa pública de uma monografia – deveria ser de
alguma forma resgatada; quem sabe na forma de uma espécie de “exame final” durante o
último semestre escolar.
O escopo da Retórica também vai depender da idade em que o aluno será “apresentado
ao mundo”, se aos 16 anos, ou se ele prosseguirá para a universidade. Considerando
que, na realidade, a Retórica deva ser abordada mais ou menos aos 14 anos de idade,
os alunos da primeira categoria estudariam a Gramática dos 9 até os 11 anos; e Dialética
dos 12 aos 14 anos; assim os seus dois últimos anos na escola seriam devotados à
Retórica. Nesse caso, ela seria bastante especializada e vocacional, preparando o aluno
para o ingresso imediato em alguma carreira prática. O aluno da segunda categoria
terminaria seu curso em Dialética na escola preparatória, e teria aulas de Retórica nos
primeiros dois anos da escola pública. Aos 16 anos, ele estaria pronto para começar com
aquelas “matérias” que são propostas para preparar o estudo na universidade: e esta
parte da sua educação corresponderia ao Quadriviummedieval. Isso equivale a dizer que
o aluno regular, normal, cuja educação formal termina aos 16, terá passado somente pelo
Trivium; enquanto que os acadêmicos terão ambos, o Trivium e o Quadrivium.[43]
EM DEFESA DO TRIVIUM
Seria o Trivium, então, uma educação suficiente para a vida? Ensinado de maneira
apropriada, eu creio que não só pode como deve ser. Ao final do estágio da Dialética, as
crianças provavelmente parecerão estar muito atrasadas em relação aos colegas que
foram educados conforme os bons e velhos métodos “modernos”, pelo menos, no que diz
respeito ao conhecimento detalhado de disciplinas específicas. Mas depois dos 14 anos
eles deverão ser capazes de superar os outros com facilidade. Não estou defendendo
que um aluno, que tenha atingido proficiência completa no Trivium seja capaz de
prosseguir imediatamente para a universidade, aos16 anos de idade, provando assim
estar à altura de seus colegas medievais, cuja precocidade tanto elogiamos no início
desta discussão. Isto, com certeza, jogaria às traças todo sistema de escola pública
britânico, e desconcertaria em muito as universidades. Isto mudaria muitas coisas como,
por exemplo, as competições a remo entre Oxford e Cambridge[44].
Mas não estou aqui para me preocupar com os sentimentos dos docentes: preocupo-me
apenas com a preparação mais apropriada da mente, para encarar e lidar com o volume
vertiginoso de problemas indigestos que o mundo moderno lhe apresenta. Pois as
ferramentas de estudo da educação são as mesmas para todos e para qualquer
disciplina; e a pessoa de qualquer idade, que souber manejá-las, se tornará mestre de
uma disciplina nova, na metade do tempo e com um quarto do esforço despendido pela
pessoa que não tem essas ferramentas sob seu controle. Quem já deu conta de seis
matérias, sem lembrar como foi que as aprendeu, não terá como facilitar a abordagem de
uma sétima.Quem aprendeu e se lembra da arte de aprender faz com que cada nova
matéria, cada novo assunto seja um livro aberto.
Antes de concluir estas sugestões que tiveram que ser bastante esquemáticas, preciso
explicar o motivo porque julgo necessário, nos dias de hoje, voltar a falar numa disciplina,
que tínhamos descartado. A verdade é que passamos os últimos trezentos anos mais ou
menos, vivendo do nosso capital educacional acumulado. O mundo pós renascentista,
confuso e aturdido pela profusão de novas “conteúdos” que lhe foram sendo oferecidos,
afastou-se da velhadisciplina[45] (que, na verdade, tinha se tornado miseravelmente
maçante e estereotipada em sua aplicação prática), imaginando que daqui para frente
pudesse brincar com o seu novo e ampliado Quadrivium, feliz da vida, sem ter passado
pelo Trivium. Mas a tradição escolástica, embora mutilada e distorcida, ainda perdura
nas escolas públicas e universidades: Milton, por mais que tenha protestado contra ela,
foi formado por ela – o debate sobre Anjos Caídos e a disputa de Abdiel com Satã
carregam nelas as marcas das suas respectivas Escolas, e pode, de repente, figurar
positivamente como textos indispensáveis aos nossos estudos Dialéticos. Até o século
dezenove, o debate a respeito da coisa pública; os livros e as revistas eram liderados ou
escritos por pessoas educadas em casas, e treinadas em lugares, onde aquela tradição
ainda estava viva na memória e quase que no sangue. Tanto, que muitas pessoas de
hoje, que se dizem ateus ou agnósticas, no que tange à religião, conduzem suas vidas de
acordo com um código de ética Cristão, com raízes tão profundas que nunca lhes ocorreu
questioná-lo.
Mas ninguém pode viver de capital acumulado para sempre. Por mais sólidas que sejam
as raízes de uma tradição, se ela nunca for regada com água fresca, ela morre, e morre
com firmeza. Hoje em dia um grande número – talvez a maioria – dos homens e mulheres,
formadores de opinião, que escrevem nossos livros e nossos jornais, que conduzem
nossas pesquisas, que atuam em nossas peças teatrais e nossos filmes, que nos falam
das plataformas e dos púlpitos – sim, e que educam nossos jovens – têm uma lembrança,
ainda que vaga, de ter experimentado a disciplina Escolástica. É cada vez mais raro ver
as crianças trazendo consigo qualquer traço daquela tradição para a sua
formação.Dispensamos as ferramentas de estudo da educação - o machado e a cunha,
o martelo e a serra, o cinzel e a plaina – que eram tão adaptáveis a todo o tipo de tarefa.
Em seu lugar, restou-nos nada mais do que um conjunto de gabaritos complicados, cada
qual servindo somente para uma prova apenas e nada mais; nem o olho nem a mão
recebem qualquer preparação para seu uso, de modo que ninguém jamais consiga mais
enxergar o trabalho como um todo ou “enxergar a obra acabada”.
Que proveito há no empilhar prova sobre tarefa e prolongar os dias de labuta, se ao final,
não se alcança o objetivo principal? Não é culpa dos professores – eles já trabalham duro
demais. A estupidez acumulada por uma civilização que se esqueceu das suas próprias
raízes, está se forçando a escoar o peso de uma estrutura educacional cambaleante, que
está construída sobre a areia. Estão realizando por seus alunos o trabalho que eles
próprios devem fazer por si mesmos. Porque o único e verdadeiro fim da educação é
este: ensinar os homens como educar-se por si mesmos; e qualquer forma de instrução
que falhe em fazê-lo, será esforço em vão.
Considerações finais:
Como o leitor deve ter notado, além da contribuição inegável dessa palestra para os
estudos medievais, literários e lingüísticos, mais precisamente para os estudos da
tradução, a autora antecipa temáticas muito importantes na educação até os dias de hoje:
Temos ainda uma importante discussão sobre interdisciplinaridade, que já foi moda entre
os educadores brasileiros, mas que, ou por desacordo sobre seu conceito e forma de
execução, ou por falta de habilidade de traduzir teoria em prática, foi e continua sendo,
até hoje, raramente praticado.
Referências:
[1] N.T. A obra que ficou inacabada, foi completada por sua discípula, Bárbara Reynolds,
que também é escritora.
[2] N.T. Somente no título encontramos nosso primeiro desafio: Traduzir “learning” por
estudo ou aprendizagem? Após considerar prós e contras e pesquisar outras traduções
livres existentes, chegamos à conclusão de que as ferramentas às quais a autora se
refere, são mais de estudo, do que já, de aprendizado, que é uma decorrência. O estudo,
ao contrário da aprendizagem, pode ser manejado e submetido a ferramentas. Se há
algo passível de manejo, é o estudo, e não o aprendizado, que sempre envolve uma
dimensão de mistério e da imprevisibilidade, mesmo independente do estudo, qualquer
que seja o método. Assim, The Tools of Learning diz respeito mais à didática ou de uma
metodologia, mas entendida em um sentido ainda não divorciado da filosofia, de modo
que, de maneira equivalente, “estudo” e/ou “aprendizado” podem ser entendidos
sinônimos na palavra “learning ”. Esse é um dos aspectos que cativam o leitor,
particularmente o tradutor (mais do que o ouvinte original) desde o começo. A
aprendizagem é o resultado desse “uso” (estudo) teórico e especulativo, em outras
palavras, filosófico. Esse é precisamente o diferencial tão oposto às “didáticas” da
modernidade, que até hoje se revelam excessivamente burocratizadas e “inchadas”, do
ponto de vista de conteúdos sobre a didática.Assim, elas muitas vezes se tornam
incompreensíveis para pessoas não iniciadas em pedagogia, pelo que se tornam
odiosas às mesmas.
[3]N.T. À primeira vista, consideramos a hipótese de usar, ao invés de alunos, que é mais
comum no Brasil, pupilos, palavra já bastante esquecida e distorcida.Ao invés do
discípulo, afilhado e protegido; ou seja o que é amparado e acudido por pessoa de maior
autoridade e influência, o sentido pejorativo daquele órfão ou abandonado, que tem com
outra pessoa, mais velha, por tutor parece predominar, razão pela qual não o usamos.
Também optamos por não usar “estudantes”, por sua associação e limitação muitas
vezes ao ensino superior.
[4] N.T. Sayers parece estar aqui, valendo-se precisamente da ambigüidade comentada
na nota anterior, usando de ironia, para deixar claro: mesmo quem não aprendeu nada
com a escola que aí está, ou mesmo quem nunca teve a oportunidade de estudar com as
ferramentas certas, tem uma contribuição a dar à educação. Com isso, mesmo sem ser
entendida, Sayers prova sua intuição do sentido mais abrangente em inclusivo da
educação, com toda a sua complexidade.
[5] N.T. Sayers não se limita a esse cuidado da inclusão dos sexos somente aqui em todo
o seu discurso, como o leitor haverá de observar. Isso é notável, se considerarmos que,
pela falta de declinações masculinas e femininas no inglês ou mesmo de pronomes
diferenciados quanto ao gênero, parece surpreendente a autora lembrar-se de ter esse
cuidado inclusivo. E isso, muito antes da Paulo Freire ter inventado ou trazido esse
cuidado e respeito para o discurso educacional brasileiro.
[6] N.T. Essa palavra é muito utilizada em vários sentidos no texto. Hoje em dia,
chamaríamos esses “subjects” mais de “conteúdos” como rezam os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN). Nos Parâmetros de Língua Portuguesa das Séries Iniciais
(1ª a 4ª série), por exemplo, não encontramos a palavra “matéria”. Para isso, nota-se uma
abundância de “assunto”, ao qual demos prioridade, e, um pouco mais modesta, de
“conteúdo”. Daí que nos limitemos a essas duas palavras para “ subject ”. A palavra
“tópico” é usada poucas vezes, mas muito ligada à “disciplina” de Língua Portuguesa, que
também são usadas poucas vezes, mas sempre no sentido técnico da disciplina. Então,
mais uma vez, procuraremos nos adaptar ao contexto.
[7] N.T. A palavra language do inglês é particularmente difícil de traduzir, uma vez que ela
pode significar língua, que podemos entender como um idioma específico, e linguagem,
pela qual nos referimos usualmente às línguas em geral, no seu sentido
lingüístico-literário. A distinção já provocou várias discussões entre os lingüistas e
letrados, à semelhança do que acontece, entre aprendizado e aprendizagem, mas como
essas discussões não é nosso foco aqui, usamos do uso mais comum para a decisão
sobre uma ou outra tradução.
[8] N.T. Mais uma vez, Sayers parece se antecipar a seu tempo ( avant l’éttre), quando se
refere a algo que os pedagogos costumam chamar de interdisicplinaridade, mesmo que
entendendo coisas bem diversas sob essa palavra.
[9] N.T. Ou seja, sua forma de escrever segue a mesma lógica aleatória e à revelia da
lógica da Seleção Natural. Ora, com isso ele coloca a seleção natural como pressuposto
comum entre criacionistas e evolucionistas, o que é uma falácia flagrante. De quebra, ele
ainda dá a entender que, eles, que não se importam com a verdade, escrevendo ao
acaso, o que lhe vier à telha, estão igualmente submetidos às “leis” da seleção natural,
pelo que tornam absurdo e sem sentido tudo o que escrevem, que difícilmente resistirá à
lei do mais forte, pelo que tornam as suas próprias vidas efêmeras e desprovidas de
sentido, o que, por sua vez, pesa contra a lei da seleção da seleção natural e, assim, do
próprio pensamento evolucionista.
[11] N.T. Não é apenas de um “campo” a outro que há o mito de que conhecimentos e
habilidades possam transferidas. Quando se fala que “educar é “transmitir” (ou pior
“passar”) conhecimentos, revela-se a idéia de que o conhecimento possa ser transferido
até de uma mente para a outra, numa espécie de telepatia, tão presente no ensino
tradicional, mas também no comportamentalismo, foi amplamente refutada por
educadores, como Sayers, que defendem a importância do aluno não ser passivo no
processo, mas sim, que vá conquistando uma crescente autonomia, como comentaremos
mais adiante. A diferença entre os tradicionais e os comportamentalistas, que, portanto
também são ambos conteudistas, é que nos últimos acrescentam-se ainda fortemente as
tecnologias e produtos da ciência do comportamento, pautados em Skinner, entre outros.
A idéia de telepatia ou de captação de freqüências da mente do professor, pela mente do
aluno, é por eles avançada até o limite da idéia de que um dia toda a educação será
resolvida pela implantação de um chip no cérebro.Esse é o chamado tecnicismo que
mais do que nunca toma conta da educação no mundo tecnologizado.
[15] Ou escolástica….
[16] Milton
[17] O Brains Trust era nome popular e informal para a radio britânica BBC e que mais
tarde se tornou o programa de televisão, marca registrada do Reino Unido ao longo dos
anos 1940 e 50. C.S. Lewis, que era amigo de Dorothy Sayers por vários anos, a quem
cabia a honra de ser praticamente a única mulher participante mais estável do clube de
professores a que pertenciam Lewis, seu irmão, J.R.R. Tolkien, entre outras celebridades
da literatura cristã, teve uma atuação importante na rádio. Dela surgiram clássicos do
cristianismo comoCristianismo Puro e Simples e os Quatro Amores.
[19][19] N.T. O estudo dos anjos, angelologia é uma parte da teologia, campo do
conhecimento só recentemente reconhecido pelo governo federal brasileiro como digno
de reconhecimento oficial como “acadêmico”. Isso mostra o caráter temporão da política
educacional brasileira, principalmente no ensino superior, uma vez que a teologia está na
raiz de grande parte dos pensadores e instituições acadêmicas de renome por todo o
mundo. Nas livrarias, na internet, na mídia em geral, e, portanto, na cabeça da maior parte
das pessoas, esse assunto está atrelado ao esoterismo e auto-ajuda, e não, à ciência.
[20] NT
[23] N.T. A palavra é derivada de dis- + stinguere , do latim, que significa, distinguir ,
discernir ,Que tem o mesmo efeito que a expressão “Eureka!”, do grego, ou seja,
“descobri!”, o que em filosofia e na ciência em geral, é sinal da descoberta, do “ insight ”.
Na filosofia clássica, esse fenômeno é um dos frutos da virtude da sabedoria e
discernimento das coisas. Em outras palavras, para se passar por uma experiência como
essa, é necessário, usando uma analogia bíblica, saber “separar o joio do trigo”.
[25] Teutônico:
[26] N.T. Classicista:
[27] N.T. A expressão usada no original é “procrustean bed of Augustan Age”, o que
significa a cama de torturas da época do imperador romano Augustus, que de acordo
com a lenda esticavam os baixinhos e encolhiam os mais altos. Para preservar esse
significado, adaptamos a tradução ao contexto brasileiro.
[28] N.T. Essa noção equivocada de Idade Média como “Idade das Trevas” e o sentido
pejorativo que costuma ser atrelado ao adjetivo “medieval”, vem da “Idade das Luzes”, ou
iluminista. Essa leitura etnocêntrica e anacrônica de um período de aproximadamente mil
anos da história do mundo ocidental, a que devemos a invenção de várias foi refutada por
especialistas e estudiosos da cultura medieval como Henri Marrou e Etiénne Gilson.
Infelizmente, a atitude preconceituosa e reducionista em relação a essa fase ainda é
predominante no ensino de história praticado nas escolas brasileiras.
[29] N.T. A canção original é “eeny, meeny, miney, moe”, uma cantiga infantil bastante
popular em países da língua Inglesa.
[30] N.T. No Brasil, em que não há uma tradição de “contação de histórias” forte como o
pais dos irmãos Grimm, ou de Andersen, entre outros. Infelizmente, o legado de autores
brasileiros que, sem dúvida, contribuíram enormemente para esse patrimônio cultural da
humanidade, tais como Monteiro Lobato, Malba Tahan, entre outros, está ameaçado. Mas
já existe uma tradição de pesquisadores brasileiros trabalhando em prol de seu resgate,
nos campos das letras e da educação.
[31] N.T. Essa expressão é espantosa para o leitor brasileiro, principalmente para aquele
que tem horror da história, precisamente por seu excesso de datas, eventos e
personagens que normalmente se exige que se decore. Entretanto, a proposta formulada
por Sayers permite repensar o conceito de decorar, como comentávamos alhures e
também da própria história, que, dotada de uma linguagem, se torna uma língua.
Enquanto gramática, ela deverá seguir regras, mas que variam de idioma para idioma, o
que desmistifica e relativiza o determinismo histórico. O mesmo acontece com a
geografia, a ciência e até a matemática e eventualmente, a teologia, como veremos mais
adiante.
[32] O leitor que ainda não se convenceu da atualidade da proposta de Sayers, ficará
surpreso com esse detalhe da proposta. O ensino deve vir acompanhado de imagens.
Mas não quaisquer imagens, como em algumas propostas de Educação mediada por
computador, que acabam exagerando o volume e qualidade que as imagens devem ter.
As imagens devem vir do cotidiano, idéia já defendida anteriormente por Comênio, mas
que tem seus representantes modernos como Hannah Arendt e Phillipe Àries.
[33] N.T. A autora deve estar se referindo ao sentido figurado da expressão “selo”, que
está associado à imagem ou figuras, usadas anteriormente. Apesar da forte influência
tecnicista que a autora revela pelas metáforas que usa (ferramentas, selos, ), que é
expressão de sua época, é preciso considerar o mérito de ter sido avant La lettre de
muitas tendências pedagógicas e principalmente, do uso da tecnologia na educação, que
é uma realidade inegável dos dias de hoje.
[34] N.T. “Devil’s coach-horse”, usado no original, foi o nome que deram a uma espécie
de “besouro de jardim”. Por sua aparência escura e alongada, muitos têm medo do bicho.
[35] N.T.
[36] N.T. Kubla Kahn significa “Uma Visão num Sonho”, poema escrito por Samuel Taylor
Coleridge, um autor que é uma referência para quem estuda tudo o que está ligado ao
imaginário, entre 1797 e 1798 e publicado no início do século seguinte.
[37] N.T. “Quicunque Vult” são as palavras iniciais do “Credo de Santo Atanásio”, que às
vezes eram usadas para referir a este tratado teológico do Período Medieval, acerca da
trindade.
[38] N.T. De acordo com amigo e colega de Sayers, C.S. Lewis, Razão e imaginação são
dois “órgãos dos sentidos” humanos, que precisam estar em equilíbrio entre si, mas
também com todo o resto do corpo. Enquanto a razão, é o sentido da verdade, e
imaginação é o sentido do sentido, ou seja, da nossa habilidade de interpretação. Neste
sentido, podemos considerar Lewis um importante precursor da psicanálise, que hoje,
estuda os sonhos e imaginário a fundo. Mas essa idéia também se tornou um
ponto-chave da filosofia, principalmente da fenomenologia, como a de Paul Ricoeur.
Conferir obra: Faith and Imagination de Schakel. Disponível em
<http://hope.edu/academic/english/schakel/tillwehavefaces/contents.htm>
[39] N.T. Todo Deus é infinito. Deus é Deus. Portanto, Deus é infinito.
[41] N.T. A interdisciplinaridade, conceito tido como muito recente e pós-moderno, mas
em alguns meios tema já deixado de lado, ou porque saiu de moda, por jamais ter sido
compreendido, muito menos, praticado, ou porque foi carimbado de superado, não é tão
recente, como se pode ver.
[42] N.T. Esta sentença certamente chocará alguns educadores e pais, mas o fato é que
se nenhum de nós fosse obrigado a nada na escola e na família no período de formação,
provavelmente a humanidade já teria se auto-destruído, sem ter desfrutado das coisas
que mal conhecia.
[43] N.T. Tanto o Sistema de Ensino americano, quanto o inglês atuais são formados por:
2-4 anos – pré-escola; 5-10 anos – Escola de Gramática (Grammar School); 11-13 anos
– Ensino Médio (Middle School) e 14-18 anos – equivalente aos nossos cursos
preparatórios para o vestibular; e o restante para o nível técnico, tecnológico ou Superior.