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As Ferramentas Perdidas da Educação

Por Dorothy Sayers Comentado [TC1]: Texto original no inglês: SAYERS,


Dorothy, “The Lost Tools of Learning”, Disponível em
Tradução de Gabriele Greggersen <http://64.226.138.70/artilces/Sayers1.htm#sayers>, acesso
Comentários e grifos por Lucas e Natália Evangelista em 23/03/2010.

Dorothy Leigh Sayers (Oxford, 13 de


junho de 1893 - Witham, 17 de dezembro de 1957) foi uma
Aceitar um convite para debater a educação, considerando minha curta renomada escritora inglesa de poemas e histórias de
detetives. Foi também uma estudiosa de letras clássicas e
experiência como professora, dispensa apologia. Mesmo porque esse é um tipo modernas.
de comportamento aplaudido na atual efervescência de opiniões. Religiosos Comentado [TC2]: Disponível em:
<https://ultimato.com.br/sites/cslewis/2011/03/15/as-
ventilam suas opiniões sobre a economia; biólogos, sobre a metafísica; químicos ferramentas-perdidas-da-educacao/> acesso em
25/05/2020.
inorgânicos, sobre teologia; indivíduos irrelevantes são apontados para cargos de
alto nível técnico; e homens embotados e simplórios publicam nos tabloides que Gabriele Greggersen é Mestre e Ph.D em Filosofia da
Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de
Epstein e Picasso simplesmente não entendiam nada de arte. Até certo ponto, e São Paulo e pós-doutora na área de História das
Mentalidades pelo Instituto de Estudos Avançados da
desde que a crítica fosse feita com razoável modéstia, coisas assim são até Universiade de São Paulo. Além de docente e pesquisadora
da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Greggersen é
admiráveis. A especialização excessiva nunca foi coisa boa. No caso da educação,
autora de Antropologia Filosófica de C.S. Lewis (Editora
o que não faltam são motivos para amadores se sentirem gabaritados para emitir Mackenzie), de O Senhor dos Anéis: da imaginação
à ética (Editora Ultimato) e de diversos artigos, traduções e
suas opiniões. Pois, ainda que nem todos aqui sejamos educadores profissionais, contos é autora do livro O Evangelho de Nárnia, publicado
todos já fomos alunos em algum momento da vida. E, mesmo se não
Comentado [TC3]: A autora refere-se aqui a um debate
tivermos aprendido nada – e, quem sabe, especialmente, se nunca tivermos histórico entre as perspectivas generalista (conhecimento
superficial sobre vários temas, o “saber de tudo um pouco”)
estudado de verdade – nossa capacidade de contribuição para essa discussão e especialista (conhecimento profundo sobre apenas um
será um valor potencial. tema) da educação. O generalista consegue enxergar melhor
o todo e fazer conexões entre os saberes, mas por vezes
pode se equivocar pela superficialidade, embora o
Entretanto, é bem pouco provável que as reformas propostas aqui sejam, algum especialista quase nunca cometa os erros do generalista em
sua área de especialidade, por vezes é autor de exageros
dia, levadas a sério. Ninguém: nem os parentes; nem os professores de cursinhos
reducionistas e até mesmo falha por setorizar demais o
vestibulares; nem as bancas de defesa; nem as bancadas de governo; nem os conhecimento. Este debate percorre áreas exatas como a
engenharia, perpassa a medicina e chega até as
ministros da educação, lhes dariam um só minuto de atenção. Pois elas se humanidades. Embora esse debate constitua uma querela
emblemática, podemos dizer que é uma questão que a
resumem a isso: se quisermos formar uma sociedade de gente educada, Educação Cristã Clássica responde: ela não setoriza o
preparada para preservar a sua liberdade intelectual em meio às pressões da conhecimento excluindo todo o contexto, ou mesmo
cometendo reducionismos, mas através da formação
sociedade moderna, teremos que voltar a roda do tempo quatro ou cinco séculos abrangente do Trivium, dá espaço e faz crescer cidadãos do
Reino de Deus capacitados para toda boa obra, de acordo
atrás, até fins da Idade Média, no preciso ponto em que a educação começou a com a sua vocação. Assim a ECC se inicia mais generalista,
ao reconhecer uma base comum para uma aprendizagem
perder de vista o seu verdadeiro objetivo. eficaz (as ferramentas da aprendizagem), e diante dessa
base sólida, possibilita especializar-se.
Antes de você me dispensar – carimbando-me com o bastante apropriado rótulo
de: reacionária, romântica medieval, laudator temporis acti (saudosista), ou
qualquer outro lugar-comum que lhe vier à cabeça – peço-te o favor de ponderar
uma ou duas questões bastante complexas que talvez ainda se encontrassem
escondidas na face oculta das mentes de todos nós, que só emergem
ocasionalmente causando-nos preocupação.
Comentado [TC4]: A dinastia Tudor foi uma casa real
Se refletirmos sobre a tenra idade em que os jovens começavam a frequentar a inglesa que governou a Inglaterra e seus reinos de 1485 a
escola nos tempos, vamos supor, da dinastia Tudor, depois da qual passavam a 1603, com cinco monarcas principais, cujos destaques foram
Henrique VIII e Elizabeth I.
ser considerados prontos para assumir responsabilidade pela condução de seu
próprio nariz, como encarar a ampliação artificial da formação infantil e juvenil
até os anos de maturidade física, tão característico dos dias de hoje? Postergar
ao máximo a hora de assumir responsabilidades traz consigo uma série infinita
de transtornos psicológicos que podem até ser interessantes para o psiquiatra,
mas que são de bem pouca serventia, ao indivíduo ou à sociedade. O principal
argumento que se usa em favor do adiamento da idade de despedida da escola
e da prorrogação da idade escolar é que hoje em dia haja muito mais para se
estudar, do que na Idade Média. Isso em parte é verdade, mas não inteiramente.
O menino e a menina de hoje, têm, sem dúvida, mais assunto para estudar, mas
será que isso significa necessariamente que saibam mais?

Nunca lhe pareceu estranho ou lamentável que na atualidade, em que a


quantidade de livros existente por toda a Europa ocidental é maior do que nunca,
a suscetibilidade das pessoas à influência de anúncios e de propaganda em
massa tenha crescido em proporções até então desconhecidas, ou sequer
imaginadas? Você atribuiria isso ao mero fato físico de que a imprensa, o rádio e
outros meios tivessem tornado a propaganda bem mais ágil e capaz de cobrir
um vasto território? Ou será que você às vezes tem a inquietante suspeita de que
o produto dos métodos modernos de educação fosse inferior ao que seja capaz
de ser, em distinguir o fato da opinião; e o provado do plausível?

Quem é que já não se irritou, ao acompanhar um debate entre adultos e pessoas


supostamente responsáveis, com a extraordinária incapacidade do debatedor
em geral de se ater às perguntas, ou de opor-se a elas, refutando os argumentos
dos palestrantes de opiniões diferentes das dele? Ou será que você já ficou se
perguntando sobre a incidência altíssima de assuntos irrelevantes surgidos em
encontros de conselhos, e sobre a incrível escassez de pessoas capazes de
presidir comissões? E ao refletir sobre isso, ocorre-lhe que a grande maioria dos
assuntos públicos são decididos precisamente nesses debates e comissões, não
sente um aperto no coração?

E quem já não acompanhou uma discussão nos jornais ou outro meio de


comunicação qualquer e percebeu a quantas vezes os escritores deixam de
definir os termos que usam? Ou notou o quanto é frequente, na hipótese de
alguém definir os termos que está usando, o outro responder pressupondo na
sua resposta, que o primeiro estava usando esses termos em sentido exatamente
oposto àquele? Você já se sentiu honestamente preocupado com tantos usos de
linguagem gramaticalmente errada? E, em caso afirmativo, você se sente
incomodado, por sua deselegância ou porque receia o grave mal-entendido em
que isso poderia resultar?

Quem é que já não teve a impressão de que os jovens, assim que completado o
período escolar, não apenas se esquecem da maior parte do que aprenderam (o
que já era de se esperar), mas também se esquecem, ou revelam nunca ter
aprendido de fato, como lidar por si mesmos com um conteúdo novo? Você se
incomoda com frequência quando vê homens e mulheres adultos incapazes de
distinguir um bom livro, do ponto de vista acadêmico, e apropriadamente
indexado, de um que, para o bom entendedor, é notório que não chega a tanto?
Ou que não saibam como manusear um catálogo de biblioteca? Ou que, quando
estiverem face a face com um livro de referência, sejam flagrados por uma
curiosa incapacidade de extrair dele os trechos relevantes para o problema que
seja de seu particular interesse?

Quantas vezes você já topou com gente para quem, por toda vida, “uma coisa é
uma coisa, e outra coisa é outra”, separada de todas as demais, como se
estivessem separadas em compartimentos estanques? Tanto, que têm grande
dificuldade de estabelecer conexão mental entre, digamos, álgebra e ficção
policial, entre o saneamento básico e o preço de salmão – ou, de maneira mais
genérica, entre esferas distintas como as do conhecimento filosófico e a
economia, ou a química e as artes?

Já se sentiu incomodado com certas coisas escritas por homens e mulheres


adultos para leitores e leitoras adultos? Um biólogo bastante conhecido, que
escreve para uma revista semanal disse que “Um argumento contra a existência
de um Criador” (acho que ele colocou de forma ainda mais forte, mas já que eu,
infelizmente, perdi a referência, parafrasearei seu raciocínio da forma mais
agressiva possível) – “…um argumento contra a existência de um Criador é que os
escritores em massa conseguem produzir ao seu bel prazer, o mesmo tipo de
diversidade produzida pela seleção natural”. Não ficamos tentados a dizer que
este é, antes, um argumento a favor da existência de um Criador? Na verdade, é
claro que isso não prova nem uma coisa nem outra; tudo o que essa
argumentação prova é que as mesmas causas materiais (seja a recombinação
dos cromossomos, pelo seu cruzamento e assim por diante) sejam suficientes
para explicar toda diversidade observável no mundo. Isso seria o mesmo que
dizer que o mesmo conjunto de notas musicais combinadas entre si, sejam a
causa material capaz de explicar tanto a Sonata ao Luar de Beethoven, quanto
os sons produzidos por um gatinho andando sobre as teclas de um piano. No
entanto, tal comportamento do gato não prova nem contesta a existência de
Beethoven; tudo que se prova pelo argumento do biólogo é que ele não era
capaz de distinguir entre causa material e causa final. Eis aqui outro exemplo
retirado de fonte não menos acadêmica, a primeira página do Suplemento
Literário, nada mais, nada menos do Times:

“O Francês Alfred Epinas, afirmou que certas espécies (por exemplo formigas e
vespas) só são capazes de encarar os horrores da vida em associação com a
morte”. Não sei bem o que o francês quis dizer com isso, mas o que o repórter
inglês diz que ele disse é que é um absurdo flagrante. Não temos como saber, se
a formiga encara a vida com horror ou não, nem, em que sentido se pode dizer
que a vespa que esmaga contra a vidraça “enfrenta” os horrores da morte. O
objeto do artigo me parece ser o comportamento humano nas massas; assim, os
motivos humanos foram transferidos, de forma muito sutil, da proposta inicial,
para o caso, a que deveria dar suporte. Assim, o argumento acaba tomando por
pressuposto, precisamente o que pretendia provar – fato este que se tornaria
logo patente se fosse apresentado num silogismo formal. Este é um reles e
aleatório exemplo de um vício que permeia livros inteiros – em especial livros
escritos por homens da ciência, [que se metem] a escrever sobre temas
metafísicos.

Outro artigo da mesma edição do Suplemento Literário do Times exemplar nesta


coleção casual de pensamentos aflitivos – desta vez oriunda da resenha da
obra Algumas Tarefas para a Educação, escrita por Sir Richard Livingstone, diz:
” [O autor] lembra o leitor mais de uma vez do valor de um estudo intensivo de
pelo menos uma matéria, a fim de aprender o significado desse conhecimento e
o grau de precisão e persistência necessários para alcançá-lo. Todavia, noutro
ponto, reconhece por inteiro o angustiante fato de que uma pessoa pode chegar
a se tornar mestre num determinado campo, sem demonstrar capacidade crítica
mais refinada, do que qualquer vizinho de outro campo qualquer; ele até se
lembra do que aprendeu, mas se esquece por completo de como foi que
aprendeu.”

Peço a sua atenção particular para a última sentença, que oferece uma
explicação a que o escritor se refere propriamente quando fala do “fato
angustiante”, de que as habilidades intelectuais a nós conferidas pela nossa
educação, não sejam imediatamente transferíveis para outros campos,
diferentes daqueles, nos quais nós as adquirimos: “ele se lembra
do que aprendeu, mas se esquece por completo de como aprendeu”.
O grande defeito da nossa educação atual – defeito este detectável através de
todos os inquietantes sintomas do problema que mencionei – não é que, embora
nós muitas vezes tenhamos sucesso em ensinar “conteúdos” aos nossos alunos,
falhamos lamentável e inteiramente em ensinar-lhes como pensar; eles
aprendem tudo, menos a arte de aprender. É como se, por mais que tivéssemos
ensinado uma criança tocar “O Ferreiro Harmonioso” ao piano, mas de maneira
exclusivamente mecânica, sem nunca ter-lhe ensinado a escala musical ou a ler
uma partitura. Desse modo, por mais que tivesse memorizado “O Ferreiro
Harmonioso”, ele, no entanto, não teria a mínima noção de como, a partir daí,
encarar outra música como “A Última Rosa do Verão”. Por que eu digo “como
se”? Em certas áreas das artes e dos trabalhos manuais, é precisamente isso que
fazemos – esperamos que uma criança “se expresse” com o pincel, antes mesmo
de ensinar-lhe a lidar com cores e com o pincel. Há uma corrente de pensamento Comentado [TC5]: A autora refere-se ao caráter indutivo
da Educação Moderna, que pressupõe que se pode aprender
que acredita ser esta a maneira mais correta começar os trabalhos. No entanto, qualquer coisa sem instrução, apenas pelo questionamento
independente e formulação de hipóteses do sujeito. Essa
observe bem: não é este o método pelo qual um artista treinado se empenharia perspectiva educacional autonomista foi disseminada na
em descobrir um novo método de pintura. Ele, que aprendeu pela experiência a América do Norte por John Dewey (1859-1952), na Europa
por Jean Piaget (1896-1980) e no Império Russo por Lev
melhor forma de economizar esforços para pegar o jeito da coisa, começará Vygotsky (1896-1934), todos muito estudados nas
faculdades de pedagogia hoje e aclamados como grandes
rabiscando em um material rascunho qualquer, a fim de “aguçar a sensibilidade teóricos da educação. Dorothy Sayers (1893-1957), que pela
primeira vez apresentou esse texto em 1947 em Oxford,
para com a ferramenta”.
demonstra sobriedade apontando para a insensatez de tais
homens. Afinal, além de diametralmente oposta à
cosmovisão cristã, essa filosofia educacional também se
mostrou ineficaz ao longo do tempo e ao redor do mundo,
O PROGRAMA DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL sendo hoje o motivo do “emburrecimento” em massa.

Observemos a estrutura da educação medieval mais de perto agora – o


programa de ensino dessas escolas. Não importa, para o momento, se destinado
a crianças pequenas ou a estudantes mais velhos, e por quanto tempo se
esperava que as pessoas a devessem frequentar. O que importa é a luz que ele
lança sobre o que o homem medieval supunha ser o objeto e a ordem certa do
processo educacional.

O currículo era dividido em duas partes: O Trivium e o Quadrivium. A segunda


parte – o Quadrivium – era composta por “conteúdos”, que não nos preocupam
por ora. O que nos interessa aqui é discutir o Trivium, que precedia
o Quadrivium e era composto por disciplinas consideradas prerrogativas.
Consistia ele em três partes: Gramática, Dialética e Retórica, nessa ordem. Comentado [TC6]: Ou “Lógica”. Aristóteles define a
dialética como a lógica do provável.
Agora, a primeira coisa notória é que duas destas “disciplinas” em qualquer
ordem não são o que chamaríamos de “disciplinas”: elas não passam de métodos
de como lidar com os conteúdos. A Gramática, de fato, é uma “disciplina” no
sentido de que ela significa definitivamente o aprendizado de um idioma –
naquela época, gramática significava o aprendizado do Latim. Mas a língua em si
é simplesmente o meio pelo qual se expressa o pensamento. Na verdade, o
Trivium todo tinha a intenção de ensinar ao aluno o uso apropriado das
ferramentas [de estudo] da educação, antes que ele começasse a aplicá-las às
“matérias”. Primeiro ele aprendia o uso apropriado das ferramentas; não apenas
como fazer um pedido no restaurante, numa língua estrangeira, mas a estrutura
da língua, e assim, da própria linguagem – em que situação se encontrava, como
se constituiu, e como funcionava. Em segundo lugar, ele aprendia a usar o
idioma; como definir os seus termos e elaborar asserções mais refinadas; como
construir um argumento e como detectar falácias em um argumento. Em outras
palavras, a gramática abarcava a lógica e o uso do senso crítico. Em terceiro lugar,
ele aprendia a se expressar usando aquela língua – a como dizer o que ele tinha
para dizer de forma elegante e convincente.

Ao final dessa fase, solicitava-se que ele elaborasse uma monografia sobre algum Comentado [TC7]: Esse caminho de aprendizagem se
assemelha muito ao processo de ensino hebreu que se
tema apresentado por seus mestres ou proposto por ele mesmo, e, em seguida, iniciava pela memorização do pentateuco, o estudo de
outras ciências a partir dele nas sinagogas e/ou nas escolas
submetia a sua tese à crítica da comunidade acadêmica. A essas alturas ele terá de profetas que se seguia nos debates e orativas entre as
que ter aprendido tudo – ou entrará em desespero – não apenas a escrever um escolas de tradução

ensaio ou trabalho acadêmico, mas também a falar em público de maneira


sonora e inteligente e a fazer a defesa, sem perder a pose.

É bem verdade que ainda subsistem traços e resquícios da tradição medieval no


currículo das escolas comuns de hoje, é claro, ou foram resgatados [em algum Comentado [TC8]: Embora não aborde com profundidade o
assunto, pois não é disso que se trata o texto, Sayers toca
momento da história]. Algum conhecimento de gramática ainda é exigido aqui em um ponto nevrálgico: uso e abuso da linguagem
vulgar na literatura. Isso é a ponta de um grande iceberg que
quando se estuda uma língua estrangeira – talvez eu devesse dizer “voltou a ser
tem levados os estudiosos na linguagem ao naufrágio
necessário.” Na minha época mesmo, passamos por uma fase assim, quando o ideológico. O estudo da linguagem tem sido cada vez mais
regido e reduzido ao seu aspecto social, submetido a uma
ensino de declinações e conjugações era considerado digno de repreensão, leitura idealizada. Talvez seja incômodo aos estudiosos da
linguagem afirmar que a gramática gerativa e internalizada
passando-se a dar preferência a abordar essas coisas à medida que elas iam nada mais é que uma aplicação reducionista de uma
surgindo. O debate sociológico florescia nas escolas; ensaios eram escritos; concepção social. E fazem isso sem que seja necessário
qualquer disfarce, seu empreendimento é aberto. Victor
frisava-se a necessidade da “livre expressão”, de forma um tanto exagerada. Hugo (1802-1885), famoso escritor francês observou:
"resistimos à invasão dos exércitos; não resistimos à invasão
das ideias". A linguagem existe para fazer um manifesto
Mas essas atividades são cultivadas de forma mais ou menos isolada, como se social acerca do que é bom ou mal, do que é justo ou injusto,
pertencessem a algum departamento isolado, tratadas como supérfluas, ao invés do que é belo e desprezível, do que é verdadeiro e mentira.
A partir dessas coisas é que são constituídas a noção de
de formarem uma estrutura coerente de exercício mental, à qual todas as demais família, estado, liberdade, etc... Sendo assim, corremos
grande risco social quando a linguagem se torna
“disciplinas” estejam subordinadas. No caso da gramática, ela foi atribuída ao independente de regras, anarquista, niilista, ou asdodita.
“departamento” de línguas estrangeiras. E a escrita de ensaios pertence a um Essa última nos remete a Neemias 13.23-26 e a mais um
perigo, o espiritual. Associar a linguagem com bases na
“departamento” de “Inglês”; ao passo que a dialética acabou praticamente verdade com a linguagem com foco nas paixões mundanas
produzirão frutos permissivos em nossas mentes e corações,
divorciada do restante do currículo, e é frequentemente praticada de maneira e conduzirá a mente à fácil manipulação. A linguagem é
maior que regras, mas a linguagem é arte e, como arte,
assistemática e que foge ao programático, através da prática exercícios precisa de corpo teórico que serve ao fim artístico. Não
extracurriculares, cuja relação com o que chamamos de estudo é bem distante. precisamos de teoria para tocar, mas necessitamos dela se
quisermos ser excelentes.
Tomado de forma ampla, a enorme discrepância de ênfases entre essas duas
concepções abriga algo de bom: a educação moderna concentra-se em “ensinar
conteúdos,” enquanto os métodos de raciocínio, argumentação e expressão de
conclusões, concentrada em primeiro aprender a forjar e a lidar com as
ferramentas [de estudo] da educação, independente do assunto em pauta, é
deixada para os estudiosos, que gozaram de uma educação mais medieval.
Nesse último caso, é como pegar uma peça bruta e trabalhar nela até que o
resultado do uso da ferramenta se transforme como que em uma segunda
natureza.

Que é preciso ter algum tipo de “conteúdo”, ninguém duvida. Não se pode
aprender a teoria da gramática de um idioma sem aprender o próprio idioma, ou
aprender a argumentar e falar em público, sem falar sobre nenhum assunto em
particular. Os temas de debate da Idade Média vinham em grande parte da
teologia, ou da ética e da história da Antiguidade. De fato, muitas vezes, eles se
tornavam jocosos, especialmente perto do final desse período. Os absurdos
aberrantes do argumento escolástico desse período, que tanto enervavam a
Milton, dão, até hoje motivos de chacota e riso. Mas não saberia dizer se esses
temas eram mais tolos e prosaicos do que os temas escolhidos nos dias de hoje
para a escrita “dissertativa”. Atrevo-me a dizer que ficamos um tanto entediados
com propostas de redação do tipo “como foram as minhas férias” e por aí afora.
Mas grande parte desses gracejos é indébita, na medida em que se perdeu de
vista o objetivo e objeto da tese em debate.

Certa vez, um palestrante demagogo entreteve a sua audiência no Brains


Trust (expondo a memória de Charles Williams à fúria da plateia) ao afirmar que,
na Idade Média, a discussão sobre quantos arcanjos seriam capazes de dançar na
ponta de uma agulha era uma “questão de fé”. Espero não ter que defender que
isso jamais foi [mera] questão de fé; tratava-se antes de um exercício de senso
crítico, cujo objeto era a natureza da substância angelical: seriam os anjos seres
materiais? Em caso afirmativo, poderiam ocupar lugar no espaço? A resposta
usualmente aceita como correta era que os anjos são inteligências puras; não
materiais, mas limitadas, de modo que eles podem ter um lugar no espaço,
porém não podem ter extensão. Podemos fazer uma analogia disso com o
pensamento humano, que também não é material e limitado. Assim, se o seu
pensamento está concentrado numa coisa – vamos supor, na ponta de uma
agulha – ele estará lá, no sentido de que não está em nenhum outro lugar. Por
mais que esteja “lá”, ele não ocupa espaço algum, e não há nada que impeça um
número infinito de pensamentos de diversas pessoas se concentrem na ponta
da mesma agulha, ao mesmo tempo. Acontece que o objeto de discussão a que
esse exercício é a natureza dos anjos (embora, como vimos anteriormente,
poderia muito bem ser qualquer outra coisa); uma lição prática a ser tirada desse
debate é não usar palavras como “está aí” de forma solta e não científica, sem
especificar se está se referindo a “está lá” ou “ocupando espaço lá”.

A paixão medieval pela discussão do sexo de anjos já foi alvo de muito escárnio,
mas quando olhamos para abuso desavergonhado, tantas vezes praticado por
escrito ou em público ou através de polêmicas provocadas por expressões com
conotação pejorativa e de duplo sentido, sintamos no coração o desejo de ver
cada leitor e cada ouvinte dessa palestra pudesse estar armado de forma tão
defensiva, a ponto de bradar: “Distinguo“.

Pois nós nos damos ao luxo de deixar nossos jovens, rapazes e moças, saírem
desarmados, em tempos em que uma armadura nunca foi tão necessária. Uma Comentado [TC9]: Através da educação o homem
compreende a vida no contexto social, respeitando limites e
vez que ensinamos todos a ler, acabamos deixando-os à mercê da palavra contribuindo ativamente para o bem comum sem excluir-se
em sua individualidade. “A autoridade foi recusada pelos
impressa. Com a invenção do rádio e do cinema, temos a garantia de que adultos, e isso somente pode significar uma coisa: que os
nenhuma aversão à leitura os livrará de um incessante bombardeio de palavras, adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo
mundo ao qual trouxeram as crianças (...) a qualificação do
palavras e mais palavras. Eles não conhecem o significado dessas palavras; eles professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de
instruir os outros acerca deste... sua autoridade se assenta
não sabem manter distância delas, nem desarmá-las, nem repudiá-las; são na responsabilidade que ele assume por este mundo”.
(ARENDT, 1979, p.239). Na perspectiva Cristã essa visão de
verdadeiras “reféns emocionais” das palavras, ao invés de serem os seus mestres,
responsabilidade e autoridade que temos em relação à
pelo uso de suas faculdades mentais. Porque é que nós que, em 1940 nos próxima geração ganha outra dimensão uma vez que
através do ensino podemos conduzi-la a vida ou a morte (Dt
escandalizamos de ver os homens sendo destacados para lutar contra tanques 6.1-7).
armados de metralhadoras, não nos escandalizamos de ver jovens, rapazes e Comentado [TC10]: Essa ilustração de “batalha racional” é
amplamente utilizada nas Escrituras, principalmente por
moças, destacados para o mundo, para lutar contra a propaganda em massa, Paulo. Para citar alguns exemplos, em sua carta aos
Romanos, no capítulo 12 ele fala de um “culto racional” que
com um conhecimento limitado e superficial de “conteúdos”; e quando classes envolve a “renovação da mente”; na Segunda Carta aos
sociais e nações inteiras se deixam hipnotizar pelas artimanhas do encadernador Coríntios, no capítulo 10, Paulo cita também uma “milícia”
que não é humana, mas é “poderosa em Deus, para destruir
de livros de feitiços, nós temos a descaramento de nos espantar. Damos esmolas fortalezas, anular sofismas e toda altivez que se levante
contra o conhecimento de Cristo”, e cujo objetivo é “levar
para a educação para provar que lhe damos importância – através do trabalho cativo todo pensamento à obediência de Cristo”. Podemos
perceber, portanto, que a verdadeira batalha espiritual
voluntário e apenas ocasional, pequenas doações de dinheiro; nós prorrogamos ocorre no campo da razão. Por isso é tão importante educa-
a idade para encerramento dos estudos, e planejamos a construção de escolas la e conduzi-la à obediência de Cristo.

maiores e melhores; os professores escravizam-se deliberadamente, seja durante


ou fora do horário de aulas; e, no entanto, pelo que vejo, a devoção de todo esse
esforço é amplamente frustrada, devido ao fato de que termos perdido as
ferramentas de estudo da educação, e na falta delas, realizamos um serviço
malfeito e desconjuntado.

QUE FAZER?
O que, então, fazer? Não podemos regressar à Idade Média. Este é um lamento
ao qual já nos acostumamos com. Não podemos voltar atrás – será que não
podemos mesmo? Distinguo! Vamos definir cada uma das partes dessa
proposição. Será que a expressão “voltar atrás” significa voltar no tempo, ou voltar
atrás em um erro? A primeira é claramente impossível ‘per se’; a segunda é algo
que pessoas dotadas de sabedoria fazem o tempo todo. Será que a expressão
“não podemos” significa que o nosso comportamento está irreversivelmente
determinado, ou apenas, que tal coisa seria muito difícil de acontecer, em vista
da oposição que provocaria? O século vinte obviamente não é e nem pode ser o
século catorze; mas se a “Idade Média”, neste contexto, for tratada simplesmente
como uma frase pitoresca, que denota uma teoria educacional particular, então
parece não haver a priori, nenhuma razão porque não devêssemos “voltar” a isso
– com alterações. Por exemplo, já “voltamos” com alterações, para à ideia de
apresentar peças de Shakespeare da forma como ele as escreveu, e não nas
versões “modernizadas” de Cibber e Garrick, que já estrelaram como “última
geração” do progresso teatral.

Vamos nos divertir um pouco, imaginando que tal regresso progressivo fosse Comentado [TC11]: Em sua obra “O Cristianismo Puro e
Simples” (1944), C. S. Lewis concorda com a autora ao
possível. Expurguemos completamente todas as autoridades educacionais da afirmar: “Todos nós queremos o progresso. Progredir,
porém, é aproximarmo-nos do lugar aonde queremos
história, e mentalizemos uma bela escolinha de meninos e meninas, onde chegar. Se você tomou o caminho errado, não vai chegar
pudéssemos equipá-las para o embate intelectual, ao longo de leituras mais perto do objetivo se seguir em frente. Para quem está
na estrada errada, progredir é dar meia-volta e retornar à
selecionadas a dedo. Nós os dotaríamos de pais excepcionalmente dóceis; direção correta; nesse caso, a pessoa que der meia-volta
mais cedo será a mais avançada.”
recrutaríamos para a equipe da nossa escola professores e mestres
perfeitamente familiarizados com os métodos e com o objetivo do Trivium. Nossa
escola teria instalações físicas tais, que possibilitassem turmas pequenas o
bastante para quem gozem da atenção apropriada; e exigiremos uma Banca de
Examinadores desejosos e qualificados para testar os produtos que lhes
apresentarmos. Assim, preparados, tentaremos delinear um programa –
um Trivium moderno, “com alterações”, e vejamos no que vai dar.

Mas calma lá: que idade as crianças deveriam ter? Bem, escolhermos leituras tipo
“novela” dos tempos modernos, era melhor que eles não tivessem nada
para desaprender; além do mais, nunca é tarde para começar algo bom, e
o Trivium, por sua natureza não é um aprendizado, mas uma preparação para o
aprendizado. A ordem, então, é: “fisgá-los ainda crianças”, exigindo de nossos
pupilos nada mais do que a capacidade de ler, de escrever e contar.

Admito que minhas ideias sobre a psicologia infantil não são nem ortodoxas,
nem iluminadas. Olhando para o meu próprio passado (uma vez que eu mesma
sou a criança que melhor conheço e a única, que eu posso pretender conhecer
por dentro), consigo vislumbrar três estágios de desenvolvimento. Designarei os
mesmos, de forma bastante rudimentar, de ‘Papagaio’, ‘Arrogante’ e ‘Poético’ –
este último coincidindo, aproximadamente, com a fase da puberdade. O estágio
‘Papagaio’ é aquele em que o decorar fica mais fácil e, de uma maneira geral,
mais prazeroso; enquanto que o raciocínio é ainda difícil e, de uma maneira geral,
pouco prazeroso. Nessa idade, memorizamos com facilidade as formas e as
aparências das coisas; gostamos de recitar os números das placas de carros;
divertimo-nos com rimas e ruídos guturais de polissílabos ininteligíveis;
apreciamos o simples acúmulo de coisas, enquanto o raciocínio é penoso e
pouco apreciado.

A idade do ‘Arrogante’, que se segue (e, naturalmente, sobrepõe-se por algum


tempo ao anterior), caracteriza-se pelo gosto pela contradição, por revidar os
outros, e “descobrir defeitos neles” (especialmente nos “mais velhos”); além de
propor charadas. Seu poder de irritação é extremamente alto. Em geral esse
potencial se ameniza no nível escolar médio.

O estágio ‘Poético’ é popularmente conhecido como a idade “difícil”. Nele o


indivíduo se torna introvertido, tem forte necessidade de se expressar; torna-se,
de certa forma, especialista em figurar como o incompreendido; é incansável e
procura sempre alcançar independência; e, se tiver sorte e um bom
encaminhamento, deve dar os primeiros sinais de criatividade. Trata-se de uma
fase de busca por uma síntese do que já se sabe, e uma ânsia deliberada de
conhecer o mundo e fazer alguma coisa para torná-lo melhor, em detrimento de
tudo mais.

Agora, parece-me que o esquema do Trivium se encaixa de forma singular a


estas três idades: a Gramática, para a idade do ‘Papagaio’; a Dialética, para a idade
‘Arrogante’ e a Retórica para a idade ‘Poética’.

O ESTÁGIO DA GRAMÁTICA Comentado [TC12]: RESUMO do Estágio da Gramática:


“papagaio”, capacidade de observação e memória aguçadas.
Enfoque na memorização e recitação prazerosas.
Vamos começar, então, pela Gramática. Na prática, estamos nos referindo à CURRÍCULO – Linguagem: ensinar o latim o mais cedo
gramática de uma língua específica; mas precisa ser um idioma que tenha possível, apresentar literatura clássica na língua materna e
exercitar a recitação em voz alta; História: datas, eventos,
declinações. A estrutura gramatical de um idioma sem declinações é analítica anedotas e personalidades; Geografia: mapas,
características naturais, e apresentação visual dos costumes,
demais para ser tratada por alguém desprovido uma prática prévia em trajes, flora, fauna, e assim por diante; Ciências:
Dialética. Sem falar que as línguas com declinações traduzem bem aquelas sem classificações – a identificação e nomeação de espécies e
filosofia natural; Matemática: tabuada, reconhecimento de
declinações, enquanto que as que não têm declinações, são de pouco proveito formas geométricas e conjuntos de números; Teologia:
panorama da história de Deus e o Mundo.
para a tradução daquelas que têm. Direi logo de uma vez, e com firmeza, que não
há melhor fundamento para a educação, do que a gramática latina. Digo isso,
não porque o Latim seja tradicional e medieval, mas simplesmente porque até o
conhecimento de rudimentos do Latim pode reduzir ao menos pela metade o
trabalho e as dores da aprendizagem de quase qualquer outra coisa. Ele é a chave
para o vocabulário e para a estrutura de todos os idiomas teutônicos, bem como,
para o vocabulário técnico de todas as ciências, sem falar da literatura de toda
civilização mediterrânea, incluindo todos os seus documentos históricos.

Aqueles cuja preferência pedante por uma linguagem viva os persuade a privar
seus alunos de todas essas vantagens, poderão substituí-lo pelo Russo, cuja
gramática é ainda mais primitiva do que a do Latim. É claro que o Russo é útil
para o aprendizado dos demais dialetos Eslavos. Mas há algo a ser dito também
em favor do Grego Clássico. No entanto, dou preferência ao Latim. Depois de ter
satisfeito aos classicistas entre vocês, passarei agora a horrorizá-los,
acrescentando que não considero sábio ou necessário amarrar o pupilo comum,
o aluno médio, ao “tronco da era da Casa Grande e Senzala”, com suas formas de
verso e oratória tão artificiais e elaboradas. O Latim Pós-Clássico e medieval, que
se manteve língua viva até fins da Renascença, é mais fácil e, sob alguns aspectos,
mais vivo; seu estudo ajuda a dissolver a noção muito disseminada, de que a
prática do estudo e a literatura tiveram um fim abrupto por ocasião do
nascimento de Cristo e somente foram reanimados quando da invasão dos
Mosteiros.

Deve-se ensinar o latim o mais cedo possível – num estágio em que a língua
dotada de declinações parece não espantar mais, do que qualquer outro
fenômeno em um mundo que causa constante espanto; e em que cantarolar
“Amo, amas, amat” é tão ritualisticamente encantador para os sentimentos,
quanto cantarolar “Eu amo, tu amas, ele ama…”.

Nessa idade, é claro que é preciso exercitar a mente para outras coisas, além da
gramática latina. A capacidade de observação e a memória são as faculdades
mais vivas naquele estágio; e se quisermos aprender alguma língua estrangeira
contemporânea, devemos começar logo, antes que os músculos faciais e
mentais se tornem rebelde demais a sons estranhos. O Francês ou o Alemão
falados, podem ser praticados lado a lado com a disciplina gramatical do Latim.

Enquanto isso, o inglês em prosa e verso, poderá ser ‘decorado’ e a memória do


aluno deverá ser alimentada com um bom estoque de estórias de todos os
gêneros – mitos clássicos, lendas europeias, e assim por diante. Não acredito que
as estórias clássicas e obras primas da literatura antiga devessem ser as cobaias
da prática de técnicas gramaticais – essa foi um dos equívocos da educação
medieval, que não necessitamos perpetuar. As estórias devem ser apreciadas e
relembradas em inglês, associadas às suas origens, num estágio subsequente. A
recitação em voz alta deve ser praticada, individualmente ou em grupo; pois não
podemos esquecer que estamos lançando os alicerces para o desenvolvimento
do senso crítico e da Retórica.

A gramática da História deve, penso eu, consistir em datas, eventos, anedotas,


e personalidades. Ter um conjunto de datas à disposição, nas quais fixar todo
conhecimento histórico posterior. é de enorme ajuda mais para frente, para o
estabelecimento da perspectiva histórica. Não importa muito quais sejam essas
datas: a dos Reis da Inglaterra servirá, desde que seja acompanhada de
imagens que retratam o vestuário, da arquitetura e outras figuras do cotidiano
da época, de forma que a simples menção de uma data remeta a uma
apresentação visual bem marcante de todo o período.

A Geografia, semelhantemente deverá ser apresentada em seu aspecto relativo


aos fatos, com mapas, características naturais, e apresentação visual dos
costumes, trajes, flora, fauna, e assim por diante; e tenho para mim que a velha e
suspeita memorização de um par de cidades, rios, cordilheiras, etc., não faz mal
a ninguém. E por que não também encorajar o hábito de coleção de selos?

No período do ‘Papagaio’, a Ciência se organiza de maneira mais fácil e natural


em torno de classificações – a identificação e nomeação de espécies e, de uma
maneira geral, o tipo de coisa que se costuma chamar de “filosofia natural”.
Conhecer o nome e propriedades das coisas nesse estágio, representa uma
satisfação em si: ser capaz de identificar um besouro à primeira vista no jardim e
de garantir aos mais velhos ignorantes que, apesar de sua aparência, ele não pica;
ser capaz de identificar uma Cassiopéia e a Plêiades, e quem sabe até
saber quem foram Cassiopéia e Plêiades; estar ciente de que uma baleia é
diferente de um peixe, e um morcego é diferente de um pássaro – todas estas
coisas dão uma agradável sensação de superioridade; enquanto saber diferenciar
uma cobra coral de uma víbora comum ou um fungo comestível de um
venenoso é uma espécie de conhecimento que tem também seu valor prático.

A gramática da Matemática começa, é claro, pela tabuada, que, se não for


aprendida já, nunca mais o será de maneira prazerosa; sem falar do
reconhecimento de formas geométricas e conjuntos de números. Esses
exercícios conduzem naturalmente à realização de somas aritméticas simples.
Os processos matemáticos mais complexos poderão e talvez devessem ser
postergados, por razões que apresentaremos agora.
Até aqui (exceto pelo Latim, é claro), nosso currículo não tem nada que se
distancie muito da prática comum [nos países de fala inglesa]. A diferença deverá
ser percebida pela atitude dos professores, que devem encarar todas estas
atividades menos como “conteúdos” em si, e mais como uma série de materiais
que podem ser aproveitados na próxima etapa, o Trivium. Que tipo de materiais
são esses não é tão importante; trata-se antes de tudo e de qualquer coisa que
venha a ser útil armazenar na memória ao longo desse período, seja coisa
imediatamente inteligível ou não. A tendência moderna é tentar impor Comentado [TC13]: Uma das principais dificuldades do
pedagogo moderno com a fase da Gramática é justamente o
explicações racionais à mente da criança, já na mais tenra idade. É claro que enfoque na memorização. A este é preciso enfatizar que não
há que se apressar, mas cada coisa tem o seu tempo devido.
perguntas inteligentes, que surjam de forma espontânea, devem receber Por enquanto, na gramática, deve-se memorizar tudo,
respostas prontas e racionais; mas é um grande erro supor que uma criança não mesmo sem entender tudo. Assim, mais tarde teremos
informações armazenadas no tesouro da memória, que
seja capaz de apreciar e lembrar de coisas que estão além do seu poder de análise poderão ser facilmente acessadas e recuperadas para
posterior análise e compreensão meticulosa, isso, é claro, no
– particularmente se todas aquelas que têm forte apelo imaginativo (como, por tempo devido da lógica.
exemplo, “Kubla Kahn”), uma rima atraente (como algumas das rimas para
memorização do gênero latino), ou uma rica série de polissílabas retumbantes
(como “Quicunque vult”).

Isto me faz lembrar da gramática de Teologia. Devo acrescentá-la ao currículo,


porque a Teologia é a ciência-mestra sem a qual toda a estrutura educacional
ficará necessariamente desprovida de sua síntese final. Quem discorda desse
ponto, terá que contentar-se com uma educação solta, cheia de indefinições para
seus alunos. Isso parece já não ter tanta importância quanto deveria, já que, nos
tempos em que as ferramentas de estudo da educação foram forjadas, o
estudante ainda era capaz de lidar com a Teologia por si mesmo, e
provavelmente insistia nisso, porque fazia sentido para ele. Mas ainda hoje, é bom
termos esse debate à mão e pronto para ser trabalhado pela razão. No estágio
gramatical, portanto, devemos nos familiarizar com um panorama da história
de Deus e o Mundo – isto é, incluindo o Antigo e o Novo Testamento, que seja
apresentado como parte de uma narrativa singular da Criação, Queda,
e Redenção – da mesma forma que o Credo, o Pai Nosso, e os Dez
Mandamentos. Neste estágio inicial, o que importa não é que estas coisas sejam
compreendidas por inteiro, mas que elas sejam conhecidas e lembradas. Comentado [TC14]: RESUMO do Estágio da Lógica ou
Dialética: “arrogante”, capacidade de razão discursiva.
Enfoque na Lógica Formal. Aprender a buscar informação
sozinho e saber como usá-la (referências, confiabilidade,
O ESTÁGIO DA LÓGICA etc.). CURRÍCULO – Linguagem: sintaxe, análise e história da
linguagem, ensaios, debate e crítica, aprender a escrever
bem. Detectar falácias, tendenciosidades, raciocínios
É difícil dizer, com precisão, com que idade deveríamos passar da primeira para descuidados, ambiguidades, irrelevâncias e redundâncias
História e Teologia: análise da história baseada em uma
a segunda etapa do Trivium. De uma maneira geral, a resposta é: assim que o ética derivada da gramática teológica (discussões sobre
aluno se mostrar pronto para ‘arrojadas’ e intermináveis argumentações. Pois, da moral e conduta); Geografia e Ciências: vida cotidiana
oferecerá alimento para a dialética; Matemática: álgebra,
geometria e aritmética.
mesma forma que as faculdades predominantes na primeira parte são
a observação e a memória, na segunda parte, a faculdade predominante é
a razão discursiva. Na primeira, era a Gramática Latina o exercício ao qual todo
o restante do material estava, por assim dizer, atrelado; na segunda, o exercício-
chave será o da Lógica Formal. É aqui que o nosso currículo apresenta sua
primeira divergência acentuada em relação aos padrões modernos. A perda de
reputação da Lógica Formal não tem justificativa; e a negligência com relação a
ela está na raiz de quase todos os sintomas preocupantes que notamos na
constituição da intelectualidade moderna. A Lógica tem sido desacreditada, em
parte, porque passamos a supor que somos quase que totalmente
condicionados pelo inconsciente e pelo intuitivo. Não há tempo aqui para
discutirmos se isso é verdade ou não; minha constatação é que a preparação
apropriada da razão é, com certeza, a melhor forma possível de torná-lo verdade.
Outra causa do estado de desgraça em que a Lógica caiu é a crença de que ela
seja inteiramente baseada em pressuposições universais que costumam ser
ou improváveis ou redundantes. Isto não é verdade. Nem todas as proposições
são desse tipo. Mas mesmo se fossem, não faria diferença, já que cada silogismo
que parte de uma premissa do tipo “Todo ‘A’ é ‘B’” pode ser reapresentado de
forma hipotética. A lógica é a arte da arguição correta: “Se ‘A’, então ‘B’”. O método
não se valida pela natureza hipotética de ‘A’. Na verdade, a utilidade prática da
Lógica Formal hoje não está tanto no estabelecimento de conclusões positivas,
mas antes na detecção imediata e exposição de inferência inválida.

Revisemos agora, rapidamente, nosso material e vejamos o quanto ele está


relacionado com a Dialética. Sob o aspecto da Linguagem, deveremos ter
desenvolvido um vocabulário e morfologia na ponta da língua; daqui para a
frente poderemos então nos concentrar na sintaxe, na análise (por exemplo, na
construção lógica do pronunciamento) e na história da linguagem (por exemplo,
como é que viemos a organizar a nossa língua da forma como o fizemos, a fim de
expressar nossas ideias).

Nossas leituras progredirão da narrativa e do lirismo para ensaios, debate e


crítica; e o aluno aprenderá a aventurar-se em escrever esse tipo de coisa. Muitas
lições – não importa o assunto – terão a forma de debate; e ao invés de recitações,
individuais ou em grupo, haverá apresentações dramáticas, com atenção
especial para peças em que um debate seja apresentado de forma dramática.

A Matemática – a álgebra, a geometria e os mais avançados tipos de aritmética –


entrarão agora no currículo e terão seu lugar pelo que são de fato: não como uma
“matéria” separada, mas com um subdepartamento da Lógica. É nada mais nada
menos do que a regra do silogismo, em sua aplicação particular a números e
medidas; e é assim que deveria ser ensinada, ao invés de representar, para uns,
um grande mistério; e, para outros, revelação especial, nem iluminando, nem
sendo iluminada por qualquer outra parte do conhecimento.

A História, auxiliada por um sistema simples de ética derivado da gramática


teológica, proverá muito material apropriado para discussão: Será que o
comportamento deste estadista teve justificativa? Qual foi o efeito da
promulgação de lei como esta? Quais são os argumentos pró e contra esta ou
aquela forma de governo? Deveremos, assim, obter uma introdução à história
constitucional – um assunto que não tem qualquer significado para crianças
pequenas, mas que é de interesse absorvente para aquelas que foram
preparadas para arguir e debater. A própria Teologia fornecerá alimento para
discussões sobre moral e conduta; e se o seu escopo fosse estendido por um
simples curso de teologia dogmática (por exemplo, a estrutura racional do
pensamento Cristão), esclarecendo as relações entre dogma e ética, e
emprestando-se a si mesma àquela aplicação de princípios éticos em situações
particulares, o que é apropriadamente chamado casuísmo. A Ciência e a
Geografia, semelhantemente, fornecerão material para a Dialética. Mas acima de
tudo, não devemos negligenciar o material que é tão abundante na vida
cotidiana do próprio aluno.

Há uma deliciosa passagem no livro de Leslie Paul intitulado “The Living Hedge”
(A Cerca-Viva), que conta a história de um grupo de garotos, que se divertiu por
dias a fio, discutindo uma pancada de chuva que caíra na sua cidade – uma chuva
tão localizada que molhou só metade da rua principal, deixando a outra seca.
Começaram então a discutir, se era possível alguém afirmar com razão,
que sequer havia chovido na rua, ou de passagem pela rua, ou numa parte da
rua, naquele dia? Quantas gotas de água eram necessárias para se constituir em
pancada de chuva? E por aí afora. O debate sobre esse assunto levou a um sem-
número de situações similares, a respeito do movimento e do repouso; do sono
e da vigília; ‘ser’ ou ‘não ser’, e a divisão infinitesimal do tempo. O trecho todo é
um exemplo admirável do desenvolvimento espontâneo da faculdade de
raciocínio e da sede natural e apropriada pelo despertar da razão, para a definição
de termos e para a exatidão de enunciados. Eventos dessa natureza representam
alimento constante para tal apetite.

A decisão de um juiz numa partida; o grau até onde alguém pode transgredir o
espírito de uma lei, sem ser pego pela letra da lei: em questões como estas, as
crianças são criadoras de caso natas. Sua propensão natural só precisa ser
desenvolvida e treinada – e em especial, trazida até um estado de
relacionamento inteligível com os eventos do mundo adulto. Os jornais estão
repletos de bom material para tais exercícios: decisões legais, por um lado, em
casos onde o motivo em questão não é por demais nebuloso; e por outro, seria
possível citar inúmeros exemplos de raciocínio falacioso e argumentos confusos,
nas colunas de opinião do leitor de certos periódicos.

Onde quer que se ache assunto para a Dialética, é claro que é extremamente
importante chamar a atenção para a beleza e parcimônia de uma excelente
demonstração ou de um argumento bem construído, do contrário, a reverência
acabará sendo completamente extinta. A crítica não deve ser meramente
destrutiva; embora professor e alunos, ambos devam estar prontos ao mesmo
tempo para detectar falácias, tendenciosidades, raciocínios descuidados,
ambiguidades, irrelevâncias e redundâncias; devem caçá-los como a ratos. Quem
sabe este não seja o momento mais apropriado para se propor uma resenha;
junto com exercícios, como o de produção de um ensaio, e um resumo do
mesmo.

Sem dúvida haverá quem levantasse a objeção de que encorajar pessoas jovens
na idade ‘Arrogante’ a encarar, corrigir e discutir com os mais velhos fará com se
que tornem perfeitamente insuportáveis. Minha resposta a isso é que crianças
nessa fase, já são impossíveis de qualquer forma; e que a sua capacidade natural
de argumentação pode ser canalizada para um bom propósito, ou então pode
ser desperdiçada e esvaída como areia entre os dedos. Na verdade, essas coisas
se tornam bem mais suportáveis em casa, se forem disciplinadas na escola; em
todo caso, os mais velhos que abandonaram o salutar princípio de que crianças
devem ser vistas, mas não ouvidas, não podem reclamar de nada.

Digo e repito, nesse estágio não importa o conteúdo programado. Qualquer


“assunto” oferecerá substrato suficiente para o debate; mas ele deve ser visto
como nada mais, do que pasto a ser ruminado pela mente. Os alunos devem ser
encorajados a ir e buscar a sua própria informação; e então, devem ser orientados
para o uso apropriado dos livros de referência e das bibliotecas, e a aprender a
reconhecer quais fontes são confiáveis e de excelência, e quais não.
Comentado [TC15]: RESUMO do Estágio da Retórica:
“poético”, capacidade criativa e imaginação aguçadas.
Enfoque na Livre expressão. Aprender a se expressar no
O ESTÁGIO DA RETÓRICA mundo e cumprir sua vocação para a glória de Deus.
CURRÍCULO – É difícil manter as matérias separadas umas
Ao chegar perto do encerramento do Estágio da Lógica, os alunos provavelmente das outras. Deve-se manter uma instrução em todas as
disciplinas, mas pode-se gradualmente especializar-se um
começarão a descobrir por si mesmos, que o seu conhecimento e a sua pouco mais (escolher uma área de acordo com a sua
vocação) também é agora que decidirá se prossegue a
experiência são insuficientes, e que a sua já versada inteligência necessita de universidade ou não.
muito mais substrato para ruminar. A imaginação – usualmente adormecida
durante a idade ‘Arrogante’ – despertará e os incitará a suspeitar das limitações
da lógica e da razão. Isto significa que estão adentrando a idade ‘Poética’ e que
estão prontos para embarcar no estudo da Retórica. As portas do armazém do
conhecimento devem agora ser-lhes abertas de par em par para entrarem e
fartarem-se o quanto quiserem. Uma vez aprendidas pela repetição as coisas
agora serão vistas em contextos novos; tudo aquilo uma vez analisado friamente,
poderá agora ser reunido numa síntese inteiramente nova; aqui e ali uma
percepção repentina trará à tona a mais arrebatadora de todas as descobertas: a
consciência de que o que parecia verdade é verdade mesmo!

É difícil de mapear qualquer programa geral para o estudo da Retórica: é


necessário certo grau de liberdade. Na literatura é necessário reconquistar o
predomínio da apreciação sobre uma crítica destrutiva; e na escrita, pode-se dar
curso livre à expressão, agora com ajuda de ferramentas afiadas para ser
“podada” de forma limpa e em justa proporção. Qualquer criança que apresente
certa propensão para se especializar deve ter seu desejo realizado: pois quando
o uso das ferramentas tiver sido aprendido da maneira justa e certa, elas estarão
disponíveis para o estudo e aprendizado do que quer que seja. Acredito ser bom,
que cada aluno aprenda a lidar muito bem com ao menos uma, ou duas
disciplinas, desde que tenha algumas aulas extras em matérias subsidiárias, de
forma a manter a sua mente aberta ao inter-relacionamento de todos campos
do conhecimento. De fato, neste estágio, o difícil é manter as “disciplinas”
separadas uma da outra; pois a Dialética terá mostrado serem todas “ramos” do
aprendizado em interação, então a Retórica tenderá a mostrar que o
conhecimento é um só. Essa revelação e o porquê dela é a tarefa mais importante
dessa ciência mestra.

Entretanto, independentemente de a teologia ser ou não estudada, nós


deveríamos insistir que as crianças que aparentam estar inclinadas a se
especializarem no campo científico e matemático sejam obrigadas a ter algumas
lições de disciplinas do campo das ciências humanas, e vice-versa. Também,
neste estágio, a gramática latina, havendo completado seu trabalho, pode ser
posta em segundo plano por aqueles que preferirem continuar seus estudos em
idiomas do mundo moderno; enquanto que àqueles que provavelmente não
venham a ter uma grande serventia ou aptidão para matemática, também lhes
seja permitido, por assim dizer, “descansar as chuteiras”.

De modo geral, qualquer conteúdo que se mostre como “gordura”, pode agora
ser posto em segundo plano, para que a mente passe a ser gradualmente
preparada para a especialização naquelas outras “disciplinas”. Assim, quando
o Trivium estiver completado, ela estará perfeitamente bem equipada para
cuidar de si mesma. A síntese final do Trivium – a apresentação e a defesa pública
de uma monografia – deveria ser de alguma forma resgatada; quem sabe na
forma de uma espécie de “exame final” durante o último semestre escolar.

O escopo da Retórica também vai depender da idade em que o aluno será


“apresentado ao mundo”, se aos 16 anos, ou se ele prosseguirá para a
universidade. Considerando que, na realidade, a Retórica deva ser abordada mais
ou menos aos 14 anos de idade, os alunos da primeira categoria estudariam
a Gramática dos 9 até os 11 anos; e Dialética dos 12 aos 14 anos; assim os seus dois
últimos anos na escola seriam devotados à Retórica. Nesse caso, ela seria
bastante especializada e vocacional, preparando o aluno para o ingresso
imediato em alguma carreira prática. O aluno da segunda categoria terminaria
seu curso em Dialética na escola preparatória, e teria aulas de Retórica nos
primeiros dois anos da escola pública. Aos 16 anos, ele estaria pronto para
começar com aquelas “matérias” que são propostas para preparar o estudo na
universidade: e esta parte da sua educação corresponderia
ao Quadrivium medieval. Isso equivale a dizer que o aluno regular, normal, cuja
educação formal termina aos 16, terá passado somente pelo Trivium; enquanto
que os acadêmicos terão ambos, o Trivium e o Quadrivium.

EM DEFESA DO TRIVIUM

Seria o Trivium, então, uma educação suficiente para a vida? Ensinado de


maneira apropriada, eu creio que não só pode como deve ser. Ao final do estágio
da Dialética, as crianças provavelmente parecerão estar muito atrasadas em
relação aos colegas que foram educados conforme os bons e velhos métodos
“modernos”, pelo menos, no que diz respeito ao conhecimento detalhado de
disciplinas específicas. Mas depois dos 14 anos eles deverão ser capazes de
superar os outros com facilidade. Não estou defendendo que um aluno, que
tenha atingido proficiência completa no Trivium seja capaz de prosseguir
imediatamente para a universidade, aos16 anos de idade, provando assim estar à
altura de seus colegas medievais, cuja precocidade tanto elogiamos no início
desta discussão. Isto, com certeza, jogaria às traças todo sistema de escola
pública britânico, e desconcertaria em muito as universidades. Isto mudaria
muitas coisas como, por exemplo, as competições a remo entre Oxford e
Cambridge.
Mas não estou aqui para me preocupar com os sentimentos dos docentes:
preocupo-me apenas com a preparação mais apropriada da mente, para encarar
e lidar com o volume vertiginoso de problemas indigestos que o mundo
moderno lhe apresenta. Pois as ferramentas de estudo da educação são as
mesmas para todos e para qualquer disciplina; e a pessoa de qualquer idade, que
souber manejá-las, se tornará mestre de uma disciplina nova, na metade do
tempo e com um quarto do esforço despendido pela pessoa que não tem essas
ferramentas sob seu controle. Quem já deu conta de seis matérias, sem
lembrar como foi que as aprendeu, não terá como facilitar a abordagem de uma
sétima. Quem aprendeu e se lembra da arte de aprender faz com que cada nova Comentado [TC16]: O autodidatismo é o resultado natural
de uma boa educação, e não algo excepcional!
matéria, cada novo assunto seja um livro aberto.

Antes de concluir estas sugestões que tiveram que ser bastante esquemáticas,
preciso explicar o motivo porque julgo necessário, nos dias de hoje, voltar a falar
numa disciplina, que tínhamos descartado. A verdade é que passamos os últimos
trezentos anos mais ou menos, vivendo do nosso capital educacional acumulado.
O mundo pós renascentista, confuso e aturdido pela profusão de novas
“conteúdos” que lhe foram sendo oferecidos, afastou-se da velha disciplina (que,
na verdade, tinha se tornado miseravelmente maçante e estereotipada em sua
aplicação prática), imaginando que daqui para frente pudesse brincar com o seu
novo e ampliado Quadrivium, feliz da vida, sem ter passado pelo Trivium. Mas a
tradição escolástica, embora mutilada e distorcida, ainda perdura nas escolas
públicas e universidades: Milton, por mais que tenha protestado contra ela, foi
formado por ela – o debate sobre Anjos Caídos e a disputa de Abdiel com Satã
carregam nelas as marcas das suas respectivas Escolas, e pode, de repente,
figurar positivamente como textos indispensáveis aos nossos estudos Dialéticos.
Até o século dezenove, o debate a respeito da coisa pública; os livros e as revistas
eram liderados ou escritos por pessoas educadas em casas, e treinadas em
lugares, onde aquela tradição ainda estava viva na memória e quase que no
sangue. Tanto, que muitas pessoas de hoje, que se dizem ateus ou agnósticas, no
que tange à religião, conduzem suas vidas de acordo com um código de ética
Cristão, com raízes tão profundas que nunca lhes ocorreu questioná-lo.

Mas ninguém pode viver de capital acumulado para sempre. Por mais sólidas
que sejam as raízes de uma tradição, se ela nunca for regada com água fresca,
ela morre, e morre com firmeza. Hoje em dia um grande número – talvez a
maioria – dos homens e mulheres, formadores de opinião, que escrevem nossos
livros e nossos jornais, que conduzem nossas pesquisas, que atuam em nossas
peças teatrais e nossos filmes, que nos falam das plataformas e dos púlpitos –
sim, e que educam nossos jovens – têm uma lembrança, ainda que vaga, de ter
experimentado a disciplina Escolástica. É cada vez mais raro ver as crianças Comentado [TC17]: Pela disciplina podemos viver de forma
louvável, e ajustarmos os nossos hábitos à verdade. É a
trazendo consigo qualquer traço daquela tradição para a sua formação. disciplina que harmoniza conduta e sabedoria, não é à toa
que Salomão adverte que a disciplina é uma demonstração
Dispensamos as ferramentas de estudo da educação – o machado e a cunha, o de amor (Pv 13:24) e preserva a criança da sepultura
martelo e a serra, o cinzel e a plaina – que eram tão adaptáveis a todo o tipo de (Pv.23.14). Infelizmente, professores e pais negligenciam a
disciplina com a mentalidade de que afastará seus filhos
tarefa. Em seu lugar, restou-nos nada mais do que um conjunto de gabaritos e/ou alunos, ou mesmo que ˜prejudicará a autoestima”.
Entretanto, quando motivada pelo interesse sincero de
complicados, cada qual servindo somente para uma prova apenas e nada mais; restauração ou cura do outro, momentaneamente em
dificuldades, a disciplina produz comunhão porque expressa
nem o olho nem a mão recebem qualquer preparação para seu uso, de modo
a certeza do amor e produz segurança. Ela é um remédio
que ninguém jamais consiga mais enxergar o trabalho como um todo ou para os doentes ou enfraquecidos (Jó 5.17; Pv 3.11). Quando
a disciplina é exercida pela autoridade servil, ela nos prepara
“enxergar a obra acabada”. para disciplinar nossas paixões a obediência de Cristo, e nos
tornamos capacitados pela verdade a amar a Deus em
Que proveito há no empilhar prova sobre tarefa e prolongar os dias de labuta, se integridade

ao final, não se alcança o objetivo principal? Não é culpa dos professores – eles já
trabalham duro demais. A estupidez acumulada por uma civilização que se
esqueceu das suas próprias raízes, está se forçando a escoar o peso de uma
estrutura educacional cambaleante, que está construída sobre a areia. Estão
realizando por seus alunos o trabalho que eles próprios devem fazer por si
mesmos. Porque o único e verdadeiro fim da educação é este: ensinar os
homens como educar-se por si mesmos; e qualquer forma de instrução que
falhe em fazê-lo, será esforço em vão.

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