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1. Nudler (op. cit.) aponta ainda os seguintes mecanismos: congelamento do real, formalismo: adaptação às
estruturas, detalhismo/compartimentalização/acumulação, crime de lesa-curiosidade, mercantilismo e com-
petição.
o processo de ensino e aprendizagem 39
· da cultura extra-escolar para o currículo formal. As partes - cada uma com sua própria
identidade organizativa, seu próprio aparato
· do currículo formal para o currículo real. teórico e suas próprias revistas - converteram-se
· do currículo real para a aprendizagem efetiva em especialidades cujos produtos são cada vez
menos exportáveis. Afirma ele que as partes
encerram-se em sua própria retórica e isolam-se
7. É preciso levar em conta o perfil dos profes-
em sua paróquiade autoridades.Corre-seo risco
sores. Geralmente também se tem deles uma
de que cada parte se encontre cada vez mais
visão mítica, associando-os ao risco, à aventura,
longe de outras investigações dedicadas à com-
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preensão da condição humana (campo das hu- sencialmente com o significado, sendo uma Psi-
manidades e outras ciências sociais). Isso cologia cultural, isto é, tentar compreender
talvez, segundo Bruner, tenha ocorrido como como os seres humanos interpretam seus atos de
reflexo de uma mudançade paradigma nas ciên- interpretação. Estudo difícil e urgente este em
cias humanas. que devemos ser capazes de compreender o que
No entanto, os grandes temas e interro- o homem pensa de seu mundo, de seus seme-
gações da Psicologia continuam vivos. Os lhantes e de si mesmo.
psicólogos atuais são tributários do passado: Para esse tipo de abordagem convergem
Chomsky reconhece sua dívida com Descartes; as posições de Vigotsky, elaboradas com ante-
Piaget com Kant; Vigotsky com Hegel e Marx. cedência histórica de décadas em relação aos
A "teoria da aprendizagem" construiu-se sobre atuais teóricos. Bruner, ao apresentar em 1961,
a obra de Locke. A revolução cognitiva mais para o público norte-americano a versão em
recente depende do clima filosófico que a su- inglês do livro "Pensamento e Linguagem" de
porta. Nietzsche, Wittgenstein, Saussure, Vigotsky, não percebia que o autor já apontava
Husserl, Cassirer e Foucault são exemplos de para a emergência de um novo paradigma. A
cientistas sociais interessados em questões clás- leitura atenta e rigorosa do prefácio escrito por
sicas que vêm sendo colocadas pela Psicologia. Bruner revela sua admiração pelo autor russo,
Assim, produziu-se uma reação contra o porém incompreensão sobre como articular
estreitamento e o encerramento em si mesmo suas posições científicas com as daquele autor.
que ocorre na Psicologia. A comunidade in- Só na década de 1990 é que Bruner amadurece
telectual mais ampla tende a pouco considerar para alargar sua compreensão sobre o
as revistas de Psicologia, que Ihes parece con- paradigma emergente. Antes de analisar as
terem estudos de pouca importância e deslo- questões básicas presentes no novo paradigma
cados intelectualmente, oferecendo respostas a do qual Vigotsky é indiscutivelmente o repre-
pequenos estudos similares. sentante maior, examinemos a evolução das
No entanto, as grandes questões psi- idéias sobre a psicologia cognitiva no campo do
cológicas estão voltando a ser colocadas, ensino e aprendizagem.
questões sobre a natureza da mente e seus pro-
cessos, questões sobre como construímos os
significados e as realidades, questões sobre a o Cognitivismo e o
formação da mente pela história e pela cultura. Interacionismo
Estas questões, muitas vezes, são investigadas
com mais vigor fora da Psicologia "oficial" e A psicologia cognitiva é interacionista
estão se reformulando com a sutileza e o rigor porque, ao analisar a construção dos processos
necessários para produzir respostas ricas e mentais, reconhece a indispensabilidade de se
fecundas.
considerar o sujeito e o objeto as características
A Psicologia atual tem confusões, deslo- pessoais e o papel da cultura, a construção da
camentos e novas simplificações. Seu objetivo subjetividade em permanente troca com o meio,
principal é a natureza da construção do signifi- principalmente cultural.
cado, sua conformação cultural e o papel essen- Bruner, 17 anos mais jovem que Piaget,
cial que desempenha na ação humana. Deve a
responsável pelo new /ook sobre os estudos
Psicologia, segundo Bruner, preocupar-se es-
sobre a percepção, propôs, na década de 1960,
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talvez a primeira teoria de ensino. Até então Bruner é o criador do conceito de cur-
falava-se de teorias de aprendizagem e a partir rículo em espiral, cujos princípios, dentre ou-
delas se prescrevia o que deveria ser feito para tros, são:
ensinar. Sua idéia básica é a de que a avaliação 1.0 atendimento à estrutura básica da matéria:
do ensino é mais importante que a avaliação da
para isso é necessário selecionar e organizar as
aprendizagem, sendo esta conseqüência idéias fundamentais.
daquela.
É importante pensar uma teoria de ensino 2.atender ao desenvolvimento dos alunos.
porque há uma série de atos (docentes) que
3 .perm itir a solução de problemas e a
constituem o fenômeno chamado ensino, de tal descoberta.
maneira que se pode ter ensino e não se ter
aprendizagem, o que significará que houve
Quanto à estrutura da matéria é preciso
ensino ineficiente, inadequado, incompetente,
conhecê-Ia, o que garante o conhecimento sig-
ineficaz etc.
nificativo e duradouro. Isso permite relacionar
As idéias principais para uma teoria de
o conhecimento a outras situações e observar o
ensino, segundo Bruner (s.d.) são, dentre outras:
amplo relacionamento das coisas. Quanto mais
fundamental (estrutural) for a idéia aprendida,
I.Predisposição para aprender. Existem fatores
maior será a amplitude da aplicação. A volta
que estimulam ou diminuem a tendência a ex- constante, o re-exame das mesmas idéias em
plorar alternativas (condição para a aprendi- profundidade garante a forma de uma espiral.
zagem). Por exemplo, a relação professor-aluno A descoberta e solução de problemas é a
nunca é indiferente quanto a seus efeitos sobre característica do currículo em espiral. A
a aprendizagem. Inúmeras pesquisas já apon- descoberta é decorrência de um currículo que
taram a força do elogio (condizente com uma permita a aquisição de idéias gerais ou funda-
postura democrática do professor), o papellimi- mentais. Quando o aluno consegue captar o
tado da censura (ligado a posturas autoritárias)
significado de uma idéia geral, adquire o poder
e a nula eficácia da indiferença, associada a de descobrir outras coisas.
professores de tipo laissez jaire. David Ausubel, cognitivistanorte-ameri-
2.Estrutura do conhecimento. Trata-se de um cano, em um livro de 625 páginas sobre a Psi-
conjunto reduzido de princípios ajudando a cologia da educação (1980), assim resume sua
compreender o que é relevante. posição:
"Se eu tivesse que reduzir toda a Psicolo-
3.A seqüência ótima. É preciso buscar seqüên- gia educacional a um único princípio, diria isto:
cias de aprendizagens que otimizem os ob- o fator isolado mais importante que influencia a
jetivos, explorando estratégias que aumentem a aprendizagem é aquilo que o aluno já conhece.
possibilidade de o conhecimento ser convertido Descubra o que elejá sabe e baseie nisso os seus
em estruturas conceituais e que levem o aluno a ensinamentos".
transferir o conhecimento para novas situações. Os conceitosbásicos que apresenta sãú os
4."Encorajamento". Prever recompensas para de aprendizagem significativa (aprender o que
otimizar o andamento do processo. é incorporável à estrutura cognitiva própria) e
de aprendizagem mecânica (aquilo que não é
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incorporável e que será esquecido porque não se Apenas para tocar de leve na rica e im-
articulou com o existente na estrutura prévia). portante problemática sobre a dimensão do de-
Geralmente se discute sobre processos sejo na vida do estudante cito uma reflexão de
mentais, sobre seu desenvolvimento e for- Kupfer (1989) em seu livro Freud e a educação:
talecimento mas na prática de sala de aula não "A abertura de oportunidades de relações
são observadas atividades que estejam levando autênticas, humanizadoras, não depende
à consecução de tais objetivos. O exame da somente de métodos pedagógicos sofisticados,
taxonomia simplificada de Bloom, Hastings e da denúncia das ideologias embutidas nos con-
Madaus (1975) é útil para entender a afirmação. teúdos escolares, da grita por instituições mais
A taxonomia tem 6 itens hierarquicamente dis- livres e menos arcaicas.[...] Ao professor,
postos, partindo do trabalho mais elementar e guiado por seu desejo, cabe o esforço imenso de
chegando ao ápice de se ter o trabalho inde- organizar, articular, tomar lógico seu campo de
pendente e autônomo do aluno. São eles: conhecimento e transmiti-Io a seus alunos. Ao
aluno cabe a apropriação dos elementos que se
1. Conhecimento de terminologia
engancham em seu desejo, que fazem sentido
2. Conhecimento de fatos específicos
para ele. Se o professor souber aceitar isso (sem
3. Conhecimento de regras e princípios
renunciar às suas próprias certezas, já que é
4. Habilidade de efetuar processos e procedi-
nelas que se encontra seu desejo) estará con-
mentos
tribuindo para uma relação de aprendizagem
5. Habilidade de efetuar tradução
autêntica" .
6. Habilidade de efetuar aplicação
Como apontou Alves (1991 e 1992), a
Analisando-se as atividadescorrentes em tarefa primordial do professor é seduzir o aluno
nossas salas de aula, pode-se observar que a para que ele deseje e desejando, aprenda. É
maior parte delas desenvolve, na melhor preciso levar a explorar o não-saber com as asas
hipótese, a aquisição de conhecimentos e que do pensamento, criar pessoas que se atrevam a
poucas são conseqüentes para o desen- sair das trilhas aprendidas, com coragem de
volvimento de processos mentais, não obstante explorar novos caminhos. Ensinar a caminhar
tais objetivos constem da maioria dos planos. com passos firmes mas também a saltar sobre o
O sistema escolar, de modo geral, tem se vazio, a aprender o fascínio do ousar. Não ter
preocupado quando muito com o desen- medo da queda pois a ciência construiu-se pela
volvimento da dimensão intelectual. No en- ousadia dos que sonham e não pela prudência
tanto, o aluno é uma personalidade complexa, dos que marcham. Rubem Alves afirma que o
com múltiplas dimensões e acredita-se que a conhecimento é a aventura pelo desconhecido
Psicologia do século XXI será uma ciência em em busca da terra sonhada.
que haverá uma confluência e interseção dos Mas para ensinar nessa linha há que haver
estudos sobre as dimensões afetivas e intelec- competência, profundo conhecimento do fun-
tuais. Na situação da sala de aula, cadapalavra cionamento da mente humana. Na linha do que
repercute diferentemente no psiquismo de cada vimos discutindo, considero relevante a apre-
ser subjetivo, dependente da história pessoal sentação dos pontos principais da teoria de Jean
incluindo-se aí toda a experiência consciente e Piaget, o autor que mais profundamente estudou
inconsciente nas dimensões emocionais, afeti- a evolução da inteligência humana, tendo fun-
vas, fisicas, culturais, sociais e políticas. dado uma epistemologia genética.
o processo de ensino e aprendizagem 43
indivíduo ao mesmo tempo em que incorpora avaliação no contexto de uma turma, um ano,
formas maduras de atividade de sua cultura: um horário.
individualiza-se e socializa-se.
Vigotsky também fala da lei da dupla
formação dos processos superiores, mostrando Concluindo ou sobre o
ou
que toda função aparece duas vezes: ]0) entre horizonte para a prática pessoal
pessoas; 2°) no interior da própria pessoa.
A gênese do conhecimento é social. A Vivemos um tempo extremamente con-
presença do outro é constitutiva do conhe- turbado e complexo. Vivemos num contexto de
cimento. O outro está na gênese do co- exclusão social cada vez mais acentuada. Tra-
nhecimento. Assim, a relação entre sujeito e balhamos com educação, geralmente dentro de
objeto é socialmente mediada. Todas as funções instituições escolares, onde sentimos a cada mo-
têm origem nas relações entre as pessoas. mento os efeitos de uma situação macro-estru-
tural que é perversa para as maiorias sociais.
Lutamos, buscamos um projeto educacional que
A prática pessoal se consolide na sala de aula, na relação com os
estudantes. Vivemos um tempo em que pre-
O verdadeiro objetivo da formação do- domina um discurso chamado por Paulo Freire
cente, principalmente da formação contínua, é (1994) de "pós-modernamente reacionário".
dar aos profissionais uma identidade, um pro- Nesse contexto, é preciso ter clareza de
jeto, meios para encontrar prazer profissional que o sonho socialista não acabou, exatamente
numa prática exigente (Perrenoud, 1993). Todas porque estão aí a miséria, a injustiça e a
essas idéias que acabamos de apresentar repre- opressão. É preciso viver a história como possi-
sentam princípios de teorias importantes e cor- bilidade, compreendendo que o futuro deve ser
rentes, mas não são suficientes para explicar o construído porque não está dado.
fenômeno de ensino e de aprendizagem. É pre- É preciso compreender o papel histórico
ciso ver o professor como um artesão numa da consciência, o papel da subjetividade na fei-
prática pessoal, integrando as várias con- tura da história, como aponta Freire. A raiz da
tribuições das várias disciplinas. É preciso que democracia está na natureza inalienável da in-
o professor não fique na dependência do espe- dividualidade dos sujeitos.
cialista, que seja um prático-reflexivo, capaz de Homens e mulheres são seres pro-
auto-observação, auto-avaliação e auto-regu- gramados para saber. Não determinados, mas
lação. programados. Por isso somos capazes de pensar
Para fugir de um idealismo ingênuo (pen- sobre a programação e até invertê-Ia, somos
sando práticas ideais e inexeqüíveis) ou um capazes de interferir na programação de que
realismo conservador (práticas efetivas e insa- resultamos. Nossa vocação é a de saber o mundo
tisfatórias), Perrenoud propõe um realismo ino- através da linguagem que fomos capazes de
vador (procurando encontrar equilíbrio entre o inventar socialmente.
existente e o que se quer implantar). É preciso Como mostrou Paulo Freire, o saber fun-
romper com a imagem simplista da ação. Ensi- damental continua a ser a capacidade de desve-
nar é fabricar artesanalmente os saberes, tor- lar a razão de ser do mundo e esse é um saber
nando-os ensináveis, exercitáveis e passíveis de que não é superior nem inferior aos outros, é um
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saber que desoculta, ao lado da necessária for- GUSDORF, G. Professores para quê? São Paulo:
Martins Fontes, 1987.
maçãotecnológica. "Se sou cozinheiro,se quero
ser um bom cozinheiro, preciso conhecer muito KUPFER, M.C. Freud e a educação. São Paulo:
bem as modernas técnicas da arte de cozinhar Scipione, 1989.
mas preciso saber sobretudo, para quem co- NUDLER, T.B. La educación y 10s mecanismos
zinho, por que cozinho, em que sociedade cozi- ocultos de Ia aIienación.In: ILLICH, Ivan et aI.
Crisis en Iadidáctica. Buenos Aires: Axis, 1975.
nho, contra quem cozinho, a favor de quem
cozinho". PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão
Este é o saber político que deve ser criado docente eformação. Lisboa:Dom Quixote, 1993.
e construído para que a pós-modernidade de- PIAGET, J. Piaget por Piaget. Texto relativo a filme
mocrática e progressista se instale contra a força gravado pelo autor, 1977 (divulgação restrita).
da pós-modernidade corrente que é reacionária. SHAKESPEARE,W. Romeu e Julieta. In: MANA-
CORDA, M. História da educação. São Paulo:
Cortez,1989.
VIGOTSKY, LS. Pensamento e linguagem. São
Paulo: Martins Fontes, 1989.
Referências Bibliográficas