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Quem é que já não teve a impressão de que os jovens, assim que completado o
período escolar, não apenas se esquecem da maior parte do que aprenderam (o
que já era de se esperar), mas também se esquecem, ou revelam nunca ter
aprendido de fato, como lidar por si mesmos com um conteúdo novo? Você se
incomoda com frequência quando vê homens e mulheres adultos incapazes de
distinguir um bom livro, do ponto de vista acadêmico, e apropriadamente
indexado, de um que, para o bom entendedor, é notório que não chega a tanto?
Ou que não saibam como manusear um catálogo de biblioteca? Ou que, quando
estiverem face a face com um livro de referência, sejam flagrados por uma
curiosa incapacidade de extrair dele os trechos relevantes para o problema que
seja de seu particular interesse?
Quantas vezes você já topou com gente para quem, por toda vida, “uma coisa é
uma coisa, e outra coisa é outra”, separada de todas as demais, como se
estivessem separadas em compartimentos estanques? Tanto, que têm grande
dificuldade de estabelecer conexão mental entre, digamos, álgebra e ficção
policial, entre o saneamento básico e o preço de salmão – ou, de maneira mais
genérica, entre esferas distintas como as do conhecimento filosófico e a
economia, ou a química e as artes?
“O Francês Alfred Epinas, afirmou que certas espécies (por exemplo formigas e
vespas) só são capazes de encarar os horrores da vida em associação com a
morte”. Não sei bem o que o francês quis dizer com isso, mas o que o repórter
inglês diz que ele disse é que é um absurdo flagrante. Não temos como saber, se
a formiga encara a vida com horror ou não, nem, em que sentido se pode dizer
que a vespa que esmaga contra a vidraça “enfrenta” os horrores da morte. O
objeto do artigo me parece ser o comportamento humano nas massas; assim, os
motivos humanos foram transferidos, de forma muito sutil, da proposta inicial,
para o caso, a que deveria dar suporte. Assim, o argumento acaba tomando por
pressuposto, precisamente o que pretendia provar – fato este que se tornaria
logo patente se fosse apresentado num silogismo formal. Este é um reles e
aleatório exemplo de um vício que permeia livros inteiros – em especial livros
escritos por homens da ciência, [que se metem] a escrever sobre temas
metafísicos.
Peço a sua atenção particular para a última sentença, que oferece uma
explicação a que o escritor se refere propriamente quando fala do “fato
angustiante”, de que as habilidades intelectuais a nós conferidas pela nossa
educação, não sejam imediatamente transferíveis para outros campos,
diferentes daqueles, nos quais nós as adquirimos: “ele se lembra
do que aprendeu, mas se esquece por completo de como aprendeu”.
O grande defeito da nossa educação atual – defeito este detectável através de
todos os inquietantes sintomas do problema que mencionei – não é que, embora
nós muitas vezes tenhamos sucesso em ensinar “conteúdos” aos nossos alunos,
falhamos lamentável e inteiramente em ensinar-lhes como pensar; eles
aprendem tudo, menos a arte de aprender. É como se, por mais que tivéssemos
ensinado uma criança tocar “O Ferreiro Harmonioso” ao piano, mas de maneira
exclusivamente mecânica, sem nunca ter-lhe ensinado a escala musical ou a ler
uma partitura. Desse modo, por mais que tivesse memorizado “O Ferreiro
Harmonioso”, ele, no entanto, não teria a mínima noção de como, a partir daí,
encarar outra música como “A Última Rosa do Verão”. Por que eu digo “como
se”? Em certas áreas das artes e dos trabalhos manuais, é precisamente isso que
fazemos – esperamos que uma criança “se expresse” com o pincel, antes mesmo
de ensinar-lhe a lidar com cores e com o pincel. Há uma corrente de pensamento Comentado [TC5]: A autora refere-se ao caráter indutivo
da Educação Moderna, que pressupõe que se pode aprender
que acredita ser esta a maneira mais correta começar os trabalhos. No entanto, qualquer coisa sem instrução, apenas pelo questionamento
independente e formulação de hipóteses do sujeito. Essa
observe bem: não é este o método pelo qual um artista treinado se empenharia perspectiva educacional autonomista foi disseminada na
em descobrir um novo método de pintura. Ele, que aprendeu pela experiência a América do Norte por John Dewey (1859-1952), na Europa
por Jean Piaget (1896-1980) e no Império Russo por Lev
melhor forma de economizar esforços para pegar o jeito da coisa, começará Vygotsky (1896-1934), todos muito estudados nas
faculdades de pedagogia hoje e aclamados como grandes
rabiscando em um material rascunho qualquer, a fim de “aguçar a sensibilidade teóricos da educação. Dorothy Sayers (1893-1957), que pela
primeira vez apresentou esse texto em 1947 em Oxford,
para com a ferramenta”.
demonstra sobriedade apontando para a insensatez de tais
homens. Afinal, além de diametralmente oposta à
cosmovisão cristã, essa filosofia educacional também se
mostrou ineficaz ao longo do tempo e ao redor do mundo,
O PROGRAMA DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL sendo hoje o motivo do “emburrecimento” em massa.
Ao final dessa fase, solicitava-se que ele elaborasse uma monografia sobre algum Comentado [TC7]: Esse caminho de aprendizagem se
assemelha muito ao processo de ensino hebreu que se
tema apresentado por seus mestres ou proposto por ele mesmo, e, em seguida, iniciava pela memorização do pentateuco, o estudo de
outras ciências a partir dele nas sinagogas e/ou nas escolas
submetia a sua tese à crítica da comunidade acadêmica. A essas alturas ele terá de profetas que se seguia nos debates e orativas entre as
que ter aprendido tudo – ou entrará em desespero – não apenas a escrever um escolas de tradução
Que é preciso ter algum tipo de “conteúdo”, ninguém duvida. Não se pode
aprender a teoria da gramática de um idioma sem aprender o próprio idioma, ou
aprender a argumentar e falar em público, sem falar sobre nenhum assunto em
particular. Os temas de debate da Idade Média vinham em grande parte da
teologia, ou da ética e da história da Antiguidade. De fato, muitas vezes, eles se
tornavam jocosos, especialmente perto do final desse período. Os absurdos
aberrantes do argumento escolástico desse período, que tanto enervavam a
Milton, dão, até hoje motivos de chacota e riso. Mas não saberia dizer se esses
temas eram mais tolos e prosaicos do que os temas escolhidos nos dias de hoje
para a escrita “dissertativa”. Atrevo-me a dizer que ficamos um tanto entediados
com propostas de redação do tipo “como foram as minhas férias” e por aí afora.
Mas grande parte desses gracejos é indébita, na medida em que se perdeu de
vista o objetivo e objeto da tese em debate.
A paixão medieval pela discussão do sexo de anjos já foi alvo de muito escárnio,
mas quando olhamos para abuso desavergonhado, tantas vezes praticado por
escrito ou em público ou através de polêmicas provocadas por expressões com
conotação pejorativa e de duplo sentido, sintamos no coração o desejo de ver
cada leitor e cada ouvinte dessa palestra pudesse estar armado de forma tão
defensiva, a ponto de bradar: “Distinguo“.
Pois nós nos damos ao luxo de deixar nossos jovens, rapazes e moças, saírem
desarmados, em tempos em que uma armadura nunca foi tão necessária. Uma Comentado [TC9]: Através da educação o homem
compreende a vida no contexto social, respeitando limites e
vez que ensinamos todos a ler, acabamos deixando-os à mercê da palavra contribuindo ativamente para o bem comum sem excluir-se
em sua individualidade. “A autoridade foi recusada pelos
impressa. Com a invenção do rádio e do cinema, temos a garantia de que adultos, e isso somente pode significar uma coisa: que os
nenhuma aversão à leitura os livrará de um incessante bombardeio de palavras, adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo
mundo ao qual trouxeram as crianças (...) a qualificação do
palavras e mais palavras. Eles não conhecem o significado dessas palavras; eles professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de
instruir os outros acerca deste... sua autoridade se assenta
não sabem manter distância delas, nem desarmá-las, nem repudiá-las; são na responsabilidade que ele assume por este mundo”.
(ARENDT, 1979, p.239). Na perspectiva Cristã essa visão de
verdadeiras “reféns emocionais” das palavras, ao invés de serem os seus mestres,
responsabilidade e autoridade que temos em relação à
pelo uso de suas faculdades mentais. Porque é que nós que, em 1940 nos próxima geração ganha outra dimensão uma vez que
através do ensino podemos conduzi-la a vida ou a morte (Dt
escandalizamos de ver os homens sendo destacados para lutar contra tanques 6.1-7).
armados de metralhadoras, não nos escandalizamos de ver jovens, rapazes e Comentado [TC10]: Essa ilustração de “batalha racional” é
amplamente utilizada nas Escrituras, principalmente por
moças, destacados para o mundo, para lutar contra a propaganda em massa, Paulo. Para citar alguns exemplos, em sua carta aos
Romanos, no capítulo 12 ele fala de um “culto racional” que
com um conhecimento limitado e superficial de “conteúdos”; e quando classes envolve a “renovação da mente”; na Segunda Carta aos
sociais e nações inteiras se deixam hipnotizar pelas artimanhas do encadernador Coríntios, no capítulo 10, Paulo cita também uma “milícia”
que não é humana, mas é “poderosa em Deus, para destruir
de livros de feitiços, nós temos a descaramento de nos espantar. Damos esmolas fortalezas, anular sofismas e toda altivez que se levante
contra o conhecimento de Cristo”, e cujo objetivo é “levar
para a educação para provar que lhe damos importância – através do trabalho cativo todo pensamento à obediência de Cristo”. Podemos
perceber, portanto, que a verdadeira batalha espiritual
voluntário e apenas ocasional, pequenas doações de dinheiro; nós prorrogamos ocorre no campo da razão. Por isso é tão importante educa-
a idade para encerramento dos estudos, e planejamos a construção de escolas la e conduzi-la à obediência de Cristo.
QUE FAZER?
O que, então, fazer? Não podemos regressar à Idade Média. Este é um lamento
ao qual já nos acostumamos com. Não podemos voltar atrás – será que não
podemos mesmo? Distinguo! Vamos definir cada uma das partes dessa
proposição. Será que a expressão “voltar atrás” significa voltar no tempo, ou voltar
atrás em um erro? A primeira é claramente impossível ‘per se’; a segunda é algo
que pessoas dotadas de sabedoria fazem o tempo todo. Será que a expressão
“não podemos” significa que o nosso comportamento está irreversivelmente
determinado, ou apenas, que tal coisa seria muito difícil de acontecer, em vista
da oposição que provocaria? O século vinte obviamente não é e nem pode ser o
século catorze; mas se a “Idade Média”, neste contexto, for tratada simplesmente
como uma frase pitoresca, que denota uma teoria educacional particular, então
parece não haver a priori, nenhuma razão porque não devêssemos “voltar” a isso
– com alterações. Por exemplo, já “voltamos” com alterações, para à ideia de
apresentar peças de Shakespeare da forma como ele as escreveu, e não nas
versões “modernizadas” de Cibber e Garrick, que já estrelaram como “última
geração” do progresso teatral.
Vamos nos divertir um pouco, imaginando que tal regresso progressivo fosse Comentado [TC11]: Em sua obra “O Cristianismo Puro e
Simples” (1944), C. S. Lewis concorda com a autora ao
possível. Expurguemos completamente todas as autoridades educacionais da afirmar: “Todos nós queremos o progresso. Progredir,
porém, é aproximarmo-nos do lugar aonde queremos
história, e mentalizemos uma bela escolinha de meninos e meninas, onde chegar. Se você tomou o caminho errado, não vai chegar
pudéssemos equipá-las para o embate intelectual, ao longo de leituras mais perto do objetivo se seguir em frente. Para quem está
na estrada errada, progredir é dar meia-volta e retornar à
selecionadas a dedo. Nós os dotaríamos de pais excepcionalmente dóceis; direção correta; nesse caso, a pessoa que der meia-volta
mais cedo será a mais avançada.”
recrutaríamos para a equipe da nossa escola professores e mestres
perfeitamente familiarizados com os métodos e com o objetivo do Trivium. Nossa
escola teria instalações físicas tais, que possibilitassem turmas pequenas o
bastante para quem gozem da atenção apropriada; e exigiremos uma Banca de
Examinadores desejosos e qualificados para testar os produtos que lhes
apresentarmos. Assim, preparados, tentaremos delinear um programa –
um Trivium moderno, “com alterações”, e vejamos no que vai dar.
Mas calma lá: que idade as crianças deveriam ter? Bem, escolhermos leituras tipo
“novela” dos tempos modernos, era melhor que eles não tivessem nada
para desaprender; além do mais, nunca é tarde para começar algo bom, e
o Trivium, por sua natureza não é um aprendizado, mas uma preparação para o
aprendizado. A ordem, então, é: “fisgá-los ainda crianças”, exigindo de nossos
pupilos nada mais do que a capacidade de ler, de escrever e contar.
Admito que minhas ideias sobre a psicologia infantil não são nem ortodoxas,
nem iluminadas. Olhando para o meu próprio passado (uma vez que eu mesma
sou a criança que melhor conheço e a única, que eu posso pretender conhecer
por dentro), consigo vislumbrar três estágios de desenvolvimento. Designarei os
mesmos, de forma bastante rudimentar, de ‘Papagaio’, ‘Arrogante’ e ‘Poético’ –
este último coincidindo, aproximadamente, com a fase da puberdade. O estágio
‘Papagaio’ é aquele em que o decorar fica mais fácil e, de uma maneira geral,
mais prazeroso; enquanto que o raciocínio é ainda difícil e, de uma maneira geral,
pouco prazeroso. Nessa idade, memorizamos com facilidade as formas e as
aparências das coisas; gostamos de recitar os números das placas de carros;
divertimo-nos com rimas e ruídos guturais de polissílabos ininteligíveis;
apreciamos o simples acúmulo de coisas, enquanto o raciocínio é penoso e
pouco apreciado.
Aqueles cuja preferência pedante por uma linguagem viva os persuade a privar
seus alunos de todas essas vantagens, poderão substituí-lo pelo Russo, cuja
gramática é ainda mais primitiva do que a do Latim. É claro que o Russo é útil
para o aprendizado dos demais dialetos Eslavos. Mas há algo a ser dito também
em favor do Grego Clássico. No entanto, dou preferência ao Latim. Depois de ter
satisfeito aos classicistas entre vocês, passarei agora a horrorizá-los,
acrescentando que não considero sábio ou necessário amarrar o pupilo comum,
o aluno médio, ao “tronco da era da Casa Grande e Senzala”, com suas formas de
verso e oratória tão artificiais e elaboradas. O Latim Pós-Clássico e medieval, que
se manteve língua viva até fins da Renascença, é mais fácil e, sob alguns aspectos,
mais vivo; seu estudo ajuda a dissolver a noção muito disseminada, de que a
prática do estudo e a literatura tiveram um fim abrupto por ocasião do
nascimento de Cristo e somente foram reanimados quando da invasão dos
Mosteiros.
Deve-se ensinar o latim o mais cedo possível – num estágio em que a língua
dotada de declinações parece não espantar mais, do que qualquer outro
fenômeno em um mundo que causa constante espanto; e em que cantarolar
“Amo, amas, amat” é tão ritualisticamente encantador para os sentimentos,
quanto cantarolar “Eu amo, tu amas, ele ama…”.
Nessa idade, é claro que é preciso exercitar a mente para outras coisas, além da
gramática latina. A capacidade de observação e a memória são as faculdades
mais vivas naquele estágio; e se quisermos aprender alguma língua estrangeira
contemporânea, devemos começar logo, antes que os músculos faciais e
mentais se tornem rebelde demais a sons estranhos. O Francês ou o Alemão
falados, podem ser praticados lado a lado com a disciplina gramatical do Latim.
Há uma deliciosa passagem no livro de Leslie Paul intitulado “The Living Hedge”
(A Cerca-Viva), que conta a história de um grupo de garotos, que se divertiu por
dias a fio, discutindo uma pancada de chuva que caíra na sua cidade – uma chuva
tão localizada que molhou só metade da rua principal, deixando a outra seca.
Começaram então a discutir, se era possível alguém afirmar com razão,
que sequer havia chovido na rua, ou de passagem pela rua, ou numa parte da
rua, naquele dia? Quantas gotas de água eram necessárias para se constituir em
pancada de chuva? E por aí afora. O debate sobre esse assunto levou a um sem-
número de situações similares, a respeito do movimento e do repouso; do sono
e da vigília; ‘ser’ ou ‘não ser’, e a divisão infinitesimal do tempo. O trecho todo é
um exemplo admirável do desenvolvimento espontâneo da faculdade de
raciocínio e da sede natural e apropriada pelo despertar da razão, para a definição
de termos e para a exatidão de enunciados. Eventos dessa natureza representam
alimento constante para tal apetite.
A decisão de um juiz numa partida; o grau até onde alguém pode transgredir o
espírito de uma lei, sem ser pego pela letra da lei: em questões como estas, as
crianças são criadoras de caso natas. Sua propensão natural só precisa ser
desenvolvida e treinada – e em especial, trazida até um estado de
relacionamento inteligível com os eventos do mundo adulto. Os jornais estão
repletos de bom material para tais exercícios: decisões legais, por um lado, em
casos onde o motivo em questão não é por demais nebuloso; e por outro, seria
possível citar inúmeros exemplos de raciocínio falacioso e argumentos confusos,
nas colunas de opinião do leitor de certos periódicos.
Onde quer que se ache assunto para a Dialética, é claro que é extremamente
importante chamar a atenção para a beleza e parcimônia de uma excelente
demonstração ou de um argumento bem construído, do contrário, a reverência
acabará sendo completamente extinta. A crítica não deve ser meramente
destrutiva; embora professor e alunos, ambos devam estar prontos ao mesmo
tempo para detectar falácias, tendenciosidades, raciocínios descuidados,
ambiguidades, irrelevâncias e redundâncias; devem caçá-los como a ratos. Quem
sabe este não seja o momento mais apropriado para se propor uma resenha;
junto com exercícios, como o de produção de um ensaio, e um resumo do
mesmo.
Sem dúvida haverá quem levantasse a objeção de que encorajar pessoas jovens
na idade ‘Arrogante’ a encarar, corrigir e discutir com os mais velhos fará com se
que tornem perfeitamente insuportáveis. Minha resposta a isso é que crianças
nessa fase, já são impossíveis de qualquer forma; e que a sua capacidade natural
de argumentação pode ser canalizada para um bom propósito, ou então pode
ser desperdiçada e esvaída como areia entre os dedos. Na verdade, essas coisas
se tornam bem mais suportáveis em casa, se forem disciplinadas na escola; em
todo caso, os mais velhos que abandonaram o salutar princípio de que crianças
devem ser vistas, mas não ouvidas, não podem reclamar de nada.
De modo geral, qualquer conteúdo que se mostre como “gordura”, pode agora
ser posto em segundo plano, para que a mente passe a ser gradualmente
preparada para a especialização naquelas outras “disciplinas”. Assim, quando
o Trivium estiver completado, ela estará perfeitamente bem equipada para
cuidar de si mesma. A síntese final do Trivium – a apresentação e a defesa pública
de uma monografia – deveria ser de alguma forma resgatada; quem sabe na
forma de uma espécie de “exame final” durante o último semestre escolar.
EM DEFESA DO TRIVIUM
Antes de concluir estas sugestões que tiveram que ser bastante esquemáticas,
preciso explicar o motivo porque julgo necessário, nos dias de hoje, voltar a falar
numa disciplina, que tínhamos descartado. A verdade é que passamos os últimos
trezentos anos mais ou menos, vivendo do nosso capital educacional acumulado.
O mundo pós renascentista, confuso e aturdido pela profusão de novas
“conteúdos” que lhe foram sendo oferecidos, afastou-se da velha disciplina (que,
na verdade, tinha se tornado miseravelmente maçante e estereotipada em sua
aplicação prática), imaginando que daqui para frente pudesse brincar com o seu
novo e ampliado Quadrivium, feliz da vida, sem ter passado pelo Trivium. Mas a
tradição escolástica, embora mutilada e distorcida, ainda perdura nas escolas
públicas e universidades: Milton, por mais que tenha protestado contra ela, foi
formado por ela – o debate sobre Anjos Caídos e a disputa de Abdiel com Satã
carregam nelas as marcas das suas respectivas Escolas, e pode, de repente,
figurar positivamente como textos indispensáveis aos nossos estudos Dialéticos.
Até o século dezenove, o debate a respeito da coisa pública; os livros e as revistas
eram liderados ou escritos por pessoas educadas em casas, e treinadas em
lugares, onde aquela tradição ainda estava viva na memória e quase que no
sangue. Tanto, que muitas pessoas de hoje, que se dizem ateus ou agnósticas, no
que tange à religião, conduzem suas vidas de acordo com um código de ética
Cristão, com raízes tão profundas que nunca lhes ocorreu questioná-lo.
Mas ninguém pode viver de capital acumulado para sempre. Por mais sólidas
que sejam as raízes de uma tradição, se ela nunca for regada com água fresca,
ela morre, e morre com firmeza. Hoje em dia um grande número – talvez a
maioria – dos homens e mulheres, formadores de opinião, que escrevem nossos
livros e nossos jornais, que conduzem nossas pesquisas, que atuam em nossas
peças teatrais e nossos filmes, que nos falam das plataformas e dos púlpitos –
sim, e que educam nossos jovens – têm uma lembrança, ainda que vaga, de ter
experimentado a disciplina Escolástica. É cada vez mais raro ver as crianças Comentado [TC17]: Pela disciplina podemos viver de forma
louvável, e ajustarmos os nossos hábitos à verdade. É a
trazendo consigo qualquer traço daquela tradição para a sua formação. disciplina que harmoniza conduta e sabedoria, não é à toa
que Salomão adverte que a disciplina é uma demonstração
Dispensamos as ferramentas de estudo da educação – o machado e a cunha, o de amor (Pv 13:24) e preserva a criança da sepultura
martelo e a serra, o cinzel e a plaina – que eram tão adaptáveis a todo o tipo de (Pv.23.14). Infelizmente, professores e pais negligenciam a
disciplina com a mentalidade de que afastará seus filhos
tarefa. Em seu lugar, restou-nos nada mais do que um conjunto de gabaritos e/ou alunos, ou mesmo que ˜prejudicará a autoestima”.
Entretanto, quando motivada pelo interesse sincero de
complicados, cada qual servindo somente para uma prova apenas e nada mais; restauração ou cura do outro, momentaneamente em
dificuldades, a disciplina produz comunhão porque expressa
nem o olho nem a mão recebem qualquer preparação para seu uso, de modo
a certeza do amor e produz segurança. Ela é um remédio
que ninguém jamais consiga mais enxergar o trabalho como um todo ou para os doentes ou enfraquecidos (Jó 5.17; Pv 3.11). Quando
a disciplina é exercida pela autoridade servil, ela nos prepara
“enxergar a obra acabada”. para disciplinar nossas paixões a obediência de Cristo, e nos
tornamos capacitados pela verdade a amar a Deus em
Que proveito há no empilhar prova sobre tarefa e prolongar os dias de labuta, se integridade
ao final, não se alcança o objetivo principal? Não é culpa dos professores – eles já
trabalham duro demais. A estupidez acumulada por uma civilização que se
esqueceu das suas próprias raízes, está se forçando a escoar o peso de uma
estrutura educacional cambaleante, que está construída sobre a areia. Estão
realizando por seus alunos o trabalho que eles próprios devem fazer por si
mesmos. Porque o único e verdadeiro fim da educação é este: ensinar os
homens como educar-se por si mesmos; e qualquer forma de instrução que
falhe em fazê-lo, será esforço em vão.