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LUDOTERAPIA - Virgínia Mae Axline
Pedidos:
INTERLIVROS DE MINAS GERAIS LTDA.
Caixa Postal, 1843 - Tel. 22-3268
Belo Horizonte - Minas Gerais
Carl R. Rogers
Segunda Edição
TRADUÇÃO
SUPERVISÃO TÉCNICA:
INTERLIVROS DE MINASI.GERAIS
Belo Horizonte - M. G. - 1 9 7 2
FREEDOM TO LEARN - Carl R. Rogers
Albert Einstein
PREFACIO A EDIÇÃO BRASILEIRA
XII
dantil, ao nível do ensino médio e superior - revolta contra todo o
sistema social de valôres, contra a impessoalidade de nossas institui-
ções educacionais, contra. os currículos impostos? Ou o aprendizado
terá de fazer-se fora das "casas de ensino", reservadas estas apenas
aos conformistas? Não sei.
xm
vos. Os membros da direção do WBSI, mencionados no Capítulo 3,
agora estão associados ao CSP, a que nos referiremos na 5.' Parte.
Carl R. Rogers
La Jolla, Cali!orpia
Fevereiro, 1969
XIV
ÍNDICE
PRÓLOGO
Aprendizagem: que espécie? 3
PRIMEIRA PARTE
Liberdade: onde existe ação
Introdução 9
1. Experimentos de uma professôra do sexto ano 11
2. Um professor universitário concede liberdade
dentro de certos limites 29
3. O meu modo de facilitar uma classe 55
SEGUNDA PARTE
TERCEIRA PARTE
Alguns pressupostos
Introdução 147
6. Idéias pessoais sôbre ensino e aprendizagem 149
7. Sôbre a aprendizagem e sua facilitação 153
8. Pressupostos correntes sôbre educação uni-
versitária: uma exposição apaixonada 163
9. Um programa revolucionário para a educação
universitária 181
10. Algumas idéias sôbre administração educa-
cional 195
QUARTA PARTE
QUINTA PARTE
EPÍLOGO~
Mudança educacional auto -dirigida em lação 301
BIBLIOGRAFIA. 319
Prólogo
3
DUAS ESPÉCIES DE APRENDIZAGEM
4
significado, que tem sentido para ela, e tal aprendizagem se processa
em espaço de tempo extremamente curto. Mas se alguém tentar ins-
truí-la na nova língua, baseada essa instrução nos elementos que têm
significado para o professor, a aprendizagem será tremendamente lenta
ou simplesmente não se fará.
Essa ilustração, fundada em fato comum, merece ser bem pon-
derada. Por que é que a criança, deixada a si mesma, aprende ràpida-
mente, de forma que não se esquecerá tão cêdo e por um meio que
tem significado eminentemente prático para ela, quando tudo se pode-
ria deteriorar se fôsse "ensinada" de maneira a só envolver a sua
inteligência? Talvez um exame mais aprofundado nos ajude a res-
ponder.
UMA DEFINIÇÃO
Definamos, com um pouco mais de precisão, os elementos envol-
vidos em tal aprendizagem significativa ou experiencial. Tem ela a
qualidade de um envolvimento pessoal - a pessoa, como um todo,
tanto sob o aspecto sensível quanto sob o aspecto cognitivo, inclue-se
no fato da aprendizagem. Ela é auto-iniciada. Mesmo quando o pri-
meiro impulso ou o estímulo vêm de fora, o senso da descoberta,
do alcançar, do captar e do compreender vem de dentro. É penetran-
te. Suscita modificação no comportamento, nas atitudes, talvez mes-
mo na personalidade do educando. É avaliada pelo educando. :B::ste
sabe se está indo ao encontro das suas necessidades, em direção ao
que quer saber, se a aprendizagem projeta luz sôbre a sombria área
de ignorância da qual tem êle experiência. O locus da avaliação, pode-
se dizer, reside, afinal, no educando. Signific!}r é a sua essência.
Quando se verifica a aprendizagem, o elemento de significação desen-
volve-se, para o educando, dentro da sua experiência como um todo.
O DILEMA
Creio que todos os mestres e educadores preferirão facilitar
êsse tipo de aprendizagem experiencial e dotada de significação, em
vez do outro, o das sílabas sem sentido. Entretanto, na maioria das
nossas escolas, em todos os níveis educacionais, ainda nos temos de
haver com uma via de acesso tradicional e convencional que torna
improvável, se não impossível, a aprendizagem de significação. Quan
do reunimos em um esquema elementos tais como currículo pré-esta-
belecido, "deveres" idênticos para todos os alunos, preleções como
quase único modo de instrução, testes padronizados pelos quais são
avaliados externamente todos os estudantes, e notas dadas pelo pro-
fessor, como modo de medir a aprendizagem, então, quase podemos
garantir que a aprendizagem dotada de significação será reduzida
à sua expressão mais simples.
5
EXISTEM ALTERNATIVAS?
Não é por alguma depravação interior que os educadores se-
guem tal sistema auto-frustrador de ensino. É, quase literalmente, por-
que não conhecem alternativa exequível. Os elementos que eu acabo
de mencionar vieram a ser considerados como a única definição pos-
sível de "educação".
Há, porém, alternativas - métodos alternativos práticos de lidar
com uma classe ou dirigir um curso - tomadas de posição e hipóte-
ses alternativas capazes de dar estrutura à educação - objetivos e
valôres alternativos pelos quais educadores e estudantes podem lutar.
Espero que tais alternativas se tornem bem claras, nos capítulos que
se seguem.
6
Primeira Parte
7
INTRODUC.Ã.O
O «EXPERIMENTO»
Quando, pela primeira vez, deparei com o documento que se
segue, tive a curiosidade de saber dentro de que contexto se desen-
volvera a experiência. Escrevi à senhorita Shiel e fiz-lhe várias per-
guntas. Sua resposta proporcionou-me um quadro daquilo que visava.
5 de março: O comêço
12
Comecei dizendo à turma que ia pôr em execução uma
experiência. Expliquei aos alunos que, durante um dia, eu dei-
xaria que êles fizessem o que bem entendessem - ninguém
precisaria empenhar-se em coisa alguma que não quisesse fazer.
Muitos iniciaram projetos de arte; alguns desenharam ou
pintaram quase o dia inteiro. Outros liam ou trabalhavam em
exercícios de matemática e de outras matérias. Durante todo o
dia, o ambiente ficou excitado; muitos estavam tão interessados
no que faziam, que não quiseram ir ao recreio ou sair para o
almôço.
À tarde, interroguei-os para avaliar a experiência. Os co-
mentários foram interessantíssimos. Alguns mostravam-se "con-
fusos", aflitos porque o professor não lhes dizia o que fazer
nem lhes assinalava tarefas específicas.
A maioria da turma achou que foi um "grande dia", mas
alguns reclamaram contra a algazarra e contra o fato de que
parte dêles "malandraram" o dia inteiro. De modo geral, sen-
tiram que haviam trabalhado mais do que de costume, e fica-
ram satisfeitos por terem sido capazes de executar uma tarefa
até o fim, sem a pressão do tempo limitado. Gostaram de fa-
zer coisas sem serem "forçados" e de decidir sôbre o que fa-
zer. Pediram que continuássemos a experiência, o que ficou
resolvido por ainda dois dias. Depois, reavaliaríamos o projeto.
Na manhã seguinte, levantei a idéia de um "contrato de
trabalho". Dei-lhes folhas datilografadas com a lista de tôdas
as nossas matérias e sugestões sôbre cada uma. Havia um es·
paço em que êles exporiam os seus "planos" e os apreciariam
depois de completos.
Cada criança escreveria o seu contrato por um dia - es-
colhendo as áreas em que pretendesse trabalhar e planejando o
que gostaria, especificamente, de fazer. Terminado algum exer-
cício, treinamento, crítica, etc., tinha de verificar e corrigir o
próprio trabalho, usando o manual do professor. O texto seria
'· guardado numa pasta, junto com o contrato.
Estive com cada um para discutirmos o respectivo plano. Al-
guns terminaram o seu em prazo extremamente curto; discuti-
mos, em grupo, sôbre o que poderia significar aquilo e o que
faríamos depois. Sugeriu-se que os planos não seriam objeto de
muita polêmica e poderiam sofrer adaptações - talvez tirando ou
acrescentando alguma área ao trabalho do dia.
Providenciou-se material de expediente escolar, posto à
disposição da turma para usá-lo, se necessário; fizeram-se su-
gestões.
Passei a dispor de muito mais tempo; assim, trabalhei, con-
versei, multipliquei contatos pessoais e em grupo. No fim do
13
terceiro dia, avaliei a pasta de trabalho com cada criança. Para
resolver o problema das notas, pedi a cada criança que me dis-
sesse quanto achava que merecia ter.
Na mesma ocasião, a turma apresentou por escrito uma
segunda avaliação da experiência, acrescentando comentários
feitos pelos pais. Todos, menos quatro, mostravam-se excitados
e entusiasmados com o plano e achavam que a escola ficara
mais divertida. Os quatro ainda se sentiam inseguros e queriam
atribuições específicas. Conversei com êles, sugerindo que des-
sem tempo à experiência - talvez ainda pudessem vir a se ajus-
tar à nova situação. Concordaram em que iriam tentar. O resto
da turma vibrava com a perspectiva de continuar, até o fim
do ano.
O maior problema que tive de enfrentar foi o da discipli-
na. Havia muitos problemas individuais na classe e verificou-
se certa regressão em matéria de contrôle, desde que se suspen-
deram os contrôles externos do professor. Parte da dificuldade
veio do fato de que eu deixava as crianças se sentarem onde
e com quem quisessem. Os "problemas" se reuniram uns com
os outros, passavam a maior parte do tempo brigando verbal e
fisicamente, atormentando-se um ao outro e, em geral, traba-
lhando pouquíssimo, o que trouxe para mim outro problema
- de ordem interna. Enfrentei momentos difíceis, vendo-os a
nada fazer e preocupada com o seu progresso, suas façanhas,
etc. Tinha de me lembrar constantemente que êsses alunos
"falharam" quanto ao antigo programa e que, mesmo sob o
regime anterior, jamais chegaram a cumprir suas obrigações.
Agora, apenas pareciam estar fazendo alguma coisa!
Em face do problema, considerei a hipótese de modificar
algo do que fôra assentado, mas compreendi que, se restabele-
cesse o meu contrôle, frustraria aspectos importantes do pro-
grama. Se vencesse êsse período, talvez, com o tempo, se desen-
volvesse maior auto-contrôle.
Interessante é que êles também se inquietavam. Todos
vinham assentar-se perto de minha mesa a dizerem que era
difícil demais o novo método, que a "tentação" era grande de-
mais. Isto seria uma indicação de que não eram tão recalci-
trantes como pareciam.
A classe estava em geral encantada. Os alunos chegavam
a levar consigo os projetos e trabalharem neles fora da sala,
assim como falar e interessar tôda a escola na idéia. Chegou-me
aos ouvidos a história de que êles pensavam que eu havia real-
mente mudado (desde que eu parara de tentar conformá-los a
meus padrões e normas, forçando-os a que realizassem os meus
objetivos!!!).
14
A atmosfera é estimulante, desinibida, feliz (à parte o
problema a que já me referi).
Desenvolveu-se um projeto interessante. Notei que alguns
dos rapazes estavam desenhando modelos de automóveis. Ofe-
reci-lhes um enorme pedaço de papel para o usarem à vontade.
Discutiram os seus planos e passaram a fazer um mural sôbre
a história dos carros, incluindo os seus desenhos como auto-
móveis do futuro. Fiquei encantada. Usaram a enciclopédia co-
mo referência, assim como livros que êles mesmos arranjaram.
Trabalhavam juntos, e alguns começaram a confeccionar mode-
los e álbuns de recortes - meninos que haviam produzido pou-
quíssimo, se não mesmo coisa nenhuma, durante êste ano.
Outras idéias começaram a aparecer em outras áreas: a
semente da iniciativa e da criatividade germinara e começava
a crescer.
Muitos estão fazendo pesquisas curiosas em áreas de in-
terêsse relacionadas ou não com o seu trabalho. Alguns comple-
taram o que era exigido para todo o ano, em umas poucas áreas,
como a dos problemas ortográficos.
O mais importante, para mim, é a evidência de iniciativa
e auto-responsabilidade que se patentearam.
16
nha direção. Uma das meninas quer ir para o outro grupo, mas
como foi a mãe dela uma das que se haviam queixado, aconse-
lhei-a a discutir melhor o assunto em casa.
Fizemos uma avaliação oral; um dos tópicos discutidos
foi a reação dos pais. Um garõto disse que sua mãe achava que
eu não queria mais ser professôra! Outro, que seu pai lhe dis-
sera que já havia feito, antes, com êle - o menino - a expe-
riência da auto-responsabilidade e que eu era louca de o tentar
com tantos, de uma só vez!
Discutimos sôbre o que poderíamos fazer para ajudar os
pais a compreenderem o programa. Foi sugerido (pelas crian-
ças) que se levassem as pastas contendo o trabalho, para ca-
sa, semanalmente, a fim de mostrar aos pais o que realmente
estávamos fazendo e, se fôsse incompreensível o que se regis-
trava no "contrato de trabalho", o assunto seria também discu-
tido com êles .
Passou-se o resto do dia, com o mínimo de interferência
de minha parte. Grupos e indivíduos continuaram a elaborar
os seus planos; foi um dia produtivo e compensador.
Os dias oscilavam entre otimismo e preocupação, esperan-
ça e mêdo. Minha temperatura emocional sobe e desce a cada
lance na escalada da nossa aventura.
Há dias em que me sinto confiante, animada, segura de
que estamos· no caminho· certo; ·em outros dias, assaltam-me as
dúvidas. Preparação do professor, tradição autoritária, currículos,
fichas de relatório - tudo me ameaça e me intimida.
Tenho de exercer enorme contrôle sôbre mim, quando ve-
jo uma criança sem fazer nada (de produtivo) a maior parte
do dia; proporcionar oportunidade de desenvolver a auto-disci·
plina é, sem dúvida, às vêzes, o maior tormento.
Cheguei à convicção de que uma pessoa tem de estar segu·
ra do seu auto-conceito para empreender tal programa. A fim
de renunciar ao papel tradicionalmente aceito do mestre, num
programa dirigido pelo professor, temos de, primeiro, compreen-
dermos e aceitarmos a nós próprios. É igualmente importante
ter uma nítida compreensão dos objetivos em cuja realização
estamos empenhados.
17
trato". Algumas vêzes, as crianças planejavam em grupos de
dois ou três. Havia constante auto-grupamento e reagrupamen-
to, assim como retirada do grupo para trabalho individual.
Logo que ficava pronto o "contrato", a criança começava a
estudar ou trabalhar no seu plano. Poderia trabalhar numa ta-
refa ou num plano quanto tempo quisesse ou fôsse necessário.
Como eu não era livre para descartar-me do tempo previsto pe-
lo currículo estatal, assinalava o tema que as crianças deveriam
desenvolver no período de uma semana para que elas levassem
isso em consideração nos seus projetos. Discutíamos também
a aprendizagem que deveria ter numa sequência, especialmente
em matemática, de modo a dominar uma parte antes de pas-
sar a outra de nível superior. Descobriram que o texto conti-
nha uma introdução a essa parte, uma demonstração especial
para cada uma, exercícios que permitiam dominá-la e testes
para avaliar a sua compreensão. Quando sentiam que já estavam
preparados para prosseguir, eram livres para fazê-lo. Determina-
vam o seu próprio rítmo, começavam no nível a que tinham
acesso e continuavam até onde eram capazes ou auto-motivados.
Perguntavam-me constantemente: "Mas como você lhes en-
sina pontos e conceitos novos?" Quem indagava evidentemente
estava convencido de que não há aprendizagem a menos que
o professor dite, dirija ou explique. Respondia que eu não "en-
sinava"; as crianças é que se instruíam a si mesmas e umas
às outras.
Quando indivíduos ou grupos queriam partilhar, com a
classe, projetos, estudos ou pesquisas, ou quando havia mate-
rial audio-visual de interêsse geral, tudo isso era anunciado no
quadro e incorporado ao planejamento individual. Por exem-
plo, se dispúnhamos de um filme sôbre a América do Sul, tôda
a classe o assistia, mas o que se faria do filme ficava a crité-
rio de cada um- poderiam descrevê-lo, resumí-lo, desenhar qua-
dros sôbre êle, ou o ignorar, à vontade.
Sempre que as crianças sentiam a necessidade de discutir
"problemas" de indivíduos, grupo ou classe, arrumávamos as
carteiras em círculo, como em um seminário, e realizávamos
uma sessão de "semântica geral". Funcionávamos também como
um grupo só em música, (cantando) e em educação física.
Uma vez que a apuração de resultados era fruto da au-
to-iniciativa e respeitada pelo professor, não havia necessidade
de trapacear para obter êxito. Descobrimos que "insucesso" é
apenas uma palavra, que há uma diferença entre "malograr" e
cometer um engano e que os enganos são uma parte do pro-
cesso de aprendizagem.
Em arte, as crianças eram livres para explorar materiais:
18
papel, tinta, lápis de côr, giz, argila, etc., assim como livros e
idéias. Descobriram por si mesmas, através de manipulação e
experimentação, novas técnicas e nova maneira de usar os meios
de que dispunham. Não havia dois "produtos" iguais- embora,
no comêço, se verificasse considerável dependência na descober-
ta de outros. Com o tempo, um a um ia adquirindo confian-
ça e mais abertura para a experimentação. Os resultados eram
mais estimulantes do que os obtidos em lições dirigidas pelo
professor (apesar da circunstância de que eu ine considere com
mais fôrça ou talento, em matéria de arte!).
As crianças desenvolviam uma disciplina de trabalho que
respeitava a necessidade de cada um isolar-se ou estudar tran-
qüilamente, permitindo, por outro lado, a interação. Não ha-
via necessidade de obter notas para "passar" ou atividade "sub-
versiva", nenhuma delas precisava alegar que estaria ocupada
ou interessada numa tarefa que, na verdade, nada significava
para ela. Havia respeito para a meditação e a contemplação,
tanto quanto para a produtividade aberta. Verificou-se oportu-
nidade para o conhecinlento mútuo: - as crianças aprenderam
a comunicar-se comunicando-se.
REGISTRO FINAL
19
relatório, comecei a capacitar-me de que não é por meio delas
que se podem assinalar os aspectos mais válidos do desenvolvimen-
to das crianças. Em relação a algumas, a mudança não é obser-
vável ou é imperceptível - embora se sinta o desenvolvimen-
to de cada uma, uma vez que se verificou certa metamorfose.
Dia a dia, percebe-se o crescimento em comunicação, em
desenvolvimento social. Não há como se medir a diferença em
atitudes, o aumento de interêsse, o crescente orgulho de auto-rea-
lizar-se, mas se tem a certeza de que existem. E como poderia
um professor avaliar a auto-disciplina? o que é fácil para um
pode não o ser para outro.
As fichas de relatório são apenas uma indicação, mas sei
que as crianças estão tão satisfeitas quanto eu com a melhoria
das notas e a redução dos conflitos entre. umas e outras.
Ao avaliar o seu trabalho, percebo como as crianças se
tornam mais compreensivas, conscientes da sua capacidade e
como existe relação entre as notas e o que realizam. Raramen-
te as modifico. Quando, às vêzes, o faço, é para melhorá-las.
Referi-me, antes, aos "problemas" que existiam na classe,
tanto os de natureza disciplinar como os emocionais. O progra-
ma desenvolveu-se, de fato, sem a preocupação de enfrentar o
desafio apresentado por tais "problemas". Sentia-me, às vezes,
batida, derrotada, frustrada. Como se não fizesse avanço algum,
e como se falhasse no meu papel de "policial".
Desde que nosso programa está avançando, descobri que
mudei também. No princípio do ano eu contava o tempo, à es-
pera de livrar-me da "gang" - pelo menos vê-los irem-se para
o 7. ano.
0
20
esteticamente, não me agrada, mas estão desenhando e isto estL
mula a imaginação! Podem não estar "ocupados" mas, quem
sabe, estão a refletir; falam uns com os outros, mas isso é coo-
peração e aprendizagem para comunicar-se; brigam, reagem com
sinais exteriores, insultam-se verbalmente - mas ocorrerá que
é isso que êles sabem fazer. Não aprendem bastante matemá-
tica, mas estão compreendendo esta e não se esquecem do que
compreenderam.
O melhor é que estão mais interessados na escola e no pró-
prio progresso. Arrisco-me a pensar que do nosso programa tal-
vez resultem menos desaprêço, menos "insucessos" na escola.
Não se trata de uma panacéia, mas é um passo adiante.
Cada dia é uma aventura nova, há momentos de tensão, de in-
quietação, de prazer - estamos lançando as primeiras pedras, em
direção ao nosso objetivo de auto-realização.
ALGUNS RESULTADOS
Em sua correspondência comigo a senhorita Shiel continua a dar-
me conta do seu programa, indicando algumas das mudanças que ob-
servou:
Prossegui no programa até o fim do período letivo, dois
meses depois do último relatório. À época, houve mudança con-
tínua entre as crianças. Ainda discutiam e brigavam entre si,
mas pareciam desenvolver certa consideração para com nossa es-
trutura social: escola, adultos, professôres, propriedade, etc. E,
na medida em que começavam a se entender melhor, as próprias
reações - conflitos e disputas - diminuíam.
. . . Desenvolveram valôres, atitudes, normas de comporta-
mento, por si mesmos, e agiam de acôrdo com êsses padrões.
Não se transformaram, absolutamente, em "anjos", mas houve
uma mudança definitiva. Outros professôres e regentes de re-
creios raramente tinham de impor-lhes medidas disciplina•res, e
comentavam a sua mudança de comportamento e de atitudes.
Uma vez ou outra eram levados à diretoria por infrações come-
tidas e, no correr do período, não houve queixa dos pais! Verifi·
cou-se acentuada mudança na atimde dos pais, na medida em que
as crianças evidenciavam êxito e adiantamento, tanto escolar
quanto socialmente.
Deixei de mencionar os estudantes que não eram "proble-
mas" e os que estavam acima da média, do ponto de vista esco-
lar. Acredito firmemente que as crianças bem dotadas foram as
que mais se beneficiaram do programa. Desenvolveram apurado
senso. de competição entre si, interêsse em projetos mútuos e
se adiantaram, sem serem restringidos pelos que eram lentos na
aprendizagem. Surpreendeu-me o que puderam realizar.
21
Acho que também as crianças que tinham maior dificulda-
de para aprender fizeram grande progresso. Algumas, que ti-
nham sido incapazes de guardar a tabuada de multiplicação (que
deveriam ter aprendido no quarto ano), em junho, multiplicavam
e dividiam frações ( ! ) com um mínimo de erros.
Não posso explicar exatamente o que aconteceu, mas pare·
ceu-me que, ao mudarem o seu auto-conceito, ao descobrirem que
eram capazes de, lograram êxito. Os que se mostravam, antes,
"lentos-para-aprender" tornaram-se "rápidos-para-aprender", ob-
tendo êxito sôbre êxito.
Devo acrescentar que estou certa de que não me teria sido
permitido, em muitas escolas ou circunscrições oficiais, a liber-
dade de que pude gozar aqui.
Tanto a direção quanto a superintendência interessaram-se
em apoiar o meu esfôrço e se estruturou um plano para que eu
prosseguisse no processo de auto-contrôle, no sétimo ano. Verifi-
cou-se, porém, que as pessoas contratadas para as séries inter·
mediárias não tinham as credenciais elementares e, portanto, não
podiam assumir o meu lugar. Tive, pois, de voltar ao sexto ano.
As crianças, os pais e eu própria ficamos desapontados.
Em parte por causa dêste desapontamento, a senhorita Shiel acei-
tou outro cargo. Entretanto, não perdeu todo o contato com a sua
classe. No outono seguinte, escreveu sôbre o relatório que lhe foi
enviado:
Recebi, esta semana, uma carta da direção em que se afir-
ma: "Devo contar a você . . . que os seus antigos alunos se dedi-
cam antes a construir que a destruir . . . realmente, você pode
respirar aliviada quanto à contribuição que deu ... pois não te-
nho nada de negativo a relatar sôbre qualquer dos seus antigos
alunos, mesmo aquêles que, infelizmente, se acham em ambientes
inferiores . . . Seu método "impressionista", ou que outro nome
tenha, parece ter realizado a sua tarefa, e a confiança dêles (na
verdade, em você) é algo digno de nota ... "
A senhorita Shiel continua:
Se três meses de "auto-direção" produziram resultados tão
tangíveis, naquele nível de idade - imagine-se o potencial ine-
rente a um programa de maior extensão! Pensar nisso é excitan-
te ...
22
aspectos de aprendizagem que vejo passíveis de serem transferidos a
outras situações educacionais.
COMPROMISSO
23
ção fluida. Capacitava-se dos elementos que mais a ameaçavam, e en-
frentava, em si e por si mesma, abertamente, os riscos da sua expe-
riência.
EXPERI:ÊNCIA
24
o elemento que mais acentuadamente se transformou. Os alunos foram
os primeiros a notar essa mudança, e a senhorita Shiel menci.:mou os
seus comentários, com certo ar divertido, como se tal mudança só
existisse na opinião dêles. Mais tarde, ela própria reconheceu como
se havia profundamente transformado o seu relacionamento com os
integrantes da classe. Pode-se indagar, então, se um professor nôvo
teria tido menos para desaprender. Deixo isso como questão aberta.
APOIO
A senhorita Shiel, evidentemente, teve a sorte de contar com o
interêsse e o apoio da direção e da supervisão da sua escola. Isso
lhe deu um endôsso e segurança que tornaram mais fácil a assunção
do risco. Entretanto, é sempre possível subestimar a probabilidade de
tal apoio. Conheço casos em que professôres simplesmente supunham
que não lhes viria apoio algum de seus superiores, para afinal verifi-
carem que, ao perguntarem se podiam tentar algo diferente, eis que
o endôsso mais sincero lhes era dado . Administradores são criaturas
humanas e muitas vêzes saúdam mudanças e experiências. Pelo me-
nos merecem que se lhes reserve a oportunidade de tomar uma deci-
são, se e quando devem apoiar uma nova aventura por parte do pro-
fessor.
25
porcionada às crianças. Quase todos os professôres sentiam
grande ansiedade e apreensão, ao trabalharem com "crianças·
problema" numa atmosfera de liberdade. Para tôdas as pessoas
envolvidas, foi um período emocionalmente fatigante, penoso -
como o crescimento, às vêzes, poder ser. Entretanto, várias for-
mas de avaliação indicavam que o seminário tinha êxito quanto
à ajuda aos professôres para mudarem suas percepções e atitu-
des.
26
RESUMO
27
,
2. UM PROFESSOR UNIVERSITARIO
CONCEDE LIBERDADE DENTRO
DE CERTOS LIMITES
H Sou muito grato ao Dr. Volney Faw pela sua permissão para fazer uso de um trabalho
inédito (intitulado "Undergraduate Education in Psychology") d e s c r e v e n d o seu
"approach" fora do comum em um curso de introdução à Psicologia. Seu trabalho
constitue a essência dêste capítulo, e eu lhe sou muito grato pela oportunidade de
apresentá-lo.
29
tórios, provas idênticas devem ser dadas, em tôdas as seções? Não
passaria por irresponsável o professor que permitisse ampla margem
de escolha aos estudantes, quando êsses mesmos estudantes se candi-
datam a um curso superior e precisam de sólidos resultados para
apoiar sua pretensão?
São indagações inteiramente razoáveis. Entretanto, crescente nú-
mero de professôres audaciosos e inovadores têm demonstrado que,
mesmo quando no nível universitário. tôdas essas condições restriti-
vas se apresentam, a um tempo· só, ainda é possível pôr em foco a
facilitação de uma aprendizagem dotada de significação para os estu-
dantes, ainda é possível proporcionar-lhes liberdade para aprender.
Entre êsses inovadores, destaco o Dr. Volney Faw, do "Lewis
and Clark College", a fim de mostrar a maneira como proporciona
liberdade a seus alunos, aos instrutores que colaboram com êle, e a
si próprio num curso de Introdução à Psicologia que êle e alguns cole-
gas ministram há muitos anos. Aproximadamente um quarto dos estu-
dantes dêsse curso o fazem porque êle é obrigatório (para Pedagogia).
Os outros seguem-no como matéria facultativa_ Em algumas seções,
os instrutores adotam o sistema convencional de exposição da maté-
ria, mas o Dr. Faw e alguns colegas usam o processo que será des-
crito. Escolhi o sistema desenvolvido pelo Professor Faw em parte
porque êle é moderadamente audacioso e conservadoramente renova-
dor. Dêle decorre a clara indicação de que ninguém precisa ser um
rebelde exaltado, para tentar uma abordagem em matéria de edu-
cação, a qual divirja completamente dos princípios convencionais.
Como grande parte de professôres universitários, Faw interessa-
se, profundamente, em promover, junto a seus alunos, a criatividade
na solução de problemas. Sua maneira de realizar êsse objetivo ba-
seia-se segundo suas próprias palavras, no material que se segue.
Creio que sua exposição será especialmente útil aos professôres de ní-
vel secundário e universitário que trabalham dentro de limites edu-
cacionais definidos, se não mesmo rígidos.
UM PROGRAMA DE PSICOLOGIA
A solução criativa de problemas - escreve o Dr. Faw -
tem sido proposta, em Educação, como um objetivo legítimo e
meritório ...
Contudo, o problema, antecipado por muitos colegas de fa-
culdade quando lêem textos sôbre criatividade é o abandono dos
padrões acadêmicos e do rigor escolar, em benefício de alguma
quimérica aventura criativa. Não existe disparidade entre rigor
acadêmico e necessidade de criatividade. O material que se se-
gue descreve o modo como se casaram o rigor acadêmico e a
criatividade, e como a união se manteve durante um período de
30
seis anos ...
Para um conhecimento de primeira mão dêsse progra-
ma, o leitor deve começar por se imaginar um calouro, na uni-
versidade. Matriculou-se num curso de Introdução à Psicologia
e compareceu à primeira reunião. Uma pessoa bem comum, que
aparenta ser o professor, posta-se em frente da turma e diz:
"Vou entregar-lhes uma descrição do curso e, a seguir, vocês
estão dispensados. Levem-na para casa e leiam-na. Se ainda
estiverem interessados no curso, voltem amanhã, e, então, come-
çaremos as aulas".
A classe se dispersa. Na primeira oportunidade, o estu-
dante lê a seguinte descrição da metodologia do curso .
EXPOSIÇÃO DE METODOLOGIA
FUNDAMENTOS DE PSICOLOGIA
PSIC. 101
31
Reconhecido êsse dado básico, você está convidado para
marcar um encontro com o seu professor. A principal finalidade
dêsse encontro é afirmar a sua existência. Ser! Você não preci·
sa dar a impressão de ser alguém ou alguma coisa que não seja
você mesmo. O seu professor não preparou coisa alguma para
dizer a você, nem você precisa pensar no que vai dizer. O que
se pretende é apenas que você seja, exista e esteja informado.
Claro que a aceitação dêsse convite é opcional.
33
de que deseja dispor, com o título do tema a apresentar. Um
estudante, que deseja expôr os resultados de um experimento, na
sexta-feira seguinte, inscreve-se para falar por um período de vin-
te minutos, ou mais ou menos, segundo a necessidade, e indicará
o título do seu trabalho. Se nada consta da agenda, a classe não
se reunirá. Dessa maneira, professor e alunos se tornam colegas,
na responsabilidade de cada um quanto ao tempo de aula. A di-
visão do tempo de aula centrada sôbre o professor e o estudante
é informal e depende da necessidade sentida por um e outro. Va-
ria de acôrdo com os diferentes professôres e os diferentes gru-
pos de aluno.
1) Não quero ser psicanafisado. Meu interêsse maior é pela ciência, e quero
aprender o conteúdo da Psicologia enquanto se relaciona com a ciência.
2). Ando terrivelmente confuso. Sinto-me meio perturbado. Que poderei fazer
.,m relação a isso?
3). Meu interêsse maior é por Educação. Só faço êste curso porque é urrr
exigência do Departamento de Educação. Duvido, mas talvez êle me possa ajudar a
ser um professor melhor; gostaria, então cre saber como.
4). Estou pretendendo ser psicólogo. Quero aprender o máximo que puder
sõbre Psicologia; só então verificarei se ela é realmente importante para fazer com
que uma pessoa se relacione com as outras.
5). Quero saber qual o significado psicológico da cõr.
6). Ouço dizer que o pessoal do Departamento de Psicologia é uma "penca d~
loucos"; penso que me sentirei como se estivesse em Ct.&.j.
71. Li um artigo no jornal da escola que apresenta cifras baseadas num rF!II!-
tório do • National Research Counci I" segundo o qual 57 por cento dos estudantes for-
mados na "lewis and Clark" que receberam o grau de Ph.D (doutores em Filosofia)
se especializaram em Psicologia. Isto me interessa.
34
ra descrever um dos aspectos do nosso procedimento. Propõe-nos
o autor o exemplo de um pombo faminto numa "Caixa de Skin-
ner". O pombo tem de enfrentar o seguinte problema: conseguir
alimento nesse meio limitado. Bica daqui e dali, às vêzes tenta
voar para fora, vira-se para um lado e para o outro, e, finalmen-
te, depois de múltiplas e variadas "respostas", choca-se com uma
alavanca que lhe proporciona um grão de alimento. Essas várias
respostas são "emitidas" porque procedem do pombo. Skinner
chama-lhes "operantes", porque são esforços por parte do pombo
para resolver o seu problema - operar, por assim dizer, no meio
em que se acha. Há uma liberdade de que desfruta o pombo para
obter a resposta que deseja (isto é, dentro dos limites da "Caixa
de Skinner", que é, sobretudo, um expediente utilizado antes pa-
ra estudar que para restringir um comportamento) .
Em contraste com a resposta "emitida", a "eliciada" é aque-
la na qual se dá prioridade ao estímulo destinado a agir sôbre um
organismo positivamente passivo, a fir:n de :rrovocar ur.na respost~.
Por exemplo, o experimentador pode eliciar uma resposta do pom-
bo, mediante a emissão de um ruído estridente, o acender de uma
luz brilhante, ou mesmo tentando induzi-lo a apertar a alavanca.
Em vez de ter a sua origem no pombo, o estímulo e o contrôle
procedem do experimentador. Às respostas· assim eliciadas dá-se
o nome de "respondentes". Não é o pombo que opera no seu
meio ambiente, de modo relativamente livre, mas êle responde,
de maneira positivamente restrita, a estímulos controlados.
A maior parte dos cursos de ensino tradicional tenta "eli-
ciar" respostas dos alunos, estimulando-os, persuadindo-os, fazen-
do-lhes exposições, etc. Os cursos estruturados nessa linha são
análogos no processo pedagógico do "copo e do jarro" "em que
o professor representa a fonte de conhecimento (o jarro) e o es-
tudante o receptáculo bocej-a.nte". O êxito do conformismo é,
muitas vêzes, o prêmio de tal situação. O estudante capaz de
servir o mesmo vinho generoso derramado nêle, se sobressai. As
respostas de que pode dispor são limitadas. O professor as reduz
a respostas a um teste, aos têrmos de um exame escrito, às répli-
cas a perguntas numa classe, etc. Daqui em diante, referir.nos-
emos a grupos instruídos dessa maneira, como grupos "res-
pondentes".
Vamos tentar um processo com esta classe que permita
grande variedade de respostas. Como as respostas operantes do
pombo, os estudantes dispõem de amplo repertório de respostas,
que os encoraja:remos a tentar. Um curso estruturado nessa linha
tende a levantar problemas, e o estudante age independentemente
em relação ao seu meio. Pode êle mostrar-se imaginativo, invemti-
vo, criador, na procura de respostas às suas próprias perguntas
35
e na descoberta de soluções dos problemas. Encorajam-se a sin-
gula:ridade e a capacidade imaginativa das respostas do estudante.
2). Exposição de objetivos: O aluno pode querer considerar globalmente os seus ob-
jetivos ocupacionais, a relevância do curso quanto a êstes, talvez a relação entre o
curso e a matéria de sua especialização, o que êle deseja obter, exatamente, do
curso, e algo a respeito da estratégia a executar para atingir os objetivos expostos.
(Notar que os objetivos e o que se propõe tem origem no aluno e não no professor).
3). leitura de artigos e sua apresentação por escrito: Modelos de bons relatórios
escritos oocontram-se guardados na biblioteca. Um sumário pode ser apresentado à
classe. O professor fixa-se, preferentemente, em artigos tirados de publicações psico-
lógicas profissionais e na medida em 'que êles se referem à obtenção dos objetivos
do estudante, e menos nos que provêem de fontes que só remotamente se relacio-
nam com tais objetivos.
9). Presença. Serão dados créditos a cada período de aula assistido. Em todos os
períodos de aula será registrada a freqüência. Não haverá punições pela perda de
uma ou de tôdas as aulas. Aliás, os estudantes terão apoio para deixar de comparecer
quando sentirem que a atividade em que estejam empenhados tem maior significação
psicológica do que a presença à aula.
36
página, originalidade, compreensividade, organização, relevância quanto aos objetivos
do aluno, etc., serão fatôres de apreciação do seu texto.
11). Excursões de estudos práticos. Os estudantes podem excursionar a_ várias ins-
tituições, na comunidade. Êles mesmos organizarão isso. Recomenda-se nao sobrecar-
regar certas instituições.
12). Bateria de testes. Um conjtmto de oito a dez testes é administrado com o fim
de ajudar o estudante na análise dos seus interêsses e aptidões vocacionais, ativ~s
e passivos educacionais, fatôres emocionais de cada_ um. (Os_ estudantes devera o
marcar um encontro com o professor para interpretaçao dos resultados).
13). Encontro para aconselhar-se com pessoas recomendadas. Os alunos que estão
procurando auto-aperfeiçoar-se podem solicitar ao professor os nomes. d': P?ssoas _que
sejam psicológos clínicos diplomados e que lhes possam dar ass1stenc1a na area
particular das suas preocupações. Essa gestão pode coincidir com um estudo e rela-
tório de várias técnicas psicoterapêuticas - se isso tiver alguma significação para
o estudante.
14). Programa H.D .I. (do "Human Developmoot lnstitute"). Êsse material progra-
mado destina-se a facilitar o relacionamento das pessoas, umas com as outras, de
modo mais satisfatório e dotado de significação. Para obter crédito por essa ativi-
dade, os alunos devem escolher algum método de fazer relatório escrito da experiência.
15). Outras atividades podem ser projetadas pelos estudantes.
1€:. Autu-avaliação. O estudoote pode rever o trabalho que fêz durante o curso e
avaliá-lo em têrmos de como a experiência foi significativa para êle, em relação aos
objetivos que para si mesmo estabeleceu.
Os parágrafos anteriores esclarecem a natureza facultativa
de muitas atividades que podem servir de instrumento para a ob-
tenção dos objetivos individualmente definidos.
Você pode chegar à conclusão de que a razão pela qual você
segue êste curso reside na oportunidade de acumular grande nú-
mero de fatos e apreciável dose de informações, que são de natu-
reza psicológica. Talvez você se interesse mais por um curso de
tipo tradicional. Você pode preferir ouvir exposição, prestar exa-
mes sôbre a matéria, etc. Você provàvelmente escolherá: a -
presença regular às aulas expositivas; b - prestar tôdas as pro-
vas regularmente programadas; c - fazer um projeto de pesqui-
sa bibliográfica; d - fazer leitura e relato sôbre vários artigos
de publicações periódicas _
Talvez o seu objetivo principal seja encontrar-se a si mes-
mo. Você sente que está sem uma direção na vida. Ignora quais
são as suas aptidões. Sente-se, a maior parte do tempo, meio
perplexo. Pode preferir: a - participar ativamente das discussões
centradas no estudante; b - tomar uma bateria de testes como
meio de analisar-se a si mesmo e às suas potencialidades; c -
trabalhar dentro do programa H.D.I.; d - assenhorear-se da li-
teratura relativa ao seu problema; e - pedir ao líder da discus-
são de que participe que lhe sugira alguém a quem você possa
Tecorrer como consultor; f - ver como você funciona numa situa-
ção de tensão, mediante o uso de testes unitários, ou procurando
relatar-se e testar-se a si mesmo em alguma ârea particularmente
difícil para você.
Pode-se formular um terceiro modêlo a respeito de inte-
rêsses científicos. Suponha-se que você esteja interessado em
Psicologia como Ciência, particularmente em alguma área espe-
37
cífica, tal como percepção. a - você pode preferir entregar-se
à leitura· de todos os artigos acessíveis a você, concernentes ao
assunto; b - assenhorear-se de obras que sintetizem o tema;
c - delinear uma experiência nesse campo; d - levar a efeito
a experiência; e - consultar alunos dos cursos de estatística e
experimentais, tendo em vista o que você planejou e o levanta-
mento estatístico de dados a respeito.
Da utilização do processo exposto tem resultado enorme
liberação de produtividade e de criatividade entre os estudan-
tes. As antigas produções dêstes estão arquivadas em pastas.
Podem ser colocadas à disposição de estudantes interessados na
grande variedade de atividade levada a efeito.
38
O professor é, então, responsável pela manutenção dos
seus próprios interêsses, proporcionando facilidades para que
os estudantes exprimam e realizem os seus objetivos por meio
da Psicologia. É de sua responsabilidade facilitar a comunica-
ção entre pessoas de interêsses diversos, e intensificar o respei-
to mútuo entre tais pessoas. Compete-lhe também cumprir tôdas
as exigências que lhe forem feitas pela instituição. Pode julgar
que isto seja apropriado a uma definição dos limites do curso,
isto é, aceitar para crédito sàmente as respostas opcionais que
se ajustem ao objeto definido do curso. É responsável pela ex-
pressão honesta da sua opinião sôbre a qualidade do que o es-
tudante produz.
Os estudantes são responsáveis pela demarcação de suas
próprias metas, pela seleção e engajamento em respostas para
alcançar estas metas, pelo alargamento de seus próprios inte-
resses, qualidade de seu trabalho, criatividade, abandonando o
curso se êste parece não lhe fornecer os meios pelos quais suas
metas podem ser alcançadas.
Conteúdo: Serão proporcionados aos estudantes um esquema
separado sôbre o objeto da disciplina e a sugestão de leituras.
O rendimento dos estudantes avaliar-se-á segundo a maneira co-
mo usarem o conteúdo do curso, tendo em vista a realização
dos seus objetivos próprios. Neste sentido, o conteúdo tem ca-
ráter instrumental em relação à consecução dos objetivos.
Pressão Institucional: Esta se refere às expectativas da unida-
de universitária, da comunidade, do campo profissional da Psi-
cologia, dos pais dos estudantes, etc. São impostas aos profes-
sôres e alunos e escapam, de alguma forma, do contrôle de am-
bos. Por exemplo, o professor tem que dar notas no fim do se-
mestre, quer queira quer não. Trabalha numa organização ins-
titucional em que certo gênero de avaliação do trabalho do es-
tudante lhe é exigido. Deve dar suas aulas, publicar, conduzir
pesquisas, ser cortês com os dirigentes da escola - e, ocasional-
mente, com os estudantes.
A "pressão institucional" das escolas superiores se exerce
sôbre os professôres de estudantes que ainda não colaram grau.
O professor previne os estudantes que freqüentarão escolas su-
periores que êles devem estar aptos a lidar com a "pressão"
dessas instituições. Terão de passar pela banoa examinadora.
Precisarão ter conhecimento de certos fatos. Haverão de ser ca-
pazes de lidar com situações de tensão ocasionadas por exames
orais de nível superior, presença às provas escritas, certos pre-
liminares, etc. A antecipação de tais formas de "pressão", rela-
39
tivamente aos estudantes, constitui uma exigência que deve es-
tar presente a todo bom e consciencioso professor. Os estudan-
tes sentem a pressão institucional, em têrmos de exigênci·as do
curso, exames, tarefas a cumprir, etc.
Em que consiste a liberdade perante a "pressão institu-
cional"? Quando se é livre? É o ato de mudar a pressão insti-
tucional que nos dá liberdade? Libertar-nos-íamos dela se ten-
tássemos eliminá-Ia? Provàvelmente, não. Haveria sempre a pers-
pectiva de outra pressão sõbre nós (externa ou interna) que se
lhe sucederia.
Tome-se o exemplo das provas como exigência institucio-
nal. Alguém fica livre de uma prova se se retira dela, talvez es-
colhendo não se submeter à mesma, como é permitido fazer-se
neste curso, ou, talvez, optando por outros cursos em que há
um número mínimo de testes, ou, ainda, empenhando-se num
esfôrço por permanecer indiferente diante dêles? Há sempre o
aspecto interno da pressão institucional. Ela não se impõe ape-
nas externamente. Procede de dentro como exigência pessoal a
alguém. Comunicamo-nos com os outros num sistema social, as-
sumindo-lhes a função e, de certo modo, incorporando a nós
mesmos um conjunto de expectativas sociais; assim nos torna-
mos senhores de nossas próprias tarefas.
Do ponto de vista universitário poderíamos proscrever to-
dos os testes. Restaria sempre, entretanto, a exigência de tes-
tes numa escola de pós-graduação, ou um empregador que, para
contratar um servidor determinaria a realização de testes; ou
alguém que, para presidir a uma sociedade anônima, teria de
submeter-se ao exame dos acionistas, quanto às suas habilita-
ções. Há situações iguais a essas em que testes sempre cada vez
mais ocorrem, ao longo de tõda a vida. Ninguém estará real-
mente livre de ser testado, criando uma temporária ilha de li-
berdade num curso ou numa escola superior.
Pode alguém ficar livre de testes escapando da realidade?
Uma fuga esquisofrênica habilitaria a pessoa a estabelecer uma
ruptura entre seus sentimentos e seu pensamento, pelo que sen-
tiria menor tensão. A ruptura histérica a capacitaria a relegar
para seus músculos e seu corpo o temor e a ansiedade que a
torturam. Em certo sentido, ficaria livre do teste. Mas isto não
seria verdadeiro quanto à experiência de si próprio. Os múscu-
los, as vísceras de uma pessoa são torturados pela experiência,
embora a consciência de si mesmo possa ser relativamente cal-
ma e controlada.
Há, então, um modo de querer ser livre, do tipo "filisti-
no". Poderia alguém responder a todos os itens do teste, não
em função do que acredita ou julga ser verdadeiro, mas do que
40
pensa ser desejado pelo. professor. Há muitas e diferentes gra-
dações de respostas como esta, desde a aparência de dedicação
à tarefa até à cola. Aqui, não se é livre, mas sagasmente contro-
lado. Igualmente controlado é quem se rebela inteiramente, pois
êle perde a liberdade de escolher. É conduzido par suas necessi-
dades.
Quando se é livre de testes ou de outros tipos de pressão
institucional? É livre quem não foge a tais exigências nem se
abate diante delas. É livre quem começa por se submeter ao
teste, compreende todos os seus itens, talvez ouse romper com
a chamada "resposta correta". Fá-lo com temor e apreensão,
porque sabe a quantas anda tôda a pesquisa e a intenção que
·se inclui na formulação da verdade aceita. Sabe que é um bom
estudante. Reconhece os próprios temores, irritações e frustra-
ções. Reconhece as emoções e sentimentos que, nos outros, po-
dem se seguir ao seu rompimento com a verdade que êles apre-
endem. Coloca-se acima das respostas aceitas. Alguém é livre
de testes e de outras formas de pressão institucional, quando se
submete voluntàriamente a êles e acima dêles se coloca. A li-
berdade de uma pessoa em relação aos testes, reside na identida-
de de cada um em face de si mesmo, ao incluir no próprio ser os
seus sentimentos, pensamentos, escolhas, sensibilidades para com
os outros, suas vísceras, sua tensão muscular e tôdas as espécies
de respostas. Aceitar tôdas essas experiências como sendo pró-
prias de si mesmo e, assim, conformando-se ou rompendo com
a resposta aceita ao item de um teste, é a única maneira conhe-
cida de ser livre perante tais formas de avaliação.
Nossa posição sôbre a liberdade perante a "pressão insti-
tucional" funda-se em observações empíricas. Em 1957, realcei
a ameaça da pressão institucional sôbre uma situação experi-
mental, ao determinar um exame de surprêsa em três classes:
duas que tinham recebido instrução por processos centrados no
professor e uma que havia ensaiado processos centrados no alu-
no (Faw, 1957).
As avaliações do "stress" durante o exame de· surprêsa in-
dicaram a superioridade do grupo centrado no aluno, no lidar
~.-om aquela ameaça. Uma análise das disparidades põe em re-
lêvo a avaliação mais interessante dos métodos estatísticos usa-
dos, nisso que as duas variáveis Significativas são as condiçõe.
de aprendizagem e a interação entre estas e o "stress". A situa-
ção de "stress" (pressão institucional) não se mantém, por si só,
como variável significativa. É apenas quando interage com as
condições de aprendizagew autoritária que o "stress" produz di-
ferenças significativas antes e depois do exame. Assim, o distur·
bio ocasionado pelo exame de surpr~sa pode ser neutralizado,
41
se os estudantes passaram por um especial tipo de situação de
apTP.ndizagem que os torna livres, no sentido de que se coloall.1'1
acima. da experiência de "stress".
Para alguns, mais indicativas, talvez, do que os testes es-
tatísticos são as respostas dos estudantes durante os exames. 0~:>
que foram submetido::. à experiência de ensino Rogeriano pare-
cem aceitar o exame e respeitar suas próprias respostas e senti-
mentos. Houve sentenças descritivas de alguns, nos têrmos que
se seguem:
A princípio senti raiva do professor por ter sido tão baixo ao fazer tal coisa,
e me lembro de ter mencionado ou de estar quase a mencionar algo parecido a isso,
enquanto nos preparávamos para o teste. Que diabo! pensei comigo. Eu sei o que
sei! Nã~ tenho que IT'P. desculpar pelo que não sei. Largo isso e deixo o "pau que-
brar!" De repente, comf!ce; a sentir qualquer coisa e· surpreendi-me bastante com o
fato de ser um sentimento agradável, o sentimento de ser livre, de' ser coerente co-
miao mesmo. Um testezinho, uma reprovação até, não podem destruir-me. E, ai, setJti
uma espécie de curiosidade objetiva sõbre como me arranjaria naquelas condições e
logo me vi envolvido com os ítens do teste.
Senti-me calmo, mas desesperado ... Tive uma dor de cabeça terríve!; dificil-
mente podia entender o que estava lendo.
Senti-me tão confuso que passei a maior parte do tempo lendo e relendo a
primeira questão, sem_ saber o. que ela significava.
42
lha por causa das notas que possa ganhar. Trabalha tendo em vista a melhor reali-
'l:ação de si mesmo.
5. O professor não sente que sua missão é dar nota a todo mundo. Sua prin-
cipal função é a de criar uma atmosfera na qual estudantes e professôres se sintam
livres para novas descobertas sôbre si mesmos e sôbre o comportamento humano.
Por outro lado, respeita a maturidade do estudante e sua aptidão para estar livre da
avaliaçlío e não indevidamente influenciado por ela; no entanto, não é obrigado a
abster-se de avaliar. Não precisa evitar compromisso a êsse respeito.
43
Independente do uso do sistema de pontos ou do sistema
global, todos os professôres, examinando as pastas arquivadas,
levantam a hipótese de que a avaliação, aí, é mais válida quan-
to à previsão da capacidade criativa e produtiva futura, do que
através dos resultados do tipo objetivo de provas, em que pesa
muito o fator memória, na informação sôbre a espécie de conhe-
cimento adquirido. No caso, o professor tem diante de si os
resultados dos esforços criativos do estudante.
RESULTADOS
O Dr. Faw fêz cuidadoso estudo do seu modo de encarar o cul'-
so e aqui vamos citar algumas das suas conclusões.
Professôres de Psicologia, que leram a nossa exposição,
devem estar interessados nos resultados do programa. Como
êle está em processo e não foi estabelecido como um experi-
mento, as observações que apresentam, a seguir, são, em grande
parte, "ex post facto".
Haverá interêsse por dois aspectos: 1. os possíveis efei·
tos negativos de um ambiente de liberdade e 2. os possíveis pro-
veitos em relação à criatividade e à produtividade.
44
so. Uma vez que os estudantes sabiam que um dos critérios de
avaliação dos trabalhos era a sua relevância para o objeto do
curso, uma altíssima porcentagem dos trabalhos foi básica, em
relação à abrangência dêsse objeto.
Mostrou-se mínimo o risco do lado negativo relativamente
à baixa freqüência, ao nível inferior dos resultados dos ~xames,
à qualidade insatisfatória do trabalho e à sua irrelevância.
TABELA I
NúMERO E ESP:ÉCIES DE PRODUÇõES EM GRUPOS OPERANTES
E RESPONDENTES
N 38 N 38
Exposição de objetivos o 26
Leitura de publicações
periódicas o 165
Proposta de pesquisa o 25
Experimentos (originais) o 18
Projetos de grupo o 3
Demonstrações o 2
Estudos bibliográficos
(textos escritos) 38 8
Excursões o 23
Baterias de teste vocacional 5 7
Consultas o 1
Programa H. D. I. o 19
Entrevistas com o professor o 32
Outras atividades o 4
Provas do curso 190 190
Total das produções 233 523
Média 6,1 13,7
45
Faw acentua que não somente se verificou essa diferença no nú-
mero e variedade das produções, como também no grau em que os tra-
balhos realizados foram estereotipados ou originais.
Os grupos respondentes tendiam a ser estereotipados em
relação ao que se determinara aos alunos. Um professor pedi-
ria a todos os estudantes que escrevessem um texto sôbre algum
tema à sua escolha, como se fêz na seção assinalada na tabela
acima. Outro, se concentraria na leitura e recensão de artigos;
então, todos os trinta e oito alunos "repetiriam à maneira de
realejo" os artigos e publicações, em lugar de trinta e oito tex-
tos escritos. De todos os estudantes de grupos respondentes es-
perava-se tipicamente a mesma coisa. Nos grupos operantes não
havia dois estudantes com trabalhos iguais. Havia tantos pa-
drões diferentes de produtividade quantos eram os estudantes.
Não só as espécies de produção eram mais estereotipadas,
nos grupos respondentes, como tendia a ter o mesmo aspecto o
conteúdo de tais produções. Por exemplo, se se indicavam ex-
perimentos, numa seção respondente, todo o grupo, usualmente,
recorria a algum "livro de receita" que contivesse tipos de ex-
perimento, talvez fazendo o gráfico de uma curva de aprendiza-
gem desenhada em algum modêlo, realizando um experimento
estandardizado em Psicofísica, etc. A variação entre os alunos
era mínima. No grupo operante, assinalado na tabela 1, todos
os 18 experimentos realizados foram diferentes. Por exemplo, um
estudante testou a hipótese de que o congelamento não interfe-
re na aprendizagem. Condicionou larvas a caminhar por um la-
birinto; congelou-as, a seguir, de um modo que aprendera pela
consulta a um interno da Faculdade de Medicina da Universi-
dade de Oregon; repetiu o teste e determinou até que ponto a
aprendizagem foi mantida, após o descongelamento. Comparou
o grupo experimental com o de contrôle. Um segundo estudan-
te testou se um som desagradável pode transformar-se em um
refôrço positivo. Um terceiro, tentou determinar se um com-
portamento hostil para com grupos minoritários pode apresen-
tar-se na base de diferenças fisiológicas percebidas. Propôs-se
_.criar um pintinho com quatro patinhos e reverter a minoria
com um segundo grupo de um patinho e quatro pintinhos. Pre-
tendeu-se comparar o comportamento contra o grupo minoritá-
rio com o comportamento para com outros membros da maio-
ria, fazendo um sociograma de respostas.
Os experimentos mencionados são típicos de um grande
número de outros, realizados por grupos operantes. Foram to-
dos diferentes. Pareciam gerar grande dose de excitação entre
os alunos dentro e fora da classe, e freqüentemente se tornarem
46
temas de conversa em pequenos grupos. Na medida em que os
veteranos serviam, muitas vêzes, de consultores para os calou-
ros em matéria de planej-amento e de estatística, as experiên-
cias usuais vinham a ser o tema de trocas de idéias em todo o
departamento.
47
li:ste curso era cheio demais de trabalho buliçoso. Todo
mundo corria de um lado para o outro, fazendo excursões, ten-
tando experienciar, lendo artigos de periódicos, etc. - tudo pa-
ra "abiscoitar" uns pontinhos. Acabei assustando-me porque ia
ficando para trás; então, comecei a ocupar-me com vários pro-
jetos. Não podia deixar de ter má classificação neste curso, por-
que, tal como êle é, já quase não o suportava.
Francamente, o curso exigia trabalho demais e eu preferiria
outro, bem mais fácil, em que a gente recebe as tarefas a exe-
cutar e ganha notas de acôrdo com as provas a que se é subme-
tido. Em cursos dêsse tipo, eu sempre dou um jeito de me ar-
ranjar, quando não há tempo suficiente para estudar.
l!':ste curso começou por interferir terrivelmente na minha
vida social, e eu preferiria não me envolver em outro igual a êle.
Meu objetivo é sair da escola o mais cêdo possível, embora
me divertindo enquanto estiver aqui! A êste curso faltaram exa-
tamente os -ingredientes para realizar êsse objetivo.
Para um tipo de reação inteiramente diversa, voltemo-nos pa-
ra outro estudante, cujo objetivo é eminentemente pessoal.
48
o diário era uma exposição muito superficial dos meus sentimen-
tos; então, 2. li Freud e alguns outros autores que pareciam haver
trabalhado em nível mais profundo, e pus-me a faze'r um diário
dos meus sonhos; 3. passei, duas vêzes, pelo programa H.D.I.,
com um rapaz e, depois, com uma môça: estava interessado nas
diferenças das minhas reações; 4. juntei-me a uma turma, numa
terapia de grupo; 5. fiz uma excursão ao hospital "Morning-Si-
de" e conclui que não seria tão mau que eu houvesse sofrido um
colapso mental; 6. li todo o livro de texto, porque sentia que êle
representava alguma coisa pa:ra mim; 7. para completar, tomei
conhecimento de vários artigos de publicações periódicas, que
eram importantes para o meu problema. Senti que êles davam
alguma evidência empírica a certas questões relevantes.
O resultado final é a sensação de que adquiri um conheci-
mento de Psicologia que se interiorizou e que faz parte de mim
mesmo. Não é apenas para passar nos exames, embora eu haja
feito todos êles e me tenha saído bem demais.
49
adotei ao ler o texto de base.
Finalmente, tentei fazer minha própria expenencia, a fim
de submeter à prova os problemas metodológicos num estudo
do comportamento.
Tõda a experiência foi extremamente compensadora, e eu
devo admitir que os processos de aprendizagem dêste curso foram
de primeira ordem. O trabalho de labaratório em Física e Quí-
mica se beneficiaria muito com a incorporação do senso de desco-
berta que impregna êste curso.
Considero-me bem mais amadurecido que a maioria dos ca-
louros e segundo-anistas que fazem o curso; mas creio, honesta-
mente, que tanto um calouro quanto um aluno graduado podem
seguir êste curso e tirar dêle grande proveito.
Deixei o curso com grande respeito pelo que os psicólogos
estão fazendo, em têrmos científicos. Na verdade, parece-me que
êles realizam a mais fundamental das reflexões relativamente à
metodologia científica.
50
que os retraídos.
5. O curso reconheceu as diferenças individuais e permitiu
grande variedade de tipos de produtividade.
6. A mim me pareceu que os alunos ou gostaram muito do
curso ou o detestaram. Ao contrário da maioria das turmas, hou-
ve poucos estudantes em situação intermediária.
7. Alguns alunos realizaram grande quantidade de traba·
lho, antes para obterem nota do que para atingirem os seus obje-
tivos.
8. Outros se sobrecarregaram com excursões e negligen-
ciaram importantes leituras. Ter-se-iam beneficiado se, antes de
fazê-las, formulassem uma idéia do que iriam ver.
9. O papel do professor na sala de aula foi diferente do
que assumiria num tipo de aula tradicional. Não parecia repre-
sentar a função de uma autoridade, mas tratava de estimular os
estudantes a descobrirem as coisas por si mesmos. Ocupava o
centro do palco, menos do que nos cursos usuais.
10. Os estudantes ter-se-iam saído melhor num curso como
êste, se houvessem feito uma prévia experiência de auto-direção
em cursos de níveis mais baixos.
11. O curso motivou os estudantes mais do que a média
dos outros cursos, e atendeu, de perto, as necessidades da ·mai<r
ria dos alunos. Entretanto, falhou em relação a alguns.
ALGUNS COMENTÁRIOS
FÃCILMENTE ADAPTÁVEL
51
CARÁTER NÃO AMEAÇADOR
O FUNDAMENTO RACIONJ\..L
DA AVALIAÇÃO E DAS NOTAS
52
Outro elemento a destacar, no método de Faw, são as suas obser-
vações, bem formuladas, no domínio da avaliação. Nem todos estariam
de acôrdo com essas observações (o que talvez se explique por causa
da maneira um tanto prolixa de apresentá-las). No entanto, êle tratou
do assunto do modo mais claro e refletido que está de acôrdo com as
suas convicções e a sua personalidade. Para mim, o maior valor do seu
método de dar nota está na demonstração de que novos meios de ajus-
tar-se a êsse embaraçoso problema podem ser elaborados - meios que
são a um tempo, criativos e realísticos. Encontrou um meio que se
afina com o seu modo de ser e permite a apreciação do rendimento
escolar, mantendo o auto-respeito do aluno.
RESULTADOS DESEJÁVEIS
SUMÁRIO
53
REFERÊNCIAS
54
3. O MEU MODO DE FACILITAR
UMA CLASSE
55
anos passados, tê-lo-ia feito de modo bem diferente. Talvez daqui a cin-
co anos, eu o venha a fazer com processos ainda mais novos e, espero,
mais criativos. Apresento os que us~i simplesmente por causa do seu
valor como estímulo. Não daria certo alguém lida:r com um curso, de
que seja responsável, de maneira exatamente igual à nossa.
CONTEXTO BASICO
56
ta-feira, à tarde, até domingo pela manhã, e uma reunião final, na ma-
nhã de um sábado, no fim do curso. Solicitou-se que só se inscreves-
sem no curso os alunos que estivessem livres durante aquêles períodos
de tempo e desejassem participar dos seminários.
Resolveu-se limitar a matrícula a 22, mas devido às pressões
usuais, a matrícula real foi de 25. Além disso, dois colegas do WBSI
participaram, como monitores de grupo, nos fins de semana e em tô-
das as reuniões, e um bolsista japonês também se juntou ao grupo, de
maneira informal. Assim, o número total, incluindo eu, foi de 29.
f>7
Primeira reuniã,o - sábado, 9 às 12 horas.
Cal. Western University
BIBLIOGRAFIA
PRIMEIRO SEMINÁRIO
5S
Sugiro que o realizemos no WBSI e que nos encont'remos,
de 19,30 a 22,30 horas, sexta-feira; de 9 da manhã às 6 da tarde,
sábado (com tempo para almôço); e no domingo, de 9 às 12 ho-
ras. Podemos discutir planos mais específicos para o seminário,
mas espero que êle inclua algumas sessões de que o grupo todo
participe e que se empregue a maior parte do tempo em encon-
tros menores de grupos básicos, sob a d:rreção de membros do
corpo de assistentes do WBSI. Como eu distribuirei o meu tem-
po entre os grupos é algo que vocês e eu, juntos, estabeleceremos.
Em têrmos gerais, o tema do próximo fim de semana, na medida
em que seja um tópico de natureza cognitiva poderia formular-se
assim: "Quais são as fontes dos meus valôres?"
SEGUNDO SEMINÁRIO
EXIGPJNCIAS
59
pelos quais você julga o seu trabalho; b) - uma descrição dos
meios pelos quais você veio a adotar êsses critérios e c) - a nota
que você considera adequada aos meios pelos quais você aplicou
ou deixou de aplicar os seus próprios critérios. Se eu achar que o
meu processo de avaliar o seu material é muito diferente do seu,
conversarei pessoalmente com você e veremos se nos é possível
chegar a uma nota que satisfaça a ambos e que eu possa, em sã
consciência, assinar e registrar .
A exigência final é a de sua reação pessoal ao curso, como
um todo. Gostaria que isso me fôsse apresentado, num envelope
fechado, com a sua assinatura na parte externa. Você tem a liber-
dade, entretanto, de escrever aí: "Obséquio de não abrir, até que
as notas finais sejam dadas". Se puser isso no envelope, assegu-
ro-lhe que ·respeitarei o seu pedido.
Nessa reação, gostaria que você declarasse, com a maíor
honestidade, ô que o curso significou para você, tanto positiva
quanto negativamente. Estimaria qualquer crítica que você tives-
se de fazer ao curso e sugestões sôbre os meios de aperfeiçoá-lo.
É, em resumo, a sua oportunidade de avaliar o curso, o professor
e a maneira pela qual deve o curso ser dirigido. Isso não influirá
de forma alguma, na sua nota final, mas se você acha que pode
haver qualquer influência, assinale o seu envelope como sugeri
acima, e eu não o abrirei até que sejam conhecidas tõdas as notas
finais.
Não se dará nota final, até que essas exigências sejam satisfeitas.
Abri a sessão, sugerindo que deveríamos dizer quais eram os
nossos interêsses, porque se encontrava, cada um, no curso de douto-
rado e porque o escolhera. Comecei dizendo algo sôbre os meus atuaís
interêsses, incluindo o de utilizar o encontro básico de grupo como
instrumento de reforma dos sistemas educacionais. Cada um por sua
vez, falou de si próprio e à sua maneira.
Eram variados os interesses e ocupações dos membros do grupo.
Eram todos pessoas de alguma experiência. Eis uma amostra das
posições ocupadas: havia um professor da Universidade da Califór-
nia' "que fôra, antes, supervisor de uma escola; um professor do sexto
ano; diversos diretores e vice-diretores; um coordenador de ciências;
um membro de um conselho de uma escola média; uma mãe que
trabalhava como professôra substituta; um residente-chefe de um in-
ternato; um. psicólogo clínico de uma escola de delinqüentes; um
professor conselheiro lidando com delinqüentes numa escola com-
plementar; um pastor, interessado em dar maior amplitude aos meios
de trabalhar na sua igreja; o diretor de uma clínica terapêutica; e
pessoas ligadas a sistemas escolares de grandes e pequenas cidades.
Quando os membros do grupo falaram sôbre o seu interêsse no
programa de doutorado e neste curso, em particular, notaram-se gran-
60
des diferenças entre os que eram bastante pessoais e falavam, com tôda
a liberdade, dos seus interêsses, e alguns que pareciam mais formais,
limitando-se a dar a posição que ocupavam ou um pouco mais. Uma
professôra de ensino médio, que tinha também o curso de Psicóloga,
disse que estava trabalhando com um médico na função de conselheira,
porque não suportava dar tempo integral na atmosfera constraugedora
de uma escola secundária. Um antigo supervisor de escolas dÍsse que
"estava tentando ser preguiçoso, êste ano, dando simplesmente tempo
integral como estudante de pós-graduação". O pastor referiu-se à sua
tentativa de encontrar nova direção para si, no seu trabalho.
Como eu havia tomado poucas notas dêsse primeiro encontro da
classe, reuni-me, mais tarde com três pessoas que haviam servido de
co-líderes de pequenos grupos e interroguei-os sôbre as suas lembran-
ças daquelas sessões da manhã de sábado. Falaram a respeito dos
seus contatos com o grupo e um dêles disse que, a seu ver, o mais
interessante é que eu havia "valorizado" cada pessoa. Os outros con-
cordaram entusiàsticamente. Fiquei um tanto perplexo com a obser-
vação e perguntei-lhes o que queriam dizer. Percebi que não era algo
que eu houvesse feito conscientemente, mas talvez. de um modo ape-
nas intuitivo. Explicaram-me que eu sempre respondia logo a cada
pessoa fazendo-lhe perguntas ou algum comentário sôbre o que di-
ziam, indicações de que recebera a sua mensagem e a respeitara; ou
conhecia algo sôbre a situação com que se defrontava. Se era isso
que eu fazia, vejo como é útil dar ensejo a um clima de livre expres-
são, o que, certamente, é um dos meus objetivos.
Passei a comentar a lista de livros a fim de proporcionar-lhes al·
guma base de conh ~cimento sôbre as obras em que estivessem interes-
sados e por onde gostariam de começar as suas leituras. Acho que to-
mei tempo demas.i'ldo com isso, e percebo que as observações sôbre li-
vros, preparadas dr. antemão, atingem ao mesmo propósito e tomariam
menos tempo do grupo.
Continuando com a lista de livros, que eu preparara apressada-
mente, descobriram-se v:irios erros e um dos membros do grupo se ofe-
receu pa:ra assumir a _·esponsabilidade de verificar livro a livro, cuida.
dosamente, autor, editor, data, número de registro na biblioteca e de
preparar nova e ma1s aperfeiçoada bibliografia, enviando-a a cada parti-
cipante do curso. Senti que essa atividade, inteiramente voluntária de
sua parte, não sàrJente era útil como iria constiturr num passo impor-
tante na fixaçãc. do clima do curso, a indicar que êsse era um grupo em
que as pessoas assumiam responsabilidade, livremente, na medida dos
seus próprios desejos.
Após a discussão sôbre a bibliografia, onze novos livros foram
acrescentados aos trinta e três antes relacionados e, mais ta:rde, o mem-
bro que se apresentara como voluntário preparou uma relação comple-
ta, lindamente "'-Oresentada e posta à disposição de cada um.
A fim de fac1li!:ar o envio de bibliografia e de outras correspon-
61
dências, fizemos correr uma fc)lha onde cada qual escreveu o seu nome,
enderêço, telefone e outras maneiras de intercomunicação fácil. Outro
voluntário se ofereceu para datilografar a lista com uma cópia para ca-
da candidato a participar do seminário.
Sugeriu-se uma discussão aberta sôbre alguns problemas de valor
t?m que estivessem interessados e com os quais esperariam lidar du-
rante o curso. Já quase no final do tempo, sugeri que tomassem alguns
instantes para escrever uma resposta, sem assinatura à seguinte per-
gunta: "Qual o problema de valor singular, mais importante, ainda não
colocado para você, neste exato momento?" Foram recolhidas as res-
postas e a sessão terminou.
Mais tarde, quando examinei as breves e anônimas afirmações,
havia três que se referiam a problemas pessoais, identificáveis. As ou-
tras, porém, não pareciam identificáveis, de forma alguma, e decidi que
poderiam ser distribuídas ao grupo, a fim de provocar discussões. Con-
seqüentemente, mandei-as tôdas pelo correio, a cada membro do grupo.
A maior parte das respostas eram do tipo comum a qualquer grupo de
pessoas, profissional ou pré-profissional. Eis uma amostra das observa-
ções apresentadas.
PROBLEMAS DE VALOR
Qual é realmente a minha posição agora? Quem sou eu? Que que-
ro ser?
A profissional, a administradora em competição, ou a mulher-es-
pôsa?
O mais importante para mim será passar o tempo todo em casa
com meus filhos, ou continuar na busca tremendamente excitante
dos meus caminhos, em têrmos de estudo e de "vida profissio-
nal?" Até que ponto posso fazer bem ambas as coisas?
62 •
Poderia falar sõbre o que realmente me preocupa?
11
63
Nada, habitualmente, me faz perder o sono. Mas o confronto li-
beralismo versus conservadorismo é permanente.
11
OS GRUPOS DE ENCONTRO EM
FIM DE SEMANA
64
migo, pusera muitos problemas de valor de natureza ética e moral. 1
Na discussão que se seguiu, AI (todos os nomes são fictícios) to-
mou o que parecia ser uma posição muito rígida e moralista e foi
atacado - não raro com intolerância - por vários membros do grupo.
Como a discussão continuasse, não lhe pude dar grande ajuda, mas
reconheci que a "rigidez" de AI era antes uma fachada e disse que eu
desconfiava que êle, "por dentro" fôsse, na realidade, "bem macio".
Pareceu embaraçado, como se tivesse sido "descoberto" e os seus
olhos estavam úmidos de lágrimas. Foi uma animada interação, com a
participação de muitos membros. Aí, cortamos a discussão no grupo
total e passamos a nos reunir em três grupos menores, em salas sepa-
radas.
É, na verdade, impossível comunicar a qualidade da experiência
nos dois grupos de encontro do fim de semana, passados vinte e um
dias entre um e outro. Quanto a mim distribuí o meu tempo, mais ou
menos equitativamente, entre os três grupos. Empenhei-me em ser tan-
to quanto possível, um participante real, em cada grupo, durante o tem-
po em que aí ficava, assim como em agir de maneira facilitadora,
usualmente com uma resposta empática, quando tal parecia adequado.
Em um dos grupos, partilhei com os seus membros algo das frustrações
e da humilhação que houvera, recentemente, experimentado.
Resolvemos que os membros da classe deveriam ser redistribui-
dos em novas combinações, para o segundo encontro de fim de semana.
A classe se dividira igualmente, entre os que queriam manter a mesma
e os que pediam nova distribuição entre os grupos, e tentamos o último
arranjo. Foi, a meu ver, um êrro. Houve muitas indicações de que teria
sido mais produtivo se os grupos continuassem a ser os mesmos nos
dois fins de semana.
No final dos dois encontros, cheguei à conclusão de que não have-
ria nunca mais de dispersar-me entre os três grupos. Para êsse ou
aquêle grupo poderia ter algum significado a minha presença, mas,
para a conclusão, sentia-me como que fragmentado. Do outro lado,
quando do segundo fim de semana, em que era mais sólida a coerên-
cia de cada grupo, eu passava, aí, às vêzes, por um intruso. Um dos
"facilitadores" do grupo descreve a situação nestes têrmos: "Carl vol-
tou ao grupo, na última sessão. Com uma única exceção, o grupo se
mantinha no mesmo nível intelectual e parecia quase recusar-se a ad-
mitir que Carl se envolvesse com êle. Um dos membros chegou a di-
zer a Carl que o grupo se sentia melhor quando apenas eu estava
com a turma. Foi um pouco de coragem, da sua parte. Carl aceitou
a observação, como sendo provàvelmente, embora Iamentàvelmente,
verdadeira".
65
VINHETAS DOS GRUPOS DE ENCONTRO
11
66
prio ~inha sido submetido, há muitos anos, a uma Côrte Marcial,
acusado de algo por que não se sentia, pessoalmente, responsável
di'reto. Durante muito tempo, vivera com a mesma humilhação
descrita por Jim.
Mais tarde observei-lhe que deveria ter sido um pouco difí-
cil para êle falar-nos sôbre a "Côrte Marcial". John respondeu que
sim; de fato, não mencionara tal coisa a ninguém, durante um
longo período.
Em outros incidentes, John se mostrou sensível e compre-
ensivo para com os outros membros do grupo, chegando ainda a
falar sôbre assuntos privados de muita significãncia, apesar da
sua repetida advertência de que ficaria à margem das atividades
da turma.
AI e Bill eram constantemente hostis a John e criticavam
o seu ponto de vista sôbre as "boas cêrcas". Embora se chamas-
se, com freqüência, a atenção para a sensibilidade envolvente e
prestimosa de John, os dois, AI e Bill continuaram seus adversá-
rios, até o fim dêsse primeiro fim de semana.
67
relacionamento com o pai e o ex-marido. O pai sempre quis ter
um filho homem e nunca se satisfez com a criança que lhe nasceu.
Quando ela se casou, êle não gostava do seu marido.
Quando se divorciou, o pai se tornou amigo não só do anti-
go marido, como até da nova espôsa dêste. Continuou a critica·r
Joanne, mesmo depois do divórcio. Os padrões agressivamente
altos mantidos pelo pai tiveram efeito prejudicial não só para
Joanne como para os dois filhos dela. Joanne nunca foi capaz de
assentar-se com o pai e dizer-lhe o que sentia, porque êle a intimi-
dava demais.
Discutida a sua situação e sôbre como se poderia llaver
com ela, Carl sugeriu que êle faria o papel de Joanne e esta o do
seu pai. Carl, simplesmente exprimiu as sensações de temor, de
ressentimento e de desaponto que ela havia comunicado ao gru-
po, e Joanne, representando o papel do pai, gradualmente se foi
tornando mais compreensiva. Depois, repondo-se em si mesma,
resolveu fazer alguma coisa para se aproximar do seu pai, uma
vez que se capacitou da possibilidade de exprimir os seus senti-
mentos.
Na segunda semana, Joanne ainda estava no meu grupo.
Parecia demonstrar maior sensibilidade do que o exibira antes e
era muito mais cuidadosa nos seus comentários do que, ao que
me lembrava, havia sido na reunião anterior. Disse que ainda não
falara com o seu pai, mas que certamente o faria na hora certa,
e eu me mostrei confiante de que tal se verificaria .
•
Outra pessoa do grupo que desejo mencionar é Joe. Era um
tranqüilo professor, de espírito sério, com uma voz nervosa, trê-
mula. Não era muito ativo, no grupo, e parecia tímido e cautelo-
so. De fato, uma das poucas coisas de que falara, e a principal,
foi que costumava apostar em cavalos de corrida e que temia ga-
nhar muito dinheiro porque isso lhe da:ria certa notoriedade. Não
foi suficientemente estimulado e permaneceu pràticamente inati-
vo durante todo o fim de semana.
•
AI estava no meu grupo. Era reformado do Exército e, ago-
ra, professor_ Nas primeiras reuniões do grupo, era extremamen-
te tagarela, de um nível superficial, e Carl ficava furioso. Al, fi-
nalmente disse: "Percebo que estou falando demais, mas não sei
fazer outra coisa". Carl retrucou: "Você podia ficar de bôca fe-
chada". Só vinte minutos depois, AI reagiu, e de maneira ofensi-
va, e Carl acabou por lhe pedir desculpas {embora eu desejasse
que não o houvesse feito).
Al como que passou por tôda a experiência dos dois fins de
semana relativamente insensível e um tanto desorientado com
tudo o que acontecera.
69
Ela replicou-lhe que não queria falar do problema de ambos, pelo
menos durante um ano. Steve tomou isso como significando que
lhe estava sendo dado tempo, sob garantia, para que êle próprio
cuidasse de resolver o problema, e isto era, exatamente, o que lhe
convinha. Nessa sessão, teve capacidade para falar livremente do
problema e de como tencionava solucioná-lo.
11
70
normal. Disse que ainda se sentia muito ansioso, no grupo, e atri-
buia as dores no peito ao fato de não querer estar presente à
reunião da noite anterior.
Albert falou, então, longamente, sôbre a sua necessidade de
aperfeiçoar-se. É apegado a normas rígidas e se sente oprimido
quando não as aplica. Confessou o receio e ansiedade de revelar
ao grupo aspectos de sua personalidade os quais considera muito
aquém da perfeição. Tinha a sensação de que, se os membros do
grupo o conhecessem, realmente não o estimariam.
Muitos dos participantes do grupo n)taram como êle pare-
cia diferente do que se apresentava, antes, e como iam gostando
mais dêle, especialmente agora que o conheciam mais e que vis-
lumbravam nêle uma pessoa real. De fato, quanto mais êle se reve-
lava a si mesmo, mais sentiam aproximarem-se dêle.
Mais tarde, Albert disse, no seu habitual jeito brincalhão,
que esperava que o grupo não se ofendesse se êle fôsse dormir.
Sentia-se completamente descontraído, como se houvesse tomado
uma boa dose de tranqüilizantes, e o sono seria, antes, agradeci-
mento ao grupo, por o haver ajudado, e não um insulto!
Acho muito fácil dar liberdade aos grupos. Creio que isso decor-
re do fato de que, por um período de, aproximadamente, quarenta anos,
descobri ser compensador dar liberdade a clientes, a grupos de discus-
são, a classes, a grupos de participantes e a grupos de encontro. Reco-
nheço que, para outros, fazer tal coisa pode ser arriscado e perigoso,
donde não lhes ser possível, realmente, proporcionar semelhante grau
de liberdade. A êsses sugeriria: experimentem dar aquêle grau de liber.
dade que lhes pareça autêntico e cômodo; depois, observem os resulta-
dos.
Realmente, há dez ou quinze anos, provàvelmente eu teria dado ao
grupo maior liberdade ainda, oferecendo-lhe a oportunidade (e a taTefa)
de organizar todo o curso. Aprendi que isso suscita grande dose de an-
siedade, de frustrações e de raiva contra mim ("Viemos para aprender
com o senhor". "O senhor é pago para ser nosso professor!" "Não po.
demos planejar o curso, não sabemos de que é que se trata!") Não estou
certo de que tal ressentimento seja necessário. Assim, não sei se por
prudência ou por sabedoria, tratei de estabelecer limites e exigências,
perceptíveis como estrutura, de modo que os alunos, possam, cômoda-
mente, começar a trabalhaT. É só no decorrer do curso que êles se vão
capacitando de que cada "exigência", separadamente, e tôdas juntas, são
outros tantos modos de dizer: "Faça exatamente o que você quer fazer,
neste curso, e diga e escreva exatamente o que você pensa e sente".
71
Mas a liberdade parece menos decepcionante e geradora de ansiedade,
quando se apresenta em claros têrmos convencionais como numa série
de "exigências". Por outro lado, se eu depa:rasse com êsse mesmo grupo
de pessoas num outro curso, estou certo de que ninguém se assustaria,
se eu começasse dizendo simplesmente:
"Agora, aqui estamos. Que é que gostaríamos de fazer para enri-
quecer a nossa aprendizagem pessoal e intelectual?"
Num grupo de encontro, gosto de dar, tanto aos participantes
quanto a mim mesmo, o máximo de liberdade de expressão. Esta atitu-
de é, de regra, compreendida clara e ràpidamente porque se reveste de
autenticidade. Confio no grupo e, não raro acho-o mais sensato do que
eu, nas suas reações perante situações particulares. Assim, foi uma no-
va experiência, para mim, verificar que, participando apenas por um
pouco tempo de cada um dos três grupos (seis, se considera:rmos que os
seus membros foram redistribuídos no segundo fim de semana), nem
sempre estive em condições de receber aquêle impacto. Em alguns gru-
pos, fui tido como certa ameaça inibidora, embora, em outros, me con-
siderassem um participante livre. A circunstância indica que o grupo e
o "facilitador" devem permanecer os mesmos.
O CONTEXTO FAVORÁVEL
72
Sob outro aspecto, tive, sem dúvida, a sorte de poder contar com
dois colegas ansiosos por me prestar assistência e com um aluno que já
trabalhara antes comigo. Mas, ainda que não houvesse contado com tais
privilégios, poderia ter realizado muitos dos meus objetivos, sob diver-
sas outras alternl:!-tivas. Dividiria, por exemplo, a turma em dois gru-
pos, cada um a se reunir em um fim de semana, sem liderança, enquan-
to eu estaria presente no outro.
Poderia escolher dois elementos da classe e dar-lhes, durante a
·metade de um dia, certo treinamento na tarefa de facilitar um grupo,
e, a seguir, dedicar-me ora a uma, ora a outra das turmas. Com escas•
sa dose de treinamento, os facilitadores não se empenhariam naqueles
processos de intervenção demasiada, que são perigosos, mas proporcio-
nariam, simplesmente, certo sentimento mínimo de estrutura, no grupo.
CONFIANÇA
73
soas que se mostram competentes, confiantes, isentas de conflito, estão,
na verdade, sobrecarregadas de uma quantidade de problemas tanto
pessoais quanto circunstanciais. Isto as torna mais humanas e amáveis.
Coloca também os problemas de cada um, numa perspectiva diferente.
Outro elemento notável era o grau de envolvimento e de comunicação
interpessoal que se desenvolvia. Certo número de pessoas já se haviam
"conhecido" umas às outras em diversos cursos anteriores, mas essa
espécie de relações não tinham semelhança alguma com a intimidade
que se formou nos grupos. Finalmente, as pessoas assumiram risco
maior, ora se exprimindo com um mínimo de inibições, ora tentando
outras maneiras de comportamento interpessoal, não apenas dentro co-
mo também fora do grupo.
Essas as minhas impressões pessoais sôbre os efeitos dos fins de
semana. Os membros do curso exprimem suas próprias opiniões na par-
te que segue.
74
direta que me é possível de um corte transversal da reação total, sendo
a única tendência a de que as poucas apreciações negativas são citadas
quase 100%, ao passo que se fêz apenas uma seleção dos numerosíssi-
mos depoimentos positivos.
REAÇõES A LEITURA
75
partes sôbre Kierkgaard. Fiz dêle, por assim dizer, a minha bíblia.
Muitas das minhas outras leituras originaram-se de sugestões de
Barret: Camus, Buber, Tillich, e assim por diante. Forçou-me a
reler The Story of Philosophy de Durant e a tentar uma revisão
de Platão, Aristóteles e outros .
•
Não li, durante o curso, com a intenção de bater o recorde
de páginas lidas, agradar ao professor ou cumprir "exigências" do
curso. A princípio, li apenas por prazer. Para "juntar uma coisa
com outra", em benefício de mim mesmo. Para esclarecer alguns
dos meus próprios conceitos. Por exemplo, o Existential Psycho-
logy1 de May, pareceu-me exposição muito didática. Eu precisa-
va disto. Science and Hu.m.an Values de Bronowski, é ,para mim,
um clássico. Uma experiência válida, profunda, única.
Diverti-me tentando relacionar o "self" interior existencial,
o monitor ou a estrutura de mediaçãó, com a ampla descrição
behaviorista do sistema de atividade reticular de Wooldridge.
Ainda estou lendo ...
í6
vas para mim: existencialismo, idéias de determinados escritores,
a maior parte dêles que ainda não havia lido. :msse crescimento
intelectual é altamente satisfatório e me estimula a continuar
minhas análises .
11
77
vez houvesse um outro eu que tinha algo a dizer, mas teria êsse
outro eu "o direito de falar claramente?" (Diz como começou a
exprimir os seus sentimentos). E ... aqui eu estava, de fato,
transmitindo aos outros o que sentia verdadeirantente, consci-
ente, na realidade, do que estava experimentando. Enquanto es-
crevo isto, emociono-me, tenho, agora, os olhos rasos dágua.
11
•
Originàriamente, devo admitir que duvidava do valor do
grupo de enconúro - mas tentei, honestamente, ter acesso a êle,
de espírito aberto. Agora, apesar de ainda estar um tanto incerto,
começo a ver que algo digno de valor pode provir de tais encon-
tros. Por outro lado, ainda me pergunto se tal grupo, ideado arti-
ficialmente, é, de fato, necessário. Minha reação negativa básica
centralizou-se na premência em tornar público· experiências
e sentimentos verdadeiramente pessoais.
Jl
78
sensibilidade, num fim de semana. Os meus valôres resistiram à
sessão, só que eu me capacitei de quão pouco interêsse tinham
para mim os sentimentos dos outros. Desde então, creio que vejo
e ouço as pessoas com mais nitidez.
=
Desde o último encontro de seminário, abri-me e experimen-
tei-me a mim mesmo, em relação a minha mulher e a meus filhos,
e ao meu trabalho, de modo mais claro, envolvente e significativo.
Idéias, pensamentos, discernimentos emocionais germinam e exer-
79
cem influência sôbre mim em direção a um comportamento mais
livre e mais aberto, nessas áreas. Atribuo tais mudanças às mi-
nhas experiências nos seminários.
•
Sempre esperei que as pessoas, em grupos, me proporcio-
nassem "feedback" sôbre coino reagem a mim. Achei, por
muito tempo, que se nunca o faziam, é porque temiam que eu não
o suportasse. Eu não tinha tido a coragem de fazer perguntas
sôbre isso, mas, na última sessão, fiz, e o grupo respondeu. Dis-
seram tanta coisa positiva! Gostavam de mim! E eu acreditei nê-
les. Que grande sentimento! Assim, não só tenho mais confiança
nas possibilidades que se abrem para mim, na atividàde profissio-
nal, como pessoalmente, me sinto querido e amável.
=
Quando reflito sôbre as experiências que me têm sido pro-
porcionadas, nos pequenos grupos, verifico que se desenvolveu
uma éspécie de percepção canalizada; isto é, filtrei aquilo que não
se ajustava à minha idéia do modo como as coisas devem ser.
Os membros do pequeno grupo ajudaram-me a ver o meu
comportamento irracional, não apenas pondo-o em realce pa:ra
mim, como também abrindo-se e interagindo uns com os outros.
Estando as sessões para terminar, comecei a experimentar uma
sensação agradável. Desenvolvera-se em mim o desejo de encarar
o meu problema de um modo positivo e, fazendo-o, aprendi que o
que eu temera durante cinco anos realmente não era tão impor-
tante.
08
Desde as exper1encias do grupo básico de encontro, creio
que posso aprender a aceitar-me a mim mesmo. Estou bem con-
vencido de que isso exige tempo, mas tenho a certeza de que, se
aprendo a ser menos crítico em relação a mim próprio, serei mais
feliz. Estou seguro de que o curso me ajudou muito a êsse res-
peito.
81
nossa sessão, na minha ida para casa). Durante as reuniões, com-
partilhávamos de idéias, sentimentos, e de nós próprios. Ninguém
recebia uma resposta a seus problemas ou conflitos, mas, da as-
sociação entre nós, parecia-me tornar-se mais fácil a satisfação
íntima ... Quando eu revelava algum sentimento, o grupo não rea-
gia de modo a levar-me a racionalizá-lo ou a recorrer a outra fO'r-
ma qualquer de defesa. Os companheiros aceitavam-me tal como
eu era. Experimentava, simplesmente, certo bem estar, e a natu-
ral certeza de que me encontrava entre amigos nos quais podia
confiar.
82
lado, tenho de congratular-me por não estar na situação dêles,
mas, tal sentimento não parece, de modo algum, superar a preo-
cupação que êsses fins de semana geraram em mim, a de andar-
mos por aí, na vida, associados a tanta gente perturbada. . . Pes-
soalmente, de nada me valeram êsses encontros de grupo ...
mas admito o fato de que foram de imensa ajuda para os meus
companheiros transtornados.
Compreendi que muitas daquelas pessoas tinham graves
problemas íntimos e que, realmente, não encontrariam outro jei-
to de os expôr senão perante aquêle ajuntamento de criaturas
pràticamente estranhas umas às outras. Tendiam a rejeitar a
ajuda que um Deus lhes ofereceria e pareciam incapazes de de-
senvolver qualquer relação com os membros mais próximos das
suas famílias. O resultado é que muitos viviam, então, num in-
ferno criado por êles próprios. Para êsses infelizes, posso agora
vislumbrar certo benefício proporcionado por êsses grupos de
encontro básico. . . entretanto, ainda acredito que se trate de
uma assistência temporária e que a cura permanente só lhes
ocorreria após desenvolverem uma Última relação com o seu
Deus.
V ALôRES PESSOAIS E A
QUALIDADE DA SUA MUDANÇA
Para muitos participantes do curso, os valôres pessoais foram
submetidos a uma reavaliação. Nada de surpreendente, se considerar-
mos o título: "Valôres no Comportamento Humano". Houve casos, em
que se mantiveram os velhos valôres com uma compreensão nova. Pa:ra
outros, houve significativa mudança na posição dos valôres. Das cita-
ções que se seguem, tiradas, abundantemente, dos textos escritos pelos
alunos, evidencia-se que muitas mudanças foram experienciais - inclu-
indo sentimentos, cognição e comportamento- e não simplesmente in-
telectuais .
Para mim, a primeira declaração é particularmente tocante e sig-
nificativa. O autor, homem, é um experimentado diretor de escola com
muitos anos, tanto de magistério (ou de treinamento?) quanto de pe-
sada responsabilidade prática. Todavia, é evidente que essa foi a pri-
meira vez em que falou de dentro de si mesmo, por si mesmo. Quan-
ta gente tem vivido assim, ansiosa e privada, por décadas a fio?
Os parágrafos iniciais revelam-nos o espírito que impregna todo
o documento:
83
prévio, mas vou alinhando os meus pensamentos enquanto êles
me ocorrem. É quase um sentimento de flutuar, porque para
mim, não parece realmente ter importância saber como você, ou
qualquer outra pessoa interessada, reagirá aos meus pensamen-
tos. Todavia, ao mesmo tempo, sinto que você os aceitará como
meus, independente da falta de estilo, ou esquema de expressão
acadêmica. . . A minha preocupação real é a de tentar comuni·
car-me comigo mesmo, de modo a me compreender melhor.
Imagino que o que realmente estou a dizer é que escrevo
não para você, nem para obter uma nota, nem para uma classe,
mas para mim. E isto me é especialmente agradável, pois, se tra-
ta de algo que não teria ousado fazer ou sequer levar em consi-
deração, no passado.
Você sabe, suponho, que me sinto aborrecido, se os outros
não pensam bem de mim. . . Mas agora me capacito de que real-
mente quero que as pessoas me apreciem agora, tal como sou,
como realmente sou, não exatamente pelo que eu pretenda ser.
84
um valo•r que realmente pareceu "explodir" foi a maneira
pela qual considero a morte, ou talvez, o curto período de minha
vida. . . De repente, uma sensação de eternidade! Realmente, dis-
se-o, em voz alta, enquanto me encaminhava para casa: Vou viver
para sempre! Não é um sentimento de imortalidade, mas, antes,
de ser "sempre". Minha vida vai ser minha sempre!
Antes parecia-me que ter uma orientação positiva, saber
pa:ra onde ia, em que acredito, quem sou eu, talvez não se tratas-
se tanto de um valor, mas de algo valioso para mim Agora, a
única coisa de que estou certa é que ignoro como responder a tais
questões. Posso vislumbrar, entretanto, e achar respostas para
o que é correto, agora, mas, se as considero como positivas, fi-
nais, parece que a porta se fecha pa:ra mim. Como é tremenda·
mente horrível! Seria para mim o fim, e eu não posso conceber
um fim na vida.
X
Como resultado dêste curso, não sinto que os meus valôres
básicos hajam mudado, mas, experimento maior senso de com-
preensão dos outros e maior capacidade de me ver a mim mes-
mo, assim como os efeitos das minhas ações sôbre os outros.
Descobri, que, freqüentemente, as coisas que digo não são inter-
pretadas como eu pretendo que o sejam, e que os meus senti-
mentos, quando expressos, em vez de suscitarem aceitação, en-
contram resistência e mesmo antagonismo por parte dos outros.
Isto resultará, talvez, da falta de conhecimento dos sentimentos
dos outros nas minhas tentativas de ser autêntico comigo mes-
mo.
Adicionalmente, capacito-me melhor de que tenho usado a
minha mulher e os membros da minha família como caixa de
ressonância, tornando-me tão absO'rvido nos meus próprios pro·
blemas que não me dou conta dêles e de suas necessidades. Dessa
percepção resultaram os esforços que tenho feito para ir ao seu
encontro e aceitá-los como parte considerável de mim mesmo e
de minha vida, em vez de tê-los como algo à margem das minhas
preocupações básicas ou do meu trabalho e do futuro dês te. Di·
zia-lhes, não raro: "Faço isto por vocês. Do meu êxito depende
o nosso futuro". Assim procedendo, eu os excluía, de certo modo,
da minha vida presente.
Dessa maneira, o meu valor "fazer do próprio ser um ser
autêntico" permanece ainda, mas o curso levou-me a perceber que
devo levar em conta os outros e os seus sentimentos. Sinto-me
mais cônscio disso e estou agindo em conseqüência. Ainda tenho
de progredir muito nessa di'reção, mas os primeiros passos foram
dados.
85
Valôres são um estado de ser, um modo de dizer quem eu
sou. Dos vários matizes que me definem, os dois mais intensos e
que se acentuam continuamente são êstes: sou mãe e alguém que
ama aberta e desembaraçadamente a vida.
86
Ficava intensamente impressionado, no grupo, quando ali
me assentava, pa·rte ouvindo, parte observando os outros, voltan-
do a pensar no que havia lido e compreendido, a perguntar-me
o que significa essa ausência de papel a de s em p e n h a r
(rolelessness) e se daí poderia resultar um crescimento mais
profundo e acabado da pessoa. É que o papel básico de integra-
ção poderia ser um passo intermediário antes de atingir-se o
estágio de ausência de função, de que o indivíduo pudesse final-
mente emergir e ser o mesmo para todos, o que verdadeiramen-
te redundaria numa explêndida condição humana. . . Há ainda
muita coisa a elaborar, de minha parte, mas nunca me havia
sentido tão bem, relativamente à minha pesquisa e, num outro
nível tive uma visão real de minhas hostilidades.
87
por um momento, considerei-me apta a viver, eu própria, no
mundo, com essa espécie de conhecimento de mim mesma. Es-
sas experiências pessoais, êsses vislumbres, apesar de breves,
transformaram-se numa lembrança a que dou valor, no sentido
de que os conservo como objetivos a atingir.
88
Dou mais valor à minha mulher, como pessoa. Agora veri-
fico que, ao tentar mostrar-me o grande homem que eu era, au"
mentei-lbe as frustrações, impedindo-a de se tornar capaz de rea-
lizar as suas tendências de ajudar os outros, os seus desejos de
me ser útil. Quero e preciso de sua ajuda, seu acolhimento, sua
simpatia, às vêzes mesmo de sua irritação e frustração (isto é
duro para ela entender), e de seu amor. A afeição experimentada
por mi.m nos nossos seminários, despertou-me êsses sentimentos
em relação à minha mulher. Tentei ser mais aberto para com
ela, tanto quanto para com meus filhos, particularmente para
com as meninas mais velhas, dos quais eu me tinha afastado. O
crescente valor que eu emprestava à minha vida dei-o à dêles.
Jl
Jl
89
Isto (referindo-se a determinado sentimento) ocorreu du-
rante as últimas três semanas, mas não estava eu tão certo de
gostar dêsse nôvo "indivíduo". Não que me achasse prestes a per-
der amigos. A princípio, quando isso aconteceu tentei dizer algo
agradável no momento em que exprimia o que realmente sentia,
para não perder tal pessoá ou ousar permitir que os outros pen-
sassem mal de mim. Mas, para minha surprêsa, nada realmente
mudara. Não perdi amigo nenhum e não parecia preocupar-me
em "falar claramente", embora tal ocorresse sem se:r planejado.
Imagino que estava a ouvir-me, possivelmente pela primeira vez,
a falar de algo que me brotara do íntimo. Foi para mim, literal·
mente, uma experiência dramática ...
Sei que tento ser um pai melhor relativamente a meus fi-
lhos. Mudei mirihas idéia~ quanto a certas coisas que supunha
serem importantes na criação dos filhos. Não posso impor-lhes o
meu modo de pensar. Foi-me útil saber os erros cometidos pelos
outros. Já ouvira tais coisas, antes, mas elas nunca me haviam
impressionado tanto quanto agora. Não sei dizer por que, mas
atribuo-o ao fato de me achar emocionalmente unido às pessoas,
no grupo.
90
perimentei. Já o estou usando nas classes em que leciono .
•
A meu ver, parte do valor real do curso está na sincera
amizade que se teceu entre mim e outros alunos de doutora-
do, dos quáis, alguns, têm sistema de valôres diverso do meu.
Sou-lhe profundàmente grato pelas experiências e pelo cresci-
mento verificado.
Descoberta que fiz, posteriormente, consiste em que quan-
to mais valorizo a mim mesmo, mais valor atribuo aos outros.
Em conseqüência, capacitei-me melhor a pôr em prática idéias
que sustentava já há muito tempo. Isto é, na medida em que d
curso se foi desenvolvendo, minhas idéias fundamentais não se
modificaram, mas minha capacidade de pô-las em prática se in-
tensificou.
•
Como resulta6o do curso, creio ter começado a tentativa
de complementar, com maior rigor, experiências, conhecimentos
e comunicações. Para ilustrá-lo, penso em dois exemplos de meu
comportamento durante o mês passado. (A segunda ilustração
proposta é à. que se segue): No relacionamento com minha espô-
sa, havia umas tantas coisas que ela fazia que suscitavam grande
, dose de hostilidade, da minha parte. No passado, eu, de regra, a.
condenava tão rotundamente quando ela dava vasão a tais mo-
dos de proceder, que o resultado era um fervilhar de irritações
. mútuas de que redundava pouco ou mesmo nada que diminuís-
. se a minha hostilidade. Usualmente, eu tentava atenuar as rus-
gas entre nós, desculpando-me com a alegação de poucos mais
sinceros motivos. Recentemente ela procedeu de tal forma que
eu quase me tornei violento como ela. Em vez de condená-la,
tentei, entretanto, mostrar-lhe quanto o seu procedimento me
afetava. Emobra isso suscitasse as habituais irritações no ini-
cio, à tarde, quando nos recolhíamos, parecia que íamos chegan-
do a certo entendimento que antes não existira entre nós.· As
trocas de palavras já não eram sem sentido, e o nosso relacio-
namento foi adquirindo certa cordialidade. Nêsses últimos tem-
pos, estou cônscio de ter experimentado sentimentos puros e
satisfatórios.
92
maior exatidão, daqui a ·seis meses, qual a nota que acho me de-
veria ser atribuída.
•
Critérios. Parece-me necessário mencionar duas séries de crité-
rios:
A. Critérios, pessoalmente, de maior significação:
1. quanto me satisfez o trabalho, o que dêle obtive;
2. se progredi ou não, intelectualmente e pessoalmente;
3. quanto de mim mesmo empenhei no curso;
4. animo-me a dar continuidade ao que me proporcionou o
curso?
93
tes: a - meu fundamento básico, no campo, ao iniciar-se o curso,
e a posição em que me acho, ao terminá-lo; b - participação nas
reuniões de classe e mudanças no meu modo de pensar que daí
resultaram; c - leituras feitas nos cursos e aquisições novas; d
-capacidade de adaptar e de usar, na vida cotidiana, os concei-
tos adquiridos no curso.
(Em relação a d, diz êle):
Minha capacidade de adaptar e de usar os conceitos adqui-
ridos tem sido, a meu ver, realmente notável. Nunca havia pas-
sado por um curso sem adqutrir e usar qualquer coisa, mas há
muito tempo não encontrava e aproveitava tanto quanto me pro-
porcionou o que acabo de fazer.
11
=
94
Em têrmos de reflexão, emoção e leituras, tive minha aten-
ção mais ocupada do que em qualquer outra experiência do curso.
Jl
•
Reação ao curso: por que os outros não são tão excitantes?
Jl
95
De todos os cursos que tenho feito, penso que nenhum se
aproxima nem de longe do valor dêste. Sofri uma transformação
e sei que houve mudança. O que li, o que experimentei passou a
ser parte integrante de mim e me servirá de fundamento. Quanto
ao meu modo próprio de considerar as coisas, o curso apenas
começou para mim. Continuarei a segui-lo pelos anos a fora!
Com base nos meus critérios pessoais, darei a mim mesmo, jul-
gado à luz da minha própria consciência, o mais vigoroso "A"
que jamais me foi atribuílio em qualquer tempo.
QUE SE APRENDEU?
96
Em primeiro lugar, parece evidenciar-se que, quando os alunos
percebem que têm liberdade para alcançar os seus objetivos, a maior
parte dêles se empenha mais pessoalmente nos esforços despendidos,
trabalha mais aferradamente, retém e utiliza melhor o que aprenderam,
diversamente do que ocorre em cursos convencionais.
Uma deficiência dêste curso (a ser corrigida em planejamentos
;futuros) consiste em que os estudantes não têm bastante oportunidade
para discutir as aprendizagens cognitivo-pessoais que adquiriram atra-
vés das suas leituras. ·As vantagens do estudo independente impressio-
nam mas os alunos gostariam de discutir também as idéias que forma-
ram. Deram tanto valor aos grupos de fim de semana, como experiên-
cia pessoal, que não quiseram empregar êsse tempo para uma troca de
vistas sôbre os proveitos que tiveram das suas leituras. Há evidente
necessidade de acrescentar-se algum tipo intermediário de experiência
- um diálogo, por exemplo, ou um seminário de intercâmbio.
Dos grupos de encontro, um dos temas que. emergem, muitas vê-
zes, em contextos diversos, é o de que a pessoa adquire não apenas me-
lhor auto-compreensão como também mais radical aceitação de si mes-
ma. As faltas; deficiências e fraquezas, que tão cuidadosamente se ocul-
tavam dos outros, não somente já ni:j,o se dissimulam como se revelam
servir de base a maior receptividade e afeição por parte dos outros. O
mais surpreendente de tudo, para a pessoa é aprender que, quando acei-
ta tais imperfeições, estas muitas vêzes se transformam num trunfo pa-
ra a sua melhor atuação, num trampolim para ulterior desenvolvimen-
to, ou numa coisa e outra.
Outra coisa aprendida é que, quando a pessoa se aceita tal qual é,
se torna muito mais livre para ouvir, compreender e aproximar-se dos
outros. Da auto-aceitação emerge maior compreensão e relacionamen-
to mais íntimo no que toca aos esposos, aos filhos, aos companheiros
de trabalho e de estudo.
Elemento que reaparece, muito freqüentemente, é o de que, no
clima de confiança e segurança psicológicas desenvolvido no grupo, as
pessoas podem aceitar e utilizar, construtivamente, tanto o "feedback"
negativo quanto o positivo dos outros participantes. Podem acolher.
julgar e utilizar diferentes espécies de comunicação, quer sejam ir-
racionais, intelectualizadas, ou dignas de aprêço.
Um aspecto da aprendizagem, que se realça, está em sua possibi-
lidade de logo se traduzir em comportamento. Não se trata apenas de
lnstruir-se sôbre ajustamentos na família; começa-se a comportar-se di-
ferentemente com a espôsa e filhos. Nem sôbre inovação pedagógica;
começa-se a comportar-se difa-entemente com seus alunos e sua equipe.
Nem sôbre o valor de expressar sentimentos e idéias pessoais; faz-se
isto, desde logo, tanto dentro quanto fora do grupo.
Outra aprendizagem incide sôbre critérios nitidamente diferentes
de que as pessoas se utilizam para avaliar o seu trabalho e a si pró-
97
prias. O usual e inflexível modêlo de avaliações ao qual tentamos adap-
tar tôda gente, chega a se mostrar ridículo, à luz dêsses fatos.
Um triste aspecto da aprendizagem reside em que, mesmo em re-
lação a profissionais amadurecidos, a liberdade de pensar, de sentir, de
exprimir-se, de comportar-se, de ser, tem estado quase inteiramente au-
sente das suas vidas. Para muitos, trata-se de uma experiência nova.
Aí estão alguns dos temas que respiguei no estudo cuidadoso das
produções dos estudantes e de suas observações nos grupos de encon-
tro. Todos, a meu ver, envolvem exemplos de aprendizagem significa-
tiva.
CONCLUSÃO
Tentei a descrição da minha própria conduta, num curso recente,
com suficientes pormenores que pennitam ao leitor construir uma ima-
gem sua a respeito dos métodos e processos utilizados, assim como das
conclusões· a que chegou sôbre os resultados, do ponto de vista intelec-
tulll e pessoal. Para mim, êle constitui mais uma evidência a ser acres-
cida aos capífulos precedentes, dos fatos que ocorrem, quando se con-
fia nos alunos para que êstes aprendam.
98
Segunda Parte
A CRIAÇÃO DE UM CLIMA
DE LIBERDADE
99
INTRODUCÃO
O capítulo 5.• não pretende ser mais do que breve estudo de al-
guns dos métodos que um facilitador ·de liberdade para aprender pode
eventualmente escolher. Se eu houvesse tido mais experiência direta
nos vários níveis do ensino, poderia estar em condições de apresentar
uma relação de métodos mais extensa. Mas como todo educador deve
escolher o seu próprio estilo, desenvolver os seus próprios métodos,
não tenho por que me desculpar de haver descrito número limitado de
processos.
101
4. O RELACIONAMENTO INTERPESSOAL
NA FACILITAÇÃO DE APRENDIZAGEM
Quero começar êste capitulo com uma afirmação que pode pare-
cer surpreendente a uns e, talvez, ofensiva a outros. É simplesmente
esta: ensinar, a meu ver, é função exageradamente super-valorizada.
Dito isto, corro ao dicionário para ver se realmente tem signifi-
cado o que afirmei_. Ensinar significa "instruir". Pessoalmente, não es-
tou muito interessado em instruir o outro sôbre o que deveria saber ou
pensar. "Comunicar conhecimento ou habilidade" - minha reação é:
por que não ser mais eficiente, usando um livro ou uma aprendizagem
programada? "Fazer saber"- aqui, fico com o cabelo arrepiado; não
tenho vontade de fazer ninguém saber coisa nenhuma. "Mostrar, guiar,
dirigir" - parece-me que se tem mostrado, guiado e dirigido a gente
demais. Assim, chego à conclusão de que tem significado o que eu dis-
se. Ensinar é, a meu ver, atividade relativamente sem importância e
enormemente super-valorizada.
103
Mas há mais do que isso, na minha atitude. Reajo negativamente
ao ensino. Por que? Porque, penso eu, ensinar suscita questões tôdas
elas falsas. Assim que focalizamos o ensino, surge a questão: ensinar
o quê? Que é que, do nosso ponto de vista superior, uma outra pessoa
pre~isa saber? Admiro-me de que, ainda hoje, nos justifiquemos com a
presunção de que somos uns sábios, em relação ao futuro, ao passo que
os jovens são uns tolos. Estamos realmente seguros a respeito do que
êles deveriam saber? Aí, aparece o ridículo problema da extensão: que
é que o curso abrangerá? Essa noção de extensão baseia-se na suposi-
ção de que o que é ensinado é aprendido; o que é apresentado é assimi-
lado. Não sei de suposição tão obviamente errada. Para evidenciar sua
falsidade, não é preciso pesquisar; basta conversar com uns poucos es-
tudantes.
Mas eu me pergunto: "terei tanto PI'econceito contra o ensino, ao
ponto de não descobrir situação em que êle valha a pena?" Imediata-
mente, penso nas minhas experiências na Austrália, não há muito tem-
po. Interessei-me principalmente pelos indígenas australianos. Trata-se
de um grupo que, por mais de 20.000 anos, tem vivido e sobrevivido
num ambiente desolado, em que um homem moderno pereceria dentro
de poucos dias. O segrêdo da sobrevivência_ dos aborígenes tem sido
ensinado. Transmitiram-se aos jovens todos os detalhes de conhecimen-
to sôbre o modo de obter água, como seguir o rastro da caça, matar o
cangurú, encontrar o caminho através do deserto sem trilhas. Tal CO··
nhecimento é transmitido aos jovens como o meio de comportar-se e
qualquer inovação é desaprovada. Claro que tal ensinamento lhes pro-
porciona o modo de sobreviver, num meio hostil e relativamente imu-
tável.
Agora estou mais perto do x do problema que me excita. Ensinar
e transmitir conhecimento tem sentido num meio imutável. Eis :Porque
essa tem sido a sua função inquestionada, durante séculos. Mas, se há
uma verdade a respeito do homem moderno é que êle vive num meio
continuamente em mudança. Uma coisa de que posso ter certeza é que
a Física ensinada a um estudante de hoje estará superada dentro de
uma década. O ensino da Psicologia estará certamente ultrapassado da-
qui a 20 anos. Os chamados "Fatos da história" dependem, amplamente,
da disposição e da índole atuais da cultura. A Química, a Biologia, a
Genética, a Sociologia passam por um fluxo tal que uma sólida afirma-
ção féita hoje estará quase certamente modificada ao tempo em que o
estudante atinja o estágio dentro do qual possa usar o seu conhecimen-
to.
Enfrentamos, a meu ver, situação inteiramente nova em matéria
de educação, cujo objetivo, se quisermos sobreviver, é o de fªcilitar a
mudança e a aprendizagem. O único homem que se educa é aquêle que
aprendeu como aprender; que aprendeu como se adaptar e mudar; que
se capacitou de que nenhum conhecimento é seguro, que nenhum pro-
104
cesso de buscar conhecimento oferece uma base de segurança. Mutabi-
lidade, dependência de um processo, antes que de um conhecimento es-
tático, eis a única coisa que tem certo sentido como objetivo da educa-
ção, no mundo moderno.
Assim, e agora com algum alívio, volto a uma atividade, a um
propósito, que realmente me anima - facilitar a aprendizagem. Quan-
do eu tenha sido capaz de transformar um grupo - e aqui me refiro
a todos os membros do grupo, incluindo eu - numa comunidade de
;í.prendizes, o estímulo será quase incrível. Libertar a curiosidade; per-
mitir que as pessoas assumam o encargo de seguir e:m novas direções
ditadas por seus próprios interêsses; desencadear o senso de pesquisa;
àbrir tudo à indagação e ·à análise; reconhecer .que tudo se acha em
processo de mudança - eis uma experiência de que nunca me posso
esquecer, Nem sempre é isso realizável nos grupos com que tenho tido
contato, mas quando o é, parcial ou amplamente, torna-se, então, ex-
periência de grupo dessas de fato inesquecíveis~ De tal contexto emer-
gem verdadeiros estudantes, aprendizes reais, cientistas, eruditos e pro-
fissionais com capacidade criadora. Aquela espécie de pessoas que po-
dem viver num delicado mas sempre mutável equilíbrio entre o que
hoje se conhece e os fluentes, móveis, alteráveis problemas e fatos do
Nturo.
o
Eis aí um objetivo a que me. dedicarei com todo. entusiasmo_
ª
"VmQ _faç!Jjtª~ã._o_ da apren!l~_l!@m _ç_QmQ__ o_iinuta _Elc}JJ.ça_çãq, o modo
pelo qual desenvoÍveremÕ~ o homem entregue ao estudo, o modo pelo
qual podemos- aprender a viver como pessoas em processo. Vejo-a co-
mo a função capaz de sustentar respostas construtivas, experimentadas,
mutáveis, em processo, às mais profundas perplexidades que assediam,
hoje, o homem.
Mas sabemos como atingir êsse nôvo objetivo da educação ou isso
é um fogo-fátuo que ora aparece ou não, só nos dando, assim, precária
esperança real? Minha resposta é que possuímos conhecimento bem
considerável das condições que, em relação à pessoa como um todo,
estimulam a aprendizagem auto-iniciada, significativa, experimental, em
nível de profundidade. Não é freqüente vermos tais condições levadas
a efeito, porque elas importam em verdadeira revolução no nosso mo-
do de acesso à educação, e as revoluções não são para os tímidos. Po·
demos, entretanto, como o vimos nos capítulos anteriores, encontrar
exemplos dessa revolução em ação.
Sabemos - o que se evidenciará na breve descrição que faremos
- que a iniciação de tal aprendizagem não se baseia nas habilidades de
ensinar de um líder, no seu conhecimento erudito do campo, no plane-
jamento do currículo, no uso de subsídios audio-visuais, na progra-
mação do computador utilizado, nas palestras e aulas expositiyas, na
abundância de livros, embora tudo isso possa, uma vez ou outra, ser
empregado como recurso importante. Não, a facilitação da, aprendi-
105
zagem significaticativa baseia-se em certas qualidades de comportamen-
to que ocorrem no relacionamento pessoal entre o facilitador e o
aprendiz.
Chegamos a tais descobertas, no campo da Psicoterapia, mas a
sua aplicação nas salas de aula vai se tornando, por igual, cada vez
mais evidente. É mais fácil pensar que o relacionamento intensivo en,
tre o terapeuta e o cliente possui aquelas qualidades; vamos, porém,
descobrindo que também podem elas existir nas incontáveis interações
'(cêrca de 1.000 por dia, como Jackson mostrou, em 1966) entre o pro-
fessor e os seus alunos.
106
te, adotarem o papel, a fachada de quem se faz de professor, e usarem
o disfarce todo o dia, só o tirando, à tardinha, quando saem da escola.
Mas nem todos os professôres são assim. Veja-se o exemplo de
Sylvia Ashton-Warner, que se encarregou de crianças refratárias, su-
postamente preguiço::;;as para aprender, da escola primária de Maori,
na Nova Zelândia. Deixou que elas ·desenvolvessem, por si mesmas, o
. vocabulário para leitura. Dia a dia, cada criança podia pedir à profes-
sôra uma palavra- a que quisesse pedir- e ela a imprimia num car-
tão que passava para o aluno. "Beijo", "fantasma", "bomba", "tigre",
"fogo", "amor", "papai"- eis algumas amostras. Daí a pouco ,as crian-
ças estavam redigindo frases, que iam guardando - "êle tomará uma
,surra", "o gatinho está assustado". As crianças simplesmente nunca se
esqueciam dessa aprendizagem auto-iniciada. Mas não é meu pro-
pó;;ito falar-lhes dos métodos daquela professôra. Quero apenas dar-
lhes um vislumbre da sua atitude, da apaixonante autenticidade que
p.eve ter sido tão evidente para seus pequenos alunos eomo para seus
leitores. Um jornalista fêz-lhe algumas perguntas, a que respondeu:
"Você me pede que lhe dê notícia de alguns fatos indiferentes ... Não
sei de nada indiferente para mim, ou de indiferente nessa matéria, sôbre
êsse assunto particular. Só deparei com fatos apaixonantes no que
toca ao Ensino Criativo, ardentes tanto para os alunos quanto para
'niim". (Ashton-Warner, 1963, p. 26)
· Eis o contí-ário de uma fachada estéril. Eis uma pessoa viva, com
convicções, com sentimentos. Foi sua transparente autenticidade, estou
certo, um dos elementos que dela fizeram uma facilitadora de aprendi-
zagem. Não se adaptou a um puro formalismo educacional. Ela é, e
os alunos progrediram porque estavam em contato com alguém que,
real e abertamente, é.
Veja-se outra pessoa, muito diferente, Bárbara Shiel, cujo traba-
balho fascinante para facilitar a aprendizagem numa turma de sexta
série descrevemos anteriormente. Proporcionou a seus alunos grande
dose de liberdade responsável e mencionarei mais tarde alguns aspec-
tos das reações de seus alunos. Eis aqui, entretanto, um exemplo do
modo como lidou com seus alunos, partilhando com êles não apenas
sentimentos de doçuraruavidade mas também de irritação e de frus-
tração. Pôs-lhes à dispo~ção, livremente, material de arte e os estu-
dantes dêle se utilizaram';' muitas vêzes, de forma criativa, mas a sala
de aula, não raro, parecia uma imagem do caos. Assim descreve ela
os· sentimentos que experimentava e como se havia com êles:
107
alguns voluntários poderiam encarregar-se da faxina ... Disse-lhes
que não me era agradável ver sempre as mesmas pessoas tratan-
do de arrumar as coisas para os outros - mas seria uma solução
para mim. "Bem, alguns de nós gostamos de arrumar", respon-
deram êles. Assim, não havia outro jeito. (Shiel, 1966)
Espero que êste exemplo dê algum significado claro a expressões
qu~ usei antes, quando afirmei que o facilitador "é capaz de viver tais
e tais sentimentos, de fazer dêles algo de si, e, eventualmente, de co-
municá-los". Escolhi um exemplo de sentimentos negativos, porque en-
tendQ que é mais difícil para a maioria de nós visualizar a significação
de tudo isso. No caso, a senhorita Shiel assumiu o risco de exibir as
suas frustrações em face da desordem. E que aconteceu? A mesma
coisa· que, segundo a minha experiência, quase sempre acontece~
Aquêles jovens compreenderam e respeitaram os sentimentos del8,
levaram-nos em conta, propuseram uma solução nova que a nenhum de
nós, creio, teria ocorrido. A senhorita Shiel sàbiamente comenta: "Cos~
tumava exaltar-me e me sentia culpada quando me irritava. Capacitei~
m~, finalmente, de que as crianças poderiam aceitar bastante os meus
sentimentos. E era importante para êles saberem quando me "pres-
sionavam". Tenho também os meus limites". (Shiel, 1966).
Exatamente para mostrar que os sentimentos positivos, quando
reais, são igualmente eficazes, citemos, em resumo, a reação de um uni-
versitário, num curso diferente:
. . . O seu senso 'de humor na classe foi estimulante; todos
nos sentimos descontraídos porque o senhor mostrou o seu mO-
do de ser humano, não a imagem mecânica do professor. SintO-
me como quem tem mais compreensão e confiança nos professô-
res, agora. . . . Também me sinto mais próximo dos colegas.
Diz um outro:
108
é fácil, nem atingível de uma só vez, mas é básico para a pessoa que
quer se tornar aquêle indivíduo revolucionário - um facilitador de
aprendizagem.
APRÊÇO,ACEITAÇÃO,CONFIANÇA.
109
o senhor me vê como quem tem sentimentos e necessidades reais,
como pessoa. O que eu digo e faço são expressões significativa~
do que eu sou e o senhor reconhece isto. (Appell, 1959)
•
. . . Ainda me sinto ligado a você, como se houvesse um
entendimento tácito entre nós, quase uma conspiração. Isso aju·
da a participação na sala, de minha parte, pois sinto que pe-
lo menos uma pessoa do grupo reagirá, mesmo quando não
estou muito certo quanto aos outros. Pouco importa, na realida-
de, se a reação é positiva ou negativa: ela existe. Obrigado!
110
agora, vejo que êste curso me ofereceu uma experiência de
aprendizagem, altamente valiosa, que eu não teria podido adqui-
rir de outra maneira.
COMPREENSÃO EMPÃTICA
112
QUAIS AS BASES DAS ATITUDES
DE FACILITAÇÃO?
UMA PERPLEXIDADE
É natural que nem sempre se assumam as atitudes que acaba-
mos de descrever. Alguns professôres levantam o problema: "Mas se
não me sinto empático, se, em dado momento, não tenho aprêço, nem
J;eceptividade ou estima pelos meus alunos! Que ocorrerá?" Respondo
que a autenticidade é a mais importante das atitudes que mencionei e
não foi por acaso que comecei a minha exposição por essa atitude. As-
sim, se alguém tem escassa compreensão do mundo interior do aluno,
não gosta dêle ou do seu comportamento, é quase certamente mais
eonstrutivo ser real do que pseudo-empático ou do que exibir a másca-
ra de quem se interessa por êle.
Mas isso não é tão simples quanto parece. Ser autêntico, ou ho-
.1esto, ou congruente, ou real, significa ser dessa maneira em relação
a si próprio. Não posso ser real para com o outro, porque não sei o
que é real para êle. Só posso dizer - se quero ser verdadeiramente
honesto - o que se passa em relação a mim.
Vejamos um exemplo. Antes, neste capítulo, referi-me aos senti-
mentos da senhorita Shiel sôbre a "confusão" pelo trabalho de arte.
Essencialmente, disse ela: "É de enlouquecer ficar aqui nessa bagunça!
Sou uma pessoa asseada e organizada e isso me está desviando a aten-
ção". Mas suponhamos que ela houvesse exprimido seus sentimentos
de modo diverso, com aquêles disfarces tão comuns nas salas de aula
de todos os níveis. Diria ela: "Vocês são as crianças mais bagunçadas
que eu já vi. Não se preocupam com a ordem ou a limpeza. Vocês são
horrorosos!" Definitivamente, não estaríamos em face de um exemplo
de autenticidade, de ser verdadeiro, no sentido em que emprego estas
palavras. Há uma profunda distinção entre os dois modos de falar que
eu gostaria de explicar pormenorizadamente.
Na segunda afirmação, a senhorita Shiel nada diz sôbre si mes-
ma, nada está participando sôbre os seus sentimentos. Sem dúvida, as
crianças sentirão que ela está zangada, mas como são vivas para per-
ceber as coisas, ficarão sem saber se ela está irritada com êles ou por·
que andou discutindo com a diretora. Nada existe, aqui, da honestida-
de da primeira afirmação, onde ela fala da sua indisposição, de estar
ela mesma sentindo que se desvia a sua atenção.
Outro aspecto da segunda afirmação é que está tôda misturada
a julgamentos ou avaliações e, como a maior parte dos julgamentos,
são todos discutíveis. Aquelas crianças são desleixadas ou simplesmen·
te se acham excitadas e envolvidas com o que estão fazendo? São tôdas
"bagunceiras" ou haverá algumas que se sentem tão incomodadas com
113
a confusão quanto a profe;:;sôra? Não se preocupam, de jeito nenhum,
com ordem, ou simplesmente, nem todo dia têm tal preocupação? Se
um grupo de visitantes estivesse para chegar, sua atitude seria diferen-
te? São horrorosos ou simplesmente crianças? Creio ser evidente que,
quando formulamos juízos, êstes quase nunca são inteiramente exatos,
donde causarem ressentimento e irritação, tanto quanto sentimento de
culpa e apreensão. Se a senhorita Shiel houvesse feito a segunda afir-
mativa, a resposta da classe teria sido inteiramente diversa.
Alonguei-me um pouco no esclarecimento dêsse ponto, porque sei,
por experiência, que acentuar o valor de ser real, de apropriar-se cada
um dos seus sentimentos, muitas vêzes se toma como licença para for-
mular juízos sôbre os outros, para projetar nos outros todos os senti-
mentos tidos como "próprios". Nada poderia ser tão oposto ao t'Ule
quero significar.
Na verdade, atingir a qualidade de real é, as mais das vêzes, difí-
cil, e, mesmo quando se quer ser, de fato, autêntico, isto só raramente
ocorre. Não é, certamente, mera questão de palavras e não ajudará
muito alguém considerar judicioso o uso de uma fórmula verbal, que
soa como participação de sentimentos. Tratar-se-á, exatamente, de ou-
tro aspecto de disfarce, de falta de autenticidade. Só aos poucos apren-
deremos a ser verdadeiramente reais. Antes de tudo, importa sermos
precisos em relação aos nossos sentimentos, capazes de ter consciência
dêles. Então, devemos concordar em assumir o risco de evidenciá-los
tais como são, em nosso íntimo, não os disfarçando, nem atribuindo-os
a outras pessoas. Eis por que admiro tanto a maneira como a senho-
rita Shiel expôs sua zanga e frustração, sem, de modo algum, disfar-
çá-las.
114
vantes, querem aprender, aspiram a progredir, procuram descobrir, em-
penham-se em dominar, desejam criar, encaminham-se para a auto-
disciplina. O professor trata de estabelecer certo clima na sala de aula,
certa qualidade de relacionamento pessoal com seus alunos, que lhes
permita desfrutar dessas tendências naturais.
A EVIDÊNCIA
Já estou a ouvir certos murmúrios: "Belo quadro - muito tocan.
t:e. Onde, porém, a sólida evidência? Que sabe disso o senhor?" Gosta.
115
Gostaria de voltar-me para essa evidência. Não é esmagadora, mas
const,nte. Não é perfeita, mas sugestiva.
Em primeiro lugar, no campo da Psicoterapia, Barrett-Lennard
(1962) deu impulso a um instrumento pelo qual se poderiam medir
qualidades ~titudinais como estas: genuidade ou congruência, aprêço
ou consideração positiva, empatia ou compreensão. Tal instrumento
foi aplicado tanto ao cliente quanto ao terapeuta, de modo a. termos
a percepção no relacionamento tanto por parte .do terapeuta quanto
do· cliente a quem aquêle tenta ajudar -1 Para dar notícia, muito resu-
midamente, de alguns achados, pode-se dizer que os -clientes que,
eventualmente, mostraram ter passado por maior mudança terapêu-
tica, enquanto medida por vários instrumentos, perceberam mais essas
qualidades no seu relacionamento com o terapeuta do que aquêles
que, eventualmente, mostraram menos mudança. Significativo, por
i2ual, é que essa diferença na percepção· do relacionamento evidencia-
va-se logo após a décima-quinta entrevista, com a previsão de mudan-
ça posterior ou de ausência de mudança em terapia. Ademais, verifi-
cou-se que a percepção e a experiência do relacionamento, por parte
do cliente, prestavam-se melhor à previsão do resultado final do que
a percepção por parte do terapeuta. O estudo original de Barrett-
Lennard foi-se ampliando e veio a ser confirmado. no geral, por outras
pesquisas.
Assim, podemos dizer, prudentemente e com ressalvas que se-
riam inapropriadas para o presente volume, que se, em terapia, o
cliente percebe o seu terapeuta como alguém real e genuíno, que o
estima e tem aprêço por êle, e empàticamente, o compreende, então, a
auto-aprendizagem e a mudança terapêutica são facilitadas.
Agora, outra linha de evidência, desta vez intimamente relacio-
nada com a educação. Emmerling (1961) observou que, quando se
pede a professôres de ensino secundário que identifiquem os proble-
mas que lhes pareçam mais urgentes, poder-se-ia dividí-los em dois
grupos/Primeiro, os que consideram seus problemas mais sérios sob
a forma, por exemplo de: "ajudar as crianças a pensarPm por si
m~smas e a serem independentes", "fazer com que os alunos partici-
pem", "aprender novos métodos de ajudar os alunos a dese.11.volverem
o seu potencial máximo"; "levá-los a exprimirem suas opiniões e inte-
rêsses Índividuais"; êstes se incluem na que se pode chamar o grupo
"aberto" ou "orientado positivamente". Quando se aplicou aos alunos
de tais professôres o Inventário de Relacionamento de Barrett-Len-
nard, verificou-se que êles eram tidos como mais significativamente
reais, mais receptivos, mais empáticos do que o outro grupo de pro-
fessôres a que nos vamos referir.
A segunda categoria seria ,a dos professôres que tendem ·a ver
os seus mais urgentes problemas em têrmos negativos, em têrmos de
deficiências e inaptidão dos alunos. Para êles, os problema:" urgentes
116
seriam tais como êstes: "tentar ensinar a crianças incapazes de tomar
uma direção"; "ensinar a crianças que não querem aprender"; "a alu·
nos incapazes de fazer o trabalho exigido para a sua aprovação"'
"conseguir fazer com que as crianças ouçam". Não surpreenderia pro-
vàvelmente o fato de que, quando os alunos de tais professôres tives-
sem de preencher o Inventário de Relacionamento, veriam os seus mes-
tres demonstrando autenticidade, receptividade, confiança, compreen·
são empática relativamente menores.
Daí podermos dizer que o professor cuja orientação o leva a
libertar a potencialidade do aluno exibe, em alto grau, aquelas quali.
dades de atitude que facilitam a aprendizagem. Os que se orientam
no sentido dos defeitos dos seus alunos demonstram menos tais quali-
dades.
Pequeno estudo experimental de Bills (1961, 1966) amplia o sig-
nificado dessas verificações. Selecionou-se um grupo de oito profes·
sôres, quatro dos quais tidos como bem adaptados e eficientes por
seus superiores, e, que mostravam uma orientação mais positiva
par.a com seus problemas. Os outros quatro, considerados desadapta·
dos, e, também, com orientação mais negativa, tal como ficou expos-
to acima. Os alunos de uns e de outros foram convidados a preencher
o Inyentário de Relacionamento de Barrett..Lennard, registrando a sua
perc~pção quanto ao relacionamento do professor para com êles. Isso
fêz .com que os alunos ficassem muito satisfeitos. Os que viam o seu
relacionamento com o professor, como bom, sentiram-se felizes por
descrevê-lo. Os que o consideravam desfavorável gostaram de ter
tido, pela primeira vez, a oportunidade de especificar as razões por
que o relacionamentO> não era satisfatório.
Os professôres mais eficientes obtiveram o ma1s alto cômputo
nas várias atitudes medidas pelo Inventário; foram considerados mais
autênticos, de nível mais elevado quanto à estima dos seus alunos. de
mà:ior compreensão empática. Sem descer a pormenores do estudo,
pode ser ilustrativo mencionar os escores ob.tidos quanto àquelas ati-
tudes var~aram nitidamente. Por exemplo, as relações do grupo de
clientes com os respectivos terapeutas, percebidas pelos clientes, rece-
beram um escore médio de 108, O relacionamento com os quatro pro·
fessôres mais adaptados, visto por parte dos alunos, teve um escore
de 60. Foi de 34 o escore do relacionamento com os quatro outros
professôres. Dêstes, o que recebeu a mais baixa classificação teve es·
core médio 'de 2, por parte dos seus alunos .
.l!:sse breve estudo sugere, certamente, que o professor conside..
rado mais eficiente revela, nas suas atitudes, aquelas qualidades que
descrevi como capazes de facilitar a aprendizagem, ao passo que o
professor menos adaptado mostra possuí-las em menor escala.
Estudo mais abrangente, de Macdonald e Zaret, focalizou o re-
gistro de interações de nove professôres com seus alunos. Os autores
117
verificaram que os comportamentos tanto de professôres como de
alunos poderiam ser explicitados de modo fidedigno. Quando o com-
.portamento do professor ,tendia a ser "aberto"- esclarecedor, estunu-
lante, receptivo, capaz de facilitar - as respostas dos alunos tendiam
a ser "produtivas"- inventivas, prontas para a análise, a experiência,
a síntese, a derivação de implicações. Quando tendia a ser "fechado"
- judiciativo, diretivo, reprovador, sujeito a ignorar, a pôr à prova a
formalizar-se - as respostas dos alunos tendiam a ser - "reprodu-
tivas" - imitadas,- adivinhativas, reproduzindo fatos, argumentando
com base em dados postos à sua disposição, ou memorizados. Os
pares dêsses dois conjuntos de comportamento mestre-aluno, esta-
vam relacionados de modo significativo (Macdonald e Zaret,
1966). Embora os autores fôssem cautelosos na qualüicação dos seus
achados, poder-se-ia evidenciar que os professõres interessados no pro-
cesso, e que eram facilitadores nas suas interações, obtiveram respos-
tas de auto-iniciativa e criadoras, por parte dos seus alunos. Os inte-
ressados na avaliação dos alunos tiveram dêstes respostas passivas,
memorizadas, dadas "para agradar o professor". Tal evidência ajusta·
se à tese que tenho sustentado.
Considerando o problema de um outro ângulo, Schmuck (1963)
mostrou que nas salas de aula em que os alunos perceberam que os
professôres os compreendem, há a probabilidade de que, entre os pri-
me,iros, se verifique uma estrutura mais difusa de apreciação. Isto
quer dizer que, quando há empatia por parte do professor, não ocorre
a presença de uns poucos alunos muito estimados e uns poucos muito
aborrecidos, mas o aprêço e o afeto são mais uniformemente difundi-
dos por todo o grupo. Em estudo posterior, Schmuck mostrou que, en-
tre estudantes altamente envolvidos num grupo igual, "existem signifi-
cativas relações entre o status atual de aprêço, de um lado, e, de
outro, a utilização de aptidões, de atitudes para consigo mesmo e
para com a escola" (1966, pp. 357-358). Isso parece confirmar outra
evidência, indicativa de que, num clima de compreensão, quando o
professor é mais empático, cada aluno tende a sentir aprêço pelos ou-
tros, a ter atitude mais positiva em relação a si mesmo e em relação à
escola. Se, em grau elevado, se deixa envolver no seu grupo (Oi que
parece provável em tal clima de sala de aula), tende a utilizar suas
aptidões, de modo mais amplo, no desempenho da atividade escolar.
Pode-se entretanto, indagar, ainda, se os alunos realmente aprcn.
dem mais quando ocorrem tais atitudes. Aqui, interessante estudo feito
por Aspy (1965), em relação a alunos do terceiro ano primário, ajuda-
nos a aproximar-nos de evidência sugestiva. O autor trabalhou com
seis classes dô terceiro ano. Os professôres durante duas semanas fi-
zeram fitas de gravações das suas interações com os alunos nos perío-
dos destinados ao ensino da leitura. As gravações foram feitas com o
intervalo de dois meses, a fim de obter amostra adequada das intera-
118
ções professor-aluno. Finalmente, foram selecionados segmentos de
quatro minutos, para exame acurado. Três avaliadores, trabalhando
independentemente e "às cegas", avaliaram cada segmento em rela-
ção ao grau de congruência ou autenticidade demonstrado pelo pro-
fessor, ao grau de seu aprêço ou consideração positiva incondicional,
e ao da sua compreensão empática.
Usaram-se como critério os testes de Realização em leitura (Sta.n-
ford Acbievem.ent). Omitindo, ainda uma vez, pormenores de um es-
tudo cuidadosa e rigorosamente controlado, pode-se dizer que as crian.
ças, em três classes com o mais elevado grau das atitudes acima des-
critas, demonstraram progresso de maior significado em leitura do
que as de três classes de grau inferior relativamente àquelas qualida-
des.
Podemos, assim, dizer, com certo grau ele segurança, que as
atitudes que tentei descrever são eficazes não apenas na facilitação
de uma aprendizagem e compreensão profundas do eu num relaciona-
mento tal como a Psicoterapia, mas que as atitudes mencionadas ca-
racterizam professôres tidos como eficientes, e que alunos de seme-
lhantes professôres aprendem mais, mesmo num currículo convencia.
nal, do que os de professôres a que faltam aquelas atitudes.
A EVIDJ!:NCIA POR PARTE DOS ALUNOS
Satisfaz-me que essa evidência se acumule. Pode ela ajudar-nos
a justificar a revolução em educação qua bbviamente espero. Contu-
do, as mais notáveis aprendizagens de estudantes, verificadas em tal
clima, não se restringem, . de modo algum, à maior realização nos
estudos básicos elementares (ler, escrever e contar . Aprendizagens
significativas são as de caráter mais pessoal - independência, auto-
iniciativa e responsabilidade; libertação de criatividade; tendência para
se tornar, mais, uma pessoa.· Só posso ilustrar isso colhendo aqui e
ali, quase ao acaso, declarações de estudantes, cujos professôres se
empenharam em criar um clima de confiança, de aprêço, de autentici-
dade. de compreensão e, acima de tudo, de liberdade.
Devo, ainda uma vez, citar Sylvia Ashton Warner, que nos men-
ciona um dos resultados centrais de tal clima: " ... A direção não é
mais do professor, mas das próprias crianças. . . o professor está, afi.
nal, com a corrente e não contra ela, a torrente de inexorável criati-
vidade dos alunos". (Ashton-Warner, p. 93).
Se se quer uma verificação disso, eis algumas afirmações feitas
por alunos de um curso sôbre Poesia, orientado (não pro!P.rido) pelo
Dr. Samuel Moon.
Num retrospecto, acho que o curso realmente me agradou,
tanto como aula quanto como experiência, embora me deixasse,
às vêzes, indeciso. Isto, em si mesmo fêz com que o curso vales-
se a pena, pois a maioria dos outros, dêste semestre, apenas me
119
aborreceram, como todo o processo de "educação superior". De·
vido mais a êsse curso, do que a outra coisa qualquer, vi-me a
dedicar mais tempo a escrever poesia d() que histórias curtas, o
que, durante certo tempo, interferiu nas minhas aulas dP compo-
sição ...
. . . Gostaria de acentuar algo muito definido que obtive
dêsse curso: trata-se de uma crescente disposição para ouvir e
para considerar, com seriedade, as opiniões dos meus colegas.
Tendo em vista a minha atitude, no passado, só isso! deu valor
ao curso. Suponho que o resultado rea~ de um curso pode ser
expresso na resposta à pergunta "você o faria de nôvo?" Minha
resposta seria um "sim" incondicional. (Moon, 1966, p. 227).
Sinto que o curso tem sido de grande valor para mim ...
Estou satisfeito por ter tido essa experiência, porque ela me faz
pensar ... Nunca me tinha acontecido, antes, empenhar-me tão
pessoalmente num curso, especialmente fora da sala de aula.
Tem sido frustrante, compensador, agradável e cansativo.
120
vesse estimulado mais, capacitando-me a saber onde se acham as
minhas responsabilidades, especialmente enquanto faço um traba-
lho de minha própria iniciativa. Já não sinto que o prazo de um
teste seja o critério para a leitura de um livro. Sinto que o meu
trabalho futuro será feito em função do que eu possa obter dêle,
não da nota que tive no teste.
121
Aprendi muito mais a respeito de mim mesmo e dos ado-
lescentes em geral. . .. Adquiri, também, mais confiança em mim
mesmo e nos meus hábitos de estudo, verificando que posso
aprender por mim mesmo sem que um professor me conduza pe-
la mão. Aprendi muito, também, ouvindo os meus colegas e apre-
ciando suas opiniões e idéias. . . . li:sse curso constituiu uma ex-
periência das mais significativas e válidas. (Buli, 1966)
122
... Tenho pensado sôbre o que me aconteceu por meio des-
sa experiência. A única conclusão a que chego é que se tento
medir o que se passou, ou o que eu era no comêço, consegui
saber como eu era ao começar - e não sei. . . são tantas coisas
que eu senti se terem perdido. . . Se revolveram dentro de mim ..
Não parecem ter vindo à tona sob uma forma ou de maneira
tão organizada que eu as possa exprimir ou escrever. . .. São
tantas coisas inexprimíveis. Sei que apenas lhes toquei a super-
fície. Imagino, posso sentir tantas coisas quase prontas para
subirem à tona ... talvez seja isso o bastante. Parece que tôda
sorte de coisas tem agora muito mais significado do que antes ...
Essa experiência teve significação, produziu algo em mim, não
estou certo de quanto nem de como, exatamente. Penso que
estou apto a ser melhor eu mesmo, no final das contas. Isto é
algo que eu penso, de que estou certo (Appell, 1963) .
123
O EFEITO SOBRE O PROFESSOR
124
IDEALISTA DEMAIS?
Alguns leitores podem achar que o modo global de encarar o
tema dêste capítulo - a convicção de .que os professôres podem rela-
cionar-se, como pessoas, com os seus alunos - é irremediàvelmente
irrealista e idealista. Podem ver que, em essência, se trata de ancora.
jar tanto professôres quanto alunos a serem criativos no seu relacio·
namento uns com os outros e com a matéria em estudo e acham
que atingir tal objetivo é pràticamente impossível. Nesse modo de
ver não estão sozinhos. Já ouvi especialistas de importantes esco-
las de ciência e eruditos de importantes universidades argumenta·
rem que é um absurdo tentar estimular todos os estudantes a se·
rem criativos - precisamos é de uma multidão de técnicos e de
trabalhadores medíocres e, se uns poucos cientistas. artistas e líde-
res criativos emergem, isto já será o bastante. Pode ser o bastante
para êles. Pode ser o bastante para convir a êste ou aquêle. Quero
ir ao extremo de afirmar que não é o bastante para mim. Quando
me capacito do inacreditável potencial do estudante comum, quero
tentar a sua libertação. Estamos trabalhando, duramente, para li·
bertar a incrível energia do átomo e do núcleo do átomo. Se não
dedicarmos igual esfôrço - sim, e igual dinheiro - à libertação do
potencial de cada indivíduo, então, a enorme discrepância entre o
nosso nível de recursos da energia física e dos recursos da energia
humana fadar.nos-á a uma universal e merecida destruição.
Lamento não poder ser friamente científico a êsse respeito.
O problema é urgente demais. Só posso ser apaixonado na minha afir
mação de que a pessoa humana tem de ser levada em conta, que re-
lações interpessoais importam muito, que sabemos algo sôbre a li·
bertação do potencial humano, que podemos aprender muito mais, e
que, se não dermos atenção intensamente positiva ao lado humano
interpessoal do nosso dilema educacional, a nossa civilização está a
caminho da e:;qaustão. Melhores cursos, melhores currículos, abran-
gência mais ampla, melhores IT).ecanismos de ensino jamais resolve·
rão o nosso dilema, na sua base. Somente as pessoas, atuando como
pessoas no seu relacionamento com os alunos, podem eventualmente
começar a produzir certa abertura no mais urgente problema da mo-
derna educaÇão.
SUMÃRIO
Tentemos expor, um tanto mais calma e sobriamente, o que
dissemos com tal emoção e arrebatamento.
Afirmei que é a mais infeliz a maneira como educadores e o
público pensam e focalizam o ato de ensinar. Isto os leva a uma mui·
125
tidão de questões, irrelevantes umas, absurdas outras, no que se re-
fere à educação real.
Disse que se focalizarmos a facilitação de aprendizagem - co-
mo, porque e quando os alunos aprendem, e como a aprendizagem
parece ser e é sentida como vinda de dentro - poderíamOS! estar no
caminho mais certo.
Sustentei que possuímos algum conhecimento e poderíamos ob-
tê-lo ainda mais sôbre as condições que facilitam a aprendizagem, e
que uma das mais importantes dessas condições é a qualidade da ati-
tude assumida no relacionamento interpessoal do facilitador e do
aprendiz. (Há outras condições, a mais, que tentarei evidenciar pos-
teriormente).
Tais atitudes, que se afiguram eficazes no promover aprendiza-
gem, podem ser descritas. Antes de tudo, a transparente autentici-
dade do facilitador, a disposição de ser uma pessoa, de ter e de viver
os sentimentos e as idéias do momento. Quando essa autenticidade
inclui um aprêço, uma solicitude, uma confiança e um respeito pelo
aprendiz, o clima favorável à aprendizagem se intensifica. Quando
inclui uma sensível, cuidadosa, empática capacidade de ouvir. então,
existe, na verdade, um clima de liberdade, uma aprendizagem e um
progresso estimulantes e auto-iniciados. Confia..se no desenvolvimen-
to do aluno.
Tentei deixar claro que as pessoas que assumem tais atitudes,
e têm a coragem suficiente para agir com fidelidade a elas, não mo-
dificam, simplesmente, os métodos de ensinar - na verdade os revo-
lucionam. Quase não exercem as funções de professôres. Já não con-
viria mais chamar-lhes professôres. São catalizadores, facilitadores
que proporcionam, aos alunos, liberdade, vida, oportunidade de apren-
der.
Evidenciei, através de sucessivas pe~quisas, a suges~ão de que
as pessoas que assumem tais atitudes são consideradas mais eficien-
tes, na sala de aula; que os problemas que lhes dizem respeito são
os de fazer com que se liberte a potencialidade dos seus alunos, não
os que se referem às deficiências dêstes; que êles parecem criar si-
tuações, nas salas de aula, nas quais nã,o há crianças a quem se ad-
mire e crianças de quem se desgoste, mas em que a afeição e a es-
tima constituem uma parte da vida de cada criança; que nas classes
em que vigora tal clima psicológico. as crianças aprendem mais as
matérias convencionais.
Mas, intencionalmente, fui além dos achados empíricos, para
tentar fazer com que se entre na vida íntima do aluno - dos cursos
primários, universitários ou de pós-graduação - que têm a sorte de
viver e de aprender em tal relacionamento inter-pessoal com facilita-
dores, a fim de que se veja a aprendizagem é sentida, quando ela é
livre, auto-iniciada e espontânea. Tentei mostrar como se modifica
126
até mesmo a relação aluno para com aluno - tornando-se mais cons·
ciente, mais cuidadosa, mais sensível, ao mesmo tempo em que se
expande, a aprendizagem auto-relacionada de matéria provida de sig·
nificação. Referi-me à mudança que também se processa no profes·
so:r.
Em síntese, tentei indicar que se queremos ter cidadãos capa-
zes de viver, construtivamente, no presente mundo em mudança ca-
leidoscópica, só o teremos se nos dispusermos a fazer dêles apren·
dizes auto-estimulados e auto-iniciados. Finalmente, foi o meu pro-
pósito mostrar que essa espécie de aprendiz se desenvolve melhor,
tanto quanto o sabemos, num relacionamento pessoa a pessoa que
promova, que facilite o crescimento.
REFERÊNCIAS
128
5. MÉTODOS DE PROMOVER LIBERDADE
129
e usarem a liberdade que lhes é oferecida. É intenção dêste capítu-
lo expor, resumidamente, algumas vias de acesso, métodos, técnicas,
usados por professôres que tentaram ser facilitadores, que se empe-
nharam em dar liberdade para aprender.
PROMOVER RECURSOS
131
das. Penso também nos recursos humanos - pessoas que possam
contribuir para os conhecimentos do aluno. Freqüentemente, há pes-
soas estranhas que podem contribuir para pôr em foco certos proble-
mas que se referem ao aluno. O mais importante, porém, sob êste
aspecto é o próprio professor, como recurso humano. Põe-se a si pró-
prio. o seu saber e a sua experiência especiais, claramente à disposi~
ção dos alunos, mas não se impõe a êles. Delineia os temas especí~
ficos em que se julga mais competente, e os alunos podem apelar para
êle quanto ao que esteja apto a lhes dar. Trata~se, porém, de se ofere~
cer a si mesmo, como um recurso, e compete aos alunos saber até que
ponto podem utilizar-se dêle.
.132
vas formas de envolver o aluno num ambiente de aprendizagem do
qual êle poderia escolher os elementos que melhor atendessem às suas
necessidades.
O USO DE CONTRATOS
Expediente viável, capaz de ajudar-nos a proporcionar seguran-
ça e responsabilidade, numa atmosfera de liberdade, é__o_usQ__d.os con-
tratos de trabalho dos alunos. Serve também, não há dúvidas, para
atemüir- ãs incertezas e-, inseguranças que o facilitador pode experimen-
tar. Vimos como a senhorita Shiel fêz uso perspicaz de contratos diá-
rios com seus alunos. Isso os capacita a estabelecer objetivos próprios
e a planejar o que querem fazer. Constitui uma espécie de experiência
de transição entre a completa liberdade para estudar seja o que fôr,
de interêsse, e a aprendizagem relativamente livre, mas situada den-
tro dos limites de alguma exigência institucional.
O Professor Arthur Combs utilizou-se de um tipo de contrato com
universitários e alunos de pós,graduação o qual tem algumas caracte-
rísticas interessantes. Explicou, no início do curso, que o estudante
pode obter a nota que quiser. Se o que lhe interessa é passar de uma
série para outra, mediante os créditos respectivos, poderá conseguí-lo
se provar que leu certa quantidade de textos determinados, submeten-
do-se a exames referentes à matéria nêles contida. Nenhum estigma
liga-se a essa decisão. Se, entretanto, o aluno quiser uma nota mais
alta, planejará, por sua própria conta, fazer o que acha que justificará
um "B" ou um "A" e o Professor Combs consultará cada um sôbre
o contrato a executar. Muitas vêzes, apresentam-se contratos meio
pomposos, e será preciso podá-los . até um tamanho mais razoável
Quando professor e aluno chegam a um acôrdo mútuo sôbre o con-
trato, de maneira a que corresponda a uma nota "B" ou "A", o aluno
pode estar certo de que a obterá, desde que, simplesmente, atenda
às suas obrigações contratuais, antes do fim do curso. Isso remo~e
qualquer receio e apreensão, no correr das aulas, e toma possível
uma discussão genuinamente livre. Os alunos podem discordar do
professor, sem sentir que põem em risco sua aprovação. Podem ex-
prímir o que realmente sentem e pensam.
DIVISÃO EM GRUPOS
Não se afigurª---ffi~Qçí.y_el_ _a_im.pnsição-àe-liberoade a quem não a
quer. o bom senso indica, portanto~-que,-se e perfeitamente possível
-aar=sea um grupo liberdade para aprender, sob sua própria responsa-
bilidade, também se deve proporcionar condição aos que não se adap-
tam ou não desejam tal liberdade, preferindo ser instruídos e guiados.
A senhorita Shiel reconheceu o problema e dividiu os seus alunos do
133
sexto ano em dois grupos -um, auto-dirigido, outro, convencional. O
fato de êles terem liberdade para ir e vir de um para o outro constituiu
solução muito feliz no caso. O Professor Dean, ensinando Matemática
superior, possibilitou aos alunos, que não gostaram da liberdade que
lhes foi dada, transferirem-se para as seções convencionais do mesmo
curso.
Nem sempre serão possíveis soluções tão fáceis, mas trata-se de
problema que o facilitador de aprendizagem invariàvelmente terá de
considerar. Se os alunos são livres, deverão sê-lo tanto para aprender
passivamente quanto para ter a iniciativa da própria aprendizagem.
Talvez, no desenvolvimento da aprendizagem programada, possa ofere-
cer-se outra alternativa. Os alunos que preferirem ser guiados por um
caminho cuidadosamente pré-determinado escolherão a aprendizagem
programada. Os que preferirem seguir orientações próprias e ter a
iniciativa da aprendizagem reunir-se-ão num grupo ou adotarão um dos
vários modelos até aqui descritos.
ORGANIZAÇÃO DE GRUPOS DE
FACILITADORES DE APRENDIZAGEM
134
encontrar uma das mais estimulantes e úteis experiências de
aprendizagem que já se fizeram. Para a maioria de vocês, não
haverá campo intermediário ... Comparecerei ao grupo FA, ape-
nas a convite do próprio grupo. Avisem-me, por favor, com a
antecedência de um dia, se quiserem que eu esteja presente a
uma reunião do grupo.
135
A ORIENTAÇÃO DA PESQUISA
No campo das ciências, tem-se desenvolvido um tipo especializa-
do de ,aprendizagem de participação e experiencial, a que se vem dan-
do, recentemente, progressivo relêvo. Vários indivíduos e grupos na-
cionais trabalham com o objetivo de levar os estudantes a se tornarem
pesquisadores, pelo trabalho espontâneo visando à descoberta, no do·
mínio científico.
O estímulo a êsse movimento procede da urgente necessidade de
manter a ciência experimental como setor em transformação, como
ocorre no mundo moderno, em vez de encerrá-la num livro de fatos já
descobertos. A posse de um conjunto de conhecimentos sôbre a ciência
não é proeza adequada ao estudante de hoje. Por isso, a finali·
dade é fazer com que o estudante fuja da enganosa imagem da
ciência como absoluta, completa e permanente (Schwab, 1960). Suchman
(1961, 1962), é um dos que têm dado pormenores mais específicos sôbre
a maneira pela qual essa meta pode ser atingida. A fim de tentar
fortalecer, no espírito do aprendiz, os processos autônomos, Suchman
advoga nôvo modo de encarar o assunto para o qual os professõres de
ciência necessitam de treinamento especial. O professor estabelece o
quadro da pesquisa, mediante a colocação de problemas, a criação de
um ambiente receptivo para o estudante, a assistência aos educandos
no ato de investigar. Isso possibilita aos alunos realizarem descober·
tas autônomas, empenharem-se em aprendizagem auto-dirigida. Tor-
nam-se cientistas por si mesmos, num nível natural, procurando res-
postas a problemas reais, descobrindo, por conta própria, as surpresas
e alegrias da investigação científica.· Podem não aprender muitos "fa·
tos" científicos, mas, desenvolvem uma apreciação real da ciência como
pesquisa que nunca se acaba, o reconhecimento de que não há nada de
definitivo em nenhuma ciência verdadeira.
li: óbvio que se professõres voltados para o futuro vão se empe·
penhar nessa espécie de estímulo à pesquisa, entre os seus alunos, de-
vem, êles próprios, ter experimentado igual sentimento. Evidencia-se,
pols, que os cursos nos institutos de preparação de professôres deverão
ser dados da maneira descrita por Suchman, uma vez que os
próprios professôres devem experimentar a satisfação da descoberta
por auto-iniciativa, no domínio da ciência. A prática educacional cor-
rente tende, sem dúvida, a tornar as crianças menos autônomas e me·
nos empíricas, na sua busca do conhecimento e da compreensão, en-
quanto passam pelas diversas séries do ensino elementar. Isso está
totalmente em desacôrdo com a finalidade dos que põém a pesquisa
como foco. Quando se permite às crianças-jdearem a sua maneira de
atingir novos conhecimentos, os conceitos que adquirem por êsse pro-
cesso têm maior profundidade, compreensão e durabilidade. Tornam
se mals autônomos e mais sblffiamente baseados num metodo empírico.
136
Como qualquer dos métodos descritos neste capítulo, os proces-
sos que importam em desenvolver o estado de espírito favorável à pes-
quisa podem, também êles, transformar-se em rotina ou, simplesmente,
em outros meios de impor aos altmos um currículo dirigido pelo pro-
fessor. Sei que isso ocorre. Nunca se acentuará suficientemente que
nenhum dos métodos aqui mencionados terá eficácia, a menos que a
genuína intenção do professor seja a de criar um clima dentro do qual
haja liberdade para aprender.
137
opos1çao ou insurreição internas. O curso dos acontecimentos é
determinado, em parte, pelas características sociais, econômicas
e políticas erigidas, dentro do sistema, pelo experimentador, e,
em parte, pelas respostas e decisões dos próprios participantes.
O "tempo" é extremamente reduzido; cada período de cin-
qüenta minutos da simulação representa um ano, e a "tempora-
da" de uma única simulação pode abranger até vinte períodos.
Mas como "funciona" a simUlação? Como sabem os encarrega-
dos de tomar decisões quais as c-onseqüências destas e se fo-
ram boas ou más?
No INS, as conseqüências das decisões são calculadas de
acôrdo com fórmulas matemáticas e determinados valôres nu-
méricos. Por exemplo, usa-se uma fórmula para fixar a relação
entre a quantidade de recursos básicos empregados na produção
de bens de consumo, de um lado, e, de outro, o grau de satisfa-
ção do cidadão, com o padrão de vida resultante. Se se investe
muito pouco em bens de consumo, o padrão de vida cai; os ci-
dadãos ficam insatisfeitos; se a insatisfação, medida por outra
fórmula, cai além de certo nível, o encarregado-chefe de tomar
decisões perde o cargo.
Outra fórmula é usada para calcular a relativa fôrça mili-
tar e defensiva de cada nação e de blocos multi-nacionais. Se as
necessidades da defesa foram negligenciadas, porque se destina-
ram recursos demasiados da nação aos bens de consumo ("ca-
nhões versus manteiga"), a coletividade de cidadãos fica igual-
mente insatisfeita com a segurança do país - e, de nôvo, o en-
carregado-chefe de tomar decisões corre o risco de perder o em-
prêgo. Foi muito engenhoso o desenvolvimento dessas fórmulas
que proporcionam um meio de dar aos participantes um feed·
back claro e realista, cada vez que tomam um conjunto de de-
cisões.
Fazem-se modelos de outros aspectos do sistema interna-
cional, especialmente os que se referem às comunicações. Barrei·
ras nas comunicações internacionais, indiscreção do serviço se-
creto e de espionagem, falsa informação, dificuldades de comu·
nicação explícita sob tensão, efeitos de imprecisão diplomática,
uso e abuso da imprensa internacional, problemas de comunica-
ção frente a frente, entre líderes nacionais ou numa organização
mundial - tudo isso deve ser coberto numa simulação.
Que tipos de aprendizagem decorrem do uso da experiência de
simulação? Ela proporciona ao estudante experiência, de primeira mão,
dos vários processos que ocorrem na vida real: do ato de tomar deci-
são com base em informação incompleta e mutável, o qual se torna
urgente por implemento de prazo; das dificuldades de comunicação,
dos resultados às vêzes desastrosos dos mal-entendidos e das mensa
138
gens cruzadas, ou da discrepância entre a comunicação verbal e o
comportamento real; do manejo de relações interpessoais numa nego-
ciação, barganha e "transações". Através da experiência, na qual se
envolve a fundo, o estudante não apenas age, mas assume a responsa-
bilidade pessoal pelo que decide fazer e faz. Af se desenvolve um dis.
ciplinado compromisso quanto à coleta de informações, à decisão e à
ação. Tal experiência tende a estimular um tipo construtivo e positivo
de aprendizagem em vez das características pessoais negativas e criti-
cáveis tantas vêzes incrementadas na educação usual.
Embora a pesquisa sôbre os resultados da simulação se encon-
tre nos seus primórdios, não há dúvida que os estudantes se deixa::::!l.
envolver entusiàsticamente e - numa simulação como a INS - sentem
que estão aprendendo muita coisa sôbre relações internacionais, sôbre
as dificuldades de comunicação (Sprague, 1966). Por outro lado, prefe-
rem, nitidamente, êste, ao sistema de aula expositiva (Alger, 1963). Ou-
tro valor, do meu ponto de vista, reside em que, apesar de ser o pro-
fessor quem introduz a simulação no grupo, é a classe e são os estu-
dantes, individualmente, que assumem a responsabilidade de pô-la em
execução, donde o grande proveito no tocante à aprendizagem de auto-
iniciativa.
139
da instrução programada. O aluno que precisa saber como usar um.
microscópio pode deparar com um programa que abrange êsse conheci-
mento. O que planeja passar três meses na França pode utilizar-se de
uma instrução programada de conversação em francês. Outro que ne-
cessite de álgebra, seja para resolver problemas do seu interêsse ou,
simplesmente, para ingressar na Universidade, trabalhará num progra-
ma de instrução em álgebra.
140
OS GRUPOS BÁSICOS DE ENCONTRO
Exemplo muito importante de nova expansão e fomento do clima
em que se desenvolve a aprendizagem significativa é o grupo básico de
encontro ou o chamado "treinamento de sensibilidade". Já vimos sua
utilização, no Capítulo 3. durante o curso por mim orientado. É uma
0
,
141
ção dos outros. Embora reste muito a aprender sôbre a exper1enci~
intensiva de grupo, em tôdas as suas formas, já se tem como certo que
ela ajuda a criar na maior parte dos membros do grupo, atitudes que,
entre outras coisas, são eminentemente capazes de conduzir à aprendi-
zagem experiencial.
AUTO-AVALIAÇÃO
142
critérios serão muito diferentes para essas duas pessoas. Entretan-
to, cada uma delas agiu como aprendiz responsável e quase da mes-
ma maneira como um profissional responsável age na sociedade.
OBSERVAÇõES FINAIS
REFERÊNCIAS:
143
relations training. Washington, D.C.: National Tr:o;,iníng L::>-
boratory in Group Development, National Educational Associa-
tion, 1956.
ALGUNS PRESSUPOSTOS
145
INTRODUÇÃO
147
6. IDÉIAS PESSOAIS SOBRE
ENSINO E APRENDIZAGEM
141*
alguns participantes amáveis, a falarem, com fôrça crescente, pa;ra indi-
tearem que sua experiência os levava a conclusões um tanto ou quanto
idênticas, sem que nunca houvessem ousado formulá-las.
O presente material foi publicado antes1. Na verdade, as idéias
nêbe contidas apresentaram-se de modo muito mais amplo e muito mais
adequado (espero) nos capítu~os que o precedem e que se seguem a
êle, neste livro. Por que, •ent!Í!o, o incluo aqui? Porque se trata do pri·
meiro credo germinal de meu pensamento sôbre a diferença entre ENSI-
NO e APRENDIZAGEM e, por mais tôsco e reBUmido que SOBja, pode
encorajar algum leitor a formular certas convicções suas, pr-ofundas, mas
ainda imprecisas, sôbre os processos educacionais. São estas formular
f,;Ões profundas, hesitantes, imprecisas, tímidas, que constituem o funda-
mento da criatividade, e, se ao menos um leitor se arriscar 1XJr essa via,
a inclusão dste capítulo terá corres1J(Jndido a meus propósitos.
Quero apresentar-lhes algumas observações muito breves, na es-
perança de que se vierem a suscitar reações da sua parte, eu possa
esclarecer melhor certas idéias próprias.
Acho que pensar é algo muito embaraçoso, sobretudo quando re-
flito sôbre minhas experiências pessoais e delas procuro tirar a sig-
nificação que parece lhes estar genuinamente inerente. A princípio, ta~
reflexão é bem satisfatória, porque parece descobrir um sentido e um
certo fio condutor dentro de uma multidão de fatos disparatados. En-
tretanto, muitas vêzes, sinto-me, a seguir, desanimado, ao perceber
quanto tais reflexões, que tão grande valor têm para mim, se afiguram
ridículas à maior parte das pessoas. Tenho a impressão de que, se ten-
to encontrar o significado da minha experiência, isso me leva, quase
sempre, a direções consideradas absurdas.
Assim, dentro dos poucos minutos que se seguem, tentarei sinte-
tizar os significados que tirei da minha experiência em aula, e da
que me veio da prática de terapia individual e de grupo. Não pretendo,
de forma alguma, apresentá-los como conclusões para outros que não
eu, ou como um modêlo do que os outros poderiam fazer ou ser. São
apenas ensaios da significação que a partir de abril de 1952, tirei da
minha experiência e algumas das embaraçosas questões que o seu des-
propósito suscitou. Colocarei cada idéia ou significado num parágrafo
separado por letras, não porque se achem numa ordem lógica particu-
lar, mas porque, para mim, cada significação tem sua peculiar impor-
tância.
a) Dados os objetivos dêste semmarro, devo começar pela afir-
mação: Minha experiência tem sido a de que não posso ensinar a outra
pessoa como ensinar. Para mim, trata-se afinal de uma fútil tentativa.
b) Parece-me que qualquer coisa que eu possa ensinar a outro é
relativamente irrelevante e tem pouca ou insignificante influência sôbre
150
o seu comportamento. Isto soa tão ridículo que só posso pô-lo em dú-
vida, ao mesmo tempo em que o exprimo.
c) Compreendo, cada vez mais, que só me interesso pelas apren-
dizagens que influam significativamente sôbre o comportamento. Pos-
sivelmente, trata-se de mera idiossincrasia que me é peculiar.
d) Acabei por sentir que a única aprendizagem que influi signifi-
cativamente sôbre o comportamento é a que fôr auto-dirigida e auto·
apropriada.
e) Tal aprendizagem auto-descoberta, a verdade pessoalmente
apropriada e assimilada no curso de uma experiência, não podem ser
diretamente comunicadas ao outro. Tão logo alguém tenta comunicar
essa experiência, diretamente, não raro com natural entusiasmo, ela se
transforma em ensino, e os seus resultados são inconseqüentes. Senti
certo alívio ao descobrir, recentemente, que Sõren Kierkegaard, o filó-
sofo dinamarquês, achava a mesma coisa, quanto à sua própria experi-
ência e, há um século, o exprimiu com tõda a clareza. Isto torna menos
absurdo o que eu disse.
f) Como conseqüência do que ficou expresso, dou-me conta de
que perdi o lnterêsse em ser professor.
g) Quando tento ensinar, o que faço algumas vêzes, fico estarre-
cido com os resultados, que se me afiguram um pouco mais do que
inconseqüentes, porque, não raro, ocorre que o ensino tem êxito. Quan-
to isto acontece, acho que os resultados são prejudiciais. Parecem fa-
zer com que a pessoa desconfie da sua própria experiência, o que su-
foca a aprendizagem significativa. Dai, chego a sentir que as conse-
qüências do ensino ou não têm importância ou são nocivas.
h) Quando revejo os resultados da minha atividade docente, no
passado, as conseqüências reais são as mesmas- ou produziram dano
ou nada de significativo ocorreu. Isto é francamente aflitivo.
i) A conclusão é que me capacito de que só estou interessado em
aprender, de preferência, coisas que importam, que têm alguma influ·
êncla significaüva sôbre o meu próprio comporfàiitento.
j) Acho muito compensador o aprendizado, em grupos, em rela-
cionamento individual, como na terapia, ou por conta própria.
k) Descubro que uma das melhores maneiras, embora das mais
difíceis, de aprender é, para mim, a de abandonar minhas atitudes de-
fensivas, pelo menos temporàriamente, e tentar compreender como
outra pessoa concebe e sente a sua experiência.
1) Outra maneira de aprender, para mim, consiste em afirmar as
minhas próprias incertezas, tentar elucidar as minhas perplexidades, e,
151
assim, chegar a aproximar-me do significado que a minha experiência
parece realmente ter.
m) Todo êsse cortejo de experiências e as significações que nelas
descobri, até agora, lançaram-me como que num processo, a um tem-
po, fascinante e, não raro, um tanto atemorizador. Isto quer dizer, pa-
rece, que me deixei levar por minha experiência numa direção que
se me afigura progressiva, na busca de objetivos que mal posso defi·
nir, quando tento compreender o significado de tal experiência. A sen-
sação é a de flutuar numa complexa corrente de experiências com
a fascinante possibilidade de tentar compreender sua complexidade
sempre em mudança.
152
7• SOBRE A APRENDIZAGEM
E SUA FACILITAÇÃO
APRENDIZAGEM
Eis certo núm.ero de princípios que podem, creio, ser abstraí-
dos da experiência usual e de pesquisas relacionadas com a mais recen-
te maneira de encarar o assunto.
153
São curiosos a respeito do mundo em que vivem, até que, e a menos
que, tal curiosidade seja entorpecida por nosso sistema educacional.
São ambivalentemente ansiosos de desenvolver-se e de aprender. A
razão da ambivalência está em que tôda aprendizagem significativa en-
volve certa quantidade de dor - sofrimento ligado à própria aprendiza-
gem ou angústia associada a certas aprendizagens preliminares por que
se passou. O primeiro tipo de ambivalência pode ser exemplificado pela
situação da criança que aprende a andar. Tropeça, cai, machuca-se. !!':
um processo penoso. No entanto, as alegrias de estar desenvolvendo o
seu potencial compensam, de muito, as pancadas e contusões. O segun-
do tipo de ambivalência evidencia-se quando um estudante, que tinha
sido absolutamente o melhor, sob todos os aspectos, no curso secundá-
rio da sua cidadezinha, verifica, depois de se matricular em estabeleci·
menta de ensino superior ou numa Universidade que não passa de um,
entre vários alunos brilhantes. Haverá, para êle, penosa aprendiza-
gem a assimilar, ainda que, na maioria dos casos, o consiga e .,siga
adiante._·~:- '· iiJ -.é,{·· ·-:;r.:... r-.,;,, ._, '
Esta potencialidade e desejo de aprender, descobrir, ampliar co-
nhecimento e experiência, podem ser libertados sob apropriadas concii,
ções. Trata-se de tendência em que se pode confiar, e tôdas as vias
de acesso à educação que temos descrito fundamentam-se sôbre e em
tôrno do natural desejo de aprender, do aluno.
_2. A aprendizagem significativa verifica-se quando o estudan&e
percebe que a matéria a estudar se relaciona com os seus próprios
objetivos. De maneira um tanto mais formal, dir-se-á que uma pessoa
só aprende significativamente aquelas coisas que percebe implicarem
na manutenção ou na elevação de si mesma. Pense-se, por um momen·
to, em dois, estudantes que fazem um curso de Estatística. Um, traba-
lha num projeto de peffiuisa,_parà'9;,qual:"~_ece~~ta, êliit;âmente; do iríâ-
terial coristant~. 'do cursó, a fim de 'completar SUaS investigações e pro-
gredir na sua carreira profissional. O outro, faz o curso porque é obri-
gatório. A única relação com os seus objetivos ou seu progresso
individual é, simplesmente, a de que lhe é preciso completá-lo a fim de
continuar na universidade. Não há como pôr em dúvida as diferenças
de aprendizagem que daí decorrem. O primeiro aluno adquire uma
aprendizagem funcional da matéria; o segundo, aprende como há de
"conseguir passar".
Outro elemento relacionado com êsse princípio refere-se à rapidez
da aprendizagem. Quando uma pessoa tem algum objetivo a alcançar
e vê que dispõe de um material relevante à obtenção do que quer, a
aprendizagem se faz com grande rapidez. Lembremo-nos, apenas, o
breve espaço de tempo necessário a um adolescente para aprender a
dirigir um carro. :€ evidente que o tempo d!'l aprendizagem de vários
assuntos se reduziria a uma fração dÓ ·que ordinàriamente é emprega-
do, se o aprendiz percebe que a màtéria se relaciona com os seus ob-
154
jetivos pessoais. Provàvelmente, bastaria um têrço ou um quinto do·
tempo atualmente dispendido.
156
com cada um dos jovens e preferiu empregar o seu tempo antes n0s-
sa atividade do que na de lecionar. A prova de que demonstrou pro-
fundo e simpático interêsse além de confiança nos delinqüentes juve-
nis é que acabou por se tornar superintendente de uma instituição es-
pecializada, altamente progressista.
5) Quando é fraca a ameaça ao "eu" pode perce1ber-se a expe-
riência sob formas diversas e a aprendizagem ser levada a efeito. Em
certo sentido, esta é apenas uma extensão, ou uma elucidação, do prin-
dpio anterior. Um bom exemplo do que êle implica é o caso do fraco
em leitura. Quando é chamado para ler em aula, deixa-se tomar de um
pânico interior e as palavras, na página aberta, transformam-se em
símbolos .menos inteligíveis do que quando se encontra assentado,
na sua carteira, antes de ouvir o seu nome. Quando se acha num am-
biente em que está certo de sua segurança pessoal e quando se con-
vence de que não há ameaça ao seu eu, vê-se, uma vez mais, livre
para perceber os símbolos, na página, diferenciando uns dos outros,
reconhecendo os diversos elementos de palavras semelhantes, perce-
bendo significados parciais e tentando reuní-los - em suma, progride
no processo de aprendizagem. Tôda sorte de aprendizagem envolve
crescente diferenciação do campó de experiência e a: assimilação dos
significados dessas diferenciações. Tais diferenciações, a meu ver, são
mais eficazmente efetuadas sob duas espécies de condições nitidamen-
te diversas. Podem ocorrer quando a ameaça ao organismo é intensa,
mas ameaças dessa espécie diferem muito das que atingem o próprio
ser, quando são percebidas como tais. O soldado em luta, por exem-
plo, aprende muito ràpidamente a distinguir o silvo da granada que
passa acima de sua cabeça, dó ruído da que está vindo em sua dire-
ção. Aprende logo a discriminar uma trilha normal daquela cuja su-
perfície está revolvida, pois esta pode passar por um campo minado.
Reaje, em tais casos, a ameaças de natureza muito grave, mas que
atingem o seu organismo, não o seu próprio ser intimamente
considerado. De fato, quanto mais ràpidamente aprende, a fazer
tais discriminações, mais se engrandece o seu eu. Na situação
educacional ordinária, entretanto, ameaças reais de vida ou de morte
são raras e, quando ocorrem, os alunos reagem bem. As crianças
aprendem, por exemplo, as regras do tráfego, ràpida e satisfatoria-
mente. Mas humilhações, ridículo, depreciações, menosprezo e desres-
peito - essas, são ameaças à própria pessoa, à percepção que se tem
de si mesmo e, como tal, interferem duramente na aprendizagem. Por
outro lado, como ficou exposto antes, quando a ameaça ao eu é re-
duzida ao mínimo, o indivíduo utiliza-se das oportunidades para apren-
der, a fim de se engrandecer.
6) :1!: por meio de atos que se adquire aprendizagem mais sig·
nificativa. Um dos modos mais eficazes de promover a aprendizagem
consiste em colocar o estudante em confronto experiencial direto com
157
problemas práticos- de natureza social, ética e filosófica ou pessoal-
e com problemas de pesquisa. Os exemplos podem variar, desde a situa-
ção de grupos de alunos empenhados numa produção teatral, escolhen-
do a peça e o elenco, desenhando e montando cenário e vestuário, trei-
nando os atores, vendendo ingressos, até confrontações mais sutis.
Sempre me impressionou o fatÇ> de que cursos intensivos, breves, pa-
ra pessoas que enfrentam problemas imediatos, na "linha de fogo"
- professôres, médicos, fazendeiros, conselheiros - são especialmente
eficazes, porque tais pessoas tentam superar problemas que experi-
mentam diàriamente.
7) A aprendizagem· é facilitada quando o aluno participa res..
ponsàvelmente, do seu processo. A aprendizagem significativa aumen-
ta ao máximo, quando o aluno escolhe suas próprias direções, ajuda
a descobrir recursos de aprendizado próprio, formula problemas que
lhe dizem respeito, decide quanto ao curso de ação a seguir, vive as
conseqüências de cada uma dessas escolhas. É evidente, tanto no cam-
po da indústria quanto no da educação, que a aprendizagem participa-
da é muito mais eficaz que a aprendizagem passiva.
8) A aprendizagem auto-iniciada que envolve tôda a pessoa do
aprendiz - seus sentimentos tanto quanto sua inteligência - é a mais
durável e impregnante. Descobrimos jsso em Psicoterapia, onde a
aprendizagem-mais eficaz é a dá:Pessoa que se<leixa envolver, totalmen-
te, por si mesma. Não se trata de aprendizagem "só do pescoço para ci-
ma". É um tipo de aprendizagem "em nível visceral", profunda e impreg-
nante. Pode ocorrer, também, na descoberta experimental de uma nova
idéia auto-gerada ou na aprendizagem de uma habilidade difícil ou no
ato de criação artística- um quadro, um poema, uma escultura.~ tO-
da a pessoa que se vê empenhada nessas aprendizagens criativas. Ele-
mento importante em tais situações é que o aprendiz sabe que está fa-
zendo sua própria aprendizagem - que a pode manter ou abandonar
em face de· aprendizagem mais profunda, sem ter de apelar para al-
guma autoridade que lhe corrobore o julgamento a respeito.
9) A Independência, a criatividade e a auto-confiança são faci-
litados, quando a auto-crítica e a auto-apreciação são básicas e a ava.
liação feita por outros tem importância secundária. As melhores orga-
nizações de pesquisa, tanto na indústria quanto no mundo acadêmico,
chegaram ~ conclusão de que a criatividade desabrocha numa atmosfe-
ra de liberdade. A avaliação externa é totalmente infrutífera se
a finalidade é um trabalho de criação. Os pais sensatos aprenderam
essa mesma lição. Se uma criança deve crescer e tornar-se inde-
pendente e auto-confiante, é preciso proporcionar-lhe oportunidades,
desde os primeiros anos de vida, tanto de fazer os seus próprios juízos
e cometer os seus próprios enganos quanto de avaliar as conseqüências
de tais juízos e escolhas. Os pais podem oferecer informação e modelos
158
de comportamento, mas é a criança em desenvolvimento e o adoles-
cente que devem avaliar seus próprios comportamentos, chegar a con-
clusões próprias, decidir quanto aos padrões que lhes sejam apropria·
dos. A criança ou o adolescente que, tanto na escola quanto no lar,
vivem na dependência das avaliações dos outros, ficarão, é provável,
permanentemente dependentes e imaturos, ou se rebelarão, explosiva-
mente, contra as apreciações e juízos externos.
10) A aprendizagem mais socialmente útil, no mundo moderno,
é a do próprio processo de aprendizagem, uma contínua abertura à
experiência e à incorporação, dentro de si mesmo, do processo de mu·
dança. Acentuamos, nos capítulos anteriores, que uma espécie de apren-
dizagem estática, de informação, foi bem adequada nos tempos pri-
mitivos. Se a nossa cultura atual sobrevive é porque fomos capazes
de desenvolver pessoas para as quais a mudança é e fato central da
vida e ctüe se i>reparáram para viver, satisfatoriamente, tendo em vis-
ta êsse fato central. Quer dizer que tais pessoas não se preocuparão,
como tantas hoje se preocupam, com o fato de que a aprendizagem
que receberam é inadequada para habilitá-Ias a superar situações cor-
rentes. Achar-se-l!.o, ao contrário, na tranqüila expectativa de que se-
rá continuamente necessário incorporar novas e desafiadoras aprendi-
zagens sôbre situações em mutação incessante.
FACILITAÇÃO
Expusemos, suficientemente, nos capítul~ antel'ióres, vários' :mé-
todos de facilitar a âprendizâgem~·é7várias qualidades de que se deve
revestir ofacilitado r, donde não ser necessário apresentar aqui maúJ
que um brevíssimo sumário do que se pode abstrair do tema em pauta.
l) O facilltador tem muito que se haver com o estabelecimen-
to da disposição inicial ou o clima do grupo ou da experiência em aula.
Se não teme aceitar intenções contraditórias e metas em conflito, se
a sua filosofia básica é a da confiança no grupo e nos indivíduos que o
compõem, êsse ponto de vista deve ser comunicado de muitas e há·
beis maneiras.
2) O facilltador ajuda a trazer à tona e a elucidar tanto os
propósitos individuais, na classe, quanto os mais gerais do grupo. Se
não teme aceita::: intenções contraditórias e metas em conflito, se
se capacita a permitir que os indivíduos, com senso de liberdade, afir-
mem o que estariam dispostos a fazer, ajudará a criar um clima pa,
ra a aprendizagem. Não lhe é necessário tentar a manufatura de um
propósito unificado, no grupo, se neste não existe objetivo unico. Po-
de permitir a existência de diversidade de propósitos, contraditórios
e complementares, no relacionamento de uns com os outros.
159
3) Conta com o desejo do aluno de realizar os propósltos que
têm sentido, para cada um, como fôrça de motivação subjacente à
aprendizagem $gnificativa. Mesmo se o aluno quér ser guiado e con-
duzido por outra pessoa, o facilitador pode aceitar tal necessidade
e motivo e, ou serve êle próprio de guia, se o desejo fôr êsse, ou esta-
belece uma linha de estudo, para o aluno cuja aspiração maior seja
a de permanecer em situação de dependência. E, quanto à maioria dos
alunos, pode ajudá-los a utilizar.se das suas próprias orientações e pro-
pósitos como fôrça que os impele à aprendizagem.
4) Empenha-se em organizar e tornar fàcllmente disponíveis
recursos. para a aprendizagem, da mais ampla ordem possível. Esfor-
ça-se por que os alunos disponham de textos, materiais, subsídios psi-
cológicos, pessoas, equipamentos, estágios, técnicas audio-visuais - to-
do o recurso concebível de que possam querer utilizar-se para o seu
progresso pessoal e para. a consecução dos seus objetivos.
· 5) Considera-se a si mesmo como recurso flexível a ser utiliza-
do pelo grupo. Não se degrada por se fazer de recurso. Coloca-se à
disp~;>sição dos alunos como conselheiro, lente, informante, como al-
guém que tem experiência no campo do estudo. Quer ser usado pelos
alunos, individualmente, ou pelo grupo, do modo que lhes pareça mais
significativo, a~ mesmo tempo em que se lhe afigurará satisfatório
agir ·da maneira como êles queiram.
6) Correspondendo às expressões do grupo, na aula, aceita, a um
tempo, o conteúdo intelectual e as atitudes emotivas, e se esforça por
dar a cada aspecto o grau de realce que :Jhe é emprestado pelo grupo
ou pelo indivíduo. Na medida em· que fôr autêntico, procedendo dessa
forma, aceita racionalizações e intelectualizações, tanto quanto senti-
mentos profundos e realmente pessoais.
7) Quando se estabelece o clima de receptividade, em aula, o fa-
cilitador está apto a se tornar, progressivamente, um aprendiz- partici-
pante, um membro do grupo, exprimindo suas opiniões como as de um
'entre outros indivíduos.
CONCLUSÃO
Espero que o presente capítulo tenha proporcionado uma v1sao
do esbôço de hipóteses e princípios subjacentes às práticas e aos méto-
do das pessoas e dos grupos cuja experiência foi exposta nos primei-
ros capítulos.
161
8. PRESSUPOSTOS CORRENTES SOBRE
EDUCACÃO UNIVERSITÂRIA: UMA
. EXPOSICÃO APAIXONADA.
163
conclusões também se aplicam à maior parte das escolas secundá-
rias, ao ensin<J de pós-graduação, em geral, e, na verdache, a quase
tôdas as fases de nossos vastos empreendimentos educacionais.
Sugiro, pois, simplesmente, que os educadores de todos os
níveis pergun"bem a si mesmos: "Os pressupostos aqui relacionados
aplicam-se, sob algum aspecto, ao programa educacional de que
mB ocupo?" Se a resposta fôr "Não" será muita sorte dêles.
Quero, neste texto, exprimir forte e crescente preocupação pessoal
sõbre os sistemas de educação em vigor na maior parte dos Departa-
mentos de Psicologia com ·os seus programas de instrução de grau
pós-universitário. Q tema da minha exposição é, muito resumidamente,
que, no, preparo de psicólogos, estamos "fazendo um trabalho pouco
inteligente, ineficaz e perdulário, em detrimento. da nossa disciplina
··'e cfu'•sociedatle . .:· '·. ' '
Minha preocupação tem como base a certeza de que o futuro da
civilização talvez dependa de se encontrarem soluções para os proble-
mas psicológicos. É um truísmo afirmar que o homem fêz grandes
progressos na solução de muitos dos problemas materiais da sua exis-
tência, mas que poderá ver-se derrotado, e talvez aniquilado, por seu
insucesso na solução dos problemas psicológicos com que se defronta
- atritos interpessoais, interraciais, e internacionais, delinqüência, os
distúrbios rotulados de "doenças mentais", a crescente perda·do senso
de propósito e a inaptidão para aprender, em nível que nos mantenha
à altura do conhecimento geral em expansão. Assim, a lógica de nossa
cultura exige que as ciências do comportamento desempenhem papel
, cadB..yEl.Z lllais ii'J;lpQ:~;tantemo.futuFo }:lrevisível de nossa.sociedade ,em
· confronto com tais probiemas·. · · · ·
obviamente, essa situação constitui um desafio à Psicologia e a
outras ciências do comportamento. Deveríamos selecionar e treinar in-
divíduos para uma eficiência criativa na busca e na descoberta do nôvo
e significativo conhecimento de que se necessita. Acresce que, se a
Psicologia, mais que as outras ciências, tem acesso à pesquisa cumula-
tiva ae conhecimento sôbre a aprendizagem, a criatividade e ·o desenvol-
vimento de pessoas autônomas, parece que os nossos programas de
formação de psicólogos deveriam ser superiores aos de outras áreas de
estudo.
Será êsse o caso? Temo que não. Comp disse recentemente Sig-
mund Koch, a respeito de psicólogos, "Não somos conhecidos pela nos-
sa presteza em colocar-nos à frente do movimento da história". Dado
como coisa normal que não se .tenham feito notar psicólogos america-
nos entre os pioneiros, nem por isso me parece necessário que, em
nossos programas de pós-gra.Cluação, devamos, tão freqüentemente,
exibir padrões tímidos ou reacionários que nos. colocam antes no re-
manso estagnado que à frente das ondas revOltas damstória.
Nos últimos anos, tenho tido a oportunidade de observar certo
164
número de Departamentos de Psicologia. Reuni material colhido entre
estudantes dos cursos de pós-graduação dos mais diversos lugares.
Para mim, as observações e o material colhido suscitam questões di·
ffceis e perturbadoras sôbre o padrão geral de educação científica e
profissional, em nossa disciplina. Qi'llmdo examinamos o que fazemos,
mais do que o qu~ professamos, nessa área, o quadro que emerge é,
na minha opinião de entristecer.
PRESSUroSTOS IMPLíCITOS
Creio que podemos julgar melhor nossos problemas de educação
universitária, examinando os pressupostos implícitos sôbre os quais pa-
recem basear-se. Apresentarei êsses pressupostos, tais como os vejo, e
algumas das evidências que os contestam. Espero que o leitor conside-
re as afirmações feitas, em relação com alguma situação departamental
do seu conhecimento, e veja em que medida lhe são aplicáveis.
PRESSUPOSTO IMPLíCITO N.0 1:
Não se po-de confiar que o estudant.e busque sua própria aprendizagem
científica e profissional.
165
é obrigatório, as notas tenham de ser conquistadas e os cursos a
fazer cuidadosa e claramente definidos. Acreditam que um currí-
culo minuciosamente planejado que exponha o conhecimento e as
especialidades a adquirir será talvez o nosso melhor método de
realizar tais objetivos.
Outros crêem que devem apelar para método bem diferen-
te. Parece-lhes que a melhor educação, sobretudo a melhor edu-
cação, pós-universitária é a que dá liberdade ao aluno na busca
de conhecimento, habilidades, atitudes e· experiências que se lhe
afigurem relacionar-se com os seus próprios objetivos de com-
petência profissional e científica. É o que o segundo grupo pen-
sa que parece estar mais de acôrdo com o que sabemos sôbre as
leis da aprendizagem e os princípios do desenvolvimento e do
crescimento individuais.
Uma estudante do curso de pós-graduação discute. o .mesmo pro-
blema com maior sensibilidade. Diz ela:
A atitude generalizada, no ens1no superior é,· hoje, · a do
estudante versus Faculdade, e não a do estudante com a Faculda-
. de. Pergunto-me se essa "atitude de oposição", em matéria de
educação, não remontará ao sistema de aprendizagem .primária
e elementar. Aqui se pede ao estudante que decore regras em vez
de compreender, intrinsecamente, os conceitos básicos e as. razões
dessas regras. O aluno.é, antes, levado pela mão, a aprender,. do
que orientado, no sentido dó conhecimento, pelo desejo de apren-
der. Os professôres aprenderam dêsse modo e a maioria dêles
transporta para o aluno essa "aprendizagem de oposição". Foi o
que êles experimentaram e, assim, é o que transferem para o fu-
turo estudante universitário .
Mais tarde, no seu depoimento, apela para uma possibilidade al-
ternativa:
Segundo penso, as duas qualidades mais fundamentais e, ao· mes-
mo tempo, mais gerais, a existirem na aprendizagem são liberda-
de e responsabilidade. Liberdade para dispor do tempo e liberda-
de de pensamento, que permitam ao estudante descontrair-se e
expandir-se num ambiente estimulante; deixar-se· envolver e ser
capaz tanto de se dar quanto de atrair para si. O aluno deveria
sentir-se responsável e assumir responsabilidade - para consigo
mesmo, para com o seu campo de estudo; para aprender, para
empenhar-se, para discutir o que faz e o que pensa, o que os
outros fazem e pensam.
Suas afirmações encontram forte ressonância num seleto grupo
de nove psicólogos que dedicaram quatro semanas à formulação do3
princípios pelos quais se deveria orientar o ensino superior de Psicolo-
gia, no sentido de maior iniciativa para a pesquisa e para uma pesqui-
sa de maior significação. Dizem êles:
166
As atitudes, a independência de pensamento e a disposição
de persistir nos próprios interêsses e convicções, que caracteri-
zam um bom trabalho de pesquisa, são, com freqüência, os ver-
dadeiros traços que levam o indivíduo a resistir ativamente
às pressões que levam ao conformismo, a um dado padrão de es-
tudo, à supremacia de certas áreas de collhecimento ou à aceita-
ção de determinados modos de pensar. Em conseqüência, a im-
posição de padrões estandardizados pode muitas vêzes influir na
exclusão de pessoas dotadas de características convenientes pa-
ra a pesquisa (America.n Psychologist, 1959 p. 173).
Assim, parece razoável acreditar que a confiança no aluno seria
pressuposto muito mais sólido do que a presente atitude de suspeição
que tem efeito definitivamente prejudicial à auto-confiança. MacKinnon
estudando a capacidade inventiva de arquitetos, relaciona os fatôres na
infância dessas pessoas que estão grandemente associados à sua atual
criatividade (segundo o juízo dos seus colegas). O primeiro fator de
sua formação é: "Um extraordináriotespeito pela criança e confiança
na sua aptidão para fazer o que lhe era adequado." (1963, p. 20).
Bem poderíamos tentar estender tal respeito e confiança aos nos-
sos alunos dos cursos de pós-gradu~o.
168
6) Quatro horas de exame num determinado ponto essencial da
Psicologia .
7) Duas horas de exame num ponto secundário.
8) Prova oral sôbre a tese de Mestrado.
9) Banca examinadora da proposta para Ph.D.
10) Banca examinadora da tese de Ph.D.
11) Defesa oral da tese Ph.D.
Uma vez que 10 a 50 por cento dos que se submetem a tais provas
malogram na primeira tentativa, o número real de exames feitos é con-
sideràvelmente maior do que o que indicamos acima. Compreende-se
que a ansiedade sofrida na segunda tentativa é enormemente (às vêzes
insuportàvelmente) maior. Além do mais, há um espaço tão grande
entre êsses exames, que, durante os quatro a sete anos do curso, a prin-
cipal preocupação do aluno é com a próxima espada de Dâmocles sus-
pensa sôbre a sua carreira. Como a lista acima não é exaustiva, claro
que êsses exames principais não passam de um acréscimo às argüições,
provas semestrais e finais, feitas ao longo do curso.
~ importante notar que todos os universitários citados, neste capitulo, estão empenhados
em trabalhos de pós-graduação altamente meritórios. Um dêles faz uma bôlsa de es-
pecialização numa Fundação Nacional de Ciência, outros em diversas associações, da-
do o mérito de cada um. Nenhuma das citações constitui "ressentimentos• de alunos
marginalizados ou frustrados. Por motivo de discreção, os autores das citações pre-
ferem não ser idootificados.
:169
ção, mas isso é dificultado pela tentativa de determinar o que
é que êle vai exigir como respósta, no exame (Clark, 1962, p. 42).
Outro aluno, ainda de uma outra Universidade, exprime um pou-
co da amargura que tal método suscita:
Sai-se do curso sabendo um bocado do jargão e a maior parte
das respostas. Percorrem-se as páginas do caderno de notas onde
se registrou o que o professor disse e, no exame final, espera-se
devolver-lhe a maior parte dos fatos importantes mencionados e
das idéias básicas expostas. O professor quer e espera uma acei-
tação cega; quer de volta o que nos deu, não nos deixando a opor-
tunidade de digerir e de reagir. Quase não há possibilidade de
síntese. Exige-se do aluno que se conforme ao ponto de vista do
professar e nenhuma· recompensa é dada ao pensamento criativo
e à reação individual à matéria.· O tema em:·estudó apresenta-se
em prêto e branco, sob forma unidimensional. Ao escrever isto,
sinto-me frustrado. É um sentimento de amargura, numa rebe-
lião, um abafamento íntimo como o da água fervendo numa cal-
deira, sem uma brecha para libertar o vapor; é um vapor que
queima.
Nos exames principais, o aluno, de regra, não tem o menor indí-
cio de qual será o objeto da prova. O exame versará, simplesmente, sO-
bre "Psicologia Geral", "Psicologia Social", ou sõbre tifu outro campo.
Mas, desde que o aluno sabe que as questões serão formuladas pelo
professor X ou pelo professor Y, não perãerá o seu tempo concentran-
do-se s~bre o que é . import;ante, para êle, em J>sicologia Geral ou Psico-
logia Social. Focalizará' em vez disso,, os interesses e os preconceitos·
dos dois professOres. Comentando êsse aspecto, diz um aluno:
Gasta-se tanto tempo para uma "segunda adivinhação" das ques-
tões que cairão na prova, que não se tem tempo para aprender
o que se quer aprender.
Para que não se pense que essas são apenas extravagâncias de
universitários imaturos, deixe-me acrescentar a citação de um cientista
que recorda um pouco da sua experiência:
Essa coerção teve, sôbre mim, um efeito tão desencoraja-
dor, que, depois que fiz o exame final, a consideração de qualquer
problema me repugnava, durante um ano inteiro.
Quem declarou isso foi Albert Einstein. Retrata muito bem o im-
pacto de certo sistema de avaliação sôbre um espírito sensível, inquiri-
dor, criativo. Diz-se que afirmação menos comedida foi feita por outro
cientista maduro, um notável astrônomo. Sustenta que verdadeiros
avanços no conhecimento procedem de pessoas que fazem o que querem
fazer. Todos sabemos o que se dá com as crianças obrigadas a comer
espinafre ou ruibardo. Ocorre o mesmo com a aprendizagem compu!·
sória. Os meninos dizem: "para o inferno com o espinafre". Embora
170
eu não possa provar a autenticidade dessa afirmação, ela, certamente,
exprime o mesmo ponto de vista sustentado pela maioria dos homens
de ciência.
É difícil exagerar o dano causado a universitários promissores
por êsse pressuposto completamente falso de que êles só aprendem· se
forem ameaçados, constantemente, de um malôgro catastrófico. Em-
bora eu esteja certo de que a maioria dõs profess-ores de. Universi-
dade negaria que sustentam tài pressuposto, todo o seu modo de proce-
der demonstra, clarissimamente, que é êsse o princípio operacional que
orientá o seu trabalho.
172
ponto de vista aceitável, isso é o que pode haver de mais desastroso
para uma ciência em desenvolvimento. Um estudante assim descreve
a sua experiência:
Há uma ortodoxia, aqui (fala do ritual e do dogma do seu
Departamento, em têrmos que permitem identificá-lo) ... Aqui,
não se faz outra coisa senão imitar o que- os mais velhos disse-
ram. O resultado é um "neo-escolasticismo"; repetição inútil das
idéias e preconceitos da Faculdade.
Um procedimento utilizado, que me atingiu mais forte-
mente na primeira aula, é o que eu chamo "método de estudar
através de citações", um gotejar de nomes dêsse ou daquele par-
ticipante de certas espécies de pesquisa, já aprovadas. É com-
portamento bem calculado para contar com o apoio da Faculda-
de; serve à finalidade de eliminar o esfôrço de pensar, por parte
de quem cita, e liquida, efetivamente, qualquer argumento con-
trário. Enquanto o a pêlo às descobertas por pesquisa pode ter
valor se não se tornar, por si próprio, autoritário, é indicativo
da mentalidade estreita do Departamento que apenás certos ra-
mos da pesquisa sejam merecedores de citação ... Aprende-se
aqui, ràpidamente, o que esperam de nós_
Não há por que tratar o assunto com ironia. Muitas vêzes, pro-
fessôres de Faculdade criticam o dogmatismo, embora, no seu ·compor-
tamento, o exibam, em alto grau. Não raro, a ortodoxia refere-se ao
método e são os "verdadeiros métodos" de Psicologia científica que se
consideram imutáveis. De qualquer modo, quando ocorrem, no Depar-
tamento, atitudes como as que descrevemos, o ambiente é contrário a
todo esfôrço científico autêntico. Daí só pode resultar uma pseudo-
ciência.
173
tência é importante; muito mais importante, porém, é o desen-
volvimento da criatividade individual - da aptidão para desco-
brir novas relações, para reformular ou sistematizar fatos conhe-
cidos, para arquitetar novas técnicas e novas vias de acesso aos
problemas (American Psychologist, 1959, p. 170).
176
vo realce à avaliação, o aluno A não dará ajuda ao seu colega B, por-
que qualquer progresso de B automàticamente coloca A em ponto
mais baixo "na curva". É parece, um tipo de atitude viciosa, por parte
de quem se espera venha a ser, mais tarde. membro de uma equipe
científica ou profissional.
Há outro fator, que explica o caráter remoto do relacionamento
Faculdade-aluno. É que se torna quase impossível aproximar-se do alu-
no, quando o relacionamento fundamental, com êle, é o de um juiz e
avaliador. É o que sugere um estudante que descreve o relaciona-
mento Faculdade-aluno, na sua Universidade:
Vejo ... professôi'es a se esconderem atrás de uma máscara de
objetividade impessoal, "científica", para evitar o risco de se en-
volverem pessoalmente num relacionamento interpessoal e;- tal·
vez, desgostosos com a tarefa de avaliação que êles próprios
se impuseram'
.Há exemplos de professôres que armam un1 "duplo laço" para o
aluno, .transmitindo-lhe mensagem contraditória. Seria como se algum
dêles dissesse: "Seja bem-vindo a um relacionamento interpessoal ca-
loroso e intimo - e quando você vier com excessiva intimidade eu o
castigarei com uma nota ruim" ..A analogia :eom os pais de esquisofrê-
nicos é dolorosamente clara.
Ainda uma vez, é a evidência bem fundada que contradiz o déci-
mo pressuposto. Thistlethwaite, em estudo já mencionado,. verificou
que "a infoimaliP:ade e o calor dos contatos estudante-Faculdade", na
instituição, relaéionam-se, significativamente, com a média de aprovei-
tamento dos Ph. D. em Ciências NaturaiS, assi;m .como. em Artes, Hu·
Jna!lidades e Ciências Sociais (1963). A Psicologia. pode pôr em ris-
~o o próprio futuro pela sua insistência em que o indivíduo não é mais
do que simples máquina.
177
de que os alunos, consciente ou inconscientemente, depois de "comerem
de colher", durante mais de dezesseis anos de vida acadêmica, tendem
a exigir a mesma coisa, cada vez mais. Outra razão pode estar em que
os alunos originais, curiosos, autônomos, que perseguem objetivos pró-
prios são quase sempre incômodos para se ter por perto. Desafiam
convicções assentadas e modos fixos de fazer as coisas e, daí, como
professôres da Faculdade, tendemos a evita r que se produzam
tais tipos. Outra razão ainda, é que, por se haver feito da Pesqui·
sa antes um fim que um meio, daí se seguiram várias conseqüências:
desvalorizou-se o ensino, tôda a importância foi dada à pureza dos pla·
nos de pesquisa, e os próprios alunos se tornaram objetos de pesquisa.
É exíguo o interêsse pela verdadeira educação de jovens cientistas. O
mais importante de tudo, talvez, é que os pontos de vista filosóficos de
psicólogos· sôbile a efiqcação" .e• a nãtureza~do hcu:hem·cparecêtn' nãórJse
emparelharem com os progressos no seu próprio campo de estudo. Es-
sas são, apenas, algumas possibilidades. O problema exige investigação
mais ampla. Deve haver uma explicação racional para a obstinada ma-
neira como os Departamentos de Psicologia se apegaram a certas idéias
obsoletas.
O REVERSO DA MEDALHA
Estou ciente de que nem todo o ensino que se desenvolve no meio
universitário atua sob os pressupostos que relacionei: Um universi·
tário, depois de fazer certo número de reclamações, escreve:
SÓ' excepclpnalmente, ~~ixaiei um.e:ursO o~de me sinta. 'inspirado,
excitado, estimulado. Eis um excelente professor, que estimula a
liberdade de pensamento. Não se submete às pressões que o obri-
gariam a ver os seus alunos transporem a "linha final", mas está
cônscio de que não existe "linha final". Cria uma atmosfera de
indagações, de estímulo à reflexão. O aluno tem a oportunidade
de reagir aberta e honestamente e de emprestar ao tema em es-
tudo suas próprias idéias criativas. O professor não quer que
seus alunos tenham como certo o que êle diz; antes, encoraja-os
a pensar sôbre o que êle diz; a pensar, a reagir, a duvidar; a acei-
tar, a rejeitar, a incorporar.
178
mentos já se acham elaborados no relatório sôbre "Educação para a
Pesquisa em Psicologia", ao qual fiz diversas referências. Tentarei ex-
plicar tal programa, pormenorizadamente, no próximo capítulo.
UM DESAFIO FINAL
No dia em que a Psicologia quiser fazer uma apreciação refletida
dos seus métodos de preparação profissional, rejeitará, creio eu, a maior
parte dos seus pressupostos e processos em curso. Tentei indicar, en-
tretanto, que, na base de tudo, da própria literatura sôbre pesquisa em
Psicologia, estão os fatos e as descobertas sôbre os quais poderíamos
construir um programa de pós-graduação, de que nos orgulhásse-
mos - programa capaz de formar pSicólogos independentes, aber-
tamente inquisidores, que não temam a busca de vias de acesso à
verdade, genuinamente novas e profundamente significativas.
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Willey and Sons, 1963.
180
9. UM PROGRAMA REVOLUCIONÂRIO
PARA A EDUCAÇÃO
UNIVERSITARIA
181
porque tenho mais exper1encia e mais competência neste último
nível e porque é muito mais cômodo, para mim, falar por expe-
nencia própria. A segunda razão está em que acredito que,
de todos os diferentes níveis de educação, desde o jardim da
infância até o trabalho de pós-doutorado, o ensino de pós-
graduação é o que mais se distancia do desenvolvimento principal da
nossa cultura e o menos educativo no exato sentido i.'la palavra. A
terceira razão é que eu gostaria de oferecer aigllm.as propostàs positi·
vas, porque estou certo de que o mundo educacional se vai tornando
eada vez mais amadurecido para as espécies de mud~a que tenciono
sugerir.
FINALIDADES
182
- se oriente, primacialmente, mais para os problemas futuros da
ciência e da profissão do que para a sua história passada ou
mesmo para a presente acumulação dos chamados "fatos";
- se oriente no sentido de focalizar, antes, problemas científicos
e profissionais significativos do que, primacialmente, o treina-
mento metodológico numa disciplina. A solução de problemas
que tenham significado leva, sempre, a aprendizagens interdisci- '
plinares, onde, com muito mais probabilidade, se verificam aber-
turas e avanços;
- promova interação íntima, humana, comunicativa entre pessoas
reais - aluno e aluno, aluno e Faculdade, Faculdade e aluno;
- focalize, por meio de tal interação, problemas reais - tanto
pessoais e emocionais quanto intelectuais e profissionais - com
que se defronte o aluno no seu trabalho;
- desenvolva o aluno como aprendiz auto-disciplinado e crítico.
capaz de avaliar tanto as suas quanto as contribuições dos ou-
tros. Assim, o aluno trabalhará, não para receber a aprovação
de outrem, mas tendo em vista os próprios objetivos socializa-
dos e auto-realizáveis;
- capacite o aluno a adaptar-se inteligente, flexível e criativamente
- a novas situações problemáticas do futuro, -a problemas com
que nem sequer tenha sonhado, ao tempo da sua atividade uni-
versitária;
- capacite .. o aluno a dar contribuições ,contínuas, criativas., <>vS
problemas humanos qÚe vão ao .extremo" de ameaçar a destrui-
ção da raça humana. Tais contribuições poderão resultar ou
do acesso à ciência pura, ou da prática profissional, ou da com-
binação de ambos;
- capacite o aluno a ser aceito como alguém que pertence ao gru-
po de profissionais qualificados que tentam arrostar est:ts sig-
nificativas inquietações científicas e humanas.
SELEÇÃO DE ALUNOS
184
L. Thurstone despertar essa qualidade, propondo enigmas do tipo dês-
te: "Suponha que a água diminuiu e ficou mais pesada em vez de au-
mentar e ficar mais leve, quando gelada. Faça uma relação, tão grande
quanto possível, dos efeitos que essa mudança produziria". õbvia·
mente, só um espírito bem aparelhado por uma ampla e imaginativa
curiosidade, sem o receio de exprimir idéias conjecturais mas únicas,
poderia realizar, com acêrto, tal tarefa. É essa dupla qualidade que eu
consideraria importante num aluno de curso pós-universitário.
Seriam êsses três os meus únicos critérios. Se não incluo as no-
tas obtidas nos cursos anteriores, o registro de exames feitos e outros
critérios que têm sido empregados por oferecerem certo índice de pre-
visão a respeito do trabalho a executar no ensino de pós-graduação, é
porque êles padecem de uma deficiência fundamental. Essencialmente,
supõe-se que o aluno que soube saltar bem as barreiras que lhe foram
opostas, antes de colar grau, também saberá safar-se, garbosamente,
das dificuldades de um curso de pós-graduação. Uma vez, entretanto,
que, no programa que descreverei, não se oporá nenhuma barreira do
tipo usual, acho que tais medidas se torn.anl inúteis.
ELEMENTOS DO PROGRAMA
:É óbvio que, uma vez que, tanto a Facul~e quanto os alunos
formados devem participar do planejamento e da execução do pro-
gr~a e se os vários Departamentos podem organizar o respectivo
trab;:j.lho de modo um tanto ou quanto diverso, o que .se segue é um
conjunto de sugestões que seri~ modificaçlas conforme o seu uso
em diferentes situações da Universidade. As idéias seriam melhor co-
locaqas como ~nstruções ~ informações gerais .que se devem propor-
cionar ao aluno iniciante.
185
tífica. e profissional. O único limite está em que, em muitas
dessas oportunidades, será preciso, para que você goze das
suas vantagens, obter a permissão do corpo docente ou de
quem tenha o encargo dos diversos serviços. Naturalmen-
te, isso compete a você.
As oportunidades dentro de comunidade mais ampla
são tão importantes quanto as que a Universidade oferece.
Você pode querer deslocar-se para outros centros em que se
estejam fazendo pesquisas dum tipo pelo qual você se inte-
resse. Pode desejar ir ao encontro de oportunidades para ob-
servar ou servir em clínicas, escolas, bairros, indústrias, la-
boratórios ou instituições de pesquisa existentes em comuni-
dades maiores. Far-se-á tudo que fôr possível para ajudá-lo
a utilizar-se das oportunidades que você queira.
C. Durante as primeiras· semanas d~ ka presença aqui, você te-
rá a oportunidade de encontros, em pequenos grupos, com
todos os professôres do Departamento (e, talvez, se você o
quiser, com os corpos docentes de outros Departamentos que
se relacionem com o nosso). l!:sses encontros darão ensejo
a cada professor, de falar-lhe sôbre oi seu próprio trabalho
e interesses, a pesquisa de que se ocupa no momento, as
oportwddades que possam surgir de você trabalhar com
êle, as orientações científicas e profissionais que segue e
suas esperanças e expectativas para o futuro. A finalidade
dêsses encontros é a de dar-lhe a oportunidade de úm es-
. clarecimento inicial sôbre o seu próprio campo de interêsse
e fixar. ·alguma :'impressão ·'·sôbre' ós 'proíE!ssôrés' cóÍít os
quais vOcê venha a trabalhar.
D. Você terá de escolher, tão logo se ache preparado, um orien-
tador do seu trabalho e, pelo menos, dois professôres a mais,
para consultas. A escolha do orientador e a composição dês-
se grupo cabem inteiramente a você, dependendo, apenas, de
que obtenha o consentimento dos professôres que o servirão.
A função do seu orientador e da comissão é a de responder
às consultas que você lhes faça sôbre quaisquer problemas;
de mwüê-lo informado sôbre recursos de que você não te-
nha conhecimento; de indicar-lhe o que lhes pareça fraco no
programa que você esteja desenvolvendo e discutir com você
as várias possibilidades que se lhe ofereçam, em relação ao
trabalho que executa. A responsabilidade final do que você
faça é sua, do estudante, não da éomissão escolhida. Esta
não dará aprovação nem desaprovação formais ao seu plano.
É função dela atender às suas consultas e dar-lhe tôda a aju-
da possível para que você desenvolva, enriqueça e leve a ca-
186
bo o seu programa de trabalho.
Não é preciso que êsse grupo continue a trabalhar com
você durante os quatro anos. Se os seus interêsses mudarem,
você pode optar pela escolha de outro orientador e de um
grupo diferente de consultores. É privilégio seu.
E. Muito do seu trabalho se comporá naturalmente, de estudo
independente. É provável, no entanto, que você prefira tra-
balhar sob a tutela de um grupo, ligado ao seu orientador,
e êste está preparado para assumir tal responsabilidade. Du-
rante certos períodos de tempo, você poderá achar mais útil
o trabalho sob a tutela de um grupo vinculado a outros pro-
fessôres,· cujos interêsses enriqueçam os seus.
Quer você se concentre, por completo, num estudo in-
dependente, quer trabalhe sob a tutela de um grupo, quer di-
vida o seu tempo entre êsses tipos de esfôrço, você será pri-
. macialmente responsável pelo planejamento e pela execução
do seu prógrama. Você terá de submeter a seu orientador e
à comissão escolhida, no comêço de cada trimestre (ou se-
mestre), os planos experimentais do trabalho que você espe-
.... · -:ra realizar duran.te êsse período. AO fim de cada período,
vócê descreverá o que fêz e como avalia os seus progressos
e ·desempehhos, ou a falta dêstes. Terá de mencionar, tam-
bém, os ctitérios que seguiu para avaliar e julgar o seu pró-
prio trabalho .
F. · Você terá a oportunidade de uirir-se a um grupo básico de
encontro, composto de vários dos seus ·colegas e de uns tan-
. tos membros· do corpo doeente. Preteridé·se que cada grupo
seja integrado por seis a oito doutorandos e quatro a seis
· professôres. Tanto quaii.to possível, cada aluno participará
do grupo em companhia de seu orientador,· e, pelo menos,
algum dos seus consultores. Será um grupo completamente
diverso daquele sob cuja tutela você realiza o seu trabalho.
Dará oportunidade a que você se encontre com os outros, en-
quanto pessoas; a que você analise os sentimentos e as atitu-
des inter-individuais; a que você tome mais consciência de
você mesmo e do impacto que você produz sôbre outrem.
Ensejará também mútuo "feedback" no qual os outros o
informem sôbre o modo como vêem o que, em você lhes pa-
rece fraco ou forte e você faça o mesmo em relação a êles.
Isto se aplica tanto ao corpo docente quanto aos alunos. A
primeira finalidade dêsse grupo de encontro é a de dar a to-
dos os seus membros a oportunidade de melhorarem sua
comunicação interpessoal e de crescerem e se desenvolverem
como pessoas. O encontro se fará inicialmente, durante um
fim de semana completo e, depois, com os intervalos que
187
vocês mesmos desejarem e planejarem. Em têrmos gerais,
espera-se que você tenha alguma experiência de grupo de
encontro, durante cada um dos anos em que você esteja na
Universidade. O grupo de encontro não é uma exigência,
mas acredita-se que a maior parte dos alunos gostará de
aproveitar-se dessa oportunidade.
1. Niclrulas Hobbs - The Professor and the Student, texto apresentado ao • American Coun-
cil. on Education", Outubro, 1965.
191
O programa, como foi esboçado, baseia-se, fundamentalmente, na
auto-crítica e na auto-avaliação, promovendo, assim verdadeira criativi-
dade. Não se trata porém, de auto-avaliação insulada e autistica, pois o
contínuo "feedback" com outros estudantes e com a Faculdade dá uma
dimensão de realidade !à estimativa que o aluno faz de si mesmo.
Apesar disso, o julgamento final compete ao aluno que pode envere-
dar, se fôr essa a sua escolha, por um curso de investigações e de ação
que a todos os outros pareça absurdo.
O programa acaba inteiramente com o mecanismo dos testes, pro-
vas e avaliações que, desgraçadamente, se tornaram a característica
central e a nota distintiva da educação norte-americana. Assim, o alu-
no pode ler um livro pelo que êste contribui para a sua aprendizagem
e não, simplesmente, para apanhar, aqui e ali, os ítens que provàvel-
mente cairão na prova. É forçado a evoluir no seu próprio rumo e a
descobrir direções que lhe sejam compensadoras ·em vez de contar, pas-
sivamente, com as recompensas que irá receber sob a forma de notas.
O programa esboçado visa a desenvolver a pessoa como um .todo-
não simplesmente alguém informado mas pela rama, mas alguém que
exista num relacionamento significativo para com os outros e para
-consigo mesmo. Nos grupos de encontro, o aluno tem a oportunidade
de se tornar mais uma pessoa, mais auto-consciente e mais compre-
ensivo em relação aos outros. Não se transformará, simplesmente,
num técnico rígido, resultado demasiadamente evidente de muitos dos
programas de pós-graduação em ciências, mas especialmente trágico
nas ciências do comportamento.
Um dos aspectos do programa que pode intrigar a muitos leito-
res é o uso (em larga escala ou integralmente) de examinadores de fo-
ra, na decisão a tomar sôbre se o candidato merece ou não um título
de Ph.D. Não advogo especialmente a avaliação feita por estra-
nhos, a qual pode ser tão falha quanto a do próprio corpo docente da
Faculdade. Tem ela, porém, a enorme vantagem de permitir que o pro-
fessor se faça amigo, do seu colega mais jovem, o aluno. Ficará an-
sioso para vê-lo sair-se bem, ajudá-lo-á com conselhos e advertências-
em vez de, periodicamente, tentar "apanhá-lo" nas provas, ou pretender
exclui-lo do curso para mostrar que êle, o professor, é "inflexível". Li-
vrar-se-á o professor do duplo constrangimento em que habitualmente
vive- de um lado pelo desejo de ser alguém que ajuda, humanamente,
os seus alunos, e, de outro, pela necessidade. contínua de fazer o papel
de juiz e de executor, ao mesmo tempo. Livre, o professor se incumbi·
rá apenas de um tarefa - a de facilitar a aprendizagem dos seus alu·
nos.
Finalmente, o programa permite que o aluno se torne, como pes-
soa, um profissional completo - um cientista em exercício, um facili-
tador de aprendizagem - não em alguma data futura, depois que rece-
ber o seu título, mas durante todos os dias de todos os anos do seu
192
curso de pós-graduação. Aprende sendo e fazendo e, para mim, êste
constitui o melhor tipo de aprendizagem.
PóS-ESCRITO
193
lQ. ALGUMAS IDÉIAS SOBRE ADMINIS-
TRAÇÃO EDUCACIONAL
195
que nela se formula o que eu senti ter aprendido, nas minhas tentativas
de dirigir uma organização.
McGregor desenvolve uma "Teoria X" que fornece a base de mui-
to do corrente comportamento executivo. Propõe, também, uma "Teo
ria Y" baseada na experiência e na pesquisa sôbre ciências sociais e do
comportamento, que servem de fundamento a todo êste livro. O que
escreveu acêrca dessas teorias refere-se à organização industrial. Gosta-
ria de parafrasear suas idéias, colocando-as num contexto educacionaL
Ao fazê-lo, utilizo-me, amplamente, do seu trabalho.
A OPINIÃO CONVENCIONAL
O administrador educacional que· segue o padrão usual de arcar·
com a responsabilidade de sua escola ("Teoria X" de McGregor) vê
sua tarefa como a de utilizar a energia do corpo docente e dos alunos,
a fim de ir ao encontro dos objetivos e das exigências do sistema edu-
cacional. Em primeiro lugar, considera-se o organizador responsável
pelo dinheiro disponível, equipamento e gente, de modo a realizar o
objetivo educacional que tem em mira. Isto quer dizer que deve moti-
var e dirigir o corpo docente e, através dêle, os alunos; que sua fun-
ção principal é a de controlar as ações e modificar o comportamento
de todos os membros da escola, de tal modo que a.meta -educacional
seja alcançada. No cerne de sua política está a opinião de que, se se
permitir que :t;>rofessôres e_ alunps execptem suas tarefas com os_ meios
a seu alcanÇ,e, uns e oij;tros '. ~ mo~fkr&o :~paticqs o~;.f .résist~ntês a<;>:··
objetivo educacional. Com a faca e o queijo na mão, o administrador
deve, pois, premiá-los, puni-los e persuadi-los, de modo que todos tra-
balhem para a realização do objetivo que êle próprio, o seu conselho
de direção ou o Estado definirem como o que convém à "educação"_
Nesse usual método de administração educacional, está implícito
certo modo de ver a natureza da criatura humana. Implica que tanto
o professor quanto o aluno são naturalmente apáticos e tendem a evi-
tar qualquer esfôrço estrênuo. Considera que ambos não se dispõem
a assumir responsabilidade e preferem ser guiados ou conduzidos. É
pressuposto dessa opinião que professôres e alunos (mas especialmente
-êstes últimos) são indiferentes quanto à realização do objetivo educa-
cional e só trabalham para atingi-lo se se institui uma apropriada série
de contrôles do seu comportamento.
Uma vez que, no capítulo 8.0 , expus, em têrmos até emocionais,
vários dos pressupostos subjacentes a êsse tipo de método, aqui não é
preciso que me estenda muito. Acrescentaria, apenas, que administra-
dores e professôres que sustentam essa posição teórica podem ser con-
siderados "duros" ou "brandos". Quem é "duro". cujos contrôles são,
em regra, do tipo coercitivo, cuja disciplina é demasiadamente estrita,
acha que sua opinião sôbre as pessoas e, portanto, sua teoria são con-
196
firmadas, porque os subordinados sabotam, continuamente, a sua poh-
tica. Por exemplo, soube, recentemente, que um Diretor determinou que
cada professor se assentasse em poltrona numerada, nas reuniões de
Congregação, de modo que a presença poderia ser fàcilmente registra-
da e a sanção aplicada aos que não atendessem à convocação. Sem dú
vida, o Diretor ficou surpreendido e, certamente, suas opiniões sôbre a
natureza humana foram confirmadas, quando descobriu que suas deter-
minações eram formalmente aceitas, mas, depois, completamente desa-
tendidas através do uso de meios sutis e indiretos.
Mas o administrador que é "brando", que só quer harmonia, que
tenta ser amável e condescendente, também se decepciona, caso adote
e tente aplicar essa teoria convencional. Suas persuasões caem em ou-
vidos moucos. Verifica que professôres (e alunos) abusam dêle. Exi-
gem-lhe mais e mais, pois êle é pessoa benevolente, mas produzem cada
vez menos,- se se trata de empregar os seus próprios esforços. Assim,
ainda uma vez, sua opinião sôbre a natureza, tanto de professõres
quanto de alunos, é confirmada e êle acabará, provàvelmente, por se
tornar cínico. Não raro, no seu cinismo, dá uma guinada no sentido
de se aproximar dos "duros".
Embora as práticas de grande número de administradores edu-
cacionais (provàvelmente da maioria) se submetam a êsse método
tradicional de administração, tal ponto de vista entra em choque, cres-
centemente, com a experiência e a pesquisa das ciências do compor-
tamento e com o que se vem tentando fazer em diversas emprêsas
industi-iais, progressistas e bem sucedidas. Vejamos, pois, o que se
passa quando empregado"um método alternativo.
PEQUENA ILUSTRAÇÃO
Durante os doze anos em que fui chefe do Centro de Aconselha-
mento da Univer~idade de Chicago, a organização cresceu até se cons--
tituir aproximadamente de cinqüenta membros. Esforcei-me por cons-
truir processos organizacionais, conciliáveis com a visão da potenciali-
dade humana que impregnava o nosso trabalho de aconselhamento. Em-
bora cometêssemos muitos enganos, funcwhamos bem, à nossa manei-
ra heterodoxa, e penso que é justo dizer que fomos decididamente bem
sucedidos no desenvolvimento de pessoas. Conhecemos poucas organi·
zações em que o pessoal dirigente revelasse tão dedicada lealdade ao
grupo e fôsse tão produtivo. As horas de trabalho nada significavam,
e; pela noite a dentro, nos fins de semana e nos feriados, os membros
do corpo dirigente eram encontrados no centro, a desempenhar as tare-
fas que êles prÓprios se atribuíam.
Agrada-me a circunstância de que, enquanto procurávamos, às
apalpadelas, processos organizacionais mais efetivos, eu ia escrevendo
certo número de perguntas que sentia ter. de fazer continuamente a
mim mesmo. Os administradores de escolas e de sistemas educacionais
podem receber algum estímulo nôvo e, talvez, algum desafio, da leitu.
ra dessas indagações. Apresento-as, aqui, sob a forma como as escrevi
em 1948.
Devaneios de um Administrador ·
1. Confio na capacidade do grupo e dos que o integram,
para ir ao encontro dos problemas que enfrentamos, ou, bàsica-
mente, só confio em mim próprio? Vejo, que quando assumo o
risco, a incerteza, de pôr minha confiança no grupo, à engenhosi-
dade, a responsabilidade e a fôrça se multiplicam. Se tenho mê-
do de o fazer, e confio em mim próprio, daí resultam passividade
no grupo,· certa disposição para deter-se e criticar, enquanto se
ressecam a iniciativa e o esfôrço construtivo.
2. Deixo· o grupo livre para uma discussão criativa, dis-
pondo-me a compreender, aceitar e respeitar tôdas as atitudes ou
me ponho, sutilmente, a tentar a manipulação da discussão do
grupo, de modo a levá-lo onde eu quero? Acho que isso testa, mui-
to profundamente a minl:ta filosofia básica. . . Quando há ge-
nuína boa vontade para com tôdas as atitudes a se exprimirem
- tanto críticas e hostis quanto construtivas - o grupo sente que
se trata de organização sua, e responde com vigor, com lealdade
e com responsabilidade. Quando o corpo de funcionários é tão
livre para dar a contribuição das suas atitudes quanto o corpo de
profissionais, êsse princípio talvez seja mais intensamente ope-
199
rante. Ao contrário, se a liberdade não passa de uma pseudo va-
riedade, desenvolve-se a suspeita.
3. Minha participação, como líder, far-se-á através da ho-
nesta expressão das minhas próprias atitudes, mas sem a tenta-
tiva de controlar as atitudes dos outros? ... Numa situação tal
como a de um grupo dirigente, em que o meu ego está com mais
certeza envolvido, é tão importante que eu exprima o que sinto
quanto o faça o meu próximo. Mas isso, testará, de nôvo, inten-
samente, a filosofia do líder. Pode êle exprimir sua atitude de
modo a implicar: "será melhor que você pense a mesma coisa";
ou, ao contrário: "isto é exatamente o que eu sinto, mas outros
podem ter atitudes muito diversas".
4. Conto com atitudes básicas, para a motivação, ou pen-
so em processos superficiais de motivar o comportamento? Tem
sido nossa experiência que, quando um problema é percebido pe-
lo grupo, é considerado livre e abertamente, e o modo de enfren-
tá-lo é descoberto e experimentado pelo grupo, nesta linha se se-
gue a ação. Se o processo não foi êsse, nenhuma dose de concor-
dância formal levará a ação construtiva .... O grupo aparenta-se
a um organismo, e, quando se sente nitidamente integrado, ocor-
re, inevitàvelmente, a ação. Quando se acha· em divergência, a
ação é confusa ou conflitante, e não haverá política, por mais
· elegantemente estereotipapa, qu~, possa fazer com que as coisas
se passem diferentemente.
5. Disponho-me a ser responsável por aquêles aspectos da
ação que o grupo me delegou? Se não qt...,ro assumir a responsa-
bilidade, devo dizê-lo. Se a aceito, sou obrigado a dar-lhe exe-
cução.
6. Confio em· que o indivíduo realize a sua tarefa? Aqui
mergulhamos, diretamente, na questão de saber o que é supervi-
são. Se supervisão é a incumbência de um feitor que dirige o in-
divíduo sôbre como êle faz o seu trabalho, então, penso que
muito do que tenho escrito é negado. Chegamos a atribuir nôvo
significado ao têrmo supervisão. Consideramos que o contato de
supervisão é a oportunidade que se oferece à pessoa de determi-
nar, pela reflexão, mais claramente, os problemas com que se
defronta no seu trabalho - as desagradáveis exigências que se
lhe fazem e o .meio de-se adaptar a elas; as experiências de malô-
gro que tem tido no seu aconselhamento; os problemas que sinta
na sua orientação pessoal ao corpo dirigente. Acho que quanto
maior fôr a responsabilidade que se dê ao individuo na sua tare-
fa, tanto mais intensamente êle a desempenhará, mas, se outra
pessoa assume essa responsabilidade, então sua atitude é a de se
limitar a dizer: "eu apenas trabalho aqui".
200
7. Quando ocorrem tensões, procuro tornar possível que
elas venham, abertamente, à luz? Penso que os administradores
se inclinam a imaginar que estão agindo bem, quando nenhuma
tensão se evidencia. Com base em nossa experiência, parece muito
mais saudável aceitar o fato de uma tensão, como básico, e apren-
der a lidar com ela. As pessoas, porque são pessoas vivas, estão
fadadas a ficar, às vêzes, insatisfeitas, a se sentir à margem do
grupo, ciumentas, críticas em relação aos outros, etc. Passamos
a acreditar que a tensão só é perigosa quando se desvia do seu
objeto. Se o corpo de auxiliares acha que eu tenho sido ditatorial
demais ou que tenho agido com favoritismo, só poderá ser cons-
trutivo dizê-lo a mim. A experiência pode ser penosa, mas re-
sulta em crescimento. Se isso, porém, fôr recalcado· e só, se ex-
primir em oposições a alguma novã'política proposta por mim,
a tensão não se dissolve, antes ameaça acentuar-se. . .. Daí te-
mos achado eminentemente importante a tentativa de criar uma
atmosfera dentro da qual atitudes reais se exprimam em função
dos seus objetos reais. Quando tal ocorre, a tensão se reduz, e,
quase inevitàvelmente, as percepções (e portanto, os comporta-
mentos) se alteram. Em tal atmosfera o estado de. espírito nem
sempre é superficialmente amável, mas é honesto e real, como
se se houvesse chegado a um bom ancoradouro ~Rogers, 1948).
COMENTÁRIO
Antes e depois de escrever essas indagações, tive sob minha res-
ponsabilidade a liderança de vários grupos, com diferentes graus de
êxito. Em relaÇão a um dêles, acho que fracassei, como líder, e alguns
dos fatos que ocorreram foram desastrosos. Ao me esforçar por com-
preender êsse penoso insucesso, conclui que êle se verificou porque o
meu comportamento foi de tal ordem que não pude dar respostas afir-
mativas às sete perguntas relacionadas acima. Estava ansioso demais
pelos "resultados" e o que aconteceu foi que eu e todos os membros do
grupo ficamos decididamente insatisfeitos ·com os resultados. Sentia
que não havia "tempo suficiente" para uma confiança total na capacida-
de do grupo, nem para permitir que as tensões se manifestassem aber-
tamente. Daí resultou que a confiança posta no grupo foi, numa certa
medida, incompleta e o clima psicológico, em igual medida, o de uma
pseudo-liberdade. A experiência é penosa demais para ser recordada, e
mal posso crer que tenha falhado, tão significativamente, na realização
daquilo em que tão profundamente creio.
A experiência ensinou-me, contudo, uma lição definitiva. Se al·
guém está a exercer contrôle sôbre o grupo, segundo a "Teoria X", en-
tão, é sumamente importante que o faça às claras. Muitas organizações
funcionam com tôda a eficiência sob um tipo hierárquico de autorida-
de controladora. Isso é indubitàvelmente preferível a que uma organi-
201
zação funcione, sob a "Teoria Y" e de uma pse,udo-maneira. Na deter-
minação das condições a vigorar numa sala de aulas, a autenticidade
é, talvez, o mais importante componente do êxito. Se o administrador
só pode assegurar pequena parcela de liberdade aos membros da sua
organização, deve ser completamente claro a respeito do contrôle que
pretende exercer sôbre os setores restantes das atividades de todos.
Foi, pelo menos, o que me ensinou a penosa experiência do meu insu-
cesso.
CONCLUSÃO
Um administrador educacional pode agir de modo adaptável a tô-
da a nossa maneira de encarar o tema dêste livro. Pode operar de mo-
do a envolver os seus auxiliares, como participantes, a utilizar o conhe-
cimento e as aptidões dêstes, a levar em conta a básica tendência hu-
mana para a ap~endizage.~ e" a .. auto:;~alizàção. ~~zer 1~-. nãó.'é fácil
· e a ·medida 1em ·titie se 'pode alcançá-lo depende, fundamentalmente, da
atitude do administrador. Contudo, vale a pena o risco, uma vez que só
dêsse modo se utilizará a estimulante potencialidade do grupo para le-
var avante a organização - e os membros que a constituem.
REFER~NCIAS
202
Eis por que dou muito valor à minha capacidade de ouvir, sensi·
tivamente, a dor e a alegria, o temor, a irritação, a perplexidade e a an-
gústia, a determinação e a coragem de ser, manifestados por outra pes-
soa. E dou valor, mais do que o poderia dizer, às oportunidades que se
oferecem à outra pessoa de ser verdadeiramente capaz de ouvir tudo
isso em mim.
Prezo, enormemente, minha capacidade de progredir na infindá-
vel tentativa de ser autêntico, em dado instante, quer a autenticidade
se exprima em irritação ou em entusiasmo ou em perplexidade. Alegra-
me que a autenticidade, em mim, gere maior autenticidade, no outro.
e que nós nos aproximemos numa recíproca relação eu-tu.
E me é agradável a predisposição para estar apto a receber, sem
os rejeitar, a cordialidade e o interêsse dos outros, porque isso faz
crescer minha própria capacidade de ter afeição, sem o medo de me
enganar ou de me apegar à idéia de· os manter sob o meu contrôle.
ll':sses, na minha experiência, são alguns dos elementos que tor-
nam a comunicação entre as pessoas, o estar em relacionamento com as
pessoas, mais enriquecedor e engrandecedor. Estou longe de alcançar
êsses elementos, mas o fato de me ver a esforçar-me por fazê-lo,
transforma a vida numa aventura ardente, excitante, perturbadora, in-
quietante, enriquecedora e, sobretudo, digna de ser vivida.
Quarta Parte
RAMIFICAÇÕES FILOSÓFICAS
E SOBRE VALORES
208
INTRODUCÃO
206
11. O SER .EM. RELACIONAMENTO
207
aquinhoá-lo com algo de mim mesmo, então, penso que você compre-
enderá o que eu falo ou me deixará a falar sozinho. Você decidirá se
isso tem alguma importância para o seu trabalho, a sua carreira, a sua
profissão, a sua vida. Sua reação poderá ser esta: ":E exatamente o que
eu tenho sentido, o que tenho descoberto"; ou esta outra, igualmente
válida: "O que sinto é muito diferente. Minha experiência ensinou-me
algo inteiramente diverso". Num caso e noutro, isso poderá ajudá-lo a
se definir a si mesmo, mais claramente, mais nitidamente, com maior
segurança, Acho que é o que vale a pena, e é algo que espero poder
facilitar.
Assim, vou compartilhar com vocês a miscelânea de uma bagagem
de aprendizagens, coisas que aprendi ou estou aprendendo sôbre êsse
miste.doso ofício. de r~lacionar-me com outros seres humanos, sôbre
comunicação entre as pessoas. Vou dividir um pouco das minhas satis-
fações e dos meus descontentamentos, nessa área. A razão por que cha-
mo a isso um ofício misterioso está em que quase nunca se consegue
estabelecer comunicação interpessoal ou só se consegue em parte. Vo-
cê, com tôda a probabilidade, jamais se sentiu inteiramente compre-
endido pelo outro; eu, também, não. No entanto, sinto-me extremamen-
te compensado quando sou capaz, num caso particular, de me comuni-
car verdadeiramente com outrem. Acho preciosíssimo quando, em cer-
to instante, às vêz,~s, me sinto realmente aproximar-se, entrar em con-
ta.to intimo com outra pessoa.
GOSTO DE OUVIR
O primeiro sentimento, o mais simples, que eu quero, pois, com-
partilhar com vocês, é o prazer de realmente ouvir alguém. Penso que
talvez seja essa, de longa data, uma das minhas características. Lem·
bro-me de que sou assim, desde os primeiros dias da escola primária.
Uma. criança fazia uma pergunta ao professor e êste lhe dava respost~
l?erfeitamente correta a uma pergunta completamente diferente. Vinha-
me sempre, um sentimento de pesar e de aflição. Minha reação era.
"Mas o senhor não ouviu o que êle perguntou!" Sentia uma espécie de
desespêro infantil ante aquela falta de comunicação que era (e é) tão
comum.
Creio saber por que me satisfaz ouvir alguém. Quando realmente
posso ouvir alguém, entro em contato com êle. Isto enriquece a minha
vida. Ouvindo os outros, aprendi tudo o que sei sôbre o indivíduo, a
personalidade, a psicoterapia e os relacionamentos interpessoais. Há
aí, outro motivo peculiar de satisfação: quando ouço realmente
alguém, é como se ouvisse a música das esferas, pois, além da. mensa-
gem imediata da pessoa, seja qual fôr, há o universal, o geral. Ocultas
208
em tôdas a.> comunicações pessoais, que realmente ouço, parecem exis-
tir leis psicológicas regulares, aspectos da impressionante ordem que
encontramos no universo como um todo. Há, assim, a um tempo, o pra-
zer de ouvir tal pessoa, em particular, e o sentir-se numa espécie
de contato com o que é universalmente verdadeiro.
Quando me refiro ao prazer de ouvir uma pessoa, quero dizer, é
claro, ouvi-la em profundidade. Isto é, ouço as palavras, as idéias, os
matizes dos sentimentos, o significado pessoal, até mesmo o significado
que se acha sob a intenção consciente de quem fala. Às vêzes, também,
numa mensagem que parece não ter importância maior, ouço um pro-
fundo clamor humano, uma "silenciosa súplica" que jaz encoberta e
ignota sob a superficial aparência da pessoa.
Aprendi, assim, a perguntar a mim mesmo: posso ouvir os sons
e captar o delineamento do mundo íntimo de uma outra pessoa? Posso
dar ressonância ao que ela me diz, fazer com que suas palavras reper-
cutam, em mim, de um extremo ao outro, tão profundamente, que sin-
ta os significados que ela tem mêdo de comunicar, mas gostaria de o
fazer, tanto quanto os significados de que é consciente?
Penso, por exemplo, numa entrevista que tive com certo jovem
adolescente e cuja gravação ouvi há pouco tempo. Como tantos adoles-
centes de hoje, dissera-me êle, no início da entrevista, que não tinha ob-
jetivos de espécie alguma. Quando o interroguei sôbre isso, disse.me de
maneira ainda mais vigorosa, que lhe faltava qualquer objetivo, que não
·.possuía um só; sequer.. J;ndaguei-lhe:. "Não há nada que você gostaria
de fazer?" "Nada ... bem, sim, gostaria de continuar a viver". Lembro-
me, muito nitidamente, do que senti, àquela hora. Sua resposta reper-
cutiu profundamente em mim. :Êle estaria a dizer-me, simplesmente,
que como todo o mundo, queria viver. Por outro lado, talvez esti-
vesse a afirmar, e isto me pareceu uma possibilidade bem evidente, que,
sob certo aspecto, a questão de viver ou não se tornara um problema
real, para êle. Tentei, assim, dar-lhe repercussão, em todos os níveis.
Não sabia, ao certo, qual era a mensagem Queria; apenas, abrir-
me a todos os significados que sua afirmação pudesse ter, incluindo
a eventual hipótese de que, em certo instante, houvesse pensado, mesmo,
em suicidar-se. Não cheguei a formular isto, verbalmente. Tê-lo-ia as-
sustado, se o fizesse. Mas penso que o fato de me dispor a ser capaz
de ouvi-lo, em todos os níveis, constituiu, talvez, uma das razões por
que se lhe tornou possível dizer-me, antes de terminar a entrevista, que,
a certa altura, pouco antes, estivera a ponto de estourar os miolos.
:Êste pequeno episódio é um exemplo do que significa, para mim, querer
ouvir, realmente, uma pessoa, em todos os níveis nos quais ela se esfor-
ça por comunícar-se.
Vejo, nas entrevistas terapêuticas e nas intensivas experiências
de grupo que vieram a ter, para mim, grande significado, nos últimos
anos, que ouvir traz consigo conseqüências. Quando ouço, verdadeira·
mente, uma pessoa e apreendo o que mais lhe importa, em dado mo
209
mento, ouvindo não apenas as suas palavras, mas a ela mesma, e quan-
do lhe faço saber que ouvi seus significados pessoais privados, mui-
tas coisas acontecem. Há, antes de tudo, uma aparência de gra-
tidão. A pessoa se sente libertada. Quer transmitir-me algo mais sôbre
o seu mundo. Surge-lhe nôvo senso de liberdade. Penso que se torna
mais acessível ao processo de mudança.
Notei, muitas vêzes, em terapia, assim como nos grupos, que,
quanto mais profundamente posso ouvir os significados da pessoa,
tanto mais coisas ocorrem. Algo que vim a observar, quase univer-
salmente, é que, quando a pessoa verifica estar sendo ouvida, em pro-
fundidade, os olhos se lhe umedecem. Vejo-a, na acepção quase real, a
chorar de alegria. É como se dissesse: "Graças a Deus, alguém me ou-
viu. Alguém sabe como eu sou!" Em tais momentos, fantasiei a hipóte-
se de um prisioneiro na sua masmorra, a dedilhar, dia após dia, uma
mensagem em código Morse: "Alguém me ouve? Há alguém aí? Pode
alguém ouvir-me?" Finalmente, certo dia, escuta uma tênue batidinha
que êle soletra: "Sim!" Essa resposta mímica o liberta da solidão, ei-lo
a se tornar, outra vez, um ser humano. Há, hoje em dia, muita gente
que vive em cárceres privados, gente que nada exterioriza do que tem
no seu íntimo, cujas tênues mensagens só com muito esfôrço se podem
captar.
Se isso parece ao leitor sentimental demais ou um tanto exagera-
do, gostaria de expor-lhe a experiência que tive recentemente, num gru-
po básico de encontro, do qual participaram quinze pessoas. de impor-
tantes postos executivos. Logo nas primeiras sessões da semana,
muito intensas, pediu..se .a todos que .escrevessem alguma declaração
sõbré certó se!lti:ID.ento . ou sentimen:tos que experimentassem e que
não quissessem transmitir ao grupo. Seriam declarações anOnimas.
Alguém <:Screveu: "Não me relaciono fàcilmente com as pessoas. Te-
nho uma fachada quase impenetrável. Nada me toca, interiormente, e
nada transpira de mim. Reprimi tantas emoções que cheguei quase
a uma completa esterilidade emocional. A situação não me agrada,
mas não sei o que possa fazer". E claramente, uma mensagem do
cárcere. Mais tarde, ao fim da semana, um membro do meu grupo
se identüicou como quem escrevera a mensagem anônima e esten-
deu-se em pormenor, sôbre os seus sentimentos de isolamento e de
completa frieza. Sentia que a vida tinha sido tão brutal, para com
êle, que se vira forçado a viver na maior insensibilidade, não só no
trabalho, como nas relações sociais e, pior que tudo, até mesmo na
família. Ao desenvolver, gradualmente, maior oxpressividade, no gru-
po, sem o receio de ser ferido e dispondo·se a compartilha.r mais os
sentimentos dos outros, ocorreu experiência cmpensadora para todos
nós quo participávamos. .
Diverti-me e, ao mesmo tempo, me alegrei quando, numa carta
escrita algumas semanas depois, êle incluiu êste parágrafo: "Quando
voltei (do nosso grupo), senti-me como se fôsse uma jovem que se
210
houvesse deixado seduzir, mas ainda se maravilhava com a sensação de
que era aquilo, exatamente, que queria e de que precisava! Ainda não
sei bem quem foi o responsável pela sedução- você ou o grupo, ou se
foi uma aventura de que todos participamos; suspeito que esta última
hipótese é a certa. De qualquer forma, quero agradecer-lhe essa expe
riência intensamente significativa". Penso não exagerar afirmando que,
por nos havermos mostrado, muitos de nós do grupo, capazes de ouvi-
lo, autênticamente, êle se libertou da sua prisão e veio a expandir-se,
pelo menos até certo ponto, no ensolarado mundo de um caloroso rela-
cionamento interpessoal.
GOSTO DE SER OUVIDO
Passemos a uma segunda aprendizagem que eu gostaria de com-
partilhar com o leitor. Apraz-me ser ouvido. Certo número de vêzes,
em minha vida, problemas insolúveis quase me faziam explodir de emo-
ção, ou me vi a girar e girar em tôrno de círculos tormentosos ou, por
algum tempo, dominavam-me sentimentos de desvalia e desesperança,
ó que me dava a impressão de que estava a afundar-me numa psi-
cose. Penso que fui mais feliz que a maioria das pessoas, por encon-
trar, nessas circunstâncias, indivíduos que se mostravam capazes de
ouvir-me e, então, de libertar-me do caos dos meus sentimentos. Tive a
sorte de encontrar pessoas aptas a ouvir as coisas significativas para
mim, com um pouco mais de profundidade do que eu próprio as conhe-
cia. Ouviam-me sem me julgar, me diagnosticar, me apreciar, me avaliar.
Simplesmente ouvia.m..me, esclareciam-me, respondiam-me, em todos os
níveis em que se situava minha capacidade de comunicar-me. Posso dar
o testemunho de que, quando a gente se acha em angústia psicológica
e alguém realmente nos ouve sem se pôr a julgar-nos, a querer respon-
sabilizar-se por nós, a tentar moldar-nos, isso é tremendamente bom.
Naquelas circunstâncias, minhas tensões relaxaram-se. Foi-me dado pôr
à luz sentimentos alarmantes, de culpabilidade, de desespêro, perturba-
ções que haviam sido parte da minha experiência. Se me prestam aten-
ção, se me ouvem, sou capaz de reassumir o meu mundo, de um modo
nôvo, e ir para a frente. É espantoso como sentimentos antes comple-
tamente apavorantes se tornam suportáveis só porque alguém nos deu
ouvidos. Surpreende que o que parecia insolúvel passe a solucionar-se,
depois que uma pessoa nos ouviu; quantas confusões tidas como irreme-
diáveis voltam a fluir em cursos relativamente límpidos, quando alguém
é compreendido. Foram-me profundamente preciosos os momentos em
que experimentei estar sendo escutado de modo sensível, empático, in-
tenso.
Agradou-me o fato de que, na época em que necessitava, deses-
peradamente, dessa espécie de ajuda, eu treinava e desenvolvia terapeu-
tas, pessoas que recebiam o que lhes era devido, independentes, que na-
da temiam de mim e que se mostravam capazes de me acompanhar ao
211
longo de um período obscuro e agitado, durante o qual eu passava por
uma grande germinação interior. Tornou-se agudamente claro para
mim que ao desenvolver meu estilo de terapia para os outros, eu es-
tava, sem dúvida, em algum nível inconsciente, desenvolvendo o tipo
de ajuda que queria e poderia usar para mim mesmo.
212
não encontro receptividade nem compreensão. Chego a acreditar que ê
tal experiência que transforma certas pessoas em psicóticas. Elas per-
deram a esperança de que alguém as possa compreender e, perdida essa
esperança, seu mundo interior, que se vai tornando cada vez mais ex-
cêntrico, é o único lugar em que podem viver. Já não podem partilhar
com ninguém uma experiência humana. Simpatizo com elas, porque sei
que, ao tentar compartilhar algum aspecto sensível, privado, precioso,
experimental de mim mesmo, e essa comunicação é submetida à avalia-
ção, à reanimação, à recusa, à distorção do que pretendo significar,
reajo violentamente: "Oh! não adianta!". Nesse momento, sabe-se o que
é estar só.
Assim, como o leitor pode ver, ouvir, de forma criativa, ativa,
sensível, exata, empática, não-avaliativa, é, para mim terrivelmente
importante, num relacionamento. É importante proporcioná-la. Tem
sido extremamente importante encontrá-la, sobretudo em certos ins-
tantes da minha vida. Sinto que cresci interiormente, quando a pro.
porcionei. Estou absolutamente certo de haver crescido, de me haver
libertado e engrandecido, quando fui ouvido dessa maneira.
213
aprendizagem, está em que nada há a temer, bàsicamente, quando me
apresento tal qual sou, quando me mostro sem atitude defensiva, desar-
mado, eu, só eu. Quando posso aceitar o fato de que tenho muitas
deficiências, muitos defeitos, cometo uma porção de erros, sou fre-
qüentemente ignorante quando deveria ser informado, freqüentemente
sou preconceituoso em lugar de ter o espírito aberto, freqüentemente
l'evelo sentimentos que as circunstâncias não justificam, então, serei
muito mais autêntico. E quando assim me apresento, sem disfarce,
sem fazer esfOrço para ser diferente do que sou, posso aprender mui;to
mais - ainda mesmo se sou criticado e hostilizado - e me mostro
muito mais descontraído, sou muito mais capaz de me aproximar dos
outros. Além disso, minha boa disposição para ser vulnerável gera nos
outros, com quem me relaciono, sentimentos muito mais autênticos, o
que é extremamente compensador. Assim a vida me é muito mais
agradável, quando não me ponho na defensiva, não me oculto atrás de
uma máscara, tentando, tão só exprimir o meu eu autêntico.
214
mente compreendo qual foi o meu sentimento. E só quando acordo no
meio da noite e me surpreendo a lutar, raivosamente, contra uma pes-
soa, que verifico a irritação sentida na véspera. Fico sabendo, então,
aparentemente tarde demais, quão profundo terá sido o meu sentimen-
to; mas, pelo menos, aprendi a procurar essa pessoa, se necessário, no
dia seguinte, para exprimir minha discordância, e, gradualmente, vou
aprendendo a me inteirar, com mais rapidez, do que se passa dentro dé
mim. No último encontro básico do grupo, do qual participei, fiquei,
em horas diferentes, muito irritado com dois indivíduos. Em relação a
um dêles, só me capacitei disso, no meio 1da noite e tive de esperar a
manhã seguinte para expressá-lo. No tocante ao outro, fui capaz de
perceber logo o que sentia e de exprimi-lo na reunião em que o fato se
deu. Num e noutro caso, isso levou-nos a uina comunicação autêntica,
a estreitar nossas relações, e, gradualmente, a estabelecer um vínculo
entre nós. Mas, nessa matéria, sou um aprendiz meio lento.
215
MINHAS INCAPACIDADES DE SER AUTJ!:NTICO
216
Dai o vosso coração, mas não o confieis à guarda um do outro.
Pois somente a mão da Vida pode conter vosso coração.
E vivei juntos, mas não vos aconchegueis demasiadamente:
Pois as colunas do Templo erguem-se separadamente.
E o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro.
De certas coisas que tenho dito, confio em que ficou evidente que
o que verdadeiramente me satisfaz é o poder de revelar minha autenti-
cidade e de senti-la ou permiti-la em outrem. Desolador e lamentável,
para mim, é não ser capaz de dar-lhe oportunidade em mim mesmo ou
de tolerar autenticidade diversa da minha, no outro. Acho que aJminha
capacidade de ser coerente e genuíno ajuda, muitas vêzes, a outra pes-
soa. Quando a outra pessoa é transparentemente autêntica e coerente
quem recebe ajuda sou eu. Nos raros momentos em. que a autenticidade
profunda de um vai ao encontro da autenticidade profunda do outro,
ocorre a memorável "relaÇão eu-tu" a que se referiu Martin Buber, o
filósofó existe:Icialista judeu. ]j';sse mútuo encontro, profundo e pessoal,
não acontece muitas vêzes, mas estou convencido de que, se não acon-
tece, ocasionalmente, não somos humanos.
217
bito anterior meu, alguma falta de disposição para que seja completa
a liberdade. Mas quando logro fazê-lo, a educação se torna o que de-
veria ser, uma procura excitante, uma busca, não mera acumulação
de fatos logo superados e esquecidos. Os alunos transformaram-sE>
em pessoas a agirem, capazes de viverem uma vida em mudança. De
tôdas as aprendizagens que tenho efetuado, penso que êsse clima de
liberdade que tantas vêzes sou capaz de criar, que posso, de algum
modo, ter comigo e em tôrno de mim, é um dos mais preciosos ele-
mentos de minha personalidade.
218
Poderia expor, aqui, exemplos tirados das minhas próprias expe-
riências, mas, depois de refletir sôbre isso, pareceu-me que, se o fizesse,
acabaria sendo por demais pessoal e chegaria a revelar identidades de
outros; assim, vou exemplificar com certo caso em que ajudei duas
pessoas a irem mais longe do que eu poderia ter ido, penso, quanto à
capacidade de demonstrar amor_ O fato ocorreu com dois amigos, am-
bos padres, aos quais darei os nomes de Joe e Andy. Joe participara de
um grupo de encontro básico, conduzido por mim, e fôra profunda-
mente afetado pelo que fizemos. Mais tarde, Andy atuou também como
membro de um grupo a que eu estivera associado. Alguns meses mais
tarde, r-:-cebi uma carta de Andy, na qual êle dizia:
220
É também muito significativo para mim o fato de poder testemu-
nhar a veracidade dessa narrativa. Desde que recebi a carta de Andy,
passei a conhecê-lo, e a Joe, muito melhor. Tive também o privilégio de
entrar na intimidade.da senhora cuja vida psicológica êles, literalmente,
salvaram. Assim, pude sentir a confirmação do meu ponto de vista de
que sentimentos de aprêço e de afeto não são, bàsicamente, perigosos,
nem quando se dão, nem quando se recebem, mas, ao contrário, promo-
vem o crescimento das pessoas.
221
12. UMA VISÃO MODERNA DO PROCESSO
DE VALORES.
1J Versão condensada dêste capítulo foi antes publicada sob o título "Toward a Modem
Approach to Values", Journal of Abnormal and Social Psichology, 1964, 68, 180-167.
223
e que a minha inteligência te~~e de esperar algum tempo para
apreender o que por mim mesmo foi escrit.o. Achei também que
há, nêle, alguma sugestão significativa para muitas outras pessoas.
Não antevia, àquela epoca, a multidão de jovens que hoje se
declaram em aberta rebelião contra nosso sistema de valôres, mas
iá então verificara que o fundamento de tal revolta se encontrava
na ·atual cultura. Espero - e creio- que a maneira de valoriza1
e de ·viver aqui apresentada Cem alguma importância, tanto para
o "hippie" quanto para o "quadrado" - em suma para todos os
cidadãos dêste caótico mundo moderno. Não antecipo que todos os
cidadãos e todos os educadores co!noordem com o qwe está dito
aqui, mas creio que o tema central pod,e oferecer matéria para
uma reflexão fecunda.
Há uma grande preocupação, hoje, com o problema dos valôres.
A juventude, em quase todos os países, está profundamente incerta
quanto aos valôres que a orientam; valôres associados a várias religiões
perderam muito de sua influência; pessoas requintadas, de culturas di-
versas, mostram-se inseguras e inquietas quanto aos objetivos a susten-
tar e a considerar. Não se precisa ir muito longe para descobrir as ra-
zões. A cultura mundial, sob todos os seus aspectos, torna-se, cada vez
mais científica e relativística, e os pontos de vista rígidos, absolutos a
respeito dos valôres que o passado nos legou, mostram..se anacrônicos.
Ainda mais importante, talvez, é o fato de que o homem moderno se vê
assediado, de todos os ângulos, pelas reivindicações de valõres diver-
gentes e contraditórios. Já não é possível, como o era em tim passado
histórico não muito distante, adaptar-se, cômodamente, ao sistema de
valôres dos nossos maiores, da nossa comunidade ou da nossa igreja,
e ir tocando a vida sem jamais examinar a natureza e os pressupostos
de tal sistema.
Na presente situação, não é surpreendente que as orientações de
valor, oriundas do passado, se afigurem num estado de desintegração
ou de colapso. Indaga-se se existem, ou podem existir, valôres univer-
sais. Sente-se, muitas vêzes, que talvez tenhamos perdido, em nosso
mundo moderno, tõda a possibilidade de uma base geral ou intercultu-
ral de valôres. Resultado natural dessa incerteza, dessa perplexidade,
é uma crescente preocupação; um interêsse, uma busca de acesso segu-
ro e significativo a valõres que se possam sustentar como apropriados
ao mundo de hoje.
Participo dessa generalizada preocupação. Também eu tenho tido
a experiência dos mais específicos problemas de valor que surgem no
meu campo próprio, a Psicoterapia. Sentimentos e convicções do clien-
te, sôbre valôres, mudam, freqüentemente, durante a terapia. Como po-
de êle, como podemos nós saber se a mudança se verificou numa dire·
ção correta? Ou assumiu êle, simplesmente, como alguns sustentam, o
sistema de valõres do seu terapeuta? Será a psicoterapia, apenas um es-
224
tratagema por meio do qual valõres inconfessados e acríticos do tera-
peuta são transmitidos, inconscientemente, a um cliente isento de des-
confiança? Ou essa transmissão de valôres corresponde ao propósito
abertamente sustentado pelo terapeuta? Pode êste transformar-se no pa-
dre moderno, que mantém e comunica um sistema de valor adequado
aos nossos dias? E que sistema de valor será êste? Muito se tem discu-
tido tais problemas, desde certas exposições bem pensadas e emplrica-
mente fundamentadas, como as de Glad (1959), até as mais polêmicas
afirmações. A verdade é que o problema geral enfrentado pela cultu-
ra se evidencia, não raro, penosa e especificamente, no microcosmo
cultural a que se dá o nome de relacionamento terapêutico.
Gostaria de tentar uma despretenciosa visão dêsse problema, co-
mo um todo. Observei mudanças no modo de ver os· valôres, enquan-·
to as pessoas passam da· infância à idade adulta. Mais tarde, verifico
mudanças ainda, quando a pessoa tem a sorte de continuar a crescer
em direção a uma verdadeira maturidade psicológica. Muitas dessas ob-
ser-Vações decorrem da minha experiência de terapeuta, em que tive a
rara oportunidade de surpreender as vias que uma pessoa percorre no
sentido de. uma vida de maior plenitude. Dessas observações creio ter
visto emergirém certas diretrizes que ofereceriam nõvo conceito do pro·
cesso' de valôres, mais aceitável no mundo moderno. Comecei por apre-
sentar algumas dessas idéias, parcialmente, em notas prévias (1951,
·1959); gostaria agora de as divulgar de modo mais claro e mais com-
pleto. ·
Acerituaria que a posição favorável em que me encontro para fa
zer essas observações não é a do erudito ou do filósofo: fálo a partir de
minha experiência. do ser humano em funcionamento, tal como tenho
vivido com êle na experiência pessoal da terapia e em outras situações
de crescimento, mudança e desenvolvimento.
ALGUMAS DEFINIÇõES
225
Uma segunda maneira de usar o têrmo designa os chamados "va-
lôres concebidos". É a preferência por um objeto simbolizado. De re-
gra, em tal escolha, há uma antecipação ou previsão do resultado do
comportamento dirigido no sentido do objeto simbolizado. A preferên-
cia por "a melhor política é a da honestidade" constitui um valor con-
cebido.
Por fim, o uso do têrmo pode designar "valôres objetivos". Usa-se
a palavra nesse significado, quando se quer falar do que é objetiva-
mente preferível, quer seja, de fato, sentido ou concebido como desejá-
vel ou não. O que tenho a dizer quase não envolve, de modo algum,
essa última definição. Preocupar-me-ai com os valôres operativos e com
os valôres conceitualizados.
226
nados ou rejeitados, dependendo de que, em dado momento, atualizam
ou não o organismo. Essa complicada ponderação da experiência é,
evidentemente, uma função organísmica, não consciente nem simbólica.
Trata-se de valôres operativos, não de valôres conceitualizados. Pode
no entanto, tal processo lidar com complexos problemas de valor. Lem·
braria ao leitor a experiência na qual crianças pequenas tinham, espa-
lhados na sua frente, vinte ou mais pratos de alimentos naturais (isto
é, sem gôsto). Durante algum tempo, os meninos tendiam a dar valor
a alimentos que lhe acentuavam a sobrevivência, o crescimento, o de·
senvolvimento. Se, de comêço, se empanturravam de batatas, logo de.
pois tomavam um "porre" de 'proteínas. A escolha de uma dieta pobre
em alguma vitamina sucedia-se a procura de alimentos ricos na mesma
vitamina. Utilizavam-se da sabedoria do organismo nas escolhas deva-
lor, ou talvez, mais precisamente, a sabedoria fisiológica do corpo guia-
va seus· movimentos comportamentais, resultando no que poderiamos
considerar escolhas de valor objetivamente corretas.
Outro aspecto da via de acesso da criança ao valor é que a fonte
ou a localização do processo de avaliar se acha, nitidamente, dentro
dela própria. Ao contrário do que se dá com muitos de nós, a criança
sabe do que gosta e do que não gosta, e a origem dessas opções de va-
lor reside estri~amente dentro dela. Ela é o centro do processo de ava•
liação, a evidência das suas escolhas lhe é fornecida pelos seus
próprios sentidos. Não se deixa, nesse ponto, influenciar pelo que seus
pais pensam que deveria preferir, ou pelo que a igreja diz, ou pela opi·
nião do mais recente "perito" no assunto, ou pelos talentos persuasi-
vos de uma firma de propaganda. É do âmago da sua própria experi-
ência que seu organísmo afirma em têrmos não-verbais: "isto é bom
para mim", "gosto disto", "detesto aquilo". Rir-se-ia da nossa preocupa-
ção a respeito de valôres, se a pudesse entender. Como poderia alguém
deixar de saber de que ela gol:\ta e desgosta, o que é bom para ela e o
que não o é?
227
cia se repete, muitas vêzes, essa e várias outras semelhantes, o menino
vai, aos poucos, aprendendo que o quê lhe parece "bom" é, com freqüên-
cia, "mau", aos olhos dos outros. Ocorre, então, o estágio seguinte, em
que êle chega a tomar, em relação a si mesmo, a atitude assumida pelos
outros. Agora, ao puxar os cabelos da irmã, êle entôa, solenemente:
"mau, menino mau!" Fêz a introjeção do juízo de valor do outro, tor-
nando-o seu. Aí, perde o contato com o seu próprio processo organísmico
de avaliação. Abandona o critério do seu organismo, saindo do locus
da avaliação e tentando, para não se privar do afeto dos outros, com-
portar-se de acôrdo com os valôres dêstes.
Veja-se outro exemplo, em nível etário superior. Um jovem sente,
embora talvez inconscientemente, que é mais amado e tem mais aprêço
dos pais se resolve ser médico em vez de artista. Aos poucos, vai
fazendo a introjeção dos valôres ligados à idéia de ser médico. Chega
a desejar acima .de tudo ser médico. Na Universidade porém, ei-lo frus-
trado pelos sucessivos fracassos em Química, matéria absolutamente
necessária a quem se quer formar em Medicina, apesar da circunstân-
cia de que o conselheiro vocacional lhe assegure que tem aptidão para
fazer o curso. Só nas entrevistas de aconselhamento é que o jovem co
meça a verificar ter perdido completamente o contato com suas reações
organísmicas, com o processo de avaliação que lhe é próprio.
Ainda um outro exemplo, tirado de um curso meu, para a prepa·
ração de professôres. Pedi-lhes, logo no comêço: "Façam, por obséquio,
uma relação de dois ou três valôres que vocês gostariam de transmitir
às crianças com quem irão trabalhar". Indicaram diversos objtivos de
valor, mas alguns dos itens me surpreenderam. Muitas relacionaram
coisas "como falar corretamente",' ·~usar 'um bom inglê'§, sém: palavrns
de gíria". Outras mencionaram claramente: "fazer as coisas de acôrdo
com as instruções". Uma exprimiu sua esperança de que "quando eu
lhes disser que escrevam o seu nome no alto e à direita da fõlha, com
a data abaixo, quero que façam dessa maneira e não de alguma outra
forma".
Confesso que fiquei um tanto estarrecido com o fato de que, para
algumas dessas moças, os valôres mais importantes a transmitir às
crianças fôssem evitar erros de gramática ou seguir, meticulosamente,
as instruções da professôra. Senti-me desconcertado. De certo, tais
procedimentos não haviam sido experimentados como os mais satisfa-
tórios e significativos elementos das suas próprias vidas. A enumeração
de tais valôres só se pode atribuir ao fato de que os mencionados com-
portamentos obtiveram aprovação - e, daí, foram introjetados como
profundamente importantes.
~sses vários exemplos talvez indiquem que, na tentativa de ga-
nhar ou de manter o afeto, a aprovação, a estima, a pessoa abdica do
locus de avaliação quf' era o seu íntimo na infância, para substitui-lo
pelo dos outros. Aprende a ter uma desconfiança básica em relação ao
228
que ela própria experimenta como guia do seu comportamento. Aprende
dos outros grande número de valôres concebidos e adota-os como seus,
ainda que se lhe afigurem amplamente discrepantes do que ela experi-
menta. Como fais conceitos não se baseiam na sua própria maneira de
avaliar, tendem a se tornar fixos e rígidos, em vez de serem fluídos e
mutáveis.
ALGUNSPADRõESINTROJETADOS
É dessa maneira, acredito, que a maioria dentre nós acumula os
padrões introjetados de valôres pelos quais vivemos. Na cultura de
hoje, fantàsticamente complexa, os padrões que interpretamos como
desejáveis ou não-desejáveis vêm de uma variedade de fontes e são,
com freqüência, altamente contraditórios nos seus significados. Rela·
cionemos umas poucas das introjeções, comumente sustentadas:
Desejos e comportamentos sexuais são, na sua maior parte,
maus. As fontes dessa síntese mental são muitas - pais, igreja,
professôres.
A desobediência é má. Aqui, pais e professôres unem-se aos
militares para enfatizar êsse conceito. Obedecer é bom. Obede-
cer sem discussão ainda é melhor.
Ganhar dinheiro é o que há de melhor. As fontes dêsse va-
lor conceitualsão numerosas demais para se mencionarem.
Aprender uma acumulação de· fatos eruâitõS- é sumamente
desejáveL·
Passar os olhos pelo livro e fazer leituras exploratórias, a
esmo, paM se divertir, é indêsejável.
A fonte dos dois últimos conceitos é, provàvelmente, a es·
cola, o sistema educacional.
A arte abstrata é boa. J!:ste juizo de valor tem origem nas
pessoas que consideramos sofisticadas.
O comunismo é absolutamente mau. Aqui, o govêrno é a
fonte principal.
Amar o próximo é o sumo bem. J!:ste conceito procede da
igreja, talvez dos pais.
A cooperação e o trabalho de equipe são preferíveis à ação
isolada.
Aqui, os companheiros são fonte importante. Trapacear é
hábil e desejável. O grupo de pessoas que se igualam, é, de
nôvo, a origem.
Coca-Cola, chicletes, refrigeradores elétricos, TV a côres e
automóveis são, todos, absolutamente desejáveis. Esta concepção
não provém só da publicidade, mas é reforçada por certas pes-
soas, no mundo inteiro. Da Jamaica ao Japão, de Copenhague a
Kowloom, a "cultura Coca-Cola" passou a ser considerada o apo-
geu do desejável.
229
Eis uma pequena e diversificada amostra das miríades de valôres
concebidos que as pessoas freqüentemente introjetam e sustentam co-
mo seus, sem jamais levarem em consideração suas reações orgânicas
internas a êsses padrões e objetos.
230
que outras se colocariam no seu lugar? Essa possibilidade amea·
çadora faz com que êle sustente as suas concepções de valor mais
l'igidamente ou mais confusamente, ou de ambos os modos.
A DISCREPÂNCIA FUNDAMENTAL
232
pintura que, no ano passado, parecia signüicativa agora se afigura
desinteressante; o modo de trabalhar com as pessoas que fôra expe-
rimentado, antes, como bom, parece agora inadequado; a crença que
então se afigurava verdadeira agora se experimenta como verdadeira
só em parte, ou talvez como falsa.
235
PROPOSIÇõES REFERENTES AOS RESULTADOS
DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO
236
Tendem a remover a fachada. A presunção, a atitude de
defesa, a másca:ra no rosto tendem a ser negativamente avaliadas.
237
Eis, pois, algumas das direções preferidas, que observei nos indi-
víduos que se encaminham para a maturidade pessoaL Embora esteja
certo de que a relação por mim oferecida é insuficiente e, talvez, sob
certos aspectos, imprecisa, abre, a meu ver, excitantes possibilidades.
Tentarei explica:r por que.
238
res, mas por um caminho diferente. Em vez de valõres universais "vin-
dos de fora" ou de um sistema universal de valor imposto por algum
grupo - filósofos, dirigentes, padres - deparamos com a possibilidade
de orientações de valôres humanos, universais, as quais emergem do
que é experimentado pelo organismo do homem. Da terapia procede a
evidência de que valôres tanto pessoais quanto sociais vêm à tona de
forma natural e· como fruto da experiência, quando o indivíduo entra
em contato íntimo com seu processo organísmico de avaliação. Suge-
rimos que, embora o homem moderno já não confie na religião, na
ciência ou na filosofia, nem em qualquer sistema de crenças, como
capazes de lhe proporcionar seus valôres, pode encontrar, dentro de
si mesmo, certa base organísmica de avaliação, a qual, desde que se
aprenda, de nôvo, a entrar em· contato com ela, provará ser uma via
de acesso organizada, adaptativa e social aos desconcertantes problec-
mas de valor que todos nós enfrentamos.
SUMÁRIO
Tentei expor algumas observações, tiradas da experiência em Psic
coterapia, que se relacionam com a busca, empreendida pelo homem,
de alguma base satisfatória para a sua via de acesso aos valôres.
Descrevi o modo como o infante entra, diietamente. numa transa-
ção de valôres· com o seu mundo, prezando ou rejeitando suas experi-
ências, na medida em que servem à sua própria atua.lização, utilizan•
do toc;lo o senso do seu tenro, mas complexo organismo.
Disse que parecemos perder essa capacidade de avaliação dirita
e acabamos par nos comportar segundo as maneiras e a agir nos têrnms
daqueles valôres capazes de nos proporcionar aprovação, afeição, ~i
ma. Para conquistar amor, abdicamos do processo de avaliação .. Por-
que o centro das nossas vidas reside, agora, nos outros, somos temero-
sos e inseguros, e nos devemos apegar, rlgidamente, aos valôres que
introjetamos.
Mas se a vida ou a terapia nos proporcionam condições favorá-
veis para prosseguirmos em nosso crescimento psicológico, movemo-
nos como que numa espiral, desenvolvendo uma via de acesso aos valô-
res que partilha da direção e da fluidez do infante, mas vai: mais
longe ainda, na sua riqueza. Em nossas transações com a experiência,
somos, de nôvo, o locus ou a fonte da avaliação, preferimos aquelas ex·
periências que, a longo têrmo, nos elevam, utilizamos tôda a riqueza de
nossa aprendizagem cognitiva e de nossa atuação, mas, ao mesmo tem-
po, confiamos na sabedoria de nosso organismo.
Acentuei que nossas observações nos levam a certas afirmações
fundamentais. O homem tem, dentro de si, uma base organísmica de
valoração. Na medida em que pode, livremente, entrar em contato
com êsse processo interior, comportar-se-á de modo auto-empreende·
239
dor. Evidenciamos algumas das condições que o habilitam a entrar
na intimidade do seu próprio processo de experiência.
Em terapia, tal abertura à experiência leva ao surgimento de ori·
entações de valôres que se apresentam comuns aos indivíduos e talvez
mesmo às culturas. Em têrmos mais tradicionais, diremos que os indi-
víduos, assim em contato com o que experimentam, chegam a atribuir
valor a normas tais como sinceridade, independência, auto-direção, au-
to-conhecimento, receptividade social, responsabilidade social, e rela-
cionamentos afetuosos interpessoais.
Concluí que uma nova espécie de emergente universalidade de di-
reções de valôres se torna possível, quando os indivíduos se encami-
nham para a maturidade psicológica, ou, mais exatamente, quando se
encaminham na direção de maior abertura à própria experiência. Tal
base de· valôres faz com que os indivíduos se engrandeçam a si e
aos outros, e promovam um processo evolucionário, positivo.
REFERÊNCIAS
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sal factors in therapeutic changl'. "Psychological Monographs",
. 1962, 76 (43, Whole N.o 562).
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peutic change. "American JournaJ of Psychoterapy, 1961, 15, 233-245.
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York: The Free Press of Glencoe, Division of the MacMillan Co.,
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GLAD, D.D. - Operational vaJues in psychothempy. New York: Ox-
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of Chicago, Press, 1956.
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Mifflin Co., 1951, Cap. XI (pp. 522-524).
ROGERS, C. R. - A theory of therapy, personality and interpersonaJ
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Vol. III. Formulations of the person and the social context. New
York: McGraw Hill, 1959, pp. 185-256.
240
13. LIBERDADE E
COMPROMETIMENTO
241
crescente capacidade dos especialistas de prever e de controlar o com-
portamento fêz com que o problema viesse, subitamente, à tona. Se
aceitarmos o positivismo lógico e a ênfase estritamente "behaviorista",
preponderantes no cenário psicológico norte-americano, não há nem lu-
gar para a discussão. O título dêste capítulo não terá o menor signifi-
cado.
Mas se escaparmos da estreiteza das ciências do comportamento,
êsse problema não será apenas um tema, mas o principal dos temas
definidores do homem moderno. Friedman, no seu livro (1963, p. 251),
levanta "a problemática do homem moderno- a alienação, a natureza
dividida, a tensão não solucionada entre a liberdade pessoal e a com-
pulsão psicológica, conseqüentes à morte de Deus".· Os problemas da
liberdade pessoal e do comprometimento pessoal tornaram-se, na ver-
dade, muitó agudos, num mundo em que o homem já não se sente
apoiado numa religião sobrenatural, e experimenta a intensa divisão
entre sua consciência e aquêles elementos do seu funcionamento dinâ-
mico do qual é inconsciente. Se tem de extrair um significado qualquer
de um universo que, pelo que sabe pode ser indiferente, o homem mo-
derno tem de chegar a alguma posição que seja sustentável em face
dessas infinitas incertezas .
Assim, escrevendo como um cientista do comportamento e, co-
mo alguém profundamente interessado no humano, no pessoal,
no fenomenológico e no intangível, gostaria de contribuir, até onde
estiver ao meu alcance, para o continuo diálogo referente à significa-
ção e à possibilidade de liberdade.
242
Dêsse ponto de vista participam muitos psicólogos e outros que
sentem como o Dr. Skinner, que tôdas as causas efetivas de comportar
mento residem fora do indivíduo e que só por meio de estímulos exter-
nos um comportamento ocorre. A sua descrição científica do compor.
tamento repele tudo que paliticipe, de algum ·modo, da liberdade. Por
exemplo, o Dr. Skinner (1964, pp. 90-91) descreve certo experi-
mento no qual um pombo é condicionado a girar no sentido dos
ponteiros do relógio. O comportamento do pombo é "favorecido" por
uma retribuição a qualquer movimento que o aproxime da direção
dos ponteiros, até que pouco a pouco, a ave vai girando e girando
num movimento constante. É o que se denomina um condiciona·
mento operante. Pediu-se aos alunos que observaram a demonstra-
ção, que escrevessem um relatório sôbre o que tinham visto. Suas res·
postas incluíram as seguintes idéias: que o pombo fôra condicionado a
esperar um refôrço para um tipo de comportamento correto; que o
pombo achava que alguma coisa lhe poderia trazer de nôvo o alimen-
to; que o pombo observara que certo comportamento parecia produzir
uma vantagem particular; que o pombo sentia que a comida lhe se-
ria dada, conforme a ação que desenvolvesse; que o pássaro chegou a
associar sua ação ao estalido que fazia quem lhe dava o alimento.
Skinner ridiculariza essas afirmações porque elas vão além do com-
portamento verificado, pelo fato de se terem usado os têrmos esperar,
achar, observar e associar. Do seu ponto de vista, tôda explicação es-
tá em que o pombo fôra reforçado quando emitia determinado ·tipo
de comportamento; o pássaro rodava até que o recipiente aparecesse
de nôvo; certo comportamento produzia determinado resultado; o ali·
mento era dado ao pombo quando êste agia; de determiD.ada maneira;
e o estalido dos dedos do encarregado de dar a comida se relaciona-
va com o tempo gasto na ação da ave. Estas últimas afirmações des-
crevem o comportamento do pombo, dum ponto de vista científico.
Skinner prossegue, salientando que os alunos, indubitàvelmente,
relatavam o que êles próprios esperavam, sentiam e achavam, se fôssem
submetidos a circunstâncias análogas. Justifica-se, dizendo que não há
mais realidade em tais idéias, no ser humano, do que há no pombo;
que só por h~-vere:m sido aquelas palavras reforçadas pela comunida·
de verbal na qual os indivíduos se desenvolveram é que foram elas
usadas. Comenta o fato de que a comunidade verbal que os condi-
cionou a usar tais têrmos não viu no comportamento dêles mais do
que êles viram no do pombo. Em outras palavras, os eventos inter-
nos, se é que existem, não têm significação científica.
Em face dos métodos usados para mudar o comportamento do
pombo, muitas pessoas, além do Dr. Skinner, acham que, por meio de
tal refôrço positivo, o comportamento humano, tanto quanto o do ani-
mal, pode ser "modelado" e controlado. No seu livro Walden Two, diz
Skinner:
243
Agora que sabemos como atua o refôrço positívo e como
não o faz o negativo, podemos ser mais deliberados e, dai, obter
maior êxito em nosso planejamento cultural. Podemos realizar
uma espécie de contrôle, sob o qual o controlado, embora siga
um sistema de normas muito mais escrupulosamente do que
no regime antigo, se sentirá livre. Estará fazendo o que quer,
não o que é forçado a fazer. Aí reside a fonte do enorme po-
der do refôrço positivo- não haverá repressão nem revolta. Por
um cuidadoso planejamento cultural, -controlamos, não o com-
portamento final, mas a inclinação para comportar-se - os mo-
tivos, os desejos, as aspirações. O curioso é que, em tal caso,
jamais se levanta o problema da liberdade (1948, p. 218).
Outro experimento psicológico, feito pelo Dr. Richard Crutchfield,
em Berkeley (1955), ilustra, ainda uma vez, um meio pelo qual o com-
portamento pode ser controlado, dando a parecer que o indivíduo
não é livre. Nesse experimento, cinco sujeitos, ao mesmo tempo, ficam
sentados lado a lado, cada um numa cabina individual, separados por
biombos, uns dos outros. Cada cabina é munida de um painel com vá-
rias chaves e luzes. O sujeito usará as chaves para assinalar os seus
julgamentos a respeito de ítens, projetados na parede, em frente ao
grupo. As luzes acionam sinais que indicam os julgamentos que os ou-
tros quatro membros do grupo fizeram a respeito dos ítens. Informa-
se aos sujeitos que êles serão identificados pelas letras A, B, C, D e E
e deverão responder, um de cada vez, nessa ordem. Entretanto, quan.
do entram nos cubículos, c.:ada um descobre que se identifica pela letra
E. Nãó se ~l).es permit~ con\rersa:~ dtir~~te a: se~são. ' · · _
Na realidade, as luzes de cada cabina são controladas pelo experi-
mentador e não exprimem os julgamentos dos outros quatro membros.
Assim, quanto aos ítens cruciais, sôbre que o experimentador quer im-
pór pressões de grupo, pode êle dar a apa'rência de que todos os quatro
membros, de A a D, concordam numa resposta que, evidentemente, di
verge da resposta correta. Dessa forma, cada sujeito depara com um
conflito entre o seu próprio julgamento e o que supõe ser o consenso
do grupo. A pergunta poderá ser, por exemplo, esta: "Qual das duas fi-
guras irregulares é a maior, a figura X ou a figura Y?" A pessoa vê,
claramente, que X é maior do que Y, embora, um a um, os jatos de luz
indiquem que os outros quatro membros do grupo, todos êles, conside-
ram que a figura Y é a maior. Agora, cabe-lhe decidir, a seu turno.
Como responderá? Que chave apertará? Crutchfield mostrou que, dadas
condições corretas, quase todos abandonarão a evidência dos seus_ sen-
tidos ou de sua honesta opinião e se conformarão com o aparente con-
senso do grupo. Por exemplo, alguns matemáticos de alto nível subme-
teram-se ao falso consenso do grupo sôb're problemas de aritmética
extremamente fáceis, dando respostas erradas que jamais formulariam,
em circunstâncias normais.
244-
Aqui, de nôvo, se afiguraria evidente que o comportamento do in-
divíduo é modelado por estímulos exteriores, no caso em tela um estí-
mulo social, e que não há essa coisa a que se chama liberdade para
escolher o comportamento de cada um. Isto nos ajuda a explicar por
que Skinner, no seu Walden Two, faz o herói dizer o seguinte:
245
Aqui, uma vez mais, afigura-se que o comportamento é extrema-
mente manipulável e que não existe essa coisa a que se chama liberda-
de. Os membros do grupo se compartam como marionetes, movidas
por um cordão, segundo o capricho dos experimentadores.
246
O HOMEM É LIVRE
247
anterior, sofrera uma crise nervosa que a oprimira bastante. Meses de-
pois, procurou-me para que eu lhe desse ajuda. Para tomar apenas um
dos muitos temas que foram objeto das entrevistas, focalizarei seuE
pontos de vista sôbre o que constituiria ser uma mulher, tal como fica-
ram minuciosamente registrados em minhas notas.· Durante as primei-
ras entrevistas, deixou claro que não gostava de crianças, que não lhe
agradaria casar-se, que preferiria. ter sido homem ou que agiria como
um homem. Concordei com êsses sentimentos.
Mais tarde, disse-me ela: "Admrro tanto as qualidades masculi-
nas, que desejaria ter sido homem. Talvez alguém devesse esclarecer-
me e· mostrar-me que eu poderia ser uma bela jovem". Essa atitude,
ainda mais ambivalente, foi aceita como sendo dela própria.
Duas entrevistas depois, fala-me a respeito do seu desagrado em
relação a crianças pequenas, mas, acrescenta, pensativa: "Talvez êsse
meu desagrado tenha sido mais ou menos forçado. Talvez eu apenas
pense que não gosto de crianças".
A seguir, noutra entrevista, fala com mais liberdade, do seu mêdo
do parto, do receio de que o casamento viesse a interferir na sua carrei·
ra, dizendo que ainda se via atrapalhada com todos êsses problemas,
mostrando ambivalência bem definida.
Numa das entrevistas finais, diz: "O senhor sabe que eu tenho re-
fletido sõbre feminilidade e, agora vou ver se posso traduzir isso
em palavras. Sou uma mõça. Aceitarei isto, não como um desti·
no, não com um espírito de submissão, mas como signifiCI:tndo o que
pode haver de melhor. Posso, provàvelmente, fazer uma porção de coi-
sas boas, a mais, sendo eu mesma, e antes desenvolvendo minhas pró-
prias aptidões que tentando fazer algo diferente. Aceitarei isto
como um desafio. Já quase me livrei do sentimento de que queria ser
homem. Quero ser exatamente o que eu sou. Talvez, antes de o conse·
guir, já me sinta feliz realmente, por ser um tipo feminil. Estou come-
çando a aprender a cozinhar, a ser uma boa cozinheira, a fazer disso,
além de tudo, uma arte".
Vemos de nôvo, aqui, o lento desabrochar de urna experiência de
opção pessoal que se mostra fundamental a tõda mudança da persona-
lidade e do comportamento que daí resulte. Ela escolhe, livremente, a
auto-percepção de um modo diverso e, dessa nova manerra de perceber
se, fluem muitas mudanças de atitude e de comportamento.
Ou talvez eu possa exprimir um pouco melhor a significação de
uma opção livre e responsável, citando frase de um psicótico, confuso
e amargo, internado por três vêzes num hospital do Estado. Seu último
internamento durava dois anos e meio na época em que comecei a
assisti-lo. Penso que as mudanças que se iam verificando, gradualmen-
te, basearam-se e se resumiram numa frase dita por êle, numa das en-
trevistas em que se sentia particularmente transtornado: "Não sei o que
vou fazer; mas que vou fazer, vou!" Para mim, essa frase substitui
248
volumes!
Para os que viram o filme Davi e Lisa - espero que os leitores
tenham passado por essa rica experiência - posso escla:recer exata-
mente o que temos discutido. Davi, o adolescente esquizofrênico, entra
em pânico quando alguém o toca. Sente que o "contato traz a morte"
e tem um medo insuportável de que o toquem e acha que tôda relação
humana, ínti-ma, implica tal contato. No entanto, ao final do .filme, faz
uma escolha audaciosa e positiva do tipo das que temos descrito. Tenta
dar uma ajuda a Lisa, a jovem que não tem contato algum com a reali-
dade. Tenta ajudá-la, a princípio, de um modo intelectualmente desde-
nhoso, depois, aos poucos, de maneira mais calorosa e pessoal. Por fim,
num instante sumamente dramático, diz-lhe: "Lisa, aperte minha mão!"
Escolhe, com óbvio conflito e terror, deixar para trás a segurança da
sua intocabilidade, e aventurar-se pelo mundo dos relacionamentos hu-
manos, reais, ·em que se põe, literal e figurativamente, em contato com ·
outrem. O leitor é uma pessoa extraordinária se o filme não lhe ar-
rancou algumas lágrimas neste ponto.
Um behaviorista tentaria, talvez, explicar que aquêle estender de
mãos Tesultaria do intermitente refôrço de movimentos parciais. Acho
tal explicação imprecisa e inexata. O significado da decisão é que é es-
sencial à compreensão do ato.
O que tento sugerir com tudo isso é que me sentiria incapaz de
explicar a mudança positiva que pode ocorrer em psicoterapia, se omi-
tis~e' a iÜlportãricia do .senso: de escolha frvre e' responSável, }:lor parte
dos meus clientes. Creio que essa experiência da liberdade de escolha
é um dos mais profundos elementos, subjacentes à mudança.
SIGNIFICAÇÃO DA LIBERDADE
Em face dos avanços científicos mencionados, como podemos fa-
1aor, ainda, de liberdade? Em que sentido um cliente é livre? Em que
sentido qualquer um de nós é livre? Que possível definição de liberdade
pode haver, no mundo moderno? Tentemos tal definição.
ª'
Em primeiro lugar, lib~rdade de que falo, é coisa essencialmen.
t~ interior, algo que existe na pessoa viva, inteiramente à parte de qual-
quer das escolhas externas de alternativas em que tantas vêzes supomos
consistir a liberdade. Falo daquela espécie de liberdade que Viktoor
Frankl descreve, com nitidez, na sua experiência de um campo de con-
centração, quando tudo - posses, status, identidade - é arrancado aos
prisioneiros. Meses e anos em tal ambiente mostraram, todavia, ape-
nas, que "tudo pode ser tomado de um homem, menos uma coisa: a
última dasliberdades humanas - a de escolher a sua própria atitude,
sob qualquer das ci'rcunstâncias dadas, a de escolher o seu próprio ca-
minho" (1959, p. 65). É a liberdade interior, subjetiva, existencial, que
tem sido o objeto das minhas observações. É a convicção de que "pos-
249
so viver minha própria vida, aqui e agora, segundo a minha própria es-
colha". É a espécie de coragem que capacita uma pessoa a entrar na
incerteza do desconhecido, tal como ela própria decidiu. É a descober-
ta do significado do que está no íntimo de cada um, significado que de-
corre da atenção sensível e aberta às complexidades do que se está ex-
perimentando. É o ônus de se tornar responsável pela espécie de ente
que se escolhe ser. É o reconhecimento da pessoa de que está num pro-
cesso de vir-a-ser, não como se fôsse um produto estático, final. O indi-
víduo que assim pensa, profunda e corajosamente, suas próprias idéias.
que se impõe a si mesmo sua singularidade, que escolhe o seu ser, res-
ponsàvelmente, pode ter a sorte de deparar com centenas de alternati-
vas objetivas, externas, para suas opções, ou pode ter a falta de sorte
de não descobrir alternativa alguma. Mas sua liberdade existe, de qual-
quer maneira. Assim, falamos, antes de tudo, de algo que existe dentro
do indivíduo, algo antes fenomenológico que externo, mas, ainda assim.
que pode ser captado.
O segundo ponto definidor dessa experiência de liberdade consis-
te em que esta existe não como contradição com a imagem do universo
psicológico, à manei•ra de uma seqüência de causa e efeito - mas como
um complemento de tal universo. A. liberdade, corretamente entendido.
~ a efetivação, pela pessoa, da seqüência ordenada da sua vida. O ho-
mem livre movimenta-se voluntàriamente, desembaraçadamente, res-
ponsàvelmente, para representar papel significativo no mundo cujos
acontecimentos determinados se verificam por meio dêle e por meio da
sua espontânea escolha e vontade.
Vejo pois, a liberdade de que estou falando como existindo numa
dimensão diferente da seqüência determinada de causa e efeito. Consi-
dero-a como a liberdade que existe na pessoa subjetiva, uma liberdade
de que ela corajosamente se utiliza para dar vida a suas potencialida-
des. O fato de que êsse tipo de liberdade pareça completamente irrecon-
ciliável com a imagem behaviorista do homem é algo que discutirei um
pouco mais tarde.
250
formistas não tendiam a entrar em pânico, quando colocados sob a
pressão de fôrças conflitantes.
O conformista tendia também a exprimir sentimentos de inferio-
ridade e desadaptação pessoais, enquanto quem não se submetia à pres-
são tinha um senso de competência e suficiência pessoais. Manifes·
tava mais auto-domínio e autonomia no modo de pensar. Julgava tam-
bém, melhor, as atitudes dos outros.
O mais importante, acima de tudo, para os nossos propósitos, é o
fato de que os que se rendiam à pressão, os conformistas, tendiam a
mostrar certa falta de abertura e de liberdade, nos processos emocio-
nais. Eram emocionalmente limitados, desprovidos de espontaneidade,
com a tendência de reprimir os próprios impulsos. Os não-confO'l'mis-
tas, os que faziam suas próprias escolhas eram, por outro lado, muito
mais abertos, livres e espontâneos. Revelavam-se mais expressivos e
naturais, livres de aparências, e sinceros. Onde os conformistas tendiam
à perda da perspicácia sôbre os seus próprios motivos e comportamen-
tos, a pessoa independente manifestava boa compreensão de si mesma.
Qual o significado dêsse aspecto do estudo de Crutchfield? Pare-
ce implicar que a pessoa interiormente livre, aberta à sua pr()pslª_e..x.::Q~_
riência, dotada do senso da sua liberdade e da sua opção responsável,
E:JStá, provàvelmente, mais longe de ser controlada do que aqueia- a quem
faltam tais qualidades.
Outro caso de pesquisa, nesse campo, à qual estive intimamente
vinculado; produziu impacto decisivo sôbre mim, nos anos que se segui-
ram à experiência. Competente aluno de pós-graduação que, há muitos
anos, esteve sob minha supervisão, escolheu para tema de estudo os
fatôres capazes de predizer o comportamento de delinqüentes adoles-
centes. Fêz cuidadosos levantamentos objetivos do meio psicológico na
familia, das experiências educacionais, das influências de vizinhança e
culturais, das experiências sociais, da situação de saúde e dos preceden-
tes hereditáios de cada delinqüente. Tais fatôres externos foram classi·
ficados tendo em vista sua natureza favo'rável ao desenvolvimento nor-
mal, numa série contínua, desde os elementos destrutivos do bem estar
da criança e inimigos do desenvolvimento sadio até os que, em alta
grau, são conducentes a êste. Quase sob a forma de reflexão posterior,
classüicou-se também o grau de auto-compreensão, desde que se ·sentiá
que, embora êsse não fôsse um dos fatôres primacialmente determinan~
tes, poderia participar, de algum modo, da predição do comporta~
mento futuro. Tratava-se, essencialmente, de medir o grau em que o
indivíduo fôsse aberto e realista em relação a si próprio e à sua
situação, de julgar até onde fôsse emocionalmente receptivo aos fatos
ocorridos no seu íntimo e no meio em que vivia.
~sses dados sôbre setenta e cinco delinqüentes foram comparados
com os referentes aos seus comportamento e ajustamento, dois a três
anos depois do estudo inicial. Esperava-se que os levantamentos sôbre
251
o meio familiar e a experiência social com os iguais viessem a ser os
melhores indicadores do comportamento posterior. Para nosso espan·
to, o grau de auto-compreensão foi o que melhor se prestou à predição,
correlacionando-se . 84 com o comportamento ulterior, enquanto a natu-
reza da experiência social figurava com a correlação . 55 e o meio fa-
miliar, .36. Não estávamos, simplesmente, preparados para crer nesses
achados e arquivamos o estudo até que pudesse ser repetido. Repetiu-
se, mais tarde, num nôvo grupo de setenta e seis casos e todos os acha-
dos essenciais se confirmaram, embora de manei•ra não mais tão extra-
ordinária. Além disso, os achados resistiram mesmo a uma análise por-
menorizada. Ao examinarmos apenas os delinqüentes que vinham dos
lares mais desfavoráveis e que neles permaneceram, ainda se verificou a
verdade de que o seu futuro comportamento fôra previsto melhor, não
pelo condicionamento d.esfavorável que haviam recebido em seu meio
familiar, mas pelo grau de compreensão real que possuíam sôbre si
mesmos e sôbre o seu ambiente (Rogers, Kell, McNeill, 1948).
Só lentamente compreendi o significado dêsse estudo. Apenas co-
meçava a ver o significado da autonomia interior. O indivíduo que
se considera a si mesmo e à sua situação, claramente, e que livre-
mente assume a responsabilidade por seu próprio ser e por tal si-
tuação, é pessoa muito diferente da que simplesmente se acha nas
gàrras de circunstâncias exteriores. Essa diferença se revela, com ni·
_"tidez, em importantes aspectos do seu comportamento.
A EMERGÊNCIA DO COMPROMETIMENTO
At~..aqui, t~J;lllo f~;lado, primo'tdialniente, SÕbre a liperdade. E Sõ-
bre o comprometimento? Certàmente, o mal da nossa época é a falta de
propósito, a falta de significado, a falta de comprometimento por parte
dos indivíduos. Haverá algo que eu possa dizer em relação a isso?
Para mim, é claro que, em terapia, como indiquei nos exemplos
dados, o comprometimento com os propósitos e o significado da vida é
um dos mais importantes elementos de mudança. É só quando a pes-
soa decide: "sou alguém; sou alguém digno de ser; comprometi-me a ser
eu próprio", que a mudança se torna possível.
Num interessantíssimo simpósio, realizado na Rice University, re-
centemente, o Dr. Sigmund Koch fêz o esbôço da revolução que se está
verificando na ciência, na literatura e nas artes, em que certo senso de
compromisso se vai tornando, outra vez, evidente, após longo período
durante o qual tal ênfase inexistiu.
Parte do que êle quis dizer pode ser esclarecido por uma refe-
rência ao Dr. Michael Polanyi, o filósofo da ciência,. que foi antes dis-
so um físico, ao expor suas noções sôbre o que é, bàsicamente, a ciên-
cia. No seu livro Personal K.nowledge, Polanyi evidenciou que mesmo
o conhecimento científico é um conhecimento pessoal, um conhecimen-
to comprometido. Não nos podemos apegar cômodamente, à convic·
252
ção de que o conhecimento científico é impessal e "vindo de fora",
que nada' tam êle a ver com o indivíduo que o descobriu. Ao contrá·
rio, péla ciência, sob todos os seus aspectos, perpassa o comprometi-
mento pessoal, disciplinado, e Polanyi sustenta, muito conscientemen-
te, que tôda a tentativa de estabelecer um divórcio entre a ciêncif:; e
a pessoa é absolutamente irrealista. Penso expor-lhe, de modo cor-
reto, a opinião, quando digo que, a seu ver, o positivismo lógico e
tôda a estrutura em voga da ciência não nos podem fazer escapar ao
fato de que todo conhecimento é incerto, comporta risco e só é cap-
tado e compreendido por meio de um profundo comprometimento
pessoal numa pesquisa disciplinada.
Uma breve citação talyez nos dê algo do saber de seu pensamen·
to. Ao falar de grandes cientistas, diz Polanyi:
Vemos, assim, que tanto Kepler quanto Einstein tiveram
acesso à natureza com paixões intelectuais e com crenças ineren-
tes a essas paixões, que os levaram a seus triunfos e os desvia-
ram para seus erros. Eram paixões e crenças pessoais, suas,
em b o ra a sustentassem com a convicção de que fôssem
universalmente válidas. Oreio que eram competentes para seguir
seus impulsos, ainda mesmo com o risco de que êstes os indu-
zissem a êrro. E, agora, o que eu aceito do que êles fizeram,
aceito pessoalmente, guiado por paixões e crenças semelhantes
às dêles, sustentando, de minha parte, que os meus impulsos são
válidos, universalmente, embora deva admitir a possibilidade de
que êles se tenham enganado (1958, p. 145).
Pelo que vemos, pois, um moderno filósofo da ciência crê que o
comprometimento pessoal profundo, é a única base sôbre a qual pode
a ciência manter-se, firmemente, de pé. Isto está, na verdade, a uma
grande distância do positivismo lógico dos últimos vinte ou trinta anos,
o qual colocou o conhecimento bem longe, no espaço impessoal.
Falarei um pouco mais sôbre o que entendo por comprometimen-
to em sentido psicológico. Penso que é fácil dar a essa palavra signifi-
cação demasiadamente superficial, indicando que .B. pessoa, .por uma
simples escolha consciente, se comprometeu num ou noutro curso de
ação. Acho que o significado é bem mais profundo que êsse. O com-
prometimento é uma direção organismica, total, envq~vendo não só o
espírito. consciente, mas, por igual, a direção de todo o organismo.
Na minha opinião, o comprometimento é algo que alguém desco-
bre dentro de si mesmo. É um confiar na reação total do eu, mais do
que apenas na da mente. Tem muito a ver com a criatividade. A ex-
plicação que nos dá Einstein do modo como se encaminhou para a for-
mulação da teoria da relatividade, sem nenhum conhecimento claro do
seu objetivo, é um excelente exemplo do que entendo pelo senso de com-
prometimento baseado numa reação organísmica total. Diz êle:
253
Durante todos aquêles anos, houve o sentimento de uma di-
reção, de estar indo diretamente no sentido de algo concreto. É,
sem dúvida, muito difícil exprimir, em palavras, êsse sentimento,
mas, inegàvelmente, êle ocorreu e deve, nitidamente, distinguir-se
das considerações posteriores sôbre a forma racional da solução
(citado por Wertheimer, 1945, págs. 183-184).
A CONTRADIÇÃO IRRECONCILIÃVEL
Confio em que tenha ficado bem claro que apresentei dois pontos
de vista marcadamente divergentes e irreconciliàvelmente contraditó-
rios. De um lado, a moderna ciência psicológica, assim como outras
fôrças da vida atual, sustentam a opinião de que o homem não é livre,
de que é controlado, de que têrmos como "propósito", "escolha" "com-
prometimento" não possuem teor significativo, de que o homem nada
mais é do que um objeto que podemos amplamente compreender e ain-
da mais amplamente controlar. Grandes esforços foram feitos e es-
tão sendo feitos para implantar esta perspectiva. Pareceria, na ver-
dade, herético pôr em dúvida tal ponto de vista.
No entanto, como Polanyi acentuou em outro dos seus trabalhos
(1957), os dogmas da ciência podem contrariar a verdade. Diz êle:
Nos dias em que se podia silenciar uma idéia pelo fato de
ser ela contrária à religião, a teologia era a maior fonte singular
de enganos. Hoje, quando qualquer pensamento humano pode
254
ser desacreditado, sob o estigma de não-científico, o poder antes
exercido pela teologia passou a ser prerrogativa da ciência; daí
se ter transformado a ciência, a seu turno, na maior fonte singu-
lar de êrro.
Animo-me, pois, a dizer que, contra a visão do homem como
destituído de liberdade, como um objeto, existe a evidência oriunda
da terapia, da vida subjetiva, assim como da pesquisa objetiva, de
que a liberdade e a responsabilidade pessoais .têm significado crucial,
que uma pessoa não pode viver uma vida completa sem esta liber-
dade e responsabilidade pessoais e de que a auto-compreensão e a
opção responsável produzem diferença marcada e mensurável no com-
portamento do indivíduo. Em tal contexto, o comprometimento há
de ter significado. Comprometimento é a emergente mutável direção
total do indivíduo, baseada num relacionamento íntimo e receptivo
entre a pessoa· e tõdas as tendências da sua vida, conscientes e incons-
cientes. A menos que, como indivíduos e como uma sociedade, pos-
samos fazer uso construtivo dessa capacidade de sermos livres e de
nos comprometermos, a humanidade, parece-me, estará estimulando
o desenvolvimento de uma coalização com o destino_
Qual a resposta à contradição 11( que me referi, Quanto a mim,
contento-me em considerá-Ia um profundo e persistente paradoxo.
Embora os paradoxos sejam, não . raro,. frustrantes, podem, ainda
assim, ter bastante fecundidade. Em Física há o paradoxo de que a
luz é uma forma de propagação de onda e, ao mesmo tempo, se pode
verificar que ela se constitui de quanta contradição entre a teoria
ondular e a teoria corpuscular da luz. l!:sse paradoxo continul!o irre-
conciliável, e, no entanto, sõbre sua base, a Física tem feito impor-
tantes progressos.
O filósofo Friedman acredita que muito do mesmo ponto de
vista é necessário, quando se enfrenta o problema filosófico da sig-
nificação. Diz êle: "Hoje, só se pode encontrar o significado, se abso-
luto, por meio da atitude de quem se dispõe a viver com o absurdo,
a permanecer aberto ao mistério que jamais pode esperar definir"
(1963, P- 468).
Participo dessa convicção de que devemos viver, abertamente,
com o mistério, com o absurdo. Deixe-me colocar o tema de minha
discussão, como um todo, sob a forma de uma. contradição.
Parte da vida moderna está em face do paradorp de que, visto
sob certa perspectiva, o homem é mna máquina complexa. Encami-
nhamo-nos, dia a dia, para uma compreensão mais precisa e para
um mais preciso contrôle dêsse mecanismo objetivo a que cha.mamos
o homem. De outro lado, em outra dimensão significativa da sua
existência, o homem é subjetivamente livre; sua opção pessoal e sua
responsabilidade configuram-lhe a vida; êle é, de fato, o arquitet~ de
255
si mesmo. Parte verdadeiramente crucial da sua existência é a des-
coberta do seu próprio compromisso signüicante de viver empenhan-
do todo o seu ser.
Se a tudo isso o leitor reagir dizendo: "mas êsses pontos de
vista não podem ser, ambos, verdadeiros", minha resposta é: "Trata-
se de um profundo paradoxo com o qual temos de aprender a. viver".
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WERTHEIMER, M. ·- Productive tbinking. New York: Harper, Hl45.
256
14. O OBJETIVO: A PESSOA EM
PLENO FUNCIONAMENTO
Por que estamos lutando? Por que desejamos o "melhor" (seja qual
fôr a nossa definição do fiermo) na vida familiar, na escola, na uni-
versidade, na .comunidade? É porque, creio, esperamos desen'!XJlver
o que há dJe "melhor" nos sêres humanos. Mas rMC//mente consegui-
mos dar uma ideia explícita do exato significado dêsse obj•etivo.
Que espécie de ser humano queremos desenvolver?
Há alguns anos, escrevendo como terapeuta, ventei dar uma res-
posta pessoal a essa pergunta(1). Não tenho por que me escusar
pelo fato de que êste capítulo S!B haja formulado tendo como refe·
rência a terapia. A meu ver o "melhor" da educação produziria
pessoCQ muiw semelhante à que resulta do "melhor" da verapia. Na
verdade, será muito útil a professôres e educadores refletirem sô-
bre esse problema, num contexto exterior à •escola. Ser-lhes-á mais
fácil verem numa focalização mais especializada, os aspectos com
os quais concordam e os de que discordam, no quadro que lhes ofe-
reço.
257
Suspeito que cada um de nós, de tempos em tempos, especula sô-
bre as características gerais da pessoa ótima. Se a educação, como
desejaríamos que ela fôsse, obtivesse o mais completo êxito na
promoção do crescimento e do desenvolvimento pessoais, que espé-
cie de pessoa se formaria? Ou, referindo-me ao campo no qual tenho
maior experiência, supondo-se que a psicoterapia se realizasse de ma-
neira ótima, que espécie de pessoa se desenvolveria? Qual o hipotético
ponto final, o máximo, do crescimento e do desenvolvimento psicológi-
co? Quero discutir a questão do ponto de vista da terapia, mas creio que
os ensaios de resposta que formulo se aplicariam igualmente à educa-
ção, ou à família ou a qualquer outra situação cuja finalidade seja o
desenvolvimento construtivo das pessoas. Estou levantando o proble-
ma: qual o objetivo? que é uma pessoa ótima?
Muitas vêzes tenho feito essa pergunta a mim mesmo e tenho fica-
do constantemente insatisfeito com a espécie de respostas correntes,
Parecem equívocas demais, relativísticas demais, para terem algum va-
lor ponderável no desenvolvimento de uma ciência da personalidade.
Não raro, nelas está contido, também, certo preconceito dissimulado
que as torna insatisfatórias. Penso na noção comumente aceita de que
a pessoa que completou a terapia, ou que é inteiramente madura, se
ajustará à sociedade. Mas a que sociedade? A qualquer espécie de socie-
dade, sejam quais forem suas características? Não concordo com isso.
Penso no conceito, implícito em muitas obras de Psicologia, segundo o
qual a terapia coroada de êxito significa a passagem de uma pessoa de
uma categoria diagnosticada como patológica a uma outra tida como
normal. Mas acumula-se a evidência de que há tão pouca concordância
em relação às categorias de diagnóstico que elas se tornam pràtica-
mente sem significado como conceitos científicos. E mesmo que a
pessoa se torne "normal", será essa uma conseqüência adequada da
terapia? Além disso, a experiência dos últimos anos tem-me feito per-
guntar se o têrmo psicopatologia não seria, simplesmente, o receptá-
culo conveniente· de todos aquêles aspectos da personalidade que os
peritos em diagnósticos temeriam, acima de tudo, verificar existirem
neles próprios. Por essas e outras razões, a mudança no diagnóstico
não é, para mim, descrição satisfatória do resultado da terapia. Se me
volto para outro tipo de conceito, verifico que, de uma pessoa cuja
crescimento psicológico é ótimo, se diz que atingiu um estado posi-
tivo de saúde mental. Mas quem define o que seja saúde mental?
Desconfio de que a Clínica Menninger e o Centro de Estudo sôbre a
Pessoa a definiriam de modo completamente diverso. Estou certo de
que o Estado Soviético ofereceria ainda uma outra definição .
Impelido por indagações como essas, pus-me a especular sôbre
as características da pessoa que sai de uma terapia, se esta atin-
giu o máximo de êxito. Gostaria de partilhar com o leitor algumas des..
sas especulações pessoais. O que eu quero fazer é formular um conceito
258
teórico sôbre o estágio final ótimo da terapia, ou, na verdade, da
educação. Espero afirmá-lo em têrmos que o eximiriam de algumas
das críticas que mencionei, têrmos que, eventualmente, lhe assegura.
riam uma definição operacional e uma prova objetiva.
259
sar, mas pode acolhê-la, livremente, como parte do seu eu em mutação
e desenvolvimento.
Eis uma breve descrição do que a terapia centrada no c.liente
pode vir a ser, em condições ótimas. Ofereço-a como simples introdu·
ção ao que de modo especial me preocupa: quais as características da
personalidade que se desenvolveria no cliente, como resultante de uma
experiência dessa espécie?
AS CARACTERíSTICAS DA PESSOA,
APóS A TERAPIA
Qual, pois, o ponto final ótimo da psicoterapia, o ponto de
maior crescimento psicológico possível? Tentarei responder à pergunta,
a meu jeito, baseando-me sôbre o conhecimento que adquiri a partir da
experiência clínica e da pesquisa, mas levando-o ao extremo, a fim dd.
melhor delinear a espécie de pessoa que emergiria se a terapia
fôsse a mais eficaz. Quando medito profundamente sôbre a resposta,
a descrição de tal pessoa parece-me inteiramente unitária, mas, para
maior clareza da apresentação, dividi-la-ei em três facetas.
260
temente, que tenho mais respeito, maior objetividade, para
com o meu corpo. Quero dizer que não espero demais de
mim mesmo. Eis como se verificou isto: parece-me que, no pas-
sado, costumava lutar contra certo cansaço que sentia, depois do
jantar. Bem, agora, estou quase certo de que me sinto realmente
cansado - de que não me estou fingindo de cansado - de que
apenas me encontro, fisiologicamente, em nível inferior. Antes,
parecia-me que eu estava, sempre, a criticar o meu cansaço".
Terapeuta: "Assim, você pode deixar-se estar cansado, em vez de
se pôr a criticar o seu cansaço".
Cliente: "Sim, a dizer que eu não dr.veria estar cansado, ou coisa
semelhante. E parece, de algum modo, ser bem profundo que eu,
realmente, não posso combater êsse cansaço, e ~ isso se acres·
centa a sensação real de que tenho que reduzir, minha ati·
vidade, pois, estar cansado não é coisa tão horrível assim. Penso
que posso, também, de certo modo, captar, aqui, um traço da
razão por que eu estaria assim, a partir da maneira como meu
pai é, da sua maneira de ver certas coisas como essas. Por exem-
plo, digamos que eu estivesse d o e n t e e que lhe contasse
isso e que se afiguraria que êle haveria de querer, abertamente,
fazer alguma coisa a respeito, mas comunicaria também: "Aht
caramba, mais um aborrecimento!" O senhor sabe, algo assim,
ou coisa parecida".
Terapeuta: "Como se houvesse algo de tremendamente irritante
nisso de se estar fisicamente mal".
Cliente: "Sim, estou certo de que meu pai, tal como eu, tem o
mesmo desrespeito por sua condição fisiológica. Agora, no último
verão, tive um torcicolo, uma distensão violenta, chegava a ouvir
estalar o meu pescoço e tudo mais. Doía, de fato, o tempo todo,
no comêço era lancinante. E o médico examinou-me, disse-me
que não era nada sério, que iria sarar por si, desde que eu não
virasse demais a cabeça. Bem, isso foi há uns meses- e, recen-
temente, observei que- diabo! doi mesmo e ainda está doendo
- .e que não é culpa minha, isto é ... "
Terapeuta: "Isto nada prova de mau a seu respeito ... "
Cliente: "Não - e uma das razões por que, eu acho, fico mais
cansado do que deveria estar é êsse mau jeito constante, etc. Já
marquei uma consulta com um dos médicos do hospital para êle
dar uma espiada nisto e tirar uma radiografia ou coisa seme.
lhante. Suponho que o senhor dirá que estou ficando mais acura·
damente ou mais objetivamente sensível, a coisas dessa espécie.
Posso dizer-lhe, com certeza, que isso se aplica também ao que
eu como e a quanto como. E isso é, realmente, uma mudança
profunda, como estou dizendo. E, de fato, meu relacionamento
com minha mulher e meus dois filhos se tornou - bem, o se-
261
nhor não o reconheceria, logo, se pudesse ver-me por dentro -
como o senhor faz - quer dizer -não parece haver nada mais
maravilhoso do que real e genuinamente - sentir, realmente,
amor pelos filhos e, ao mesmo tempo, recebê-lo. Não sei como
exprimir isso. Respeitamo-nos, agora, de tal modo - nós dois
ambos - pois Judy e nós já o observamos - como participamos
disso - houve tal mudança nela - parece, de fato, ser uma coi-
sa muito profunda ... "
Terapeuta: "Parece-me que você está dizendo que pode prestar
atenção a você mesmo, de modo mais preciso. Se o seu corpo diz
que você está cansado, você o ouve e acredita nele, em vez de
criticá-lo; se sente dor, percebe isto; se o que existe é, realmente,
amor pela sua mulher ou seus filhos, você pode sentir isso, e
se lhe afigura que, neles, se revelam também mudanças".
Pode-se ver, aqui, num extrato de interêsse relativamente menor,
mas simbolicamente importante, muito do que tenho tentado dizer sô-
bre a abertura à experiência. A principio, aquêle cliente não podia pas-
sar por um sofrP:nento ou por uma doença, com liberdade, porque estar
mal lhe parecia inaceitável. Nem podia sentir ternura ou amor por seus
filhos, porque tais sentimentos significavam ser fraco e êle queria
sustentar a fachada de homem forte. Mas agora, pode abrir-se à experi-
ência do seu organismo - ficar cansado quando está cansado, sofrer
uma dor quando sente dor; pode ainda, livremente, experimentar o amor
que sente por sua filha, e também exprimir um aborrecimento em rela-
ção a ela, como disse depois, em outra fase da entrevista. Pode viver,
plenamente, suas experiências orgânicas, totais, em vez de eliminá-las
de sua consciência.
Usei o conceito de acessibilidade à consciência numa tentativa
de elucidar o que significa, para mim, abertura à experiência. Isto
pode ser mal compreendido. Não quero dizer que êsse indivíduo se
capacitaria, auto-conscientemente, de tudo que se passa no seu íntimo,
como a centopéia se tornaria consciente de tôdas as suas pernas.
Ao contrário, seria livre para viver um sentimento, subjetivamente,
tanto quanto de tornar-se conhecedor dêle. Experimentaria amor ou
sofrimento ou mêdo, vivendo, em tal atitude, subjetivamente. Ou po-
deria abstrair-se dessa subjetividade e captar na consciência: "sinto
uma dor", "estou com mêdo", "amo". O ponto crucial reside em que
não haveria barreiras, nem inibições, que impedissem a plena experi·
mentação de qualquer coisa que se fizesse orgânicamente presente, e
a acessibilidade à consciência é uma boa maneira de medir essa au-
sência de impecilhos.
262
complexa configuração de estímulos internos e externos que ocorre, em
dado momento, jamais existiu antes, de maneira exatamente igual. Con-
seqüentemente, nossa hipotética pessoa se capacitaria de que: "o que
serei no próximo momento, assim como o que farei, não procederá do
instante atual e não poderá ser previsto, de antemão, nem por mim nem
por outrem". Não raro, encont'ramos clientes a exprimirem sentimento
dessa espécie. Assim, um dêles, no fim da terapia, diz, de um modo um
tanto perplexo: "Ainda não cheguei ao fim da tarefa de me integrar e
de me reorganizar, mas isto é apenas confuso, não desencorajador, ago-
ra que verifico que isso é um processo continuo ... É excitante, inqUie-
tante às vêzes, mas profundamente encorajador, sentir-se em ação e
saber nitidamente, que a gente vai indo para diante, mesmo quando
não se sabe, conscientemente, aonde isso nos leva".
Um modo de exprimir a fluidez que se faria presente em tal vi-
vência existencial está em dizer que o eu e a personalidade emergiriam
da experiência, em vez de ser esta transladada ou distorcida para adap-
tar-se a uma auto-estrutura preconcebida. Isto significa que alguém se
torna participante e 'observador do processo de experiência organísmi-
ca, em vias de desenvolver-se, ao em vez de controlá-lo. No capitulo 6,
tentei descrever a maneira como se me afigura êsse tipo de vivência.
Todo êsse cortejo de coisas experimentadas, assim como o signifi-
cado que, até aqui, descobri nêl.e, parece ter-me lança;do num pro-
cesso, a um tempo, fascinante e um tanto atemo'l'izador. Pa'nece
significar que me deixo levar pela minha experiência, numa dire-
ção que se afigura ser para f't~Bnte, no sentido de objetivos que mal
posso definir, enquanto tento compreender, pelo menos, a significa-
ção usual dessa experiência. A sensação é a de flutuar numa cor-
'i'Bnte complexa de experiência, com a fascinánte po·ssibilidade de
tentar compreender sua complexidade em constante mutação.
Tal vivência de dado instante, significa, pois, ausência de rigidez,
de organização forçada, da imposição de uma estrutura sôbre a experi-
ência. Trata-se, ao contrário, de um máximo de adaptabilidade, de mna
descoberta da estrutura na experiência, de uma fluída e mutável orga-
nização do eu e da personalidade
A personalidade e o eu estariam em fluxo contínuo, os únicos
elementos estáveis seriam as capacidades e limitações fisiológicas do
organismo, as contínuas e periódicas necessidades orgamsmicas de so·
brevivência, de engrandecimento, de alimento, de afeição, de sexo, en.
tre outras. Os traços mais estáveis da personalidade abrir-se-iam à
experiência e à flexivel satisfação das neéessidades existenciais no
meio existente.
3. A PESSOA VERIA O SEU ORGANISMO COMO MEIO FIDEDIGNO
DE LEVAR AO COMPORTAMENTO MAIS SATISFA'.{'óRIO, EM
CADA SITQAÇÃO EXISTENCIAL.
Faria o que "sentisse estar certo" naquele momento imediato, e
263
acharia que esta, em geral, seria uma orientação competente e fidedig-
na para seu comportamento.
Se isso parece estranho, deixe-me expor o :r:aciocínio que lhe ser-
ve de fundamento. Desde que alguém se abre à sua experiência, terá
acesso a todos os dados disponíveis na situação, sôbre os quais irá ba-
sear o seu comportamento: as exigências sociais. suas próprias necessi-
dades complexas e possivelmente conflitantes; suas lembranças de si-
tuações análogas, sua percepção da singularidade de tal situação, etc.,
etc. Os aspectos dinâmicos de cada situação seriam, na verdade, muíto
complexos. Mas êle poderia permitir que seu organismo total, que sua
consciência participante, considerassem cada estímulo, necessidade e
exigência, sua relativa intensidade e importância e, após essa comple-
xa ponderação e avaliação, haveria de descobrir o curso de ação que
mais proximamente satisfizesse as suas necessidades na situação. Pode-
ria-mos encontrar uma analogia de nossa descrição, comparando a pes-
soa em causa a um grande computador eletrônico. Aberta à sua ex-
periência, todos os dados oriundos de suas impressões sensíveis, de
sua memória, de seu aprendizado anterior, dos seus estados viscerm~>
e internos iriam alimentar o computador. :i!.:ste tomaria os múltiplos
impulsos e fôrças nele incluídos como dados e computaria, logo, o
curso de ação que seria a via mais econômica para satisfazer as ne-
cessidades nesta situação existencial. Eis o comportamento de nossa
hipotética pessoa.
Os defeitos que, na maioria dentre nós, fazem com que êsse pro·
cesso perca o seu valor, são a inclusão de material não existencial ou a
ausência de dados. É quando lembranças e aprendizagens anteriores,
são computadas como se fôssem realidades presentes, e não como
memorização ou aprendizagens, que surgem respostas errôneas para o
comportamento. Ou quando certas experiências ameaçadoras são im-
pedidas de chegar à consciência, e então retiradas da computação ou
nela incluídas de forma distorcida, também se produz êrro. Mas para
a nossa hipotética pessoa o seu organismo seria inteiramente digno de
confiança, porque se utilizaria de todos os dados disponíveis, tornados
presentes de maneira antes exata que deformada. Donde comportar-
se, tanto quanto possível, de modo a satisfazer tôdas as suas necessi-
dades - às de seu engrandecimento, de sua associação com os ou-
tros, e as de igual gênero .
Nos d.tus de f)onaerar, de ajustar, de computar, o organismo não
seria, de rr.odo algum, infalível. Daria, sempre, a melhor resposta pos-
sível aos dados de que dispusesse, mas, às vêzes, os dados poderiam
faltar. Em razão, todavia, do fator d~ abertura à experiência, quais.
quer erros, qualquer comportamento resultante que não fôsse satisfa-
tório, corrigir-se-iam ràpidamente. As computações estariam, por assim
dizer, em processo de correção, porque seriam, continuamente, conferi-
das no compo·rtamento.
264
Talvez não agrade a minha analogia com o computador eletrôni-
co. Tratemos do assunto em têrmos mais humanos. O cliente, antes
mencionaó.o, viu-se a exprimir sua irritação para com a filha, Çiuando
"sentia" tal aborrecimento, tanto quanto experimentava afeição a ela.
Verificou que o fazia de modo a não sàmente libertar-se da tensão, em
si próprio, como a permitir que a menina desse vasão, também, a suas
contrariedades. Descreve as diferenças entre comunicar-se com a sua
fi!ha e impor-lhe sua irritação. Continua êle: "Pois se percebe qt:e não
lhe estou impondo os meus sentimentos e parece-me que posso mostrar
isto, no meu rosto. Talvez ela o veja, como se dissesse: sim, papai está
com raiva, mas eu não tenho de me submeter. Porque ela jamais se
submete. Isto é tema bom para uma novela, sinto-o assim". Em tal ca-
so, aberto à sua experiência, o cliente em questão escolhe, com surpre-
endente habilidade intuitiva, um curso de ação sutilmente orientado, o
qual vai ao encontro da sua necessidade de libertar-se da tensão em
que fica com a irritação que experimenta, mas também satisfazer sua
necessidade de ser um bom pai e de atender à alegria de ver o desen·
volvimento saudável da sua filha. Entretanto, tudo isso êle o obtém
fazendo, simplesmente, aquilo que lhe parece que é correto fazer.
Em nível inteiramente diverso, parece que o mesmo tipo de com-
plexa seleção organísmica determina o comportamento da pessoa dota-
da de poder criador. Verifica estar a mover.se numa certa direção, bem
antes de poder dar-lhe base completamente consciente e racional. Du-
rante êsse período, se se move no sentido de um nôvo tipo de expressão
artística, de um nôvo tipo de estilo literário, de uma nova teoria no
campo da ciência, de um nôvo método de ensino, tal pessoa simples-
mente confia em sua reação organísmical Sente-se segura de estar no
seu caminho, mesmo quando não pode descrever o ponto final da jor-
nada. E o tipo do comportamento característico também, penso eu, da
pessoa que tirou tôda a vantagem da terapia ou daquela cuja experiên-
cia educacional habilitou-a a aprender como aprender.
265
que o seu organismo total funcione em tôda a sua complexidade na es-
colha, dentro de uma multidão de possibilidades, daquele comportamen-
to que, em dado instante do tempo, seja mais genérica e genuinamente
satisfatório. Capacita-se a confiar no seu funcionamento orgânico, não
porque o seu organismo seja infalível, mas porque a pessoa, ela própria.
pode estar plenamente aberta às conseqüências de cada uma das suas
ações e corrigi-las se se mostram pouco satisfatórias.
É capaz de experimentar todos os seus sentimentos e a nenhum
dêles teme; é ela o próprio crivo de evidência, mas está aberta à evi·
dência venha donde vier; empenha-se, inteiramente, no processo de ser
e de vir a ser ela própria, e assim se lhe revela que é sonora e realls.
ticamente social; vive, completamente, dado instante, mas aprende que
esta é a maneira mais saudável de viver todo o tempo. É ela um or-
ganismo em pleno funcionamento e, dada at consciência de si ·mesma
que flui livremente na e através da sua experiência, é uma pessoa em
pleno ·funcionamento.
266
B. ENCAMINHAMENTO PARA HIPóTESES OPERACIONAIS
267
D. A CRIATIVIDADE COMO Ul\llA RESULTANTE
268
do se abre totalmente à sua experiência, é equilíbrado e realístico, co-
mo convém à sobrevivência e à elevação de um animal eminentemente
social.
Simpatizo pouco com o conceito outrora dominante de que o ho-
mem é bàsicamente irracional e, portanto, os seus impulsos, se não con-
trolados, levariam à destruição dos outros e de si próprio. O comporta-
mento do homem é apuradamente racional, movendo-se, com sutil e or-
denada complexidade, em direção aos objetivos que seu organismo ten-
ta realizar. A tragédia da maioria dentre nós é que nossas defesas nos
impedem de estarmos conscientes dessa racionalidade, de modo que,
conscientemente, nos movemos numa direção, enquanto que, organís-
micamente, nos movemos em outra Mas, em nossa hipotética pessoa,
não existiriam tais barreiras, e ela participaria da sua racionalidade or·
gânica. O único contrôle de impulsos que haveria ou que se verificaria
ser necessário é o do natural e interno equilíbrio de uma exigência em
relação a outra, ao lado da descoberta de comportamentos que segui-
riam os caminhos mais rigorosamente próximos da satisfação de tôdas
as necessidades. A experiência da extrema satisfação de uma necessida-
de (de agressão, sexual, etc.) de tal natureza que iria até a violência con-
tra a satisfação de outras necessidades (de companheirismo, de relacio-
namento afetivo, etc.) - experiência muito comum na pessoa defensi-
vamente organizada - seria simplesmente desconhecida em nosso indi-
viduo hipotético. l!.:le participaria das atividades auto.reguladoras ex-
tremamente complexas do seu organismo - os controles termostáticos
tanto. psicológicos quanto. fisiológicos - de tal modo que viveria har-
moniosamente, quer em relação a Si mesmo quer em Telação aos outros.
269
Mas o que venho dizendo sôbre o cliente seria igualmente verda-
deiro se aplicado ao cientista que lhe estuda o comportamento. O
cientista consideraria válido o comportamento dessa pessoa, sôbre o
qual poderia falar depois que ocorresse, mas não teria como prognosti-
cá-lo ou predizê-lo na sua especificidade. As razões disso são as que se
seguem. Se o comportamento de nossa hipotética pessoa é determina-
do pelo exato sentido de tudo que revela a complexa evidência real, em
dado instante do tempo, e apenas em v:i:rtude de tal evidência, os dados
necessários à previsão são claros. Seria preciso possuir instrumentos
capazes de medir, um a um, os múltiplos estímulos em ação e um com-
putador mecânico de grandes proporções para calcular o mais econô-
mico vetor de reação. Enquanto se processasse a computação, nossa
hipotética pessoa já teria realizado essa soma e essa avaliação comple-
xas, dentro do seu próprio organismo, e já teria atuado. A ciência, se
eventualmente fôr capaz de coligir todos êsses dados, com suficiente
exatidão, estaria teoricamente em condições de analisá-los e de chegar
às mesmas conclusões e, assim, apreciar o comportamento depois de
ocorrido. É duvidoso que pudesse coligir e analisar tais dados, instan-
tâneamente, o que seria necessário se tivesse de predizer o comporta-
mento.
Isso se. pode esclarecer salientando-se que o comportamento da
pessoa desajustada é que se apresenta especificamente previsível e que
.certa. perda de previsibilidade se evidencia sempre que se acentuam a
~bertura à experiência e a vivência existencial. No tocante· à .pessoa
desajustada, o comportamento é previsível precisamente porque é sub-
metido a padrões rígidos. Se tal pessoa aprendeu uma forma de
reação hostil à autoridade e se sua "aversão à autoridade" é parte
do modo como se concebe a si mesma enquanto em relação com a auto-
ridade, e se, em face disso, ela nega ou distorce qualquer experiência
,que proporcionasse uma evidência contrária, então o seu comportamen-
to é especificamente previsível. Pode-se dizer com segurança que, se se
lhe apresenta uma situação nova perante uma autoridade, ela lhe será
hostil. Quanto mais, entretanto, a te'rapia, ou qualquer relacionamento
que promova ascenção individual, aumenta a abertura dessa pessoa à
sua própria experiência, tanto menos previsível será o seu comporta·
mento. Isso é nitidamente confirmado por um estudo feito em Michigan
(Kelly & Fiske, 1951), no qual é tentada a previsão de êxito em clínica
psicológica. As previsões no tocante às pessoas submetidas à terapia,
durante o período de investigação, foram definitivamente menos preci-
sas do que em relação ao grupo, como um todo.
O que venho dizendo aqui tem algo a ver com a afirmação usual
de que o propósito final da psicologia como ciência é "a previsão e o
contrôle do comportamento humano", frase que, a meu ver, traz impli-
cações filosóficas perturbadoras. Sugiro que, quando o indivíduo se
aproxima do ótimo quanto ao seu funcionamento completo, o seu com~
270
portamento, embora sempre legítimo e determinado, se torna mais difí-
cil de predizer; e embora sempre digno de confiança e correto, mais
difícil de controlar. Daí decorre que a ciência da Psicologia, nos seus
níveis mais altos, viria a ser, talvez, mais uma ciência de compreensão
do qu~ uma ciência de previsão, uma análise da legitimidade do que
ocorreu mais do que, fundamentalmente, um contrêle do que está
para ocorrer.
No geral, essa linha de idéias é confirmada pelos nossos clientes,
que se sentem confiados em que o que irão fazer, em uma situação da-
da, será apropriado, compreensível e co•rreto, mas que não podem pre-
ver, de antemão, como irão comportar-se. Confirma-a também nossa
experiência de terapeuta, em que estabelecemos um relacionamento
através do qual podemos estar certos de que aquela pessoa descobrirá
a si mesma, será ela própria, aprenderá a atuar mais livremente, sem
que possamos, entretanto, antecipar o conteúdo especifico da próxima
sentença da próxima fase de terapia ou da solução comportamental
do cliente em face de determinado problema. A direção geral é correta
e podemos estar certos de que será apropriada, mas o seu conteúdo
específico é imprevisível.
G. RELAÇAO ENTRE LIBERDADE E DETERMINISMO
Gostaria de referir-me a uma implicação filosófica final que tem
alta significação para ·mim. Como indiquei no capítulo anterior, andei
perplexo, durante algum tempo, em face do paradoxo vivo, existente
em Psicoterapia, entre liberdade e determinismo. GostaTia de acrescen-
tar mais- uma idéia a êsse respeito: No ~élacionâhlento terapêutico; al-
gumas das experiências subjetivas que mais se impõem são aquelas em
que o cliente sente. dentro de si mesmo, o poder da escolha aberta. :mie
é livre - para se mostrar tal qual é ou para se esconder atrás de uma
fachada; pa:ra ir à frente ou para retroceder; para comportar-se de mo-
do destrutivo de si mesmo e dos outros ou de maneira a elevar-se; lite-
ralmente livre para viver ou morrer, em ambos os significados, fisiol6~
gico e psicológico, dos têrmos. Entretanto, quando entramos no cam·
po da Psicoterapia, com métodos objetivos de pesquisa, estamos, como
outro cientista qualquer, comprometidos a um completo determinismo.
Dêste ponto de vista, tôda idéia, sentimento e ação do cliente são de-
terminados pelo que os precede. O dilema que estou tentando descre.
ver é não diferente do encontrado em outros campos - apenas se fo.
caliza, aqui, de modo mais agudo. Tentei fazê-lo ressaltar em ensaio
escrito há algum tempo, contrastando os dois pontos de vista . .No cam·
po da psicoterapia.
eleva-se ao máximo tudo que é subjetivo, íntimo, pessoal:
aqui, certo relacionamento é vivido, não e:r.;aminado, e uma
pessoa, não um objeto, emerge, uma pessoa que sente, escolhe,
crê, age, não como um autômato, mas como uma pessoa. E aqui
também está o máximo em ciência- a análise objetiva dos mais
271
subjetivos aspectos da vida; a redução a hipóteses e, eventual-
mente, a teoremas, de tudo que tenha sido considerado como o
mais pessoal, o mais completamente íntimo, o que mais inteira-
mente corresponde a um mundo privado (Rogers, 1955).
Nos têrmos de nossa definição da pessoa em seu pleno funciona-
mento, a relação entre liberdade e determinismo pode, acredito, ser vis·
ta numa nova perspectiva. Poderíamos dizer que nas condições ótimas
da terapia a pessoa experimenta a mais legítima, completa e absoluta
liberdade. Quer ou opta por seguir o curso de ação que constitui o ve-
tor mais econômico em relação a todos os estímulos, internos e exter-
nos, porque tal comportamento é que será o mais profundamente satis·
fatõrio. Mas será êsse o mesmo curso de ação que, tendo em vista ou-
tro aspecto de sua superioridade, pode considerar-se determinado por
todos os fatôres atuantes em dada situação existencial. Contrastemos
isso com a descrição da pessoa defensivamente organizada. Quer ou
opta por seguir certo curso de ação, mas acha que não pode comportar-
se da maneira que escolhe. É determinada pelos fatôres da situaçãG
existencial; mas êsses fatôres incluem sua defensividade, sua recusa ou
distorção de certos dados •relevantes. Daí a certeza: de que o seu com-
portamento estará aquém de plenamente satisfatório. É êle determina·
do, sem que a pessoa seja livre para fazer uma opção efetiva. A pessoa
em pleno funcionamento, ao contrário, não só experimenta, mas utiliza,
a mais absoluta liberdade, quando, espontânea, livre e voluntàriamente
escolhe e quer o que é absolutamente determinado.
Bem sei que não se trata de uma idéia nova, para o filósofo, mas
foi animador considerá-la de um ângulo totalmente inesperado, na aná-
:lise de um cónceito da teoria da personalidade. Nela reside, a meu ver,
~o fundamento lógico da realidade subjetiva da absoluta liberdade de
escólha, tão profundamente importante na terapia, e, ao mesmo tempo,
igual fundamento para o completo determinismo, pedra angular da
Ciência. Nêsse quadro, posso ter acesso, subjetivamente, à experiência
·da pura escolha que o cliente experimenta; posso, também, como um
cientista, estudar o seu comportamento como sendo absolutamente de-
terminado.
CONCLUSÃO
Eis o meu modêlo teórico da pessoa que emerge da terapia ou do
melhor que possa haver em educação, o indivíduo que haja experimen-
tado crescimento psicológico ótimo - uma pessoa que funcione livre-
mente em tôda a plenitude das suas potencialidades organísmica; uma
pessoa que será realista, auto-engrandecedora, socializada e apropriada
em seu comportamento; uma pessoa criativa, cujas específicas formas
de comportamento não são fàcilmente previsíveis; uma pessoa sempre
272
em mudança, sempre em desenvolvimento, sempre a descobrir-se a si
mesma e ao que há de nôvo em si, a cada instante sucessivo do tempo.
Acentue-se, entretanto, que o que foi por mim descrito é uma pes-
soa que não existe. Trata-se de objetivo teórico, do ponto final do cres-
cimento de uma pessoa. Vemos pessoas a encaminharem-se nessa dire-
ção, a partir do melhor das experiências em educação, do melhor das
experiências em terapia, do melho•r dos relacionamentos na família e
nos grupos. Mas o que incide sob nossas observações é a pessoa imper-
feita a encaminhar-se para aquêle objetivo. O que descrevi constitui a
minha versão do objetivo em sua forma "pura".
Escrevi êste capítulo em parte para clarificar minhas próprias
idéias. Que espécie de pessoas tende a vir das minhas aulas, dos meus
grupos, da minha terapia? O que mais importa, todavia, é que escrevi
para tentar forçar os educadores a pensarem, mais profundamente, nos
seus próprios objetivos. Prevalece há tanto tempo a presunção de que
todos nós sabemos o que constitut um "homem educado", que quase
nunca encaramos de frente o fato de que nossa cômoda definição é ago·
ra completamente irrelevante para a sociedade moderna. Daí por que
êste capítulo constitui um desafio a educadores de todos os níveis. Se
não lhe agrada o meu conceito de pessoa em pleno funcionamento, co-
mo objetivo de educação, então dê sua definição da pessoa que emer-
giria da educação dos dias de hoje, e publique-a para conhecimento de
todos. Precisamos de um grande número de tais definições, a fim de
se possa estabelecer um diálogo moderno, verdadeiramente significa.
tivo sôbre o que deva constituir o nosso ótimo, o nosso cidadão ideal
de hoje. Espero que êste capítulo tenha trazido pequena contribuição
a êsse díálogo .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
KELLEY, E.L. & FISKE, Donald W. - The pred.iction of performance
in clinicai psychology. Ann Arbor: University of Michigan Press,
1951.
273
Quinta Parte
275
INTRODUÇÃO
1) - Este capitulo é uma versão revista de ensaio publicado, primeiro, no Educational Lea-
dership, maio de 1967, vol. 24, 717-731. Copyrigth by the Association for SupervisiorJ
and Curriculum Development, NEA.
279
NOVO OBJETIVO EDUCACIONAL:
UM CLIMA PARA A MUDANÇA
O mundo está mudando a uma velocidade extraordinária. Se
nossa sociedade tem de enfrentar o desafio das vertiginosas mudan-
ças na ciência, na tecnologia, nas comunicações, nos relacionamentos
sociais, não podemos descansar sôbre as respostas proporcionadas no
passado, mas devemos colocar a nossa confiança nos processos pelos
quais iremos ao encontro de novos problemas. Pois, quanto mais rà-
pidamente a mudança nos atinge tanto mais as respostas, o "conhe--
cimento", os métodos, as habilidades se tornam obsoletas, quase no
exato momento de sua aquisição.
Isso implica não somente em novas técnicas para a educa-
ção, mas também, como já o mostramos, em um novo objetivo. No
mundo em que vivemos, a finalidade da educação deve ser o desen-
volvimento de indivíduos abertos à mudança. somente tais pessoas
podem, construtivamente, ir ao encontro das perplexidades de um
mundo em que os problemas proliferam mais ràpidamente que suas
respostas. O fim da educação deve ser o desenvolvimento de uma
sociedade em que as pessoas possam viver de um modo mais adequa-
do à m1,1dança do,que.à rigidez. No mundo que está para-vir, a capa-
cidade de enfrentar adeqüadámenteo povo é mais importante do que
a aptidão de conhecer e de repisar o :velho.
Tal objetivo implica, porém, a seu turno, que os próprios edu·
cadores se tornem abertos e flexíveis, efetivamente envolvidos no pro·
;cesso de mudança. Devem ser capazes, a um tempo, de conservar e
transmitir o conhecimento e os valôres essenciais do passado, assim
como de acolher, àvidamente, as inovações que se façam necessárias
à preparação de um futuro incerto.
Ha que se descobrir um meio de desenvolver, dentro do sistema
educacional como um todo e em cada um dos seus componentes, um
·clima no qual a inovação não seja temida, no qual as capacidades cria-
tivas dos administradores, dos mestres e dos alunos são mantidas e
estimuladas ao em vez de serem abafadas. Há que se descobrir um
meio de desenvolver um clima, no sistema, através do qual o foco se
projeta não sôbre o ensinar, mas sôbre a facilitação da aprendizagem
auto-dirigida. Só assim se poderá desenvolver o indivíduo criativo,
que está aberto à totalidade da sua experiência; ciente dela, a ela
receptiv~ e continuamente em processo de mudança. E só dessa for-
ma poderemos dar efetividade a uma organização educacional cria-
tiva, que esteja também, continuamente, em processo de mudança.
280
dizagem construtiva, o crescimento e a mudança - nos indivíduos co·
mo nas organizações por êles compostas - é a experiência intensiva
de grupo. Conhecida por uma variedade de têrmos (T-grupo, treina-
mento de laboratório, treinamento de sensibilidade, grupo de encon-
tro básico, seminário) tem ela, subjacentes, tema e características
comuns.
O grupo intensivo ou grupo de "seminário"1 usualmente se com
põe de dez a quinze pessoas e de um facilitador ou líder. É relati·
vamente desestruturado, proporcionando um clima de máxima liber-
dade para a expressão pessoal, a exploração de sentimentos e a co-
municação interpessoal. Dá-se ênfase às interações entre os mem-
bros do grupo, numa atmosfera que estimula cada um a pôr de par-
te sua autodefesa e suas fachadãs, habilitando-o, assim, a se relacio-
nar direta e abertamente com os outros membros do grupo - o "en-
contro básico". Os indivíduos acabam por se conhecerem uns aos
outros mais amplamente do que é possível nas usuais relações so-
ciais ou de trabalho; o clima de abertura, de assumir o risco e de
honestidade gera a confiança que habilita a pessoa a reconhecer e
a mudar atitudes de auto-defesa, testar e adotar comportamentos mais
inovadores e construtivos e, a seguir, relacionar-se mais adequada e
efetivamente com os outros, na situação de sua vida cotidiana.
Desde meados de 1940, tais grupos experimentais têm sido utili-
zados extensamente com executivos industriais, administradoz:es gover·
namentais, grupos profissionais e leigos - grupos considerados nor·
mais e de bom funcionamento - sob uma ampla variedade de patro-
cínios, o mais cor.lhecido dos quais será, talvez o do Laboratório Na-
cional de Treinamento (Benne, Bradford & Lippitt, 1964).
Em têrmos gerais, a finalidade dessas experiências intensivas de
grupo é a de aperfeiçoar as aprendízágens e aptidões dos participan-
tes em áreas tais como as de liderança e de comunicação interpessoal.
Outro objetivo é o de suscitar mudança nos climas e estruturas orga-
nizacionais em que os membros trabalham. Essas experiências de gru-
po são caracteristicamente levadas a efeito de forma residencial, in-
tensiva, vivendo e se encontrando os participantes por períodos que
variam de três dias a duas ou três semanas. (Variante amplamente
usada é a dos cursos de treinamento de sensibilidade oferecidos por
departamentos universitários, nos quais os grupos se encontram uma
vez por semana ao longo de um semestre ou mais) .
De alguns anos para cá, os educadores começaram a utilizar-se
da experiência intensiva de grupo, embora em pequena escala. Exem.
pios: grupos envolvendo administradores de escolas (Clark, T. C. &
1- No original: "Wol'kshop".
281
Miles, M. B., 1954), professôres (Bowers & Soar, 1961), grupos de
professôres e estudantes da mesma instituição (Boyer, 1964) e, oca-
sionalmente, grupos intensivos, dentro de salas de aula (Miles, 1964;
Clark, J. V. & Culbert, 1965). No âmbito educacional, os objetivos
têm sido os de libertar a capacidade dos participantes para melhor
liderança, através de relacionamentos interpessoais aperfeiçoados, ou
de fomentar a aprendizagem da pessoa como um todo - o estudao-.
te, o professor, o administrador.
Os grupos intensivos têm sido usados, também, numa base ex-
perimental, com egressos de escolas, jovens desempregados ou pré-
delinqüentes, como um meio de ajudá-los a obter maior maturidade
pessoal assim como eficiência através de desenvolvida competência
pessoal e interpessoal para enfrentar certa variedade de situações na
vida.
Embora êsses diversos usos no âmbito educacional tenham ti-
do resultados satisfatórios e promissores, quase não se tem tentado
utilizar a experiência do grupo intensivo para uma coerente via de
acesso à mudança de um sistema de ensino público, em sua totalidade.
D&f, uma conseqüência que tem comumente ocorrido, é que um profes-
sor ou membro da direção de uma faculdade volta de uma experiência
dêsse gênero pronto para agir de modo novo e mudado, mas vai
apenas descobrir que suas atitudes não são bem acolhidas numa orga-
nização educacional "estável e bem-regulamentada". Duas alternati-
vas se abrem: êle volta, decepcionadamente, a seu comportamento an-
terior, convencional, ou se torna uma influência embaraçosa e per-
turbadora na sua instituição, não sendo compreendido nem aprovado.
Parece bem evidente que êsse novo instrumento de mudança só
se pode usar da maneira mais eficaz se todo o sistema se move em
direção à mutabilidade, de modo a que se acomodem à mudança tan-
to o seu pessoal como as unidades componentes. A indústria já es-
tá aprendendo isso. O princípio de abertura às possibilidades de mu-
dança em todo o sistema durante um período de tempo relativamente
curto é a essência do plano que se apresentará.
UM PLANO
284
sede de seu trabalho, de preferência num lugar relativamente solitário,
onde estariam livres das habituais interrupções e distrações de uma vi-
da de administrador. Teria de ser, é claro, durante as férias, antes do
inicio das aulas. O custo seria largamente subsidiado, como se mos-
trará no final do capitulo, mas cada um pagaria uma taxa como si-
nal do compromisso assumido. Parece preferível que a experiência
de grupo seja voluntária, mas seria aceitável também se a administra-
ção decidisse a participação de tôda a equipe acima de certo nível.
Um experiente facilitador, de fora (e há um bom número dêles, à
escolha), servirá de catalizador e participante de cada grupo de
dez a quinze administradores. Organizações como o Center for Stu-
dies of the Person, o National Training Laboratory, ou o Western 'l'rai-
ning Laboratory podem ser a fonte de facilitadores para cada gru-
po e constituiriam a equipe profissional de planejamento.
O ADMINISTRADOR
* será menos apegado à suas próprias idéias e opmwes e,
daí, pode ouvir mais apuradamente os outros administradores
ou membros do corpo docente;
286
* mais provàvelmente encarará e enfrentará abertamente os
atritos emocionais, pessoais, entre êle e os seus colegas, em
vez de sepultar os conflitos sob novos "regulamentos" ou evi-
tá-los de outras maneiras;
288
mos, de novo, tentar uma relação de algumas delas que parecem
apoiar-se na experiência.
O PROFESSOR
289
um facilitador de fora que ajude a estabelecer o clima de liberdade
de expressão e de liberdade -de. escolha responsável. Permitir-se-á e
se estimulará a alunos e professôres que discutam problemas que exis-
tam na classe. Começar-se-ia com os problemas de maior ou de menor
dificuldade quanto ao conteúdo material do curso, mas muito cedo, se
iniciará a expressão de sentimentos, no respectivo contexto. Talvez pela
primeira vez, em sua vida, o estudante verificará que suas atitudes, seus
sentimentos, suas opiniões serão ouvidos e se lhes dará atenção a prin-
cípio, só por parte do facilitador mas, gradualmente, por parte dos ou-
tros alunos e dos membros do corpo docente. Não raio, ainda pela pri-
meira vez, ver-se.á como um participante nas opções e decisões da clas-
se, não como um mero recipiente passivo. Em certa escola, onde aJgo
dessa espécie foi· tentado, verificou-se que, quase sempre, à solução de
problemas ou de impasse na sala de aula, aos quais o grupo todo teve
acesso, veio de que os alunos optaram por asswnir maior responsabili-
dade em relação a si mesmos, a seu trabalho, a suas ações.
Embora· não se espere que mais de uma fração exígua das clas-
ses passe, nesse estágio, por tal tipo de expéiiência intensiva de gru-
po, o efeito produzido sõbre os alunos, nessas classes, poderá ser ra-
zoàvelmente previsto.
O ESTUDANTE
290
que descobre que professôres e administradores são sêres huma-
nos falíveis, a se relacionarem de modos imperfeitos com os alu-
nos;
GRUPOS "VERTICAIS"
291
pus. Deixe-me esboçar um grupo dessa espécie e suas prováveis con-
seqüências.
Convidar-se-iam dois membros do conselho diretor, dois oficiais
administrativos, dois pais, dois professôres, dois alunos dos melho-
res e dois dos mais fracos ou que tenham deixado a escola. Desde
que tal grupo poderia encontrar alguma dificuldade em desenvolver
suas atividades, a reunião se faria em tôrno de certos temas, como:
"As Escolas( tais e tais): O que gosto e o que não gosto nelas e o que
desejaria que elas fôssem".
Quem nunca participou de uma expenencia de grupo pode su-
por que num grupo tão diverso, é impossível às pessoas verdadeira-
mente se comunicar. Entretanto, grupos muito parecidos têm sido
conduzidos, com resultados extremamente compensadores. Quando um
dos diretores do estabelecimento chega ao ponto de poder ouvir o
ódio, o desprêzo de quem se desligou da escola e as razões dêsses
sentimentos negativos; quando o professor descobre qüe tal membro
da diretoria não é um "tiranete" mas um ser humano, dotado de sen-
timentos não raro confusos e inseguros sôbre o papel que tenta de-
sempenllar; quando um aluno dos primeiros da classe aprende que
outros, menos brilhantes, são, às vêzes, mais receptivos do que êle
em matéria de sentimentos; quando um pai verifica que tem, na ver-
dade, que aprender de um adolescente, e vice-versa; quando críticas
e esperanças amplamente divergentes, a respeito da escola, vêm à
tona, na sua integridade, e são examinadas e desafiadas no contexto
emocional em que existem; -quando a confiança mútua se desenvolve
num clima que inclui mútuas diferenças; então, podemos dizer, com
enorme segurança, que pessoa alguma do grupo permanecerá imutada.
Cada uma se terá imbuído de mais amplos conhecimentos de si mes-
ma e dos outros. Cada uma se terá tornado mais flexível. até certo
ponto_ Cada uma terá verificado que se encôntra empenhada em mu-
danças.
Penso não ser preciso acrescentar que tais grupos verticais,
ainda que em número bem pequeno, mudariam, de maneira drástica, o
clima e o ambiente de qualquer sistema educacional. Embora os te-
nhamos descrito em têrmos mais adequados ~ao curso secundário, po-
dem ser utilizados em qualquer nível, desde o jardim da infância
(sim, crianças do jardim também têm sentimentos) até a escola su-
perior. Em qualquer nível, o grupo vertical contém o fermento de
uma revolução no clima educacional.
T ABUA DE TEMPO
292
rias expenencias de grupo se mantenham dentro de um período de
tempo razoàvelmente curto, para que não se dissipe o impacto. :€
impossível ser específico, pois depende muito de saber se estamos li-
dando com um sistema elementar, compreendendo seis escolas, ou
com uma universidade frequentada por dezenas de milhares de alu-
nos ou com uma faculdade ·de milhares. Entretanto, o objetivo será
manter, pelo menos, nove seminários durante o primeiro ano acadê-
mico do programa, com de um a dez grupos de encontro em cada
um dêsses seminários. Assim, o número de pessoas envolvidas na
experiência intensiva de grupo andará, no minimo, pelas centenas,
fração suficiente do total do corpo administrativo, da direção e do
estudantada de modo a que não se percam os resultados.
O TREINAMENTO DE FACILITADORES
293
Como um suplemento ou uma alternativa a êsse seminário, as
;pessoas em treinamento seriam estimuladas a inscrever-se no progra-
ma de estágio interno .ou no seminário para educadores oferecidos
.pelos "National Traíning Laboratories".
Com êsse grau de preparação, cada pessoa treinada pode tra-
·balhar como co-facilitador com um membro-da equipe externa, diri-
gindo grupos no ano seguinte. Quando houver concordância mútua
sôbre a sua competência para lidar com grupos, por sua própria con-
ta, ela assim o fará, ficando um oti mais membros da equipe externa
como consultores.
Dessa maneira se terá lançado a base de uma mudança conti-
nuada e de um fermento a atuar no sistema. Poster1ores experiên-
cias de grupo para membros do corpo docente, para pais, para admi-
nistradores, poderão ser mantidas. Novos grupos verticais se forma-
rão. A êsse tempo, por igual, novos meios de trabalhar, impossíveis
'de se prever agora, se desenvolverão e poderão ser experimentados.
·Assim, quando o grupo profissional original se tiver afastado para
uma função menos ativa, o sistema educacional já terá incorporado,
em seu interior, uma função facilitativa que equivalerá a contínua
·abertura para a inovação, a contínua mudança.
É perfeitamente viável a utilização, por parte de outros siste-
mas, dos serviços dêsses facilitadofes para instaurar üm programa
de mudanças nas suas próprias organizações. Isso fará apenas com
que o processo se difunda mais.
HISCOS E OBJEÇõES
294
destituído de justificaÇão. Outras respostas variaram de muito favo:
ráveis até "a mais significativa experiência da minha vida".
OS ASPECTOS FINANCEIROS
296
mente dotada de imaginação e de v1sao progressista em sua política
interna. Organizações dêsse tipo não são numerosas.
Naturalmente, as exatas quantias necessárias dependerão da di·
mensão do sistema educacional. Daí por que não tentamos, aqui.
estimÇttiva de espécie alguma.
APRECIAÇÃO DA MUDANÇA
UM PROGRAMA DE PESQUISA
OBSERVAÇõES CONCLUSIVAS
299
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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In L. Bradford, J.R. Gibb & K.D. BENNE (Ed.), T-group theory
and laboratory method. New York; Wiley, 1964, p. 15-45.
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tions training for classroom teachers. Studies of human relations
in the teaching-learning process: V. Final report. 1961, Colúmbia:
University of South Carolina, Contract n: 8.143, U.S. Office of
Education.
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faculty relations and educational systems in engineering. Natio-
nal Training Laboratories Human Relations Training News, 1964
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CLARK, J.V. & CULBERT, S.A.- Mutually therapeutic perception and
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Social Issues", 1954, 10 (2), 25~9.
MILES, M.B.- The T-group and the classroom. In L. Bradford, J.R.
Gibb & K.D. ;Benne (Ed.) T.group theory and laboratory method.
New York: Wiley, 1964.
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mental healt counselors. American Journal of Orthopsychiatry,
1963, 33, 678-689.
ROGERS, C.R.- The process of the basic encounter group. In J.F.T.
Bugental (Ed.) The challenges of humanistic psychology. New
York: McGraw-Hill, 1967, p. 261-276.
300
EPÍLOGO
MUDANÇA EDUCACIONAL
AUTO.;.DIRIGIDA EM ACÃO
1 - Oo fundoo que tornaram àooe projeto posofvel foram uma generosa oubvenção da Fundação
Babcock e uma contribuição pessoal de Charleo F. Kettering 11, feltao, ambao, ã equipe que velo
a tornar-oe o Centro de Eotudoo sôbre a peosôa; uma subvenção da Fundação Merrlll e uma doa•
ção de Everett Baggerly feltao à Universidade do Imaculado Coração.
301
ESCOLHA DE UM SISTEMA
302
Quando, passado um mês ou mais, se encontraram para um
segundo fim de semana, professõres seus (dentre os referidos
no parágrafo anterior) se dispunham, então, a reunir-se em gru-
pos compostos de alunos e de membros do corpo docente, mis-
tura, que no comêço, evitaram. Cêdo verificaram que havia
uma comunicação entre gerações. ,
Cento e oitenta professõres, equipes de administradores e
diretores de vinte e duas escolas elementares reuniram-se em
vários grupos pequenos, por diversas vêzes, para tais encontros
de fim de semana, separados, muitas vêzes, por um mês ou
mais. Em cada curso, as pessoas continuavam no mesmo grupo
em que haviam começado.
Membros da equipe do Centro de Estudos sõbre a Pessoa
promoveram, por duas vêzes, encontros com membros do corpo
docente da JJniversidade .. Uma das sessões tratou de inovação
em matéria· de ensino e a outra, do próprio programa do gru-
po de encontro em tõdas as questões e críticas suscitadas a
respeito.
Membros da mesma equipe foram convidados a participar
de uma assembléia com os alunos do Imaculado Coração. Con-
siderável números de professõres da Universidade com-
pareceu também. Os problemas suscitados ajudaram-nos a ve-
rificar que os alunos faziam menos idéia do que seja o projeto
do que os professôres e dísso, naturalmente, resultava certo te-
mor e apreensão por parte dêles. As questões mais dramàtica-
mente carregadas de receio e de críticas vinham daqueles que .
não tinham ~ido a IIJ.enor experiência 4f·gruii4i~ ·.;; ,· ·
- . . . ~ . '
ALGUMAS CRíTICAS
Embora não fõsse apropriado nem sensato discutir eventos sig-
nificativos, verificados nas díversas sessões dos grupos de encontro,
há certo número de reações, criticas e positivas, de que se falará nos
parágrafos seguintes, as quais, positivas ou negativas, servirão, de
algum modo, ao planejamento do Centro de Estudos sôbre .a Pessoa
e da Universidade do Imaculado Coração. Menciona-se, primeiro, as
críticas:
Tem havido crítica a alguns dos facilitadores, sentindo
membros de certos grupos que os seus coordenadores .não eram
tão competentes como deveriam ser e que alguns eram "ntro-
metidos" demais, impondo objetivos ao grupo em vez de per-
mitir que êste se encaminhasse para os seus próprios objetivos.
303
Algumas pessoas deixaram de voltar a um segundo fim
de semana, sentindo ou que a experiência não lhes era útil ou
que ficaram magoados nas sessões do grupo, ou ainda, que não
chegaram a assimilar tudo das experiências do primeiro fim
de semana.
304
Reuniões, ainda, de certos departamentos da Universidade,
desde a realização dos seminários, descreveram-se como mais co-
municativas que antes, com os problemas a virem a lume com
·muito mais franqueza.
RESPOSTA A CONVITES
MUDANÇA AUTO-DIRIGIDA EM
SALAS DE AULA
A comissão conjunta de planejamento tem-se surpreendido com
a verificação de várias mudanças ocorridas na chamada instrução de
sala de aula. Isto pode ser ilustrado com algumas cartas de feedback
que temos recebido. Eis uma, escrita por uma professôra de escola
elementar:
30â
O senhor pergunta o que me aconteceu. . . consegui algo
puro e simples -há algo "nôvo" dentro de mim ... Eu escutei.
E ouço, ouvi, estou ouvindo coisas para que, antes, nunca aten.
tara. . . e gosto disto. Resultado? Ao que sei, tudo ótimo. Tenho
por ouvido meus alunos. Pergunto-lhes se alguma coisa ficou
sem explicação ou não foi entendida- os maiores "malandros",
todos, levantam as mãos. Além disso, tornaram-e mais recepti-
vos. . . Tive o mês mais atarefado, mais estimulante, trabalhoso,
excitante, cheio, ocupado, mas, também, mais feliz, desde que
comecei a lecionar, e isso ainda não terminou.
PLANOS DE PESQUISA
Poder-se-ia imaginar que só temos contado com reações espon-
tâneas, que, o.bviametlte, tendem· a vir das fontes mais ·favoráveis;
eis alguns dos passos que temos dado para obter dados mais empíri-
cos:
Elaboraram-se planos para uma rigorosa investigação em-
pírica dos resultados de alguns grupos, usando-se medidas pré-
e pós-experiência de grupo, quer no sistema do Imaculado Co-
ração quer em alguns sistemas de escola pública que estão an-
siosos para cooperar. l!:sse rigoroso estudo terá de ser levado
a efeito durante o segundo ano do projeto Vários instrumen-
tos foram experimentados sob forma pioneira, durante o primei-
ro ano.
Uma apreciação dos processos de ensino e de administra-
ção da Universidade, das relações docentes-discentes, no mesmo
nível, do estado de espírito de professõres e alunos, assim como
de outras dimensões, foi empreendida por uma experimentada
equipe de educadores de fora e tal apreciação repetir-se-á, a in-
tervalos, ao longo do programa, cuja duração se pretende venha
a ser de dois a três anos. As apreciações não serão conhecidas
pela equipe de pesquisa nem pela Universidade até que se com-
plete o programa.
308
Vários alunos dos cursos de doutoramento das Universi-
dades existentes na mesma área estão planejando executar ou
já executaram investigações de pesquisa sôbre diferentes aspec-
tos do programa, como base para suas teses.
Apesar de ser ainda cedo demais para se ter uma grande quan-
tidade de feedback com participantes dos vários grupos, aqui se en-
contram algumas amostras, provindas dos diferentes membros.
De Adniinistradores
***
Quanto mais penso nisso tanto mais me capacito de quan-
to incrivelmente felizes somos nós, Irmãs, por termos traba·
lhado com o senhor. Se há alguma coisa de que pracisamos hoje,
é dessa bela abertura e receptividade que faz florescer o poten-
cial do jovem (e do velho!)
***
Muito obrigado pelos dias passados no seu grupo, na
Universidade do Imaculado Coração. Achei, depois das reuniões,
que arranquei mais do grupo do que imaginara.
309
Dos Membros do Corpo Docente
310
De Alunos da Universidade
Uma jovem estudante, muito sena, que havia estado numa ses-
são de três horas e meia com sua classe e sua instrutora, escreveu ao
facilitador, alguns meses mais tarde:
311
cadeira, durante alguns dias o campus parecia uma área de cala-
midades - todo mundo estava realmente atormentado. Era co-
mo se houvessem sido cortados aos pedaços e já não pudessem
voltar atrás, de nôvo, juntos. (Para aliviar o leitor, observe-se
que nenhum dano permanente ocorreu a qualquer dos alunos e
que muito de altamente construtivo se realizou) .
Reação muito comum, mas sucintamente expressa, é como a se-
guinte:
Oh gente! Estou cuidando de aprender tanto quanto é hu-
manamente possível. Trata-se de um exercício de paciente aten·
ção. Quero tomar parte nisto.
312
; .. ·Senti verdadeira depressão durante o seminário, mas isto
foi desaparecendo gradualmente poucos dias depois. Sinto que
foi coisa realmente boa para mim.
xXx
Não observei mudança alguma nos métodos de ensino das mi·
nhas aulas, exceto quanto à de religião que é notàvelmente di-
ferente da dos anos anteriores. Discutimos assuntos de interêsse,
livremente. Somos encorajados a perguntar, a desafiar, a dizer
exatamente o que sentimos, sem nos preocuparmos com notas.
xXx
Tudo que posso realmente dizer é que o senhor me deu à opor-
tunidade de aprender como ver, ouvir, amar. Digo-lhe: muito
obrigada.
xXx
Aprendi não apenas a ouvir mas a agir, e a falar claramente o
que sinto.
ALGUMAS APRENDIZAGENS
313
ja e de exercer a função de facilitador, quando esta se apresenta ne..
cessária.
2) Aprendemos que há uma nítida gradação de dificuldades no
iniciar-se o processo dos grupos de encontro. Os administradores ten-
dem a encontrar maior dificuldade em revelar os seus sentimentos,
suas atitudes, suas pessoas; o corpo docente da universidade constitui
uma segunda área de reserva. Pro.fessôres do curso secundário são
mais abertos; professôres e diretores de escolas elementares, que estão
em contato diário com muitas e muitas espécies de sentimentos, ten·
dem a ser mais abertos em relação ao que êles próprios sentem; vêm,
em seguida, os estudantes universitários; depois os secundaristas e,
por fim, os alunos de escolas primárias (tivemos muito pouca oportu-
nidade de entrar em contato com êstes últimos, mas os que pudemos
realizar foram na verdade emocionantes!). Em geral, po.;rtanto/ haveria
base para sustentar-se a hipótese âe que quanto mais prestígio, status
e autoridade inteiectual tem uma pessoa a defender tanto mais difícil
lhe será estabelecer um verdadeiro encontro básico com outras pes-
soas.
314
5) Reaprendemos o fato, que supunhamos conhecer antes, de que
todo aprendizado significativo é, de alguma forma, penoso e envolve
turbuJ.ência, dentro do indivíduo e dentro do sistema. Uma das mais
evidentes indicações disto é que, enquanto algumas das escolas com as
quais trabalhamos foram literalmente transformadas, em outras
aprendemos que havíamps tido. uma influência separatista - dividin-
do os membros (da administração e do corpo docente) entre os que
sãd a favor de uma comunicação mais aberta, de mudança mais inova-
dora e de melhor utilização dos sentimentos no contato entre mestres
e alunos e, de outro lado, os que vêem todos êsses elementos a influi-
rem de modo perturbador ou mesmo destrutivo, na vida da escola.
Qualquer QUe seja a extensão do efeito de tal divisão, não há dúvida
de que em nada ela ajuda ao administrador, de um estrito ponto de
vista.
31:'>
a mutabilidade que introduzimos num sistema educacional? Já não po-
demos mais dizer que a mutabilidade decorre apenas do grupo de en-
contro, mas, corno ficou antes indicado, há outras variáveis muito
mais amplas. Corno mediremos os resultados? Teria algum significado
saber que o moral do corpo docente de urna escola subiu ou desceu,
ou que urna certa percentagem de professôres tentou medidas de re.
novação nas suas salas de aula. Isso, porém, definitivamente, não é o
bastante. Como poderemos medir o .fato de que o .professor agora se
dirige aos alunos, corno urna pessoa, ou se relaciona com a direção,
corno urna pessoa? Por causa de problemas dessa espécie, verificamos
estar no encalço de urna nova ciência da pessoa que só obscuramente
podemos entrever. Essa a razão por que nos apoiamos cada vez mais
sôbre dados fenomenológicos, quando tentamos entrar no âmago da
experiência do indivíduo, a fim de calcula o impacto que êste ou esta
sofreu segundo os muitos e diferentes aspectos do projeto. Alguns
zombarão dêsses dados que não passariam de "auto-referências". Ou-
tros, porém, começarão a reconhecer que tais auto-referências, colhi•
das no decorrer de .extensos períodos de tempo, podem vir a ser. a
melhor das evidências "objetivas". De. qualquer maneira, nosso .proje,
to suscitou-nos muitos problemas de profundidade em relação ao. sig-
nificado do têrrno "ciência", quando aplicado à ciência do homem, e
quando .tentamos estudar as .variáveis incrivelmente complexas que
entraram num .sistema humano. Chegamos quase. ao ponto de desejar
antes. a ,''s~bedoria" que a "ciência".
ONDE ESTAMOS?
. Confio em · que, . dos variados e ocasionalmente conflitantes re.:
latórios que nos vieram às mãos, se evidenciará que estamos. menos
que a meio caminho d_o mais emocionante projeto que envolve cent&
nas de ad,ultos e milhares de jovens estudantes. Não temos respostas
definitivas. Até mesmo a equipe dirigente do projeto está no meio: dÓ
mais intenso processo cte aprendizagem a que já foi alguma vez suhme'-
tida. Por. essa razão, êste capítulo terminará sem uma conclusão. pÜr~
. '
e simples.
OCOMÊÇO
A i:nirn me parece muito apropriado que êste livro chegue ao séu
final com um início, um comêço. Na tentativa de ajudar um sistémà
educacional a transformar-se, no sentido de tornar-se mais livre, mais
c:omunicativo, com mais auto-confiança e auto-dirigida participação
tanto de alunos quanto de professôres, estamos empenhados num pro-
cesso, cujo resultado não podemos claramente predizer. Terá êxito?
316
Fracassará? Mesmo estas perguntas são destituídas de significado, a
menos que os seus termos se definam e os indivíduos, membros do
sistema, terão que provar suas próprias definições. Assim, o máximo
que podemos dizer é que foi inaugurado um processo significativo.
Não nos iludimos, supondo que o programa elidirá problemas -
apenas substitui os problemas de uma organização estática pelos de
uma organização orientada por um processo. Muitos dos eventos ini-
ciais dão-nos motivo para esperar que estejamos afetando o clima hu-
mano e, talvez, os métodos de um sistema educacional que já experi-
mentava certa fermentação. Parecerá razoável esperar, assim, que essa
mudança no clima psicológico haverá de proporcionar à alunos, a
mestres, à administradores, uma maior liberdade para aprender.
317
BIBLIOGRAFIA
Por Alice Ellíott
319
Sou muito grato a Alice Elliott por haver preparado es-
ta bibliografia, estímulo ao leitor para ir mais longe em
suas investigações.
A senhorita Elliott l'eciona no curso secundário e é tam-
bém professôra de professôres em curso de doutora-
]]1_ento em comunicação. Está, portanto, bem apare-
lhàda para oferecer sugestões ao nível da educação
tanto "popular" quanto magisterial. É uma das pessoas
mais amplamente lidas que eu conheço e, na verdade,
por suas leituras, "fêz amigos" entre os grand,es espíri-
tos de nossa época. Não é apenas uma "letrada" no sen-
tido pedante da expressão, mais alguém que considerou,
e
digeriu pensou, profundamente~ muitos dos pontos de
vista contraditórios em matéria de ensino, de filosofia
da educação e dos conceitos modernos de ciência.
Por essas razões, c11eio qu'e ,a seleção feita por ela -
dentre centenas de volumes - de leituras a/t.amente
relevantes, dará a educadores e a leigos a oportunida-
de de buscar seus interêsses além dos limites dêste
livro.
320
Um livro chega a seu fim, não, porém, o interêsse de uma pes-
soa pelo tema tratado. A presente relação de leituras foi planejada
para dar assistência aos que querem ir mais longe no estudo sôbre
o modo .. de criar ambientes educacionais, sôbre a análise prática do
sistema de ensino norte-americano e sôbre a filosofia da mudança e
das maneiras de mudar nossas próprias atitudes.
Esta Bibliografia foi compilada de modo a incluir livros de vários
graus de dificuldade conceitual. Tanto os leigos quanto os educado-
res de todos os níveis de instrução encontrarão, aqui, algo de interês-
se. As diversas áreas incluem ciência, filosofia, religião, valôres, auto-
conhecimento, liberdade de ensinar e de aprender, assim como suges-
tões revolucionárias de futuro planejamento.
A recente proliferação de livros que tratam de problemas de
escolas urbanas e de grupo minoritários, toma aconselhável que o
leitôr interessado escolha o seu.
321
DOLL, Ronald C. and FLEMING, Robert S. - Children under Pres-
sure. Columbus, Ohio: Charles E. Merrill Publishing Company,
1966. Todos os que amam as crianças encontrarão matéria para
pensar, neste livro. As conseqüências médicas e psicológicas da
erudição imposta pela fôrça são bem formuladas.
FARBER, Seymour M., R.H.L. Wilson, eds. - Creativity and Con-
flict: Control of the Mind, Part II. New York: McGraw-Hill Book
Company, 1963. Discussão interdisciplinar das fôrças que, no
mundo de hoje, atuam sôbre o espírito. Vinte e oito colaborado·
res, oriundos dos campos da Medicina, da Psicologia, da Filoso-
fia, da Religião e das Ciências Sociais, dissertam sôbre liberdade
e expressão criadora - coerção e contrôle do homem.
FRIEDENBERG, Edgar Z. - The Vanishing Adolescent. Boston
Mass. Beacon Press, 1964. A adolescência e suas pressões podem
ser devastadoras. O autor, observador arguto, vê essas jovens
criaturas como vítimas de pressões sociais hostis que muitas
vêzes as incitam a um comportamento também hostil. Escrito
com sagacidade e compreensão.
FRIEDMAN, Maurice- Problematic Rebel. New York: Random Hou-
se, Inc., 1963. Apresenta uma imagem do homem moderno atra·
vés do estudo intensivo de três escritores, Melville, Dostoievsky e
Kafka, além das novelas de Albert Camus. O capítulo The Proble·
matic Rebd and The Modern Job é um excelente sumário.
GOODMAN, PAUL- Compulsory Mis-Education and the Community
of Scholars. New York: Random House Inc. (Vintage Books),
1966. Sensível para com crianças e adolescentes, o autor acha
que uma longa aprendizagem é não apenas desnecessária e inefi·
caz - mas prejudicial e que as escolas entram em acôrdo com
os males sociais atendendo a falsos valôres. Nesta crítica à es·
trutura do sistema universitário dos EE. UU., o autor de Growmg
Up Absurd advoga uma secessão por parte dos professôres e no·
. vo estabelecimento dos locais de estudo em que êles possam en·
sinar e aprender como se faziw nas universidades medievais, sem
contrôle administrativo-burocrático.
GOULET, Richard R., ed. - Eduoation Change: The Reality and the
Promise. New York: Citation Press, 1968. Os professôres empenha-
dos em mudança criativa, na educação, sabem que é necessário
partilhar idéias. O relatório dêsse Seminário sôbre Inovações é
um compartilhar das muitas idéias discutidas.
GREENE, Maxine, ed. - Existential Encounters for Teachers. New
York: Random House, Inc., 1967. Excelente ajuda a professôres
interessados em compreender as idéias dos grandes pensadores exís·
tenciais. Apresentam-se várias seleções com os comentários de
cada uma pelo autor.
322
HUTCHINS, Robert M. - The Learning Society. New York: Frede-
rick A. Praeger Inc. 1968. Exprime a esperança de que a educa-
ção seja considerada como um "investimento sôbre o homem" e
que daí resulte uma sociedade mais humana. O autor, largamen-
te conhecido como um dos campeões das artes liberais, sente que
as influências culturais, além da educação, terão amplo efeito nas
próximas décadas.
JENCKS, Christopher and David RIESMAN - The Academic Revolu-
tion. New York: Doubleday & Company, Inc. Lúcida discussão da
crise de inflexibilidade de exigências, treinamento e atitudes, nos
cursos de pós-graduação dos EE. UU., assim como da necessida-
de de um pensamento revolucionário por parte dos principais for-
madores da cultura norte-americana.
KEATS, John - Schools Without Scholars. Cambridge, Mass. The
Riverside Press, 1958. O "relatório" de um leigo sôbre ensino pú-
blico. Eficaz e devastadora crítica escrita com humor. Será útil
aos eruditos e aos leigos interessados no desenvolvimento da
educação.
KEPPEL, Francis- The Necessary Revolution in American Education.
New York: Harper & Row, Publishers, 1966. Educadores inte-
ressados e especialmente leigos podem encontrar, aqui, a focaliza.
ção das preocupações nacionais sôbre o ensino norte-americano.
Êste livro mostra quanto a nação deve comprometer-se em face
da crucial necessidade de atribuir-se um papel à educação na trans-
formação da sociedade.
LEONARD, George B. - Education and Ecstasy. New York: The De.
lacorte Press, 1968. Criador, apaixonado e suscitador de idéias,
êste livro foi escrito para os que vêem a necessidade de um pen-
samento revolucionário sôbre as escolas norte-americanas e o seu
currículo.. Uma visão da escola potencial de amanhã em que o
enleio da aprendizagem seria objeto de prazer.
NEILL, Alexander S. - Freedom Not License. New York: Hart Pu-
blishing Co., Inc., 1966 - Dirigindo-se, principalmente, aos pais,
o diretor inglês da controvertida escola de Summerhill acentua a
necessidade de certo equilíbrio no relacionamento filhos-pais.
Dão-se novos significados às palavras "amor, aprovação ,liberda-
de, fôrça".
NEILL, Alexander S. - Summerhill. New York: Hart Publishing Co.,
Inc. 1960. Com o subtítulo A Radical Approach to Child-Rearing,
êste livro, advoga, num estilo vivaz e persuasivo, extrema permis-
sividade e descreve o internato inglês, fundado em 1921.
ROSZAK, Theodore, ed .• The Df.ssenting Academy. New York: Random
House, Inc., 1967. Eruditos e mestres opinam sôbre o que há de
errado no ensino superior. Menção da excessiva interferência mi-
litar no currículo, por via do govêrno da União e do poder econô-
mico.
323
SKINNER, B. F. - Walden Two. New York: The Macmillan Com-
pany, 1948. Utopia modêlo em que os sêres humanos são condi-
cionados para procederem de modo pré-estabelecido. O sonho de
um behaviorista.
TAYLOR, Harold, ed - The Humanities in the Schools. New York:
Citation Press, 1968. Investigação de eminentes especialistas em
Educação, Teoria de Conhecimento, Música e Literatura para a
incorporação das humanidades ao currículo.
WHITEHEAD, Alfred North - The Aims of Education. New York:
Mentor Books, 1964. As idéias dêste grande filósofo sôbre
educação e a necessidade de compreender a interdependência en-
tre várias disciplinas, e sua insistência sôbre abertura de espírito,
assim como sua desconfiança quanto aos sistemas fechados, num
mundo iLmitável, têm grande significação para os nossos dias.
WIENER, Norbert - The Human Use of Human Beings. Cybernetics
and Society. Garden City, N.Y.: Doubleday & Company, Inc.
(Anchor Books), 1954. A Cibernética teve profunda repercussão
na ciência. Neste livro, um grande cientista, pai de pensamento
cibernético, mostra a assinalada influência dêste sôbre nossas teo-
rias do homem.
324
cologia contemporânea. Uma visão do homem como um sistema
aberto, capaz de um comportamento singular, imprevisível, embo·
ra responsável pelo que decorre das suas opções.
BERNE, Eric- Games People Play. New York: Grove Press, Inc 1964.
As pessoas jogam e brincam por enorme variedade de razões;
para ajudar-nos a compreendê-las, o autor analisa 36 jogos. Tor-
nar-se consciente dêstes esclarece a quem procura entrar na per-
cepção de certos comportamentos - seus próprios e os dos outros.
BUGENTAL, James F,- The Search for Autbentici/Cy. New York: Holt,
Rinehart and Winston, 1965. Na busca pelo homem de "si mes-
mo", a autenticidade se torna um imperativo. l!:ste livro de um
psicoterapeuta liga-se ao movimento, sempre em ascensão, por
uma Psicologia humanística.
BUBER, Martin- The Knowledge of 1\'lan. New York: Harper & Row,
Publishers, 1965 - Traduzido por Maurice Friedman e Ronald Gre-
gor Smith. Com um ensaio introdutório de Maurice Friedman
Para os que querem entender Martin Buber e o diálogo. Em apên-
r:lice, um diálogo (de 1957) entre Martin Buber e Carl Rogers.
FINGAR.ETI'E, Herbert- The Self in Transformation. New York: Ba-
sic Books Inc., Publishers, 1963. Todos os que se interessam pe-
lo correlacionamento dos conceitos psicológicos, espirituais e mo-
rais do homem, darão valor a esta abordagem existencial.
FLETCHER, J. H. - Situation Ethics. Philadelphia, Pa.: The West-
minster Press, 1966. Moderna e controvertida visão de uma mo-
ralidade relativística baseada no agape.
FRANKL, Victor E. - Man's Search of Meaning. New York:
Washington Square Press, 1963. Traduzido por Ilse Lasche. Pu·
blicado orginàriamente sob o título de From Death Camp to Exis-
tentialism. O Dr. Frankl de~creve a vida num campo de concen-
tração e o efeito sôbre êle, e seu subseqüente desenvolvimento
da Logo terapia.
GARDNER, John W. - Self-Renewal. New York: Harper & Row, Pu-
blishers, 1964. Mostra a premente necessidade de nos renovar-
mos e à sociedade através de uma visão participada de existir algo
digno de salvar-se. Isto pode ser feito por uma sociedade ino-
vadora.
MASLOW, Abraham H.,- Toward a Psychology of Being. New York:
D. Van Nostrand Co., Inc., 1962. Um psicólogo humanista con-
sidera as ciências do comportamento.
MATSON, Floyd W., ed. - Being Becoming and Behavior. New York:
George Braziller Inc., 1967. Os principais temas e problemas da
Psicologia, desde Sócrates, os quais criaram para o homem a di·
cotômica cultural da ciência e das humanidades. Excelente visão
de conjunto da finalidade da Psicologia e das debatidas questões
de nossos dias .
MAY, Rollo, ed. - Existence. New York: Basic Books, Inc., Pu
325
blishers, 1958. Excelente expos1çao do existencialismo. Discutem-
se, também, a análise existencial e a fenomenologia psiquiátrica.
Incluídos estudos de vários casos.
MORRIS, Charles - Varieties of Human Value. Chicago. Ill.: Univer-
sity o f Chicago Press, 1956. Investigação cultural minuciosa sôbre
a avaliação de uma vida humana agradável. Os valôres humanos
considerados num período de dez anos. A descoberta, pelo autor,
de cinco dimensões de valor comum, em seis culturas diferentes
é reveladora. Metódica abordagem analítica.
MOUSTAKAS, Clark- Indiv. .tluality and Encounter. Cambridge, Mass:
Howard A. Doyle Publishing Co., 1968. Investigação sôbre a vida
individual, os problemas de identidade, solidão, espontaneidade,
abertura e amor. Participação pessoal, sensível, do autor.
MURPHY, Gardner - Hwnan Potentialities. New. York: Basic Books,
Inc., Publishers, 1958. Excelente exposição do que o autor chama
os três tipos de natureza humana. "Eras Criativas", a "Ânsia da
descoberta" e as "Naturezas Humanas do Futuro" interessarão aos
que se preocupam com a realização das potencialidades humanas.
ROGERS, Carl R. - On Becoming a Personl. Boston, Mass: Houghton
Mifflin Company, 1961. Um grande humanista faz-nos partilhar da
sua experiência pessoal como homem, pai, marido e como um
psicoterapeuta, nos têrmos do que êle considera de relevância pa-
ra uma vida pessoal, num mundo cheio de perplexidade.
SOROKIM, Pitirim A. - Ways and Power of Love. Boston. Mass: Bea-
con Press, 1954. Uma análise da transformação moral, uma inves-
tigação dos problemas da humanidade, com a conclusão de que
o altruísmo criador é a resposta - obra do sociólogo fundador
do Centro de Pesquisa de Harvard sôbre o Altrmsmo Criador.
STOOPS, John - Religious Values b. Education. Danville, III: The
Interstate Printers & Publishers, Inc.,. 1967. única no estilo e na
estrutura, esta análise dos valôres religiosos na educação, embo-
ra um tanto controversível, é rica de idéias. Livro para educa-
dores interessados nos valôres morais e espirituals e em sua co-
locação em matéria de ensino.
TEILHARD DE CHARDIN, Pierre- The Phcnomenon of Man, trad. de
Bernard Wall. New York: Harper & Row, Publishers, 1959. Idéias
sôbre a evolução e o desenvolvimento da conscientização, escri-
tas pelo arqueólogo jesuíta de mentalidade filosófica. Publicação
post-mortem.
TILLICH, Paul - The Courage to Be. New Haven, Conn: Yale Uni-
versity Press, 1952. Um teólogo e filósofo apresenta, com lucidez,
conceitos difíceis sôbre a coragem e a libertação da ansiedade.
l. N.da Ed.: Versão portuguêsa de Morais Eds.: Tornar-se Pessoa, Lisboa, 1970.
326
TOURNIER, Paul - The Meaning of Persons. New York: Harper &
Row, Publishers, 1957. O autor parte da sua longa experiência co-
mo médico e psicólogo para acentuar o valor dos relacionamentos
interpessoais, tratando de temas como êstes: Quem sou eu? O Ser
Contraditório, Psicologia e Espírito, Diálogo e Compromisso.
WATI'S, Alan W - The Book. New York: The Macmillan Company
(Collier Books), 1967. O autor sugere que existe um tabu contra
o nosso conhecimento do que somos. Um combate à alienação,
com sugestões para resolver nossos problemas sôbre a identi-
dade. própria.
WEINBERG, Harry L. - Leveis of Knowing and Existence. New York:
Harper & Row, Publishers, 1959. Tentativa de mostrar que malen-
tendidos ocorrem por causa de certos padrões de má avaliação.
Diálogo e encontro implicam comunicação. A avaliação de nós
mesmos como comunicadores e os processos de comunicação são
bem expostos, aqui.
327
expostas nêste livro têm ser1as implicações. O papel da
ciência e sua elevada posição em nossa sociedade exigem um sadio
ceticismo. Um livro que faz pensar.
COULSON, William R. and ROGERS Carl R.- Man and the Science
oi' Man. Columbus, Ohio: Charles E. Merril Publishing Company,
1968. O primeiro de uma série de livros fundamentais sôbre ciên-
cias humanas. Relata conferência realizada no "Western Behavio-
ral Sciences Institute" para determinar a direção a que nos leva-
ram e nos estão levando nossas ciências.
FARSON, Richard E., ed.,- Science and Human Affairs. Palo Alto,
Calif: Science & Behavior Books, Inc., 1966. Conferências promo-
vidas pelo "Western Behavioral Sciences Institute" cobrem gran-
de parte do livro que trata também dos valôres humanísticos.
KAPLAN, Abraham - Conduct of Inquiry. San Francisco, Calif.: Chan·
dler Publishing Co., 1964. Livro indispensável para cientistas do
comportamento. Os principais problemas e as preocupações co-
muns de todos os cientistas sociais são acentuados clara, simples
e concisamente.
KOESTLER, Arthur - The Ghost in the Machine. New York: The Mac-
millan Company, 1968. Embora a maior parte do livro trate da
evolução do homem e do seu ímpeto de auto-destruição, Koestler
se mostra bem consciente da criatividade do homem. Sente que a
via de acesso científica ao homem, através do método behavioris·
ta e do que êle chama de "Ratomorfismo" só pode agravar a em
baraçosa situação do homem moderno. Erudita condenação de
certas escolas de pensamento behavioristas.
MEDAWAR, Peter Brian - The Future of Man. New York: Basic
Books, Inc. , Publishers, 1959. Conferências do vencedor do Prê-
mio Nobel, na BBC, que sintetizam, com perícia, a Genética, a
Demografia e a Sociologia, acentuando a urgente necessidade de
uma via de acesso ético-biológico ao homem que não se precipite
em irrefletidas conclusões "científicas".
POLANYI Michael- Personal Knowledge. New York: Harper & Row,
Publishers, 1964. Uma nova visão humanística da ciência apre-
sentada de um modo erudito. Exposição da arte de conhecer, de
ser e de comprometer-se para atingir um conhecimento pessoal;
rejeição do ideal de neutralidade científica.
STANDEN, Anthony - Science Is a Sacred Cow. New York: E. P.
Dutton & Co., Inc., 1950. O desmascaramento da ciência por um
cientista. Obra informativa altamente divertida e espirituosa.
WHITE, Lynn R., ed - Frontiers of Knowledge in the Study of l\'Ian.
New York: Harper & Row, Publishers, 1956. Em linguagem não-
técnica, o editor reune grandes escritores para discutir os novos
métodos de pesquisa e as novas visões, dedicando o livro aos que
estão interessados na natureza humana e na auto-compreensão.
328
Exposição de uma nova espeCie de humanismo.
WHITEHEAD, Alfred North - Science and the Modern World. New
York: The Macmillan Company, 1948. Uma história da cultura
ocidental, nos três últimos séculos, e as maneiras pelas quais foi
influenciada pela ciência. O último capítulo menciona alguns re·
quisitos do progresso social.
WHYTE, Lancelot Law - The Next Development in Man. New York:
Mentor Books, 1962. A permanência evidencia-se existir. A mu-
dança não é arbitrária. Uma continuidade na seqüência da mu-
dança é evidente. Chama-se "processo" e implica em tornar-se.
O homem participa do processo e torna-se o próximo desenvol-
vimento.
YOUNG, J. Z. - Doubt and Certainty in Science. New York: Oxford
University Pre[S, Inc., 1950. Um estudo da sociedade humana vis-
ta pelos olhos de um biólogo. Um homem instruido apresenta ao
leigo seus pontos de vista, acentuando as dificuldades de comuni-
cação envolvidos no trabalho que visa à Únificação da ciência e
seus efeitos no futuro do homem e da sociedade_
329
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av. do contôrno, 2037 - fone : 22-2568 - belo horizonte • minas gerais