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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

Mestrado em Educação

ANÁLISE DO QUOTIDIANO ESCOLAR

Discentes:
Alice Kufa
Almeida Tomás
Cremilda Lima
Mendes Paruque
Nilza Ussaca

Maputo
Março, 2023
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Mestrado em Educação

ANÁLISE DO QUOTIDIANO ESCOLAR

Trabalho pesquisa a ser apresentado à Faculdade de


Educação, curso de Mestrado em Educação, na
disciplina de Teorias Socieológicas e Educação, como
requisito parcial de avaliação.

O Docentes:
Discentes
Alice Kufa
Almeida Tomás
Cremilda Lima
Mendes Paruque
Nilza Ussaca

Maputo
Março, 2022
ÍNDICE

Introdução.....................................................................................................................1
1. O desinteresse dos alunos no quotidiano escolar......................................................2
1.1. Quotidiano escolar e educação multicultural.........................................................5
1.2. Quotidiano escolar e a educação multicultural segundo Banks.............................7
1.3. Quotidiano escolar como estratégia na transformação curricular..........................8
1.4. A motivação e o quotidiano escolar.......................................................................9
1.5. Motivação no quotidiano escolar.........................................................................10
1.6. Quotidiano escolar como espaço de socialização e sociabilidade.......................11
1.7. O quotidiano escolar: uma análise sócio-cultural................................................13
Conclusão...................................................................................................................15
Referências Bibliográficas..........................................................................................17
1

Introdução
O quotidiano escolar pode ser entendido como um espaço complexo de interações,
com demarcação de identidades e estilos, sendo assim, esses sujeitos tendem a
transformar os espaços físicos em espaços sociais e culturais. Por isso, quando se fala de
quotidiano escolar, fala-se de uma complexa construção do indivíduo (aluno) na esteira
política, económica e cultural.
A escola é o espaço de socialização e sociabilidade entre jovens e adolescentes,
com múltiplas realidades e pensamentos diferentes, onde participam grupos distintos.
Investigar o cotidiano escolar consiste em buscar os significados atribuídos pelos
sujeitos participantes desse ambiente aos movimentos de interação encontrados dentro
da escola, como eles vêm esse espaço, quais as perspectivas e angústias trazidas para
dentro da instituição, como esse espaço é utilizado, não apenas como lugar de aquisição
de conhecimento, relação essa dada entre professor e aluno dentro da sala de aula, mas
também os outros espaços fora da sala de aula.
Tratando-se de um tema pouco explorado em Moçambique e com raridade
bibliográfica, este trabalho procura discutir a questão do quotidiano escolar virado para
moçambique numa perspectiva crítica; ou seja, ao se ler este trabalho encontram-se
questionamentos e propostas do que não está a acontecer e que devia acontecer no
quotidiano escolar moçambicano.
Aproveitamos as liçoes de alguns teóricos como Rancière (2005) e Banks (1997).
O primeiro, faz uma forte crítica sobre o currículo ao questionar “porque os alunos têm
desinteresse pela escola?” Na sua linha de defesa, procura descrever como os
professores ensinam e se os alunos aprendem o que são ensinados. Se não, porquê?
Enquanto o segundo teórico, Banks, propõe um modelo próprio de educação
multicultural para ser um referente no dia-a-dia das salas de aula, baseado em cinco
dimensões interligadas: Integração de conteúdo, processo de construção do
conhecimento, pedagogia da equidade, redução do preconceito, uma cultura escolar e
estrutura social que reforcem o empoderamento de diferentes grupos.
Mas o autor lamenta pelo facto de o que devia ser visto como um conceito
complexo, nas escolas é dado uma visão reducionista, ou seja, para as escolas, basta
apenas falar da inclusão de contribuições de diferentes grupos étnicos no currículo, ou a
redução do preconceito ou a celebração de festas relacionadas às diferentes culturas;
esta visão é também do domínio político.
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1. O desinteresse dos alunos no quotidiano escolar


O quotidiano escolar é carregado de sentidos, pensamentos, acontecimentos e
factos que nos tocam, ou não, dependendo do nosso grau de sensibilidade ou de
disponibilidade para viver e sentir o que ocorre em nossa volta. Um sentimento do qual
muito se fala e ouve falar é o desânimo causado pela falta de interesse dos alunos e de
estrutura para o desenvolvimento de um trabalho ideal e pelos baixos salários oferecidos
pelas instituições educacionais. Além disso, parece que educar se tornou um fardo e que
todo o futuro da sociedade na qual estamos inseridos está sob nossa responsabilidade.
Costa (2055, p.1260) nos aponta uma possível causa desse sentimento que tanto nos
causa desconforto:
Com a Revolução Francesa – na qual se consagrou a defesa pela generalização da
instrução pública – e a Revolução Industrial, que defende a educação como missão
civilizadora para formar um “homem ideal”, cresceu a ideia de que era preciso levar ao
“outro” ao caminho da civilização idealizada (Todorov, 1993)
Talvez um dos motivos de sentirmos a nossa prática como um fardo seja este ideal
de formarmos o outro à nossa imagem e semelhança. Santos (2012) questiona esse
pensamento formulando as seguintes perguntas de debate: Mas será que esse ideal é
realmente nosso? Quem determinou que temos essa missão civilizadora? Muitos ainda
usam esse discurso de que temos que formar nossos alunos, como se tivéssemos a
obrigação de dar-lhes uma formação ideal, de mostrar-lhes o caminho certo. Mas será
que alguém sabe qual a formação ideal para cada indivíduo ou o caminho certo a
seguir em cada situação?
As questoes levantadas por Santos apesar de refletirem o espaço Brasileiro, sao
também um reflexo daquilo que é o debate do quotidiano da educação em Moçambique.
Talvez tenha chegado a hora de repensarmos nosso papel como educadores (as),
de nos livrarmos dos fardos. Talvez tenha chegado o momento de reinventarmos nossa
prática, criando novas possibilidades e permitindo aos nossos alunos que descubram
seus próprios caminhos, sem que, para isso, seja necessário formá-los para que sejam
aquilo que nós acreditamos que seria melhor.
Segundo Corazza (2008, p.3), “As coisas, palavras, pensamentos, teorias, práticas
educacionais não existem por si mesmas, não estão fixadas, não são eternas nem
universais.” Podemos mudar, transformar, reinventar, desafiar e recriar o cotidiano
escolar. Desconstruindo o discurso da impossibilidade, do sofrimento, da tristeza, da
falta e reconstruindo nossa prática pedagógica criticamente, podemos reverter essa
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situação de desconforto e nos livrar dos fardos que carregamos há tanto tempo. Mas,
para que algo novo nos aconteça, é necessário que saibamos acolher o novo, que
tenhamos os sentidos aguçados e que deixemos que o desconhecido nos toque, nos
desafie e nos conduza por novos caminhos. A mudança só ocorre se tivermos um
espírito de aventura, de criação e se nos deixarmos tocar pelos sentimentos e
acontecimentos.
Quanto ao currículo considerado como programação pedagógica, muitas vezes,
nos perguntamos: Será que ele deve ser seguido rigorosamente? Ou podemos adaptá-lo
às necessidades, interesses e realidade dos nossos alunos?
Nesse contexto, surgem muitas outras questões para refletirmos, tais como: Temos
que ensinar todo o conteúdo programado? Será que nossos alunos realmente precisam
saber tudo que está previsto no currículo? Faz sentido ou tem algum significado para
eles aprender operações com radicais ou propriedade das potências, por exemplo? E se
não aprenderem, esse conhecimento vai lhes fazer falta?
Ao refletirmos sobre o quotidiano escolar, não poderíamos deixar de pensar sobre
as questões da aprendizagem. E uma dessas questões seria a seguinte: Por que as
crianças, ao ingressarem na escola, perdem a curiosidade e a vontade de aprender que
tinham até então?
Para este caso, Rancière (2005, p. 22) explica que as palavras que a criança
aprende melhor, aquelas em cujo sentido ela penetra mais facilmente, de que se apropria
melhor para seu próprio uso, são as que aprende sem mestre explicador, antes de
qualquer mestre explicador. No rendimento desigual das diversas aprendizagens
intelectuais, o que todos os filhos dos homens aprendem melhor é o que nenhum mestre
lhes pode explicar – a língua materna. Fala-se a eles, e fala-se em torno deles. Eles
escutam e retêm, imitam e repetem, erram e se corrigem, acertam por acaso e
recomeçam por método, e, em idade muito tenra para que os explicadores possam
realizar sua instrução, são capazes, quase todos – qualquer que seja seu sexo, condição
social e cor de pele – de compreender e de falar a língua de seus pais.
Aqui, Rancière levanta um grande debate sobre a realidade do nosso quotidiano
escolar moçambicano em relação as línguas maternas. Em Moçambique, as línguas
maternas ou nacionais sao tratadas com tabú como sinónimo de ruralidade e
primitivismo. De tal sorte que as crianças sao obrigadas a aprender em Língua
Portuguesa, que é uma segunda língua para a maioria dos moçambicanos. Mesmo a
tentativa do ensino belingue, nota-se quase que fracassada porque os pais nao querem
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que os seus filhos aprendam em linguas nativas. Mas segundo o que Rancière nos
mostra, os filhos dos homens aprendem melhor o que nenhum mestre lhes pode explicar
– a língua materna.
Quando se rompe esta trajectória, segundo (Santos, 2012) ao ingressar na escola, a
criança já não aprende aquilo que lhe interessa ou aquilo que lhe é necessário e, sim, o
que os professores acreditam que deve aprender. A aprendizagem deixa de ser algo
natural, espontâneo, e passa a ser imposto. O desafio da descoberta é substituído pelas
lições prontas, ordenadas e sem espaço para questionamentos, dúvidas e novidades.
Tudo agora está pronto e encerrado no livro didático e no saber do professor. A aventura
de descobrir e de aprender se transformou em um fardo para a criança.
Considera-se que, na escola, os professores ensinam e os alunos aprendem. Mas
será que realmente é possível ensinar algo a alguém? Será que os alunos realmente
aprendem? Todos os anos, ao iniciarem as aulas, quando nós, professores, começamos a
tratar de certos assuntos e retomar conteúdos, teoricamente já trabalhados em aula, os
alunos são unânimes em repetir que não estudaram tal assunto nas séries anteriores.
Sabemos que tal conteúdo foi “explicado” pelo professor que nos antecedeu. Por que,
então, os alunos não se lembram de tudo que foi explicado?
Não sabemos se é possível que o professor ensine algo ao seu aluno. Podemos
afirmar, no entanto, que é possível, sim, conduzi-lo ao caminho do aprendizado,
proporcionando-lhe liberdade de pensamento, desafiando-o a 4 questionar e investigar e,
acima de tudo, acreditando na possibilidade de que o outro (aluno) é capaz de aprender
e se tornar autônomo no processo de aprendizagem. Talvez, dessa forma, seja possível
não sufocar a curiosidade própria que a criança apresenta antes do período escolar e
permitir que continue tendo vontade de aprender.
E o que poderíamos dizer sobre os pensamentos, as palavras, as atitudes dos
professores e alunos, que também fazem parte do cotidiano escolar? Através das
palavras e de coisas que parecem sutis, como, por exemplo, um gesto, um olhar,
podemos tocar as pessoas e, de alguma forma, que talvez nem possamos explicar,
podemos ser agentes de alguma transformação, de alguma produção de sentido,
sentimento ou reflexão.
Segundo Larrosa (2001, p. 19-20), “as palavras produzem sentido, criam
realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação.” O
comportamento apresentado por inúmeros alunos, com os quais convivemos
diariamente, reflete o quanto a afirmação acima é verdadeira. Muitos deles não
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acreditam que têm capacidade de aprender. Mas o que terá levado esses alunos a
desenvolver essa crença? Teria sido o poder da palavra? As palavras proferidas por pais
e professores a respeito da capacidade que o aluno tem de aprender podem, sim,
influenciá-los no desenvolvimento de seu aprendizado. No entanto, é preciso crer não só
na palavra, mas também nos gestos, olhares, silêncios e atitudes.
Nas práticas educativas Conhecemos hoje muitas teorias do aprendizado, mas
precisamos aprender a desafiar nosso aluno a criar algo novo ou recriar, através de
investigação, um conhecimento já estabelecido, ou a desconfiar do mesmo. Dificilmente
há espaço para o questionamento, para a busca do novo ou para a criação de novas
formas de pensar, aprender ou viver. Por que, na escola, é o professor quem faz as
perguntas? Não deveriam ser os alunos os interessados em perguntar?
O desejo de aprender e ensinar pode nos levar a realizar um trabalho de pesquisa a
partir da nossa prática escolar. A sala de aula é um campo fértil para a investigação,
para a criação e o desenvolvimento de novos saberes, novas formas de conhecimento e
cultura. A prática da pesquisa, no contexto de ensino e aprendizagem, pode transformar
nosso trabalho em algo mais rico e prazeroso.

1.1. Quotidiano escolar e educação multicultural


A questão multicultural nos últimos anos vem adquirindo cada vez maior
abrangência, visibilidade e conflitividade, no âmbito internacional e local. Isso preocupa
muitas sociedades. O debate é intenso nos Estados Unidos e também na Europa. No
entanto, pouco se tem visto em Moçambique um debate intenso sobre o problema das
desigualdades, da exclusão crescente. Não se deve ignorar a questão da
multiculturalidade no quotidiano escolar moçambicano, uma vez este ser um país com
bases multiculturais muito grandes.
Os desiquilibrios económicos entre o campo e as cidades provocam movimentos
de deslocamentos de pessoas a procura de melhores oportunidas. Isto, faz com que seja
inevitável a convivência de culturas e línguas entre alunos, professores e pais
encarregados de educação. Como consequencia, corre-se o risco bastante de eliminação
física do “outro” ou por sua escravização, que também é uma forma violenta de negação
de sua alteridade. Os processos de negação do “outro” também se dão no plano das
representações e no imaginário social.
Com isso, é importante que o debate sobre a multiculturalidade nao páre nas
paredes dos programas de televisão. Os currículos devem repensar disciplinas com o
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propósito de discutir, nas escolas, a temática da pluralidade cultural de Moçambique;


evitando, desta forma, que prevaleçam os vários estereótipos, tanto regionais quanto em
relação a grupos étnicos, sociais e culturais, discriminação racial/étnica.
A escola como instituição está construída tendo por base a afirmação de
conhecimentos e valores considerados universais, uma universalidade muitas vezes
formal que, se aprofundarmos um pouco, termina por estar assentada na cultura
ocidental e européia, consideradas como portadoras da universalidade. A questão
colocada hoje supõe perguntarmo-nos e discutirmos que universalidade é essa, mas, ao
mesmo tempo, não cairmos num relativismo absoluto, reduzindo a questão dos
conhecimentos e valores veiculados pela escola a um determinado universo cultural, o
que nos levaria inclusive a negar a própria possibilidade de construirmos algo juntos,
negociado entre os diferentes.
O quotidiano escolar deve buscar o tema do multiculturalismo ao debate. Como
explica Candau (2002) convém ter sempre presente que o multiculturalismo não nasceu
nas universidades e no âmbito acadêmico em geral. São as lutas dos grupos sociais
discriminados e excluídos de uma cidadania plena, os movimentos sociais,
especialmente os referidos às questões identitárias, que constituem o locus de produção
do multiculturalismo.
Não é possível trabalhar questões relativas ao multiculturalismo sem um diálogo
intenso com os grupos sociais, relação esta que passa por algum tipo de presença nos
diferentes fóruns da sociedade em que os conflitos e embates multiculturais se dão.
Neste sentido, o multiculturalismo não pode ser reduzido a uma temática de produção
acadêmica apenas, é preciso fazer parte do quotidiano escolar, desde o ensino
fundamental.
Na visão de Banks, a educação multicultural é um movimento reformador
destinado a realizar grandes mudanças no sistema educacional. Concebe como a
principal finalidade da educação multicultural favorecer que todos os estudantes
desenvolvam “habilidades, atitudes e connhecimentos necessários para atuar no
contexto da sua própria cultura étnica, no da cultura dominante, assim como para
interagir com outras culturas e situar-se em contextos diferentes dos de sua origem”
(Banks, 1999, p. 2).
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1.2. Quotidiano escolar e a educação multicultural segundo Banks

Banks (1999) propõe um modelo próprio de educação multicultural para ser um


referente no dia-a-dia das salas de aula, baseado em cinco dimensões interligadas, que
assim são explicitadas:
 Integração de conteúdo: lida com as formas pelas quais os professores usam
exemplos e conteúdos provenientes de culturas e grupos variados para ilustrar os
conceitos-chave, os princípios, as generalizações e teorias nas suas disciplinas
ou áreas de atuação.

 Processo de construção do conhecimento: propõe formas por meio das quais os


professores ajudam os alunos a entender, investigar e determinar como os
pressupostos culturais implícitos, os quadros de referência, as perspectivas e os
vieses dentro de uma disciplina influenciam as formas pelas quais o
conhecimento é construído.

 Pedagogia da equidade: existe quando os professores modificam sua forma de


ensinar de maneira a facilitar o aproveitamento acadêmico dos alunos de
diversos grupos sociais e culturais, o que inclui a utilização de uma variedade de
estilos de ensino, coerentes com a diversidade de estilos de aprendizagem dos
vários grupos étnicos e culturais;

 Redução do preconceito: esta dimensão focaliza atitudes dos alunos em relação


à raça e como elas podem ser modificadas por intermédio de métodos de ensino
e determinados materiais e recursos didáticos.

 Uma cultura escolar e estrutura social que reforcem o empoderamento de


diferentes grupos: promove um processo de reestruturação da cultura e
organização da escola, para que os alunos de diversos grupos étnicos, raciais e
sociais possam experimentar a equidade educacional e o reforço de seu poder na
escola.
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Para Banks & Banks (1997), a educação multicultural deve ser entendida como um
conceito complexo e multidimensional. Afirmam que se costuma focalizar apenas uma
de suas dimensões, reduzindo-a.
Na escola esta visão reducionista se evidencia pelo entendimento do
multiculturalismo como apenas a inclusão de contribuições de diferentes grupos étnicos
no currículo, ou a redução do preconceito ou a celebração de festas relacionadas às
diferentes culturas. Na visão de educação multicultural proposta por Banks, a ênfase não
é no ou, mas sim no e. Assim, cada atividade que pretenda trabalhar a perspectiva
multicultural é importante na medida em que esteja integrada numa proposta ampla, ou
seja, que não se constitua em uma iniciativa isolada.

1.3. Quotidiano escolar como estratégia na transformação curricular


Outro aspecto que esse autor trabalha se relaciona às estratégias utilizadas para se
transformar o currículo na perspectiva da introdução da sensibilidade à diversidade
cultural. Distingue quatro abordagens que podem indicar diferentes níveis de mudança
curricular.
 nível mais elementar é o que enfatiza, sem afetar o currículo formal, as
contribuições das diferentes culturas por meio da introdução no quotidiano
escolar de comemorações, eventos e realização de acontecimentos específicos
relativos às diversas culturas.
 A abordagem aditiva procura penetrar o currículo formal acrescentando
determinados conteúdos em diferentes disciplinas sem afetar a sua estrutura
básica.
 Enfoque transformador, em contraste com o aditivo, reestrutura o currículo em
sua própria lógica de base, de modo a permitir que os estudantes trabalhem
conceitos, temas, fatos etc., provenientes de diferentes tradições culturais e, o
quarto enfoque,
 Da ação social, estende a transformação curricular à possibilidade de
desenvolver projetos e atividades que suponham envolvimento direto e
compromisso com diferentes grupos culturais, favorecendo a relação
teoria/prática no que diz respeito à diversidade cultural.
9

1.4. A motivação e o quotidiano escolar


Muitas vezes o quotidiano escolar torna-se um fardo para os alunos devido as
metodologias utilizadas pelos professores. Cada um de nós já teve aquele momento
durante a sua formação em que um determinado professor irritava a turma toda,
carregando apelidos pejorativos por causa da sua prática pedagógica. Mas também já
houve momentos em que sentimos falta “daquele” professor quando faltasse.
No seu estudo intitulado “A motivação escolar e o cotidiano no ensino
fundamental”, Noelle Menezes Amaral (2005), procurou verificar como os professores
trabalham em sala de aula de modo a motivar o aluno para o processo ensino-
aprendizagem, e entendeu que é preciso desenvolver uma prática que ofereça ao aluno
um quotidiano escolar diversificado; um professor que trabalhe a auto-estima; e que
permita ao aluno buscar a sua própria identidade. Ele deve fazer com que a escola seja
um lugar prazeroso, dando abertura ao aluno de se expressar, trocar experiências e ter o
seu próprio espaço. O ensinar deve transformar-se em incentivar, instigar, provocar e
talvez desafiar.
Para Amaral (2005, p. 9) “A motivação acontece quando o professor permite ao
aluno criticar, questionar e envolver todos na realidade em que vive. Sabe-se que a
sociedade está em profunda mudança e que, com isso, o professor tem que dar conta de
conteúdos novos e de novas motivações para os alunos”.
Provavelmente em nenhuma outra área da actividade pedagógica o professor é tão
inadequado quanto na de motivação. Alguns estudos, como o de Davis (1985),
verificaram que a motivação é o maior problema dos professores de todos os níveis da
escola, além disso, uma visita casual a classe tende a revelar que uma, ou várias crianças
estão apáticas, e fazem os movimentos de participação nas atividades da aula, mas, na
realidade, realizam muito pouco ou nada.
Muitas vezes o professor não compreende o que interessa a criança, não
compreende que talvez o aluno tenha sido levado a formar uma auto-imagem que o leva
a rejeitar tudo que se ligue à escola, ou que o trabalho escolar não está ligado as suas
necessidades e intenções, nem sabe como modificar a situação. Talvez a falta de
competência do professor, nesse campo, decorra de uma superacentuação, durante o
período de preparação do professor.

Para motivar as crianças no trabalho escolar, é necessária uma compreensão completa da


Psicologia e da Educação, de maneira que o material da sala de aula possa ser ligado aos
10

objetivos e as intenções da criança. Dada a complexidade da criança, dadas às


experiências que teve, a auto-imagem que formou e as maneiras satisfatórias para
satisfazer suas necessidades que já - 14 - descobriu, qualquer generalização a respeito
tende a ser uma supersimplificação. (George, p. 259).

As crianças gostam de trabalhar através de desafios, a fim de conseguir maior


competência e, se não foram atingidas severamente por fracassos anteriores, pode-se
confiar nelas para um avanço próprio com um mínimo de estimulação do professor.
Para ser eficiente, o currículo precisa, não apenas ligar-se às necessidades da criança,
mas tornar-se suficientemente dinâmico, de forma a poder enfrentar a competição de
outras atividades que pedem a atenção da criança.

1.5. Motivação no quotidiano escolar

Para os teóricos do condicionamento, a motivação é extrínseca, ou seja, o


comportamento é controlado por estímulos externos. Para os teóricos cognitivistas, a
motivação é intrínseca, isto é, a aprendizagem depende muito mais da vontade de
aprender e de outros motivos internos do que de incentivos externos. Uma outra variável
relacionada à motivação é a qualidade do reforço. O fato de o reforço ser positivo ou
negativo faz com que o aprendiz se aproxime ou se afaste da situação da aprendizagem.

Procedimentos que provocam atitude favorável ao ensino segundo Mager (1986)


-Recompensar todas as tentativas dos alunos para aprender a matéria.
-Evitar comentários desfavoráveis caso as respostas dos alunos não sejam corretas;
-Compreender que o erro pode ser instrutivo e deve ser trabalhado de forma a evitar sua
repetição no futuro;
-Dosar as quantidades de instrução, permitindo que os alunos tenham sucesso na
maioria das tarefas escolares;
-Dar oportunidade para os alunos selecionarem e sequenciarem os assuntos a serem
estudados, para que eles se sintam envolvidos na atividade educativa;
-Relacionar as informações novas com as estudadas e dar exemplos que envolvam as
experiências que foram ou que possam vir a ser vivenciadas pelos alunos;
-Variar as formas de dar aula, usando actividades como materiais concretos e atividades
fora da escola.
-Um outro procedimento que produz fortes reações emocionais é a frustração.
- Frustrar é contradizer gratuitamente, enganar fazer com que um esforço seja inútil.
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-São exemplos de situações que levam a frustração:


-Apresentar informações muito rapidamente, impossibilitando que elas sejam
assimiladas pelos alunos;
-Escrever na lousa com letra pequena demais ou de forma ilegível;
-Ensinar uma coisa e testar outra.
-Todos os casos citados desenvolvem nos alunos uma atitude de raiva ou de desinteresse
com relação à disciplina estudada. Procedimentos que diminuem o autoconceito ou que
expõem o aluno ao ridículo frente à classe também não são recomendados, pois
provocam rebeldia e comportamentos de agressão a escola e ao professor. São exemplos
de procedimentos que diminuem o autoconceito:
-Expor o aluno a repetidos insucessos;
-Fazer comentários negativos sobre o desempenho de um aluno, em voz alta, frente aos
colegas.

Procedimentos que provocam atitude desfavorável ao ensino segundo Mager (1986)


-O tédio é outra predisposição emocional que também pode ser criada por certos
procedimentos empregados pelos professores em sala de aula:
-Apresentar o conteúdo de forma monótona:
-Balançar-se ritmicamente enquanto fala;
-Usar uma linguagem impessoal;
-Ler livros-texto na classe;
-Desenvolver os assuntos em doses tão pequenas que não oferecem nenhum desafio aos
alunos.

Para os teóricos do condicionamento, a motivação em sala de aula depende


exclusivamente de dois factores: como o professor programa o conteúdo e como ele
controla o desempenho dos alunos.

1.6. Quotidiano escolar como espaço de socialização e sociabilidade


A formulação clássica de socialização será dada por Émile Durkheim (1952),
que compreende a educação como meio de socialização, onde educação é o processo
pelo qual aprendemos a ser membros da sociedade, esse aprender a ser membro da
sociedade é o meio de socialização dos indivíduos, concebendo a socialização como
uma das mediações maiores da integração coletiva. Como contraposição para essa
12

definição dada por Émile Durkheim (1952) temos a contribuição do sociólogo George
Simmel (1983), que mostra-se contrário as afirmações do autor quanto a proeminência
do social sobre o individual, segundo ele a sociedade não é composta apenas por
indivíduos, e sim por indivíduos em interação. De acordo com Dayrell (2005),

Na sociologia simmeliana, o conceito de interação é central. O ponto de partida de cada


formação social é dado pelas interações entre pessoa e pessoa, do encontro e das
relações entre os vários átomos da sociedade. A sociedade é interação, aparecendo como
um conjunto de retículos interativos por meio dos quais os indivíduos entram em
comunicação. Simmel compreende a sociabilidade com uma forma, dentre outras
possíveis de sociação. Mas tem uma especificidade que a torna peculiar: apresenta-se
emancipada dos conteúdos, apenas como forma de convivência com o outro e para o
outro [...] No campo da sociabilidade, os indivíduos se satisfazem em estabelecer laços,
e esses laços têm em si mesmos sua razão de ser (Dayrell, 2005, p. 183-184).

O termo sociabilidade, tem muitos significados e algumas controvérsias. Porém


adotaremos a definição clássica dada por George Simmel (1983) em seu trabalho a
respeito da sociabilidade, publicado no livro “Questões Fundamentais da Sociologia” de
1917. Segundo Villas (2009),

Para Simmel, as formas de sociação entre os homens constituem as sociedades, ou seja,


é na interação com o outro que construímos e formamos aquilo que se denomina
sociedade. O autor define algumas características que seriam inerentes a essas relações:
relação desinteressada com fim em si mesma, despersonificação social de quem se
socializa, natureza democrática de uma relação entre iguais (Villas, 2009, p. 23).

Através da definição dada por Simmel (1983) pretendemos compreender em que


medida a escola atua como instância fundamental das redes de sociabilidades dos
jovens, pois o contexto escolar faz parte do processo de socialização e é um espaço de
sociabilidade entre os jovens, onde encontraremos várias relações grupais, apresentadas
como um lugar de encontro nos vários ambientes possíveis dentro da escola, as
interações sociais ocorrem a todo o momento e entre diferentes categorias.
Em suma, a escola é o espaço de socialização e sociabilidade entre jovens e
adolescentes, com múltiplas realidades e pensamentos diferentes, onde participam
grupos distintos. Investigar o cotidiano escolar consiste em buscar os significados
atribuídos pelos sujeitos participantes desse ambiente aos movimentos de interação
encontrados dentro da escola, como eles vêm esse espaço, quais as perspectivas e
angústias trazidas para dentro da instituição, como esse espaço é utilizado, não apenas
como lugar de aquisição de conhecimento, relação essa dada entre professor e aluno
dentro da sala de aula, mas também os outros espaços fora da sala de aula.
13

1.7. O quotidiano escolar: uma análise sócio-cultural


A partir da década de 1980 será desenvolvido um novo eixo de análise da
instituição escolar, segundo Dayrell (1996) esta passa a ser pensada para além de
análises deterministas, onde as macroestruturas pesam na determinação da instituição
escolar. As pessoas dentro dessa perspectiva são tratadas enquanto autores e sujeitos do
mundo, estando no centro do conhecimento. Essas análises irão privilegiar a ação dos
sujeitos, juntamente na sua relação com as estruturas sociais, sendo a instituição escolar
resultado de um confronto de interesses. A escola será entendida como um espaço
sócio-cultural.
Analisar a escola como espaço sócio-cultural significa compreendê-la na ótica da
cultura, sob um olhar mais denso, que leva em conta a dimensão do dinamismo, do
fazer-se cotidiano, levado a efeito por homens e mulheres, trabalhadores e
trabalhadoras, negros e brancos, adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores,
seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na
história. Falar da escola como espaço sociocultural implica, assim, resgatar o papel dos
sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição (DAYRELL, 1996, p. 136)
Dando continuidade no pensamento de Dayrell (1996), para apreendermos a
escola como construção social devemos compreendê-la no seu fazer cotidiano, através
de sua organização oficial enquanto sistema escolar, como a ação de seus sujeitos. A
escola enquanto espaço sociocultural deve ser analisada através dos seus diferentes
aspectos, levando em consideração a diversidade de seus atores e sujeitos, como
também os sentidos e objetivos atribuídos a ela, sendo esses múltiplos. Segundo
Ezpeleta e Rockwell (1986), citado por Dayrell (1996),

A escola, como espaço sócio-cultural, é entendida, portanto, como um espaço social


próprio, ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente, por um conjunto de normas e
regras, que buscam unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos. Cotidianamente, por
uma complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem
alianças e conflitos, imposição de normas e estratégias individuais, ou coletivas, de
transgressão e de acordos. Um processo de apropriação constante dos espaços, das
normas, das práticas e dos saberes que dão forma à vida escolar. Fruto da ação recíproca
entre o sujeito e a instituição, esse processo, como tal, é heterogêneo. Nessa perspectiva,
a realidade escolar aparece mediada, no cotidiano, pela apropriação, elaboração
reelaboração ou repulsa expressas pelos sujeitos sociais (Dayrell, 1996, p.137).

Esse tipo de perspectiva pretende e permite a ampliação da análise educacional,


pois os olhares lançados tanto para a instituição como para alunos e professores serão
diferenciados. Devemos primeiramente entender quem são esses alunos que chegam à
escola, enxergá-los a partir de uma olhar heterogeinizante, pois dentro da escola temos
14

uma enorme diversidade cultural, múltiplos significados atribuídos pelos alunos para a
instituição escolar, diferentes projetos de vida e, não levando em conta essa gama de
possibilidades não estaremos extraindo do cotidiano escolar sua verdadeira essência.

Conclusão
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O quotidiano escolar pode ser entendido como um espaço complexo de interações,


com demarcação de identidades e estilos, sendo assim, esses sujeitos tendem a
transformar os espaços físicos em espaços sociais e culturais. Por isso, quando se fala de
quotidiano escolar, fala-se de uma complexa construção do indivíduo (aluno) na esteira
política, económica e cultural.
O quotidiano escolar deve transformar a escola num espaço de socialização e
sociabilidade entre jovens e adolescentes, com múltiplas realidades e pensamentos
diferentes, onde participam grupos distintos.
Muitas vezes, o quotidiano escolar é caracterizado por um forte desinteresse e
falta de ánimo quer dos alunos quer dos professores por falta da estrutura para o
desenvolvimento de um trabalho ideal e ambos começam a olhar a educação como um
fardo. Os professores querem formar os alunos à sua imagem. Santos (2012) questiona
esse pensamento formulando as seguintes perguntas de debate: Mas será que esse ideal
é realmente nosso? Quem determinou que temos essa missão civilizadora? Mas será
que alguém sabe qual a formação ideal para cada indivíduo ou o caminho certo a
seguir em cada situação?
Essas questões fazem-nos pensar que é preciso reinventarmos nossa prática,
criando novas possibilidades e permitindo aos nossos alunos que descubram seus
próprios caminhos, sem que, para isso, seja necessário formá-los para que sejam aquilo
que nós acreditamos que seria melhor.
Ao falarmos sobre o quotidiano escolar, reflectimos questões da aprendizagem
como por exemplo: Por que as crianças, ao ingressarem na escola, perdem a
curiosidade e a vontade de aprender que tinham até então?
Rancière (2005, p. 22) tenta explicar que as palavras que a criança aprende melhor
e com facilidade, são as que aprende sem mestre explicador, antes de qualquer mestre
explicador - a língua materna. Com as línguas maternas fala-se a elas, e fala-se em torno
delas. Elas escutam e retêm, imitam e repetem, erram e se corrigem, acertam por acaso e
recomeçam por método, e, em idade muito tenra para que os explicadores possam
realizar sua instrução, são capazes, quase todos – qualquer que seja seu sexo, condição
social e cor de pele – de compreender e de falar a língua de seus pais.
Desta feita, Rancière levanta um grande debate sobre a realidade do nosso
quotidiano escolar moçambicano em relação as línguas maternas. Em Moçambique, as
línguas maternas ou nacionais são tratadas com tabú como sinónimo de ruralidade,
tradicionalidade e primitivismo.
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Na questao do quotidiano escolar e educação multicultural concluimos que é um


debate que deve ser privilegiado. Não se deve ignorar a questão da multiculturalidade
no quotidiano escolar moçambicano, uma vez este ser um país com bases multiculturais
muito grandes, pois, corre-se o risco bastante de eliminação física do “outro” ou por sua
escravização, que também é uma forma violenta de negação de sua alteridade. Os
processos de negação do “outro” também se dão no plano das representações e no
imaginário social.
Banks esclarece que é importante encaixar no curriculo conteúdos próprios da
educacao multicultural através de cinco dimensões: Integração de conteúdo, Processo
de construção do conhecimento, Pedagogia da equidade, Redução do preconceito, Uma
cultura escolar e estrutura social que reforcem o empoderamento de diferentes.
Por último, compreendemos que para um quotidiano escolar agradável, é preciso
ter em conta as motivaçoes extrínsecas e intrinsecas que os alunos recebem dos
professores, porque para os teóricos do condicionamento, a motivação em sala de aula
depende exclusivamente de dois factores: como o professor programa o conteúdo e
como ele controla o desempenho dos alunos.

Referências Bibliográficas
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Amaral, N. M. (2005). A motivação escolar e o cotidiano no ensino fundamenta.


Monografia científica apresentada à Faculdade de Ciências de Educação, Brasília.
Banks, J. (1999). An introduction to multicultural education. 2ª ed. Boston: Allyn and
Bacon.
Banks, J.; Banks, C.(1997). Multicultural education: Issues and perspectives. 2ª ed.
Boston: Allyn and Bacon.
Candau, V. M. (2002). Sociedade, cotidiano escolar e cultura (s): uma aproximação. In
Educação & Sociedade, ano XXIII, no 79, Agosto.
Costa, Sylvio de Souza Gadelha (2005). De fardos que podem acompanhar a atividade
docente ou de como o mestre pode devir burro (ou camelo). Educação e
Sociedade, vol.26, nº 93, (Set/Dez), 2005.p.1257-1272.
Durkheim, É.(1952). Educação e sociologia. São Paulo: Melhoramentos.
Rancière, Jacques (2005). Uma aventura intelectual. In: ______. O mestre ignorante:
cinco lições sobre a emancipação intelectual. Trad. Lílian do Vale. 2ª ed. Belo
Horizonte: Autêntica, p p.17-38.
Santos, R. C.(2012). Reflectindo sobre o cotidiano escolar [PDF]. In Revista ÀGORA,
Porto Alegre, Ano 3, jan/jun.
Simmel, G. (1983). Sociologia. Organizador [da coletânea] Evaristo de Moraes Filho.
São Paulo: Ática.

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