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Observação ao leitor:

Caro aluno, este texto se encontra agora em sua primeira versão, por isto é esperado que
ele apresente alguns problemas. Gostaria de contar com a sua ajuda para solucioná-los.
Um guia para a dúvida:

Vinte questões céticas explicadas

Bruno Pettersen
O sábio proporciona sua crença à evidência.

David Hume
Índice

Prefácio - Introdução

1. Há percepção correta?

2. Há apenas o sonho?

3. Há acaso?

4. Há algo?

5. Há tempo?

6. Há significado correto?

7. Há verdade?

8. Há conhecimento justificado falso?

9. Há prova científica?

10. Há uma mente?

11. Há certo e errado?

12. Há liberdade?

13. Há uma natureza humana?

14. Há Deus?

15. Há sistema político correto?

16. Há como evitar os dilemas?

17. Há beleza?

18. Há correlação entre a teoria e o mundo?

19. Há como evitar as discordâncias?

20. Há como evitar os limites teóricos?

Conclusão deste livro

Apêndice: Um pouco de história


Prefácio

Esse livro é uma tentativa de tomar temas bastante complexos presentes na história
da filosofia e verificar as perguntas que motivaram à sua pesquisa. Ao longo de minha
vida acadêmica, pude escrever alguns textos mais volumosos e técnicos. São textos que
me orgulho de tê-los escrito, mas ao mesmo tempo são livros voltados apenas para o
público acadêmico. Com este livro pretendo fazer o caminho inverso: levar o debate
filosófico para qualquer um que se interesse por pensar.

Para cumprir esse objetivo, decidi abordar vinte perguntas que ao longo da história
da filosofia já contabilizaram inúmeras respostas, algumas tão diferentes que parecia que
a pergunta era outra. Quero encarar as dúvidas por elas mesmas e verificar o que elas nos
fornecem. Não me interessa neste momento a resposta, quero que você vivencie a dúvida
e então se tiver interesse vá buscar as respostas.

Minha intenção é a de dialogar com as referências que tenho em minhas mãos.


Não apenas com as referências filosóficas, mas com todas as que eu gosto. Falarei de
cinema e literatura, especialmente aquelas mais próximas à ficção científica, que eu gosto
justamente porque abrem espaço para pensar em alternativas a partir de um grande "e
se...". Justamente por isso o livro não quer ser a referência última às dúvidas, mas talvez
uma das primeiras.

Encarei as obras filosóficas a partir da perplexidade que elas me causaram e não


diante da complexidade. Por isso você não encontrará referências em excesso. Tudo o que
você precisar para ir às fontes e ler por você mesmo o que Platão, Descartes, Hume ou
Wittgenstein disseram, você encontrará no próprio texto.

Este livro é o resultado de minha formação. Venho me dedicando ao ceticismo


desde 2000 quando ouvi pela primeira vez que havia uma espécie de "ceticismo
filosófico". Devo agradecer aos meus professores que me ensinaram sobre essa matéria,
professores como José Raimundo Maia Neto e Lívia Guimarães. Mas também àqueles
professores que me ajudaram a aprender refletir, com foi o caso dos professores Ricardo
Fenati e Paulo Margutti. Sem a minha esposa, que atentamente leu as primeiras versões
o meu texto também não teria sido possível. Muito obrigado a todos! Vamos às dúvidas.
Introdução

Ao contrário do que se costuma pensar, nossa época não é uma de incertezas, mas
sim de certezas. Alguns tem uma fé desmedida nos poderes da ciência, outros na
intervenção de um deus e para muitos há a confiança na maldade humana. Difícil é
encontrar alguém que celebra a dúvida.

A dúvida não é nada confortável. Ela não é liberadora. Ao contrário, ela sufoca.
Qualquer um que se viu diante de um mistério trivial sabe muito bem que a mente só
descansa com a solução. Justamente por esse motivo, nossa época não sabe lidar bem com
as dúvidas permanentes e busca um tapa buracos qualquer. Um importante cético antigo,
chamado Sexto Empírico, frequentemente caracterizava os indivíduos que tentam
desesperadamente abraçar uma certeza, como aquele que após o seu navio naufragar
procura um ponto qualquer para não se afogar e acaba indo ao fundo do mar segurando
um pedaço inseguro de um metal mais denso que a água.

Curioso é como em minha geração uma frase se tornou comum e cada vez mais
repetida com sabor de chavão: “A ignorância é uma benção”. Quem viu o primeiro filme
da trilogia Matrix deve-se lembrar da cena onde o sujeito que vai entregar os seus colegas
e está em um restaurante saboreando um suculento bife, que ele sabe ser apenas uma
ilusão, nos afirma que prefere a ilusão de um bife do que a realidade de comer apenas
aveia enriquecida com vitaminas. Essa cena sempre ecoa para mim como o símbolo da
vontade de ser ignorante uma vez que já se bebericou da água da sabedoria. Contudo,
falar hoje que “A ignorância é uma benção” e repetir essa frase até causar náusea, se
tornou um procedimento cansativo e preguiçoso. Do modo como eu vejo ela é um chavão
porque representa para muitas pessoas o desejo de se desligar das dores provocadas pela
dúvida. Mas o chavão é falso. A ignorância é uma maldição.

Maldição porque aquele que é ignorante terá duas prisões: a cognitiva e a política,
isso quer dizer, em suma, que o ignorante deixará com que os outros decidam para. Nesse
caso, ao se escolher algo por não compreender, é dado ao outro o direito de pensar por
nós, o que por si só é bastante triste. A ignorância é um bem apreciado por nossa
sociedade, talvez o mais apreciado dentre todos os bens, porque, que meio mais eficaz de
dominação existe que a ignorância?

É curioso como alguém decide que já se sabe o que buscava. Tenho aqui de fazer
uma ode, um hino à dúvida. Não há caminho que não possa ser questionado. Não há
resposta que não admite um contraditório, não há teoria que não possa ser reavaliada.
Historicamente é facílimo de se observar como as teorias caíram depois de terem
alcançado os mais delicados e altos degraus do saber. Se a história não é suficiente para
você, confie na engenhosidade humana para criar alternativas. Talvez seja uma
propriedade do pensamento humano levantar objeções. Veja como enquanto você lia os
parágrafos acima, e mesmo quando lê essas palavras, você tem a sensação de que deve
existir um contraexemplo para refutar a minha argumentação. Eu confio na vontade
humana para superar as afirmações. Isso provavelmente deve estar escrito em minha
estrutura racional, e é provável que o pensar tenha a ver com a capacidade de se objetar.
Se isso estiver certo, somente a dúvida pode ser o sabor a acompanhar qualquer reflexão.

Não há opção. Se a ignorância é reconhecida não há como fugir dela sem negar a
sua dignidade intelectual. No entanto é uma espécie de dor. Uma dor feita de auto
consciência da dúvida: não se é apenas ignorante, sabe-se como tal. A dúvida é o único
modo de se evitar a segurança absoluta que qualquer um decide ter. A dúvida deve ser
abraçada como um movimento para sair da tolice, mas não como o repouso. Não há
descanso depois de se ter aberto a portinhola por onde a dúvida entrou. Resta apenas saber
se cada um decidirá se abrir à dúvida.

As dúvidas que examinarei a partir de agora são algumas das mais famosas
propostas ao longo dos séculos. Algumas são comuns até no discurso diário, outras estão
restritas às manifestações filosóficas, científicas, políticas e artísticas. Escolhi aqui as
dúvidas que melhor podem nos colocar em movimento. Não se trata apenas de se ler essas
dúvidas, mas sim de senti-las. Lembro-me da primeira vez que li e senti uma destas. Era
a dúvida levantada por David Hume, um filósofo escocês do século XVIII, acerca da
causalidade. Eu estava no meu primeiro ano de faculdade. Lia algumas das obras
propostas pelos professores, mas não tinha ideia do que estava dito lá. Ao ler Hume, notei
a força de seu argumento. Entendi quão poderosa era a sua dúvida. Deve-se sentir as
dúvidas de uma forma tão irresistível que não há escolha a não ser dedicar a vida para
lidar com elas. Proponho à você aqui realizar esse exercício. Leia, mas também sinta
efetivamente o que a dúvida implica.
1. Há percepção correta?

De todas as dúvidas sobre o conhecimento, a mais antiga é a dúvida sobre a


semelhança das percepções. Essa dúvida é bastante intuitiva e facilmente reconhecida por
qualquer pessoa que já esteve em um almoço e discordou sobre o sabor de um dado
alimento. Tal ocorre porque ao compararmos as nossas experiências com os nossos
interlocutores, dificilmente há uma total igualdade entre as percepções. Alguém poderia
dizer que uma percepção precisa ser aguçada ou mesmo treinada, mas de maneira alguma
isso resolve o problema: percebemos o mesmo?

Na longa história da filosofia quase todo grande filósofo tratou do problema da


variedade das percepções. Alguns a constataram e disseram ser tal diferença apenas uma
ilusão. Outros mostravam que apesar das diferenças há também bastante similaridade e
mesmo igualdade em alguns casos. Mas os céticos gostaram da questão e investiram nela.
O mais famoso é o caso do cético Enesidemo, que teria apresentado ou reunido – não
sabemos – pelo menos 10 maneiras de variação da percepção.

Então, há igualdade de percepção? Antes: será que este não é um problema


meramente trivial? Em um primeiro momento podemos dizer que esta questão não aflige
a vida diária, afinal qualquer desacordo sobre as percepções sobre aquela música ou
almoço pode ser resolvida indicando que as pessoas percebem coisas diferentes e então
ponto final. Podemos tomar dois sujeitos reconhecidos na sua capacidade de degustar um
alimento qualquer. Eles perceberão muitas similaridades ao provar o mesmo alimento,
mas cada um deles também poderá perceber um pequeno detalhe que escapou ao outro e
que simplesmente, mesmo com todo o esforço, não pôde ser percebido pelo outro. Assim,
como decidir? Ou o alimento aparece de modos diversos ou a percepção é diversa. Em
qualquer um dos casos, não haverá concordância e o máximo que poderemos fazer é dizer
que não sabemos se há uma forma correta de se perceber.

A natureza da percepção

Mas porque isso ocorre? A percepção é assim tão problemática? Em geral


aparentemente não. Mas só aparentemente. Um erro da percepção que é fácil de se
constatar aos montes é quando esbarramos com alguém ou alguma coisa. Poderiam
indicar que se prestássemos atenção isso não aconteceria. Sim, mas e os casos onde os
especialistas prestam atenção ao mesmo fato, mas não tem qualquer conclusão final? Em
geral vivemos sem nos perguntarmos sobre a precisão dos sentidos. Bem, até que ele nos
incomode.

Para o problema ser bem entendido é preciso ter claro que certamente a percepção
não é uma faculdade simples. Ele envolve muitos elementos como as capacidades físicas,
a educação e as expectativas. As capacidades físicas próprias da percepção, como as
dimensões dos olhos, a estrutura das terminações nervosas e tantas outras. Podemos falar
que em uma mesma espécie há similaridade, mas entre espécies, há ainda mais
discordância quanto a percepção. Certamente não há similaridade total entre os membros
da espécie humana, quanto mais entre animais com órgãos diferentes. Como Enesidemo
nos diria: se a águia pode ver mais longe, será que ela não vê melhor como o mundo é?
Se você tivesse que decidir: é a águia ou o ser humano que vê melhor?

No caso da espécie humana, a educação é uma forma de transformar a


multiplicidade das percepções em uma grande uniformidade. Muitas das vezes é isso que
ocorre. A linguagem ordena as diferenças entre cada um de nós, ao admitir que se alguém
quer se referir a tal experiência deve usar tal e tal palavra. Por exemplo, pessoas diferentes
podem sentir o gosto do chocolate como coisas levemente diferentes, mas pela
necessidade de uniformização da língua, dizem que a experiência foi de um “doce”. A
linguagem ordena as percepções. Mas não resolve o problema. Mesmo pessoas educadas
com a mesma linguagem percebem coisas radicalmente diferentes, como é o caso de um
daltônico que é ensinado a usar a palavra “verde” sempre que estiver diante de uma
experiência do que o não daltônico chamaria de azul. No final, pode ser que o que ele vê
não seja nem mesmo relevante, e o que precisamos é só do acordo linguístico para o
entendimento mútuo. Nesse caso, a dúvida seria ainda mais pujante. Os acordos seriam
apenas convencionados pela educação e na base de tudo só haveria discordância.

Finalmente, na percepção há a importância da expectativa. Não vemos o mundo


de modo puro. Ao contrário, somos levados a uma percepção devido a influência externa.
Se esperamos que a piscina esteja com a água fria, provavelmente sentiremos mais o frio.
Se esperarmos que ser vacinados provoca dores terríveis, sentiremos mais dor. Claro, tudo
isso pode ser resolvido com alguma reflexão. Será mesmo? Será possível retirar todas as
expectativas que temos diante do mundo? Não me parece provável. Primeiro porque
teríamos que reconhecer todas as nossas expectativas e aprender a evitá-las e acharíamos
que a percepção não tem qualquer conteúdo conceitual.
As expectativas, a educação e a mera busca pela uniformidade estabelece um
terreno mais ou menos livre de dúvida. Um terreno que, se for escavado, revela um leito
mais lamaçal do que rochoso.

Sentir e perceber

Para compreender o problema é preciso da distinção entre o “sentir” e o


“perceber”. A diferença aqui é entre a falta de “conteúdo” e a presença dele. Nessa
classificação, sentir é o ato físico, onde um dado som chega aos seus ouvidos e é recebido
pelos órgãos sensórios de uma maneira meramente fisiológica. Aqui falamos em coisas
como “ondas sonoras”, “tímpano” e “sistema nervoso”. A percepção é diferente, ela é ato
de saber que tal “onda sonora” é o princípio de uma música. A percepção é carregada de
conceitos. Ela estrutura o que estamos vendo dentro de certo cenário. Vejamos no detalhe
essa distinção.

Uma música não é apenas uma coleção de “ondas sonoras”. A música é a


expressão de que em certos sons há uma ordem pretendida, certo sentido a que estrutura.
Da mesma maneira que um prédio precisa de ser construído em uma estrutura para não
ser um monte de tijolos, a percepção também é ordenada. Um importante filósofo norte-
americano, Wilfrid Sellars, indicava inclusive que a diferença entre um animal não
humano e o próprio humano, é que este último percebe, enquanto os primeiros apenas
sentem – ainda que em algum nível alguns deles também possam perceber. Isto quer dizer:
você sabe que é um pedaço de manga, mas que está um pouco verde. Um cachorro apenas
sente o gosto, mas não estrutura conceitualmente sua experiência dizendo que a manga
está mais ou menos madura.

As dúvidas das percepções recaíram aonde: no sentir ou no perceber? Em ambos!


O sentir mostra que não há uma igualdade nos órgãos sensórios e, portanto, um acordo
total, exigiria seres com uma total igualdade de disposições físicas, o que, certamente,
antes da invenção de um androide não será possível. O perceber ainda se mostra mais
apto à dúvida, afinal ele depende de como fomos ensinados a pensar as coisas. Não
poderíamos de maneira alguma julgar que o nosso ato de perceber é igual ao do outro,
sem pensar que para que ele perceba será necessária grande estruturação conceitual, e
portanto, ficamos sem saber o que foi sentido.
Os casos de dúvida

Os problemas com a percepção podem ser colocados de duas grandes maneiras:


a) a variabilidade da percepção conosco, e b) a variabilidade da percepção entre seres
diferentes. Ou o problema é conosco, ou com o outro, ou em último caso, com ambos.
Mas o que deve ficar claro para você é que tudo isso surge a partir da comparação entre
percepções. É preciso que eu possa escutar um som agora e mais tarde novamente, e então
comparar a variação entre as percepções. Uma percepção singular não diz nada, assim
como alguém que experimenta um prato pela primeira vez não será o melhor avaliador.

E em um caso radical, onde só houvesse experiências singulares? Será isso


possível? Sim. Não precisamos ir longe para isso, o caso do paciente HM (ou Henry
Molaison) será útil aqui. HM é até hoje o paciente mais famoso na descrição de amnésia.
Na sua juventude ele sofreu uma concussão no cérebro o que causou um quadro severo
de epilepsia. A única alternativa na época foi uma cirurgia cerebral que removeu parte do
seu cérebro. E ela foi feita. Inicialmente HM não perdeu nenhuma função motora, mas a
sua memória foi profundamente prejudicada, com ele perdendo parte do processo de
memória, especialmente a capacidade de formar novas memórias. Aparentemente ele não
perdeu a capacidade de raciocinar. Nesse caso extremo, foi constatado que ele poderia
sobreviver, mas estaria em um processo constante de aprender novas informações. Um
ponto curioso é que HM nunca pode duvidar de sua percepção ou memória, se
perguntando se o sabor daquele alimento era esse ou aquele, ou se a cor da roupa desbotou
um pouco. Sem a memória, a capacidade de comparar se foi e por consequência qualquer
capacidade de duvidar. Talvez, o que torna crianças pequena tão crédulas é o fato de que
elas não têm informação suficiente para colocar as coisas em suspenso. Assim, sem
comparar as nossas crenças não há dúvida.

Os períodos mais férteis para a dúvida cética são aqueles onde a comparação entre
crenças é por qualquer razão fortalecida. No período moderno, a divulgação de
informações foi possibilitada pela impressa, o que permitiu a publicação massiva de
livros, e, portanto, a troca de informações. Tudo isso acabou por gerar um contexto onde
a comparação de crenças abriu o espaço para a dúvida, o que certamente foi uma das
épocas mais fecundas para o ceticismo. É o mesmo com a nossa atual troca de
informações. O ceticismo é novamente uma força motora da reflexão porque as trocas de
informação estão nos permitindo suspender todos os julgamos.

A percepção é a primeira dúvida e a mais central a se beneficiar deste movimento.


Colocamos a percepção em dúvida, porque hoje, mais do que nunca, sabemos muito sobre
a percepção, tanto num nível pessoal como interpessoal. Sabemos que a nossa percepção
é profundamente marcada por nossa condição biológica. Se eu percebo um gosto de um
determinado modo é também porque tenho papilas gustativas que podem diferir das suas.
Se vejo um conjunto de cores é porque tenho certos receptores de cor em meus olhos.
Inclusive, sabemos hoje, que a maior parte dos indivíduos tem três receptores de cor, mas
há a possibilidade de certas mulheres terem um quarto receptor, o que aumentaria
exponencialmente a quantidade de cor percebida. Assim, é perfeitamente possível
sabermos que nossa percepção não pode ser confiada aos próprios órgãos da percepção.

Além disso, posso comparar minha percepção em momentos anteriores e


presentes e julgar se há um momento onde ela está certa. Por nossa psique, quase sempre
pensamos que a percepção presente é mais precisa do que a percepção passada. Mas não
há qualquer garantia disso. Se pudesse provar o mesmo alimento duas vezes, não há
qualquer garantia que a experiência se repetiria, o máximo que posso fazer é pensar em
uma similaridade.

No final, quantas vezes já fomos enganados pela percepção? Vi um amigo à


distância e o cumprimentei com alegria, só para me aproximar ver que tinha errado.
Quantas vezes escutamos sons que não estavam lá? Falar em fantasmas brincalhões que
adoram fazer sons curiosos, não ajuda, porque se eles existem, é só mais uma mostra que
a percepção não é em nada confiável.

Quando o problema é a comparação com os outros, a situação fica ainda mais


perturbadora. Em primeiro lugar há o nosso querido antropocentrismo, que nada mais é
do que a suposição de que se o humano é de uma dada forma, o universo deve se
conformar e seguir nossos próprios padrões. Tal tolice sempre foi muito comum, mas
hoje com a ajuda da biologia, estamos conseguindo perceber que não há nada de revelador
na percepção humana. Não vemos muitos espectros de cor que outros animais veem, não
somos capazes de ter sensações táteis que outros podem. Um caso curioso, levantado por
Thomas Nagel, em um artigo com o nome de conto de ficção chamado “O que é ser como
um morcego?” pode nos ajudar aqui. O caso do morcego é que sabemos que ele se orienta
por um sentido diferente de todos os que temos, sendo ele capaz de produzir guinchos e
perceber que estes sons reverberam no que está ao redor produzindo uma forma dele
perceber o mundo. Normalmente esse sentido do morcego é comparado a um radar, mas
essa comparação é apenas a forma que temos para entender o que ele faz. No final das
contas, desafio a você a pensar: será que você sabe o que o morcego sente? Como é um
sentido totalmente diferente do nosso, não há como comparar, e só nos resta a supor que
a percepção dele é diferente da nossa, mas que qualitativamente não sabemos se melhor
ou pior. O que resta é apenas reconhecer que não como saber qual é a percepção adequada.
O universo não se conforma com o meu próprio mundo.

Quando a comparação é feita entre humanos a situação é mais cotidiana, mas não
menos difícil. Este e o caso óbvio de que eu posso saber relativamente o que você está
percebendo, justamente porque nos comunicamos, mas não há qualquer maneira de
averiguar se indivíduos diferentes estão percebendo o mesmo. Ainda que em um futuro
próximo conseguíssemos colocar aparelhos para medir se os indivíduos têm os mesmos
receptores, sabemos que a percepção é muito mais complexa e precisaria de pelo menos
contar com um estudo sobre como os indivíduos foram educados a perceber alguma coisa.
A percepção não é assim tão simples. Não há como sabermos se é a sua opinião ou a do
seu amigo sobre o vinho que deve estar correta. A solução normal envolve dizer algo
como: “no caso de dúvida, eu tenho razão”. No entanto, felizmente ou não, não há razão
para tal informação.

Uma resposta

Para muitos pensadores é frequente responder à essa pergunta dizendo que o que
importa é que nos comuniquemos. Eu inclusive penso que essa é uma boa resposta prática.
Mas pelo que argumentei essa resposta apenas explica como nós vivemos, mas está longe
de responder à pergunta que propus, a saber: se há percepção correta?

Infelizmente como estamos, pelo menos por enquanto, reservados apenas à nossa
percepção, educação e expectativas, sinto dizer: não há nenhuma maneira de se saber a
correção das percepções.
2. Há apenas o sonho?

A popularidade do problema

Um dos recursos mais pífios de qualquer história atual ocorre quando após a
jornada empreendida e tudo dá errado, o protagonista subitamente acorda e diz: “Foi tudo
um sonho”. Essa estratégia é hoje execrada porque foi usada em excesso. Mas no seu
âmago, não é uma ideia ruim. Por que não?

E a resposta é simples: todos nós já experimentamos com maior ou menor força o


sonho, e por alguns instantes eternos, o sonho era a realidade. Uma realidade diferente da
nossa e que é experimentada por todas as pessoas, pelo menos uma vez por dia, é a melhor
ferramenta para criar histórias paralelas sobre a nossa vida, sem comprometê-la. Por isso
a estratégia de se usar o sonho é boa. Ou era antes do uso excessivo.

A ideia do sonho é opor realidades. Essa estrutura narrativa não envolve apenas o
sonho, entram aqui também formas variadas de doenças mentais que alteram a percepção,
a utilização de drogas que alteram a consciência e mais recentemente, programas de
computador que simulam a realidade. Ótimos filmes foram gerados com essas premissas.
Péssimos também. Mas a premissa é boa.

De um modo mais radical, quero aqui me perguntar: é possível estarmos sonhando


agora? Essa pergunta é muito mais antiga, inclusive do que a sua versão moderna. Pelo
menos desde os gregos, já tínhamos essa questão sendo feita. Sabemos que Platão colocou
essa questão no seu livro sobre o conhecimento chamado Teeteto. Alguns céticos também
se colocaram essa questão, como é o caso de um cético chamado Sexto Empírico. Apesar
das variadas versões antigas, a forma mais forte e conhecida do chamado “argumento do
sonho” foi escrita pelo filósofo francês René Descartes no seu livro Meditações. O trecho
onde Descartes apresenta o argumento sonho é tão influente, que praticamente todos os
que estudam filosofia conhecem cada centímetro do argumento (seja para concordar ou
discordar). Mas o que faz o argumento de Descartes tão bom e principalmente
persuasivo?
Descartes

Para mim, o principal motivo pelo qual o argumento de Descartes é persuasivo é


porque ele escreve em primeira pessoa, invocando as suas próprias impressões e por
conseguinte as nossas. Aqui o paralelo com o cinema é óbvio: a narrativa do sonho precisa
sempre ser feita com um personagem que é focado, mesmo que temporariamente, em
primeira pessoa. Precisamos sentir que ele, e em último caso, nós mesmos podemos estar
sonhando. Vejamos como isto ocorre.

Eu estou vendo agora, enquanto escrevo, a tela do meu computador. Tudo me


parece bastante real. Não há qualquer dúvida. Mas eu também sei que frequentemente me
engano sobre as minhas crenças. Mostrei isso na dúvida das percepções. É possível que
eu me engane de que estou vendo agora um computador. Apesar de ser improvável, eu
posso estar vendo uma televisão, ou posso estar bastante cansado e apenas me confundo.
É possível que eu esteja errado em acreditar que estou escrevendo. Se é possível errar
sobre o que estou vendo ou crendo agora, como saber se o que eu estou sentido é real?

Assim, se eu posso errar, será que eu posso errar massivamente, ou seja, sobre
todas as coisas que eu creio agora? Bem, isso parece improvável. Um erro total
provavelmente faria com que eu morresse. Penso que água mata a sede, mas e se ela não
mata e ao contrário aumenta a sede? Se isso acontecesse, ou seja, se eu errasse sobre tudo
eu provavelmente não estaria mais vivo. Mas se estou, então não há erro total. Pelo menos
inicialmente.

Eu gostaria de sonhar toda a noite, mas infelizmente não me lembro bem dos meus
sonhos todos, apenas alguns deles, e em alguns, tudo me parecia absolutamente
verdadeiro. Não havia dúvida enquanto eu sonhava. Um sonho bastante comum é aquele
em que voamos. Durante o meu voo sobre minha cidade, não questionei se eu poderia
voar. Era simplesmente normal enquanto o sonho ocorria. Duas possibilidades aqui
podem problematizar o sonho.

A primeira é que algumas pessoas se tornam conscientes do sonho enquanto ele


ainda ocorre. Esse caso é possível, mas não é um problema. Pode ocorrer que durante o
sonho, subitamente você perceba que voar em um dragão metálico caçando ovelhas
voadoras não é exatamente normal. Se isso ocorrer, naquele momento o sonho não deixa
de ter menos aparência de verdade, ele só será menos persuasivo intelectualmente. Mas
ainda que este curioso lampejo de consciência ocorrer com você, lembre-se de que em
tantos outros casos o seu sonho era perfeitamente natural. Se em um sonho, mesmo em
mais, você ganhou consciência, basta para mim que você tenha ficado persuadido em um
caso.

A segunda objeção é dizer que eu sei que tudo o que estava sonhando era
obviamente falso! Dragões metálicos caçadores de ovelhas voadoras não é real. Sei disso
muito bem. Mas veja bem, você sabe disso quando acordou. Durante o sonho não é sabido
de nada disso. Tudo parece real. O problema do sonho não é que sei que não estou
sonhando quando acordo, mas sim que enquanto estou sonhando tudo é normal, e você
já sentiu, como eu senti, que durante uma vez pelo menos, o sonho era persuasivo. O fato
é que em algum sonho já fomos persuadido da realidade enquanto ele ocorria. E daí?
Como isso prova que eu posso estar sonhando agora? Simples.

Se o ponto do sonho é a persuasão de realidade enquanto ele ocorre, neste exato


momento estou persuadido de que tudo o que está em meu campo de visão é real e acho
que estou desperto. Se durante o sonho eu estava persuadido que era real, e agora estou
também persuadido que é real, a conclusão é: posso agora estar sonhando e sendo
persuadido que estou na vida real.

O argumento de Descartes é poderoso não porque ele mostrou que eu sonho, mas
sim que durante o sonho somos persuadidos de que ele é real e agora também estamos
persuadidos de que estamos acordados. Faça o exercício aqui. Não tente encontrar
desculpas para o seu conforto. Caro leitor, pense seriamente que você pode estar
simplesmente sendo persuadido da crença errada. E se é possível que você foi persuadido
uma vez, é possível, em essência que você esteja agora enganado sobre o que está
percebendo.

Portanto: o erro total é possível. Pode ser que todas as minhas crenças sejam
apenas parte de uma persuasão errônea que mantive durante uma vida que não passa de
uma coleção de crenças sem nenhum sentido aparente além do que nós gostaríamos que
tivesse. O erro do sonho é uma possibilidade real.

Mas alguém pode objetar, como última torre de defesa: “mas durante o sonho é
tudo muito exagerado, estranho, sem continuidade, sem temporalidade e especialmente
sem coerência”. Lembre-se: enquanto você sonhava não sabia disso, era tudo normal,
ainda que exagerado. Neste exato momento, pode ser tudo normal para você, mas quando
você despertar, verá o quão exagerado esse momento agora é. Isto é, se você despertar.
O cinema, a literatura e tantas outras formas de arte são apaixonadas pelo
argumento do sonho porque ele é bom. Mas ele é apenas uma das versões possível. Outra
igualmente dura (talvez até mais) é o argumento da “loucura”.

Loucura

O argumento da loucura é uma versão do argumento do sonho. Em verdade, ele é


tão amado pelas artes quanto é o próprio argumento do sonho. Tente fazer agora uma lista
mental de filmes, livros e outras mídias onde se supõe que o protagonista está louco,
delirando ou de posse de alguma doença. Será uma longa lista. Mas o que exatamente
estamos com este argumento da loucura e porque ele é também bastante comum?

Uma das formas boas de avaliação da cognição é observar se os outros estão


concordando com as suas ações, ou pelo menos entendendo o que você está fazendo.
Normalmente dizemos que alguém está “louco” quando suas ações não podem ser
compreendidas por um interlocutor. O problema é que a compreensão não é sempre
simples. Pense para um ateu que observa um religioso falando com Deus, para ele não se
trata de uma pessoa normal. Um empresário, CEO de uma grande empresa, com um gordo
salário, casado, dono de várias propriedades, subitamente decide vender tudo, se separar,
ir morar no interior e ser jardineiro – para um grande número de pessoas o tal CEO
enlouqueceu. Esses dois casos são mais óbvios: pode ser que a loucura não seja
exatamente simples. Temos casos mais específicos, onde há um ataque de pânico ou
ansiedade, esquizofrenia ou depressão profunda. Esses casos não são simples de
diagnosticar. Simplesmente supor que a sua relação com o interlocutor não funciona,
ainda que seja um bom critério, não serve como o fundamento da decisão ou não de uma
doença mental. Então como traçar uma linha? Exploremos o argumento, agora do ponto
de visto do sujeito “enlouquecido”.

Suponha por um momento que sua cognição está funcionando bem. Que tudo que
você está pensando tem sentido. Que suas ações são adequadas e compreendidas por todos
ao seu redor. Como saber se isso está acontecendo? Como saber que suas impressões são
reais e não apenas uma forma de sua mente ordenar o mundo? Doenças mentais podem
alterar de modo severo a percepção do mundo. O caso mais famoso, talvez, seja o caso
da esquizofrenia aguda, onde o agente acredita e vê uma realidade que está presente
apenas em sua mente. Nesse caso o esquizofrênico escuta vozes e responde essas vozes.
Não se trata de “imaginar” que se está tendo essas imagens. Nessa situação, o sujeito
percebe essas manifestações. Para ele não há qualquer diferença entre essas percepções e
as outras. Elas impelem tanto a sua ação como qualquer outra percepção, e em muitos
casos, com uma força maior do que uma voz “real”. A linha divisória entre a percepção
do real e a ilusão não é tão larga quanto gostaríamos que fosse. Para alguém que
eventualmente sofre de um tipo de condição deste tipo não há como saber quais
percepções são reais.

O problema, e aqui precisamos de um pouco de filosofia clássica, é o chamado


“problema do critério”. O que a doença mental traz é uma dificuldade de se estabelecer
um critério coerente que indique que a percepção do sujeito é correta. Um critério é uma
ferramenta de decisão. Por exemplo, para que eu diga que uma fruta está podre, o meu
critério é percepção, vezes visual, em outros casos gustativa. No caso da loucura
poderíamos usar a percepção como um critério? Não, porque a percepção pode ser uma
ilusão criada pela mente. Será que a reflexão racional pode ser usada para distinguir
realidade e aparência? Infelizmente também não, por motivos óbvios, já que se por um
segundo você supõe que a sua realidade pode ser falsa, não há qualquer garantia que a
sua reflexão também não o seja. O que o argumento da loucura faz é simplesmente
aumentar ainda mais a dúvida presente no argumento do sonho. Uma vez que entramos
neste tipo de dúvida não há qualquer saída possível.

Uma resposta radical é se abrir à ideia de que todo o mundo é apenas uma criação
de sua vontade. Este argumento, conhecido como Solipsimo, é profundamente radical.
Ele envolve supor que o mundo não existe tal como nós o percebemos, ao contrário, é a
nossa percepção que constrói a realidade. Assim, quando você vê alguma coisa, é apenas
a sua vontade construindo a realidade. Radical, mas por que não?

Uma pergunta simples seria: se é a minha vontade que constrói o real, porque eu
não construo da melhor maneira para mim? No final é o mesmo caso da loucura: quando
não há critério externo para decidir o que é melhor ou pior, a mente apenas estrutura o
mundo, mas não há um corretor, um critério que decida. A vontade fica aprisionada nela
mesma. Aqui diríamos diferente do famoso verso do poeta John Donne que diz: “nenhum
homem é uma ilha”. No solipsimo, o homem é uma ilha, e ele apenas se conhece, todo o
resto é possivelmente, senão certamente, apenas uma ilusão.
Realidade e aparência

Toda a disputa envolvendo os argumentos do sonho e loucura, tem em sua base


uma das discussões mais antigas da história da filosofia, e que agora vou fazer uma
apropriação cética: a diferente entre a “realidade” e a “aparência”. Parmênides, talvez o
mais importante dos primeiros filósofos, indicava que toda a realidade sensível não era a
própria realidade, apenas a razão (o logos) revelaria a realidade. Heráclito, outro dos
heroicos primeiros filósofos dizia diferente, ao contrário, para ele tudo o que temos é a
inconstância da realidade percebida. Mais tarde, Platão, fez a distinção famosa entre
realidade e aparência.

Para Platão, a “realidade” só poderia ser conhecida por meio dar razão e nunca da
experiência. Tudo que você está vendo não é a realidade última. Não é irreal também. É
apenas uma aparência, uma quase verdade. Apenas a sua racionalidade poderia revelar a
realidade efetiva. A tarefa do pesquisador é descobrir tal realidade. Isso não é só filosofia,
é física, matemática, biologia. O físico precisa descobrir por meio de sua razão que
existem forças, que não vemos, mas estão aí. O matemático quer ver com a sua razão os
padrões numéricos. A biologia quer apresentar uma organização ao mundo, uma
organização que não é visível, mas imputada. Tudo isso é muito bonito, mas: e se
estivermos sonhando?

A separação entre a realidade e a aparência pode funcionar bem no papel, mas a


luz da argumentação que a dúvida cética trouxe, o problema não é de modo nenhum
resolvido. Veja: para separar realidade de aparência é preciso de um critério: a experiência
e a razão parecem bons critérios. Mas se eventualmente eu estiver sonhando não há
porque confiar na percepção, nem mesmo na razão. A radicalidade do sonho é porque ele
esfumaça as fronteiras entre realidade e aparência. No final tudo é aparência e realidade
ao mesmo tempo.

Nesse contexto, não resta dúvida: se houver qualquer possibilidade, ainda que
mínima de que você esteja sonhando, ou em estado de loucura, não há qualquer forma de
evitar que tudo o que resta é apenas você e a sua dúvida, ou nesse caso, a minha mesma.
Como saber que você não está sonhando? Se você não for capaz de responder a esta
pergunta, o que resta é suspender o juízo com relação à diferença entre a aparência e a
realidade, entre saber se você está ou não sonhando.
3. Há acaso?
Seria possível, ainda que absolutamente improvável, que o vento organizasse as
folhas caídas de uma árvore em uma frase, digamos, “Olá, eu sou uma árvore e quero
falar com você”? Seria tal evento absolutamente impossível? De um ponto de vista prático
não é razoável supor que tal pudesse acontecer, afinal, eu não me lembro de qualquer
evento remotamente semelhante a esse. Mas evidentemente, não sou tolo, e sei que não é
porque não vi algo sim, que não possa ocorrer. Em último caso, tal fato pode estar
ocorrendo um floresta desabitada.
O que torna esse fato possível, ainda que improvável, é que algumas vezes
fenômenos naturais e ações humanas, que num primeiro momento pareciam irregulares,
geram um padrão reconhecível por humanos. Uma nuvem que se parece com um cavalo,
ou um grupo de pessoas andando, que do alto, aparecem em sincronia. Nada disso é raro.
Ao contrário, é bastante frequente. O grande problema com o exemplo que comecei esse
capítulo, é que ele parece ordenado demais para ser aleatório, para ser ao acaso.
Felizmente a solução é simples.
Fenômenos ao acaso podem gerar padrões reais e visíveis e que pareceriam
totalmente ordenados para alguém que visse só o último momento. Um exemplo possível
é o próprio planeta Terra. Se supormos aqui que a física e a astronomia estão corretas, o
número de eventos altamente improváveis que acabaram por gestar a Terra são
absolutamente insanos. Pense em todas as probabilidades das rochas que temos aqui,
terem sido estas, exatamente estas e nesta configuração. Que a água presente na Terra
tem vindo exatamente destes e daqueles asteroides. Observe que eu ainda estou falando
apenas da questão da estrutura física de nosso planeta. Não me esqueço clara dos
múltiplos eventos que conduziram a vida na Terra a ser como é agora. Para um indivíduo
que observe apenas o momento presente da Terra, ele certamente acreditará que tudo o
que aconteceu até agora não é ao acaso, afinal, a vida, o universo e tudo o mais são
complexos demais para serem ao acaso. Será?
Uma frase escrita de modo aleatório pelo vento nas folhas de uma árvore não é,
nem de perto, tão complexa quanto o fenômeno aleatório da vida. Assim, pergunto
novamente: é possível que o vento ordene as folhas de modo a escrever uma frase?
Todos esses exemplos estão submetidos a um problema de ordem mais
fundamental: há acaso? Literalmente, “acaso” significa “sem causa”, ou seja, um
fenômeno que existe de modo absolutamente independente de qualquer outro fenômeno.
Usada com toda a força a palavra “acaso” é forte demais. Nos exemplos que dei acima,
não há “acaso”, afinal, a causa da frase composta pelas folhas foi o vento, retrocedendo,
a causa do vento é a modificações de temperatura e pressão na atmosfera, e assim por
diante. Ainda que a imagem de um cavalo sendo formada em uma nuvem seja curiosa,
ela tem muitas causas.
Normalmente, a palavra acaso é usada de uma maneira muito mais simples.
Alguém que diz que o fenômeno é ao acaso quer apenas dizer que não entende bem a
causalidade que conduziu até a realização do fenômeno. Assim, eu digo que a forma da
nuvem é mero acaso porque eu não entendo bem quais são as suas causas.
Este tipo de argumento parece apontar para duas ideias, que quero descartar. A
primeira ideal problemática pode ser resumida assim: “tudo tem uma causa”. Sem uma
argumentação essa afirmação é descabida. Não há nada que a comprove que tudo tem
uma causa. Não é porque tudo o que vimos tem uma causa, que todas as coisas existentes
no universo tem uma causa. O próprio universo pode ter surgido do nada, isto é, sem uma
causa. Então dizer que “tudo tem uma causa” é um pouco demais.
Como disse, quero descartar duas ideias, a segunda pode ser resumida na
expressão comum: “tudo tem sua hora”, isso indicando que todas as coisas são
organizadas para um fim. Essa ideia é frequentemente expressada a partir da imagem de
uma evolução criadora, que estruturou todo o universo. Não quero aqui afirmar ou
descartar a existência de um Deus que poderia ser a causa de tudo. O ponto é que quero
tratar da pergunta sobre o acaso ou de uma causalidade da natureza apenas de um modo
apenas físico. Digo isso porque normalmente trazemos a discussão do acaso para uma
força sobrenatural que geraria o acaso ou a ordem. Mas para mim isso não é o meu tema
aqui. Basta perguntarmos se a natureza é ou não regida pelo acaso.
Tendo tirado essas duas pressuposições, podemos agora voltar a examinar o
problema: há acaso ou tudo é ordenado, causado? A chave para entender essa questão é a
ideia de causa. Vamos a ela.

Causalidade

Causalidade é uma sequência específica de fenômenos, que ocorre de acordo com


alguma regularidade, onde um evento específico x que é gerado através de algum
mecanismo, lei ou padrão, causa um evento y. De um modo mais simples, a causalidade
é a propriedade de um evento causar outro, ou seja, o fogo causar o calor. Quase todos os
grandes filósofos, pelo menos em alguma obra, examinaram a causalidade. Mas não
apenas eles. Físicos, biólogos e matemáticos vivem rodeados de perguntas sobre a
causalidade. Aristóteles propôs “quatro causas” para toda a natureza, Isaac Newton
propôs as suas leis mecânicas como leis de causa e efeito. Mas foi David Hume quem
problematizou a própria causalidade.

Hume diria que o conhecimento da natureza parece depender da causa, mas como
eu posso conhecer a causa de algum evento? Como eu sei que a causa da dor é o
ferimento? O mais óbvio seria responder: pela experiência! Mas será? Vamos repassar os
momentos de um evento macabro:

1. Acidentalmente eu passo a faca no meu dedo,


2. Vejo a pequena ferida se abrindo
3. Então sinto a dor.

Mas o que eu vejo? Duas opções:

a) Vejo o ferimento causando a dor


b) Ou apenas o fenômeno do ferimento e em sequência sinto a dor?

Seja sincero você vê o ferimento causando a dor? Certamente não. Ninguém vê um


causando o outro, vemos apenas dois fenômenos naturais ocorrendo em sequência. E só.
São as nossas expectativas que nos fazem acreditar que um causa o outro. Apesar de este
exemplo ser um tanto excêntrico, pense nesse: achávamos que o cigarro era a causa de
uma boa saúde. Inclusive, muitas propagandas foram feitas com base em uma ligação
causal forte entre o cigarro e a boa saúde. E de modo incrível, muitas pessoas que
fumavam tinham boa saúde (pelo menos temporariamente), como ocorre até hoje. Isso
durou até descobrirmos que era totalmente oposto. O que houve nesse exemplo foi um
ligação equivocada entre causa e efeito. O mesmo poderia acontecer com o ferimento e a
dor. Poderíamos descobrir no futuro que a causa da dor não é o ferimento.

Assim a experiência de ver dois eventos juntos não me permite conhecer a ordem
por detrás da natureza, ou seja, a sua causalidade. Hume então nos guia e pergunta: se não
é a experiência, seria o raciocínio o mecanismo responsável por descobrir a causa? Aqui
a resposta é simples: não. Um indivíduo que nunca viu uma fruta e decide experimentá-
la não tem como saber, apenas por meio do raciocínio se a fruta é ou não saborosa.
Para Hume, o nosso conhecimento da natureza vem de nossas expectativas,
algumas conscientes, outras nem tanto. Supomos que há uma ordem na natureza por meio
da causalidade, mas não temos qualquer prova de que há tal causalidade, exceto, pela
repetição. Mas se há ou não ordem causal, não sabemos racionalmente. O problema passa
a ser a essência da natureza. Será que a natureza é mantida por sequências de causa e
efeito e portanto tem uma espécie de ordem?

Tal questão conduz a duas visões possíveis da natureza: a contingência e a


necessidade.

Contingência e necessidade

O universo é ou não um acaso? A evolução humana é ou não necessária? Duas


posições foram tomadas: uma próxima da ideia de necessidade e outra da ideia de
contingência.

A ideia de necessidade afirma que há uma ordem em toda a natureza, ainda que
essa ordem não seja visível. E é essa ordem que faz com que todos os dias tudo ocorra da
mesma maneira. Mas eu pergunto: será que a gravidade poderia acabar amanhã, acabando
com a ordem que temos observado até hoje? A resposta, quase sempre é um óbvio não.
Mas porque a resposta é óbvia? Bem, o ponto aqui é que quem acredita que a gravidade
não pode acabar acredita em uma natureza necessária, onde haveria uma ordem do
universo. E essa ordem não poderia se findar. Teorias que descrevem a gravidade podem
ir e vir, mas a ordem necessária é parte da natureza e o nosso dever é entendê-la.

Mas nem tudo são flores na natureza. Há outra possibilidade: pode ser que não
exista uma ordem, e tudo ao contrário seja ao acaso, ou em termos mais clássicos:
contingente. Veja, nosso período no Universo é absolutamente curto. Admitamos, como
parece ser verdadeiro, que o Universo tem 13,8 bilhões de anos. Os números para um
possível fim para o Universo são enormes. Eles vão de algumas dezenas de milhares de
anos até um número com quarenta zeros. Assim pode ser que 13,8 bilhões seja
ridiculamente pouco. Suponhamos que quando o Universo ficar mais velho as leis da
física se alterem e a gravidade acabe. Apesar desta ser uma hipótese pouco provável, ela
é possível. E se é possível não há garantia de que o que vemos hoje é necessário, sendo
na verdade apenas contingente.
Dois exemplos

Quero examinar dois exemplos. Um primeiro mais próximo do nosso dia a dia, e
outro proveniente da ciência. Vamos lá.

Há um erro argumentativo famoso chamado “falácia da falsa causa”, que nada


mais é do que um argumento falso construído sobre a impressão de correção, e como as
outras falácias ele é usado para enganar as mentes desatentas. Eu gosto de exemplificar
essa falácia com o caso romântico adolescente. Suponha um casal de namorados que estão
comemorando o primeiro mês de relacionamento. O namorado, um incauto
desconhecedor de lógica, vira para a sua namorada, uma grande especialista em lógica e
diz: “Se não fosse naquele dia, na fila do banco, nunca teríamos nos conhecido!”. Neste
momento a sua namorada, nota a falácia e diz. “Sim, eu também gosto de você, mas você
acabou de cometer uma falácia. Poderíamos ter nos encontrado na fila da padaria, da
prefeitura, na piscina, no banco de sangue, ou em praticamente em todos os lugares
possíveis. Que o nosso encontro tenha sido naquele dia, naquele local é totalmente ao
acaso”. Apesar da namorada não ter sido exatamente romântica, de fato supor que a causa
do namoro foi ter encontrado naquele lugar é uma falácia mesmo.

A maioria das coisas acontece sem um plano prévio, sem uma preordenação.
Conheço muitas pessoas que diriam que só poderia ter ocorrido daquela maneira, estava
tudo escrito nas estrelas! Isso é lindo, mas não há como saber isso. Algumas coisas são
apenas acaso mesmo.

A dúvida quanto ao acaso ou necessidade da natureza não está presente apenas no


dia a dia ou na filosofia, as mentes interessadas em Biologia, especialmente na teoria da
evolução, frequentemente estão ao redor do problema da necessidade versus
contingência. Essa teoria assevera que há uma dose de acaso na mudança das espécies. A
ideia é a de que a alteração, supressão ou criação de espécies ocorreria por razões
variadas, desde a presença de comida, alterações do clima da Terra, ou mutação genética.
A mudança entre as espécies ocorreria por acaso.

Os grandes adversários da teoria da evolução gostam de defender que este acaso


é absurdo e que a natureza é sim determinística. Estes adversários costumam dizer que
seres como os humanos, são muito complexos para terem sido causados pelo mero acaso.
Pense na quantidade simplesmente infinita de acasos que seriam necessários para gerar
um órgão complexo como é o cérebro. Ele diriam: é claro que a mudança entre as espécies
tem que ter ocorrido a partir de um plano, de uma ordenação causal.

Claro que os biólogos, defensores de algum acaso na natureza tem ótimos


argumentos contra os seus adversários defensores de um plano natural. Mas o que importa
é que duas possibilidades sobre a mesma natureza são frequentemente colocadas a partir
de bons argumentos. Nesse caso eu não tenho dúvida: é claro que a biologia parece correta
e o acaso parece existir, mas será que isto é suficiente para que eu diga que a natureza
ocorre no acaso?

Possibilidades

Neste capítulo examinei a essência da natureza. Para alguns a natureza é


necessária, gerada por uma causalidade que, se ainda não é bem conhecida, será num
futuro próximo. Essa hipótese é confortadora, pois possibilita ao ser humano não apenas
prever o comportamento do universo, mas especialmente não ser surpreendido por uma
mudança aterrorizante.

Para outros, a natureza é contingente, dizendo que o pouco que vimos do universo
até agora não garante que este seja ordenado. Além disso, certos fenômenos físicos
parecem mais ao acaso do que certos.

Este é um caso típico do que os céticos chamavam de “equipolência”. A


equipolência ocorre quando temos dois argumentos bons, estabelecidos por fortes razões,
mas que são completamente opostos. Quando isso ocorre a única coisa que podemos dizer
é que não temos a mínima ideia qual é a estrutura da natureza.
4. Há algo?
Façamos uma lista das listas. Como não é viável uma lista de todas as coisas,
façamos uma lista curta com alguns exemplares representativos. Uma maça, um cachorro,
dois livros e um telefone. Continuemos. Um ato de violência e um de amizade. O número
1 e a verdade. A gravidade e a mentira. Agora tenho um problema: quantas dessas coisas
existem? A resposta mais comum é que todas elas. Mas será que todas elas existem da
mesma maneira? E principalmente: será que essas coisas existem?

George Berkeley
Comecemos com as coisas aparentemente mais simples. Uma maça, um cachorro,
dois livros e um telefone. Provavelmente você já deve ter visto um exemplar de cada um
destes elementos. Mas o que me interessa aqui é: como você sabe que eles existem? Uma
resposta possível seria dizer algo como “eu sei que existe uma maçã porque eu já percebi
uma maçã!”.
Essa resposta é na verdade bastante boa e tem inclusive grande utilidade prática.
No entanto, ela está longe de ser suficiente. Um importante filósofo do século XVII,
George Berkeley, problematizou o conhecimento a partir da percepção se perguntando se
podemos dizer que alguma coisa existe apenas porque pode ser percebida, ou nos termos
dele: se “ser é ser percebido”. Vejamos.
Suponhamos que antes de começar a ler esse livro você foi até a geladeira de sua
casa pegar uma maçã. Você se lembra de que haviam duas maçãs lá e você pegou uma.
Agora, depois de ter comido uma das maçãs eu te pergunto: sem você voltar à geladeira,
como saber que há ainda outra maçã lá? Lembrar-se não é suficiente porque a memória
nos prega peças. Por outro lado, o que garante que a outra maçã simplesmente não
desapareceu? Dizer que maçãs não desaparecem normalmente não é bom o bastante,
simplesmente porque você não viu todas as maças do universo. É preciso uma prova
incontestável de que a maçã ainda esteja lá. Se eu não posso percebê-la como conhecer
sua existência? Esse argumento, usado por Berkeley tem também uma versão clássica em
proverbio que pergunta: se uma árvore cai em uma floresta e não há ninguém lá para ouvir
como saber se ela fez barulho?
A resposta a este tipo de questão não é trivial. Se não estamos lá para ver e ouvir
não há qualquer maneira de saber se ela fez ou não barulho. Uma opção viável seria dizer
que uma maçã não desaparece ou que um objeto que cai sempre faz barulho. Mas para
essa resposta ser adequada seria preciso um argumento que prove que a maçã não
desapareceu ou que sempre faz som, sem que eu tenha qualquer evidência física.
Precisaríamos de um argumento metafísico que diz que a natureza é sempre necessária e
como vimos acima esse argumento não é tão fácil de ser mantido. No final das contas o
argumento de Berkeley quer perguntar a natureza da existência, ou seja, se algo existe
sem que alguém o perceba.
Mas e um objeto que estou vendo agora será que ele existe? Um objeto que
provavelmente deve estar ao seu lado agora, ou na sua frente, é uma tela de computador,
telefone ou outro aparelho qualquer. Como você sabe que ele é real? Dentro da
possibilidade levantada por Berkeley parece simples dizer que o meu computador existe.
Mas qual é a prova? Simplesmente o fato de eu estar vendo? Obviamente isso é
problemático. Como já verifiquei, posso estar sofrendo uma ilusão, sonhando ou sendo
enganado. Não há qualquer garantia que o que você vê é real.
Deve haver algo, certo? Mesmo que se houver, não é possível saber. Digo,
“mesmo se houver” porque ainda que eu possa dizer com alguma tranquilidade que deve
existir algo, não há qualquer argumento capaz de demonstrar essa proposição. Descartes
tentou nos provar que algo existia pela sua famosa frase “Se penso, logo existo”, assim
se eu sou capaz de reconhecer meu próprio pensamento é porque eu preciso existir para
reconhecer a mim mesmo. Mas essa frase é uma exclamação, não uma demonstração. Ela
atesta um suposto momento de eureca, onde não se sabe exatamente o que é o pensar ou
a existência. Mesmo que Descartes esteja correto, não há a mínima ideia do que significa
“eu existo”. Observe a frase de Descartes: ela não diz que existo como um humano. Quem
sabe, eu poderia existir como um macaco, um carro, um planeta ou uma xícara, todos
pensantes. Afinal eu poderia existir de muitas maneiras.
Uma possibilidade mais radical, filha de especulações recentes da física, indica
que talvez tudo o que chamamos de existência não passa de um holograma e que o próprio
Universo é uma simulação holográfica. Não tenho qualquer ideia se é assim mesmo, mas,
se é possível pensarmos, é possível também que seja possível. Ainda que seja improvável,
não é impossível, portanto não posso descartar como irracional. E se é possível que a
maçã tenha desaparecido, como saber que ela não desapareceu mesmo? Não há uma
maneira precisa de se determinar a existência de coisas como maçãs e livros.
O existir e a realidade humana
Se a determinação da existência de maçãs e computadores é difícil, o que dizer de
“violência”, “amizade”, “mentira”, “verdade”, “número 1” e “gravidade”? Vamos
primeiro organizar os temas. A realidade da verdade fica para o capítulo sete. Violência
e amizade parecem depender da ação humana, já que não existiriam sem humanos. Por
outro lado, alguém poderia dizer que a existência de números e da gravidade não depende
de humanos. Vamos começar então com aquelas coisas que aparentemente dependem dos
humanos e verifiquemos se coisas como a violência e a amizade existem mesmo.

Se falarmos na existência de algo que seria a “amizade” não podemos falar de uma
existência conhecida por meio da percepção, afinal a amizade não existe tal como uma
coisa fisicamente percebível: posso ver duas pessoas, mas não a amizade entre elas. E
então, como saber que existe tal coisa como a amizade? O problema aqui envolve a
verificação ou a referência da realidade de coisas que não são materiais.
Posso dizer de um modo mais solto que a amizade existe sim, e que ela é uma
relação entre pessoas. Nesse caso a minha atribuição de realidade não é a uma “coisa”,
mas sim a uma relação que existe apenas enquanto os indivíduos assim o quiserem. O
traço de realidade é aqui bastante tênue e envolve os significados que nós queremos
atribuir ao mundo. Ao admitirmos que a amizade, amor, violência, inveja, política, justiça
e tantas outras ideias existem temos de supor ao mesmo tempo que uma criação humana,
como um mito de criação é também real. Alguém que supõe que a amizade existe, acredita
assim não porque percebeu fisicamente algo como a amizade, ao contrário, é uma
realidade baseada em um sentimento dado a partir de uma complexa rede de significados
inculcados culturalmente. Da mesma maneira, alguém que acredita que o Universo foi
criado por um panteão de bons deuses o faz também a partir de um sentimento igualmente
assentado em uma rede de significados. Para aceitarmos qualquer uma dessas ideias
precisaríamos ao mesmo tempo aceitar que significados construídos por uma civilização
específica, num tempo específico e numa localidade específica tem o estatuto de real. Há
amizade? Claro que não há como dizer.

Ser e conceituar
Se não fosse o bastante levantar a dificuldade de atribuição de existência para
coisas tão diversas quanto “maçãs” e “amizade” quero agora pensar com você a existência
de conceitos absolutamente abstratos e que possivelmente deveriam ser o sustentáculo da
realidade, vamos tomar dois exemplos: o número “1” existe? E, a “gravidade” existe?
A tarefa de determinar a existência dos números foi assumida por muitos dos
grandes pensadores indo de Platão à Bertrand Russell. A busca por uma resposta inclusive
gerou uma das frases mais famosas da história da matemática, dita por Galileu “O livro
da natureza está escrito em caracteres matemáticos”. De início, não há qualquer dúvida:
a quantidade “1” parece existir. Mas não é simples atribuir existência aos objetos físicos,
como vimos acima. Indo além da mera quantidade física, podemos pensar no próprio
número. Inicialmente ele é apenas uma convenção bem estabelecida que poderia ser
diferente sem qualquer perda conceitual. Minha questão precisa ir além. Quero saber se
o próprio numeral existe e se existe, existe como?
Certamente a ideia de um número não pode ser percebida. Só poderia ser
conhecida pelo intelecto. Números naturais, como o 1, parecem ter uma realidade mais
evidente, afinal já vi uma casa, mas se nos afastarmos um pouco deste tipo de números,
fica um tanto mais difícil de saber os números existem. Pense por exemplo no número -
16485,17. Há algum objeto que pode ser identificado com ele? Certamente nada que eu
conheço. Assim, dizer que esse número existe seria forçar a barra para dizer que coisas
que não tem referência física, de tipo algum, existem. Se dissermos que algo existe apenas
porque serve a um propósito em um sistema lógico, teríamos eventualmente de aceitar a
existência de fantasmas que pudessem fazer sentido em sistema lógico de crenças.
Precisamos de alguma maneira de dizer que um numeral, seja 1 ou -235,17 possa
existir. Uma possibilidade forte seria dizer que tais números e as equações que surgem
deles podem ser identificados com a natureza. Esse argumento é provavelmente o mais
forte em matemática, mas ele é prejudicial para a matemática. Vejamos. Se um
matemático alega que sua disciplina é verdadeira em virtude da existência dela na
natureza, ele terá de retirar uma série de teorias matemáticas que não fazem sentido
necessariamente na natureza, como por exemplo o conjunto de números imaginários, tais
como a raiz de -1. Teríamos de retirar também todo apelo à uma geometria de n
dimensões. Tudo isso deveria ser retirado, porque ainda que possa desempenhar uma
importante parte em um cálculo, certamente não faz parte da natureza, em qualquer
sentido físico concebível atualmente. A matemática deve ser pensada de outra maneira:
ela seria um sistema de regas que tem o objetivo de reconhecer padrões naturais e não
naturais. Ela mesma não deveria ter a função de ser real. Reais poderiam ser os padrões
encontrados pela matemática, transformados em números e equações para serem
entendidos por nós. Mas os próprios números não existiriam em si mesmo, mas seriam
regras criadas por nós e funcionam por causa que estabelecemos que elas funcionam.
Realidade mesma não pode ser atribuída à matemática.

Mas e os padrões naturais, ele existem? Talvez o padrão mais óbvio de


regularidade na natureza seja a Gravitação Universal. Agora quero perguntar: a gravidade
existe? A resposta é, por vários motivos, impossível de ser dita. Primeiro, quero esclarecer
uma dúvida no próprio termo “gravidade”. Se observarmos os usos dessa palavra em
momentos da física, e mesmo do senso comum, veremos que apesar da palavra ser a
mesma, temos que saber que o conceito usado não é o mesmo. De modo bastante
esquemático, mas suficiente aqui, em Newton a ideia de “gravidade” envolve uma força
que age à distância a partir da massa dos objetos, já em Einstein “gravidade” envolve a
deformação do tecido espaço-tempo. Apesar destes conceitos contarem com várias
similaridades, não temos o mesmo conceito, nem mesmo de modo mais solto. Mas isso
não significa que não exista algo que tanto Newton e Einstein estavam falando.

Quando se fala em “gravidade” a pergunta tem de ser: a partir de qual física? Tal
não é nada trivial, sendo ao contrário, necessário para a física fazer a distinção frequente
dos usos de gravidade. Alguém poderia dizer que a teoria mais atual é a mais precisa,
coerente com os fatos, adequada ao todo da natureza é a melhor teoria. Mas qualquer um
com apreço pela história da ciência sabe que é temerário fazer uma afirmação que saia
de: “hoje esta teoria é a mais adequada para resolver nossos problemas” para “tal teoria é
sempre verdadeira”.

Tudo isso sem contar o fato de que a gravidade pode não ser uma força originária,
mas uma derivação. Imagine: é possível, como já aconteceu com tantas outras ideias na
física, que em um futuro próximo se descubra que a gravidade não existe em si, mas é
uma manifestação de outra força mais básica x. Se isto for adequado, não estou sentado
porque há gravidade (e porque eu quero) mas especialmente por causa da força x.
Novamente, não teria sido a primeira vez que algo assim aconteceu na ciência. Mas e a
força x, ela existiria?

Bem, aqui o problema inicial é semelhante ao da matemática. A suposição é de


que há tal coisa como a “gravidade” ou a “força x ou y”. Mas tais expressões não são
nada mais do que criações humanas que querem resolver alguns problemas teóricos e
práticos. Pode ser, que a descrição da física seja apenas pragmática. Mas deve ter algo
como a razão que faz com que eu fique assentado agora. Sim, ainda que o nome
“gravidade” exista, algo que seja a razão deve existir, certo?

Não é tão simples. Há uma suposição cética que quero dar uma nova forma para
ela, a saber, a ideia de que nosso tempo de vida na Terra não é suficiente para estabelecer
coisa alguma. Não há nada que impeça que a gravidade não seja mais do que uma força
temporária, que ainda que exista agora, ela na não é nada mais do que um pequeno
movimento do Universo. Com a nossa mente frágil julgamos que a regularidade
encontrada por nós é real e não apenas um acidente temporário. Dado o nosso pouco
tempo de Universo, não há qualquer motivo final que nos permita uma afirmação
categórica sobre a natureza do real.

Ser

Em nenhum momento afirmei que nada existe. Nem que tudo existe. Ao contrário,
sobre a existência o máximo que me resta é não afirmar nada.

O problema é que de todas as dúvidas possíveis, essa é a mais absurda. Mesmo


depois de tudo o que eu argumentei acima, parece estranho dizer que o que estou vendo
agora não existe. Você está convencido de que o livro em sua frente não existe?
Provavelmente não.

A dúvida com relação à existência não tem o objetivo de mostrar que as coisas
não existem, mas sim apontar para dois pontos: a) que é possível que a nossa fala sobre a
existência não é boa o bastante e b) que o que aceitamos ingenuamente acerca da
existência esteja errado. Mas, e se for o caso, será que há algo?
5. Há tempo?

Esse capítulo é uma continuação das reflexões do anterior, acerca do problema da


existência. Nele quero tratar do problema da “realidade do tempo”, que nada mais é do
que a tentativa de responder o que vem a ser o próprio tempo. Esse tema foi examinado
por uma quantidade enorme de filósofos, com o meu destaque especial para Santo
Agostinho, e também por um sem número de físicos, poetas e linguistas. Nesse capítulo
quero levantar duas possibilidades: ou tempo não existe ou não somos capazes de
compreendê-lo.

Reconstrução

O problema da temporalidade é um dos mais difíceis, mas também mais


divertidos. Justamente por isso, muitos livros e filmes tem abordado tanto a passagem do
tempo, quanto a viagem no tempo. Quero mencionar um. O filme que para mim aborda o
tempo de uma maneira curiosa é o Amnésia (Memento) de 2000 dirigido e escrito por
Christopher Nolan. Esse filme tem uma história policial bastante trivial, mas apresenta
uma forma curiosa de contar essa história. O filme é narrado a partir de um sujeito que
perdeu a capacidade de formar memórias de longo termo e por isso ao final de cada dia
ele se esquece do que aconteceu durante aquele dia. O filme é montado de um modo
especial onde percebemos que cenas adjacentes não aconteceram em momentos
subsequentes e que precisamos descobrir a ordem por trás das cenas. Esse filme
demonstra um ponto fundamental da temporalidade, conforme pensada por nós: o tempo
é uma construção narrativa, como é um filme. A obra de Nolan só é interessante se nos
engajarmos nela, ativamente buscando construir o tecido do tempo que o sujeito perdeu.
Ao perder a memória ele também perdeu a temporalidade. Não sabe mais que dia é, do
mesmo modo que ele também não o sabe mais o que está acontecendo.

Para entender o problema da temporalidade suscitado pelo filme preciso agora


fazer uma distinção entre duas maneiras de encarar o tempo: a primeira é o tempo como
a capacidade humana de perceber a passagem, a mudança e a repetição, a segunda é o
tempo como uma estrutura presente na natureza. Quero examinar ambas e verificar com
o que ficamos no final.
O tempo humano

A reflexão mais empolgante sobre o tempo como colocação humana foi nos dada
por Santo Agostinho. Ele influenciou praticamente todos os filósofos depois dele e
certamente é a minha maior influência neste problema. Vou nessa seção reconstruir o
argumento dele de modo a torná-lo uma dúvida cética. Mas não posso começar a falar do
tempo sem pensar e inclusive trazer à tona alguns dos exemplos dele. Segundo Agostinho,
dizer o que o tempo é, é uma atividade ingrata, e ele diz isso numa frase incrível:

“Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se


quiser explicar a quem indaga, já não sei”.

Começando pela resposta óbvia, o tempo é a passagem entre o passado, o presente


e o futuro, ou seja, entre aquilo que não é mais (o passado), aquilo que é (o presente) e
aquilo que será (o futuro). Coloquemos agora em pratos limpos os três tempos.

O que é o passado? Definir exatamente o que é o passado é definir o limite máximo


da experiência e do conhecimento humano. Podemos dizer que o passado é tudo aquilo
que ocorreu desde a origem do Universo há 13,8 bilhões de anos. A rigor, o passado é
aquilo que não é mais, e portanto, se não mais é, ele não existe. Assim não faz sentido em
falar no passado como algo. O passado não é mais nada. Segundo Agostinho, um dos
problemas decorrentes do passado não existir é a dificuldade de medi-lo. Isso ocorre
porque podemos medir apenas aquilo que existe. Pense em como medir um unicórnio.
Não há como fazê-lo porque não existe unicórnio. Se o tempo não existe, a rigor toda a
medição dele é apenas ilusória.

Há outro problema no passado: ele não faz muito sentido se não estiver de acordo
com as nossas limitadas capacidades. Explico-me. Pense no último almoço seu. Lembre-
se do que você comeu e se outras pessoas o acompanhavam. Isso é possível porque a
diferença entre um dia e outro é temporalmente simples de ser construída, uma vez que
já vivi alguns anos. Pense agora naquilo que você era a cinco anos. Esse exercício será
um pouco mais difícil, embora é possível, uma vez que cinco anos é uma quantidade de
tempo que conhecemos. Agora façamos algo mais radical. Tente sentir a diferença entre
12000 e 13000 anos. Quando chegamos em tanto tempo, tão distante de nossa realidade,
a temporalidade começa a se esfumaçar. Não faz qualquer diferença se é 12 ou 13 mil
anos. O passado só faz algum sentido real e não apenas se apresentar como dados brutos
se podemos ordená-lo de acordo com a nossa experiência.
Antes de irmos ao presente, vamos ao futuro. Analogamente, o passado se
assemelha ao futuro, uma vez que esse último também não existe. O que acontecerá daqui
a cinco minutos é incerto, ainda que relativamente previsível. Essencialmente o futuro
não existe. Ainda como ocorre com o passado, nós não conseguimos entender o futuro
muito distante e fora de nossa realidade. Se eu pedir a você para planejar os próximos
cinco minutos é simples. Se eu pedi-lo para planejar os próximos 50 anos, você pode
tentar mais será um exercício meramente ficcional.

Nos resta apenas o presente. Se passado e futuro não existem, o presente será
definido como aquilo que ocorre agora. O agora só será agora enquanto for dito agora, e
no segundo onde paro de falar não o é mais, e agora é outro. Tente. Pronuncie em voz
alta: agora! Quando você terminar o que você falou não é mais presente. O presente é um
fiapo, um quase nada que se esvaí assim que ele é.

Ficamos então assim. Sem passado ou futuro e com o presente, um nada.


Aparentemente a definição comum de tempo não está correta, uma vez que ela depende
de que exista passado, presente e futuro. Mas se nada disso existe, não há tempo.

Como alguém pode dizer que o tempo existe? A grande manobra realizada por
Agostinho e outros como Kant, é que o tempo é uma construção não do mundo, mas do
humano. É como ocorre com o filme Amnésia. O tempo físico não importa. Tudo o que
temos é a nossa subjetividade construtora do tempo. Nós criamos uma narrativa temporal
que irá se estender e ficar cada vez mais e mais peculiar quanto mais vivermos e
costurarmos todos os pontos dessa narrativa.

Isso não é uma metáfora. Um exemplo pode nos ajudar. Em um teste psicológico
foi reunido um grupo de pessoas para que elas debatesse o seu passado. Antes da
realização do teste, os psicólogos conseguiram reunir com os familiares dos sujeitos a
serem testados algumas fotos da infância deles. Essas fotos foram modificadas
digitalmente de modo que os sujeitos a serem testados foram colocados em situações onde
eles não estiveram. As fotos modificadas foram apresentadas e muitos dos sujeitos
olharam para as fotos e disseram que se lembravam daquele momento, ou que tinham
uma vaga lembrança. Eles estavam mentindo? Não exatamente. O que eles fizeram foi
construir uma espécie de narrativa da história deles, usando a parte na foto que era real
como uma referência para estruturar o que era ficcional ao redor. O tempo e a presença
deles não importavam no final. O que importa é a sua narração da sua vida.
Você certamente passou por uma situação semelhante, onde em uma reunião
familiar, alguém contou uma história de sua infância, e no princípio você não se lembra,
mas aos poucos, você começa a se “lembrar” e subitamente disse: lembrei-me!
Provavelmente o que ocorreu é sua construção de uma narrativa. Da mesma maneira ainda
como você se lembra do seu passado de uma maneira que apenas você se lembra. Na
verdade tudo o que existe é própria organização narrativa, sendo feita no fiapo do
presente. O tempo, como imaginamos não existe. Mas se o tempo não existe, como nos
lembramos e esperamos, será tudo uma ilusão?

O tempo físico

Colocando de lado humano da ordenação do tempo, quero agora examinar o


problema da descrição física do tempo. Será que na natureza há o tempo?

Desde de os primeiros grandes filósofos temos tido grandes teorias sobre a


temporalidade na natureza, e mais recentemente duas grandes versões sobre o que é o
tempo dominaram o debate. A primeira é a visão de Isaac Newton e a segunda a de Albert
Einstein. Elas são visões diferentes e com implicações também peculiares. De modo a
não hiper-simplificar o argumento dos dois, vou focar apenas nas suas implicações
próprias ao meu tema aqui, a realidade do tempo.

A visão de Newton do tempo é que ele seria a estrutura onde os eventos


ocorreriam. De um modo um pouco técnico, teríamos que todos os corpos estariam em
um plano cartesiano com quatro vetores: largura, altura, profundidade e tempo. Todos os
objetos se movimentariam a partir deste cenário. De uma maneira mais alegórica, tempo
e espaço seriam o palco fixo onde os objetos seriam os atores. A implicação desta ideia é
que o tempo seria parte da estrutura natural e que seria absolutamente igual para todos os
objetos. Assim, o tempo teria a mesma duração para mim e para você, já que apesar de
sermos atores com tamanho diferentes, todos estão no mesmo palco. Essa imagem do
tempo (e espaço) com um palco foi muito famosa, mas não conseguiu chegar intocada até
nós.

A imagem do tempo conforme apresenta por Newton foi problematizada por


Einstein. Para Einstein o tempo e o espaço se modificam a partir da massa do objeto e da
velocidade em que nos encontramos. Isso quer dizer que dois seres que começam iguais
em tempo e espaço em uma referência, por exemplo, duas bolas de bilhar na minha mão,
se forem acelerados em sistemas diferentes, terão também alterações na estrutura do
espaço e do tempo, assim se eu jogar uma das bolas a 100 km/h e a outra a 100.000 km/s,
pode ser dito que a “duração” do tempo será diferente para cada uma delas, onde para
uma das bolas o tempo passará mais lentamente e para o outro mais rapidamente. Na
natureza o tempo (e o espaço) são relativos ao sistema de referência. Assim, se eu
perguntar: qual é a duração de “um segundo”? a resposta einsteiniana seria: depende da
velocidade do objeto.

Na teoria mais aceita atualmente o tempo não tem uma realidade independente e
não faz sentido falar em um tempo absoluto. Se não há tal coisa como um tempo absoluto,
porque ainda queremos falar em tempo como uma passagem contínua entre passado,
presente e futuro? Se Einstein for levado à sério na descrição do tempo, a implicação
necessária é que teríamos que alterar a visão comum sobre o tempo, especialmente a
percepção humana dele. O máximo que poderia ser dito é que o tempo humano é uma das
infinitas configurações possíveis que algo como a temporalidade se mostra. Mas não há
nada como um fluxo necessário para a passagem do tempo. No fundo não haveria o tempo
humano como uma configuração especial ou imutável.

A temporalidade

Há tempo? Duas opções se prefiguram: não e não há como entendê-lo. Vejamos.

A primeira imagem diz que não há tempo. Devo dizer que apesar de estranha, essa
ideia não seria tão implausível. Pode ser que o que chamamos de tempo não exista, sendo
ele uma ilusão para outra dimensão da realidade. Isso é perfeitamente possível, por duas
razões que já examinei. A primeira é ilusão da temporalidade humana, a segunda é a
relatividade do tempo. Nesse argumento, o que estou chamando de tempo não seria real,
seria alguma dimensão natural diferente, e que para resolver o problema, ficamos com o
melhor disponível – o tempo humano.

A segunda imagem diz que não talvez não há como entender o que é o tempo.
Essa imagem também é tentadora. Não é que o tempo não exista, mas que simplesmente
não somos capazes de entendê-lo de modo mais profundo. Pode ser que a nossa razão é
por demais limitada ou qualquer outra limitação que nos impeça de ver o mundo tal como
ele nos aparece.

De todo o modo, posso dizer que o tempo não é nada evidente. Nada claro. Talvez
isso: o tempo pode não ser nada.
6. Há significado correto?

De uma maneira ou outra a linguagem foi sempre tematizada pela filosofia,


ciências, arte e religião. Ela é o centro de nossa vida individual e social. Justamente por
causa da centralidade é interessante verificar os limites da nossa linguagem,
especialmente da função dela de nos colocar em contato com o mundo. Nesse capítulo
vou duvidar seriamente da capacidade da linguagem revelar alguma coisa que ultrapasse
a convivência social. Muitos autores poderiam ser citados aqui como a minha referência
básica, mas certamente é o alemão Ludwig Wittgenstein o meu autor favorito para ajudar
a debater esse tema.

Comecemos com um exemplo que aconteceu comigo há alguns anos. Meu


afilhado, Miguel, estava com dois anos, numa fase de intenso aprendizado da linguagem.
Em certo dia, estávamos eu e a família dele e ele disse: quero cama. Apesar de não
acharmos que ele estava com sono, uma vez que ele estava brincando, a mãe dele o levou
para cama. Quando ele chegou lá, tudo o que ele queria era pular em cima da cama e
continuar a brincadeira que ele travava na sala. Esse exemplo é bastante pessoal. Quase
sempre arriscamos retirar grandes reflexões de pequenos exemplos tão individuais que
poderiam ser considerados apenas como peculiaridade. Assim, quero retirar um
argumento simples: me pareceu naquele momento que a palavra “cama” não estava sendo
usada por ele no sentido de “o lugar para onde vou dormir”, mas no sentido “o lugar para
onde vou quando quero brincar de pula-pula”. Será que foi um equívoco dele?

Mantendo ainda o assunto da cama. Se eu digo “vou te levar para a cama”, o que
você pensa? Não responda ainda. Essa frase tem tantos sentidos que alguns de nós pensa
evidente em algum significado erótico, o que é por sinal é um bom significado. Mas essa
mesma frase pode ser dita por um pai que quer colocar seu filho pequeno para dormir. O
curioso é que uma frase igual gera dois sentidos muito diferentes. Evidentemente, como
todos sabemos, a diferença entre estabelecer um ou outro significado é o contexto. Tudo
bem, é bastante trivial dizer que o contexto altera o significado. O que não é trivial é a
implicação disto. Se todo o significado de palavras ou frase é dado no contexto, uma
palavra não pode significar alguma coisa de modo unívoco. Ao contrário, não existe um
significado para as palavras fora de contexto, e assim a linguagem não me diz como as
coisas são, mas apenas como nós julgamos o mundo.
O argumento aqui é curioso: se não existe um significado fixo, a linguagem não
me diz nada sobre o mundo, ela me diz como nós nos relacionamos com o mundo. A
palavra “árvore” não diz nada sobre o objeto árvore, ela diz apenas o que nós humanos
queremos que ela diga, que pode se referir a um objeto na natureza, como “a árvore de
maçã”, a uma sequência qualquer como “a árvore genealógica” ou a uma gíria qualquer
que seja inventada. Veja: a palavra “árvore” não significa nada. “Árvore” significa o que
nós queremos.

Seria assim uma ilusão achar que o discurso humano fala alguma coisa sobre o
mundo. Não fala. Na mesma esteira argumentativa, o discurso científico seria apenas um
conjunto de significados construídos para funcionar juntos. E funciona porque foi
construído para isso. Não porque a linguagem é capaz de traduzir alguma coisa sobre o
mundo. No final das contas não há significado absoluto para as nossas frases sobre o
mundo.

Essa afirmação pode soar dura para alguns. Muitos diriam: se a linguagem não
pode dizer nada sobre o mundo, não podemos também saber nada sobre o mundo. No
início do século XX alguns filósofos pensaram o seguinte: será que não há uma maneira
de tornarmos o significado fixo e dizer qual é o significado absoluto disto ou daquilo?

A ideia de um significado fixo

Um filósofo chamado Richard Rorty escreveu um dos livros mais interessantes


sobre a tentativa da filosofia de estabelecer um significado fixo. O livro chama-se A
filosofia e o espelho da natureza. Esse título se refere à tentativa da filosofia de
estabelecer uma relação entre a minha linguagem e o mundo. Assim, a linguagem deveria
ser igual ao mundo, uma espelhando a outra. Rorty foi veementemente contra à essa ideia.
Mas aqui, quero defendê-la, mesmo que por um breve momento.

Para alguns filósofos do início do século XX a linguagem tinha de ser precisada,


particularmente para fazer ciência. Imagine que alguém diga que um conceito científico
varie com o contexto! Seria uma total desordem! (E talvez o seja mesmo). Eles
observaram que essa variação toda acontecia na linguagem comum, que é nossa expressão
diária sobre o mundo. No dia-a-dia eu digo “manga” e sei que essa palavra tem mais de
um significado, e que ela se refere a coisas totalmente diferentes. Em geral, não há um
problema tão grande nisso. Vez ou outra pequenos desvios no significado podem fazer
toda a diferença. Todos que escrevem alguma mensagem rapidamente para alguém, sem
observar os sentidos duplos, sabem que uma frase inocente pode se tornar uma
tempestade. No entanto, pelo menos na conversação diários não há tanto problema.

Na ciência a variação linguística seria terrível. Se um químico diz “C6H6” e um


colega entende “Benzeno” e o outro entende “Sulfato ferroso” teríamos um problema
possivelmente preocupante. Uma possibilidade para resolver esse problema seria criar
uma espécie de “linguagem ideal”, onde todos os termos tivessem definições fixas e
imutáveis, que pudessem ser entendidas por qualquer um da mesma maneira. Uma
linguagem deste tipo teria de ser formal, como a matemática, composta inicialmente por
termos bastante simples e claros. A matemática poderia ser ela mesma um símbolo para
uma linguagem formal com os significados fixos. Mas não é bem assim.

Apesar da matemática ser a disciplina mais precisa que temos, ela não escapa de
algumas dúvidas. Sabemos o que significa o número 1 ou 2. Não há problema aí. Mas há
uma pergunta difícil de ser respondida: quantos números nós temos entre 1 e 2? Há um
número infinito de diminutas frações entre os dois números. Conclusão: entre 1 e 2 temos
infinitos números. Como então ir de 1 até 2 se entre ele há infinitos espaços, como
percorrê-los? Claro que hoje temos algumas soluções, mas o problema que me interessa
aqui é: como definir um número? Não pode ser uma quantidade de coisas físicas, afinal
ainda que funcione para 1 ou 2, já não funciona para -1. Na verdade, o que parece
necessário na matemática, em verdade é apenas uma necessidade resolvida por
convenção.

Não posso me esquecer aqui do famoso “Teorema da Incompletude” de Kurt


Gödel. Este teorema, um dos mais importantes da história da matemática, admite que se
a matemática for tomada como um sistema total, ela não pode ser justificada inteiramente
a partir de seus próprios axiomas. Isso quer dizer que não poderíamos testar de modo
preciso todos os fundamentos da matemática a partir dela como um todo. Se está
complexo aqui, a estrutura do axioma é bem mais complexa. É sabido hoje que um
sistema que parece incrivelmente sofisticado e preciso como a matemática não é assim
tão claro.

Para resolver problemas de compreensão da matemática e criar uma linguagem


formal simples e clara, muitos filósofos e matemáticos foram para outra área: a lógica. A
ideia era a de que a lógica poderia ser a base para resolvermos os problemas. Ouvimos
falar no dia-a-dia em coisas como “raciocínio lógico”, mas a rigor, a lógica é uma
disciplina que estuda a estrutura formal dos argumentos, ou de outra maneira, ela analisa
nossa fala de modo a verificar se ela é formalmente adequada. Essa disciplina está baseada
em princípios tão simples, mas tão simples, que qualquer um poderia reconhecer. Alguns
deles são:

1) O princípio da identidade, que diz que algo tem que ser igual a ele mesmo, ou que
você é igual a você. Formalmente temos algo como a=a.
2) O princípio da não contradição, que diz que algo não pode ser diferente dele
mesmo, ou se você é você e eu sou eu, eu tenho que ser diferente de você,
formalmente: se a=a e b=b, a tem ser diferente de b.
3) O princípio do terceiro excluído afirma que uma proposição só pode ser
verdadeira ou falsa. Ou eu me chamo Bruno Pettersen ou não. Não posso ao
mesmo tempo me chamar Bruno Pettersen e não me chamar.

Você deve ter visto como esses princípios são simples e óbvios. Aqui está a chave para a
linguagem formal começar a estabelecer os significados absolutamente fixos. O truque é
começar de algo óbvio e derivar tudo daí. A matemática sairia da lógica e as duas
forneceriam a base para todas as linguagem que necessitam de significados precisos.

Mas não funcionou assim. A Lógica não conseguiu segurar esses princípios, por
mais óbvios que eles pareçam. Vou dar um exemplo de como um destes princípios pode
ter mais de um significado: o princípio do terceiro excluído. Esse princípio afirmou que
uma proposição só pode ser verdadeira ou falsa, mas não as duas coisas ao mesmo tempo.
Tal ideia inclusive tem uma aplicação prática, que é a computação. A lógica da
computação, que usamos em grande medida hoje é baseada no princípio do terceiro
excluído, por isso ela é construída em 0 e 1 – sem um terceiro valor. Esse princípio é tão
bom que tudo o que você usa de eletrônico hoje em dia está baseado nesse princípio
lógico.

Mas como toda boa história, esta tem um pequeno detour. Hoje é claro que a coisa
não é simples assim. Algumas áreas da ciência, especialmente na mecânica quântica, tem
sido necessário de uma lógica com “mais valores”. Nela além de 0 e 1 poderíamos ter
outros valores, e de modo mais interessante, em alguns casos tem sido necessário dizer
que algo pode ter o estado 0 e 1 ao mesmo tempo, tal é chamado de “superposição de
estados”. É como se eu me chamasse Bruno Pettersen e não me chamasse Bruno Pettersen
ao mesmo tempo. Tudo isso pode parecer estranho, mas é um fato bem descrito pela
física. Computadores tem sido pensados a partir desta nova lógica, mas tudo ainda é muito
novo.

Nem mesmo a Lógica é capaz de nos fornecer um princípio tão indubitável quanto
queríamos. Nada parecer ser. Se nem a Lógica, nem a Matemática podem estabelecer uma
univocidade conceitual, o que falar da nossa fala do diária? Não é possível esperar
nenhum significado que não seja pelo menos um pouco vago, mesmo na lógica e
matemática.

Significados Contextuais

Mas e então, como fazer ciência com a possibilidade de confusão conceitual? E


mais, como falar sabendo que não há um significado preciso para nossas palavras? Uma
solução possível foi descortinada pelo filósofo alemão Wittgenstein. Segundo ele é uma
ideia equivocada acreditar que para cada palavra ou frase há um significado preciso.
Inclusive para a comunicação é importante que as nossas palavras tenham alguma
plasticidade, ou seja, que eu possa dizer mais de uma coisa com as mesmas palavras.

Para que possamos nos comunicar, a despeito da pouca precisão do significado,


precisamos de algumas regras contextuais. Para cada situação onde você se encontra há
um acordo mínimo sobre o que podemos ou não falar. No facebook, whatsapp, ou
qualquer programa que o valha, a comunicação é muito mais solta. Um fenômeno curioso
foi uma mudança lenta do que podemos ou não fazer no próprio facebook. Nos primeiros
anos do facebook todos que usavam o site eram jovens, frequentemente universitários.
Aos poucos o site expandiu para outros jovens não universitários. A conversa, o tipo de
vocabulário e os assuntos era muito mais “soltos” do que são hoje. O que mudou? Depois
de ter conquistado os jovens, o facebook passou a ser utilizado pelos pais dos jovens, em
seguida, pelas suas tias, avós e patrões. Aí o que se coloca no facebook tem sido medido
de outra maneira. A regra do que colocar e o que não colocar não é fechada, dando alguma
massa de manobra, mas, pelo menos para alguns, é sabido que o que é colocado ali poderá
ser usado contra nós mesmos. Nos últimos dois anos um aplicativo para smartphones, o
whatsapp, fez o mesmo caminho que o facebook, permitindo que as pessoas falem o que
quiserem com alguma privacidade maior que o facebook. O sucesso foi tão grande que o
próprio facebook comprou o whatsapp por apenas $16.000.000.000. O que motivou todo
esse valor é a ideia de que em cada local de conversa há uma regra. Mas mais do que isso
o que motivou a compra do whatsapp pelo facebook foi a ideia de que uma coisa só
significa algo em um contexto, onde outros interagem com o que estamos falando.

Todos sabemos que mudando o contexto o significado das palavras muda. E a


linguagem funciona assim. A matemática, a lógica e as ciências tentam de alguma
maneira impedir a vagueza da linguagem, mas uma vez que a palavra se torna de uso
público, simplesmente não há o que se fazer, ela passará a ser vaga. O significado de
palavras e frases será dado apenas no contexto e como este varia, podemos dizer que não
há uma um significado certo.

Minha pergunta inicial era: há significado? A resposta aqui é: não há um


significado fixo e final para nossas afirmações. Todas as nossas afirmações são
construídas no contexto, inclusive as afirmações de disciplinas formais, como a
matemática. O máximo que você pode esperar de um significado preciso é aquele que foi
definido frouxamente em um contexto. E só.
7. Há verdade?
Eu cresci entre o final da década de 1980 e o início de 1990. Nesse período fui
apaixonado por várias séries de televisão. Umas das séries que mais me encantava,
especialmente as primeiras temporadas, foi Arquivo X. Essa era uma série que envolvia
um esquema bastante comum, onde em cada episódio havia um problema que precisava
ser resolvido. No entanto, Arquivo X tentou uma mistura especial entre o gênero policial
e o de fantasia. Um dos aspectos que mais me marcou na série era um cartaz que era
exibido na abertura da série e que era de posse do personagem principal. No cartaz estava
escrito: “A verdade está lá fora”. Quando eu era adolescente, vibrava com essa frase. Ela
simbolizava certo anseio por obter respostas que só viriam se eu me abrisse e saísse para
o mundo.
Assim, como muitos jovens, adultos e idosos, passei a buscar “A verdade”, apenas
para depois descobrir que a ideia de uma verdade pode estar profundamente equivocada.
Mas antes de ir aos problemas, quero me lembrar um pouco do meu anseio para descobrir
a tal da “verdade”.
Em meu imaginário adolescente “A Verdade” era uma espécie de entidade.
Quando alguém diz que quer conhecê-la, está indicando o seu desejo de somar todas as
dúvidas que possui e subitamente encontrar uma resposta que una todas as pontas soltas.
Voltemos ao Arquivo X. A série abordava temas como: alienígenas, humanos com
capacidades extra-sensoriais, mutações genéticas, religiões e até crimes comuns. No
fundo, quando alguém diz que quer “A Verdade” ele está querendo uma resposta que, de
alguma maneira, seja a costura entre todos esses temas e ofereça uma teoria explicativa
coesa e simples sobre mundo. A busca pela “Verdade” tem nesse sentido um aspecto
totalizante.
A questão pela verdade simboliza bastante a racionalidade humana que é bastante
capaz e apta para reconhecer grandes problemas, mas que não os entende. Pode ser ainda,
como penso, que as principais questões estão diante do nosso próprio nariz, mas que nós
simplesmente não somos capazes de ver. Dentro das limitações humanas a verdade seria
um ponto final na investigação. Mas e se eventualmente tivéssemos uma tese que todos
reconhecessem como verdadeira, será que alguma coisa mudaria?
Vou levantar aqui duas possibilidades iguais: pode ser que a pergunta sobre a
verdade não faça sentido, isto é, talvez buscamos algo que não existe da maneira que
queremos, e que talvez não existe tal coisa como a verdade. Vou começar explorando um
pouco as teorias que dizem o que é a verdade.

As teorias sobre a verdade


É preciso de início fazer uma distinção entre uma “teoria da verdade” e a
“verdade”. Uma teoria da verdade explica o que é a ideia de verdade, enquanto a verdade
seria atribuída a partir da nossa relação com o mundo. Vou aqui examinar, pelo menos de
início as teorias que nos descrevem a verdade.
Em filosofia somos educados a sempre examinar o conceito que nos interessa. O
que faz a reflexão filosófica especial é que ela está disposta a examinar seriamente o
sentido dos seus termos mais básicos, sem exceção. Quando digo “é verdadeiro que sou
um homem” o filósofo se interessa por cada parte desta questão, desde saber o que define
o homem, passando por temas mais abstratos como o que é “ser” algo e finalmente o que
é a “verdade”.
Foi um pensador medieval, São Tomás de Aquino, quem resumiu a tese mais
comumente aceita por filósofos e não filósofos. Ele dizia assim: “veritas est adaequatio
rei et intellectus”, ou em tradução livre: “A verdade é a adequação da coisa com o
intelecto”. Essa frase explica que algo que penso é verdadeiro se o que eu penso pode ser
dado no mundo. Se eu penso que o céu é azul, o conteúdo do meu pensamento (ou
intelecto) deve ser idêntico ao mundo, ou seja no mundo o céu tem de ser azul. Deste
modo, adequei o meu intelecto/pensamento/crença ao mundo. Se eu acredito que o limão
é uma verdura, a minha crença não se adequa à coisa, uma vez que o limão não é uma
verdura. A verdade é então uma propriedade da relação entre as minhas crenças e o
mundo.
Se você acreditar que duendes existem é bastante ou quase infinitamente provável
que sua crença seja falsa. Não é que em duendes não existam, mas não há como saber se
suas crenças se adequam ao mundo. Muitos mantêm crenças de modo completamente
destacado do mundo, um exemplo é a crença na presença na Terra de seres extraterrestres.
Tal crença poderia inclusive ser verdadeira no futuro, mas hoje, no momento em que
escrevo isso, acreditar na presença de extraterrestres vivendo na Terra é uma bobagem,
uma vez que é possível que eles simplesmente sejam frutos de uma imaginação perturbada
sem qualquer adaequatio.
Mas no que essa tese implica? Um dos pontos mais interessantes que fica quase
escondido nessa tese é a ideia de que não há uma coisa que é “A” verdade. Devemos
entender que a verdade é dada a partir da relação entre crenças e o mundo, portanto, são
as crenças os alvo da verdade ou falsidade. Assim, quero saber se a crença em
extraterrestres é verdadeira ou falsa. Nesse caso é bastante/infinitamente provável que
esta seja falsa. Mas aqui o que se está sendo investigado é a crença. Também, se acredito
que o céu é azul, o que se está sendo investigado é a minha crença sobre o céu, ou o modo
que nós humanos o compreendemos. A verdade não está lá fora, como dizia o cartaz do
Arquivo X, ao contrário, ela é uma relação entre o que eu creio e o mundo. A verdade é
uma condição humana para compreender o mundo.
A rigor o céu azul não é verdadeiro ou falso. O céu é. O que é verdadeiro ou falso
é nossa tentativa de unir o que o céu é ao que acreditamos sobre ele. Um pouco de história
pode nos ajudar aqui. Pense em todas as crenças mantidas pelos indivíduos ao longo dos
tempos. O mesmo céu que o Babilônico viu, o Romano também viu, e eles acreditavam
em coisas muito diferentes sobre o mesmo mundo. O que os Romanos acreditavam, hoje
em grande medida, não acreditamos. Isso não faz o conhecimento do povo Romano
menor, faz simplesmente que o conjunto de crenças que ele mantém seja localizado.
Se tudo isso estiver certo chegamos a um problema difícil de ser resolvido: se o
que é verdadeiro são as crenças, e em contextos diferentes julgamos crenças diferentes
como verdadeiras ou falsas, como saber se a crença que tenho agora como verdadeira é
assim? Como saber se o que eu acredito não é nada mais do que uma forma
contextualizada de determinação da verdade?
O problema é supor a verdade como uma adequação das crenças ao mundo. Essa
tese é chamada de teoria da correspondência, pois busca uma correspondência entre o
mundo e a crença. Apesar desta teoria ser bastante intuitiva e até mesmo trivial, ela não
tem qualquer segurança. Um dos principais problemas dela é o fato de que em tempos
históricos diferentes, pessoas diferentes acreditavam que suas crenças “correspondiam”
ao mundo. Há mil anos as pessoas acreditavam que a Terra era o centro do Universo, e
por mais que a crença deles correspondesse com o mundo deles, hoje acreditamos que a
Terra não é o centro de nada, e ao contrário é esta crença que corresponde ao mundo. Na
verdade, a fonte de fanatismos e enganos culturais é a suposição de que a crença é um
espelho e que está em correspondência com o mundo. Se nos enganamos muitas vezes
sobre a adequação das crenças ao mundo, o melhor não seria simplesmente parar de supor
a correspondência?
Outro problema dessa possibilidade de compreendermos a verdade é o famoso
“paradoxo do mentiroso” e suas muitas versões. Para indicá-lo aqui quero dar um
exemplo clássico, suponha a frase:
Essa frase é falsa.

Então pergunto-lhe: essa frase é verdadeira ou falsa? Primeiro, na teoria da verdade como
correspondência, precisamos saber se essa frase corresponde ao mundo, que nesse caso é
a frase. Bem, se ela for verdadeira então ela é falsa, e se é falsa não pode ser verdadeira.
Por outro lado, se ela for falsa então ela é verdadeira, visto que é falsa que ela é falsa. Se
isso não é um nó conceitual, não sei o que é. De toda maneira, o que esse paradoxo indica
é que essencialmente não podemos aceitar a ideia de que uma crença verdadeira é aquela
que corresponde ao mundo.

Mas há outra solução? Outras possibilidades para dizer o que é a verdade tem
surgido ao longo da história. Uma que me parece bastante adequada é a chamada teoria
“correntista” da verdade. Quero começar tomando um exemplo político. Imagine que
agora nos aproximamos do momento de uma grande eleição para um cargo majoritário.
Nesse momento é nossa tarefa examinar qual dos candidatos é o mais adequado, e assim,
como fazê-lo? É necessário inicialmente obter as suas declarações sobre o seu plano de
governo. Assumindo esse plano, podemos ir aos seus antigos mandatos ou atividades e
verificar se ele executava o que prometia e se o fazia bem. É recomendado também
verificar se o próprio plano de governo apresentado pode ser realizado, por exemplo, se
a promessa de fazer mais investimentos vem acompanhada com um modelo de
gerenciamento dos impostos. Necessário ainda é verificar se todas as afirmações feitas
estão de acordo com aqueles que estão ao redor do candidato, desde o seu partido até seus
correligionários. Em todo esse processo de investigação da posição do candidato, estamos
buscando avaliar se suas declarações são verdadeiras ou falsas por meio da coerência
entre elas.
Esse é um critério excelente porque permite avaliar uma crença/afirmação em um
todo e não como partes isoladas. Isso não torna a avaliação mais simples, pelo contrário
torna-a muito mais complexa e permeada por variáveis. No entanto, esta forma torna a
investigação mais dedicada e precisa. Inclusive essa possibilidade de encarar a verdade
permite resolver um incômodo que relatei acima. Como mostrei, povos antigos julgavam
que suas crenças eram verdadeiras e que por isso se adequavam ao mundo. Eles não
estavam errados. De fato o seu conjunto de crenças/afirmações era perfeitamente coerente
com o restante de suas crenças. O que aconteceu é que dado o nosso sistema de crenças,
as antigas crenças de um dado povo não são mais coerentes.
Precisamos então avaliar a verdade a partir de um dado sistema coerente. Um
sistema mais amplo e mais coerente é sempre aquele mais capaz de nos dizer o que o
mundo é. Tal será uma busca por toda a vida, não minha ou sua, mas da espécie. Como
eu gostaria que essa teoria simplesmente resolvesse todos os nosso problemas! Mas não
resolve, criando desconfortos ainda piores do que a teoria da verdade como
correspondência.
A maior dificuldade da teoria da coerência é o fato de que alguém poderia criar
um sistema de crenças que é perfeitamente coerente com todos os fatos, mas ainda ser
uma bobagem total. Um caso que sempre me chama a atenção são os crédulos das
chamadas “teorias da conspiração”. Essas são teorias que buscam explicar fatos do mundo
a partir de densas redes de poder que tem o objetivo de dominação mundial ou de busca
de poder. Um exemplo são as teorias do porquê da existência de uma pirâmide com um
olho no topo na nota de um dólar. Muitas são as possibilidades exóticas, desde os
chamados “Iluminati” até grupos religiosos fanáticos. De todo o modo, o que importa, é
que os crédulos nas teorias da conspiração conseguem tornar a sua crença absolutamente
coerente com todos os fatos do mundo, inclusive gerando ligações entre fatos que as
pessoas “comuns” não veem. Até mesmo a minha tentativa de mostrar que essas teorias
são bobagens, pode ser vista como uma tentativa coerente e conspiratória para derrotar as
teorias da conspiração. Assim, leitor, será que o meu objetivo é fazer tais teorias caírem
por terra? O curioso é que tais teorias são coerentes, com frequência até demasiada. Pelo
menos coerentes no sistema de crenças dos teóricos da conspiração.
Não me parece sadio dizer que uma teoria coerente é uma teoria verdadeira. Ao
contrário, a coerência pode ser um requerimento para a verdade, mas está longe de ser
inequívoco.

Outras teorias tentaram resolver esse tipo de problema. Temos teorias da


satisfação e teorias pragmáticas da verdade. Mas no fundo, todas elas têm mais ou menos
os mesmos problemas que os que eu relatei acima: ou são teorias excessivamente
dependentes de uma aproximação entre o mundo e a minha crença, ou são teorias que
estão interessadas na coerência entre as crenças. Assim, quase todas elas caem por razões
que não são as mesmas que expus acima, mas que são razões bem próximas.
A busca pela verdade

O encanto pela verdade não deve ser menosprezado. Mas além de tudo é um
encanto. É um engano, uma suposição de que existe algo tal como a verdade. Não há
nada. Nos termos que comecei esse capítulo: não há nada lá fora, especialmente não há
verdade lá fora. Tudo que existe é o mundo, e só. Como eu entendo o mundo é que é o
assunto da verdade.

Alguém poderia objetar que estou relativizando a verdade aos humanos, suas
peculiaridades e épocas. Mas esse é um fato. O que poderia nos acalmar seria uma teoria
da verdade forte. Mas daquelas que examinamos, sinceramente, posso dizer que nenhuma
delas tem hoje condição de dizer o que é a verdade, mesmo se existe tal coisa. Ficamos
assim então: eu não digo que não há verdade, se você não disser que ela existe. E assim
está bom para mim.
8. Há conhecimento justificado falso?

É possível achar que estou correto, ter razões para isso e ainda estar errado?
Quantas crenças já foram mantidas com todas as energias, com razões para isso e que
acabaram sendo falsas. Com alguma distância é fácil dizer que nos enganamos, mas
estando inserido no contexto adequado é praticamente impossível não acreditar com
razão em conteúdos falsos. Quero dar dois exemplos para começar, um histórico e um
fictício.

No século XIV a Europa foi assolada pela chamada “Peste Negra” que hoje
sabemos ser causada por uma bactéria presente nas pulgas que habitam ratos e outros
animais roedores. Naquele momento uma quantidade inacreditável de pessoas morreu.
Os números são sempre incertos, mas algo com 30 milhões de pessoas parece ter morrido
naquela ocasião. Muitos relatos dão conta de que fora a ignorância e a superstição
religiosa a responsável por aumentar os números de casos. Mas esse olhar é injusto.
Apesar desses fatores terem sido importantes, em último caso, as informações presentes
naquele momento indicavam que as medidas tomadas eram as corretas. Vejamos.

Suponhamos que bruxas e seres diabólicos de todos os tipos existem. Não importa
o que você julga hoje. Naquele momento era um fato incontestável que seres desse tipo
existiam. Se eles existem, pode ser suposto que o seu objetivo é promover o mal, tal como
a doença. Os gatos representavam naquele momento a maldade inerente aos seres
demoníacos. Todo esse cenário implica que os gatos e as bruxas deveriam ser eliminados.
Essa seria a solução para a doença. Por mais simples que essa decisão seja, ela foi tomada
com base em informações confiáveis para qualquer um naquele período. Tal como hoje
podemos confiar nos procedimentos da investigação empírica, naquele momento se
confiavam nestes princípios. Um homem medieval que acreditava ter que assassinar
bruxas e seus gatos, era alguém que pensava ter as razões adequadas para fazê-lo. Não se
trata de crendices estúpidas, mas sim de alguém de posse de razões adequadas para o
contexto daquele momento.

Outro exemplo, agora um fictício, pode ajudar. Uma propaganda de chicletes


vinculou há alguns anos uma propaganda curiosa. Nela duas pessoas conversavam por
meio de um aplicativo digital onde não se vê o rosto da pessoa. Elas agendaram de se
encontrar e para se reconhecerem, cada um deles deu referências: a mulher estaria com
um vestido preto e pulseira dourada, o homem estaria de camisa social azul e calça cinza.
No dia marcado cada um foi ao encontro. A mulher chegou mais cedo e encontrou um
homem de camisa social azul e calça cinza. O homem chegou mais tarde e encontrou uma
mulher de vestido preto e pulseira dourada. No entanto, cada um encontrou com outro
par, que por acidente estava usando a mesma roupa. Quando a noite acabou, eles entram
novamente no aplicativo e indicaram que o encontro foi ótimo e que gostariam de se
reencontrar. Nesse exemplo, eles tem toda a razão para supor que de fato encontraram seu
par anteriormente combinado, no entanto, o telespectador, de posse de uma informação
mais ampla, sabe que não foi o caso.

Em ambos exemplos, indiquei como em situações específicas podemos julgar que


temos todas as razões possíveis para fazer um dado julgamento, e fazemos o julgamento
baseado em boas razões, mas estamos errados. O exemplo fictício, onde há o relato do
encontro do casal, há um aspecto que quero examinar com maior cuidado, a saber: a ideia
de um “observador ideal”. Tal ideia é o nosso primeiro grande erro de julgamento.

O observador ideal

Um “observador ideal” seria aquele que estaria de posse de todas as informações


necessárias para o julgamento de um dado caso. O ponto a se sublinhar aqui é a ideia
absurda que alguém poderia, em qualquer momento, ter o acesso a todas as informações
possíveis. Pense em qualquer evento, com por exemplo, ir até à padaria da esquina
comprar pão. Um observador ideal teria de conhecer todos os aspectos passados e
presentes que o levaram e o levam a ir à padaria. Desde o calçado que ele está usando, a
primeira vez que ele foi àquele lugar, até a quantidade média de sal presente no pão.
Ainda que essas informações sejam possíveis, coletar todas elas implicaria em conhecer
todos os aspectos de um evento, algo que, pelo menos por enquanto, não é possível de ser
levar à cabo, mesmo em um laboratório de pesquisa científica.

Se existisse um observador ideal isso não implicaria que ele teria ciência de todos
os fatos. A mera capacidade de obter informações, não é o mesmo que alguém que saiba
interpretar todos os dados daquela situação. A intepretação dos fatos é um processo onde
se pensa na relevância de cada um dos aspectos presentes, o que é muito mais demorado
do que o colher das informações. Precisaríamos de um ser com duas capacidades: a) que
ele fosse um observador ideal e b) que ele fosse um “examinador ideal”. Acho pouco
provável que isso possa acontecer, pelo menos por enquanto.
Há outra dificuldade grave: a mera suposição de um observador ideal pode ser
danosa. Suponhamos um problema social e político de profundo impacto: que a pena de
morte deve ser implementada. Esse problema não é simples, justamente porque ele é
multifacetado. Podemos com ele nos perguntar: um estado tem o direito de tirar a vida de
um humano? Em que constituí o direito do estado sobre a vida de indivíduos? Todas essas
questões são boas e admitem respostas muito variadas, dependendo de para quem você
perguntar. Minha implicância pessoal com a pena de morte surge do problema do
“observador ideal”.

Suponha que eu seja o juiz de um crime de assassinato. Durante o julgamento me


foram apresentados vários indícios, provas empíricas e textuais de que o crime fora
cometido pelo sujeito x. O suposto criminoso também decide confessar a autoria do crime.
A partir de todos esses fatos eu, sendo o juiz, decido que ele cometeu o crime e o indico
para a pena de morte. Anos depois, quando todas as apelações se esgotaram, o sujeito x
foi executado por injeção letal. Como é esperado há um pequeno twist. Bem, na verdade,
é um twist bem pequeno. Não foi descoberto qualquer indício que negasse as provas.
Ninguém conseguiu obter uma confissão do criminoso x que ele não cometeu o crime.
Do ponto de vista daquilo que já foi consolidado como evidência, nada mudou. No
entanto, o que nos garante que daqui um ano, um mês ou um dia que não aparecerão novas
evidências, ou mesmo uma evidência antiga, que com novas luzes refutará que x foi o
criminoso. Pode surgir um novo teste, poderíamos ter constatado que x foi torturado para
revelar a informação, ou que ele tinha uma grave doença mental que o fez achar que tinha
assassinado, mas na verdade ele estava apenas imaginando. A única forma de impedir isto
é se tivéssemos um observador ideal, sendo aquele que poderia ter acesso à todas as
informações possíveis. Essa é suposição básica que mantém a pena de morte. No entanto,
ela não está apenas enganada, mas é prejudicial moralmente e politicamente. Não há
observadores ideais na espécie humana, e ainda que haja um observador especial não-
humano, não temos qualquer acesso à ele.

Critério Elevados

O problema aqui parece ser, no final das contas, que estamos com critérios muito
elevados para a determinação do conhecimento. É quase como se eu estivesse dizendo:
só é conhecimento justificado quando todas as informações e avaliações concernentes
estivessem reunidas. Essa ideia é muito perigosa e já assolou a um número incontáveis de
pensadores, nas mais diversas áreas.

Mas por que há essa atração por padrões altos demais? Na verdade, essa atração é
parte de nossa tradição grego-cristã. Não aceitamos nada menos do que a verdade absoluta
sobre todas as coisas, a partir de evidências absolutamente seguras. É forte demais. Isso
não é um problema apenas com questões de conhecimento. Na ética é o mesmo. Quando
vamos ler um filósofo como Imannuel Kant, uma das questões mais difíceis é: “devemos
mentir?” A resposta de Kant é um sonoro “não”. Se perguntássemos para ele se a mentira
pode ser utilizada para a preservação de vidas, ainda sim a resposta seria não. Não cabe
aqui entrar no próprio argumento dele, o que já o aviso, é muito bom. Mas o problema é:
será que não é muito exigente supor seres humanos que nunca mintam?

Na tradição cristã é dito: “amai-vos o próximo”. A pergunta que eu faço é:


sempre? Será que não é exigir demais de todas as pessoas que se amem? Eu não sinto
qualquer vontade de amar um estuprador. Não quero que ele morra, mas estou longe de
querer que todos o amem, ou mesmo eu. Isso não quer dizer que alguém de coração
excelente não possa amá-lo, mas imagino que isso seria estabelecer um padrão
exageradamente alto para os indivíduos mais comuns.

Um padrão elevado pode por outro lado representar uma meta. Algo que seria bom
alcançarmos, mas sem uma exigência final de realização. Desse modo me parece melhor,
justamente porque desobriga o agente a realizar. Diria: não se deveria mentir, mas é
sempre possível que o façamos. Mas se for assim, para que ter metas altas e não realiza-
las? O ideal seria criar metas possíveis e realizá-las da melhor maneira possível. Eu
adoraria que o Brasil usasse apenas energia atômica, contudo isso está longe de ser
efetivado. Portanto, uma meta melhor, não seria dizer que ao Brasil deveria usar em 10
anos 20% de energia atômica? Tal meta seria mais produtiva do que querer que em 10
anos 100% da energia seja atômica?

O problema é que temos padrões altos demais para a justificação de qualquer tese,
seja mais ou menos teórica, moral ou epistêmica, metafísica ou pragmática. Buscamos
padrões elevados para justificar o nosso conhecimento, quando na realidade não existe
nada justificado que seja elevado o suficiente para levarmos a ferro e fogo.
Pensando um novo modelo de justificação

No fundo, o problema é que podemos estar justificados, tendo boas razões,


evidências e testemunhos que nos corroborem e ainda sim acreditarmos em teses que mais
adiante serão demostradas como falsas. Não há segurança final. Apelar para critérios altos
demais é só uma maneira desesperada para resolver um problema que não pode ser
resolvido por eles. Precisamos de uma forma de pensar o conhecimento que inclua
seriamente a possibilidade de que nos enganemos frequentemente.

Uma das estratégias possíveis é dizer que é possível julgar bem sem possuir todas
as informações. Para tal, deve-se assumir um único critério: nenhum julgamento,
pragmático ou teórico será final. Mas de fato é possível julgar bem assim? Suponha que
eu estou julgando o mesmo criminoso x do exemplo acima. Imagine que eu tenho
novamente disponível as mesmas informações, incluindo, provas e testemunhos. A minha
conclusão pode ser novamente que o sujeito x é quem cometeu o crime. Faço isso porque
tenho uma ideia do que seria estar certo sobre algo, a saber, sei algo quando:

As evidências que mantenho naquele momento parecem ser coerentes com a


implicação que retiro.

Então condeno o sujeito x à prisão. Mas a pena deve ser proporcional à própria definição
de conhecimento, o que é coerente nesse caso dar uma pena tal que, se novas evidências
surgirem, eu devo ser capaz de rever minha decisão. Portanto: nada de qualquer decisão
irreversível.

Em termos lógicos posso pensar que um sistema coerente de crenças tem sua
coerência mantida quando as suas partes se suportam mutualmente. Uma entrada de uma
nova suposição implica em nova verificação de se ela é coerente. Se não for, o sistema
deixa de ter coerência total. O que implica em recusar uma decisão total.

Claro que isso significa que em termos práticos e lógicos, que você pode estar
certo sobre algo, mantendo evidências adequadas sobre um fato qualquer, e mesmo assim
estar totalmente errado. Não há contradição entre em um momento julgar estar certo e em
outro julgar que tinha pensado erroneamente, a contradição existe apenas quando ao se
encontrar uma falsa crença não é feito nada.

Se todo esse argumento estiver correto, como eu de fato penso, é possível que tudo
o que sei agora, e que inclusive posso jurar que tenho certeza absoluta, pode ser
completamente falso. Inclusive essa frase. Sem esquecer do pensamento que você acabou
de ter sobre o que acabou de ler. É possível ter conhecimento justificado falso. Me resta
apenas admitir a precariedade e temporalidade do saber, e assim ser mais aberto à
possibilidade de erro.
9. Há prova científica?

O título desse capítulo diz respeito ao tema que me dedico ao lado da filosofia:
ciência. As mais diversas ciências representam uma das atividades mais especiais da
humanidade. Não estou falando das coisas produzidas, tais como computadores, telefones
e técnicas médicas. Tudo isso é incrível, mas é produção técnica e não propriamente
ciência. Quando estou falando de ciência, falo das reflexões sobre a natureza que tem o
objetivo de entender melhor o Universo. Nada mais.

Precisamos assim, desde o início fazer uma diferença filosófica entre ciência e
técnica. A ciência é a realização de uma reflexão fundamental sobre a natureza. Ela se
pergunta os porquês e os como da natureza, questões tais como: “a vida começou como?”,
“a Terra é composta por quais elementos?”, “por que certos átomos formam moléculas
com outros?”, “por que o céu é azul?”. Em outra perspectiva todas estas perguntas podem
ser extremamente úteis. Mas se estou falando de ciência, o propósito primeiro deve ser o
de nos mostrar a beleza e complexidade da natureza.

A técnica é a produção de objetos, aparatos e processos de se lidar melhor com a


natureza, ela se pergunta: “como construo um prédio mais seguro?”, “como fazer uma
vacina mais eficaz?”, “como combater tal peste?”. Essas perguntas são muito mais úteis
do que as das ciências. Elas servem a propósitos mais imediatos e diferentes da ciência.
Não devemos pensar em qual é anterior à qual. Muitas vezes desenvolvimentos técnicos
impulsionaram áreas da ciência e vice versa. Inclusive, certas áreas da ciência não têm
hoje qualquer utilidade técnica e algumas atividades técnicas não precisam
necessariamente de serem discutidas pela ciência.

Ao falar de ciência e técnica não estou falando em nenhum sentido que essas duas
atividades não são interdependentes. Quero com esse argumento indicar um ponto: não
podemos usar os desenvolvimentos tecnológicos para provar que a ciência está certa. Não
é porque os prédios estão de pé, que a teoria newtoniana está correta. Quando as vacinas
funcionam não temos uma prova de que as teorias microbiológicas funcionam. Acontece
que teorias científicas mudam de tempos em tempos, e esta mudança não destrói prédios.
A mudança da teoria científica indica que entendemos mais da realidade, mas não que
devem ser jogadas fora todas as traquitanas inventadas.

Dizer que a ciência funciona porque a técnica funciona é o argumento que eu mais
escuto quando dou aulas de filosofia da ciência. Sempre alguém me diz que a ciência é
perfeita porque computadores funcionam. Eu entendo o apelo desse argumento. Mais do
que isso, ele foi cuidadosamente construído para funcionar, mas não por cientistas, mas
sim pela propaganda. Uma das propagandas que mais incentiva a suposição de que ciência
e tecnologia é igual são as propagandas de pasta dental. Invariavelmente elas são assim:
um caso de atores/modelos famosos aparecem em cena com dentes não naturalmente
brancos, tão brancos que devem ofuscar. Mas estão lá os atores para dar a autoridade
social necessária. Mas se você não foi convencido pelos dentes alienígenas da mocinha
ou mocinho, um dentista com um avental imaculadamente branco aparece dizendo que
ele e seus colegas aprovam e recomendam o uso daquela pasta. Imagine. Se você sabe
um pouco de estatística pode imaginar que se em duas propagandas de diferentes pastas
de dente dizem ao mesmo tempo que 95% dos dentistas recomendam somente essa e não
outra pasta de dente, temos um problema. Deixando de lado as perversões da matemática,
o fato é que a palavra do dentista funciona como a autoridade do cientista, que vestido de
branco não poderia mentir. Eu não posso negar. Foi a ciência que me disse. Se você não
foi convencido, deve ter sido pelos modelos/atores. Se não foi por nenhum deles não sei
como escovará os dentes.

Esse tipo de propaganda confunde propositalmente tecnologia e ciência em um


pacote só. Ao comprar o pacote da tecnologia da pasta de dente, que pode ou não ser boa,
supostamente se está comprando o pacote da ciência. Mas não é assim: além de supor que
a ciência é uma atividade idêntica à tecnologia, há um conjunto de ideias que é prejudicial
à própria ciência, que chamamos de “cientificismo”.

Cientificismo

Um dos comportamentos mais nocivos para a ciência é o chamado cientificismo.


Ele está baseado na crença cega de que a ciência é a resposta para todos os nossos
problemas. A base desse argumento é a suposição de que as respostas da ciência são
irremovíveis e devem ser tratadas como dogmas. Quando pessoas sem educação científica
tratam a ciência assim, eu entendo. Eles não sabem como é nocivo para a ciência supor
que o trabalho terminou. Mas não deveria existir um só cientista que acredite que uma
proposição científica não pode ser melhorada. Meu medo é o cientista perverter o que a
ciência deve ser. Aí a coisa fica feia.
Uma das melhores filósofas do século XX, a inglesa Susan Haack, escreveu um
dos melhores, se não o melhor artigo sobre o tema, intitulado “Os seis sinais de
cientificismo”. Ela diz que o cientificismo está articulado em seis ideias básicas:

1. Usar as palavras "ciência", "científico", "cientificamente", cientista, etc.,


honorificamente, como termos genéricos de louvor epistêmico.
2. Adotar os maneirismo, as armadilhas, a tecnologia técnica, etc., das ciências,
sem respeito à sua real utilidade.
3. Uma preocupação com demarcação, isto é, com delimitar uma linha precisa
entre as ciências genuínas, a coisa real, e a impostoras "pseudociência".
4. Uma correspondente preocupação com identificar o "método científico",
presumidamente para explicar como as ciências tem sido tão bem sucedida.
5. Olhar para ciência como resposta para questões além do seu escopo.
6. Negar ou denegrir a legitimidade do valor de outros tipos de investigação além
da científica, ou o valor de atividades humanas outras que a investigação, tais
como a poesia ou a arte.

Os pontos dela são ótimos. A ideia de que a ciência é a resposta para tudo é uma
ingenuidade total. A ciência serve para propósitos específicos de compreensão da
natureza. A ciência não é, nem precisa ser, o ápice da civilização. Eu inclusive acredito
que supor que se a ciência precisa de denegrir outras atividades, ela não encontrou seu
foco real. Cientistas que denunciam que tal ou tal área não é tão válida simplesmente não
entenderam a beleza da diversidade de opiniões.

Nas conversas mais comuns sobre o tema escutamos leigos e não leigos dizendo
frases como “é cientificamente provado” para indicar que não há mais qualquer debate a
ser travado. Todas as vezes que alguém me diz algo assim, eu digo: você sabe como
funciona um experimento científico? Se sabe, você sabe a limitação dele? Veja: em um
laboratório um experimento é feito de acordo com uma teoria preconcebida, que pode ou
não estar correta. Esse experimento tem um número enorme de partes e subpartes. Ele
depende de aparelhos construídos que são extremamente delicados e variados em
natureza. O experimento depende frequentemente do estabelecimento de condições de
realização da pesquisa, tanto financeira quanto da formação do cientista que quase nunca
são ideais. Depois há o próprio objeto de teste. Ele é normalmente cortado e analisado
parte a parte. Tantas partes que é necessário construir tabelas e mais tabelas de
verificação. Uma vez que tudo tenha sido analisado e reanalisado, é necessário publicar
um trabalho que será produzido ao longo de alguns anos. Depois é esperado que os pares
tentem avaliar o que foi feito e se for possível repetir os cálculos e experimentos. Anos
depois alguém pode encontrar uma falha que não estava presente na época e que implica
que o experimento precisa ser refeito a partir de novas ideias. Assim tudo recomeça. Não
há nada como um carimbo de “cientificamente provado” na mesa do cientista que carimba
o artigo enviado para a revista de publicação. Se você entendeu todos os passos, e são
muitos, está pronto para abandonar a ideia do “cientificamente provado” e seus similares.

A ciência é uma atividade falível, mutável e possível de ser desenvolvida. Sempre.


Ela é como a arte. Sempre alguém pode propor algo novo e belo.

História e Ciência

É um dogma supor que a ciência tem princípios mais ou menos adequados do que
qualquer outra área. É um dogma supor que o discurso científico tem qualquer prioridade
sobre outros tipos de discursos. A maioria dos cientistas sabe muito bem da complexidade
da ciência e especialmente a dificuldade de se obter respostas finais. Se é que uma
resposta final pode ser algo que a ciência tem condição de revelar. Me parece, que o dia
que a ciência nos apresentar uma “resposta final” sobre qualquer tema será o dia em que
a ciência deixará de ser ciência e passará para uma atividade de culto à verdade, seja isso
o que for.

Mas há um argumento que parece bloquear a ideia de uma suposta descoberta da


verdade final. Ele foi proposto pelo filósofo Thomas Kuhn no século XX no seu famoso
livro Estrutura das Revoluções Científicas. Ele começa com a seguinte questão: Qual é
a melhor maneira de pensar a natureza? A história da ciência nos ofereceu imagens da
natureza completamente diferentes. Em certo momento a tese de Ptolomeu pareceu
incrivelmente bem articulada, funcionando a partir da imagem do ser humano, da
metafísica, da matemática e de todas as experiências dos séculos I e II. Uma imagem
profundamente errônea da tese Geocentrista, que nos é passada com frequência, é que os
Geocentristas eram idiotas que acreditavam que a Terra estava no centro do Universo.
Nada disso é verdade. Ao contrário. Eram muitas as evidências para supor a Terra como
centro. A primeira e mais forte é que vemos tudo se mover ao redor da Terra e não
sentimos qualquer movimento. Esse é um de muitos exemplos. Quando mais tarde foi
apresentada a teoria Heliocentrista, com o Sol no centro e a Terra orbitando ao seu redor,
não se engane, não foi uma tese com muitas maneiras de se comprovar. Atualmente a
astronomia nos conta que o Sol não é centro de nada, nem de nossa Galáxia. Mas de um
modo mais curioso, talvez nem mesmo faça sentido de dizer que há tal coisa como um
“centro”.

Nosso primeiro impulso é perguntar: qual delas é a melhor versão? A Terra é o


centro? O Sol? Não há centro? Há centro mas todos os lugares são o centro (o que de fato
é uma possibilidade)? Na imagem apresentada por Thomas Kuhn temos que entender que
todas essas versões são “incomensuráveis”, ou “incomparáveis”. Se tentarmos comparar
a tese Geocentrista com as atuais pesquisas astronômicas eu estarei comparando duas
imagens da natureza, que admitem pressupostos diferentes, perguntas diferentes e
objetivos diferentes. Por exemplo, na imagem Geocentrista clássica era importante
entender o lugar do humano na natureza, e a matemática era uma ferramenta com a
utilização bastante limitada. Hoje a astronomia não se preocupa com o lugar do ser
humano, e a matemática é a usada de maneira decisiva. Eu acredito que a visão atual é
superior, mas só faço isso porque estou mergulhado na cultura que diz que a imagem
científica do passado está errada. Inclusive minha sensação é dizer que a atual é a correta.
E se daqui a dez anos alguém revelar que a sua suposição atual não passa de mais uma
tolice? Será que aí você reconhecerá que acreditou em falsidades? A ideia é que as ideias
de uma época passada não devem ser julgadas com os critérios atuais.

Uma ótima frase do filósofo David Hume diz que devemos “proporcionar o
conhecimento à evidência”, que significa que conhecer algo implica em ter crenças que
são suportadas por boas razões. Quando os Geocentristas mantinham suas teses, eles não
eram tolos. Ao contrário, tinham evidências e proporcionavam a crença deles à evidência.
Foi o mesmo com os Heliocentristas que diziam ser o Sol o centro do Universo.

Só alguém que julga que a história do conhecimento parou pode acreditar que uma
teoria absolutamente nova não surgirá. Qualquer um que pense com mais cuidado sabe
que o método de pesquisa, as perguntas e os objetivos podem ser completamente alterados
em um futuro brevíssimo. Assim, por que supor que a ciência poderá revelar a imagem
certa? Não é melhor apenas verificar se a teoria é construída a partir das evidências que
temos? Aquele que acredita que a ciência é tentativa final de resolver os problemas está
simplesmente mergulhado no mito cientificista.
Método e Pseudociência

Mas se ciência é historicamente dada, como saber realmente o que é uma tese
científica e não apenas mais uma loucura? O problema com isso é o chamado “critério de
demarcação”. É o critério “nós e eles”, “ciência e não ciência”. Mas há mesmo uma
fronteira? E se há, qual é o fundamento? E para que serve essa fronteira? Vou começar
pela última.

A fronteira é útil para evitar os charlatões. Me recordo de uma propaganda de um


produto muito curioso. É importante você manter em mente que vi essa propaganda as
07:00hs da manhã de um domingo em um canal obscuro da rede aberta. Faço o convite
para você fazer o mesmo e se maravilhar com a mente humana. A propaganda era sobre
um aparelho que poderia curar doenças como a gripe comum, reumatismo, depressão e
casos moderados de câncer. Ele supostamente funcionaria com as “totalmente reais”
“ondas quânticas”. Sinceramente não sei por onde começar a desmontar esse argumento.
Mas são tantas maluquices que é preciso fazer alguma coisa. O que precisamos é traçar
uma linha e dizer: isso não é ciência!

Muitos autores já levantaram critérios para a separação de ciência e pseudociência,


como por exemplo, o uso de um método de verificação, a necessidade de se ser crítico e
estar aberto à revisão, coerência interna e tantos outros critérios. Não sei se qualquer um
destes é decisivo. Uma opção seria dizer que a ciência é parte de uma tradição de
investigação racional, pautada pela metodização matemática e verificação empírica, que
tem o objetivo de examinar a natureza física por meio do reconhecimento de leis ou
padrões. Tudo o que entra aqui seria ciência. Mas, mesmo essa definição organizada, não
é tão boa, porque em último caso alguém poderia dizer que a homeopatia é ciência (e
talvez o seja mesmo, embora o consenso não seja claro sobre isso).

Outra opção para fazer a separação seria dizer que ciência é aquilo que se faz nas
Universidades. Se você se matriculou em um curso de Física, Biomedicina, Agronomia,
Geografia, etc., você está fazendo ciência, seja lá o que o conjunto de todas esses estudos
signifique. Essa definição é perfeitamente adequada para fins práticos, e eu acredito que
a maioria das pessoas defina ciência pelo aspecto da feitura dela e não por uma rígida
definição. Nesse sentido, para mim pelo menos, é mais útil falar que a ciência é aquilo
que uma comunidade de pesquisadores se interessa em um dado tempo. Essa definição é
tão fluída que qualquer tentativa de incluir outras pesquisas pode ser feita aqui, quem sabe
talvez até o cinema seja ciência em nossa definição.

Se apertar demais a definição de ciência, excluímos praticamente tudo. Imagine


se astrologia é ciência! Mas sem a astrologia não teríamos o grande cientista Johannes
Kepler, que não apenas era um astrólogo mas era o astrólogo chefe do rei da Dinamarca!
A definição de ciência tem de ser um pouco estreita? Por outro lado, ela pode ser apenas
o que é acordado por uma dada comunidade, o que resolve o problema prático, mas é tão
amplo que tudo passa a ser ciência.

No final talvez seja a busca por um critério de demarcação que esteja equivocada.
Para mim, as fronteiras da ciência são tênues mesmo e isso não é ruim. É importante que
a ciência possa se emaranhar em disciplinas que não são reconhecidas hoje como ciência.
Essa atitude não é apenas ruim, mas frequentemente é útil. Um cientista que pode trazer
para sua pesquisa outras tradições pode eventualmente aumentar o escopo de sua
pesquisa. Quero dar um exemplo prático. A tradição em que o Ocidente está é a cristã.
Um dos aspectos desta tradição é a suposição de que o tempo é “linear”, isto é, tudo teve
um início, tem um presente e terá um futuro. É uma “linha do tempo” reta. Uma das
teorias que é afetada por essa imagem é a teoria do Big Bang. Ela é tão famosa, e inclusive
pop, porque coaduna bem com a metafísica cristã da criação, onde há um momento onde
a criação ocorreu. Em geral a teoria do Big Bang é ótima, mas ela tem problemas
específicos, como por exemplo os eventos que conduziram à criação. Mas será que uma
solução não seria trazer uma maneira não linear de pensar, onde não houve início, mas
tudo sempre foi? Em nossa mente ocidental é muito estranho pensar que algo não teve
início, mas, e se for o caso? Um mergulhar em tradições não lineares pode ser benéfico
para a física.

O esfumaçar-se das fronteiras rígidas e ciência é arriscado, e implicaria em


abandonar definitivamente a ideia de algo “cientificamente provado” como sendo a
resposta final. Mas será que está não é a nossa única opção?

A força da ciência e a sua temporalidade

É importante lembrar do relativismo e ceticismo na ciência. Um movimento muito


comum no século XX foi a relativização nas ciências naturais. Especialmente as ciências
sociais, tais como a sociologia e a antropologia, e também outras pesquisas como a
história mostraram como a ciência é relativa à sociedade e época das pesquisas. O
argumento dessas disciplinas é muito bom, mas foi atacado com virulência por muitos,
justamente porque retiraria da ciência o aspecto sacrossanto, levando à ciência ao reles
estado de mais uma pesquisa.

Por outro lado, acredito que isso é bom para a ciência. É preciso que as pesquisas
sobre a natureza sejam temperadas com o reconhecimento de que ela pode ser estar errada
e ser mais uma das muitas pesquisas. Imagine: se eu não estiver disposto a acatar que
posso estar errado, o que queremos que a ciência são dogmas!

Mas ao mesmo tempo eu sinceramente não acho interessante dizer que a ciência
é débil. Ao contrário. Ela tem nos provido de compreensões precisas sobre a natureza
desde o início. Claro que com problemas, mas a ciência sempre está disposta a investigar
racionalmente seus objetos. Ela é parte de uma tradição profundamente honrada de
investigação que tem o objetivo de entender mais e melhor tudo. A relatividade deve ser
colocada sim, para o próprio interesse da ciência, sem claro gerar uma dúvida tão geral
que impeça a possibilidade de colocar as questões.

A dúvida não pode paralisar a pesquisa, a dúvida deve ser a forma avanço. Mas
certamente se há prova científica, ela é temporária.
10. Há Mentes?

A repercussão da filosofia de René Descartes é comparável à de pouquíssimos


filósofos. Talvez um Platão ou um Hegel tiveram tamanha influência. Mas é à Descartes
que podemos atribuir algumas ideias que foram o fundamento para o que somos hoje,
como por exemplo, a ideia de mente, a natureza como sendo um mecanismo, o método
científico e outras tantas. Quero aqui me concentrar em uma de suas maiores
contribuições: a investigação da mente.

A natureza da consciência humana sempre foi parte integrante das reflexões


humanas. A pergunta é: quem sou eu, o que faz de mim um ser particular? Essas questões
tinham sempre algum verniz religioso e foi justamente com Descartes que esse verniz
começou a sair, embora ele mesmo não fosse contrário à religião. Descartes propôs uma
investigação racional da mente humana a partir de um método de investigação que hoje
poderíamos chamar de científico. Ele parou de supor a mente humana como um dado e
pensou em sua legitimidade racional, para então derivar, se fosse o caso, a necessidade
de alguma propriedade transcendente à mente. Em resumo: Descartes foi um dos
primeiros, especialmente um dos primeiros modernos, a tratar a mente com a objetividade
científica.

Dizer isso hoje é praticamente contrariar muitos dos críticos de Descartes. Muitos
autores adoram apontar os muitos erros de Descartes na descrição da mente, e não se
engane, estes foram muitos. Mas para mim é absolutamente inegável o fato de que o
tratamento racional dado por Descartes à questão foi o que abriu o cenário para o
desenvolvimento do assunto em um viés filosófico e científico. Mas qual é a tese de
Descartes?

Segundo ele, o ser humano é uma reunião de duas “coisas” (do latim res) ou ainda
duas “substâncias”: a matéria e a mente (a res extensa e a res cogitans). A matéria é a
parte em nós que ocupa o espaço, ou seja, nosso corpo físico. Para Descartes, tudo, das
rochas, às plantas, passando pelos animais e chegando aos animais humanos, tudo, é res
extensa, ou seja, matéria. Mas há alguma coisa (res) no ser humano que o torna capaz não
apenas de ser algo, mas sim de saber que se é algo, e isso é o que Descartes chamava de
res cogitans, que é a “coisa pensante”, que chamarei aqui de “mente”. Para ele a mente é
uma parte em nós que não é física, ela faz parte de outra realidade. O pensamento é o que
torna o ser humano único, não apenas porque pensamos, mas porque somos a soma entre
uma parte material e uma parte mental. Ao desenvolver sua obra, Descartes vai se
preocupar em explicar toda a sua teoria sobre a mente humana, como ela é e o que a torna
especial.

Sim. A tese acima está errada. Parece hoje que tudo o que há é a parte material.
Mas se é assim, como explicar a consciência humana como algo físico? E mais: há alguma
coisa especial na mente ou consciência? Atualmente o problema da mente está em
explicar como o pensamento funciona em uma base meramente física. Assim, supondo
que tudo o que há é a res extensa de Descartes, como a parte física gera o pensamento,
especialmente como a consciência é capaz de se perguntar isso?

Consciência

A consciência é uma capacidade presente no ser humano e em níveis diferentes


em outros poucos mamíferos, como os chimpanzés, e envolve a experiência qualitativa
do mundo e do próprio sujeito. Pela consciência sei que a parede é branca e não apenas
que ela é. Nos termos que discuti acima, ela permite que eu saiba e não apenas sinta. A
consciência envolve também que eu entenda o pronome “eu” como designando um ser
que é o Bruno, e que as experiências que eu tenho são minhas. Para falar deste tema eu
vou trazer a tona uma referência do cinema. Vamos à ela.

Um filme que é um marco da década de 1980 é Robocop de Paul Verhoeven. Esse


filme me encantava quando eu era criança. Vendo em retrospecto, é curioso como ele me
encantava. Para aquele período o filme era muito violento, repleto de cenas de sangue e
brutalidade. Mas, para ser palatável pelas crianças, como era o meu caso, foi feito uma
série de desenhos animados com o Robocop como personagem. Provavelmente eu vi o
filme depois de ter visto o desenho e vi no filme o que eu queria ver. Além de ser uma
boa lembrança de um filme, que de fato é interessante até hoje, ele tem uma trama
interessante para a discussão que quero tratar.

Em certo sentido, Robocop foi o Frankenstein de minha geração, e isso diz muito
sobre ela. A trama é simples. Em uma cidade onde a violência se tornou a constante, era
preciso tomar decisões drásticas: a criação de um policial que fosse mais rápido, ágil e
forte, e para isso havia um experimento que envolvia a criação de um robô com a mente
humana. Assim, como o Frankenstein todas as partes do novo ser seriam montadas, e
também era preciso de uma mente humana, e essa viria de um policial, Alex Murphy, que
foi uma vítima da violência da cidade e que agora poderia ser um robô policial humano
ou um Robocop. Assim foi feito. Mas algo curioso aconteceu. Se antes conhecíamos o
ser humano que se tornou o Robocop, como uma pessoa alegre, o robô que ele se tornou
é frio e simplesmente executa as ações. Sem dar muitas pistas do fim do filme, basta dizer
que o filme mostra o ser humano tentando voltar a controlar a máquina. Claro, com
bastante sangue e violência.

Esse filme trouxe algumas ideias boa e outras nem tanto. De um lado temos o
problema da natureza da consciência do policial Alex Murphy, o futuro Robocop.
Sabemos desde o início do filme que o que dá consciência não é apenas o cérebro, mas o
cérebro em um corpo. Eu sei que sou Bruno porque estou em um corpo humano. A
capacidade de que eu tenho de reconhecer o meu corpo como sendo o meu corpo, de
entender meus pensamentos como meus, estão todas ligadas. Quando o cérebro de
Murphy vai para o robô, vemos que ele não é ele mesmo mais, ele é outro ser. E ele é
outro porque o corpo dele é outro. Apesar de podermos hoje dizer que o cérebro é o lugar
onde a consciência ocorre, ela não ocorre apenas em virtude do cérebro, mas do corpo
inteiro.

Claro que não sabemos se seria possível colocar todo o corpo em um robô, mas
segundo o que pensamos hoje sobre a consciência e a mente, se isso ocorresse, não haveria
mais algo tal como o antigo ser humano. Você é o que é porque agora está talvez com um
pouco de fome e isso o impele a pensar na próxima refeição. Você também deve estar
sentado ou deitado, e as suas costas são parte de sua forma de lidar com o mundo a sua
volta, mas também, as suas costas estão moldando a maneira de ler esse texto. Não se
esqueça de que seus olhos estão vendo algo de acordo com certa disposição de células e
que elas fazem parte do próprio conteúdo que você está experenciando. Uma experiência
de qualquer coisa, inclusive de mim mesmo, envolve todo o corpo de uma vez só. Se eu
não tivesse o corpo que tenho, isto é, se minha consciência fosse para um robô, eu
simplesmente deixaria de ser Bruno. Você que sonha em ter sua consciência transplantada
para uma máquina, saiba que o “você” se perderá no momento em que sua consciência
for digitalizada. Não tem nada a ver com a alma, mas sim com o fato simples de que seu
corpo é indissociável de sua consciência.

Tanto Descartes como o Robocop erraram ao separar essas coisas. Descartes


separou como sendo a res extensa e a res cogitans e explicou sua visão da mente humana
como se essas coisas fossem diferentes. O Robocop errou a partir do mesmo viés,
pensando que haveria uma luta entre a máquina e o humano. Claro, o filme tenta passar a
ideia de que o ser humano pode sobrepor a máquina. Se isso vai ou não acontecer, não
sei. O que eu sei é que o ser humano não sobreporá o seu próprio corpo. E no momento
em que o corpo não for mais parte de mim, não haverá eu, tenha eu salvado todas as
minhas experiências ou não.

O filme é bom porque começa corajoso ao mostra que Murphy não é mais quem
era. Suas experiências passadas, presentes não são mais do Murphy, mas do novo ser.
Essencialmente sua consciência foi perdida. Ainda que exista a informação, a ideia de in
– formar, de formar dentro de alguém se perdeu. Mas o filme não é corajoso o suficiente
para simplesmente descartar o policial Murphy e reconhecer que uma nova consciência
nasceu.

A questão então passa a ser outra: se a consciência é parte do corpo e não algo
diferente dele, como queria Descartes, o que significa exatamente a ideia de “eu”? O que
é o indivíduo?

Identidade Pessoal

Todo esse argumento toca o problema chamado de “identidade pessoal”. Sim, eu


sou o Bruno, mas exatamente, o que faz com que eu seja este eu, o que faz eu ser este
específico ser quem agora deseja escrever essa exata linha?

Não há acordo claro sobre este problema, no entanto, uma pista tem a ver com
uma doença: o Alzheimer. Nesta doença, muitos pacientes começam perdendo memória
de curto prazo e aos poucos podem perder as memórias de longo prazo. Todos nós que já
convivemos com alguém que está aos poucos perdendo a memória sabemos o quanto é
doloroso, para nós e para o próprio paciente. Aos poucos não é apenas a memória que se
esvaí, mas em certo sentido a pessoa. Em estágios avançados, muito do antigo “eu” do
paciente não está mais presente. Não é que não haja identidade, mas a ideia de
“identidade” implica que haja alguma semelhança entre o que antes foi e o que agora é, e
é isto que se perde aos poucos com a doença. A memória, que envolve a lembrança do
fato, da minha reação à ele e minhas qualificações dele, dá o formato a quem eu sou. A
memória é uma espécie de processo autorrecursivo. Quando trago uma antiga memória à
tona, ela é atualizada a partir de novas memórias que eu tenho agora, e o que eu me lembro
do passado é ressignificado. Em termos filosóficos, o que o Alzheimer parece fazer é
cortar os laços autorrecursivos da memória, incluindo a lembrança e as qualidades
atribuídas e o eu.

Para falar deste “eu” muitos aspectos são importantes: o corpo, a consciência, a
cultura, a linguagem e meus pensamentos. Mas a construção deste processo depende da
memória como aspecto ordenador. Ninguém tem dúvida de que a sua identidade é
construída com as memórias. É até trivial falar isso. O que não é trivial é a consciência.

Se eu sou uma construção ordenada pela memória não há identidade, ou seja, não
há necessidade de falarmos realmente de “um” Bruno. Como eu argumentei acima, cada
memória gera uma nova rede de significados e ser alguém depende de uma constante
renovação. O problema aqui é que normalmente a ideia de “uma” identidade pessoal
pressupõe que algo é igual, idêntico ao que foi ontem, a rigor, não há nada assim. Tudo
o que sou muda com as novas memórias. E por isso, ainda que eu possa dizer que algo
como o Bruno de ontem é semelhante com o Bruno de hoje, no longo prazo, o Bruno de
hoje não é o mesmo Bruno de vinte anos atrás. Por mais que eu goste de ser quem eu sou,
não há quem eu sou, como sendo uma consciência imutável. O nosso documento de
identidade pressupõe que somos os mesmos. Mas não somos. É confortável para você
crer que há algo como o “Bruno” ou o “você”. Gostamos disto e precisamos disso para
nos reconhecer. No entanto, tudo o que há é a continuidade do fluxo de memórias, onde
cada memória se relaciona com a anterior. No entanto, não há “uma” só identidade. Se
não há uma identidade pessoal, como eu posso me reconhecer? Será que tudo o que eu
poderia falar é em “Bruno(s)” em “eu(s)”? Todos os pronomes pessoais estariam errados.
Toda forma de pensar em minha identidade é uma ilusão?

A conclusão parece ser dupla: a) não há como falar de uma mente sem um corpo
e b) não há uma identidade pessoal para o indivíduo, e assim, se algo é a mente estamos
falando de algo necessariamente físico?

Dualismo, monismo e solipsimo


Um dos argumentos mais importantes sobre o tema da mente é saber a sua
natureza. Conheço poucos problemas com tantas alternativas excludentes. O problema é
saber: tudo o que a mente é pode ser descrita apenas com a ferramenta física? Esse é o
problema e ele essencialmente depende de uma concepção forte da realidade, isto é, se
tudo o que existe é aquilo que podemos descrever através da ferramenta física. Eu não
sei. Isto não tem nada a ver com a necessidade de existir espíritos, mas sim da limitação
da descrição física.

Tal debate é uma confusão de argumento. Dois argumentos são os mais extremos.
De um lado há alguns que dizem que em breve a mente poderá ser descrita toda a partir
de padrões físicos. Estes são os “monistas”, supondo que há apenas uma única coisa ou
substância, a física. De outro há aqueles que afirmam que há mais do que o físico, havendo
a necessidade de uma nova substância que comporia a mente. Estes são os “dualistas”.
Descartes achava que era a “mente” essa outra substância, assim ele era um dualista.
Outros argumentos são menos extremos. Há o dualismo de propriedades, que afirma que
há uma substância só, mas propriedades físicas e mentais. Há o behaviorismo, que afirma
a necessidade estabelecermos as vinculações da mente com os padrões de comportamento
social. Há a teoria do aspecto dual, que envolve a crença de que há algo que não é físico,
mas que não se sabe bem o que é.

O fato é que hoje não há acordo. Há um grande esforço na ciência, que


frequentemente pende para versões monistas, para responder o problema. Na filosofia
também, embora na filosofia o espectro do debate é mais amplo, indo de formas extremas
de monismo, a formas atenuadas de dualismo. Mas como eu disse acima, o problema é a
capacidade de explicar a natureza apenas através de ferramentas físicas.

Como eu mostrei no caso da memória, ela não é uma descrição simples de um


evento. Ela envolve continuidade no tempo e a qualificação dada por aquele sujeito do
fato. Assim, o meu ponto é: será que não há mais aspectos para falarmos da mente que
não envolvem apenas uma descrição de como os neurônios funcionam? É isso que que
quero chamar de dificuldade da explicação física.

O problema da descrição física é que quando eu falo em o “Bruno” não tenho


apenas uma experiência, mas tenho tal experiência permeada por qualificações, é isto o
que chamei no início do texto de “experiência qualitativa”. Quando provamos um
alimento não temos apenas a reação físico-química dele nas papilas gustativas, ao
contrário, temos a percepção deste alimento em nossa história de vida particular, e assim
atribuímos à ele propriedades que dependem desta história completamente peculiar. O
problema da descrição física da consciência é que explicar como eu sinto uma
determinada experiência não chega perto da sensação de ter tido aquela experiência.

A questão da redução da mente à tudo o que é físico encontra a dificuldade da


limitação do discurso físico. Posso descrever a consciência a partir de setores do cérebro.
Posso falar de uma experiência a partir do contato de terminações nervosas com o mundo.
Mas não há nada neste tipo de descrição que nos permita entender a peculiaridade da
experiência propriamente humana. Talvez seja necessário acrescentar algo que não
inteiramente físico para descrever a natureza humana.

A natureza da mente

Mas e se explicarem tudo o que somos usando apenas a ferramenta física? Será
que muda alguma coisa? Outros argumentos são possíveis?

De um lado temos o argumento que afirma que tudo o que há é a natureza física,
onde a minha consciência poderá ser descrita apenas pela descrição natural. Ao mesmo
tempo, temos o argumento que afirma que algo parece ir além, justamente a peculiaridade
da experiência humana. Sabemos muito sobre a da consciência humana, no entanto, sobre
o que ela é de fato, se um processo físico ou mental, se ela pode ou não ser descrita pela
ciência, e especialmente, se a consciência realmente dá uma unidade ao ser humano, a
todos estes temas não há qualquer definição atual, apenas um sem número de questões
abertas.

Não há atualmente qualquer maneira de se decidir sobre a natureza da mente, se é


que um dia poderemos fazê-lo.
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