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CDU 159.9
e Colaboradores
PSICODIAGNÓSTICO-V
5a edição revisada e ampliada
3a Reimpressão
Versão impressa
desta obra: 2003
2007
© Artmed Editora S.A., 2000
Capa:
Joaquim da Fonseca
Preparação de originais:
Renato Deitos
Supervisão editorial:
Letícia Bispo
Editoração eletrônica:
AGE – Assessoria Gráfica e Editorial Ltda.
SÃO PAULO
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Colaboradores
Aidyl L.M. de Queiroz Pérez-Ramos – Doutora em Psi- Neuropsicologia do PROTER do Instituto de Psiquiatria
cologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de do Hospital das Clínicas – FMUSP.
São Paulo, com Especialização e Pós-Doutorado nos
Estados Unidos e na França. Professora Titular do Pro- Cícero Emidio Vaz – Psicólogo. Doutor em Psicologia e
grama de Pós-Graduação em Psicologia da Universida- Livre-Docente em Técnicas Psicológicas da Faculdade
de de São Paulo e Docente do Programa de Pós-Gra- de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio
duação da Universidade La Laguna, Espanha. Perito de Grande do Sul, com Pós-Doutorado na Universidade da
diversos programas nacionais e internacionais (ONU, OEA Califórnia, em Berkeley, Estados Unidos. Professor Titu-
e UNESCO), na área de Educação Especial. Titular da Ca- lar de Técnicas Projetivas dos Cursos de Graduação e
deira Paula Souza, no 30, da Academia Paulista de Psico- Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia da Pontifí-
logia e Active Member da New York Academy of Science. cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
André Jacquemin – Doutor e Livre-Docente em Psi- Claudio Simon Hutz – Ph.D em Psicologia pela Univer-
cologia pela Universidade de São Paulo. Professor Ti- sidade de Iowa, Estados Unidos. Professor Titular do
tular Aposentado da Faculdade de Filosofia e Letras Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio
da Universidade de São Paulo. Ex-coordenador do Cur- Grande do Sul. Coordenador do Curso de Psicologia
so de Psicologia da Universidade de Ribeirão Preto, Clínica da UFRGS.
São Paulo.
Denise Ruschel Bandeira – Doutora em Psicologia pela
Anna Elisa de Villemor Amaral – Psicóloga. Doutora Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora
em Distúrbios da Comunicação pela Escola Paulista de Adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade Fe-
Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Profes- deral do Rio Grande do Sul. Chefe do Departamento
sora no Curso de Graduação em Psicologia da Pontifí- de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade
cia Universidade Católica de São Paulo. Professora nos da UFRGS. Coordenadora do Curso de Especialização em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia Avaliação Psicológica do Instituto de Psicologia da UFRGS.
da Universidade São Francisco, de Itatiba, SP. Membro
da Comissão de Coordenação do Mestrado em Avalia- Elizabeth do Nascimento – Mestre em Psicologia So-
ção na Universidade de Itatiba, SP. cial pela Universidade Federal de Minas Gerais. Douto-
ra em Psicologia pela Universidade de Brasília. Profes-
Blanca Guevara Werlang – Mestre em Psicologia So- sora Assistente do Departamento de Psicologia da Uni-
cial e da Personalidade pela Pontifícia Universidade Ca- versidade Federal de Minas Gerais.
tólica do Rio Grande do Sul. Doutora do Curso de Pós-
Graduação em Ciências Médicas, área de Saúde Men- Irani I. L. Argimon – Mestre em Educação pela Pontifí-
tal, da Universidade Estadual de Campinas cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Douto-
(UNICAMP). Professora dos Cursos de Graduação e ra em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade
Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia da Ponti- Católica do Rio Grande do Sul. Professora no Curso de
fícia Universidade Católica do Rio Grande Sul. Graduação em Psicologia na Pontifícia Universidade Ca-
tólica do Rio Grande do Sul. Supervisora de Psicologia
Candida H. Pires de Camargo – Psicóloga. Coordena- Hospitalar no Hospital São Lucas da PUCRS. Superviso-
dora e Supervisora do Programa de Especialização e ra de Psicologia Clínica na Unidade de Dependência Quí-
Aprimoramento de Psicologia e Neuropsicologia do Ins- mica no Hospital Mãe de Deus, Porto Alegre.
tituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Coorde-
nadora do Serviço de Psicologia do Instituto de Psiquia- Jandyra M.G. Fachel – Ph.D em Estatística pela Uni-
tria do Hospital das Clínicas – FMUSP. Supervisora de versidade de Londres. Mestre em Estatística pela Uni-
versidade de São Paulo. Professora Titular do Departa- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Profes-
mento de Estatística da Universidade Federal do Rio sora do curso de Rorschach da Sociedade Brasileira de
Grande do Sul. Professora do Curso de Pós-Graduação Rorschach (SBRo), São Paulo.
em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul. Silvio A. Erné – Médico Especialista em Psiquiatria pela
Associação Brasileira de Psiquiatria (filiada à Associa-
Leila S.L.P. Cury Tardivo – Doutora em Psicologia Clíni- ção Médica Brasileira). Especialista em Psiquiatria Fo-
ca pela Universidade de São Paulo. Professora de Cur- rense pela Associação Médica Brasileira. Médico de Pe-
sos de Graduação e Pós-Graduação do Instituto de Psi- rícia e Análise do Estado do Rio Grande do Sul – Secre-
cologia da Universidade de São Paulo. Orientadora do taria da Justiça e Segurança Pública, à disposição da
Programa de Mestrado do Instituto de Psicologia da Assembléia Legislativa do Estado. Médico Perito do
Universidade de São Paulo. Poder Executivo Federal – Ministério da Saúde – Funda-
ção Nacional de Saúde do RS. Consultor Técnico-Fo-
Marcelo Tavares – Doutor em Psicologia Clínica pela rense do Hospital Moinhos de Vento na Área de Geren-
United States International University. Professor do ciamento de Risco.
Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psi-
cologia da Universidade de Brasília. Coordenador do Sonia Rovinski – Mestre em Psicologia Social e da Per-
Laboratório de Psicoterapia e Psicodiagnóstico da Uni- sonalidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
versidade de Brasília. Grande do Sul. Doutoranda em Psicologia Clínica e da
Saúde pela Universidade de Santiago de Compostela,
Maria da Graça B. Raymundo – Mestre em Psicologia Espanha, em convênio com a Universidade Luterana do
Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Brasil. Psicóloga Judiciária do Tribunal de Justiça do
Grande do Sul. Professora Titular dos Cursos de Gra- Estado do Rio Grande do Sul.
dução e Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade
de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Suzi Camey – Mestre em Matemática pela Universida-
Rio Grande Sul. de Federal do Rio Grande do Sul. Doutoranda em Esta-
tística pela Universidade de São Paulo. Professora do
Margareth da Silva Oliveira – Psicóloga. Mestre em Departamento de Estatística da Universidade Federal
Psicologia Clínica pela Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
do Rio Grande do Sul. Doutora da Universidade Federal
de São Paulo (Escola Paulista de Medicina). Professora Vera L.M. Figueiredo – Mestre em Psicologia Social e
dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Pontifí- da Personalidade pela Pontifícia Universidade Católica
cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. do Rio Grande do Sul. Doutora do Curso de Psicologia
da Universidade de Brasília (DF). Professora do Curso
Neli Klix Freitas – Psicóloga. Doutora em Psicologia pela de Graduação e Pós-Graduação da Escola de Psicologia
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. da Universidade Católica de Pelotas (RS).
Regina Sonia Gattas F. do Nascimento – Doutora em Walter Trinca – Doutor em Ciências, Livre-Docente e
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São ex-Professor Titular do Instituto de Psicologia da Uni-
Paulo, com formação em psicanálise. Professora no versidade de São Paulo, onde coordenou o programa de
Curso de Graduação em Psicologia da Pontifícia Uni- Pós-Graduação em Psicologia Clínica. Psicanalista e mem-
versidade Católica de São Paulo. Coordenadora do La- bro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
boratório de Estudos em Psicodiagnóstico (LEPSI) da Paulo e da International Psychoanalytical Association.
PSICODIAGNÓSTICO – V XI
Sumário
PARTE I
PSICODIAGNÓSTICO
3 O problema .............................................................................................................................. 32
Jurema Alcides Cunha
PARTE II
AVALIAÇÃO, MÉTODOS E TÉCNICAS
14 Avaliação psicométrica: a qualidade das medidas e o entendimento dos dados ........ 158
Jandyra M.G. Fachel, Suzi Camey
PARTE III
MANEJO CLÍNICO DE TÉCNICAS
PSICODIAGNÓSTICO – V XV
38 WAIS-III ................................................................................................................................... 615
Elizabeth do Nascimento
Estratégias de avaliação:
perspectivas em psicologia clínica
Jurema Alcides Cunha
1
A s sementes da avaliação psicológica, que
hoje constitui uma das funções do psicó-
logo, foram lançadas numa fase que abrangeu
damentalmente influenciada, durante o sécu-
lo XX, pelas principais correntes de pensamen-
to que salientaram, cada uma, a primazia do
o fim do século XIX e o início do século XX, comportamento, do afeto e da cognição, na
época que marcou a inauguração do uso dos organização e no funcionamento do psiquis-
testes psicológicos. Historicamente, portanto, mo humano.
justifica-se a imagem que o leigo formou do Na primeira metade do século XX, predo-
psicólogo, como um profissional que usa tes- minaram “conceituações comportamentais e
tes, já que principalmente testólogo é o que psicanalíticas”, enquanto a segunda metade foi
ele foi, na primeira metade do século XX (Gro- assinalada pela chamada “revolução cogniti-
th-Marnat, 1999). Atualmente, o psicólogo uti- va” (Mahoney, 1993, p.8).
liza estratégias de avaliação psicológica, com A tais linhas de pensamento corresponde-
objetivos bem definidos, para encontrar res- ram, originariamente, estratégias de avaliação
postas a questões propostas com vistas à solu- específicas, isto é, métodos e instrumentos tí-
ção de problemas. A testagem pode ser um picos. Mas, já nas últimas décadas, foi toman-
passo importante do processo, mas constitui do corpo uma tendência para a integração, que
apenas um dos recursos de avaliação possíveis. já vinha se esboçando há algum tempo. Desse
Psicodiagnóstico é uma avaliação psicológica, modo, a estratégia da avaliação comportamen-
feita com propósitos clínicos; portanto, não tal foi abdicando da simples identificação de
abarca todos os modelos de avaliação psicoló- comportamentos-alvo, perfeitamente distin-
gica de diferenças individuais (Cunha et alii, guíveis e observáveis, mas numa abordagem
1993; Cunha, 1996). muito idiossincrásica, para começar a incorpo-
Estratégias de avaliação psicológica, como rar modalidades cognitivas e, mesmo, afetivas,
expressão cada vez mais utilizada na literatura apesar das fortes objeções iniciais. Por outro
específica, aplicam-se a uma variedade de abor- lado, até psicólogos da mais tradicional orien-
dagens e recursos à disposição do psicólogo tação dinâmica têm, muitas vezes, recorrido a
no processo de avaliação. estratégias de outra orientação conceitual,
Em primeiro lugar, estratégia de avaliação devido a razões práticas ou científicas, neste
pode-se referir ao enfoque teórico adotado caso, por vezes, pressionados por membros da
pelo psicólogo. A avaliação psicológica foi fun- comunidade acadêmica para serem mais efi-
PSICODIAGNÓSTICO – V 19
cientes, com menos tempo e custo. Também, Goldstein e Hersen (1990) apresentam a en-
profissionais com referencial cognitivo passa- trevista como um exemplo característico desse
ram a lançar mão de técnicas projetivas para tipo de movimento. Historicamente, como o
entendimento de motivações pessoais e de método mais antigo, individualizado e, portan-
outros aspectos idiossincrásicos (Piotrowski & to, não-estruturado, utilizado por psicólogos,
Keller, 1984) e igualmente incorporaram avan- psiquiatras e por seus predecessores, foi con-
ços do campo da neurociência (Mahoney, 1993). siderado não-fidedigno, já em 1967, por Zu-
Tal tendência a mesclar estratégias de dife- bin, ao analisar a concordância entre avaliado-
rentes abordagens teóricas pode ser conside- res em entrevistas psiquiátricas. Não obstan-
rada positiva como um recurso científico de nos te, sob a influência de tendências científicas,
aproximarmos de nosso objeto de estudo, para que incentivavam o uso de critérios mais obje-
explicar aspectos clinicamente relevantes. Po- tivos, a entrevista voltou a ganhar seu status
rém, como salienta Gabbard (1998), “para al- na psiquiatria, num formato estruturado, com
guns clínicos, o desvio de uma perspectiva te- propriedades psicométricas bem estabelecidas
órica para outra, dependendo das necessida- e refletindo avanços recentes.
des do paciente, pode ser embaraçoso e difícil Assim, no momento em que a ciência e o
de manejar”, e, a propósito, lembra que Wal- mercado tornaram acessíveis vários tipos de en-
lerstein, em 1988, “assinalou que é possível trevistas estruturadas, no campo da psiquia-
para os clínicos prestarem atenção ao fenôme- tria, tal estratégia pareceu sobrepor-se, quan-
no clínico descrito através de cada perspectiva to à sua utilidade, em relação a qualquer mé-
teórica, sem adotar o modelo metapsicológico todo da psicologia, objetivo ou projetivo. As
completo”. Ainda comenta que Cooper, em considerações levantadas, em princípio, foram
1977, propugnou por maior flexibilidade teó- absolutamente lógicas, pois, se pensarmos que,
rica, afirmando que “diferentes pacientes e uma vez que a entrevista psiquiátrica tem sido
categorias diagnósticas sugerem diferentes utilizada como critério externo para a valida-
modelos teóricos” (p.57). ção de testes, é claro que a entrevista terá prio-
Outro emprego da expressão estratégia de ridade, “quando se pode usar igualmente, de
avaliação se refere à metodologia adotada pelo preferência o próprio critério de medida do que
psicólogo. Numa avaliação com propósitos clí- o teste” (Goldstein & Hersen, 1990, p.5). Po-
nicos, por exemplo, é possível usar métodos rém, embora a entrevista estruturada tenha
mais individualizados ou qualitativos ou, ain- boas características psicométricas, a questão
da, métodos psicométricos, em que o manejo diagnóstica, ainda que em situação melhor,
se fundamenta em normas de grupos. A tais “permanece mais complexa do que seria dese-
métodos, pode-se acrescentar a entrevista, que jável” (Kendall & Clarkin, 1992, p.833).
tem precedência histórica sobre os demais Já na psicologia, a entrevista estruturada
(Goldstein & Hersen, 1990), bem como a ob- não teve tão grande aceitação, uma vez que,
servação sistemática de comportamentos, da na avaliação com propósitos clínicos, o psicó-
linha comportamental. logo, em princípio, não se limita a um único
Também no que se refere à metodologia, método (como a entrevista), mas tende a aliar
observa-se que o psicólogo não costuma se- enfoques quantitativos e qualitativos e, assim,
guir uma orientação puramente nomotética ou consegue testar, até certo ponto, a consistên-
idiográfica. Por outro lado, a própria opção cia e a fidelidade dos subsídios que suas estra-
quanto a métodos sofre a influência de even- tégias lhe fornecem, para chegar a inferências
tos e avanços que ocorrem nesta e noutras com grau razoável de certeza. Por outro lado,
áreas da psicologia, bem como de outras ciên- mesmo considerando a qualidade psicométrica
cias afins. Nota-se ascensão e declínio de al- da entrevista estruturada, “faltam-lhe elementos
guns métodos e vice-versa, como numa “espi- importantes de rapport, riqueza idiográfica e a
ral histórica, com vários níveis deixados de lado flexibilidade que caracteriza interações menos
e retomados em diferentes níveis” (p.4). estruturadas” (Groth-Marnat, 1999, p.7).
PSICODIAGNÓSTICO – V 21
características do examinando e a questão pro- tos em seus sistemas de avaliação e interpre-
posta. tação” (p.98). Já Dana (1984) comentava, com
Com tais perspectivas do ponto de vista clí- certo senso comum, que também se mantêm
nico, salienta-se a importância do psicólogo os instrumentos que aprendemos a usar em
bem se instrumentalizar, principalmente no que nossos cursos de graduação. É difícil substituí-
se refere a recursos psicométricos, já que a ne- los por instrumentos mais sofisticados e, as-
cessidade principal, em nível de contribuição sim, permanecem como herança acadêmica de
para o diagnóstico, tem sido definida como di- professor a aluno. As substituições, em seu
mensional (Brown & Barlow, 1992). Escalas, in- modo de ver, ocorreriam por razões pragmáti-
ventários e check-lists estão na ordem do dia. cas ou éticas. De nossa parte, acreditamos que
As escalas Wechsler e muitos outros instrumen- um dos mais importantes fatores para a inova-
tos vêm sendo constantemente revisados, re- ção e renovação, na área de testes, é a partici-
normatizados ou reapresentados (Hutz & Ban- pação em encontros ou em congressos de psi-
deira, 1993), e intensificam-se os esforços para cólogos.
adaptações no Brasil. As chamadas WIS (We- De alguma forma, pode-se pensar que as
chsler Intelligence Scales), cada vez menos técnicas projetivas ambicionam medir o que
empregadas para a determinação de nível in- Herman van Praag (1992) chamou de “psico-
telectual, constituem-se em importantes ins- patologia subjetiva”, que, embora considere,
trumentos para atender necessidades muito es- “por definição”, mensurável, verificável e ex-
pecíficas no diagnóstico de psicopatologias e tremamente importante para o diagnóstico, ao
na avaliação neuropsicológica, e são um bom mesmo tempo, acha que tais recursos virtual-
exemplo de tais esforços. mente inexistem (p.255).
Quanto às técnicas projetivas, também po- Na realidade, ainda que as técnicas projeti-
dem ser consideradas estratégias de avaliação. vas não tenham justificado todo o entusiasmo
Historicamente caracterizadas por seu estilo de com que foram recebidas por muitos psicólo-
avaliação impressionista (Cronbach, 1996), que gos, nem mereçam se constituir como meros
causa pruridos em acadêmicos mais compro- estímulos para interpretações subjetivas, bas-
metidos com uma posição científica sofistica- tante literárias, e sejam suficientemente com-
da, tiveram um declínio de seu uso em pesqui- plexas para serem manejadas apenas numa
sa, apesar de continuarem populares. “A maio- base quantitativa, cientificamente muitas de-
ria dos autores que defendem o seu uso o faz las possuem o seu status indiscutível como re-
visando à exploração de aspectos dinâmicos da cursos importantes de avaliação psicológica e,
personalidade, que adquirem significado sob segundo Gabbard (1998), especialmente, na
a ótica de um referencial teórico ao qual há avaliação psicodinâmica.
difícil acesso via psicométrica” (Cunha & Nu- Estratégias de avaliação é, pois, uma expres-
nes, 1996, p.341). Isso significa que não se são com uma abrangência semântica muito
pode simplesmente transformar uma técnica ampla e flexível, ainda que possa ser usada de
projetiva num teste psicométrico, embora mui- maneira muito específica. Psicólogos lançam
tas delas suportem o uso de procedimentos que mão de estratégias quando realizam avaliações.
permitem avaliar sua qualidade como medida. Numa perspectiva clínica, a avaliação que é fei-
As razões pelas quais conservam sua popu- ta comumente é chamada de psicodiagnósti-
laridade são variadas. Hutz e Bandeira (1993) co, porque procura avaliar forças e fraquezas
acham que, dentre as técnicas projetivas, se no funcionamento psicológico, com um foco
mantêm aquelas que “receberam refinamen- na existência ou não de psicopatologia.
PSICODIAGNÓSTICO – V 23
problemas. O psicometrista “utiliza testes para tornos classificados como funcionais (não-or-
obter dados”, e, em sua abordagem, “o pro- gânicos). Tal distinção foi considerada muito ade-
duto final é muitas vezes uma série de traços quada porque “parecia combinar cinco aspectos
ou descrições de capacidades”. Mas é impor- da psicopatologia, simultaneamente: 1) sintomas
tante lembrar que “essas descrições tipicamen- descritivos; 2) causação presumida; 3) psicodi-
te não estão relacionadas com o contexto to- nâmica; 4) justificação para hospitalização; 5)
tal da pessoa e nem se voltam para os proble- recomendação sobre tratamento” (p.18-19).
mas singulares que ela possa estar enfrentan- Deste modo, Freud, que provinha da me-
do” (p.3). lhor tradição neurofisiológica, representou o
Por outro lado, ainda no século passado, a primeiro elo de uma corrente de conteúdo di-
comunidade científica foi muito marcada pe- nâmico, logo seguido pelo aparecimento do
las descobertas ocorridas no campo da biolo- teste de associação de palavras, de Jung, em
gia, com início na verificação da “correlação 1906, e fornecendo lastro para o lançamento,
de síndromes clínicas com modificações mor- mais tarde, das técnicas projetivas.
fológicas observadas na autópsia” (Klerman, Nesse cenário, Rorschach publicou sua mo-
1990, p.15) e continuada por outra série de nografia, em 1921, que teve maior divulgação
descobertas, como pelas “tentativas feitas para na década seguinte. O teste passou a ser utili-
correlacionar síndromes mentais com achados zado como um passo essencial (e, às vezes,
de autópsia e dados bacteriológicos” (p.16). A único) do processo de diagnóstico. A grande
base científica fornecida à medicina pela bio- popularidade alcançada nas décadas de qua-
logia levava psiquiatras a buscarem as causas renta e cinqüenta é atribuída ao fato de que
da doença mental no organismo e, em espe- “os dados gerados pelo método eram compa-
cial, no sistema nervoso central. Em conseqüên- tíveis com os princípios básicos da teoria psi-
cia, “os pacientes psiquiátricos, não mais con- canalítica” (Vane & Guarnaccia, 1989, p.7).
siderados lunáticos, se tornaram ‘nervosos’ (...) Esse foi o período áureo das técnicas de
ou ‘neuróticos’ ” (Wolman, 1965, p.1121). personalidade. Embora o Rorschach e o TAT
Dessa época data a divisão dicotômica dos fossem os instrumentos mais conhecidos, co-
transtornos psiquiátricos em “orgânicos” e meçaram a se multiplicar rapidamente as téc-
“funcionais”. Foi nessa escola pré-dinâmica da nicas projetivas, como o teste da figura huma-
psiquiatria que surgiu Kraepelin, que se nota- na, o Szondi, o MPAS e tantos outros.
bilizou por seu sistema de classificação dos O entusiasmo que cercou o advento das
transtornos mentais e, especialmente, por seus técnicas projetivas pode ser, em grande parte,
estudos diferenciais entre esquizofrenia e psi- explicado por dois fatores de peso: 1) o fato
cose maníaco-depressiva. Em conseqüência, as de que os testes, tão valorizados na época an-
classificações nosológicas e o diagnóstico di- terior, principalmente na área militar e da in-
ferencial ganharam ênfase. dústria, já não pareciam tão úteis “na avalia-
Não obstante, mesmo no período entre as ção de problemas da vida (neurose, psicose,
duas grandes guerras, a classificação das doen- etc.)” (Groth-Marnat, 1999, p.4), e 2) a valori-
ças mentais pressupunha uma hierarquia, con- zação atribuída pela comunidade psiquiátrica
forme o modelo médico, em grandes classes: ao entendimento dinâmico.
“transtornos mentais orgânicos, psicoses, neu- Entretanto, a partir de então, as técnicas
roses, transtornos de personalidade e estados projetivas começaram a apresentar certo de-
reativos/transitórios”. Quando se evidenciava clínio em seu uso, por problemas metodológi-
uma condição orgânica, esta “tomava prece- cos, pelo incremento de pesquisas com instru-
dência sobre todos os outros diagnósticos” mentos alternativos, como o MMPI e outros
(Klerman, 1990, p.18). Neste cenário, tiveram inventários de personalidade, por sua associa-
especial importância as obras de Freud e Krae- ção com alguma perspectiva teórica, notavel-
pelin, caracterizando bem a diferença entre mente a psicanalítica (Goldstein & Hersen,
estados neuróticos e psicóticos, dentre os trans- 1990), e pela ênfase na interpretação intuitiva
PSICODIAGNÓSTICO – V 25
pressupõem. Mais do que isso: deve determi- clínica, da história pessoal ou com outras, a
nar e esclarecer o que dele se espera, no caso partir do elenco das hipóteses iniciais, para
individual. Esta é uma estratégia de aproxima- permitir uma seleção e uma integração, norte-
ção, que lhe permitirá adequar seus dados às ada pelos objetivos do psicodiagnóstico, que
necessidades das fontes de encaminhamento, determinam o nível de inferências que deve ser
de forma que seus resultados tenham o im- alcançado.
pacto que merecem e o psicodiagnóstico rece- Tais resultados são comunicados a quem de
ba o crédito a que faz jus. direito, podendo oferecer subsídios para deci-
sões ou recomendações.
CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO
Objetivos
Definição
O processo do psicodiagnóstico pode ter um
Psicodiagnóstico é um processo científico, li- ou vários objetivos, dependendo dos motivos
mitado no tempo, que utiliza técnicas e testes alegados ou reais do encaminhamento e/ou da
psicológicos (input), em nível individual ou não, consulta, que norteiam o elenco de hipóteses
seja para entender problemas à luz de pressu- inicialmente formuladas, e delimitam o esco-
postos teóricos, identificar e avaliar aspectos po da avaliação. Portanto, relacionam-se essen-
específicos, seja para classificar o caso e pre- cialmente com as questões propostas e com
ver seu curso possível, comunicando os resul- as necessidades da fonte de solicitação e “de-
tados (output), na base dos quais são propos- terminam o nível de inferências que deve ser
tas soluções, se for o caso. alcançado na comunicação com o receptor”
Caracterizamos o psicodiagnóstico como (Cunha, 1996, p.50).
um processo científico, porque deve partir de Resumidamente, os objetivos mais comuns
um levantamento prévio de hipóteses que se- são apresentados no Quadro 2.1.
rão confirmadas ou infirmadas através de pas- Como se pode pressupor, dependendo da
sos predeterminados e com objetivos precisos. simplicidade ou da complexidade das questões
Tal processo é limitado no tempo, baseado num propostas, variam os objetivos.
contrato de trabalho entre paciente ou respon- As perguntas mais elementares que podem
sável e o psicólogo, tão logo os dados iniciais ser formuladas, em relação a uma capacidade,
permitam estabelecer um plano de avaliação um traço, um estado emocional, seriam:
e, portanto, uma estimativa do tempo neces- “Quanto?” ou “Qual?”. Um exemplo comum
sário (número aproximado de sessões de exa- de exame com tal objetivo seria o de avaliação
me). do nível intelectual, que permitiria uma classi-
O plano de avaliação é estabelecido com ficação simples. O examinando é submetido a
base nas perguntas ou hipóteses iniciais, defi- testes, adequados a sua idade e nível de esco-
nindo-se não só quais os instrumentos neces- laridade. São levantados escores, consultadas
sários, mas como e quando utilizá-los. Pressu- tabelas, e os resultados são fornecidos em da-
põe-se, naturalmente, que o psicólogo saiba dos quantitativos, classificados sumariamente.
que instrumentos são eficazes quanto a requi- Estritamente, se o examinador se restringe
sitos metodológicos. Portanto, a questão, aqui, a tal objetivo, sua tarefa seria caracterizada
é o quanto certos instrumentos podem ser efi- mais como a de um psicometrista do que a de
cientes, se aplicados com um propósito espe- um psicólogo clínico. Todavia, o psicólogo clí-
cífico, para fornecer respostas a determinadas nico, que não perde a referência da pessoa do
perguntas ou testar certas hipóteses. examinando, dificilmente iria se restringir a tal
Selecionada e administrada uma bateria de objetivo, porque analisaria escores dos subtes-
testes, obtêm-se dados que devem ser inter- tes (se tivesse usado um instrumento WIS), bem
relacionados com as informações da história como diferenças inter e intratestes, que são
suscetíveis de interpretação. Então, teria con- ção e memória. Este constitui um exame sub-
dições de identificar forças e fraquezas no fun- jetivo de rotina em clínicas psiquiátricas,
cionamento intelectual. No caso, o objetivo do muitas vezes complementado por um exame
exame seria de descrição. Mas, se se detivesse objetivo.
a examinar certos erros e desvios, poderia le- Freqüentemente, dados resultantes desse
vantar pistas que servissem de base para hipó- exame, da história clínica e da história pessoal
teses sobre a presença de déficits cognitivos. permitem atender ao objetivo de classificação
O objetivo ainda seria o de descrição, mas o nosológica. Essa avaliação com tal objetivo é
processo seria mais complexo. realizada pelo psiquiatra e, também, pelo psi-
Também seria descritivo o exame do esta- cólogo, quando o paciente não é testável. Nes-
do mental do paciente ou o exame das fun- se caso específico, pode-se dizer que ambos
ções do ego, freqüentemente realizados sem a usam preferencialmente um modelo categóri-
administração de testes, pelo que não são de co para analisar a psicopatologia, isto é, de-
competência exclusiva do psicólogo. O exame vem fazer um julgamento clínico sobre a pre-
do estado mental do paciente, por exemplo, é sença ou não de uma configuração de sinto-
um tipo de recurso diagnóstico que envolve a mas significativos (Dobson & Cheung, 1990).
exploração da presença de sinais e sintomas, Dessa maneira, estariam verificando o que o
eventualmente utilizando provas muito sim- paciente tem de similar com outros pacientes
ples, não-padronizadas, para uma estimati- na mesma categoria diagnóstica. Se o traba-
va sumária de algumas funções, como aten- lho se restringisse a chegar a um código classi-
PSICODIAGNÓSTICO – V 27
ficatório, não caberia a sua qualificação como funções do ego estejam relativamente intac-
psicodiagnóstico propriamente dito. tas para que haja uma resposta terapêutica
Não obstante, quando o paciente apresen- adequada para determinados tipos de trata-
ta condições para testagem, é possível se de- mento.
senvolver um psicodiagnóstico em estrito sen- Basicamente, podem não ser utilizados tes-
so: o psicólogo organiza seu plano de avalia- tes. Esse é um objetivo explícito ou implícito
ção e lança mão de uma bateria de testes, para nos contatos iniciais do paciente com psiquia-
verificar cientificamente suas hipóteses, ou, tras, psicanalistas e psicólogos de diferentes
ainda, para levantar outras a serem analisadas, linhas de orientação terapêutica. Entretanto,
conforme a história e o contexto de vida do se o objetivo é atingido por meio de um psico-
paciente. A classificação nosológica, além de diagnóstico, obtêm-se evidências mais objeti-
facilitar a comunicação entre profissionais, con- vas e precisas, que podem, inclusive, servir de
tribui para o levantamento de dados epidemio- parâmetro para avaliar resultados terapêuticos,
lógicos de uma comunidade. Assim, deve ser mais tarde, através de um reteste.
usada, mas, num psicodiagnóstico, a tarefa não O objetivo de entendimento dinâmico, em
se restringe a conferir quais os critérios diag- sentido lato, pode ser considerado como uma
nósticos que são preenchidos pelo caso. forma de avaliação compreensiva, já que enfo-
Outro objetivo praticamente associado a ca a personalidade de maneira global, mas
esse é o de diagnóstico diferencial. O psicólo- pressupõe um nível mais elevado de inferência
go investiga irregularidades e inconsistências clínica. Através do exame, procura-se enten-
do quadro sintomático e/ou dos resultados dos der a problemática de um sujeito, com uma
testes para diferenciar categorias nosológicas, dimensão mais profunda, na perspectiva his-
níveis de funcionamento, etc. Naturalmente, tórica do desenvolvimento, investigando fato-
para trabalhar com tal objetivo, o psicólogo, res psicodinâmicos, identificando conflitos e
além de experiência e de sensibilidade clínica, chegando a uma compreensão do caso com
deve ter conhecimentos avançados de psico- base num referencial teórico.
patologia e de técnicas sofisticadas de diag- Um exame desse tipo requer entrevistas
nóstico. muito bem conduzidas, cujos dados nem sem-
O objetivo de avaliação compreensiva con- pre são consubstanciados pelos passos especí-
sidera o caso numa perspectiva mais global, ficos de um psicodiagnóstico, não sendo, por-
determinando o nível de funcionamento da tanto, um recurso privativo do psicólogo clíni-
personalidade, examinando funções do ego, co. Freqüentemente, combina-se com os obje-
em especial quanto a insight, para indicação tivos de classificação nosológica e de diagnós-
terapêutica ou, ainda, para estimativa de pro- tico diferencial. Porém, quando é um objetivo
gressos ou resultados de tratamento. Não che- do psicodiagnóstico, leva não só a uma abor-
ga necessariamente à classificação nosológica, dagem diferenciada das entrevistas e do ma-
embora esta possa ocorrer subsidiariamente, terial de testagem, como a uma integração dos
uma vez que o exame pode revelar alterações dados com base em pressupostos psicodinâ-
psicopatológicas. Mas, de qualquer forma, micos.
envolve algum tipo de classificação, já que a Um psicodiagnóstico também pode ter um
determinação do nível de funcionamento é objetivo de prevenção. Tal exame visa a identi-
especialmente importante para a indicação te- ficar problemas precocemente, avaliar riscos,
rapêutica, definindo limites da responsabilida- fazer uma estimativa de forças e fraquezas do
de profissional. Assim, um paciente em surto ego, bem como da capacidade para enfrentar
poderia requerer hospitalização e prescrição situações novas, difíceis, conflitivas ou ansio-
farmacológica sob os cuidados de um psiquia- gências. Em sentido lato, pode ser realizado
tra. Um paciente que enfrenta uma crise vital por outros profissionais de uma equipe de saú-
pode se beneficiar com uma terapia breve com de pública. Muitas vezes, é levado a efeito uti-
um psicoterapeuta. Pressupõe-se que certas lizando recursos de triagem, procurando atin-
PSICODIAGNÓSTICO – V 29
talizados, e eram identificados sinais e sinto- Comportamentos específicos
mas que compunham as síndromes.
No período freudiano, a abordagem mu- Os comportamentos específicos do psicólogo
dou. Os pacientes atendidos não apresentavam podem ser assim relacionados, embora possam
quadros tão severos, não estavam internados, variar na sua especificidade e na sua seriação,
e, embora fossem levados em conta os seus conforme os objetivos do psicodiagnóstico:
sintomas, estes eram percebidos de maneira a) determinar motivos do encaminhamen-
compreensiva e dinâmica. to, queixas e outros problemas iniciais;
Esta tendência de considerar os pacientes b) levantar dados de natureza psicológica,
em termos de duas grandes categorias de trans- social, médica, profissional e/ou escolar, etc.
tornos de certa forma persiste. Os pacientes sobre o sujeito e pessoas significativas, solici-
que apresentam transtornos mais graves e que tando eventualmente informações de fontes
podem precisar de hospitalização tendem a ser complementares;
encaminhados para psiquiatras, enquanto os c) colher dados sobre a história clínica e his-
casos menos graves costumam ser encaminha- tória pessoal, procurando reconhecer denomi-
dos para psicólogos ou psiquiatras, de acordo nadores comuns com a situação atual, do pon-
com o conceito de transtorno mental e da ava- to de vista psicopatológico e dinâmico;
liação da gravidade dos sintomas pela pessoa d) realizar o exame do estado mental do
que identifica o problema e faz o encaminha- paciente (exame subjetivo), eventualmente
mento. Na realidade, a atribuição da respon- complementado por outras fontes (exame ob-
sabilidade pelo diagnóstico tradicionalmente jetivo);
vem se baseando numa avaliação sumária do e) levantar hipóteses iniciais e definir os
caso e numa expectativa do tipo de tratamen- objetivos do exame;
to necessário. Mas essa posição vem tenden- f) estabelecer um plano de avaliação;
do a mudar pela consideração do tipo de exa- g) estabelecer um contrato de trabalho com
me que o caso individual requer. Atualmente, o sujeito ou responsável;
com possível exceção das urgências psiquiátri- h) administrar testes e outros instrumentos
cas, os encaminhamentos começam a ser fei- psicológicos;
tos tendo em vista a complexidade do caso e i) levantar dados quantitativos e qualitati-
não a sua gravidade, e, conseqüentemente, a vos;
necessidade de que o diagnóstico seja feito por j) selecionar, organizar e integrar todos os
meio de um exame mais ou menos sofisticado. dados significativos para os objetivos do exa-
A definição mais explícita dos casos, cujo me, conforme o nível de inferência previsto,
diagnóstico deve ser da responsabilidade do com os dados da história e características das
psicólogo, pelos membros da sociedade em circunstâncias atuais de vida do examinan-
geral, vai depender essencialmente da atua- do;
ção profissional do psicólogo e da adequabi- l) comunicar resultados (entrevista devolu-
lidade das respostas que puder dar às necessida- tiva, relatório, laudo, parecer e outros infor-
des reais do mercado. Sua identidade se associa, mes), propondo soluções, se for o caso, em be-
portanto, à qualidade do seu desempenho. nefício do examinando;
m) encerrar o processo.
OPERACIONALIZAÇÃO
Passos do diagnóstico (modelo psicológico
Em termos de operacionalização, devem ser de natureza clínica)
considerados os comportamentos específicos
do psicólogo e os passos para a realização do De forma bastante resumida, os passos do diag-
diagnóstico com um modelo psicológico de nóstico, utilizando um modelo psicológico de
natureza clínica. natureza clínica, são os seguintes:
PSICODIAGNÓSTICO – V 31
MÓDULO II – Questões Básicas
O problema
Jurema Alcides Cunha
3
O psicodiagnóstico é um processo, desen-
cadeado quase sempre em vista de um en-
caminhamento, que tem início numa consul-
convivem com o paciente, inclusive por aque-
las que podem ser classificadas como agentes
de saúde mental (como professores, orienta-
ta, a partir da qual se delineiam os passos do dores, padres, médicos, etc.).
exame, que constitui uma das rotinas do psi- Já em 1970, Shaw e Lucas lembravam que
cólogo clínico. Entretanto, tal tipo de avalia- muitos pais hesitam em considerar certo com-
ção decorre da existência de um problema pré- portamento do filho como motivo de preocu-
vio, que o psicólogo deve identificar e avaliar, pação, alegando que muitas crianças podem
para poder chegar a um diagnóstico. apresentá-lo, no que muitas vezes têm razão.
Não obstante, entre a emergência de sinais Freqüentemente, é a falta de distinção entre
ou sintomas precoces e incipientes, nem sem- desajustes ocasionais e prolongados que faz
pre fáceis de detectar ou de identificar, e a che- com que as pessoas confiem no tempo para
gada à primeira consulta, podem surgir mui- que desapareçam. Às vezes, há certa tolerân-
tas dúvidas, fantasias e busca de explicações, cia quanto a comportamentos que devem ser
que retardam a ajuda, podem agravar o pro- superados, seja porque deixaram de ser pro-
blema e, eventualmente, interferem na objeti- porcionais às suas causas, porque uma deter-
vidade do relato do caso. minada idade foi ultrapassada, por normas
Dizem que “os sintomas estão presentes mais flexíveis do ambiente ou, ainda, porque
quando os limites da variabilidade normal são alguém da família apresentava os mesmos sin-
ultrapassados” (Yager & Gitlin, 1999, p.694). tomas na infância.
Então, se considerarmos a aparente continui- Quando o problema ocorre com um adul-
dade entre ajustamentos que as mudanças de to, pode-se verificar uma tendência a enfren-
rotina impõem, os estados emocionais asso- tá-lo sem ajuda, ou uma tentativa de explicá-
ciados a acontecimentos da vida diária, as rea- lo em termos de fatores circunstanciais e, as-
ções a situações estressantes freqüentes e os sim, talvez resolvê-lo através de mudanças ex-
sintomas iniciais de um transtorno mental, evi- ternas. De qualquer maneira, desde o surgi-
dencia-se a dificuldade de julgar quando se mento do problema e até a consulta, “a natu-
configura um problema que necessita de uma reza e a expressão dos sinais e sintomas psi-
avaliação clínica. E tal dificuldade tanto pode quiátricos são profundamente alteradas pelos
ser sentida pelo sujeito como pelas pessoas que recursos pessoais, capacidades de enfrenta-
PSICODIAGNÓSTICO – V 33
bação é proporcional às causas, ficando cir- bavam a rotina da vida cotidiana, ignorando
cunscrita aos efeitos estressantes dos mesmos. alguns sintomas mais graves.
Não obstante, se sua intensidade for despro- Quando as mudanças percebidas são de
porcional às causas e/ou tal alteração persistir natureza qualitativa, habitualmente chamam
além da vigência normal dos efeitos das mes- a atenção por seu cunho estranho, bizarro, idi-
mas (por exemplo, no luto patológico), já pode ossincrásico, inapropriado ou esquisito e, en-
ter uma significação clínica. Naturalmente, tão, mesmo o leigo tende a associá-las com
deve ser considerada a possibilidade de outras dificuldades mais sérias. Apesar disso, ainda
variações, quando uma alteração aparentemen- que sejam geralmente tomadas como sinal de
te pareceu ser autolimitada, mas reaparece sob perturbação, eventualmente poderão ser expli-
diferentes modalidades, numa mutação sinto- cadas em termos culturais ou subculturais.
mática, ou da mesma maneira, repetitivamen- Pode-se afirmar que “um comportamento ou
te, de forma cíclica. experiência subjetiva definidos como sintomá-
Por certo, esses critérios de intensidade e/ ticos em um contexto podem ser perfeitamen-
ou persistência podem ser também aplicados te aceitáveis e estar dentro dos limites normais
à dimensão desenvolvimento, considerando os em outro contexto” (Yager & Gitlin, 1999,
limites de variabilidade para a aprendizagem p.694). Uma manifestação inusitada, do pon-
de novos padrões de comportamento, para to de vista qualitativo, deve, assim, ser julgada
certos comportamentos imaturos serem supe- dentro do contexto em que o indivíduo está e,
rados, em determinadas faixas etárias. Por como sintoma, será tanto mais grave se for
exemplo, o controle definitivo do esfíncter ve- compelida mais por elementos interiores do
sical deve ser alcançado, no máximo, ao redor que pelo campo de estímulos da realidade, que
dos três anos. Então, um episódio de aparente é praticamente ignorada. Entretanto, é preci-
fracasso em fase posterior não teria maior sig- so ficar bem claro que um sintoma único não
nificação, se fosse uma reação a uma situação tem valor diagnóstico por si, o que vale dizer
estressante. Mas sua persistência já pode re- que nenhum sintoma é patognomônico de uma
presentar um sinal de alerta, justificando-se determinada síndrome ou condição reconhe-
uma avaliação clínica. cida. Assim, “todos os sintomas psiquiátricos
Note-se que aqui estamos utilizando um devem ser considerados como inespecíficos –
julgamento clínico. Entretanto, sobre questões vistos em uns poucos e, mais provavelmente,
de desenvolvimento, há muita coincidência em muitos transtornos” (Yager & Gitlin, 1999,
entre o senso comum e o que é sancionado p.694).
pela ciência. A expectativa social, porém, às Dada a relatividade dos critérios usuais na
vezes, não é corroborada pelas normas e cos- definição de um problema, a abordagem cien-
tumes de uma ou outra família. Nota-se que, tífica atual para a determinação diagnóstica
na prática, as famílias podem diferir na deter- advoga o uso de critérios operacionais. É, pois,
minação de quais são os limites da variabilida- necessário que o paciente apresente um certo
de normal, por rigidez ou, pelo contrário, por número de características sintomatológicas,
protecionismo. Isso faz com que determinado durante um certo período de tempo, para ser
comportamento pareça sintomático num de- possível chegar a uma decisão diagnóstica.
terminado ambiente familiar, mas não em ou-
tro. Por outro lado, nem sempre os problemas
que chamam a atenção da família são clinica- PROBLEMAS PSICOSSOCIAIS E AMBIENTAIS:
mente os mais significantes. Num estudo de ACONTECIMENTOS DA VIDA
80 crianças, realizado por Kwitko (1984), hou-
ve diferença quanto à média dos sintomas in- O conceito de estresse, termo cunhado no
formados e a registrada pelos técnicos duran- âmbito da pesquisa endocrinológica, pela me-
te o exame. Por outro lado, as queixas de fami- tade do século XX, teve o seu sentido extrema-
liares referiam-se mais a sintomas que pertur- mente expandido para explicar, de um modo
PSICODIAGNÓSTICO – V 35
cada vez mais não ignore a importância do No DSM-IV (APA, 1995), é reapresentada a
modelo dimensional. Já o psicólogo, na práti- definição de transtorno mental que foi incluí-
ca, costuma dar ênfase ao modelo dimensio- da no DSM-III e no DSM-III-R, não por parecer
nal. Na realidade, avaliar diferenças individuais especialmente adequada, mas “por ser tão útil
envolve algum tipo de mensuração. Além dis- quanto qualquer outra definição disponível”
so, o enfoque quantitativo oferece fundamen- (p.xxi).
tos para inferências com um grau razoável de Na tradução brasileira dessa classificação,
certeza. Mas o psicólogo utiliza, também, o consta que transtorno mental pode ser con-
modelo categórico. Na maioria das vezes, po- ceituado “como uma síndrome ou padrão com-
rém, associa o enfoque quantitativo e o quali- portamental ou psicológico clinicamente im-
tativo, no desenvolvimento do processo psico- portante, que ocorre no indivíduo”, registran-
diagnóstico, utilizando estratégias diagnósti- do-se, a seguir, “que está associado com sofri-
cas (entrevistas, instrumentos psicométricos, mento (...) ou incapacitação (...) ou com um
técnicas projetivas e julgamento clínico) para risco significativamente aumentado de sofri-
chegar ao diagnóstico. mento atual, morte, dor, deficiência ou perda
É evidente que, conforme o objetivo, o pro- importante da liberdade” e, ademais, “não
cesso diagnóstico terá maior ou menor abran- deve ser meramente uma resposta previsível e
gência, adotará um enfoque mais qualitativo culturalmente sancionada a um determinado
ou mais quantitativo, e, conseqüentemente, o evento, por exemplo a morte de um ente que-
elenco de estratégias ficará variável no seu rido”. Além disso, independentemente da cau-
número ou na sua especificidade. sa original, “deve ser considerada no momen-
Embora o psicodiagnóstico tenha um do- to como uma manifestação de uma disfunção
mínio próprio, o seu foco na existência ou não comportamental, psicológica ou biológica no
de psicopatologia torna essencial a manuten- indivíduo” (p.xxi). Comportamentos socialmen-
ção de canais de comunicação com outras te desviantes não são considerados transtor-
áreas, precisando o psicólogo estar atento para nos mentais, a não ser que se caracterizem
questões que são fundamentais na determina- como sintoma de uma disfunção, no sentido
ção de um diagnóstico. já descrito.
A partir dessa conceituação, vê-se que é cla-
ra a exigência de uma associação com sofri-
TRANSTORNOS MENTAIS E mento ou incapacitação ou, ainda, com risco
CLASSIFICAÇÕES NOSOLÓGICAS de comprometimento ou perda de um aspec-
to vitalmente significante. Em segundo lugar,
Se abrirmos o Novo Dicionário Aurélio (Ferrei- fica evidente que os sintomas devam ser com-
ra, 1986), na página 1.703, vamos encontrar que portamentais ou psicológicos, embora possa
transtorno é sinônimo de perturbação mental. haver uma disfunção biológica. Em terceiro
Entende-se que se pode categorizar, como tal, lugar, esse conceito descaracteriza os serviços
uma diversidade de condições, que se situam e os membros da comunidade de saúde men-
entre o que se costuma caracterizar como nor- tal como agentes de controle social, no mo-
malidade e patologia. Portanto, é uma expres- mento em que considera que um conflito en-
são menos compatível com a antiga concep- tre indivíduo e sociedade pode ser identifi-
ção de doença mental. Não obstante, temos cado como um desvio, condenável pelos pa-
de convir que, semanticamente, bastaria o ter- drões sociais, mas que, por si, não é tido
mo transtorno, embora a sua significação não como transtorno mental, a menos que, ao
modificasse a crítica feita à expressão transtorno mesmo tempo, constitua o sintoma de uma
mental, que, “infelizmente, implica uma distin- disfunção.
ção entre transtornos ‘mentais’ e transtornos ‘fí- Essa caracterização de transtorno mental é
sicos’, que é um anacronismo reducionista do apresentada pelo DSM-IV, que é a edição mais
dualismo mente/corpo” (APA, 1995, p.xx). recente da classificação oficial nos Estados
PSICODIAGNÓSTICO – V 37
O contato com o paciente
Maria da Graça B. Raymundo
4
A expressão contato, da raiz latina contactum
(Carvalho, 1955), quer dizer exercitar o tato,
com vistas ao toque dentro de uma relação de
Senhora do Mundo Subterrâneo ou mundo
psíquico inconsciente (Hillman, 1997). Ela ma-
nifesta sua força inexorável por desvios, como
influência e de proximidade (Ferreira, 1986). a desordem, a desarmonia, a aflição diante de
De forma metafórica, no processo psico- si próprio e no trato com as coisas do mundo
diagnóstico, o papel do psicólogo é o de tate- circundante. Como conseqüência, a própria
ar pelos meandros da angústia, da desconfi- pessoa procura conviver com os seus sintomas,
ança e do sofrimento da pessoa que vem em e a família tenta tolerá-los, mas há limites para
busca de ajuda. Tatear, então, é lidar com as o sofrimento e para a tolerância. Freqüente-
inúmeras resistências ao processo, sentimen- mente, os sintomas são observados por alguém
tos ambivalentes e situações desconhecidas. mais, por uma pessoa com certo poder de in-
Primeiramente, é preciso ter clareza de que a fluência, que pode assumir o papel de agente
sintomatologia já se fez presente e manifesta de saúde, como um professor, uma assistente
em período anterior à marcação da consulta, e social, um médico, ou, provavelmente, uma
de que, certamente, várias formas de driblar o dessas pessoas é procurada, para apoio e acon-
sofrimento foram experimentadas e várias ex- selhamento, de onde surge a decisão de busca
plicações foram empregadas, resultando no de ajuda.
incremento da angústia. Essas resistências po- A pessoa em sofrimento chega para o pri-
dem passar, também, pelo desconhecimento meiro contato com o psicólogo premida pela
do que seja o trabalho com um profissional em necessidade de ajuda e pela necessidade de
psicologia, pelos estereótipos culturais em tor- rendição e de entrega.
no da área psi e dos preconceitos sobre quem A atitude de respeito do psicólogo, ou seja,
requer esse atendimento. No caso de crianças o “olhar de novo”, com o coração, em conjun-
ou adolescentes, as dificuldades são freqüen- to com o paciente para a sua conflitiva, livre
temente relacionadas com a influência de com- de críticas, menosprezo e desvalia, é basilar no
panheiros, atribuídas à indisciplina ou a “pro- exercício de tocar a psique, para uma ligação
blemas de idade”. de confiança. Estabelecer a proximidade neces-
As resistências mais imperiosas ficam por sária para a consecução do processo significa
conta das questões internas, pois estão sob a mostrar ao paciente que as dificuldades pare-
regência de ananke, a Necessidade, a Grande cem não ir embora enquanto não forem pri-
PSICODIAGNÓSTICO – V 39
da, d) deixando claros somente os pontos to- O esclarecimento dos motivos aparentes e
lerados pelo paciente e por seu grupo familiar. ocultos não só permite a determinação dos
Em quarto lugar, as autoras salientam o com- objetivos do psicodiagnóstico como também
prometimento que pode sofrer a indicação para fornece dados sobre a capacidade de vincula-
a terapia, visto que o paciente temerá repetir ção e de concretização da tarefa pelo paciente
o mesmo vínculo dúbio e falso. e/ou responsável.
Pelo exposto, ficam claras a importância e
a complexidade, para o psicólogo, em abarcar
o continuum de consciência-inconsciência do IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE
paciente, em relação a seus conflitos. Todos os
dados psíquicos são relevantes, e cada um ga- A discriminação entre os motivos explícitos e
nha múltiplos significados. Compete ao psicó- implícitos para a busca de ajuda colabora para
logo abordar cada dado sob vários aspectos, que o psicólogo identifique quem é o seu ver-
até que seu sentido adquira maior consistên- dadeiro paciente: a pessoa que é trazida ou
cia e especificidade. assume a procura, o grupo familiar ou ambos.
Quando o paciente chega por encaminha- Em face do encaminhamento e do primeiro
mento, deve-se esclarecer quem o encaminhou, contato do psicólogo com o paciente e/ou com
em que circunstância ocorreu o encaminha- seu grupo familiar, a tarefa fundamental que
mento e quais as questões propostas para a se lhe apresenta é definir quem é o paciente,
investigação. Isso pode ser feito ou comple- em realidade, levantando todas as indagações
mentado através de comunicação telefônica. possíveis em torno dele e da totalidade da si-
MacKinnon e Michels (1981) informam que al- tuação envolvida na busca de ajuda, passando
guns profissionais optam por esse procedimen- pelo grau de consciência das dificuldades.
to, enquanto outros preferem desconhecer Ocampo e Arzeno (1981) referem que, com
qualquer informação diversa da que lhe che- freqüência, dentre um grupo familiar, o elemen-
ga, por escrito ou verbalmente, via paciente. to trazido ao psicólogo e apresentado como
Conclui-se que é fundamental que o psicólo- doente é, realmente, o menos comprometido
go esclareça, o mais amplamente possível e de da família. Cabe ao psicólogo estar alerta e
forma objetiva, as motivações conscientes indi- identificar se o sintoma apresentado é coeren-
cadas e as inconscientes envolvidas no pedido te ou não para o paciente e sua família.
de ajuda. Cabe ter-se sempre presente que a na- De forma abrangente, a identificação do
tureza humana, como já foi dito por Heráclito, verdadeiro paciente verifica-se desde o momen-
tem predileção por ocultar-se, embora a psique to em que ele procura o psicólogo, através de
aspire a expressão e reconhecimento constantes. contato telefônico ou pessoalmente, ou quan-
Nessa linha de pensamento, a consideração do outro profissional refere ter feito o encami-
da objetividade e quantidade de informações nhamento, até o momento final da entrevista
parece emprestar um peso para a coleta de devolutiva.
dados prévios sobre o caso, especialmente O psicólogo começa a conhecer “quem é”
quando os motivos explicitados não parecem o seu paciente, por meio de perguntas iniciais
corresponder aos reais. Portanto, quanto me- quando do primeiro contato.
nos consciente o paciente parecer de sua pro-
blemática ou quanto mais fora da realidade
parecer estar, mais se torna importante a con- DINÂMICA DA INTERAÇÃO CLÍNICA
sideração de informações de terceiros. De qual-
quer modo, sob o nosso ponto de vista, não se Aspectos conscientes e inconscientes
pode prescindir totalmente de informações
subsidiárias, no sentido de melhor entender por A interação clínica psicólogo-paciente verifica-
que o sujeito seleciona certas respostas para se ao longo de todo o processo psicodiag-
lidar com seu ambiente. nóstico.
PSICODIAGNÓSTICO – V 41
Por outro lado, os sentimentos contratrans- ma onipotente, pode considerar as “impressões
ferenciais podem ser considerados adequados iniciais” com amplitude inadequada. Portan-
na medida em que possibilitam que o psicólo- to, é fundamental para o psicólogo o conheci-
go perceba o inconsciente do paciente. mento de si próprio, devendo estar alerta para
Outro aspecto importante a ser considera- o movimento dos processos inconscientes, não
do no psicodiagnóstico é a percepção que o deixando de lado, em nenhum momento, a sua
paciente tem dos objetivos da avaliação e de dimensão única como pessoa.
como ela vai transcorrendo. O psicólogo deve
estar atento às manifestações ocultas e apa-
rentes de como o paciente está se sentindo e Definição de problemas e necessidades
está se percebendo ao longo da tarefa. Assim, do psicólogo
também é imprescindível investigar a motiva-
ção do paciente em termos de conhecimentos Na tarefa de psicodiagnóstico, o psicólogo so-
e de atitudes. Pope e Scott, já em 1967, enfati- fre pressões do paciente, do grupo familiar, do
zavam esse aspecto como a “pré-disposição ati- ambiente, de quem encaminhou o paciente e
tudinal e cognitiva” do paciente ao psicodiag- dele próprio.
nóstico e sugeriam que o psicólogo efetuasse O paciente quer ser ajudado e quer respos-
uma entrevista após a aplicação de testes, ao tas.
final da sessão, buscando detectar os dados O meio ambiente, ou seja, o local de traba-
assinalados (p.28). lho do psicólogo, os colegas, as chefias, mui-
Com relação ao psicólogo, os mesmos au- tas vezes, bem como uma equipe multiprofis-
tores fazem comentários sobre a atitude de sional ou não, conforme o caso, também exer-
estímulo, apoio, encorajamento, bem como cem suas pressões sobre a condução do caso,
sobre a atitude distante na produção do pa- planificação e manejos finais. Num trabalho em
ciente à testagem. A propósito, citam um es- equipe formalizado, ou mesmo entre a própria
tudo americano, que objetivou avaliar a in- classe dos psicólogos, os aspectos competiti-
fluência do rapport positivo e negativo na pro- vos e invejosos são intensamente mobilizados.
dutividade de respostas ao Rorschach, bem A situação de psicodiagnóstico torna-se impor-
como avaliar características de personalidade tante em termos de afirmação e valorização
do psicólogo intervenientes nessa testagem. Os da tarefa do psicólogo. A percepção do am-
resultados apontaram para o fato de que a biente sobre o seu trabalho é uma das pres-
personalidade dos psicólogos exerce maior in- sões exercidas sobre ele.
fluência do que o clima emocional da situação Por outro lado, a sua própria percepção de
de teste. Outrossim, os índices mais produti- como exerce e maneja sua tarefa também é
vos no Rorschach foram associados à forma um fator de pressão sobre a sua auto-imagem.
positiva com que foi administrado o teste (psi- A pessoa que efetuou o encaminhamento
cólogo afável e compreensivo), e os índices aguarda respostas específicas, as quais a auxi-
mais comprometidos e menos sadios foram liarão no seu atendimento e/ou reforçarão ou
associados à administração negativa (psicólo- não a confiança no papel do psicólogo.
go distante e autoritário). À forma de adminis- O psicólogo necessita obter dados que pos-
tração chamada neutra (psicólogo “cortês, mas sam ser por ele empregados, no sentido de
metódico”) corresponderam índices interme- respostas, bem como precisa que esses fatos
diários entre elevada e baixa produtividade sejam úteis para a atribuição de escores na tes-
(p.30). tagem.
Trinca (1983) assinala que o psicólogo se Dessa forma, o psicólogo espera que o pa-
sente ansioso ante os inúmeros dados que ciente colabore, seja franco, forneça todos os
emergem durante o exame psicológico. Em dados necessários e seja “comportado”, man-
função dessa ansiedade, podem ocorrer erros tendo-se no seu papel. Ora, essa exigência é
na formulação diagnóstica, visto que, de for- fantasiosa e decorre da onipotência e arrogân-
PSICODIAGNÓSTICO – V 43
Rorschach, por exemplo, o paciente experien- tos dinâmicos da interação clínica, por consi-
cia simbolicamente o enfrentamento da “au- derarem que esses dados podem ser fontes de
toridade real e fantasiada, presente e ausen- erro para a precisão das mensurações que de-
te”, sendo-lhe oferecida excessiva liberdade vem ser efetuadas (Pope & Scott, 1967). Entre-
para o seu grau de tolerância (p. 34-43). tanto, a tarefa do psicólogo, num psicodiag-
Tais constantes reforçam ou provocam rea- nóstico, não se restringe à de um psicometris-
ções transferenciais e defensivas, que merecem ta, assim como também é um erro crasso vê-lo
cuidadoso exame para a ampliação do enten- tão-somente como um aplicador de técnicas
dimento do paciente. projetivas. Mesmo quando o objetivo do psi-
A situação psicodiagnóstica envolve, pois, codiagnóstico parece bastante simples, o psi-
uma dinâmica específica, num vínculo relati- cólogo não pode perder de vista a dimensão
vamente curto, em que se entrelaçam dois global da situação de avaliação, levando em
mundos, o do psicólogo e o do paciente, pas- conta todos os padrões de interação que se
sando a interagirem duas identidades. É uma estabelecem. Portanto, é essencial enfatizar a
situação ímpar, à qual o psicólogo deve dedi- necessidade de o psicólogo estar consciente,
car merecida atenção e valorização. atento e alerta tanto para as suas próprias con-
dições psicológicas, para o uso que faz de seus
recursos criativos e expressivos, como para as
Importância para o psicodiagnóstico reações e manifestações do paciente, perceben-
do a qualidade do vínculo que se cria e levan-
Em defesa da propalada neutralidade científi- do em conta todos esses aspectos para o en-
ca, muitos psicólogos não valorizam os aspec- tendimento do caso.
A entrevista clínica
Marcelo Tavares
5
A entrevista clínica não é uma técnica úni-
ca. Existem várias formas de abordá-la,
conforme o objetivo específico da entrevista e
Por técnica entendemos uma série de pro-
cedimentos que possibilitam investigar os te-
mas em questão. A investigação possibilita al-
a orientação do entrevistador. Os objetivos de cançar os objetivos primordiais da entrevista,
cada tipo de entrevista determinam suas es- que são descrever e avaliar, o que pressupõe o
tratégias, seus alcances e seus limites. Neste levantamento de informações, a partir das
capítulo, vamos definir a entrevista clínica, exa- quais se torna possível relacionar eventos e
minar seus elementos e diferenciar os tipos em experiências, fazer inferências, estabelecer con-
que podem ser classificadas. Em seguida, dis- clusões e tomar decisões. Essa investigação se
cutiremos alguns aspectos das competências dá dentro de domínios específicos da psicolo-
essenciais do entrevistador para a condução gia clínica e leva em consideração conceitos e
de uma entrevista clínica. Concluímos com conhecimentos amplos e profundos nessas
uma reflexão sobre a ética dos temas discu- áreas. Esses domínios incluem, por exemplo, a
tidos. psicologia do desenvolvimento, a psicopatolo-
gia, a psicodinâmica, as teorias sistêmicas. As-
pectos específicos em cada uma dessas áreas
DEFININDO A ENTREVISTA CLÍNICA podem ser priorizados como, por exemplo, o
desenvolvimento psicossexual, sinais e sinto-
Em psicologia, a entrevista clínica é um con- mas psicopatológicos, conflitos de identidade,
junto de técnicas de investigação, de tempo relação conjugal, etc.
delimitado, dirigido por um entrevistador trei- Afirmamos ainda que a entrevista é parte
nado, que utiliza conhecimentos psicológicos, de um processo. Este deve ser concebido, ba-
em uma relação profissional, com o objetivo sicamente, como um processo de avaliação,
de descrever e avaliar aspectos pessoais, rela- que pode ocorrer em apenas uma sessão e ser
cionais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família, dirigido a fazer um encaminhamento, ou a
rede social), em um processo que visa a fazer definir os objetivos de um processo psicotera-
recomendações, encaminhamentos ou propor pêutico. Muitas vezes, o aspecto avaliativo de
algum tipo de intervenção em benefício das uma entrevista inicial confunde-se com a psi-
pessoas entrevistadas. Convém agora exami- coterapia que se inicia, devido ao aspecto te-
nar os elementos dessa definição. rapêutico intrínseco a um processo de avalia-
PSICODIAGNÓSTICO – V 45
ção e ao aspecto avaliativo intrínseco à psico- emergência de novos conteúdos na mente do
terapia. Outras vezes, o processo de avaliação sujeito. O entrevistador deve estar atento aos
é complexo e exige um conjunto diferenciado processos no outro, e a sua intervenção deve
de técnicas de entrevistas e de instrumentos e orientar o sujeito a aprofundar o contato com
procedimentos de avaliação, como, por exem- sua própria experiência. Em síntese, concluí-
plo, além da entrevista, os instrumentos pro- mos que todos os tipos de entrevista têm al-
jetivos ou cognitivos, as técnicas de observa- guma forma de estruturação na medida em que
ção, etc. A importância de enfatizar a entrevis- a atividade do entrevistador direciona a entre-
ta como parte de um processo é de poder vis- vista no sentido de alcançar seus objetivos.
lumbrar o seu papel e o seu contexto ao lado Entrevistador e entrevistado têm, nesse pro-
de uma grande quantidade possível de proce- cesso, atribuições diferenciadas de papéis. A
dimentos em psicologia. A entrevista clínica é função específica do entrevistador coloca a
um procedimento poderoso e, pelas suas ca- entrevista clínica no domínio de uma relação
racterísticas, é o único capaz de adaptar-se à profissional. É dele a responsabilidade pela
diversidade de situações clínicas relevantes e condução do processo e pela aplicação de co-
de fazer explicitar particularidades que esca- nhecimentos psicológicos em benefício das
pam a outros procedimentos, principalmente pessoas envolvidas. É responsabilidade dele
aos padronizados. A entrevista é a única técni- dominar as especificidades da técnica e a com-
ca capaz de testar os limites de aparentes con- plexidade do conhecimento utilizado. Essa res-
tradições e de tornar explícitas características ponsabilidade delimita (estrutura) o processo
indicadas pelos instrumentos padronizados, em seus aspectos clínicos. Assumir essas res-
dando a eles validade clínica (Tavares, 1998), por ponsabilidades profissionais pelo outro tem
isso, a necessidade de dar destaque à entrevista aspectos éticos fundamentais; significa reco-
clínica no âmbito da avaliação psicológica. nhecer a desigualdade intrínseca na relação,
Definimos ainda a entrevista clínica como que dá uma posição privilegiada ao entrevis-
tendo a característica de ser dirigida. Afirmar tador. Essa posição lhe confere poder e, por-
que a entrevista é um procedimento dirigido tanto, a responsabilidade de zelar pelo inte-
pode suscitar alguns questionamentos. Mes- resse e bem-estar do outro. Também é do en-
mo nas chamadas entrevistas “livres”, é neces- trevistador a responsabilidade de reconhecer
sário o reconhecimento, pelo entrevistador, de a necessidade de treinamento especializado e
seus objetivos. Como afirmamos antes, os ob- atualizações constantes ou periódicas.
jetivos de cada tipo de entrevista definem as O papel principal da pessoa entrevistada é
estratégias utilizadas e seus limites. É no intui- o de prestar informações. A entrevista pressu-
to de alcançar os objetivos da entrevista que o põe pelo menos uma pessoa que esteja em
entrevistador estrutura sua intervenção. Isso condições de ser um participante colaborati-
nos parece verdadeiro, inclusive para os psicó- vo, e o sucesso da entrevista depende do seu
logos que consideram que é o sujeito entrevis- modo de participação. Essa dependência tor-
tado quem conduz o processo. O entrevista- na-se mais evidente nos casos de participantes
dor precisa estar preparado para lidar com o resistentes ou não voluntários. O entrevistador
direcionamento que o sujeito parece querer dar tem a necessidade de conhecer e compreen-
à entrevista, de forma a otimizar o encontro der algo de natureza psicológica, para poder
entre a demanda do sujeito e os objetivos da fazer alguma recomendação, encaminhamen-
tarefa. Assim, quando o entrevistador confron- to ou sugerir algum tipo de atenção ou trata-
ta uma defesa, empaticamente reconhece um mento (intervenção). Nos casos em que pare-
afeto ou pede um esclarecimento, ele está cer- ce haver dificuldades de levantar a informação,
tamente definindo direções. Até mesmo a ati- é bem provável que o entrevistador tenha de
vidade interpretativa na associação livre ou a centrar sua atenção na relação com a pessoa
resposta centrada no cliente do psicólogo dá entrevistada, para compreender os motivos de
uma direção, facilitando ou dificultando a sua atitude. Geralmente, essas dificuldades
PSICODIAGNÓSTICO – V 47
TIPOS E OBJETIVOS DA ENTREVISTA CLÍNICA demanda e espera um retorno que o auxilie. A
utilidade das entrevistas clínicas depende, por-
Classificar os tipos de entrevista não é uma tanto, do espaço que o procedimento deixa
tarefa fácil, pois exige a consideração de eixos para as manifestações individuais e requer ha-
classificatórios e o exame sistemático dos ti- bilidades e conhecimentos específicos que per-
pos principais de técnicas de entrevistas. Essa mitam ao entrevistador conduzir adequada-
tarefa se estende além dos objetivos deste ca- mente o processo. Essa especificidade clínica
pítulo, mas indicaremos aqui algumas direções. favorece os procedimentos semi-estruturados
Vamos levar em consideração dois eixos: se- e de livre estruturação.
gundo a forma (estrutura) e segundo o obje- É tradição se referir à entrevista de livre es-
tivo. truturação como entrevista livre ou não-estru-
turada. Temos argumentado que toda entre-
vista supõe, na verdade exige, alguma forma
CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO ASPECTO de estruturação. É necessário que se conheçam
FORMAL suas metas, o papel de quem a conduz e os
procedimentos pelos quais é possível atingir
Quanto ao aspecto formal, as entrevistas po- seus objetivos. Estes e outros elementos pró-
dem ser divididas em estruturadas, semi-estru- prios das entrevistas lhes conferem uma estru-
turadas e de livre estruturação. As entrevistas tura, mesmo que o entrevistador não a reco-
estruturadas são de pouca utilidade clínica. A nheça explicitamente. Por esse motivo, referi-
aplicação desse tipo de entrevista é mais fre- mo-nos a esse tipo de entrevista como entre-
qüente em pesquisas, principalmente nas si- vista de livre estruturação. A grande maioria
tuações em que a habilidade clínica não é ne- das técnicas de entrevista divulgadas em psi-
cessária ou possível. Sua utilização raramente cologia clínica, desde seus primórdios, enqua-
considera as necessidades ou demandas do dra-se nesse tipo de entrevista. As técnicas de
sujeito avaliado – usualmente, ela se destina entrevista vêm sendo gradativamente especi-
ao levantamento de informações definidas ficadas, de modo que sua estrutura pode ser
pelas necessidades de um projeto. Um exem- mais claramente definida, a partir do desen-
plo típico é a entrevista epidemiológica, que, volvimento das técnicas de avaliação e trata-
como um censo, requer que o entrevistador mento, particularmente com o surgimento de
cubra um grande número de questões em pou- manuais psicoterapêuticos (Luborsky, 1984,
co tempo. Nela, não se pode exigir do entre- 1993; Sifneos, 1993), manuais diagnósticos
vistador experiência ou conhecimento clínico, (APA, 1995; Spitzer, Gibbon, Skodol et alii,
pelos altos custos envolvidos no processo. Este 1994) e critérios de seleção de pacientes (Da-
é o caso da Diagnostic Interview Schedule (DIS); vanloo, 1980; Malan, 1980; Marmor, 1980; Si-
(Robins, Helzer, Croughan et alii, 1981). As en- fneos, 1980, 1993). Tomando-se os objetivos
trevistas estruturadas privilegiam a objetivida- de uma técnica de livre estruturação, é possí-
de – as perguntas são quase sempre fechadas vel desenvolver alguma forma semi-estrutura-
ou delimitadas por opções previamente deter- da de se obter o mesmo tipo de informação.
minadas e buscam respostas específicas a ques- Historicamente, é assim que têm surgido as en-
tões específicas. Quando respostas abertas são trevistas semi-estruturadas, como é o caso
possíveis, geralmente são associadas a esque- da Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-
mas classificatórios operacionalizados, que fa- IV (SCID) (Spitzer, Williams, Gibbon et alii, 1992;
cilitam a tradução da informação em catego- Tavares, 1997, 2000b). Esta avalia um conjun-
rias do tipo objetivo. to de 44 psicopatologias mais comuns, facili-
Nas entrevistas clínicas, desejamos conhe- tando o diagnóstico diferencial nos casos mais
cer o sujeito em profundidade, visando a com- difíceis. Um exemplo mais específico é a Positi-
preender a situação que o levou à entrevista. ve and Negative Symptoms for Schizophrenia
Nesse caso, o entrevistado é porta-voz de uma (PANSS) (Kay, Fiszbein & Opler, 1987), uma téc-
PSICODIAGNÓSTICO – V 49
drômicas ou dinâmicas), sistêmicas e de devo- aspectos importantes do desenvolvimento,
lução. Uma entrevista para a avaliação na clí- embora de maneira não tão extensiva como
nica psicológica pode ter por finalidade carac- faz a entrevista de anamnese.
terísticas vinculadas a um desses tipos, ou pode De um certo modo, toda entrevista clínica
ter por objetivo uma combinação de aspectos comporta elementos diagnósticos. Nessa pers-
relacionados a mais de um desses tipos de en- pectiva, empregamos o termo de maneira bem
trevistas. Profissionais de todas as abordagens ampla. Em outro sentido, empregamos o ter-
podem realizar entrevistas clínicas com esses mo diagnóstico de modo mais específico, defi-
objetivos. Examinaremos cada um desses tipos nindo-o como o exame e a análise explícitos
de entrevista. ou cuidadosos de uma condição na tentativa
A entrevista de triagem tem por objetivo de compreendê-la, explicá-la e possivelmente
principal avaliar a demanda do sujeito e fazer modificá-la. Implica descrever, avaliar, relacio-
um encaminhamento. Geralmente, é utilizada nar e inferir, tendo em vista a modificação da-
em serviços de saúde pública ou em clínicas quela condição. A entrevista diagnóstica pode
sociais, onde existe a procura contínua por uma priorizar aspectos sindrômicos ou psicodinâ-
diversidade de serviços psicológicos, e torna- micos. O primeiro visa à descrição de sinais
se necessário avaliar a adequação da deman- (baixa auto-estima, sentimentos de culpa) e
da em relação ao encaminhamento pretendi- sintomas (humor deprimido, ideação suicida)
do. Um dos equívocos mais comuns é o de para a classificação de um quadro ou síndro-
pessoas que procuram ajuda individual para me (Transtorno Depressivo Maior). O diagnós-
problemas relacionais. Outra situação impor- tico psicodinâmico visa à descrição e à com-
tante ocorre quando existe a opção de terapia preensão da experiência ou do modo particu-
individual e grupal, tornando-se necessário lar de funcionamento do sujeito, tendo em vista
avaliar a adequação dos membros conforme a uma abordagem teórica. Tanto o diagnóstico
composição e os objetivos dos grupos terapêu- sindrômico quanto o psicodinâmico visam à
ticos. A triagem é também fundamental para modificação de um quadro apresentado em
avaliar a gravidade da crise, pois, nesses casos, benefício do sujeito.
torna-se necessário ou imprescindível o enca- Algumas vezes, a característica classificató-
minhamento para um apoio medicamentoso. ria do diagnóstico sindrômico parece se con-
Embora não pareça tão óbvio, o clínico que trapor a uma compreensão dinâmica do mes-
trabalha sozinho também terá que triar seus mo; contudo, estas duas perspectivas devem
clientes e encaminhar aqueles que não julgar ser vistas como complementares, operando
adequado atender, conforme sua especialida- dentro de uma mesma estratégia de entrevis-
de e competência. ta. Tradicionalmente, os textos tendiam a en-
A entrevista em que é feita a anamnese (vide fatizar uma ou outra abordagem. Hoje em dia,
A história do examinando, nesta obra) tem por entretanto, vemos cada vez mais um esforço
objetivo primordial o levantamento detalhado de integração dessas duas abordagens (Jacob-
da história de desenvolvimento da pessoa, prin- son & Cooper, 1993; McWilliams, 1994; Oth-
cipalmente na infância. A anamnese é uma téc- mer & Othmer, 1994). Por exemplo, sabemos
nica de entrevista que pode ser facilmente es- que pessoas deprimidas (um sintoma ou sín-
truturada cronologicamente. Embora a utilida- drome) freqüentemente dirigem sua agressivi-
de da anamnese seja mais claramente vislum- dade contra si mesmas (um aspecto dinâmi-
brada na terapia infantil, muitas abordagens co), e que isso pode resultar em comportamen-
que integram ou valorizam o desenvolvimento tos autodestrutivos (sinais) ou, no extremo, em
precoce podem se beneficiar deste tipo de en- ideação suicida (um sintoma). Quando existem
trevista. Certamente, aprender a fazer uma sintomas clínicos claros, o diagnóstico sindrô-
entrevista de anamnese irá facilitar a aprecia- mico torna-se necessário por motivos que nos
ção de questões desenvolvimentais por parte parecem óbvios. Contudo, não se podem igno-
do clínico, pois muitas abordagens investigam rar os aspectos dinâmicos nesses casos. É co-
PSICODIAGNÓSTICO – V 51
toso) e de determinar uma estratégia psicote- 2) ajudar o paciente a se sentir à vontade e
rapêutica (para o apoio na crise). a desenvolver uma aliança de trabalho;
3) facilitar a expressão dos motivos que le-
varam a pessoa a ser encaminhada ou a bus-
COMPETÊNCIAS DO AVALIADOR E A car ajuda;
QUALIDADE DA RELAÇÃO 4) buscar esclarecimentos para colocações
vagas ou incompletas;
As diversas técnicas de entrevista têm em co- 5) gentilmente, confrontar esquivas e con-
mum o objetivo de avaliar para fazer algum tradições;
tipo de recomendação, seja diagnóstica ou te- 6) tolerar a ansiedade relacionada aos te-
rapêutica. A entrevista, como ponto de conta- mas evocados na entrevista;
to inicial, é crucial para o desenvolvimento de 7) reconhecer defesas e modos de estrutu-
uma relação de ajuda. A aceitação das reco- ração do paciente, especialmente quando elas
mendações ou a permanência no tratamento atuam diretamente na relação com o entrevis-
dependem de algumas características impor- tador (transferência);
tantes desse primeiro contato, que são influ- 8) compreender seus processos contratrans-
enciadas por um conjunto de competências do ferenciais;
entrevistador. A dificuldade de aceitação das 9) assumir a iniciativa em momentos de
recomendações ou a desistência de iniciar um impasse;
processo terapêutico, quando ocorre, se dá nos 10) dominar as técnicas que utiliza.
primeiros contatos. Comentaremos aqui al- Examinaremos, a seguir, cada uma dessas
gumas competências pessoais essenciais para capacidades.
a condução de uma entrevista, independen- Para estar presente e poder ouvir o pacien-
tes da orientação teórica do entrevistador ou te, o entrevistador deve ser capaz de isolar
dos objetivos específicos da entrevista. A outras preocupações e, momentaneamente,
atenção a esses aspectos e o desenvolvimen- focalizar sua atenção no paciente. Para fazer
to dessas competências são elementos fun- isso, é preciso que suas necessidades pessoais
damentais para o êxito na condução de en- estejam sendo suficientemente atendidas, e
trevistas. que ele possa reconhecer os momentos em que
Uma entrevista, na prática, antes de poder isso parece não estar ocorrendo. Isso implica
ser considerada uma técnica, deve ser vista que as ansiedades presentes não sejam tão
como um contato social entre duas ou mais fortes a ponto de interferir no processo. As
pessoas. O sucesso da entrevista dependerá, ansiedades inconscientes do entrevistador le-
portanto, de qualidades gerais de um bom vam à resistência e dificultam a escuta, princi-
contato social, sobre o qual se apóiam as téc- palmente de material latente na fala do entre-
nicas clínicas específicas. Desse modo, a exe- vistado. Cuidando de suas necessidades pes-
cução da técnica é influenciada pelas habilida- soais, o entrevistador poderá ouvir o outro de
des interpessoais do entrevistador. Essa inter- um modo diferenciado. Essa escuta diferencia-
dependência entre habilidades interpessoais e da, por si só, é considerada um dos elementos
o uso da técnica é tão grande que, muitas ve- terapêuticos (Cordioli, 1993).
zes, é impossível separá-las. O bom uso da téc- Por estar atento ao paciente, o entrevista-
nica deve ampliar o alcance das habilidades dor estará mais apto a ajudá-lo a sentir-se à
interpessoais do entrevistado e vice-versa. Para vontade e a desenvolver uma aliança de traba-
levar uma entrevista a termo de modo adequa- lho. A aliança para o trabalho, que mais tarde
do, o entrevistador deve ser capaz de: se desenvolverá em uma aliança terapêutica, é
1) estar presente, no sentido de estar intei- composta de dois fatores: a percepção de es-
ramente disponível para o outro naquele mo- tar recebendo apoio e o sentimento de esta-
mento, e poder ouvi-lo sem a interferência de rem trabalhando juntos (Horvath, Gaston &
questões pessoais; Luborsky, 1993; Luborsky, 1976). Desenvolver
PSICODIAGNÓSTICO – V 53
difíceis de serem resolvidos na relação. Tais te- vistador uma via inigualável de compreensão
mas podem vir a ser configurados como tabus da experiência do outro. A contratransferên-
na relação e podem não ser abordados ade- cia foi inicialmente conceituada, como proces-
quadamente. Por exemplo, uma senhora sol- so patológico residual do terapeuta, como “os
teira apresentou-se para terapia com uma his- próprios complexos e resistências internas”
tória de depressões recorrentes. Ficou claro que (Freud, 1910, p.130). Com o tempo e o desen-
tais episódios começaram após um envolvimen- volvimento do conceito de identificação proje-
to amoroso com um padre e a decisão unilate- tiva, percebeu-se a característica universal do
ral dele de abandonar o relacionamento. A processo contratransferencial e sua importân-
perspectiva de falar de experiências sexuais, cia na compreensão profunda da comunicação
neste contexto, com alguém da idade da mãe paciente-terapeuta. Os trabalhos clássicos de
do terapeuta trouxe para ele dificuldades que Heimann (1950), Racker (1981) e Pick (1985),
levaram a um impasse sério na entrevista ini- bem como a revisão detalhada de Hinshelwood
cial. (1991), descrevem e ilustram esses processos.
A capacidade de reconhecer as defesas e o Existem momentos em que a entrevista pas-
modo particular de estruturação do paciente é sa por situações de impasse importantes. Por
de especial interesse. Uma pessoa que adota exemplo, uma pessoa pode, a determinada al-
um estilo rígido de personalidade (p.ex., colo- tura, dizer: “Não sei se realmente deveria estar
ca-se de uma maneira predominantemente falando isso. Não sei se realmente quero fazer
dependente em suas relações) ou persistente- isso”. Ou, mais decididamente: “Essa é a ter-
mente projeta (p.ex., culpa os pais por suas ceira vez que procuro ajuda, e não adiantou
dificuldades), revela aspectos significativos de nada”. Assumir a iniciativa em momentos de
seu modo de ser (estrutura) e funcionar (dinâ- impasse significa poder mobilizar recursos pes-
mica). Reconhecendo esses aspectos, o entre- soais diante de situações difíceis e inespera-
vistador poderá antecipar essas situações de das. Significa poder usar a criatividade para dar
transferência e evitar respostas contratransfe- uma resposta eficaz no momento. Por exem-
renciais inadequadas. Ao reconhecer as dinâ- plo, pode ser crucial ajudar a explorar alterna-
micas e modos de interagir do sujeito, pode- tivas e buscar uma perspectiva em momentos
mos dirigir nosso modo de proceder de ma- de desesperança. Eis alguns exemplos de situa-
neira mais eficiente. O avaliador pode anteci- ções críticas que requerem do entrevistador
par as ansiedades da pessoa e adaptar-se de capacidade de agir: risco de vida (ideação sui-
modo correspondente. Se a pessoa apresenta cida), sintomas psicóticos, violência, impulsi-
uma postura dependente, obsessiva, auto-en- vidade, ou outras situações que podem levar a
grandecedora ou colaboradora, a observação um desfecho prejudicial para as pessoas en-
desta atitude ou comportamento já é informa- volvidas. Uma paciente disse, dez minutos an-
ção diagnóstica a ser integrada na interpreta- tes do final da primeira entrevista: “Não sei se
ção. A observação do comportamento, da co- estarei aqui na semana que vem”. A partir da
municação não-verbal e do material latente exploração cuidadosa dessa fala, tornou-se cla-
contribui de maneira especial. Restringir o ro que ela estava considerando o suicídio. A
âmbito do interpretável somente ao conteúdo terapeuta precisou lidar com isso de forma di-
explícito da comunicação pode acarretar per- reta e decisiva, de modo a evitar um desfecho
da de informação clínica significativa. autodestrutivo. Desenvolver recursos pessoais
Ser capaz de compreender seus processos para lidar com tais situações é fundamental
contratransferenciais é, possivelmente, um dos para que o entrevistador possa trabalhar com
recursos mais importantes do clínico. Reconhe- segurança.
cer como os processos mentais e afetivos são Finalmente, espera-se que o entrevistador
mobilizados em si mesmo e ser capaz de rela- tenha domínio das técnicas que utiliza. É pelo
cionar esse processo ao que se passa na rela- domínio da técnica que o entrevistador pode
ção imediata com o sujeito fornece ao entre- deixar de se preocupar com a sua execução e
PSICODIAGNÓSTICO – V 55
seja evitá-lo. O melhor contexto para desen- darem opiniões em situações difíceis. Um olhar
volver habilidades internas para lidar com es- diferente tem sempre o potencial de favorecer
sas situações é na supervisão clínica. Ela nos nossa compreensão sobre um caso. Em ambas
permite enxergar com os olhos do outro. A as situações descritas – de conflitos impostos
supervisão é uma atividade que oferece meios pela natureza da tarefa, ou pela experiência do
fundamentais para o profissional entrar em profissional na relação –, o antídoto é não se
contato com entraves pessoais no trabalho clí- isolar, buscar apoio em profissionais e colegas
nico, devendo ser utilizada sempre que possí- de confiança e desenvolver a capacidade pes-
vel, principalmente no início de carreira. Mes- soal de lidar com a complexidade dessas situa-
mo pessoas experientes buscam colegas para ções.
PSICODIAGNÓSTICO – V 57
resultados. Da mesma forma, à medida que o Eventualmente, o paciente não consegue
paciente relata a sua história, o clínico tem determinar o início de seus problemas. Então,
condições de avaliar alguns aspectos que cons- temos de examinar a sua história pessoal, de
tam do exame do estado mental do paciente. maneira a identificar quando ou como, a par-
Nesses dois recursos de avaliação, como sali- tir de um ajustamento global regularmente
entam MacKinnon e Yudofsky (1988b), “exis- bom, começaram a se delinear dificuldades ou
tem várias áreas de superposição” (p.50). O pri- a se evidenciar comprometimentos em uma ou
meiro contato com o paciente, por exemplo, mais áreas de funcionamento social, profissio-
permite não só descrever a sua aparência, como nal, acadêmico, etc. Da mesma forma, embo-
observar detalhes de seu comportamento, isto ra, teoricamente, a história clínica termine com
é, sobre atenção, concentração e pensamen- o encaminhamento, há situações em que se
to, e até sintomas emergentes na história clí- registra uma continuidade, durante o proces-
nica podem ser relatados no exame. Da mes- so psicodiagnóstico, apresentando-se fatos que
ma maneira, a anamnese envolve um levanta- devem ser incluídos neste item na redação do
mento normativo do desenvolvimento, mas laudo.
que, dependendo dos objetivos do exame, Freqüentemente, ao se levantar a história
pode ser de pouca ou nenhuma utilidade se os clínica, já se tem conhecimento das queixas,
padrões de comportamento emergentes ao dos motivos que levaram à consulta, confor-
longo da infância não forem focalizados em me informações prévias dadas por alguém ou
sua significação dinâmica. discriminadas no encaminhamento. Mas sem-
Na realidade, ao longo de sua experiência, pre é importante ter a versão do próprio pa-
o psicólogo vai se dar conta de que as várias ciente. Há casos em que ele não se encontra
perspectivas são áreas de informação tão inte- preparado para o exame, e é conveniente ex-
gradas, que se torna mais econômico e produ- plorar as circunstâncias em que foi tomada a
tivo não separá-las, na prática, completando decisão da consulta. Essa abordagem permite
os dados com perguntas suplementares, de ao profissional antecipar dificuldades e propor-
forma que se termine com um registro siste- ciona-lhe indícios sobre temas mais delicados
mático de cada uma. Não obstante, é bom ter ou ansiogênicos para o paciente.
em mente que a avaliação deve ser feita com Exploradas as circunstâncias do encaminha-
ênfases especiais, em sujeitos de faixas etárias mento, parece importante registrar as queixas
diversas, como veremos mais adiante. literalmente, mesmo que “ele negue absoluta-
mente ter problemas ou faça afirmações ilógi-
cas ou bizarras, porque a resposta dada revela
HISTÓRIA CLÍNICA se ele compreende o propósito do exame” (De-
tre & Kupfer, 1975, p.730).
Por influência do modelo médico, a história Se o paciente nega ter problemas, pode se
clínica é muitas vezes chamada de história da tratar de uma posição defensiva, falta de insi-
doença atual. Porém, especialmente no caso ght, ou ele pode estar falando a verdade, se
do psicólogo, ocorre que muitos problemas considerarmos que certos encaminhamentos
com que se lida não podem ser categorizados ocorrem por pressão do meio ante comporta-
como “doença mental”, ainda que envolvam mentos não aceitáveis convencionalmente ou,
uma sintomatologia que pode justificar uma ainda, por intolerância dos familiares ante uma
intervenção clínica. crise.
A história clínica pretende caracterizar a De qualquer modo, as queixas, os motivos
emergência de sintomas ou de mudanças com- explícitos ou, até, a não-admissão de sintomas
portamentais, numa determinada época, e a fornecem um ponto de partida. Sejam as preo-
sua evolução até o momento atual, que habi- cupações próprias ou das pessoas com as quais
tualmente é entendido como a ocasião em que o paciente convive, elas devem se associar a
o exame foi solicitado. algumas mudanças no comportamento ou a
PSICODIAGNÓSTICO – V 59
mações necessárias (e se deve tentar usar fon- Contexto familiar
tes secundárias) ou as omitirá por motivos de-
fensivos. Porém, no momento em que se tem Geralmente, é útil construir um genetograma,
a queixa e a história clínica, há condições para nem que seja de forma resumida, focalizando,
definir a estrutura da história pessoal necessá- principalmente, o núcleo familiar atual. Em al-
ria, considerando os objetivos do exame, o tipo guns casos, é de interesse diagnóstico obter
de paciente e a sua idade. informações inter e transgeracionais (vide Ca-
Se estamos lidando com uma criança cujo pítulo 12, nesta edição). Deve-se procurar des-
aproveitamento escolar é insatisfatório, temos crever o contexto familiar, por ocasião da con-
de atentar para questões do desenvolvimento cepção (ou da adoção da criança), especifican-
normativo. Entretanto, como tal desenvolvi- do o status marital, as condições sociocultu-
mento se deu num contexto familiar, além de rais (nível de instrução, nível socioeconômico,
dados cronológicos, devem-se explorar variá- rede de apoio social, etc.), o clima das relações
veis afetivas e sociais. Às vezes, importa pouco afetivas do casal ou da família, suas expectati-
saber por quanto tempo o paciente foi alimen- vas quanto à vinda de um bebê ou a existência
tado ao peito sem ter uma noção sobre seus de algum tipo de planejamento familiar, bem
vínculos afetivos com a figura materna nessa como as reações ante a gravidez. Por vezes, é
época. Assim, é importante associar a perspec- conveniente registrar outros aspectos ou pro-
tiva histórica a uma abordagem dinâmica. Por blemas que caracterizavam a vida familiar.
outro lado, dependendo da problemática e da
estrutura de personalidade do paciente, certas
áreas e certos conflitos deverão ser mais ex- História pré-natal e perinatal
plorados do que outros, concentrando-se a
atenção em certos pontos da vida do paciente É importante descrever como transcorreu a
que tenham probabilidade de fornecer expli- gestação (ou o processo de adoção) do ponto
cações para a emergência e o desenvolvimen- de vista físico e psicológico. Não aceite sim-
to do transtorno atual. Conseqüentemente, a plesmente a classificação de “normal” (houve
entrevista pode ser estruturada de forma di- acompanhamento médico sistemático? pré-
versa se o paciente apresentar sintomas obses- natal?). Procure informar-se a respeito de as-
sivo-compulsivos ou uma personalidade anti- pectos nutricionais, doenças, acidentes, uso de
social (MacKinnon & Yudofsky, 1988). A fami- drogas, ou, ainda, de fatos significativos na vida
liaridade com um enfoque teórico-psicodinâ- do casal, em especial para a mãe. Procure sa-
mico e com a técnica de entrevista em casos ber qual o estado psicológico da mãe, em ter-
especiais é de especial importância para que a mos de ansiedades, temores e fantasias e como
história clínica possa ser complementada pela isso repercutiu na vida do casal.
história pessoal, como um marco referencial Em muitos casos, é essencial se informar
que lhe dê significação. quando e como ocorreu o parto, isto é, se foi a
Freqüentemente, o psicólogo segue um ro- termo, natural ou não, sobre o tempo de tra-
teiro, que o ajuda a dar seguimento à sua in- balho de parto e sobre problemas especiais.
vestigação. Não estamos oferecendo exatamen- Procure saber das condições da criança ao nas-
te um roteiro, mas apresentando tópicos que cer, sobre o Apgar e a necessidade de algum
podem servir como pontos de referência para atendimento especial. Investigue as reações dos
a exploração da vida do paciente. A maior ou pais em relação ao bebê, quanto à sua aparên-
menor ênfase a ser dada a cada tópico ou a cia, sexo e estado geral e, também, informe-se
forma de seleção das informações significati- sobre as experiências iniciais (sucção, degluti-
vas têm que ver com o objetivo do exame, tipo ção, qualidade da relação mãe-filho, etc.).
de paciente e sua idade, ou, ainda, com “as Verifique como os pais reagiram afetiva-
circunstâncias da entrevista e da avaliação” mente às mudanças ocorridas pela inclusão de
(Strauss, 1999, p.574). mais um membro na constelação familiar, pro-
PSICODIAGNÓSTICO – V 61
uma nova percepção de sua identidade. É im- ticas, conflitos na relação com pais, professo-
portante analisar a sensibilidade do ambiente res e outras figuras. Da mesma maneira, é con-
no manejo de suas expressões afetivas (de amor veniente identificar figuras idealizadas no con-
ou de ódio), identificar os responsáveis por re- texto familiar ou na sociedade mais ampla, o
compensas ou castigos usuais, as circunstân- que “fornece indícios valiosos com relação à
cias em que ocorriam e evidências de sintomas auto-imagem idealizada do paciente” (MacKin-
específicos. non & Yudofsky, 1988, p.64).
O desempenho escolar é outro campo a ser Em segundo lugar, é importante registrar a
investigado, considerando forças e fraquezas história escolar, em termos de desempenho,
em determinadas áreas. Se houve fracassos, aproveitamento, ajustamento, interesses espe-
deve-se verificar se foram exploradas causas, cíficos em relação às atividades curriculares e
que medidas foram adotadas e qual seu im- extracurriculares (cursos, passatempos, espor-
pacto sobre a criança. Mudanças na escola, tes, etc.), bem como as expectativas quanto
necessidade de reforços para a aprendizagem ao futuro acadêmico ou profissional. Da mes-
e atividades extracurriculares (interesses espe- ma forma, é conveniente analisar fracassos,
cíficos) podem ser importantes no contexto interrupções na vida escolar, por necessidade
vital, pela consideração das épocas e circuns- de trabalhar ou por outras razões, e o conse-
tâncias em que ocorreram, bem como de sua qüente impacto na vida do sujeito.
inter-relação com outros eventos. Em terceiro lugar, é essencial considerar a
“História de pesadelos, fobias, urinar na área sexual, quanto às primeiras experiências,
cama, provocação de incêndios, crueldade com atitudes frente ao outro sexo, práticas sexuais
animais e masturbação compulsiva é também (masturbação, jogos), escolha e variabilidade
importante no reconhecimento dos primeiros de parceiros, dificuldades, conflitos e as rea-
sinais de distúrbio psicológico” (MacKinnon & ções da família frente ao desenvolvimento sexual
Yudofsky, 1988, p.63-64). Mas, igualmente, é (preparação para menarca, esclarecimentos ne-
essencial considerar a freqüência, a intensida- cessários, precauções a serem tomadas, etc.).
de, as circunstâncias do aparecimento de sinto- Em quarto lugar, aparecem problemas es-
mas, sua coexistência com outros sinais de per- pecíficos, com repercussões de ordem emocio-
turbação ou a sua relação com situações críticas. nal, física ou social. As questões psicodinâmi-
cas típicas da fase devem ser examinadas, como
também a presença de sintomas em uma ou
Pré-puberdade, puberdade e adolescência mais áreas de funcionamento (Wilson Jr., 1971),
o que será considerado mais especificamente
Há quatro pontos importantes para os quais adiante. Problemas comuns são sentimento de
se deve dirigir a atenção do examinador. inferioridade, muitas vezes se relacionando
Em primeiro lugar, esta é a época em que com a aparência, comportamentos de atuação
as relações sociais vão se tornando mais im- (fugas de casa, infrações legais, uso, depen-
portantes e devem ser consideradas, enfocan- dência e abuso de drogas ou álcool, etc.).
do irmãos, colegas e amigos. Deve-se analisar Além desses quatro pontos importantes
a facilidade ou não de estabelecer e manter (como em outros períodos do desenvolvimen-
relações, avaliar a extensão da rede de amiza- to), não se pode deixar de investigar a ocor-
des, o grau de intimidade nas amizades, iden- rência de doenças, acidentes ou de experiên-
tificar qual o papel desempenhado nos grupos, cias comuns.
grau de popularidade e liderança, a tendência
de participar de grupos que se envolvem em
atividades não aceitas pelas normas sociais ou, Idade adulta
ao contrário, de organizações com interesses
artísticos, políticos, religiosos, etc. Também, Os principais temas a serem abordados incluem
neste item, devem ser examinadas caracterís- a história e a situação ocupacional, as relações
PSICODIAGNÓSTICO – V 63
mento, tal entrevista pode ser essencial para bard (1998) que “uma entrevista dinâmica não
analisar como o sujeito enfrentou e ultrapas- é uma sessão de psicanálise” (p.64). Trata-se
sou as crises psicossociais pré-adolescentes, de um modo específico de compreender os
bem como para obter dados sobre o seu ma- fatos. Desse modo, não se analisam os efeitos
nejo das questões psicodinâmicas sintônicas especiais de um e outro acontecimento, como
com a fase em que se encontra. Como mate- também suas interações. Bellak e Small (1980)
rial suplementar, além dos citados em relação exemplificam: “a perda da mãe na infância do
ao paciente adulto, podem ser utilizadas fon- paciente deve ser posta em relação com a che-
tes de informações da escola (boletins, entre- gada anterior de um irmão e com a ausência
vistas ou contatos telefônicos com psicólogos, prévia e prolongada do pai no lar” (p.51). Os
orientadores, professores, etc.), diários ou ou- acontecimentos também devem ser entendi-
tras produções espontâneas. No caso de pare- dos em função da época em que ocorreram,
cer pertinente, pode-se utilizar material de pro- pois a sua repercussão psicodinâmica pode ser
dução infantil, como dados ilustrativos das fa- intensificada em meio a uma crise de desen-
ses evolutivas precedentes. volvimento, por exemplo, e eventualmente
Em relação à criança, a entrevista com a mãe agravada por vulnerabilidade no desenvolvi-
e, eventualmente, com outros familiares, es- mento anterior.
pecialmente o pai, torna-se essencial, pois cons- Devemos lembrar, por outro lado, que “todo
tituirá realmente a fonte primária de dados, comportamento é uma tentativa de adaptação,
tornando-se quase sempre a própria criança a e a desadaptação atual, que traz o paciente a
pessoa que poderá complementá-los. No en- nós, está baseada em grande parte em modos
tanto, há fontes subsidiárias importantes, des- aprendidos mais antigos de se adaptar aos pro-
de o álbum do bebê, gravações em vídeo, fo- blemas” (p.51).
tografias, desenhos, cadernos escolares, até Como os padrões psicodinâmicos tendem
entrevistas ou contatos telefônicos com pes- a se repetir, devemos entender a situação atual
soas que atendem ou atenderam a criança, seja em termos de denominadores comuns, na vida
de forma sistemática (professores, fonoaudió- do paciente, ou, mais especificamente, no con-
logos, pediatra, etc.) ou assistemática (espe- teúdo de eventos perturbadores e de reações
cialistas na área médica), sendo também even- passadas correlatas. Isso significa que, a partir
tualmente úteis laudos médicos ou psicológi- do quadro atual do paciente, se pode levantar
cos anteriores. Pode-se ainda acrescentar o re- uma série de hipóteses etiológicas, com base
curso da observação do comportamento da em pressupostos teóricos, o “que deve ser jus-
criança no lar ou em outras situações. tificado por dados históricos” (p.53).
Neste processo, partimos de queixas, iden-
tificamos conflitos, pesquisamos causas, inter-
AVALIAÇÃO DINÂMICA relacionamos conteúdos, reunindo e integran-
do informações que embasam o entendimen-
A não ser em casos muito específicos, em que to dinâmico no fluxo da história do paciente.
o objetivo diagnóstico é bastante circunscrito,
a avaliação dinâmica é realizada geralmente
integrada com a história, buscando-se uma Enfoque especial no caso do adolescente
relação entre a pessoa com seus problemas
específicos atuais e as experiências de sua vida Considerando que o paciente adolescente atra-
passada. Pretende-se colocar a problemática vessa uma crise de desenvolvimento, sua pro-
presente numa perspectiva histórica, que per- blemática pode ser entendida dentro de um
mita compreender o transtorno dentro de um esquema multiaxial, inspirado numa classifica-
processo vital, em um contexto temporal, afe- ção diagnóstica de crise da adolescência, pro-
tivo e social, com base num quadro referencial posta por Wilson Jr. (1971) e baseada na linha
teórico. Mas é importante sublinhar com Gab- teórica de Erikson. Embora esta seja uma abor-
PSICODIAGNÓSTICO – V 65
o enfrentamento das questões psicodinâmicas uma percepção da sintomatologia atual, que
da adolescência, isto é, o paciente não chegou serve como referencial para identificar confli-
a se “matricular” na adolescência. Justifica-se tos ou áreas de desenvolvimento, que devem
o diagnóstico também no Eixo II e no Eixo III. A ser mais detidamente explorados. Não obs-
história clínica tem início por ocasião do apa- tante, embora a maior densidade dos dados
recimento dos primeiros sintomas, em fase seja obtida por entrevista com a mãe, é bas-
anterior à adolescência, e o entendimento di- tante elucidativo ter a versão da própria
nâmico deve abranger a crise ou crises mal ul- criança. Além disso, em muitos casos, reco-
trapassadas. menda-se a entrevista lúdica (vide Capítulo
Dessa maneira, vemos que um esquema te- 10, nesta edição) para a obtenção de indí-
órico pode fornecer um embasamento, não cios, que podem alargar e aprofundar o en-
só para a compreensão da problemática atual, tendimento dinâmico.
como pode permitir que o clínico se situe no Como foi salientado em relação ao adoles-
enfoque adequado da história clínica e no cente, é importante examinar o enfrentamen-
manejo da avaliação dinâmica. to das questões psicodinâmicas da fase em que
a criança se encontra, tentando determinar se
os problemas estão circunscritos a ela. Caso
Enfoque especial no caso da criança contrário, é importante analisar a sua relação
com fases anteriores, que podem ter ou não
No caso da criança, como no que se refere ao uma vinculação causal com os conflitos atuais,
adolescente, a perspectiva do desenvolvimen- havendo ou não manifestações sintomáticas
to é crucial, o que tem duas repercussões es- prévias. Por exemplo, a criança pode estar en-
senciais. Em primeiro lugar, a precisão crono- frentando mal a crise edípica, e seus sintomas
lógica dos dados da anamnese é muito mais podem se explicar por vulnerabilidade na fase
importante do que em outras fases, porque anal, cujos conflitos explicam os mecanismos
podem se evidenciar desvios no desenvolvimen- obsessivos que vem apresentando. Se os sin-
to por atrasos na emergência de certos padrões tomas eclodiram na fase edípica, aí se inicia a
de comportamento que podem estar direta- história clínica, embora o entendimento dinâ-
mente relacionados com a problemática atual. mico deva abranger as dificuldades mais anti-
Em segundo lugar, é extremamente importan- gas. Se houve sintomas de mau funcionamen-
te que haja uma abordagem dinâmica dos fa- to prévio, aí se inicia a história clínica.
tos do desenvolvimento para permitir uma di- Quando tratamos da problemática do
mensão mais profunda na compreensão do adolescente, lançamos mão da formulação
caso. Na prática, porém, é recomendável so- teórica de Erikson. Aqui, propositalmente,
brepor esses enfoques, na entrevista, diferen- utilizamos pressupostos freudianos, para
ciando-os, depois, no laudo, se for o caso. deixar bem claro que o importante é que o
Para a coleta de dados, contamos funda- clínico eleja uma linha de pensamento e, a
mentalmente com as informações da mãe, e partir dela, tente um entendimento da pro-
pode-se iniciar pela queixa, procurando-se ter blemática do paciente.
PSICODIAGNÓSTICO – V 67
like physicians: what one says, the other con- A sensopercepção é a capacidade de cap-
tradicts”* (’Lectric Law Library, 2000). tar as sensações, através dos receptores sen-
Independentemente de qualquer dispositi- soriais, e transformá-las em imagens ou sen-
vo legal sobre a responsabilidade civil ou da sações no sistema nervoso central.
legislação referente a serviços prestados, pre- Os transtornos mais freqüentes são: as ilu-
valecerá, para alguns, o princípio de que é im- sões (do latim illusionem; engano) e as aluci-
possível cientificidade sem apreensão e fixação nações (do latim alucinare; etimologicamente,
de alguns conceitos que disciplinem e organi- privado da razão, enlouquecido).
zem as nossas observações. Para os que en- Fenomenologica e clinicamente, entende-
dossarem essa tese, o exame detalhado do es- se por ilusão a percepção deformada de um
tado mental do examinando, ou do paciente, objeto. As ilusões podem ser causadas pelos
será sempre importante, independentemente seguintes fatores:
dos riscos jurídicos. a) peculiaridades do sistema de refração:
No que diz respeito à ordenação metodo- por exemplo, aberrações cromáticas, deforma-
lógica do exame do estado mental, há um con- ções da imagem de objetos em decorrência do
senso de que as principais alterações envolvem meio em que se encontram (meio líquido, meio
sinais e/ou sintomas nas seguintes áreas da aéreo);
conduta humana: atenção, sensopercepção, b) limitações naturais dos órgãos do senti-
memória, orientação, consciência, pensamento, do: por exemplo, ilusões de ótica, como o pa-
linguagem, inteligência, afetividade e conduta. ralaxe binocular, ocorrendo também na simul-
A atenção é um processo psíquico que per- taneidade de sensações, notadamente se fo-
mite concentrar a atividade mental sobre um rem rítmicas e monótonas, na medida em que
fato determinado. No exame da atenção, é podem provocar um equívoco da síntese per-
importante considerar: a capacidade de con- ceptiva;
centração; quanto tempo é mantida a atenção c) alterações da consciência: por exemplo,
(persistência/fatigabilidade); em quantos obje- nos estados onde há uma turvação ou obnubi-
tos é capaz de estar focada simultaneamente lação da consciência; são as ilusões denomi-
(distribuição); quanto tempo demora para co- nadas metamorfósicas (macroscopia, micros-
meçar a efetiva atenção (excitabilidade). copia e porropsia);
São habitualmente deferidas como trans- d) falta de atenção: tanto nos casos de re-
tornos de atenção: a) aprosexia (ausência de laxamento normal da atenção, como nas ma-
atenção; p.ex., demências graves); b) hipopro- nifestações patológicas que ocorrem nos qua-
sexia (diminuição da atenção; p.ex., demência), dros maníacos ou em outros estados de agita-
c) hiperprosexia (atenção espontânea exage- ção;
rada; p.ex., mania), d) distraibilidade (atenção e) catatimias (denomina-se catatimia a in-
excitável, inconstante; p.ex., síndrome hiperci- fluência exercida pela afetividade, na percep-
nética). ção, na atenção, no julgamento e na memó-
A expressão distração pode ser utilizada em ria): no caso da afetividade manifestar a sua
sentidos opostos. Pode ser entendida como a influência sobre a percepção da realidade, por
impossibilidade de manter constante atenção, exemplo, quando o indivíduo está envolvido
mas também pode ser empregada para identi- em desejos intensos, como a paixão, ou está
ficar aquela situação onde o indivíduo está tão atemorizado, a percepção da realidade pode
concentrado que não se dá conta do que se resultar deformada, e tal deformidade se ma-
passa ao seu redor. Nesse caso, é habitual uti- nifestar por ilusões dos objetos que o cer-
lizar-se a expressão desatenção seletiva. cam; no caso da paixão, a deformação ocor-
re devido ao mecanismo denominado ideali-
zação;
*“Advogados são exatamente iguais aos médicos: o que
f) erros de julgamento: os erros de julga-
um diz, o outro contradiz.” mento auto ou heteroinduzidos, normais ou
PSICODIAGNÓSTICO – V 69
triônica (desorientação temporo-espacial limi- dade. Constituem o segundo nível de comple-
tada); f) oligofrênica (dificuldade de aprender xidade de estruturação qualitativa do pensa-
ou entender). mento. Já por raciocínio, entende-se a capaci-
Quanto à consciência, o termo significa a dade de concluir, podendo ser indutivo (do
capacidade de o indivíduo se dar conta do que particular para o geral), dedutivo (do geral para
está ocorrendo dentro e ao redor de si, ao al- o particular) e analógico (do conhecimento
cance de seu sensório. É apenas neste sentido particular para o particular).
de consciência-vigilância de processo psíquico No exame do pensamento, cabe analisar as
integrador dos demais que essa função do ego denominadas operações racionais: a) análise e
é valorizada clinicamente. Não se refere, por- síntese; b) generalização e sistematização; c)
tanto, a valores éticos, como, por exemplo, a abstração e concreção; d) comparação.
chamada consciência moral, nem tampouco à Nas denominadas manifestações quantita-
capacidade da pessoa saber o porquê das coi- tivas do pensamento, avaliam-se a velocidade
sas. de associação das idéias ou o fluxo de idéias.
O estado de consciência, em conjunto, é De um modo geral, a análise do pensamen-
suscetível de alterar-se de várias maneiras, to clinicamente é feita sob três aspectos: pro-
quanto à sua continuidade, amplitude e clari- dução, curso e conteúdo.
dade. Os mais freqüentes são os estados de As principais patologias do pensamento,
obnubilação (ou turvação), os estados de coma, são, habitualmente, agrupadas em distúrbios
os estados de estreitamento da consciência (ca- da produção do pensamento, curso do pensa-
sos de epilépticos) e os estados de dissociação mento e conteúdo do pensamento.
da consciência (casos de histeria). Quanto à produção, costuma-se distinguir
O pensamento traduz a aptidão do indiví- pensamento mágico e pensamento lógico. O
duo para elaborar conceitos, articular esses primeiro é assim denominado por apresentar,
conceitos em juízos e, com base nisso, cons- na sua contextura, a predominância das idéias
truir raciocínios, de modo a solucionar com próprias do primitivo, do selvagem ou das
algum êxito os problemas com que se depara. crianças no nosso mundo civilizado, as quais,
São características gerais do pensamento: a) de um modo geral, possuem uma mentalida-
as capacidades de generalização; b) a capaci- de pré-lógica, o que não quer dizer ilógico ou
dade de identificar e distinguir nos fenômenos antilógico.
e objetos da natureza o que é o essencial e o No curso do pensamento, observa-se, na
que é o acessório; c) a capacidade de utilizar o prática clínica, que ele se apresenta isolada-
cabedal de conhecimentos acumulado para mente, isto é, sem as alterações concomitan-
elaborar conceitos e fazer raciocínios. tes de todo o pensamento. São exemplos prin-
As denominadas manifestações qualitativas cipais de tais alterações: a) fuga de idéias (ace-
do pensamento incluem os conceitos, os juí- leração do pensamento com exuberância e in-
zos e os raciocínios. Por conceitos entendemos continência verbal), comum nos quadros ma-
a aptidão de relacionar a palavra com o seu níacos; b) inibição do pensamento, que é opos-
significado e a aptidão de relacionar entre si to do anterior, podendo atingir proporções de
os significados das palavras. Constituem o ní- um verdadeiro mutismo, sendo uma anorma-
vel mais elementar das unidades estruturais do lidade comum nos quadros depressivos; c) per-
pensamento. Os juízos representam a possibi- severação/verbigeração, ou seja, aderência in-
lidade de relacionar conceitos entre si. Através voluntária, passiva, automática e obstinada do
do juízo, afirma-se ou se nega algum atributo pensamento a determinados temas, locução,
ou qualidade a um objeto ou fenômeno. Os frases, palavras pronunciadas inúmeras vezes,
interesses, desejos, sentimentos e necessida- sem qualquer propósito identificável com a
des de uma pessoa influem, marcadamente, realidade; d) desagregação, ou perda da capa-
sobre o seu julgamento, se ela não estiver aten- cidade de estabelecer relações conceituais; e)
ta para isso e treinada para manter a neutrali- bloqueio/interceptação ou detenção, em que
PSICODIAGNÓSTICO – V 71
e emitir as palavras, mas a fala resulta total- tuações, mediante o consciente emprego de
mente incompreensível; 2) afasia de Broca (afa- meios ideativos (Melo, 1979).
sia mista), quando todas as modalidades de Depreende-se que a inteligência não é so-
linguagem estão afetadas; 3) afasia motora mente a posse de numerosos processos ide-
pura, em que o paciente pode entender o que ativos, mas também a capacidade de aplicá-
lhe é dito, pode ler e escrever, só não pode los. Assim, portanto, resulta que um indiví-
falar; duo inteligente não é só o que pensa muito,
c) disfonia, defeito da fala que resulta em mas, também, em determinadas circunstân-
alteração da sonoridade das palavras, de cau- cias, aquele que pensa pouco. A exigência
sa periférica (traquéia, aparelho respiratório) e fundamental para a caracterização da inteli-
não central (sistema nervoso central, como as gência é sempre de ordem econômica, pois
disfasias e as disartrias); o que se espera da pessoa inteligente é ob-
d) dislalia, quando a linguagem resulta de- ter o máximo de efeito com o menor dispên-
feituosa, sem que haja lesão central. dio possível. Dessa maneira, não adianta ape-
Os principais quadros patológicos da lingua- nas sermos eficientes (dedicados), pois de-
gem falada de causa predominantemente psí- vemos também ser eficazes na execução do
quica são: a) mutismo; b) logorréia: fluxo in- que fazemos.
cessante, com comprometimento da coesão Diz-se que um indivíduo será tanto mais
lógica; o estado mais grave é a chamada fuga inteligente: 1) quanto melhor, mais rápido e
de idéias, e ocorre porque a velocidade do flu- mais facilmente compreenda; 2) quanto maior,
xo do pensamento ultrapassa as possibilida- mais extenso e variado for o número de enla-
des de expressão das idéias); c) jargonofasia: ces e associações que estabeleça entre os da-
as palavras são pronunciadas corretamente, dos da compreensão; 3) quanto mais pronta e
mas não combinam de forma lógica (“salada espontaneamente elabore novas e originais
de palavras”); d) parafrasia: quando são inse- idéias que ampliem e enriqueçam o seu patri-
ridas, numa frase corretamente construída, mônio representativo e ideativo; 4) quanto
uma ou várias palavras, sem o mínimo signifi- melhor saiba ajuizar com segurança e racioci-
cado com as demais; e) neologismo: formação nar com lógica; 5) quanto melhor se adapte às
de uma palavra nova, que passa a ser utilizada exigências das situações vitais.
em lugar de outra, e cujo significado somente As patologias mais freqüentes são os esta-
o paciente sabe qual é; f) coprolalia: uso habi- dos deficitários, congênitos ou adquiridos da
tual e incontrolável de linguagem obscena e atividade intelectual. A exploração da capaci-
grosseira, fora do contexto adequado, deven- dade intelectual e os métodos utilizados para
do ser analisados a intencionalidade e o auto- aferição da inteligência são feitos, basicamen-
matismo do ato; g) verbigeração ou estereoti- te, por testes psicológicos específicos.
pia verbal: repetição de sílabas, vocábulos, A afetividade revela a sensibilidade inter-
palavras e até frases inteiras de forma incon- na da pessoa frente à satisfação ou à frustra-
trolável e monótona; h) pararrespostas: quan- ção de suas necessidades. A necessidade, por-
do a resposta dada a uma pergunta não guar- tanto, é o ponto de partida da afetividade. A
da a mínima relação com o que foi perguntado. necessidade, por sua vez, é definida fenome-
A inteligência, a bem dizer, não constitui nologicamente como a tendência natural que
uma função, faculdade ou função psíquica, a impulsiona o indivíduo a praticar um ato ou a
priori. Tal designação é a resultante funcional buscar uma categoria determinada de objetos.
das diversas funções que integram os proces- Em princípio, considera-se que toda ação de
sos do psiquismo humano. um indivíduo é determinada pelas suas neces-
Inteligência, assim como personalidade, é sidades conscientes e inconscientes. As neces-
uma grande síntese de nosso psiquismo. sidades, também denominadas de impulsos,
Há uma definição clássica de inteligência, manifestam-se como desejos conscientes ou
que é a capacidade de adaptar-se a novas si- como tendências inconscientes.
PSICODIAGNÓSTICO – V 73
nho. Este significado de força e de afirmação episódios de agitação psicomotora em pacien-
pessoal, de poder pessoal, não tinha um signi- tes oligofrênicos, portadores de quadros de-
ficado de violência, de hostilidade, de agres- menciais e portadores de afecções do lobo fron-
são física ou moral. Na língua inglesa, aggres- tal e temporal;
siveness significa afrontar, combater as dificul- 5) perturbações da tendência sexual (impo-
dades, enquanto aggressivity é utilizada para tência, frigidez, ejaculação precoce, sadoma-
caracterizar agressão despropositada. Existem soquismo, promiscuidade);
modelos etiológicos, psicológicos e sociológi- 6) perturbações da higiene corporal (incon-
cos para analisar o tema da agressividade. As tinência fecal e/ou urinária; gatismo).
alterações mais freqüentes da agressividade b) Alterações patológicas das necessidades
são a crueldade (infligir sofrimento ou se tor- humanas ditas superiores (não-primárias), por
nar indiferente diante do sofrimento alheio) e exemplo, avareza, prodigalidade, cleptomania,
a agressividade disfarçada auto ou heterodiri- hedonismo, colecionismo patológico, imedia-
gida (geralmente, sob a forma de sintomas tismo sociopático, egoísmo, narcisismo.
psicossomáticos). Uma forma particular de Finalmente, é necessário lembrar que nem
agressividade são as manifestações coléricas de todo exame psiquiátrico será, necessariamen-
pacientes epilépticos (furor epiléptico), as ma- te, tão detalhado. Por esse motivo é que exis-
nifestações de pacientes catatônicos (furor ca- tem os chamados exames simplificados, sen-
tatônico) e as manifestações coléricas de pa- do um deles o Mini-Exame do Estado Mental,
cientes maníacos (furor maníaco). Também são proposto por Folstein e colegas, em 1975 (Mac-
freqüentes esses estados de furor associados a Kinnon & Yudofsky, 1988a). (Vide Anexo A.)
A entrevista estruturada
para o DSM-IV
Marcelo Tavares
8
A entrevista é o instrumento mais poderoso
do psicólogo – o mais indispensável de to-
dos que possam ser colocados a seu alcance. Esse
uma técnica de entrevista semi-estruturada,
utilizada para a avaliação sistemática dos prin-
cipais transtornos mentais, segundo os crité-
lugar privilegiado da entrevista clínica nem sem- rios da quarta e última edição do Manual Diag-
pre tem recebido a devida consideração. As téc- nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais –
nicas de entrevista favorecem a manifestação das DSM-IV (APA, 1995). As diferentes modalida-
particularidades do sujeito. Com isso, permitem des de estruturação das entrevistas foram dis-
ao profissional acesso amplo e profundo ao ou- cutidas, em detalhe, no Capítulo 5 (Tavares,
tro, a seu modo de se estruturar e de se relacio- 2000a). A SCID tem demonstrado seu valor em
nar, mais do que qualquer outro método de co- psiquiatria, em saúde mental, em psicologia
leta de informações. Por exemplo, a entrevista é clínica, em psicologia forense e em psicologia
a técnica de avaliação que pode mais facilmente hospitalar. Além de sua utilidade nesses set-
se adaptar às variações individuais e de contex- tings, ela tem sido empregada como instrumen-
to, para atender às necessidades colocadas por to de ensino e de coleta de dados de pesquisa
uma grande diversidade de situações clínicas e nessas áreas.
para tornar explícitas particularidades que esca-
pam a outros procedimentos. Por meio dela,
podem-se testar limites, confrontar, contrapor e CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
buscar esclarecimentos, exemplos e contextos
para as respostas do sujeito. Esta adaptabilidade As técnicas de semi-estruturação de entrevis-
coloca a entrevista clínica em um lugar de desta- tas são relativamente novas no Brasil. Por esse
que inigualável entre as técnicas de avaliação. motivo, alguns profissionais estão pouco ha-
Neste capítulo, vamos abordar a Entrevista bituados às discussões sobre o tema da estru-
Clínica Estruturada para o DSM-IV, ou SCID*, turação. Várias técnicas semi-estruturadas, no
entanto, têm sido desenvolvidas: a Schedule
*A tradução adotada para Structural Clinical Interview for
for Affective Disorders and Schizophrenia
the DSM-IV será Entrevista Clínica Estruturada para o DSM- (SADS) (Endicott & Spitzer, 1978), a Positive and
IV, por extenso, porém, ela será referida no texto pela si- Negative Symptoms for Schizophrenia (PANSS)
gla SCID (pronuncia-se SKID), como ela é internacional- (Kay, Fiszbein & Opler, 1987), a Present State
mente conhecida. O projeto de adaptação para o Brasil, Examination (PSE; Wing, Birley, Cooper et alii,
coordenado pelo autor, teve apoio do CNPq e da FAP-DF.
PSICODIAGNÓSTICO – V 75
1967), a Renard Diagnostic Interview (RDI) ração entre quadros psicopatológicos, sinto-
(Helzer, Robins, Croughan et alii, 1981) e a Diag- mas, estrutura, dinâmica e modos de relacio-
nostic Interview Schedule (DIS) (Robins, Helzer, nar-se, de maneira que sua compreensão dos
Croughan et alii, 1981). O único caso brasilei- casos ganha em complexidade. Portanto, de-
ro de uma entrevista clínica semi-estruturada senvolver uma capacidade de reconhecimento
é a Entrevista Diagnóstica Adaptativa Operaci- dos sintomas e de sua organização contribui
onalizada (EDAO), de Ryad Simon (1989, 1993), não somente para a capacidade de estabele-
uma entrevista de avaliação de fundamenta- cer um diagnóstico, mas para a compreensão
ção psicodinâmica. Tendo em vista o ensino e mais profunda e sofisticada de seus pacientes.
a pesquisa, apenas recentemente desenvolve- Outras vantagens mais pontuais derivadas
mos uma entrevista clínica semi-estruturada da existência de instrumentos padronizados no
para a avaliação da história e do risco de ten- diagnóstico das psicopatologias devem ser
tativa de suicídio, com ênfase nos aspectos observadas. Eles têm sido fundamentais para:
mórbidos e psicodinâmicos associados (Tava- 1) aumentar a validade dos diagnósticos atri-
res, 1999). buídos a pacientes com transtornos mentais;
As técnicas de semi-estruturação visam a 2) permitir maior adequação do planejamento
ajudar, e não a substituir, o profissional treina- do tratamento ao quadro clínico apresentado;
do; visam a ampliar, e não a subjugar a intui- 3) aumentar a consistência entre as formula-
ção ou o julgamento clínicos temperados por ções diagnósticas de profissionais de orienta-
anos de experiência. O clínico treinado saberá ções e formações diversas; 4) aumentar a efi-
reconhecer, por exemplo, um momento de fra- cácia do tratamento a partir da maior validade
gilidade ou uma emoção emergente e poderá do diagnóstico e da maior homogeneidade de
adaptar seu comportamento para poder aten- compreensão do quadro clínico pelos membros
der empaticamente uma necessidade do sujei- das equipes de saúde mental; 5) melhorar a
to, durante a entrevista. Todas as competên- qualidade das pesquisas que requerem uma
cias clínicas importantes, aliás, discutidas no maior precisão de classificação diagnóstica
Capítulo 5 (Tavares, 2000a), são essenciais para (como em psicologia clínica e forense, psiquia-
a condução de uma entrevista semi-estrutura- tria, epidemiologia, intervenção em crise, etc.);
da, como, por exemplo, a atenção à natureza 6) permitir a existência de um registro diag-
relacional da atividade, a capacidade de lidar nóstico permanente e a criação de bancos de
com a transferência e com outras formas de dados para uso administrativo e de pesquisa.
resistência, etc. A padronização da técnica não Em geral, observamos que a capacidade de
significa que ela seja destinada a uma aplica- avaliar um quadro sintomático e estabelecer
ção mecânica. Em todos os sentidos, é neces- um diagnóstico diferencial dá maior seguran-
sário conhecimento e experiência clínica para ça ao profissional para trabalhar com o pa-
fazer o melhor uso dela. Por outro lado, o clí- ciente.
nico que decidir utilizá-la, ou ter sua prática
influenciada pela sua forma de estruturação,
perceberá os benefícios que a técnica irá tra- ANTECEDENTES HISTÓRICOS E O
zer para sua capacidade diagnóstica, principal- DESENVOLVIMENTO DA SCID
mente no diagnóstico diferencial.
Tem-se argumentado que a avaliação no- Talvez o fato singular mais importante que fa-
sológica contrapõe-se a uma compreensão re- voreceu o desenvolvimento da área de psico-
lacional, psicodinâmica e estrutural da perso- diagnóstico em saúde mental tenha sido a fi-
nalidade do sujeito. Não há antagonismo im- losofia de classificação dos transtornos men-
plícito nessas abordagens, tema que é discuti- tais do DSM-III. Este manual diagnóstico foi o
do em detalhe no Capítulo 5 (Tavares, 2000a). resultado do esforço de centenas de pesquisa-
À medida que se desenvolve em experiência, o dores e profissionais de psiquiatria, psicologia,
profissional se torna capaz de perceber a inte- assistência social e enfermagem, na constru-
PSICODIAGNÓSTICO – V 77
mento para avaliar a fidedignidade da SCID critérios contidos nessa última classificação.
para vários grupos clínicos e não-clínicos (Spit- Michael First, editor do DSM-IV, e Miriam Gib-
zer, Williams, Gibbon et alii, 1992; Williams, bon, ambos co-autores da SCID, desenvolve-
Gibbon, First et alii, 1992). Durante esse perío- ram essa última versão da SCID, que está atual-
do, o DSM-III-R estava em elaboração, e seus mente passando por uma nova seqüência de
critérios foram incluídos nessa versão da SCID. testes de fidedignidade e validade, com estu-
Desde então, baseando-se na experiência cres- dos multicêntricos nos Estados Unidos. Essa
cente com sua aplicação, a Entrevista Clínica versão modificada é a que foi utilizada para
Estruturada tem sido periodicamente revisada adaptação e padronização no Brasil (Tavares,
para incluir novos desenvolvimentos. Sua lin- 1997). Considerando o atual estado da área
guagem tem sido refinada, diminuindo as am- de saúde mental no Brasil, pode-se prever o
bigüidades nas instruções ao entrevistador e impacto que essa entrevista terá na pesquisa,
tornando suas questões mais acessíveis ao en- no ensino e na prática clínica.
trevistado. Por conseqüência, seus critérios têm
sido mais consistentemente empregados, na
clínica e na pesquisa. A utilização ampla e fre- A SCID, SUA ESTRUTURA E APLICAÇÃO
qüente da SCID, em meios clínicos e acadêmi-
cos, tem feito dela um dos instrumentos mais A SCID existe sob várias formas. A sua versão
importantes para a avaliação e a classificação mais freqüentemente utilizada é a SCID-P, ade-
dos transtornos mentais de acordo com os cri- quada para pacientes com transtornos men-
térios do DSM-III-R. tais do eixo I (DSM-IV). A SCID-B/C é uma va-
A Entrevista Clínica Estruturada para o DSM- riação da SCID-P para ser utilizada em situa-
IV (SCID) é, hoje, o instrumento mais atual e ções nas quais a probabilidade da existência
abrangente para o diagnóstico dos transtor- de um quadro psicótico é mínima. É útil em
nos mentais. Existe considerável literatura situações ou settings nos quais esses quadros
apontando a sua importância clínica para exa- raramente são observados ou esperados. A
mes clínicos na avaliação. Spitzer e colegas SCID-NP foi adaptada para entrevistar sujeitos
(1992) e Williams e colegas (1992) relatam normais, ou para os quais não se presume uma
dados de fidedignidade teste-reteste para a condição psicopatológica, como acontece em
SCID (versão para o DSM-III-R), variando de alguns tipos de pesquisa. Existe ainda uma ver-
razoáveis a muito bons. No primeiro desses são para o diagnóstico dos transtornos da per-
estudos, um teste de fidedignidade em seis sonalidade (Eixo II, DSM-IV), a SCID-II. Este texto
instituições diferentes, com a participação de irá abordar a SCID para o eixo I (SCID-P), mas
592 sujeitos, os índices de fidedignidade (ka- um entrevistador familiarizado com o seu
ppa de Cohen, avaliando consistência entre modo de funcionar não terá dificuldades para
entrevistadores) foram superiores a 0,60 para se adaptar às outras versões. Um entrevista-
diagnóstico atual e anterior. No segundo estu- dor treinado, utilizando a versão não modifi-
do, 13 instituições internacionais colaboraram cada da SCID (SCID-P), leva em torno de uma
com um total de 72 pacientes, em uma pes- hora e meia para completar a entrevista e apre-
quisa avaliando transtorno do pânico. Esses sentar um diagnóstico. A SCID-B/C e a SCID-NP
autores encontraram um excelente índice glo- tendem a levar menos tempo de aplicação, pois
bal de 0,87. Considerando os subtipos de pâ- são geralmente aplicadas a pessoas com qua-
nico, os índices de concordância foram de 0,73 dros e histórias psicopatológicos menos com-
para pânico sem complicação, de 0,61 para plexos e extensos.
pânico com evitação fóbica limitada e de 0,66 Todas as versões da SCID são compostas de
para agorafobia com ataques de pânico. uma série de módulos. Cada módulo se desti-
Com a publicação do DSM-IV (APA, 1995), na à avaliação de conjuntos de categorias diag-
tornaram-se necessárias a reformulação e a nósticas agrupadas nos mesmos padrões do
adaptação da SCID, para adequá-la aos novos DSM-IV. A relação completa dos módulos e
PSICODIAGNÓSTICO – V 79
Início
1 2
Verificar a existência Episódio Maníaco, Não Humor Deprimido Não
de episódios de humor Hipomaníaco ou (HD) atual {critérios
atual passado. Misto, atual ou A(1) e/ou A(2)}
passado ?
? Sim
Condições de exclusão: Sim
Ausência de distimia ou de
Verificar transtornos bipolares qualquer transtorno depressivo
e o Transtorno Esquizofetivo, atual. EDM passado pode justificar
Tipo Bipolar. TDM passado, mas não pode ser
3
Não EDM atual ou Sim
nos últimos
Nenhum EDM nos últimos dois anos
? Há HD atual e há ou houve EDM
anos, portanto, nenhum TDM. nos últimos dois anos. PODE SER
Pode haver distimia, mas NÃO DEPRESSÃO DUPLA.
PODE SER DEPRESSÃO DUPLA
Condições de exclusão:
4 verificar outros 8
Existem outras transtornos que melhor Existem outras
condições que melhor explicam o HD atual condições que melhor
explicam o HD Sim (p.ex.: psicose crônica, Sim explicam o HD
? transtornos bipolares, ?
Não condição médica geral,
Não
transtorno de
5 ajustamento com HD, 9
HD tem duração luto, etc.). HD tem duração de
de pelo menos pelo menos dois anos
Não dois anos sem intercorrência de
? Critério A para Critério A e D Não
EDM
ý
Transtorno
ý
para Transtorno ?
Sim Distímico Distímico Sim
6 10
Durante esses dois Durante esses dois
anos, pelo menos dois Critério B para anos, pelo menos dois
ý
ý
Não há Transtorno
Depressão Dupla
Distímico
Verificar HD
Não há
associado a
Transtorno
outras condições Transtorno Transtorno
Distímico
psicopatológicas Distímico Depressivo Maior
PSICODIAGNÓSTICO – V 81
QUADRO 8.3 Critérios diagnósticos para Transtorno Distímico
A. Humor deprimido na maior parte do dia, na maioria dos dias, indicado por relato subjetivo ou observação
feita por outros, por pelo menos 2 anos. Nota: Em crianças e adolescentes, o humor pode ser irritável, e a
duração deve ser de no mínimo 1 ano.
B. Presença, enquanto deprimido, de duas (ou mais) das seguintes características:
(1) apetite diminuído ou hiperfadiga;
(2) insônia ou hipersonia;
(3) baixa energia ou fadiga;
(4) baixa auto-estima;
(5) fraca concentração ou dificuldade em tomar decisões;
C. Durante o período de 2 anos (1 ano, para crianças ou adolescentes) de perturbação, jamais a pessoa esteve
sem os sintomas dos Critérios A e B por mais de 2 meses a cada vez.
D. Ausência de Episódio Depressivo Maior durante os primeiros 2 anos de perturbação (1 ano para crianças e
adolescentes); isto é, a perturbação não é melhor explicada por um Transtorno Depressivo Maior crônico ou
Transtorno Depressivo Maior, Em Remissão Parcial.
Nota: Pode ter ocorrido um Episódio Depressivo Maior anterior, desde que tenha havido remissão completa
(ausência de sinais ou sintomas significativos por 2 meses) antes do desenvolvimento do Transtorno Distímico.
Além disso, após os 2 anos iniciais (1 ano para crianças e adolescentes) de Transtorno Distímico, pode haver
episódios sobrepostos de Transtorno Depressivo Maior e, neste caso, ambos os diagnósticos podem ser dados
quando satisfeitos os critérios para um Episódio Depressivo Maior.
E. Jamais houve um Episódio Maníaco, um Episódio Misto ou um Episódio Hipomaníaco e jamais foram satisfei-
tos os critérios para Transtorno Ciclotímico.
F. A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um Transtorno Psicótico crônico, como Esquizo-
frenia ou Transtorno Delirante.
G. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p.ex., droga de abuso, medica-
mento) ou de uma condição médica geral (p.ex., hipotireoidismo).
H. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacio-
nal ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
Especificar se:
Início Precoce: se o início ocorreu antes dos 21 anos.
Início Tardio: se o início ocorreu aos 21 anos ou mais.
Especificar (para os 2 anos de Transtorno Distímico mais recentes):
Com Características Atípicas.
Fonte: APA, 1995, p.332-333 (reproduzido com autorização da Editora).
mor deprimido (possivelmente o Transtorno De- experiência e o uso repetido da SCID farão essa
pressivo Maior, Severo, com Aspectos Psicóti- avaliação preliminar mais fácil, e o direciona-
cos); um transtorno psicótico (talvez Esquizo- mento, mais certeiro.
frenia), com uma depressão sobreposta (que Essa avaliação geral prepara o trabalho pos-
pode antecipar ou suceder uma crise psicóti- terior com os módulos específicos. Cada trans-
ca) e o Transtorno Esquizoafetivo (que combi- torno ou condição nos diversos módulos inicia
na sintomas psicóticos e de humor). Há ainda com questões fechadas, destinadas a avaliar
que se eliminar a possibilidade de um Trans- seus sintomas-chave. Quando a resposta é afir-
torno Bipolar, Episódio Mais Recente Depressi- mativa, ela será seguida por questões abertas
vo (com sintomas psicóticos), ou do Transtor- e probatórias, que convidam o entrevistado a
no Borderline, em fase de regressão ou deses- elaborar melhor sua resposta. Com a ajuda dos
truturação aguda acompanhada de psicose critérios e das instruções, o entrevistador vai
breve (reativa) e humor deprimido (labilidade codificando as respostas de tal modo que, ao
afetiva). Outras condições menos prováveis são final da entrevista, ele poderá emitir um diag-
possíveis, mas, notando essas alternativas, o nóstico clínico para o caso. Por exemplo, para
entrevistador terá mais confiança no direcio- o transtorno bipolar, é essencial a confirma-
namento que deverá dar posteriormente. A ção, em algum momento da vida, do critério
PSICODIAGNÓSTICO – V 83
ocorre quando há sobreposição de um Trans- tressores externos não a ajudaria, provavelmen-
torno Depressivo Maior (TDM) à Distimia. É te, com o padrão contínuo de depressão. Ten-
condição para o TDM que haja um Episódio tar focalizar esse padrão crônico de humor
Depressivo Maior (EDM), que tem seus sinto- deprimido ficaria mais difícil com os estresso-
mas definidos no Quadro 8.2, ao passo que a res que definem uma situação crítica e deman-
Distimia tem sua definição no Quadro 8.3. dam atenção. A compreensão diagnóstica é
Pode-se ver que, pela semelhança de sintomas, outra, a terapêutica também. Na depressão
diferenciar essas condições pode ser problemá- dupla, precisamos atender à crise (Episódio
tico e, mais ainda, determinar sua sobreposi- Depressivo Maior); a expectativa é de que, tra-
ção. Essa dificuldade de distinguir essas condi- tando-se a crise, o sujeito retorne ao seu pata-
ções complica-se com a possibilidade de haver mar de humor cronicamente deprimido, que
um Transtorno Depressivo Maior residual, crô- também deverá ser tratado adequadamente.
nico ou recorrente. Queremos, com esses exemplos, enfatizar que
Neste caso, é essencial, para confirmar ou o reconhecimento das variações dos quadros
modificar o diagnóstico final, não só a gravi- psicopatológicos, levando em consideração
dade ou a extensão dos sintomas, mas tam- outras informações relevantes, irá ajudar a
bém o seu padrão temporal. Mas que diferen- desenvolver uma compreensão e uma terapêu-
ça isso faz, clinicamente, se já sabemos que o tica mais adequadas a cada situação.
sujeito está deprimido? Não é isso que impor- Vejamos, então, como a SCID nos ajuda a
ta? Não exatamente. Com a experiência, de- determinar o diagnóstico diferencial da depres-
senvolve-se uma percepção mais aguçada para são dupla. Para facilitar nossa discussão, va-
os diferentes modos de se deprimir, e começa- mos considerar a ausência de transtornos psi-
mos a ver a relação disso com os diferentes cóticos crônicos, de sintomas de humor devi-
diagnósticos onde há humor deprimido. Por do ao uso de substâncias ou a condições mé-
exemplo, uma pessoa razoavelmente bem dicas gerais. A seqüência do raciocínio diag-
adaptada pode ficar subjetivamente deprimi- nóstico que iremos acompanhar está diagra-
da como conseqüência de uma reação a um mada pelo algoritmo na Figura 8.1. Nela, cada
estressor externo. Ela pode estar passando por losango representa um critério que requer ava-
uma separação, ou ter perdido o seu empre- liação e tomada de decisão. Estes representam
go. Se, uns dois meses depois, a condição pro- passos diagnósticos e são numerados para re-
vocadora de estresse tiver sido removida, ou ferência no texto. Os retângulos representam
se ela tiver se adaptado à sua nova condição, uma instrução ou uma conclusão diagnóstica.
espera-se que tenha voltado ao seu nível de Os retângulos também podem indicar o fim do
funcionamento anterior, isto é, sem sintomas raciocínio diagnóstico, mostrando uma conclu-
depressivos. O diagnóstico provável é de Trans- são final ou uma instrução para continuar com
torno de Ajustamento com Humor Deprimido. um outro raciocínio não desenvolvido nesse
Nesses exemplos, não havendo outras dificul- algoritmo.
dades, uma psicoterapia de casal, uma psico- Na SCID, deve-se primeiro estabelecer a exis-
terapia breve ou um novo emprego poderiam tência das alterações de humor. Essa é a fun-
ser suficientes, e espera-se uma rápida recupe- ção do Módulo A. Isso ocorre depois da Ava-
ração. liação Preliminar, quando o sujeito já falou li-
Por outro lado, para uma pessoa que se vremente sobre o motivo da entrevista e sobre
apresenta para terapia após ter se separado suas dificuldades. A primeira pergunta do
ou ter perdido o seu emprego, se a avaliação Módulo A procura avaliar se há humor depri-
na entrevista inicial mostra uma história de sin- mido atual, o critério A1 para EDM (Quadro
tomas depressivos compatível com o Transtor- 8.2). Deve-se perguntar: “No último mês, hou-
no Distímico, pode-se esperar um processo te- ve algum período de tempo em que você se
rapêutico mais difícil e de longa duração. A sentiu deprimido(a), ou na pior (pra baixo), na
estratégia terapêutica de se lidar com os es- maior parte do dia, quase todos os dias?”
PSICODIAGNÓSTICO – V 85
ou que há EDM atual. O primeiro caso segue a envolve os critérios de exclusão que podem
resposta “Não” ao passo 3 e determina a linha explicar melhor o quadro de humor (critérios
de raciocínio “Não pode ser depressão dupla”, B, D e E para EDM e critérios B e C para TDM).
na Figura 8.1. Os dois últimos casos seguem a Não havendo a possibilidade de que outros
resposta “Sim” e mostram o raciocínio “Pode transtornos ou condições expliquem melhor o
ser depressão dupla”, na Figura 8.1. HD e o EDM ocorridos nos últimos dois anos,
Na primeira linha de raciocínio (“Não pode temos outras decisões a tomar. Como foi men-
ser depressão dupla”), se não houve EDM nos cionado antes, se o EDM se deu há um ano, e a
últimos dois anos, podemos concluir que não pessoa permanece com sintomas depressivos,
há um Transtorno Depressivo Maior, e, portan- estes podem ser de um Transtorno Depressivo
to, não pode ser depressão dupla. Contudo, Maior passado, recorrente, crônico ou residu-
pode ainda ser um Transtorno Distímico ou um al. Por isso, precisamos determinar se havia HD
outro transtorno com humor depressivo, pois por, pelo menos, dois anos, sem intercorrência
já foi determinado que há HD atual. Primeiro, de EDM (passo 9). Este é o critério D para Trans-
somos levados a considerar se existem outras torno Distímico (Quadro 8.3). Se a duração de
condições que melhor explicam o HD (passo HD é inferior a dois anos, ou se houve intercor-
4). Estas são conhecidas como condições de rência de EDM, podemos concluir que não hou-
exclusão para o Transtorno Distímico e estão ve distimia.
listadas nos critérios D, E, F e G (Quadro 8.3). Os passos 10 e 11 são análogos aos passos
Um exemplo é o Transtorno Ciclotímico, que 6 e 7 e visam a avaliar se o HD, que determina-
alterna períodos de HD e episódios hipomaní- mos ter duração de pelo menos dois anos, foi
acos. acompanhado, no mesmo período, dos sinto-
O algoritmo segue instruindo que, para fa- mas associados à distimia (passo 10), sem gran-
zer um diagnóstico, precisamos decidir se o des intervalos assintomáticos (passo 11). Igual-
padrão de HD tem duração de, pelo menos, mente, uma resposta negativa a qualquer des-
dois anos (passo 5), se os sintomas associa- sas condições exclui o diagnóstico de Trans-
dos, além do HD, estão presentes (passo 6; cri- torno Distímico. Contudo, existe um EDM
tério B, Quadro 8.3), e se, durante esse tempo, diagnosticado que nos levaria à conclusão de
havendo algum período assintomático, este um Transtorno Depressivo Maior, atual ou
teria sido inferior a dois meses (passo 7; crité- passado.
rio C, Quadro 8.3). Uma resposta negativa a Caso essas três condições nos passos 9 a
qualquer dessas condições exclui o diagnósti- 11 – duração, sintomas associados e períodos
co de Transtorno Distímico. Contudo, se existe assintomáticos – sejam satisfeitas, então po-
um HD, ele ainda precisa ser avaliado. O algo- demos concluir, não havendo nenhuma condi-
ritmo termina, então, com a instrução de que ção de exclusão, que o HD anterior ao EDM
outras condições nas quais o HD está associa- diagnosticado satisfaz os critérios do Trans-
do devem ser verificadas. Na SCID, o entrevis- torno Distímico, e que o EDM satisfaz os cri-
tador vai ser encaminhado a avaliar essas pos- térios para Transtorno Depressivo Maior. Essa
sibilidades, por exemplo, o Transtorno Depres- situação é comumente chamada de Depres-
sivo SOE, o Transtorno de Ajustamento com são Dupla.
Humor Deprimido, etc. A SCID irá guiar o en-
trevistador através de cada um desses critérios,
orientando sobre que tipo de informação é ne- CONCLUSÃO
cessária e sugerindo como obtê-la.
A segunda linha de raciocínio, “pode ser Alguns comentários acerca do ensino e apren-
depressão dupla”, considera que houve EDM dizagem da técnica são necessários. Algumas
nos últimos dois anos ou há EDM atual (além pessoas comentam, particularmente alunos,
do critério A, foram satisfeitos os critérios C a sobre a dificuldade da tarefa. A SCID é fácil de
E do Quadro 8.2). A próxima decisão (passo 8) ser manuseada, e uma pessoa pode aprender
PSICODIAGNÓSTICO – V 87
Entrevista motivacional
Margareth da Silva Oliveira
9
A Entrevista Motivacional (EM) é uma técni-
ca descrita originalmente pelo psicólogo
americano William Miller (1983), na Universi-
MATCH Research Group, 1993), um estudo
multicêntrico de grande dimensão, destinado
a tratamentos psicossociais em pacientes al-
dade do Novo México (EUA), amplamente di- coolistas nos Estados Unidos, foi uma das três
fundida na Europa, na Austrália e, mais recen- técnicas testadas, juntamente com Cognitive
temente, no Brasil. O objetivo principal é auxi- Behavioral Coping Skills Therapy (CBT) e Twel-
liar nos processos de mudanças comportamen- ve-Step Facilitation (TSF), com o objetivo de
tais, trabalhando a resolução da ambivalência. verificar interação entre o tipo de cliente e o
Basicamente, foi delineada para ajudar aos tratamento mais apropriado. A aplicação da EM
clientes na decisão de mudança nos compor- no Projeto MATCH foi programada para qua-
tamentos considerados aditivos, tais como tro sessões, distribuídas em doze semanas
transtornos alimentares, tabagismo, abuso de (MET; Miller, Zweben, DiClemente et alii, 1992).
álcool e drogas, jogo patológico e outros com- A EM está baseada no conceito de motiva-
portamentos compulsivos. ção. Wade e Tarvis (1992) descrevem a palavra
A técnica é breve, podendo ser realizada “motivação” como oriunda de raiz latina, que
numa única entrevista, ou, como um processo significa “mover”, e é uma tentativa de com-
terapêutico, é comumente desenvolvida em preender o que nos move ou porque fazemos
quatro a cinco entrevistas. Inspira-se em várias o que fazemos. Uma definição prática foi pro-
abordagens, principalmente na terapia cogni- posta por Miller, em 1995, como a probabili-
tivo-comportamental, terapia sistêmica, tera- dade de que uma pessoa inicie, dê continuida-
pia centrada na pessoa, combinando elemen- de e permaneça num processo de mudança
tos diretivos e não-diretivos. As estratégias da específico (Davidson, 1997).
EM são mais persuasivas do que coercivas, mais Heather (1992) resumiu seu ponto de vista
suportivas que argumentativas (Miller & Roll- na expressão “os transtornos aditivos são es-
nick, 1991). sencialmente problemas motivacionais”
Na literatura, a EM também é reconhecida (p.828), para explicar porque os obesos não
como Intervenção Motivacional (Motivational realizavam as dietas prescritas, pacientes car-
Interviewing – MI), Terapia Motivacional e, fi- díacos não deixavam de fumar, citando situa-
nalmente, como MET (Motivational Enhance- ções similares com diabéticos e hipertensos e
ment Therapy). No projeto MATCH (Project mostrando uma tendência humana antes para
PSICODIAGNÓSTICO – V 89
DiClemente (1982, 1986), que descrevem a é por pressão dos outros e, freqüentemente,
prontidão para a mudança, baseados nos es- retornam ao problema manifestado. Exempli-
tágios de mudança. O modelo transteórico traz ficamos com o relato de um cliente que busca
vários conceitos teóricos no esforço de descre- tratamento especializado em dependência quí-
ver os processos de mudança do comportamen- mica. “Eu preciso fazer tratamento porque
to humano (Joseph, Breslin & Skinner, 1999). minha esposa ameaçou me deixar e levar nos-
O modelo transteórico está baseado na pre- sa filha com ela”.
missa de que a mudança comportamental é um Resistência para reconhecer ou modificar o
processo e que as pessoas têm diversos níveis problema é a marca da pré-contemplação.
de motivação, de prontidão para mudar. Re- Contemplação: é o estágio em que os su-
centemente, esse modelo passou a ser empre- jeitos estão conscientes de que existe um pro-
gado nos comportamentos sadios, na área da blema, estão seriamente pensando no proble-
educação e da promoção de saúde (Joseph, ma, mas ainda não iniciaram a ação.
Breslin & Skinner, 1999), sendo considerado Os clientes, neste estágio, são mais abertos
uma importante inovação na prática da pro- às tentativas de aumentar a conscientização,
moção de saúde nos últimos anos (Figlie, 1999). tais como observação, confrontações e inter-
Os estágios de mudança, processos de mu- pretações. Os contempladores são mais pro-
dança, balança decisional e auto-eficácia são pensos às intervenções educacionais.
características dos processos de mudança. Pro- Um importante aspecto do estágio de con-
chaska e DiClemente (1982) estudaram a au- templação é a balança decisional dos prós e
tomotivação na cessação do uso do tabaco e, contras do problema. Os contempladores pa-
nesse estudo, identificaram três estágios de recem debater-se com a avaliação positiva do
mudança: decisão para mudança, ação para comportamento de risco e os esforços, a ener-
mudança e manutenção. Em outro estudo gia e os custos para superar o problema. É nesse
sobre fumantes, McConnaughy e colegas estágio que se manifesta a ambivalência. O
(1983) identificaram cinco estágios: pré-con- normal e característico do estilo contemplati-
templação, contemplação, determinação, ação vo é a manifestação do “sim, mas...”, como
e manutenção. Isenhart (1994) cita estudos nas palavras de um cliente, citadas por Miller
subseqüentes, identificando quatro estágios (1995): “Às vezes, eu me pergunto se bebo
confiáveis e relacionados entre si: pré-contem- muito, entretanto, eu na verdade não bebo
plação, contemplação, ação e manutenção. muito, mas meus amigos bebem. Eu posso
Prochaska e colegas (1992) descrevem os parar de beber quando quiser, mas às vezes
estágios como uma trajetória linear no proces- me preocupa em não lembrar o que aconteceu
so de mudança, seguindo progressivamente os na noite anterior, e isso não é normal” (p.92).
estágios de pré-contemplação para contempla- A marca do estágio de contemplação pode
ção, da preparação para a ação e, finalmente, ser exemplificada com a expressão: “Eu sei
para a manutenção. aonde quero ir, mas ainda não estou pronto”
Pré-contemplação: é um estágio em que (Prochaska, Diclemente & Norcross, 1999,
não há intenção de mudança. Muitos indiví- p.674).
duos, nesse estágio, não demonstram consciên- Determinação: ou preparação, é um está-
cia de seus problemas. Os amigos, familiares, gio que combina a intenção e a conduta. É um
vizinhos freqüentemente identificam claramen- ponto hipotético, transicional entre contempla-
te os problemas que os pré-contempladores ção e ação, onde uma decisão ou determina-
estão manifestando, mas eles não tomam co- ção será alcançada, objetivando o momento
nhecimento. de mudar.
Os pré-contempladores não se enxergam As pessoas, neste estágio, verbalizam: “Al-
em tratamento, porque eles não percebem que guma coisa precisa mudar, eu não posso con-
têm um problema e que precisam de ajuda. tinuar desta maneira. O que eu posso fazer?”
Normalmente, quando buscam atendimento, (Miller, 1995, p.92).
PSICODIAGNÓSTICO – V 91
Término
Manutenção
(1984), em que 85% dos fumantes voltavam Desenvolver discrepância: é ajudar o clien-
ao estágio de contemplação ou determinação. te a ver e sentir como o seu comportamento
A recaída é considerada como um evento ameaça importantes metas pessoais, eviden-
que marca o final do estágio de ação ou ma- ciando a distância entre onde a pessoa está e
nutenção e deve ser encarada como um esta- onde ela gostaria de chegar. O cliente será es-
do de transição. timulado a desenvolver a consciência das con-
Na abordagem da prevenção da recaída, seqüências de seu atual comportamento.
esta é vista como um processo transicional, Evitar argumentação: a confrontação gera
como uma série de eventos que podem ou não resistência e é um sinal para o técnico mudar
ser seguidos por um retorno aos níveis básicos as estratégias. As discussões são contraprodu-
do comportamento-problema. centes, por exemplo, fazer com que o cliente,
Marlatt e Gordon (1993) sugerem que a no confronto, aceite o rótulo da dependência
recaída faz parte do processo de mudança e de substâncias.
que, muitas vezes, é o modo como a pessoa Fluir com a resistência: é mover-se através
apreende e recomeça de uma forma mais cons- dela, sabendo reconhecer o momento do clien-
ciente. te, auxiliando dessa forma na resolução da am-
Integrando os conceitos de prontidão para bivalência. Várias formas de reflexão podem
mudança e ambivalência, Miller e Rollnick auxiliar na reformulação, como um simples co-
(1991) descreveram cinco princípios para tra- nhecimento da responsabilidade pessoal e li-
balhar na EM: expressar empatia, desenvolver berdade de escolha, assim como envolvendo
discrepância, evitar argumentação, fluir com a o cliente na resolução do problema.
resistência e estimular auto-eficácia. Estimular auto-eficácia: os clientes não vão
Expressar empatia: é a habilidade rogeria- considerar mudança, a não ser que eles pen-
na de ouvir reflexivamente. É utilizada para aju- sem que elas sejam possíveis: é necessário acre-
dar a clarificar a ambivalência sem provocar a ditar na possibilidade de mudança. Auto-efi-
resistência. Este princípio, de certa forma, é cácia é um elemento básico no processo de
paradoxal, pois, ao mostrar a aceitação do pa- motivação para mudança. O conceito foi ela-
ciente como ele é, ele estará livre para mudan- borado por Bandura (1977) como um impor-
ça ou não. tante mediador cognitivo do comportamento,
PSICODIAGNÓSTICO – V 93
do um preditor de resultados positivos em com- “problema” do sujeito. Investiga os estágios
portamentos aditivos. O otimismo do entrevis- de mudança: pré-contemplação, contempla-
tador também é um fator de motivação do ção, ação e manutenção e é composta por 32
cliente, pois o cliente percebe que o seu técni- itens, incluindo oito itens para cada estágio de
co busca e fica mais propenso a permanecer mudança.
no tratamento. Os clientes apresentam diferen- Da EM, também faz parte negociar um pla-
tes níveis motivacionais; portanto, necessitam no de mudanças, ajudando o cliente a estabe-
combinar diferentes estratégias, por exemplo, lecer suas metas.
clientes pré-contemplativos vão se beneficiar Normalmente, existe uma discrepância en-
com a compreensão das conseqüências nega- tre uma meta e o estado atual do cliente. Isso
tivas do seu comportamento aditivo, clientes poderá ser feito pelo feedback pessoal, com
ambivalentes podem se beneficiar com o ba- base na capacidade do cliente de entender sua
lanço decisional, e clientes no estágio de ação ambivalência, e, neste caso, o cliente está no
podem necessitar de técnicas de suporte e re- estágio de contemplação, estando mais cons-
forçadoras do seu novo comportamento. ciente do problema e da decisão de mudar. Ne-
Outras estratégias também são utilizadas gociar mudanças objetivas, como a abstinên-
para trabalhar a motivação do cliente para a cia em situações em que o cliente mostra de-
mudança. A simples identificação de barreiras, pendência do álcool, com graves comprometi-
como o acesso dos clientes ao serviço, o trans- mentos neuropsicológicos, co-morbidade e
porte, horários, entre outros, são obstáculos acentuado grau de ambivalência, é mais ade-
que podem ser removidos. Fatores externos, quado do que impor a abstinência.
como a exigência do empregador que seu fun- Vamos analisar com o caso de Fernando,
cionário faça o tratamento, pode ser uma op- de 42 anos, casado, dependente grave de ál-
ção de escolha no processo de mudança. Por cool, internado para tratamento, que realiza a
outro lado, práticas das instituições em man- avaliação proposta, envolvendo exames labo-
ter contato com seus clientes têm demonstra- ratoriais (GGT, GPT, GPO), provas neuropsico-
do bons resultados na manutenção do trata- lógicas, escalas para avaliar intensidade de sin-
mento, como no exemplo citado por Miller tomas de ansiedade e depressão, bem como a
(1995), em que, quando o telefonema marcan- gravidade da dependência, conseqüências ne-
do o tratamento foi dado pela instituição, 82% gativas do hábito de beber, estágios motivaci-
atenderam; quando foi deixada a iniciativa para onais e, principalmente, freqüência e quanti-
o cliente, somente 37% atenderam. dade de consumo de bebidas alcoólicas e/ou
A utilização de escalas para monitorar as de outras drogas. A devolução dos resultados
mudanças é freqüente e faz parte do estilo de é fornecida passo a passo, esclarecendo ao
trabalho da EM. A escala SOCRATES (Stages of cliente suas atuais condições. O cliente reflete,
Change Readiness and Treatment Eagerness questiona, busca informações e expressa resis-
Scale), desenvolvida por Miller e Tonigan tência, como no exemplo a seguir:
(1996), é empregada especificamente no uso F – “Isto não pode ser verdade, eu nunca me
e abuso de álcool e identifica o grau de moti- sinto bêbado, eu não fico atirado na sarjeta.”
vação para mudança, através dos estágios de E – “Está parecendo que, para você, algo
reconhecimento, ambivalência e ação. A pri- está errado com estes resultados.”
meira versão foi uma escala com 32 itens, sen- F – “Você acha que eu sou dependente?”
do posteriormente desenvolvida uma versão E – “Estes resultados dizem para você como
com 19 itens, validada no projeto MATCH (Mi- você está e que você está apresentando sinais
ller & Tonigan, 1996). Já a escala URICA (Uni- importantes de dependência.”
versity of Rhode Island Change Assessment), F – “Eu não acho que sou alcoólatra.”
criada por McConnaughy e colegas (1983), não O entrevistador continua o feedback. Este
é específica para o tipo de comportamento- processo pode ser muito difícil, e o papel do
problema, mas se refere genericamente ao técnico nessa fase é fundamental, vai ser ativo
PSICODIAGNÓSTICO – V 95
Entrevista lúdica
Blanca Guevara Werlang
10
F reud organizou a sua teoria sobre a sexuali-
dade infantil com base nos dados obtidos
na análise de seus pacientes adultos. Em fun-
o ego da criança infantil não estava suficiente-
mente desenvolvido para suportar o peso de
uma interpretação psicanalítica, e por saber
ção disso, durante muito tempo, estimulou que a criança não era motivada a procurar aná-
seus alunos e amigos, em Viena, a coletarem e lise, sendo encaminhada mais por ser um so-
a descreverem observações sobre a vida sexual frimento da família; portanto, a interpretação
de seus filhos, para poder obter um material não significaria nada para essa criança (Ajuria-
que desse provas evidentes daquilo que ele guerra, 1983; Bleichmar & Bleichmar, 1992;
afirmava. O resultado disso foi o caso do pe- Hinshelwood, 1992; Lebovici & Soulé, 1980).
queno Hans. Através dele, Freud (s/d) finalmen- Em compensação, Melanie Klein (1980),
te compreendeu as neuroses infantis e seu pa- desde o início, entendeu que as crianças pode-
pel na organização da neurose dos adultos, riam, sim, ser motivadas dentro de si mesmas
confirmando as hipóteses que havia levantado para a análise, insistindo que elas poderiam ser
no seu artigo Três ensaios sobre a teoria da analisadas, do mesmo modo que os adultos,
sexualidade (Freud, 1989). explorando os conflitos inconscientes, absten-
A exposição do tratamento do pequeno do-se de qualquer medida educativa ou de
Hans deu a Freud, sem dúvida, a oportunidade apoio. Neste sentido, Klein pode ser conside-
de fazer bem mais do que confirmar certas hi- rada como a iniciadora da técnica psicanalítica
póteses sobre a precocidade da vida sexual. para crianças, preconizando a aplicação do
Colocou, sem ser esta sua intenção, na roda jogo, por entendê-lo como o equivalente a um
das discussões psicanalíticas, a possibilidade de fantasma masturbatório.
aplicar os princípios da técnica psicanalítica à Contudo, foi Freud o primeiro estudioso que
criança. refletiu sobre a função e o mecanismo psicoló-
A partir do pequeno Hans, Hermine von gico da atividade lúdica infantil, quando inter-
Hug-Hellmuth observou que o jogo fornecia ex- pretou a brincadeira de seu neto de 18 meses
celentes possibilidades de compreensão dos de idade. O menino brincava com um carretel
fantasmas, instituindo uma primeira forma de amarrado em um barbante e, sempre seguran-
análise infantil que se vinculou, primeiramen- do o fio, lançava o carretel por cima de seu
te, à educação. Ela não utilizou interpretações berço, cercado por uma cortina, onde esse de-
como na análise de adultos, por entender que saparecia. Exclamava, então, “fora” (fort), pu-
PSICODIAGNÓSTICO – V 97
ção e no desenvolvimento da psicoterapia in- terpretação, porque podem se romper as de-
fantil. Certamente envolvida no mesmo intui- fesas, cuja fragilidade ou rigidez ainda não
to, a conceituada psicanalista argentina Armin- conhecemos, e, como conseqüência, desper-
da Aberastury (1978) entendeu que a criança tar muita ansiedade e/ou culpa, bem como ali-
não só estabelece uma transferência positiva mentar fantasias de que seus impulsos podem
e/ou negativa com o psicoterapeuta, como ex- atacar ou destruir a relação com o psicólogo,
pressava Klein, como também é capaz de es- sentimentos estes que ficariam sem resolver,
truturar, através dos brinquedos, a represen- se a decisão for a de não acompanhar psicote-
tação de seus conflitos básicos, suas principais rapicamente a criança.
defesas e fantasias de doença e cura, deixan- Desta maneira, cabe ressaltar, como expres-
do em evidência, já nos primeiros encontros sam Efron e colegas (1978), que a hora de jogo
do acompanhamento, o seu funcionamento diagnóstica, fundamentada num referencial
mental. Aberastury sugeriu, ainda, que possi- teórico psicodinâmico, é um recurso técnico
velmente esses fenômenos surgem devido ao que o psicólogo utiliza dentro do processo psi-
temor da criança de que seu psicoterapeuta codiagnóstico, que tem começo, desenvolvi-
repita com ela a conduta negativa dos objetos mento e fim em si mesmo, operando como
originários que lhe provocaram a perturbação, unidade para o conhecimento inicial da crian-
prevalecendo agora o desejo de que o psicólo- ça, devendo interpretá-la como tal, e cujos
go assuma uma função através da qual lhe dê dados serão ou não confirmados com a testa-
condição para melhorar. gem. Entretanto, a primeira hora de jogo tera-
Aberastury evidenciou, assim, o valor diag- pêutica é apenas um elo dentro de um contex-
nóstico da entrevista lúdica, falando, pela pri- to maior, onde irão surgir novos aspectos e
meira vez, no nosso meio mais próximo, sobre modificações estruturais em função da inter-
a hora de jogo diagnóstica, estabelecendo di- venção ativa do terapeuta.
ferenças com a primeira hora de jogo terapêu- No psicodiagnóstico infantil, costuma-se
tica. entrevistar os pais, antes de ver a criança, com
Para fins diagnósticos, segundo essa auto- o objetivo de obter informações o mais abran-
ra, não há necessidade de uma caixa com ma- gentes possíveis sobre o problema e sobre
terial lúdico exclusiva para cada criança, con- como a criança é. Após as entrevistas com os
siderando que qualquer tipo de brinquedo, pais, mantém-se o primeiro contato com a
mesmo que sejam os mais simples, oferecem criança, que pode ser por meio de uma entre-
possibilidades lúdicas projetivas para o diag- vista lúdica. Nas entrevistas que foram realiza-
nóstico. Entretanto, quando se trata da primei- das com os pais, deve-se combinar que eles
ra hora de jogo de tratamento, ao finalizar a conversem com a criança a respeito do motivo
sessão, além do terapeuta estabelecer as con- pelo qual é levada ao psicólogo. Assim, esse
dições do contrato psicoterápico, deverá guar- pode ser o início do diálogo com a criança,
dar junto com a criança todo o material lúdico dentro da sala de jogo, sendo importante, en-
numa caixa, que ficará fechada e à qual só te- tão, perguntar se sabe o que está fazendo ali,
rão acesso a criança e o terapeuta. Essa caixa, porque veio ou o que os pais falaram da sua
sem dúvida, se transforma durante o tratamen- vinda ao psicólogo. Esclarecendo esse aspec-
to no símbolo do sigilo, similar ao contrato to, compreender-se-ão as fantasias da criança
verbal que se estabelece com o adulto quando a respeito do processo de avaliação, e, se a res-
se inicia o tratamento. posta for negativa, deve-se fazer um breve re-
Na entrevista lúdica, Aberastury (1978) con- lato do que foi falado com os pais, sem deta-
sidera também conveniente não interpretar, já lhes muitos profundos, mas sempre explicitan-
que ainda não temos como saber se a criança do a verdade.
será tratada ou não e, em caso de encaminha- As instruções específicas para uma entre-
mento, qual a técnica mais adequada para apli- vista lúdica consistem em oferecer à criança a
car. Então, é muito delicado arriscar uma in- oportunidade de brincar, como deseje, com
PSICODIAGNÓSTICO – V 99
pretação a análise das fantasias inconscientes um autoconhecimento para o conhecimento e
a partir do jogo. exploração do mundo que o cerca. O surgimen-
Kornblit (1978) salienta que uma análise to de novas etapas indica aumento da vivência
detalhada da hora de jogo permite: “a) a con- e do conhecimento da criança, mostrando a
ceitualização do conflito atual do paciente; b) passagem de seu conhecimento corporal para
coloca em evidência seus principais mecanis- o ambiental, até o início da socialização e aqui-
mos de defesa e ansiedades; c) avalia o tipo de sição de noções simbólicas.
rapport que pode estabelecer a criança com Os brinquedos e jogos, então, devem ser
um possível terapeuta e o tipo de ansiedade analisados do ponto de vista evolutivo, regis-
que contratransferencialmente pode despertar trando cada uma das manifestações de con-
nele; d) põe de manifesto a fantasia de doen- duta lúdica, classificando-as conforme as ida-
ças e cura” (p.225). Por outro lado, a autora des correspondentes dentro de algum dos re-
considera também importante compreender a ferenciais da psicologia do desenvolvimento.
hora de jogo como uma história argumental Erik Erikson, citado por Melvin e Wolkmar
da criança, construída em resposta a uma si- (1993), por exemplo, descreve três fases suces-
tuação de estímulo, avaliando, então, o modo sivas na evolução dos brinquedos das crianças:
como ela se inclui em dita situação. Isso possi- auto-esfera, microesfera e macroesfera. Na
bilita considerar aspectos ou indicadores por auto-esfera, o brinquedo da criança é centrali-
ela chamados de “formais”, que, muitas vezes, zado na exploração do próprio corpo e/ou nos
ficavam esquecidos ou abafados pela princi- objetos que estão imediatamente a seu alcan-
pal preocupação na inferência de conteúdos ce; na microesfera, a criança expressa suas fan-
inconscientes. Alguns desses indicadores for- tasias através de pequenos brinquedos repre-
mais seriam: a maneira como a criança se apro- sentativos; e, na macroesfera, por incorporar a
xima dos brinquedos, a sua atitude no início e vivência social, passa, através de suas relações,
no final da hora de jogo, a sua localização no a dividir o mundo com os outros.
consultório, a sua atitude corporal e o manejo Por outro lado, Piaget, conforme Ajuriaguer-
do espaço. ra (1983), também propõe uma classificação
Efron e colegas (1978) lembram que não que leva em conta, ao mesmo tempo, a estru-
existe um roteiro padronizado para analisar tura do jogo e a evolução das funções cogniti-
esse método de avaliação. Por isso, propõem vas da criança. Conseqüentemente, fala de brin-
um guia de oito indicadores que possibilitam quedos e jogo de exercício (até os 2 anos), em
estabelecer critérios mais sistematizados e co- que a conduta lúdica é destinada exclusivamen-
erentes para orientar a análise com fins diag- te para a obtenção de prazer; de brinquedos e
nósticos e prognósticos, em especial, para a jogos simbólicos (entre 2 e 8 anos), em que a
classificação do nível de funcionamento da criança desenvolve a capacidade de represen-
personalidade, sempre dentro de um entendi- tar uma realidade que não está presente no
mento dinâmico, estrutural e econômico. Os seu campo perceptivo; e, por último, de brin-
indicadores são: escolha de brinquedos e jo- quedos e jogo de regras (a partir dos 8 anos),
gos, modalidade do brinquedo, motricidade, que são uma imitação das atividades dos adul-
personificação, criatividade, capacidade simbó- tos e que pertencem ao domínio do código
lica, tolerância à frustração e adequação à rea- social.
lidade. Sugere-se, pois, que cada uma das condu-
A escolha de brinquedos e jogos está rela- tas lúdicas, identificadas de acordo com a cro-
cionada com o momento evolutivo emocional nologia de cada fase evolutiva corresponden-
e intelectual em que a criança se encontra. Ao te, seja, ainda, comparada, dentro do referen-
nascer, o bebê é um ser passivo, que fica a cial psicanalítico, com as fases de evolução da
maior parte do tempo deitado. Mas, à medida libido (oral, anal, fálica e genital), o que pro-
que se desenvolve, passa a sustentar a cabeça, porcionará uma compreensão mais abrangen-
a sentar-se e assim por diante, passando de te do funcionamento infantil.
PSICODIAGNÓSTICO – V 101
pentear-se, comer com utensílios, etc.), assim sintonia com a realidade de seu mundo inter-
como habilidades de parar num pé só, subir e no. A análise desse indicador permitirá com-
descer escadas, pular e dançar. As habilidades preender o equilíbrio existente ou não entre o
percepto-motoras também se aperfeiçoam, superego, o id e a realidade, verificando tam-
sendo que, em torno dos 2 anos, a criança pode bém a capacidade de fantasia na definição de
copiar um círculo, aos 3 anos pode copiar uma determinados papéis, que, com o auxílio da
cruz, aos 5 anos é capaz de desenhar um qua- mágica lúdica, possibilitará, pelo menos por um
drado e, aos 7, um losango. No período entre período limitado, a satisfação dos desejos mais
os 6 e 11 anos, tanto os aspectos quantitati- grandiosos que seu eu consciente, em outras
vos como os qualitativos se consolidam, sen- circunstâncias, não lhe permitiria.
do que partes do desenvolvimento anterior se Marcelo é um menino de 4 anos e 11 me-
organizam subitamente, passando a funcionar ses, que foi trazido para avaliação psicodiag-
de forma fluente e integrada, até que, perto nóstica, por dificuldades para se separar da
dos 9 anos, as habilidade motoras se tornam mãe, tanto em casa como na escola. Na entre-
automáticas e estabelecidas. vista lúdica, desenvolveu uma brincadeira em
Dessa maneira, parece importante que o psi- que ele próprio assumiu o papel de um “gi-
cólogo que conduz a hora de jogo diagnóstica gante”. Um gigante muito forte, corajoso, bra-
tenha, além dos conhecimentos essenciais da vo e malvado, que entra na casa da família das
psicologia evolutiva, conhecimentos básicos de bonecas, à noite, quando todos dormem, para
fisiologia, neurologia e psicomotricidade, que derrubar, esconder e trocar todos os objetos
lhe possibilitem identificar e descrever as pau- de lugar, deixando, como ele mesmo expressa,
tas motoras da criança que está avaliando, para “Tudo bagunçado! Tudo espalhado!”. Expres-
verificar a adequação destas à etapa evolutiva sa claramente satisfação, quando espalha os
em que a criança se encontra. Em casos espe- pequenos móveis e os diversos bonecos, mis-
cíficos de imaturidade ou dificuldades moto- turando-os com os blocos lógicos, carrinhos e
ras, com interferência na aprendizagem esco- demais brinquedos, exclamando: “O temporal
lar, torna-se conveniente a solicitação de ava- do gigante!”. Frente à observação do psicólo-
liação complementar psicopedagógica ou neu- go sobre a proximidade do final da entrevista,
rológica, que auxiliam tanto no diagnóstico Marcelo rapidamente olha ao seu redor e jun-
principal como no diferencial. ta alguns brinquedos, montando, com parte
A avaliação da motricidade é, pois, de es- dos móveis e objetos da cozinha, uma mesa,
pecial importância, uma vez que o manejo ade- com xícaras, pratos, colher, copos e jarras,
quado das possibilidades motoras, no que diz mencionando: “O gigante sumiu. Ele fez uma
respeito à integração do esquema corporal, mágica. Olha o pão, olha a xícara. Eles vão acor-
organização da lateralidade e estruturação es- dar. O pai ficará bravo. A mãe ‘junta’ o filho,
paço-temporal, possibilitará à criança o domí- mas tem café na mesa, todos vão lanchar. Tia,
nio dos objetos do mundo externo no campo foi só uma brincadeira, agora vou arrumar”.
social, escolar e emocional, satisfazendo suas Marcelo certamente está tendo dificulda-
principais necessidades com autonomia, en- des de enfrentar as frustrações e a ansiedade
quanto dificuldades nesse âmbito provocarão típica de sua faixa etária, que surgem com seu
certamente limitações e frustrações. inevitável crescimento e exigência por parte dos
A personificação é a capacidade da criança pais de alcançar mais autonomia, o que lhe
para assumir e desempenhar papéis no brin- deve provocar insegurança e desejos de man-
quedo. É um elemento comum em todos os ter o aconchego materno. Ao se envolver rapi-
períodos evolutivos, através do qual as crian- damente com a tarefa proposta de “brincar
ças transformam seus brinquedos ou a si mes- como o desejasse”, liberou a sua onipotência,
mas em personagens imaginários ou não, de identificando-se com uma figura poderosa, “o
acordo com sua faixa etária, expressando afe- gigante”, para poder fazer tudo aquilo que as
tos, tipos de relações e conflitos, sempre em figuras de autoridade não aprovariam, como
PSICODIAGNÓSTICO – V 103
encenação) e o arrasta para fora do quarto e o projeta e desloca os impulsos agressivos para
fecha num cercado. Quase perdeu a perna!” o ambiente. Simbolicamente, transforma-se em
João monta um cercadinho com as outras diabo para ter coragem de roubar a mãe do
madeiras, sempre fazendo como se fosse o ja- pai, mas a fantasia de culpa e a ansiedade de
caré que estivesse montando o cercado, e co- castração facilitam o deslocamento do poder
loca dentro deste o diabo. Diz então: “Deu! da lei do pai para o jacaré, estabelecendo a
Tudo em paz”. ordem através do castigo.
João expressou, de forma inteligente, con- Por último, a tolerância à frustração e a
teúdos conflitivos através de elementos sim- adequação à realidade são indicadores que têm
bólicos adequados à sua idade evolutiva, dei- relação com a aceitação ou não das instruções
xando transparecer o estádio psicossexual que e enquadramento da hora de jogo, assim como
atravessa. Parece ser uma criança dependente, da aceitação dos limites, do próprio papel e
com traços fóbicos, que teme ser abandonada do papel do outro, da separação dos pais, do
ou rejeitada, especialmente pela figura da mãe, tempo de início e fim, do resultado dos jogos,
o que, de certa forma, se explica pela dinâmi- etc. Tudo isso está intimamente relacionado
ca da fase edípica que atravessa. A brincadeira com as possibilidades egóicas e com o princí-
organizada por ele deixa em evidência a sua pio de prazer e realidade.
preocupação com a relação afetivo-sexual dos Como se pode observar, a entrevista lúdica
pais. Sente-se excluído e vivencia a impossibi- diagnóstica é uma técnica de avaliação clínica
lidade de participar dessa união, através da muito rica, que permite compreender a natu-
fantasia da cena primária. Invadido pelos sen- reza do pensamento infantil, fornecendo infor-
timentos de ansiedade, ciúme e frustração fren- mações significativas do ponto de vista evolu-
te aos rivais (pai e novo filho), precisa se de- tivo, psicopatológico e psicodinâmico, possi-
fender com uma certa dose de atuação, inva- bilitando formular conclusões diagnósticas,
dindo a cama dos pais, mas imediatamente prognósticas e indicações terapêuticas.
PSICODIAGNÓSTICO – V 105
jam, pelo menos parcialmente, de fundo psi- derado favorável, e foi recomendada uma psi-
cológico. Poderia ser indicada uma interven- coterapia de reforço do ego para o enfrenta-
ção cirúrgica, para alívio da dor e da restrição mento da situação.
da motilidade, mas lhe é de importância fun- Neste caso, desde o início, foram levanta-
damental saber como a paciente reagiria à ci- das questões claras e funcionais. Eventualmen-
rurgia. te, porém, as entrevistas iniciais com o pacien-
Aqui, por certo, temos algumas questões: te levantarão perguntas complementares, que
Há fatores psicológicos associados à condição definem novos objetivos para o exame.
médica? Como a paciente reagiria à situação Na realidade, cada caso terá as suas pecu-
cirúrgica e à longa recuperação? Qual o prog- liaridades. Às vezes, logo se torna possível le-
nóstico do caso? Delineiam-se, portanto, três vantar as primeiras perguntas a partir do pró-
objetivos para o exame. Por outro lado, as ques- prio encaminhamento, quando este parece
tões colocadas pelo médico já começam a ser confiável pelas questões propostas. Por exem-
traduzidas em termos psicológicos. plo, no caso de um encaminhamento para diag-
Consideremos a primeira questão. A hipó- nóstico diferencial, em que o psiquiatra pro-
tese de trabalho que o psicólogo levanta, pri- põe alternativas, não só as perguntas estão
meiramente, é de que o diagnóstico da pacien- explícitas, como também é possível formular
te, de acordo com o DSM-IV, seja 307.89, do hipóteses. Outras vezes, vai ser possível levan-
Eixo I, ou Transtorno Doloroso Associado tan- tar alguma hipótese (ainda que provisória) só
to com Fatores Psicológicos quanto com uma no início da história clínica. Neste caso, a con-
Condição Médica Geral, sendo que esta é co- dução do restante da história clínica e da his-
dificada no Eixo III. tória pessoal será estruturada em termos de
Não obstante, apenas com os poucos da- uma sondagem para a obtenção de subsídios
dos que possui, o psicólogo pode levantar per- que reforcem a fundamentação da hipótese ou
guntas diferentes, como: a) A paciente apre- para a busca de dados comprobatórios. Não
senta outro transtorno mental associado, em obstante, geralmente o elenco das perguntas
especial depressão? b) Há algum problema só fica inteiramente completo após o levanta-
psicossocial agravante? c) A paciente tem con- mento de toda a história, embora, durante todo
flitos relacionados com dependência-indepen- o processo psicodiagnóstico, se possa, de vez
dência? d) A paciente obtém ganhos secundá- em quando, levantar questões subsidiárias aos
rios a partir de seus sintomas? Aqui, houve tam- objetivos previstos.
bém uma reformulação das perguntas em ou- Porém, no momento em que é possível le-
tros termos, buscando também base em pres- vantar as questões básicas e estabelecer os
supostos psicodinâmicos. O processo que objetivos, o que, em geral, ocorre no fim da
permitiria responder às últimas perguntas primeira ou segunda entrevista, há condições
teria como objetivo básico o entendimento para o estabelecimento de um plano de ava-
dinâmico. liação com base nas hipóteses e, conseqüente-
Assim, os objetivos do psicodiagnóstico mente, para realizar o contrato de trabalho.
dependem das perguntas iniciais. No caso, com
base no encaminhamento, decidiu-se fazer um
psicodiagnóstico com dois objetivos básicos, CONTRATO DE TRABALHO
de classificação nosológica e de entendimento
dinâmico, para que o laudo fornecesse ao mé- O psicodiagnóstico é um processo limitado no
dico não só uma explicação do caso, mas tam- tempo. Esclarecidas as questões iniciais e defi-
bém uma compreensão que lhe facilitasse o nidas as hipóteses e os objetivos do processo,
manejo. A partir dos dados do psicodiagnósti- o psicólogo tem condições de saber qual o tipo
co, também seria possível atender aos objeti- de exame que é adequado para chegar a con-
vos de prognóstico e de prevenção. Confirma- clusões e, conseqüentemente, pode prever o
das as hipóteses, o prognóstico não foi consi- tempo necessário para realizá-lo.
PSICODIAGNÓSTICO – V 107
que permitem ao psicólogo estabelecer alguns biente que possam com ela se relacionar (Fer-
pressupostos, que podem ser provisórios ou nández-Ballesteros, 1986). Por outro lado,
não. Via de regra, somente após um contato eventualmente, podem parecer importantes
com os fatos, o clínico poderá definir com mais resultados de exames médicos e a análise de
precisão as perguntas iniciais e os objetivos do outros materiais que não contribuíram para a
psicodiagnóstico, isto é, após complementar e anamnese (Pérez-Ramos, 1966), como fotogra-
confrontar os dados do encaminhamento com fias, gravações em vídeo, diários, desenhos,
informações subjetivas e objetivas sobre o caso, pinturas, cadernos escolares, que constituirão
estará em condições de estabelecer seu plano amostras de comportamentos alheios à situa-
de avaliação. ção de testagem, que podem levar à formula-
Para as questões iniciais, há alternativas de ção de hipóteses subsidiárias ou à confronta-
respostas, que constituem as hipóteses subja- ção de informações de testes ou da interação
centes ao processo diagnóstico. O plano de clínica com dados da vida cotidiana.
avaliação consiste em traduzir essas pergun- O elenco das hipóteses deve ser norteado e
tas em termos de técnicas e testes (Pope & delimitado pelo objetivo do psicodiagnóstico.
Scott, 1967), isto é, consiste em programar a Isto significa que nem todas as hipóteses le-
administração de uma série de instrumentos vantadas devem ser necessariamente testadas,
adequados ao sujeito específico e especialmen- sob pena de o processo se tornar inusitada-
te selecionados para fornecer subsídios para mente longo ou interminável. Por exemplo, se
que se possa chegar às respostas para as per- o objetivo do exame for o de uma classificação
guntas iniciais. Os dados resultantes, portan- simples na área intelectual, para o encaminha-
to, devem possibilitar confirmar ou infirmar as mento ou não da criança para uma classe es-
hipóteses, com um grau satisfatório de certeza. pecial, o plano de avaliação deve incluir ape-
Eventualmente, antes do primeiro contato nas os testes que permitam cumprir tal objeti-
com o paciente, o objetivo do exame já está vo. Então, somente uma hipótese de uma pseu-
bem definido, e as questões iniciais, bem deli- dolimitação intelectual, pela interferência de
mitadas, como, por exemplo, quando há soli- fatores emocionais, justificaria a inclusão de
citação de um diagnóstico diferencial num con- técnicas projetivas no plano de avaliação, con-
texto hospitalar. Há informações prévias sobre siderando que a confirmação ou não da hipó-
o sujeito e o caso em questão. Assim, a primei- tese poderia influir na decisão sobre a vida do
ra entrevista já pode ser estruturada de ma- sujeito. Não obstante, se a modificação no pla-
neira a permitir a resolução de algumas ques- no subentendesse um prolongamento substan-
tões diagnósticas. Então, a entrevista já faz cial do período de testagem, recomendar-se-ia
parte do plano de avaliação, não sendo utili- a revisão do contrato de trabalho. Entretanto,
zada principalmente para oferecer subsídios se fosse levantada alguma questão que não se
para o delineamento do plano de avaliação. associasse ao objetivo proposto, no máximo o
Conseqüentemente, há casos em que o pla- psicólogo deveria aconselhar uma complemen-
no de avaliação é estabelecido previamente tação do exame, estabelecendo, então, novo
quando há dados que permitam formulá-lo. plano de avaliação e acarretando outro con-
Mais freqüentemente, só é estabelecido após trato de trabalho.
a entrevista com o sujeito e/ou com o respon- Da mesma forma, se o objetivo do exame
sável, quando, então, se dá início ao processo for o de diagnóstico diferencial entre transtor-
de testagem. Porém, às vezes, é necessário pro- no bipolar e transtorno de conduta, num ado-
gramar a utilização de recursos complementa- lescente, o plano de avaliação deve se restrin-
res, tais como observações do comportamen- gir a instrumentos na área da personalidade, a
to em situações da vida diária. Aliás, hoje em não ser que os contínuos fracassos escolares
dia, há uma tendência crescente à valorização suscitem questões referentes ao potencial in-
do levantamento de repertórios de conduta do telectual, cuja resposta possa se tornar impor-
paciente e à identificação de variáveis do am- tante para a orientação subseqüente do caso.
PSICODIAGNÓSTICO – V 109
cisórias na vida do sujeito. Contudo, embora ogênica e características do paciente individual.
tais recursos garantam maior segurança nas Embora a bateria não-padronizada deva aten-
conclusões, devem ser reduzidos ao essencial, der, então, a vários requisitos, ela é organiza-
de modo a não alargar desnecessariamente o da de acordo com critérios mais flexíveis do
processo diagnóstico. que a bateria padronizada. O número de tes-
Há dois tipos principais de baterias de tes- tes, por exemplo, eventualmente pode ser
tes: as baterias padronizadas para avaliações modificado para mais ou para menos.
específicas e as não-padronizadas, que são or- Geralmente, o número é modificado para
ganizadas a partir de um plano de avaliação. mais, quando, por algum motivo, parece im-
No primeiro caso, a bateria de testes não portante buscar uma intervalidação de resul-
resulta de uma seleção de instrumentos de tados ou corroborar dados em função de uma
acordo com as questões levantadas num caso determinada hipótese. Pode ser modificado
individual, pelo psicólogo responsável pelo para menos, quando, por exemplo, o objetivo
psicodiagnóstico, a não ser quando se trata de da avaliação foi atingido antes de a totalidade
bateria padronizada especializada. A organi- dos instrumentos ser administrada. Suponha-
zação da bateria padronizada é efetuada com mos que um dos objetivos do exame é o de
base em pesquisas realizadas com determina- avaliar o nível de funcionamento da personali-
dos tipos de pacientes e recomendada para dade. Contudo, pela administração de uma
exames bem específicos, como em certos tipos escala Wechsler – selecionada para examinar
de avaliação neuropsicológica. É indicada em certos aspectos cognitivos –, surgem indícios
razão de sua eficiência preditiva e para obter que permitem inferir um nível de funcionamen-
uma amostra suficientemente adequada de to psicótico. Trata-se de um caso, conforme su-
funções importantes para a natureza comple- gere Exner (1980), em que se pode perfeitamen-
xa da avaliação proposta (Lezak, 1995). Trata- te prescindir da administração do Rorschach, que
se de uma bateria padronizada, com objetivos constava do plano de avaliação precisamente
explícitos, e deve ser administrada em sua ín- para testar uma hipótese neste sentido.
tegra. Contudo, o psicólogo tem a liberdade Por outro lado, se durante a administração
de acrescentar testes para se adequar à espe- do WAIS-R, mais especificamente no subteste
cificidade do caso individual. de Informação, o paciente fracassa em vários
Assim, em princípio, é possível a organiza- itens, queixando-se de que, em outra época,
ção de uma bateria de testes padronizados para saberia perfeitamente as respostas, o que sus-
casos específicos. Mas isso demanda conside- cita, após o subteste, o relato de vários episó-
rável pesquisa prévia. Nada tem que ver com dios de sua vida, sugestivos de déficit de me-
baterias e testes, usadas de forma sistemática mória (não trazido como queixa inicial), pode-
e regularmente por alguns psicólogos, indepen- se levantar uma hipótese adicional que justifi-
dentemente de aspectos específicos do caso in- ca a administração de instrumentos para ava-
dividual, que envolvem perda de tempo e acú- liar disfunções da memória. Neste caso, pres-
mulo de dados inúteis. Por exemplo, lembraría- supõe-se que estariam sendo avaliadas as fun-
mos que certos psicólogos usam, invariavelmen- ções cognitivas, o que autoriza o levantamen-
te, alguma escala Wechsler, mesmo que não te- to de outra hipótese abrangida pelo objetivo
nha sido levantada qualquer hipótese referente do psicodiagnóstico. Entretanto, se surgem
à área intelectual ou a déficit cognitivo. indícios que levam a questões não pertinentes
Na prática clínica, é tradicional o uso da ao objetivo do exame, não fica justificada a
bateria não-padronizada. No plano de avalia- inclusão de uma técnica adicional na bateria.
ção, são determinados a especificidade e o Em razão da variedade de questões propos-
número de testes, que são programados se- tas inicialmente e adequadas aos objetivos do
qüencialmente, conforme sua natureza, tipo, psicodiagnóstico, freqüentemente a bateria de
propriedades psicométricas, tempo de admi- testes inclui testes psicométricos e técnicas
nistração, grau de dificuldade, qualidade ansi- projetivas. Neste caso, sua seqüência e distri-
PSICODIAGNÓSTICO – V 111
gicamente” pode revelar “seus pontos fracos” dar conta de uma sucessão de fracassos, num
e “possibilidades para o futuro”. Como profis- teste de inteligência.
sionais, não podemos reforçar tais atitudes. Contudo, as respostas dos pacientes são
Portanto, lidando com adultos, é importante variadas. Por exemplo, a tomada de consciên-
deixar bem claros os objetivos do psicodiag- cia da própria problemática nem sempre é an-
nóstico. Além disso, acreditamos que a distri- siogênica para o sujeito, como se observa par-
buição seqüencial das técnicas bem adequada ticularmente durante a administração do
possa constituir uma mensagem corroborató- MMPI. Neste caso, o simples fato de se depa-
ria de tais objetivos. rar com seus próprios sintomas e preocupa-
Na verdade, na maioria dos casos, existe ções, impressos no caderno do Inventário, que
certo grau de ansiedade inicial, que justifica a é utilizado por outros pacientes, é suficiente
introdução de uma técnica gráfica. Mas, de- para que os mesmos não pareçam tão inusita-
pendendo da atitude do paciente adulto, pres- dos e ameaçadores.
cindimos de tal introdução. No caso de o obje- Finalmente, uma questão que deve ser le-
tivo do exame permitir, damos prioridade ao vada em conta, ao se distribuir testes e técni-
Bender, como técnica introdutória com adul- cas numa bateria, programando-a para as ses-
tos, de preferência ao desenho da figura hu- sões de testagem, é o tempo de administração
mana ou ao HTP. Depois, solicitamos que re- de cada instrumento e a possibilidade ou não
produza os desenhos sem os estímulos, dando de o mesmo ser interrompido para ser concluído
o intervalo de tempo previsto, com uma ob- num outro dia. Evidentemente, o processo pode
servação de que é importante saber como está ficar facilitado, se o psicólogo dispuser de sala
a sua memória. De acordo com nossa experiên- extra para técnicas de auto-administração.
cia, mesmo que tenha percebido o Bender É importante notar que dificilmente se con-
como uma tarefa infantil (copiar desenhos, segue administrar qualquer das escalas Wechs-
ora!), defronta-se, logo, com um desafio, que ler em uma única sessão. Entretanto, cada sub-
o leva a revisar a sua impressão inicial. É claro teste deve ser apresentado em sua íntegra. A
que este é um mero exemplo, e não um proce- possibilidade de se alternar subtestes da esca-
dimento sistemático. la verbal e de execução não só permite manter
À medida que são apresentadas técnicas o bom nível de interesse, como distribuir as
projetivas, há maior mobilização da ansieda- tarefas adequadamente e conforme o tempo
de, porque os estímulos escassamente estru- disponível.
turados não oferecem referencial para a pro- As técnicas projetivas, de um modo geral,
dução de respostas, e o paciente tem de assu- não devem ser interrompidas. O TAT, quando
mir a responsabilidade pelo manejo da situa- aplicado em sua íntegra, é uma exceção. Pode-
ção. Conseqüentemente, se estão previstas téc- se reservar uma sessão para cada série de 10
nicas projetivas e psicométricas, é conveniente lâminas. Não obstante, dificilmente é necessá-
alterná-las, iniciando e completando a bateria rio aplicar todas as 20 lâminas. Shentoub e
com material pouco ou não-ansiogênico. colegas (1990) propõem uma série de 16 lâmi-
Para aquilatar a qualidade ansiogênica de nas, a serem administradas numa única ses-
um instrumento, deve-se levar em conta não são, mas que, com grande número de pacien-
só a natureza dos estímulos, mas também as tes, provavelmente ultrapassará 50 minutos.
características do próprio sujeito. Pressupomos Mais comumente, o psicólogo organiza a sua
que as técnicas projetivas são mais ansiogêni- própria série, conforme os conflitos que pre-
cas. Não obstante, eventualmente, o paciente tende investigar, planejando-a para uma ses-
enfrenta bem um material pouco estruturado, são, ou, no máximo, em duas pequenas séries,
porque diminui a consciência do que poderia com a lâmina 16 no final, em vista de suas pro-
ser uma resposta “certa” ou “errada”, ou, me- priedades ansiogênicas.
lhor, do que constituiria uma “resposta pato- A administração do Rorschach não pode ser
lógica” ou não, mas fica muito ansioso ao se interrompida, mas o inquérito pode ser trans-
PSICODIAGNÓSTICO – V 113
cronômetro e outros materiais necessários, nóstico em paciente em situação clínica espe-
como protocolo do teste (se for o caso), lápis, cial, principalmente internado em clínica psi-
borracha, apontador, papel em branco, even- quiátrica.
tualmente, lápis vermelho para Labirintos do Em tal situação, o rapport torna-se de fun-
WPPSI ou lápis coloridos em geral, se pretende damental importância, não apenas porque o
utilizar o HTP cromático. Sugere-se deixar todo sujeito já deve ter passado por várias entrevis-
o material de teste e folhas de protocolo numa tas diagnósticas, como também porque o seu
mesinha auxiliar, ao lado do examinador, en- estado mental ou, mesmo, a impregnação por
quanto o material complementar pode ficar medicamentos pode torná-lo menos motiva-
sobre a mesa de trabalho do psicólogo. Os lá- do ou acessível para o tipo de exame que está
pis devem estar apontados, e, especialmente sendo proposto. Então, exatamente por se tra-
em certas técnicas, em que o examinando deve tar em geral de um processo diagnóstico mul-
escrever ou desenhar, deve haver mais de um à tidisciplinar, a entrevista inicial e o rapport, para
sua disposição. Por outro lado, se está progra- a administração de instrumentos, praticamen-
mada a realização do inquérito de Rorschach, te podem se superpor, porque não há necessi-
é conveniente ter à mão um conjunto de cane- dade de mobilizar tanto o paciente com per-
tas coloridas para delinear com mais precisão guntas, cujas respostas já constam de regis-
a localização de cada resposta na folha ade- tros hospitalares, e porque os objetivos do exa-
quada. me já estão bem claros e definidos.
Em quarto lugar, é importante ter em men- Naturalmente, a situação torna-se mais
te os objetivos para a inclusão de cada técnica complexa se o psicodiagnóstico for realizado
da bateria. O psicólogo está utilizando seus com objetivos forenses e o paciente tiver co-
instrumentos para colher subsídios para testar nhecimento disso, demonstrando uma atitude
hipóteses e deve tê-las bem presentes, de for- paranóide. Neste caso, o psicólogo deve con-
ma a estar atento a qualquer indício sugestivo tar com sua sensibilidade clínica para poder
e conseguir introduzir as perguntas adequa- manejar a situação com propriedade, propor-
das, no momento oportuno, se for o caso. cionando, na medida do possível, um reasse-
Após a consideração de todas essas ques- guramento que possa atenuar os efeitos de
tões, o psicólogo não deve iniciar a adminis- seus temores e suspeições.
tração de testes e técnicas sem o estabeleci- Para o estabelecimento de um clima ade-
mento de um bom rapport. Um clima descon- quado à testagem, o psicólogo deve ser capaz
traído de confiança e entendimento é neces- de esclarecer as dúvidas do paciente, não só
sário, não só para assegurar o desempenho de durante o rapport, como, eventualmente, an-
teste adequado do paciente, como para eliciar tes da introdução de algum instrumento espe-
um material projetivo genuíno, de forma a cífico. Muitas vezes, como também ocorre nas
obter amostras variadas de comportamento entrevistas anteriores, as questões que surgem
que permitam chegar a um diagnóstico mais têm que ver com confidencialidade. O pacien-
preciso. te deseja saber quem terá acesso aos resulta-
A situação deve ser manejada de modo não dos. O psicólogo deve ser honesto com o pa-
só a diminuir a ansiedade natural do paciente, ciente e nunca prometer o que não poderá
mas a levá-lo a uma atitude de cooperação. cumprir. Contudo, parece importante a existên-
MacKinnon & Yudofsky (1988a), falando de fa- cia de uma autorização tácita do sujeito (a não
tores que podem influenciar a entrevista, cha- ser quando carece de responsabilidade legal)
mam a atenção para situações especiais, que quanto à identidade das pessoas ou institui-
introduzem dimensões diferenciadas no con- ções que podem ter acesso às informações
texto clínico, como no caso do paciente em obtidas. Via de regra, porém, não há proble-
internação hospitalar. Ainda que não consti- mas nesse sentido. O paciente vem para um
tua a rotina usual, muitas vezes o psicólogo é psicodiagnóstico porque tem confiança em
solicitado para a realização de um psicodiag- quem o encaminhou, não criando qualquer
PSICODIAGNÓSTICO – V 115
cólogo terá mais facilidade em se conscienti- logos de registrar textualmente as respostas
zar de suas reações contratransferenciais se ti- a técnicas projetivas e de reduzir a um míni-
ver se submetido à psicoterapia. No entanto, é mo as anotações referentes a testes de inte-
preciso diferenciar reações contratransferen- ligência.
ciais de certas respostas indevidas de psicólo- A recomendação do registro literal das res-
gos inexperientes, por dificuldades comuns no postas não significa prescindir do conhecimen-
manejo de certos testes, especialmente duran- to do sistema de escores. Este é essencial para
te a condução do inquérito, muitas vezes rela- que, após a obtenção da resposta, o psicólogo
cionadas com as expectativas que têm de res- saiba quando e como formular perguntas adi-
postas por parte do paciente. cionais para explorar toda a potencialidade de
É preciso que o psicólogo esteja bem côns- resposta do paciente. Tal inquérito deve reve-
cio dos aspectos estruturais e dinâmicos da si- lar o interesse do examinador em explorar
tuação de testagem para que possa fazer do aquele potencial e não dar a impressão de que
paciente o foco principal de sua atenção. As a resposta foi “errada”. Da mesma forma, re-
respostas deste devem estar anotadas em sua comenda-se a anotação de ensaios e erros ou
íntegra, isto é, não apenas especificamente as de outras particularidades no desempenho de
respostas ao teste, mas também todas as suas uma tarefa, que podem vir a constituir impor-
reações, verbais ou não. Isto vale dizer que to- tantes indícios sobre os aspectos cognitivos e
dos os indícios comportamentais explícitos ou emocionais do paciente. Igualmente, devem ser
implícitos devem ser cuidadosamente observa- registradas as hesitações, as observações es-
dos e registrados durante a administração de pontâneas, as reações de raiva, fadiga ou an-
testes e técnicas. siedade, bem como quaisquer outras que, de
É um hábito comum, quando o psicólogo uma forma ou de outra, constituem respostas
está familiarizado com o sistema de escores, à situação de teste.
num instrumento psicométrico, simplesmente O fato de se recomendar o uso de pergun-
atribuir o escore correspondente e deixar de tas adicionais ou a realização de inquérito, sem-
registrar a resposta dada. Este é um procedi- pre que parecer oportuno e as normas o per-
mento perfeitamente correto quando a respos- mitirem, não significa que o psicólogo se apres-
ta é única ou possível de ser categorizada se em fazê-lo. Primeiramente, é importante
simplesmente como “sim” ou “não”. Contu- utilizar estímulos neutros, como “Que mais?”,
do, sempre que a resposta envolve uma for- “E daí?”, ou “Pode explicar melhor?”, para
mulação verbal, como nos subtestes de Com- obter o máximo de material espontâneo. Só
preensão, Semelhanças e Vocabulário de uma depois pode passar a outras perguntas, sem-
escala Wechsler, deve ser anotada literalmen- pre que possível usando como referencial as
te, porque: a) é difícil ter em mente todos os verbalizações do sujeito, de preferência suas
exemplos do manual, para atribuir um escore próprias palavras. É importante ter isso em
correto; b) nem todas as respostas constam mente, porque pode ocorrer, especialmente
entre os exemplos ilustrativos, e temos de exa- com profissionais novatos, que, no afã de con-
miná-las à luz de critérios gerais para a atribui- seguir dados, o paciente seja interrompido com
ção do escore: c) muitos indícios qualitativos perguntas, que, às vezes, cortam o fluxo de seu
ficam irremediavelmente perdidos, se não são pensamento, induzem determinadas respostas,
registrados. Dessa maneira, a falta de transcri- bloqueiam a produtividade e a fantasia e des-
ção literal pode acarretar tanto uma falha na pertam ansiedade, prejudicando os resultados.
atribuição de escores, quanto uma omissão de Existe uma situação padronizada de testa-
dados úteis. Berg, já em 1983, por exemplo, gem, mas sempre é importante que o psicólo-
chamou a atenção de que, freqüentemente, go lide com ela não meramente como um tes-
transtornos de pensamentos são observáveis tólogo, mas de uma maneira clínica, atento a
em testes projetivos, e não em testes estrutu- um sujeito que reage de forma personalizada
rados, por uma prática tradicional entre psicó- e única ao aqui e agora da interação.
PSICODIAGNÓSTICO – V 117
quando se pretende ter uma compreensão di- classificação diagnóstica, podendo chegar a in-
nâmica sobre o paciente, muitas vezes, para terpretações mais inclusivas, que pressupõem o
fundamentar a formulação diagnóstica ou para marco referencial de uma teoria de personalidade.
chegar a uma orientação sobre o caso, os da- A comunicação dos resultados (output) não
dos qualitativos assumem grande importância. é mais que a formalização oral e/ou escrita de
Por outro lado, se os dados qualitativos per- conclusões a que o psicólogo chegou, estabe-
dem em objetividade para os dados quantita- lecidas em função de um determinado nível de
tivos, podem ser validados, no caso individual, inferência. Todavia, a comunicação não abran-
com a corroboração de alguns indícios por ou- ge todos os dados e, quase sempre, não com-
tros, e, por sua vez, a integração pode ficar con- preende todas as conclusões. Há uma seleção
substanciada por um embasamento teórico, que de informações que, por um lado, é pertinente
encontre denominadores comuns na história clí- aos motivos do encaminhamento e se mantém
nica e no comportamento sintomático atual. num determinado nível de inferência, previsto
Não entraremos em maiores detalhes sobre pelo objetivo do exame, e, por outro lado, se
a análise e interpretação de dados qualitativos, estrutura conforme a natureza do serviço ao
porque cada técnica tem o seu manejo específi- qual será encaminhado o laudo ou de acordo
co, que é tratado na seção pertinente deste livro. com o tipo de profissional que o solicitou.
Cabe apenas salientar a necessidade de or-
ganizar os dados oriundos das diferentes téc-
nicas, buscando um entendimento de coinci- DIAGNÓSTICO E PROGNÓSTICO
dências e discordâncias, hierarquizando indí-
cios e identificando os dados mais significati- Nem sempre o psicólogo precisa chegar, obri-
vos, que, contrastados com as informações gatoriamente, ao nível mais elevado de infe-
sobre o paciente, são integrados para confir- rência para obter uma hipótese diagnóstica ou
mar ou infirmar as hipóteses iniciais. A seleção o diagnóstico mais provável. Principalmente em
das informações que fundamentam as conclu- casos mais graves, freqüentemente apenas o
sões finais deve atender aos objetivos propos- quadro sintomático e a história clínica contêm
tos para o psicodiagnóstico e pressupõe um informações suficientes para que o profissio-
determinado nível de inferência clínica. nal possa enquadrar o transtorno numa cate-
goria nosológica. Esta modalidade de proces-
so diagnóstico seguiria mais um modelo médi-
Níveis de inferência clínica co do que psicológico, o que não significa que
somente o psiquiatra tenha competência para
Lembramos que psicodiagnóstico é um proces- tal. Entretanto, mesmo quando parece não
so científico, que utiliza técnicas e testes psi- haver dúvidas quanto à classificação nosológi-
cológicos (input) e, através de uma série de pas- ca do paciente, o psicólogo muitas vezes é con-
sos, termina com a comunicação de resultados vocado para identificar déficits ou funções pre-
(output) após a integração e seleção dos dados. servadas, enfim, para coletar dados mais subs-
Vimos que, após a admissão de uma quan- tanciais como base para um prognóstico. Nou-
tidade de dados, estes devem ser trabalhados, tros casos, como há alternativas diagnósticas
conforme os objetivos predeterminados, e in- possíveis, o psicólogo pode assumir a respon-
tegrados em função do nível de inferência que sabilidade de um diagnóstico diferencial, que
se pretende atingir. Inferência é, pois, “o pro- se efetua através de um modelo psicológico,
cesso que vincula o input ao output” (Pope & isto é, pelo psicodiagnóstico.
Scott, 1967, p.34). Para chegar à inferência clínica, chamada
A inferência pode ficar num nível simples, de diagnóstico, o psicólogo deve examinar os
quando se baseia apenas num levantamento dados de que dispõe (que englobam informa-
quantitativo, ou pode ser feita em diferentes ções sobre o quadro sintomático, dados da his-
graus de generalização, como no caso de uma tória clínica, as observações do comportamen-
PSICODIAGNÓSTICO – V 119
minador fornecem indícios que podem permi- ca, o psicólogo pode e, conseqüentemente,
tir que se chegue a elaborar “uma formulação deve utilizar algum sistema oficial de classifi-
diagnóstica psicodinâmica, que é uma explica- cação de transtornos mentais.
ção da psicopatologia do paciente, em termos Atualmente, os dois sistemas de classifica-
de seus conflitos inconscientes e mecanismos ção mais difundidos e usados são a CID-10
de defesa e das origens de seu comportamen- (OMS, 1993) e o DSM-IV (APA, 1995). Conside-
to atual na experiência de vida precoce” (APA, rando que foram criadas facilidades para “um
1980, p.11). intercâmbio mutuamente produtivo” entre a
Embora forneça informações úteis, em Organização Mundial da Saúde e a Associa-
muitos casos, a formulação psicodinâmica en- ção Psiquiátrica Americana, houve um incre-
volve uma tarefa exaustiva e um registro bas- mento da compatibilidade entre os dois sis-
tante extensivo e é menos freqüentemente so- temas (APA, 1995, p.xiii). Desse modo, va-
licitada do que exames com outros objetivos. mos nos restringir a comentários sobre o
Mais comumente, é realizada de forma mais DSM-IV, uma vez que as classificações ameri-
restrita, limitando-se ao exame de certos as- canas têm suscitado um número extraordi-
pectos psicodinâmicos, que podem facilitar e nário de pesquisas, com amplas repercussões
dar embasamento para certas decisões sobre na área do psicodiagnóstico, inclusive com a
abordagens terapêuticas, inclusive não-psico- criação de instrumentos que visam a facilitar
terápicas, identificando recursos do ego e, o processo diagnóstico.
eventualmente, sistemas de apoio no ambien- O DSM-IV utiliza um modelo categórico,
te sociofamiliar para que o paciente possa en- classificando os transtornos mentais “em tipos
frentar certas situações. Por exemplo, num dos com base nos conjuntos de critérios que os
casos ilustrativos deste livro, é apresentado o definem” (p.xxi), claramente inspirado num
problema de uma paciente que foi encaminha- modelo médico. Tais critérios são apresenta-
da para a avaliação de suas condições psicoló- dos “como diretrizes para a confecção de diag-
gicas para se submeter a uma intervenção ci- nósticos, uma vez que comprovadamente o uso
rúrgica e para prognóstico sobre a sua possí- desses melhora o consenso entre clínicos e in-
vel resposta à mesma. O laudo incluiu uma clas- vestigadores” (p.xxv).
sificação diagnóstica e uma formulação dinâ- A abordagem multiaxial do DSM-IV inclui
mica para permitir uma compreensão dos mo- diversas áreas, dimensões, mais adequada-
tivos que justificaram o encaminhamento. Po- mente denominadas eixos, nos quais cada pa-
rém, se o encaminhamento tivesse que ver com ciente pode ser avaliado, de vez que se refe-
a consideração de uma terapia familiar, por rem “a um diferente domínio de informa-
exemplo, as informações seriam de natureza ções” (p.27).
diversa, focalizando a paciente em interação com Segundo o DSM-IV, o Eixo I inclui todos os
os membros de sua família, como unidade social transtornos mentais – exceto os Transtornos de
e dentro de um contexto social mais amplo. Personalidade e Retardamento Mental, que
constituem o Eixo II – e mais “outras condi-
ções que podem ser foco de atenção clínica”
Classificação diagnóstica (p.28), enquanto, no Eixo III, são classificadas
condições médicas gerais, “que podem estar
“Fica facultado ao psicólogo o uso do Código
Internacional de Doenças – CID, ou outros có- relacionadas aos transtornos mentais de diver-
digos de diagnóstico, científica e socialmente sas maneiras” (p.29).
reconhecidos, como fonte de enquadramento Os Eixos I, II e III permitem o registro de diag-
de diagnóstico.”
nósticos múltiplos, em casos de co-morbidade,
(Parágrafo único, do Art. 1º, da Resolução CFP
nº 015/96, de 13 de dezembro de 1996.) enquanto, no Eixo IV, são considerados proble-
mas psicossociais, e, no V, o nível de funciona-
Como vimos, para verificar se um caso pre- mento. Esse tipo de classificação, portanto, “fa-
enche os critérios de uma categoria diagnósti- cilita a avaliação abrangente e sistemática” (p.27).
PSICODIAGNÓSTICO – V 121
mas, também, o cumprimento de certas nor- ceptor. Conseqüentemente, o laudo a ser en-
mas éticas. Por exemplo, certas informações caminhado a outro psicólogo vai diferir bas-
podem ser passadas a um receptor, cuja pro- tante, na forma, do encaminhado a um orto-
fissão pressuponha um certo código de ética, pedista e será muito diferente da devolução
mas, talvez, não a outro. O sigilo profissional realizada com pais ansiosos e de nível socio-
compromete o psicólogo a não fornecer certas cultural inferior.
informações, ou a prestá-las somente a quem Para que a comunicação dos resultados seja
de direito e sempre contemplando o benefício cientificamente adequada, é necessário que a
do paciente. Por exemplo, a suspeita da pre- seleção, organização e integração dos dados
sença de traços psicóticos numa criança deve se realize, chegando a inferências sobre o caso,
ser obrigatoriamente comunicada ao profissio- tendo como pontos de referência as pergun-
nal responsável pelo tratamento neurológico, tas iniciais e os objetivos do exame. Tais da-
já que a criança pode responder de forma di- dos, que emergem da testagem numa termi-
ferente a certos medicamentos e contamos nologia científica, precisam, então, ser deco-
com a ética profissional do neurologista. Por dificados, conforme a identidade e a qualida-
outro lado, o informe sobre a mesma criança, de do receptor, sendo comunicados de forma
para a escola, pode perfeitamente dispensar a oral ou escrita.
classificação nosológica, cujo conhecimento O que isto representa para o psicólogo? Em
poderia eventualmente levar a uma discrimi- termos de desempenho profissional, quer di-
nação do sujeito. Para a escola, interessa mais zer que realizou uma tarefa que lhe é específi-
saber que existe um problema, como se mani- ca e dela presta contas. Não obstante, há mui-
festa, qual a melhor maneira de lidar com ele e tas variáveis em jogo, em parte tendo que ver
que está havendo um atendimento diferencia- com a sua identidade como psicólogo clínico.
do para o mesmo. Já no caso de a escola con- Implícita ou explicitamente, o psicólogo per-
tar com uma psicóloga, esta poderá receber cebe o informe psicodiagnóstico como um ates-
um laudo mais extenso e profundo, do qual tado que apresenta de sua competência pro-
saberá selecionar as informações que sabe que fissional. Sem dúvida, variáveis associadas com
deve prestar à professora. Entretanto, se sabe- formação, experiência e com sua própria per-
mos que a escola não dispõe de local onde o sonalidade estão em jogo. Igualmente, devem-
informe possa ser mantido sigilosamente, é se levar em conta variáveis que têm relação com
preferível restringir a comunicação a um con- a competência do receptor e com suas expec-
tato telefônico ou pessoal. tativas, e que também influem na situação, in-
Um outro exemplo seria de uma história de terferindo, bloqueando, acelerando ou croni-
caso, que incluísse uma tentativa de estupro ficando o processo psicodiagnóstico e, conse-
por um membro da família, guardada sigilosa- qüentemente, dificultando ou facilitando a
mente pelos pais de uma menina. Este é um comunicação. Assim como nas terapias, às ve-
tipo de dado que, preferencialmente, deve ser zes os processos psicodiagnósticos parecem
comunicado, de forma pessoal, com autoriza- intermináveis, nem tanto por falta de dados,
ção do responsável, somente ao profissional mas porque o psicólogo não sabe o que fazer
que se encarregará da psicoterapia do sujeito, com eles.
mas não ao técnico que, por exemplo, vai se A ciência ajuda o psicólogo a operacionali-
responsabilizar por um programa foniátrico. zar o seu trabalho através dos passos de um
A forma é definida pela identidade e quali- processo de psicodiagnóstico. Por isso, são
dade do receptor. A terminologia e a lingua- importantes sua formação, sua preparação téc-
gem, de modo geral, devem ser adequadas às nica, sua familiaridade com recursos e manejo
do receptor. Dessa maneira, o informe preser- das técnicas para um bom exame psicológico.
va a comunicação necessária, se estiver de acor- Mas o ponto-chave, o elemento crucial, no pro-
do com a profissão, o nível sociocultural e in- cesso é o próprio psicólogo. O sucesso de seu
telectual e com as condições emocionais do re- trabalho ultrapassa a questão da competência
PSICODIAGNÓSTICO – V 123
ditamos que, para o desempenho competente dos e soluções cabíveis. A troca de objetivo
de sua tarefa e a bem da ética, o psicólogo ocasiona a mudança do tipo de informe e, even-
deve usar seu bom senso, procedendo em be- tualmente, a troca do receptor. Por outro lado,
neficio do usuário e com sua concordância, em a necessidade de proteção da paciente quebra
casos especiais como este. o compromisso com o sigilo profissional.
Quando se falou que o informe tem nor- Vemos, portanto, que a comunicação de
mas específicas, salientou-se muito a questão resultados pode ser assistemática ou sistemá-
da identidade do receptor. Encaminham-se lau- tica. Entre os informes sistemáticos, os tipos
dos a profissionais, aos quais possam ser de mais comuns são algumas entrevistas de de-
interesse, em benefício do cliente e com sua volução e os laudos. Estes são, habitualmente,
concordância. Entretanto, parece mais reco- encaminhados a profissionais da área médica
mendável dar um feedback ao cliente ou a pes- e a outros, da área de saúde e da educação.
soas de sua família, sempre através de uma Os laudos podem variar em sua estrutura,
entrevista de devolução, que também será di- conforme as questões básicas e os objetivos
ferenciada, dependendo da qualificação pro- do exame ou, ainda, de acordo com o estilo do
fissional, nível social, escolaridade e caracte- psicólogo. Em alguns, por exemplo, os dados
rísticas psicológicas pessoais. A comunicação da anamnese e sobre a dinâmica familiar se
oral parece ser um recurso mais esclarecedor e fazem imprescindíveis para a compreensão do
eficaz que as informações por escrito, porque caso, enquanto outros citam apenas os aspec-
cada item pode ser devidamente analisado e tos mais significativos ou, eventualmente, os
esclarecido, se necessário for. Na realidade, é omitem, quando são do conhecimento do re-
uma forma de se prevenir a ocorrência de in- ceptor. Geralmente, o laudo é iniciado com
terpretações dúbias, especialmente de resulta- dados de identificação, seguidos da época de
dos quantitativos, por entendimento errôneo realização do exame. Registram-se os motivos
de dados estatísticos. explícitos e implícitos da consulta, citam-se as
A comunicação dos resultados pode ser feita técnicas utilizadas (por extenso), comunica-se
de forma sistemática ou assistemática. Tome- a impressão sobre o sujeito, apresentam-se
mos o exemplo do caso de uma criança, em dados sobre o estado mental, relata-se sua his-
que, muito freqüentemente, parece importan- tória clínica, descrevem-se os resultados da
te que, na medida em que os dados colhidos o testagem, comumente organizados em tópi-
justificarem, se forneça um feedback ocasio- cos; conforme os objetivos do exame, faz-se,
nal aos pais, seja para alívio da ansiedade, para se for o caso, o entendimento dinâmico e/ou a
satisfazer necessidades reparatórias, para re- classificação nosológica, com prognóstico e pos-
forço do ego ou para discutir soluções emer- síveis encaminhamentos ou recomendações. Este
genciais. Assim, a devolução vai sendo realiza- é mais um modelo tradicional e, conforme os
da de forma bastante assistemática, de modo objetivos do exame, nem sempre precisa ser
que a entrevista final seja dedicada mais à in- muito extenso, exaustivo ou profundo. Na ver-
tegração das informações já prestadas, com dade, não há regras fixas. O importante não é
vistas à discussão de soluções viáveis. que o psicólogo escreva tudo o que sabe sobre a
Outro tipo assistemático de comunicação pessoa, mas o que for pertinente aos objetivos
ocorre quando surgem situações emergenciais do exame e de interesse para o receptor.
de urgência psiquiátrica. Suponhamos que uma No caso, por exemplo, de um laudo na área
paciente, encaminhada para exame de um pro- forense, o psicólogo deve se restringir a res-
blema de memória, apresente indícios compa- ponder os quesitos propostos de uma forma
tíveis com risco de suicídio. Em conseqüência, clara, concisa e não sofisticada, registrando
deve haver troca imediata do objetivo do exa- apenas dados que possam ser úteis ao objeti-
me, passando-se a avaliar a gravidade do ris- vo a que se destinam e excluindo os que po-
co. Se for o caso, faz-se a comunicação ime- dem ser classificados como impressões, opi-
diatamente ao responsável, apontando cuida- niões ou suspeitas.
PSICODIAGNÓSTICO – V 125
miliar, embora com poucos amigos, teve uma Hipóteses e perguntas iniciais
reação de culpa muito intensa em razão do
falecimento do pai há dois anos. O processo precisou ser iniciado apenas com
Durante o último ano, passou a se envolver os dados fornecidos pelo psiquiatra, pelo ir-
com rituais de religião afro-brasileira. Em se- mão e pelo paciente, já que o exame objetivo
guida, sob a influência de uma mãe-de-santo, com a esposa só foi realizado após a testagem,
começou a “encomendar trabalhos” e, para por motivo de viagem.
pagá-los, fez um desfalque de quantia consi- Contudo, tais dados já permitiam rejeitar
derável no banco em que trabalhava. Ao ser ou levantar certas hipóteses. Em primeiro lu-
descoberto e decidido o seu afastamento do gar, pelas informações dadas pelo irmão, foi
banco, apresentou sintomas depressivos, inclu- possível verificar que o caso não atendia aos
sive com tentativa de suicídio, sendo interna- critérios diagnósticos de um transtorno de per-
do em hospital psiquiátrico. sonalidade anti-social. Em segundo lugar, com
A primeira entrevista com o irmão, na casa base em subsídios, fornecidos pelo irmão e pelo
de quem permaneceu após a alta hospitalar, próprio paciente sobre a reação deste ao fale-
não acrescentou muitos dados, exceto a res- cimento do pai, isto é, a um estressor severo,
peito de detalhes sobre o comportamento do foi possível pressupor que estivesse apresen-
paciente após a morte do pai e sobre seus sin- tando um episódio depressivo. Sua personali-
tomas depressivos antes da hospitalização. dade pré-mórbida, bastante dependente, pa-
rece ter desenvolvido uma série de sintomas
ante esse fato, que, por sua gravidade e dura-
Descrição ção, teria ultrapassado um quadro depressivo
normal pela perda de um ente querido. O pa-
B.S. é um homem de 35 anos, casado, com duas ciente informou a respeito de sintomas, que
filhas, com nível de escolaridade de 3o Grau perduraram por meses, e que, por sua especi-
incompleto, que reside numa pequena locali- ficidade, pareciam corresponder a um episó-
dade, no interior de... Seu padrão de vida é dio de depressão maior. Por outro lado, a sin-
considerado muito satisfatório, dadas as con- tomatologia que o levou à internação recente
dições socioeconômicas do lugar. também parecia atender aos critérios de uma
Veste-se de maneira informal e, quase in- depressão maior. A partir daí, era possível le-
variavelmente, chega para as sessões de exa- vantar algumas perguntas.
me de 10 a 15 minutos antes. Uma pessoa, que Estaríamos diante de um transtorno bipo-
cruzou com ele ao sair, comentou que sua apa- lar, em que o envolvimento do paciente em
rência era de quem havia sido padre. atividades altamente prejudiciais para a sua
Sua fala é muito monótona, algo macia, vida, entre os dois episódios depressivos, po-
mas não afeminada. Apresenta-se sempre deria ser explicado como uma sintomatologia
com um sorriso, que mantém, tanto quando maníaca? As informações não permitiam man-
responde a questões de cultura geral como ter essa hipótese como a mais provável, uma
quando relata fatos estressantes, como o fa- vez que, nesse transtorno, o episódio inicial
lecimento do pai. Pode-se dizer que não apre- geralmente é maníaco.
senta uma modulação afetiva nítida. Mostra- Estaríamos, então, diante de um transtor-
se muito constrito. Dá uma impressão de in- no depressivo maior recorrente, em que o en-
genuidade e de ser menos inteligente do que volvimento do paciente, no período interme-
realmente é. Sua linguagem é algo pobre e, diário, em atividades religiosas ritualísticas,
eventualmente, troca termos comuns, como pudesse ser explicado por um transtorno de
“dependente” por “independente” e vice-ver- personalidade esquizotípica? Mas como enten-
sa. der o comportamento impulsivo e imprevisível
Não obstante, o seu comportamento, na (se comparado com sua vida anterior), carac-
entrevista, parece apropriado. terizado pelo desfalque? Poderia ser explicado
PSICODIAGNÓSTICO – V 127
Com a morte súbita do pai, há dois anos, Instado pela esposa a procurar um psicó-
começou a apresentar problemas. O paciente logo ou psiquiatra, não o fez. Ao invés disso,
relata: “... ele ficou doente. Fiz tudo o que passou a procurar pessoas que, usando bú-
mandaram. Ficou bom. Foi um enfarto... Esta- zios, cartas, etc., pudessem lhe dizer “como
vam fazendo um check-up geral. Teve outro seu pai estava, se se encontrava bem onde
enfarto e, daí, veio a morrer. Eu me senti cul- estava” (sic), buscando avidamente anúncios
pado pela morte dele... (?) Poderia ter levado a a respeito.
um centro maior, mas não havia recomenda- Construíram outra casa. Depois, resolveram
ção médica... Como faleceu e eu era o único comprar um apartamento na praia. Ao mesmo
filho, vieram os irmãos e, daí, veio esse senti- tempo, passou a se envolver, ativa, intensa e
mento... Mas enfarto não se pode prever... cada vez mais freqüentemente, com ativida-
Depois da morte, me senti culpado... (?) Dias, des ritualísticas de religião afro-brasileira, co-
semanas, sem dormir... Tomei medicamentos... meçando a ficar muito dependente de uma
Não houve o sentimento de perda pela morte, mãe-de-santo.
mas o sentimento de culpa, que eu carreguei... Quanto à sua vida com a família, “não par-
Mas o sentimento nunca passou...” Mais adian- ticipava, procurava não conversar, evitava as
te: “Passei meses para tirar da idéia. Não fiz pessoas e, até com a esposa, era muito fecha-
nenhum tratamento com psiquiatra, nada... (?) do. Chegava em casa, não conversava, ia para
Nervoso, o dia inteiro... Na relação afetiva, dei- o quarto, ficava sozinho... Amigos, nem fa-
xei a mulher e as crianças de lado... Levei se- lar...”, e, também, mostrava-se “desinteressa-
manas sem fazer a barba, cortar o cabelo, que- do pelas coisas da casa” (sic). Queria trocar de
rendo, parece, jogar alguma culpa... (?) Que carro, falava em comprar outro apartamento,
os outros percebessem alguma coisa... Demo- um sítio. Parecia não dar valor ao dinheiro. O
rou meses... Ia rezar, ia no cemitério todos os que as filhas queriam, dava. Presenteava exa-
dias. Conversava e saía mais calmo... Chegan- geradamente, em quantidade e preço. Mas “só
do em casa, revertia tudo...” (sic). ficava fazendo contas”. Parecia “alegre, mas
A esposa descreveu o sogro como uma pes- insatisfeito” (sic).
soa fria, sem amigos, mas que procurava mui- Demonstrou uma atitude de subserviência
to esse filho, com quem se parecia, mas com à mãe-de-santo, passando a consultá-la cada
quem “só conversava sobre coisas banais” (sic). vez mais (anotando tudo o que dizia), procu-
Com o falecimento do pai, o paciente “se rando ter contatos telefônicos diários com ela,
fechou, entrou em crise” (sic). Quando conver- mesmo que estivesse em outro estado, para
savam, o assunto era só o pai e sua culpa. saber como estavam os negócios e a vida da
Quando chegava em casa, deitava-se em posi- família. Freqüentemente, queria que a esposa
ção fetal, coberto com acolchoados, muito fizesse tais contatos, ficando numa extensão
deprimido: “estava numa concha” (sic). Tinha para escutar. Uma vez que esta se negou, che-
insônia e tomava comprimidos. Emagreceu gou a ajoelhar-se à sua frente, pedindo para
bastante e, depois, começou a engordar. Tor- fazê-lo. Começou, segundo a esposa, a ficar
nou-se muito parecido com o pai, falando, agin- inseguro.
do como ele. Achou que também tinha proble- No início, a preocupação era com o pai; em
mas cardíacos. Consultou muitos médicos e fez seguida, com sua saúde e, depois, com os fi-
muitos exames. Deixou de ter amigos e usava lhos e a esposa. Então, surgiram “avisos” de
desculpas para não sair, exceto ao cemitério. que alguém, no banco, o estava prejudicando.
Gradualmente, começou a falar mais com Cada vez que havia ameaça de perigos, por
a esposa e filhos, mas não como antes do fale- revelação dos búzios ou de outra forma, “en-
cimento do pai. Principiou a se preocupar exa- comendava trabalhos” à mãe-de-santo, que
geradamente com sua mãe, especialmente eram remunerados acima do exigido, afirman-
quanto à sua saúde, querendo que sua filha do “que valiam mais” e “não admitia que nin-
mais velha morasse com ela. guém falasse mal dela” (sic).
PSICODIAGNÓSTICO – V 129
trar preocupado com o futuro da família. Não sinais isolados, mas deve-se considerar que o
obstante, a esposa, que o visitou 10 dias de- nível de inteligência, preservado, também ser-
pois, afirmou que, embora fale no assunto, não ve como variável moderadora em relação à
sabe “até que ponto sofre com isso. Está mais desorganização, em provas intelectuais.
estranho, mais distante... Não é a mesma coi- Observam-se, ainda, erros não compatíveis
sa... (?) Ele não sabe da gravidade do fato... Às com a formação do sujeito, sugerindo pouca
vezes, dá a impressão de que não está nem capacidade para tirar proveito adequado da
aí... (?) Está aéreo, alheio, não está normal, não educação formal, talvez por perda de interes-
colocou os pés no chão” (sic). se no ambiente, embora certas lacunas iso-
A esposa não sabe informar sobre anteceden- ladas possam se associar a dificuldades oca-
tes de doença mental na família do paciente. sionais de atenção, em parte devidas à an-
siedade.
Pensamento e linguagem – Nos testes es-
Integração e seleção dos dados truturados, o escore mais baixo é indicativo de
comprometimento do pensamento abstrato. O
Funções do ego sujeito apresentou respostas incorretas em
muitos itens, chegando a um escore inconsis-
Inteligência e funções cognitivas em geral – O tente com os demais, sugerindo um declínio
QIT de 98 é médio, provavelmente no mesmo da eficácia cognitiva da análise e síntese. Con-
nível da inteligência pré-mórbida. Não obstan- frontado, no reteste de um item, conseguiu dar
te, uma análise mais cuidadosa das produções uma resposta de nível melhor, mas não com-
verbais do paciente, em provas estruturadas, pletamente exata, sem crítica. Por outro lado,
revela a intrusão de aspectos conflitivos em seu comentário sobre o fracasso em certos itens
funções do ego, consideradas teoricamente li- envolveu nitidamente projeção, compatível
vres de conflito. Desta maneira, há respostas com uma opção de resposta paranóide, ao li-
incorretas, na escala de inteligência, que suge- dar com estresse.
rem que a função do juízo pode ficar compro- Em outro subteste, que envolve pensamen-
metida por impulsividade e que há dificuldade to conceitual, o comprometimento evidencia-
na capacidade de considerar as necessidades do foi mais qualitativo do que quantitativo, não
dos outros. só pela emergência de respostas em nível con-
Por outro lado, observam-se irregularidades creto e funcional, mas também por uma ten-
no desempenho, tanto inter como intratestes. dência a apresentar conceitos muito amplos e
Num subteste específico, cujo escore caiu no sincréticos e pelo aparecimento de uma res-
limite inferior da normalidade (ao contrário dos posta isolada de natureza confabulatória.
demais), mostra um tipo de inconsistência que, No Rorschach, apresentou vários lapsos no
por vezes, é encontrada em sujeitos que tive- pensamento lógico, em sua maioria sutis, mas,
ram de fazer ajustamentos caracterológicos ou também, uma resposta isolada, baseada em
cognitivos para manejar uma ansiedade esma- raciocínio falso, em nível possível de ser carac-
gadora, pouco controlada por defesas frágeis. terizado como um tipo de lógica autista, sem
Já a variabilidade parece sugerir uma capaci- atitude crítica por parte do sujeito.
dade inconsistente para moderar pressões Todavia, quanto ao número e grau de gra-
emocionais e resguardar as operações cogniti- vidade, não apresentou distorções de pensa-
vas do afeto, o que pode levar a um funciona- mento mais comuns no transtorno esquizofrê-
mento errático. Tal variabilidade na qualidade nico. Por outro lado, confrontado com um dos
das respostas também aparece em provas não lapsos mais sutis de funcionamento lógico,
estruturadas. Notam-se, portanto, sinais oca- mostrou-se, até certo ponto, capaz de melho-
sionais no funcionamento cognitivo que, quan- rar a resposta.
do ocorrem em quadros de nível “neurótico”, Quanto à linguagem, tanto na entrevista
são muito mais discretos. Contudo, trata-se de como na testagem, foi verificada constante tro-
PSICODIAGNÓSTICO – V 131
te projetando no examinador a culpa por seus vações, no perfil, é compatível com a presença
próprios erros. de risco de suicídio.
No Rorschach, não há indícios que caracte- Organização das defesas – A série de rituais
rizem uma labilidade contínua, mas, invaria- em que o sujeito se envolveu há algum tempo
velmente, se observou que à produção de uma e nos quais possivelmente ainda confia sugere
resposta com conotação emocional se seguia a utilização maciça do mecanismo de anula-
outra, caracterizada por uma tentativa de con- ção. Da mesma maneira, a forma como o su-
trole mais rígido, de vez em quando com si- jeito se refere aos fatos relativos ao falecimen-
nais prévios de ansiedade, insuficientes para to paterno e a sua reação aos mesmos são ca-
garantir uma boa qualidade. Já no TAT, elabo- racterísticas do uso do mecanismo de anula-
rou histórias em que os afetos se mostram mais ção, que também se evidencia em alguns indí-
lábeis e pelo menos duas em que se notam cios dos testes.
mudanças abruptas, tanto na expressão emo- No MMPI, há sinais de reativação de defe-
cional, como no comportamento dos persona- sas que, envolvendo pensamento mágico, ru-
gens. Desse modo, o quadro geral é de uma minação e rituais, estão associadas com usos
regulação não adequada dos afetos, predomi- menos eficientes de repressão (como negação
nando irrupções de afeto nem sempre bem rígida), mais característicos de níveis mais pre-
controladas e seguidas por inibição afetiva, coces do desenvolvimento psicossexual. Con-
mas, eventualmente, havendo a ocorrência de tudo, a configuração geral do perfil também
mudanças lábeis. O comportamento não foi sugere a incapacidade crescente de o paciente
marcado por inquietação, mas houve eventuais lidar com o estresse, pelo uso de defesas ob-
respostas impulsivas. As histórias do TAT são, sessivo-compulsivas, como também a sua ten-
em sua maioria, focalizadas mais na ação do tativa de mudar a sua visão do mundo através
que na descrição da experiência interior dos da utilização de projeções mais grosseiras. Des-
personagens. Pode-se dizer que a ação é usa- ta maneira, notam-se evidências da presença
da, até certo ponto, como descarga de ten- de defesas mais arcaicas, seguidas ou precedi-
são, mas, especialmente, num nível de fan- das por demonstrações de funcionamento em
tasia. Neste, a descarga de tensão e a gratifi- melhor nível. No próprio processo de diagnós-
cação direta dos desejos, dependentes ou tico, foi necessário propiciar algum encoraja-
agressivos, não sofre a influência das normas mento, por manifestações que sugeriam que
convencionais. Assim, ao contrário da vida ora o paciente considerava o examinador com
sempre regrada que levou, seus personagens confiança, ora, noutro momento, reagia com
jogam, ficam bêbados, brigam e matam um suspeição.
amigo, sem serem punidos ou mostrarem Os indícios de utilização do mecanismo de
remorso e culpa. Todavia, também são pes- negação não são muito conspícuos. Surgiram,
soas muito infelizes, descontentes, ambiva- eventualmente, no TAT, num exemplo de ne-
lentes ou doentes. gação de impulsos agressivos e num percepto
Em relação ao MMPI, os dados sugerem que que envolvia disforia aguda e que evoluiu para
os mecanismos de defesa não são suficientes a expressão e um otimismo ingênuo. Projeção
para o sujeito lidar com a ansiedade ou para é fortemente sugerida pelo MMPI. Nos demais
canalizar apropriadamente impulsos agressi- testes, há indícios, aqui e ali, mas de uma for-
vos. Há mau controle desses impulsos, poden- ma caracteristicamente marcante, já que gran-
do ocorrer episódios de forte atuação. A an- de parte do material produzido foi sobrecarre-
siedade associa-se à ameaça que o sujeito sen- gado por forte tendência à constrição e, às
te em relação a esses impulsos, que não con- vezes, por sinais de impotência e dificuldade
seguem ser liberados adequadamente, mas se de associação das idéias. Uma vez que muitos
dirigem contra si mesmo. Aliás, a história do dos itens do MMPI são expressos no passado,
paciente inclui gestos suicidas recentes. A ele- talvez a diferença em lidar com o estresse,
vação da escala 2, combinada com outras ele- numa e noutra prova, explique, até certo pon-
PSICODIAGNÓSTICO – V 133
a incapacidade pessoal de encontrar equilíbrio nas uma porta fechada e uma janela lateral,
e de lidar com a vida. consideravelmente acima de onde se supõe ser
O pai do paciente foi descrito por ele como o chão, já que há o esboço de uma escada,
“bom, calado, bem forte, grandão” (sic), pro- que se liga a um caminho, que não leva a lugar
vavelmente uma figura onipotente, da qual algum. Novamente, o desenho sugere, pelo
dependia. A intensidade das necessidades de menos, dificuldades no contato com a realida-
dependência provavelmente ajuda a entender de, quando não suspeita do rompimento de
a dinâmica do caso. Em primeiro lugar, vemos tal vínculo. Há, também, um sinal de transpa-
a sua incapacidade em tolerar o grau de esti- rência no telhado, compatível com a dificulda-
mulação de um centro maior e as exigências de de estabelecer limites entre a realidade ex-
de um curso universitário, precisando retornar terna e a interna. A figura humana, com a ca-
para seu lugar de origem, para perto da famí- beça exageradamente grande, pode sugerir a
lia e de um ambiente protetor. Em segundo presença de sintomas ideacionais. Por outro
lugar, compreende-se o desespero com que lado, a acentuação dos óculos e das orelhas
reagiu à morte do pai (primeiro episódio de- assinala uma atitude de vigilância frente ao
pressivo). Em terceiro lugar, a mãe-de-santo ambiente. Há traços de dependência. Os deta-
aparece como uma continuidade de sua possi- lhes são poucos e desenhados de forma muito
bilidade de manter vivo seu vínculo com uma esquemática, que tanto podem assinalar ten-
figura onipotente (o pai), de quem dependia, dências regressivas, como lembram desenhos
passando a substituí-lo e garantindo-lhe segu- produzidos por sujeitos com transtornos de
rança, com o que dependência poderia ser per- personalidade.
cebida como independência. E, finalmente, Os resultados do Rorschach são atípicos.
entende-se sua reação ao desmoronamento de Trata-se de um protocolo constrito (percentual
todo um complexo delirante, com nova frus- de F=57%, mas percentual de F’=91%), em
tração de suas necessidades de dependência que o percentual de F+ sugere um ego débil,
(segundo episódio depressivo?). com qualidade apenas pouco inferior à normal,
embora, aparentemente, não tão prejudicada
como num transtorno esquizofrênico. Mas a
Discussão sobre os achados nas técnicas e soma de F’o+F+ indica que o contato com a
testes, em função das hipóteses e realidade é apenas superficialmente bom. Por
perguntas iniciais outro lado, a presença de 3 F’s e 1 F’– é com-
patível, pelo menos, com lapsos transitórios no
O protocolo Bender, levantado conforme o sis- teste de realidade, podendo-se levantar a hi-
tema de Lacks (1984), revelou a presença de pótese de um contato borderline, no teste de
quatro indicadores de disfunção orgânica ce- realidade, mascarado por constrição. Notam-
rebral, que é um número insuficiente, em ter- se, também, vários lapsos sutis no pensamen-
mos probabilísticos, para uma hipótese diag- to lógico, bem como uma resposta caracterís-
nóstica neste sentido e que, também, não en- tica de lógica autista, além de presença de uma
contrava embasamento em outros dados clí- síndrome autista incompleta. Há, ainda, indí-
nicos. cios de algumas defesas de nível “neurótico”
No HTP, foram produzidas figuras muito (obsessivo-compulsivas), embora com a emer-
regressivas, especialmente a da árvore, o que, gência eventual de mecanismos mais arcaicos.
em comparação com o desenho da pessoa e Há sugestão de confusão de identidade, mas
da casa, sugere um mau prognóstico. A estru- não se trata de um Rorschach típico de trans-
tura da árvore é muito primitiva, sem galhos, torno de personalidade borderline, pelo menos
compatível com dificuldades de contato com no que se refere à presença de problemas mais
o ambiente e lembrando desenhos de pacien- sérios no controle dos impulsos, embora não se
tes esquizofrênicos. Já a casa é desenhada pra- possa esquecer que esse quadro é muito hetero-
ticamente sem aberturas, ou melhor, há ape- gêneo (Widiger, Sanderson & Warner, 1986).
PSICODIAGNÓSTICO – V 135
menor do que 7), indicando que o paciente “Tenho pensamentos estranhos e peculia-
deve ter respondido com honestidade, demons- res”;
trando compreensão verbal suficiente para for- “Ouço coisas estranhas quando estou só”;
necer um protocolo válido (conforme Levitt & “Nunca tive visões” (E).
Gotts, 1995). Levando em conta, ao mesmo tempo, a ele-
Analisando os sintomas principais do pa- vação maior que T70 da escala de Psicoticismo
ciente, através dos indícios do perfil, como a de Wiggins, aumenta a possibilidade da hipó-
elevação maior que T70, na escala D (T=90), e tese de psicose, embora, a partir de um inven-
pelo uso de escalas especiais – a escala de Wi- tário verbal, esta seja só uma probabilidade,
ggins e a escala de Tryon, Stein e Chu (apud viável, até certo ponto, em termos da história
Levitt & Gotts,1995) –, que ultrapassam um clínica do paciente, mas não integralmente
T70, pode-se afirmar que os dados apontam corroborada pelos dados do Rorschach.
para uma depressão clinicamente grave, com Por outro lado, usando escalas suplemen-
indícios compatíveis com risco de suicídio. Tam- tares de transtornos de personalidade, obser-
bém, utilizando a escala de tensão, vê-se que va-se que, para o transtorno de personalidade
o paciente endossou itens que indicam que seu esquizotípica, o paciente preenche critérios (es-
nível atual de ansiedade é elevado, o que, pos- core 16) que o classificariam num nível V, en-
sivelmente, deve-se, em grande parte, à situa- quanto, tanto para o transtorno de personali-
ção estressante que vem atravessando. dade borderline (escore 20) como dependen-
Usando a escala I-RD, de Distorção da Rea- tes, estaria no nível IV. Evidentemente, dada a
lidade (apud Levitt & Gotts, 1995), o escore do natureza do instrumento e o fato de apresen-
paciente ultrapassa um T69, com o que se pode tar itens formulados no tempo presente e no
dizer que o paciente admite apreciável núme- passado, não é possível chegar a inferências
ro de sintomas usualmente considerados com- sem considerar os demais dados da testagem
patíveis com a existência de uma psicose, como e as informações da história clínica presente e
alucinações e experiências peculiares e bizar- passada.
ras, como as seguintes: O WAIS foi administrado para esclarecimen-
“Às vezes, maus espíritos se apoderam de to de aspectos cognitivos, que já foram am-
mim”; plamente discutidos no item sobre as funções
“Tenho tido experiências muito peculiares do ego. Além dos indícios de comprometimen-
e estranhas”; to examinados, especialmente no que tange a
“Quando estou com outras pessoas, abor- pensamento conceitual, os recursos intelec-
rece-me ouvir coisas muito estranhas”; tuais, em geral, encontram-se bastante preser-
“Minha alma algumas vezes deixa meu cor- vados.
po”;
“Vejo pessoas, coisas, animais, ao meu re-
dor, que os outros não vêem”; Fundamentação das hipóteses diagnósticas
“Creio que estão tramando alguma coisa
contra mim”; As hipóteses iniciais centravam-se num trans-
“Creio que estou sendo seguido”; torno afetivo a partir das informações iniciais
“Comumente, ouço vozes sem saber de do próprio paciente e de seu irmão. Não obs-
onde vêm”; tante, nova entrevista com o paciente, a entre-
“Alguém controla a minha mente”; vista com sua esposa, bem como a observação
“Uma ou mais vezes, em minha vida, senti do comportamento do paciente e os dados
alguém hipnotizando-me, induzindo-me a fa- obtidos na testagem sugeriram um quadro
zer coisas”; psicopatológico bem mais complexo.
“Às vezes, sinto odores peculiares”; No momento, sem dúvida, o paciente apre-
“Freqüentemente, sinto como se as coisas senta e relata sintomas depressivos apreciáveis,
não fossem reais”; bem como sinais residuais de natureza psicótica.
PSICODIAGNÓSTICO – V 137
Apesar de seus antecedentes como pessoa social marcante e comprometimento de seu
de vida muito regrada e honesta, passou a en- papel como esposo e pai de família.
volver-se fanaticamente em atividades ritualís- Considerando-se alguns prováveis sintomas
ticas de religião afro-brasileira e, em razão de anteriores, mais os sintomas emergentes e a
sua subserviência absoluta a uma mãe-de-san- dificuldade de distinguir formas severas de
to, chegou a realizar um desfalque importante transtorno de personalidade esquizotípica de
na agência bancária em que era funcionário sinais prodrômicos de esquizofrenia, as hipó-
para pagamento de “trabalhos”, que visavam teses diagnósticas que podem ser atualmente
a livrá-lo de seus problemas depressivos e levantadas, com base no DSM-IV, são coloca-
prevenir a ocorrência de desgraças imaginá- das a seguir, embora só o acompanhamento
rias. Nessa época, não se pode descartar a do caso poderá permitir chegar a um diagnós-
hipótese da coexistência, no paciente, de as- tico mais seguro.
pectos delirantes e, provavelmente, de sin- Hipóteses diagnósticas
tomas alucinatórios (?). Ao ser descoberto o Eixo 1 – 297.70. Transtorno Esquizoafeti-
desfalque e instaurado processo administra- vo. Tipo depressivo. Em remissão.
tivo, o paciente apresentou outro episódio Eixo 2 – 301.22. Transtorno de Personali-
depressivo, sendo hospitalizado com sinto- dade Esquizotípica, com traços de
mas psicóticos. 301.83. Transtorno de Personali-
No momento, em fase de remissão do epi- dade Borderline e
sódio depressivo, está apresentando traços não 301.6. Transtorno de Personalida-
congruentes, como falta de modulação afeti- de Dependente
va nítida, alheamento, além da ocorrência, nos Eixo 3 – Nenhum
testes, de respostas isoladas compatíveis com Eixo 4 – Problema ocupacional (demissão
a presença de transtorno de pensamento, ob- do emprego), administrativo (pro-
servando-se, também, pobreza da fala e po- cesso) e financeiro
breza do conteúdo da linguagem, isolamento Eixo 5 – 40
Avaliação inter e
transgeracional da família
Blanca Guevara Werlang
12
T odo psicólogo que é solicitado a intervir num
dado problema psicológico, seja este indi-
vidual ou seja familiar, deverá, em primeiro lu-
A família, então, se estrutura em um cer-
to período, através de intercâmbios e retro-
alimentações, regulados por meio de expe-
gar, situar o ponto do ciclo vital em que o soli- riências a respeito do que está e do que não
citante ou os solicitantes se encontram. Esse está permitido na relação, até converter-se
ciclo é constituído pelos momentos mais sig- numa unidade que se sustenta por regras que
nificativos da vida pessoal/familiar, onde exis- lhe são próprias.
tem zonas de estabilidade e/ou inestabilidade, Desta maneira, a organização da família
correspondentes a mudanças na organização está formada por uma rede de relações que é
pessoal/familiar, geradoras tanto de equilíbri- preexistente ao sujeito. O ser humano mantém
os como de desequilíbrios, momentâneos ou vinculação com seus semelhantes, para uma
duradouros, a que o sujeito/família tem de dar adequada satisfação de suas necessidades
resposta, de maneira a atingir uma nova orga- múltiplas e diferenciadas. Numa família, exis-
nização. tem relações conjugais, materno-filiais e rela-
Como o homem não é um ser isolado, ele ções fraternas, cada uma com uma significa-
não pode ser considerado fora de seu ambien- ção diferente para a satisfação das necessida-
te familiar. Cada indivíduo está em interação des do indivíduo, sendo as marcas decorren-
intensa com os outros membros da família. tes impressas na pessoa para toda a sua vida.
Portanto, os problemas individuais não têm Portanto, as famílias desenvolvem uma estru-
só um sentido, mas sim uma função no con- tura característica, um padrão bem definido e
texto mais amplo onde surgem. As famílias, repetitivo de papéis e regras, dentro dos quais
segundo Minuchin (1982), modelam e pro- os seus membros funcionam. Os valores e nor-
gramam o comportamento e o sentido de mas familiares são derivados das experiências
identidade de seus membros, sendo que tam- de crescimento dos pais, em suas famílias de ori-
bém estes e a família crescem juntos e se gem, dos derivativos internalizados dessas expe-
acomodam às mudanças da sociedade. Des- riências, da influência atual da sociedade na qual
ta maneira, a família é um sistema aberto, estão vivendo e de suas histórias desde que se
auto-regulado, com uma história comum, uniram para criar uma nova família.
que define no seu seio normas e padrões Segundo Bucher (1985), são as regras ou
transacionais próprios. normas estabelecidas pela família que nortea-
PSICODIAGNÓSTICO – V 141
rão a conduta de seus membros e irão variar Na família saudável há regras, padrões, que
de família para família, embora haja também servem de guia para o crescimento grupal e
regras similares para um grupo de famílias, individual. Essas famílias percorrem o ciclo vi-
condicionadas por classe social, nível cultural, tal, estando livres para mudar, adaptar-se e
etc. Os ritos são moldados pelas regras esta- crescer sem medo e apreensão. No entanto,
belecidas pela família. Os seus hábitos são ex- em famílias disfuncionais, as regras são usa-
teriorizados através de ritos e ancorados nas das para inibir a mudança e para manter o sta-
regras por ela definidas. Os ritos são produtos tus quo. O comportamento de um indivíduo,
da tradição, transmissíveis culturalmente e san- então, depende do comportamento dos outros,
cionados pelo consenso grupal, e exigem, como e, assim, os padrões de interação transcendem
condição básica, a crença em sua eficácia e a à qualidade dos membros individuais.
repetição constante. Assim, acrescenta a au- Do mesmo modo que a teoria psicanalítica
tora, “tanto os mitos quanto os ritos são a ex- considera que, na vida mental e no comporta-
pressão do aparelho psíquico da família e ex- mento humano, nada acontece por acaso, sen-
pressam sua dinâmica” (p.115), sendo que eles do os fenômenos entendidos através do con-
podem ser tanto altamente criadores quanto ceito de determinismo psíquico (restabelecer e
destruidores, caso se tornem rígidos. repetir situações infantis), a perspectiva inter-
A família é, por si só, uma entidade psíqui- geracional considera os problemas individuais
ca, afirma Vilhena (1988), e não apenas grupal como familiares – com sua raiz também em
ou social. Na família, os mecanismos de proje- fatos passados, constituindo a história natural
ção são constantes e maciços, sendo as proje- da família —, transmitidos de geração em ge-
ções múltiplas próprias do sistema, do grupo ração, por meio de condutas repetitivas.
familiar. Deste modo, a família elabora uma A análise da transmissão dessa cultura fa-
imagem interiorizada, comum ao grupo, unin- miliar, de uma geração para outra e entre os
do seus membros em um projeto comum. Con- membros da mesma geração, identificando
seqüentemente, fala-se em mito familiar, não padrões, costumes, segredos, mitos e proble-
havendo uma organização familiar sem um mas que determinam o funcionamento pessoal/
mito que lhe inscreva em uma ordem de valo- familiar, é a proposta dessa abordagem inter-
res mais gerais, que lhe legitime e lhe dê sua geracional. Assim, o psicólogo trabalha, segun-
lei de composição interna. do Sampaio e Gameiro (1985), em dois eixos:
Segredos e mitos podem ser começados por o eixo vertical, ou transgeracional, onde são
um membro da família (ou um agregado), con- identificados papéis e funções característicos
forme Pincus e Dare (1981), mas eles não per- da família, bem como o nível de autonomia e
manecem como propriedades do indivíduo, já diferenciação de cada elemento face à sua fa-
que os outros membros da família iniciam, mília de origem; e o eixo horizontal, ou eixo
como resposta, um processo de influência mú- do aqui e agora, que inclui o estudo dos pa-
tua, fortalecendo ou enfraquecendo os efeitos drões da interação pessoal e familiar, bem como
dos mesmos. Eles se baseiam sempre no po- o modo como o indivíduo e/ou o grupo fami-
der e na dependência, no desejo de ferir, no liar lida com as dificuldades da sua vida.
amor e no ódio, sentimentos que estão liga- Dentro das perspectivas intergeracionais,
dos ao sexo, nascimento e morte. Dessa ma- destaca-se a posição pioneira de Murray Bo-
neira, nas palavras dos autores, “quando sur- wen, citado por Andolfi e Angelo (1988), Car-
ge na criança a primeira consciência de ter de neiro (1983) e Foley (1990), entre outros, que,
competir com esta mistura de sentimentos, nos anos 50, iniciou um trabalho clínico, em
contraditórios e poderosos, desejos e anseios associação com outros técnicos em saúde men-
secretos, começam a dominar seu mundo in- tal, com famílias de doentes mentais interna-
terno” (p.16). Esse mundo permanece, através dos com o diagnóstico de esquizofrenia, em
de suas vidas, como fonte de dor e conflito, as- instituições psiquiátricas. Mais especificamen-
sim como fonte de imaginação e criatividade. te no ano de 1954, Bowen trabalhou na cida-
PSICODIAGNÓSTICO – V 143
Figura 12.1 Genetograma do caso Maria
Carlos é filho único, sendo que seu pai faleceu devem ser colocados embaixo do símbolo, sua
quando ele tinha apenas um ano de idade. idade cronológica no centro, e a profissão ao
André, 10 anos de idade, é o primogênito lado do mesmo. Para uma pessoa falecida, co-
de uma prole de três. Suas duas irmãs de seis loca-se um X dentro da figura, com a data de
anos são gêmeas idênticas. Seus pais (38 e 35 nascimento (à esquerda) e de falecimento (à
anos) constituíram família há 12 anos, mas não direita) em cima da mesma.
casaram* e estão aguardando a chegada de As pessoas casadas legalmente estão conec-
mais um filho (gravidez de seis meses). O pai tadas por linhas horizontais e verticais cheias,
de André é filho adotivo, e a mãe é a única e os que moram juntos (concubinatos) por li-
filha mulher de uma prole de quatro, sendo nhas pontilhadas, com o marido situado à es-
por sua vez gêmea fraterna com um de seus querda e a esposa à direita. As letras “c.”, “s.”
irmãos. Os avós paternos de André estão divor- e “d.” seguidas de uma data indicam o ano do
ciados há alguns anos, tendo hoje novos cônju- casamento, separação e divórcio, respectiva-
ges, e os maternos se encontram separados. mente. As barras inclinadas sobre a linha do
Como pode se observar nos casos de Maria casamento significam interrupção do mesmo:
e de André, cada membro da família está re- uma barra, para separação, e duas, para o di-
presentado por um quadrado ou um círculo, vórcio. Quando os cônjugues representados já
de acordo com o seu sexo. Para a pessoa que tiveram outros casamentos ou relacionamen-
centraliza ou gera a construção do genetogra- tos, deve-se dispor os mesmos em ordem, da
ma (paciente identificado), as linhas do sím- esquerda para a direita, colocando o casamento
bolo se duplicam. Os nomes de cada membro mais recente em último lugar ou em lugar que,
com ajuda das datas registradas, permita uma
clara visualização e compreensão da situação.
*Situação identificada no genetrograma com as letras Se o casal tem filhos, o símbolo de cada um
“m.j.” (moram juntos). deles deve ser representado e unido, por uma
linha, à linha horizontal que conecta este ca- As informações podem ser obtidas entre-
sal. Os filhos devem ser situados, da esquerda vistando um único membro da família ou vá-
para direita, em ordem cronológica do nasci- rios integrantes. Certamente, colher informa-
mento. Utiliza-se uma linha cheia para os fi- ções de diferentes membros da família aumen-
lhos biológicos e uma linha pontilhada para os ta a fidedignidade dos dados, e, quando reu-
filhos adotivos. Linhas convergentes em rela- nidos em entrevista familiar, esta possibilita,
ção à linha dos pais representam gêmeos. Se de forma direta, a observação das interações.
são gêmeos idênticos, graficamente a relação Na entrevista familiar, é aconselhável a atu-
é representada por uma linha, que os une. ação de um coordenador e um observador. O
A linha que é utilizada para cercar os mem- coordenador registrará, com eventual colabo-
bros da família diferencia aqueles integrantes ração de membros da família, o mapa familiar,
que compartilham o mesmo lar. conduzindo as perguntas e coordenando a ati-
Cabe mencionar, ainda, outros símbolos vidade para garantir a participação de todos
bastante comuns nas constelações familiares os integrantes da família. O observador anota-
(vide Figura 12.3). rá as comunicações não-verbais e outros deta-
A construção do genetograma é realizada lhes que pareçam significativos. Nesse tipo de
através de uma entrevista de avaliação clínica. entrevista, o volume de informações é muito
Pode ser realizada no primeiro contato, depois grande e variado, sendo fundamental que nada
de o clínico ouvir o motivo da procura do aten- se perca do expressado, tanto individual como
dimento. Mas, na maioria das vezes, dentro do coletivamente. Para tanto, é recomendável o
processo psicodiagnóstico, é administrada de- uso de gravador, com prévia concordância dos
pois da primeira ou segunda sessão. participantes. O tempo de duração da entre-
PSICODIAGNÓSTICO – V 145
Fontes: McGoldrick & Gerson, 1987; McGoldrick & Gerson, 1995; McGoldrick, Gerson & Schellenberger, 1999; Marlin, 1989.
vista varia de caso a caso, mas, em geral, para De maneira geral, as pessoas trazem para
este tipo de atividade, a média de tempo é de avaliação problemas específicos, que se cons-
90 minutos. tituem no ponto de partida da investigação.
Para a montagem do genetograma, o en- Assim, faz sentido começar tomando como
trevistador necessitará colher dados, como se referência o paciente identificado, explorando
estivesse desenrolando uma rede de informa- e registrando informações de todos os mem-
ções em círculos cada vez maiores para captar bros da família imediata (que compartilham a
informações relevantes a respeito da família e mesma casa) e do contexto atual, onde ocorre
de seu contexto mais amplo. Essa rede se es- o problema.
tende em diferentes direções, sendo aconse- Após, torna-se importante orientar as per-
lhável orientar as perguntas: “a) do problema guntas no sentido de explorar o contexto fa-
atual até o contexto maior do problema; b) da miliar mais amplo, identificando dados signifi-
família imediata até a família mais extensa e cativos sobre a família de origem, tanto ma-
os sistemas sociais mais amplos; c) da situa- terna quanto paterna (pelo menos em três ge-
ção atual da família até uma cronologia his- rações), incluindo pais, avós, tios, irmãos, pri-
tórica de eventos familiares; d) de indaga- mos, cônjuges, filhos, investigando também os
ções fáceis e não ameaçadoras até questões agregados e apoios externos (babás, empre-
difíceis que provoquem ansiedade; e) de fa- gadas, vizinhos, médicos, professores, etc.) da
tos óbvios ao julgamento do funcionamento família, que tenham desempenhado um papel
e relacionamentos até hipóteses sobre pa- importante para o funcionamento desta.
drões familiares” (McGoldrick & Gerson, Uma vez identificada a estrutura familiar
1987, p.46; McGoldrick, Gerson & Shellem- nuclear e a ampla, a preocupação deve se cen-
berger, 1999, p.53). tralizar na obtenção de informações objetivas
PSICODIAGNÓSTICO – V 147
Como pode-se observar, as pessoas que transições, fornecem, então, pistas sobre re-
apresentam transtorno mental ou doença físi- gras familiares, padrões de organização e fon-
ca grave foram representadas preenchendo (em tes de recursos ou de resistência da família.
tonalidade escura) a metade esquerda do sím- O funcionamento dos membros da família
bolo. No caso dos que são dependentes de ál- pode se repetir ao longo de várias gerações.
cool e/ou de drogas, o preenchimento é na Assim, freqüentemente, o problema atual da
metade inferior, e os que apresentam co-mor- família ocorreu em gerações anteriores. Por
bidade de doença mental ou física com depen- exemplo, McGoldrick e colegas (1999), anali-
dência de álcool ou drogas são representados sando o genetograma da família Fonda, ob-
com a metade esquerda e a metade inferior servam a repetição de uma conduta suicida,
também preenchidos com cor escura*. assim como hospitalizações psiquiátricas e fa-
Os integrantes de que se suspeita que fa- tos traumáticos, revelando ainda detalhes,
çam uso ou abuso de álcool e/ou de drogas como: a) casamentos múltiplos são comuns
foram representados preenchendo a metade nessa família: Henry Fonda (pai de Jane) casou
inferior do símbolo com uma cor mais clara, e cinco vezes, sua primeira esposa, Margaret,
aqueles que estão em recuperação da adicção, casou quatro vezes, sendo Henry seu segundo
com um quarto inferior do símbolo preenchi- esposo; b) Margaret suicidou-se, e sua filha
do em tonalidade escura e o outro quarto in- Brigit também; c) a mãe de Jane Fonda, segun-
ferior em tonalidade clara. Por último, aqueles da esposa de Henry, também cometeu suicí-
familiares de Ricardo que se encontram insti- dio, num hospital para enfermos mentais; d)
tucionalizados ou fazem tratamento psicote- Henry Fonda manteve, por certo tempo, segre-
rápico, médico e/ou participam de outros pro- do sobre a morte de sua segunda esposa, rea-
gramas institucionais foram representados com lizando, junto com sua sogra, um funeral pri-
uma linha para fora da figura em direção a um vado, nunca discutindo o fato com Jane e com
triângulo pequeno. Peter, seu outro filho; e) durante a terceira lua-
O próximo nível de dados a serem coleta- de-mel de Henry Fonda, seu filho Peter deu um
dos na entrevista envolve o delineamento dos tiro no estômago, oito meses após o suicídio
relacionamentos entre os membros da família de sua mãe; f) durante a quarta lua-de-mel de
e os papéis de cada um deles. Para isso tam- Henry Fonda, Peter adoeceu por consumo de
bém existem alguns símbolos (vide Figura 12.5). drogas, devendo Henry retornar de sua viagem,
A identificação dos diferentes padrões de para hospitalizá-lo numa unidade psiquiátrica;
interação entre os membros da família (ínti- g) Henry Fonda tinha dois amigos íntimos que
mo, distante, conflitivo, dependente, etc.), as- se suicidaram; h) Peter Fonda apaixonou-se por
sim como os papéis de cada um deles (submis- Brigit Hayward, no ano em que esta se suici-
so, fracassado, dominador, problemático, etc.) dou, sendo que também seu melhor amigo se
e o traçado das mudanças que ocorreram ao suicidou.
redor dos diversos eventos e transições (nasci- Desta maneira, para essas autoras, certas
mentos, morte, separações, fracassos, etc.) regras são transmitidas de geração em gera-
proporcionam ao clínico indícios para a formu- ção, sendo vários os padrões sintomáticos que
lação de hipóteses a respeito do estilo adapta- tendem a se repetir, tais como alcoolismo, in-
tivo ou não da família. A avaliação dos padrões cesto, violência, sintomas físicos e suicídio.
de funcionamento e relacionamentos, princi- Perceber essa repetição possibilitará ajudar a
palmente após determinados eventos e/ou pessoa e sua família a evitar novas repetições,
frustrando esse processo disfuncional.
Durante o processo de traçado do geneto-
grama e da coleta de informação na entrevis-
N. da A. *Provavelmente, devido à importância que tem ta, o aspecto mais difícil, certamente, é o de
a dependência de substâncias na história familiar, os
autores deram tal destaque a esses transtornos men-
estabelecer prioridades para a investigação e
tais. inclusão dos dados da família. O clínico deve
estar atento às conexões que os familiares fa- impacto das mudanças ou transições inopor-
zem ou deixam de fazer em relação a certos tunas no ciclo vital, como nascimentos, ca-
fatos e/ou eventos, mas não pode seguir to- samentos, mortes que se dão fora do espe-
dos os indícios que a entrevista possa sugerir, rado e planejado.
devendo-se estabelecer prioridades. Assim, a Os princípios interpretativos do genetogra-
literatura especializada sugere, como regra ma têm como base a teoria geral dos sistemas
prática, rastear: a) sintomas repetitivos, ou seja, e, nessa, a perspectiva que considera as rela-
padrões de relação e/ou conflitos que se re- ções familiares como determinantes da saúde
petem na família imediata e através das ge- emocional de seus membros. McGoldrick e
rações; b) coincidência de datas, por exem- Gerson (1987) e McGoldrick, Gerson e Shellen-
plo, a morte de um familiar ocorrendo ao berger (1999) propõem a interpretação de seis
mesmo tempo em que inicia o sintoma; c) categorias que sugerem um conjunto geral de
PSICODIAGNÓSTICO – V 149
suposições, a partir do qual se geram hipóte- Sem dúvida, o genetograma é uma ferramen-
ses relevantes do ponto de vista clínico sobre ta clínica muito útil na compreensão do ciclo vi-
os padrões familiares. Essas categorias são: es- tal familiar, possibilitando relacionar os eventos
trutura familiar, adaptação ao ciclo vital, su- atuais com os do passado, os pessoais com os
cessos da vida e funcionamento familiar, pa- grupais, com o objetivo de clarear o funciona-
drões vinculares e triângulos, equilíbrio e de- mento do sistema e permitir um movimento mais
sequilíbrio. saudável do mesmo e dos seus integrantes.
PSICODIAGNÓSTICO – V 151
a avaliação precede à intervenção. Como assi- das intimamente por ações recíprocas, podendo
nalam A. Pérez-Ramos e J. Pérez-Ramos (1996), ser concebidas por uma perspectiva integradora
“as ações de intervenção subseqüentes ao diag- de três etapas sucessivas na sua evolução. O grá-
nóstico nem sempre chegam a ser oportunas e, fico apresentado a seguir, que as define, permite
inclusive, facilitam o aumento da vulnerabilida- esclarecer tal inter-relação (Figura 13.1).
de, presente nas crianças, e, o que é pior, a in- A primeira etapa compreende a identifica-
tensificação dos distúrbios já existentes, devido ção daqueles aspectos que chamam mais a
à demora na realização da intervenção” (p. 91). atenção no desenvolvimento da criança, segun-
O modelo baseia-se em uma perspectiva de do observação direta do mesmo e dos dados
articulação cruzada dos procedimentos de ava- fornecidos pelos seus familiares. A família, e
liação com os de intervenção. À medida que é inclusive a criança, quando possível, são moti-
possível constatar os resultados da avaliação, vadas a participar do processo, na qualidade
vão sendo formuladas e aplicadas as estraté- de facilitadora a primeira, e auto-estimulado-
gias de intervenção decorrentes, e seus resulta- ra, a segunda. Nessa primeira etapa, tem-se a
dos, por sua vez, conseqüentemente avaliados, possibilidade de detecção de possíveis fatores de
configurando-se, desse modo, a continuidade de risco e de proteção, como também dos sinais que
cruzamentos recíprocos nas sucessivas fases em possam identificar as condições específicas de
que esses processos (avaliação e intervenção) se “resiliência”. A partir dessas informações, deri-
desenvolvem, até a conclusão do estudo. vam-se as primeiras hipóteses, e dessas, as perti-
Nesse contexto, entende-se por avaliação a nentes estratégias de intervenção. Note-se que,
compreensão do momento evolutivo da crian- em determinados casos, tais dados avaliativos e
ça nas suas diferentes áreas do seu desenvolvi- estratégias são conclusivos e suficientes.
mento, especificando aqueles aspectos signifi- A segunda etapa caracteriza-se pela explo-
cativos e suas inter-relações com o ambiente ração mais abrangente e organizada de dados
sociofamiliar em que ela vive. Compreende as avaliativos, concretizando-se por ações mais
ações de compilar, analisar, interpretar e inte- sistematizadas de intervenção. Estabelece-se
grar dados que possam conduzir ao efetivo um maior envolvimento da criança e da famí-
conhecimento das condições em que se apre- lia no processo, acompanhado de atitudes ini-
senta o desenvolvimento da criança, inclusive ciais de auto-iniciativa desta última. Começam
seus progressos e limitações. Nessa atividade o reexame e o aperfeiçoamento das hipóteses
investigativa, elaboram-se concomitantemen- iniciais com as novas informações, bem como
te hipóteses que serão aceitas ou rejeitadas ao da avaliação das primeiras intervenções.
longo do seu processo. Identificam-se fatores de A terceira etapa, a conclusiva, é onde se
risco e de proteção, possíveis manifestações de integram os dados coletados e interpretados e
“resiliência” e, inclusive, os “sinais de alerta“ ou de onde derivam as ações terminais da inter-
indicadores de probabilidade prospectiva. venção e o desenvolvimento de estratégias
Quanto ao processo de intervenção, o mes- mais efetivas de autogestão dos familiares e
mo tem por finalidade proporcionar à criança de auto-estimulação por parte da criança. Tam-
condições apropriadas destinadas a promover bém são estabelecidos os passos de seguimen-
seu adequado desenvolvimento, modificando to e de re-avaliação, se forem necessários (Pé-
ou eliminando aquelas variáveis negativas in- rez-Ramos, A., 1990; Pérez-Ramos, A. 1992).
cidentes e proporcionando outras que possam
influir, de maneira positiva, nesse processo evo-
lutivo. Incluem-se, no processo de intervenção, PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO E DE
desde pequenas mudanças no ambiente até a INTERVENÇÃO
implementação de programas completos des-
sa natureza. Configurado o modelo em referência, são apre-
Neste modelo, como se pode inferir, a avalia- sentados, sucintamente, os procedimentos de
ção e intervenção passam a ser inter-relaciona- aplicação mais gerais, sem considerar a espe-
cificidade requerida no estudo de caso, tanto to de estudo, incluindo não somente os aspec-
no que se refere ao processo de avaliação quan- tos comumente empregados (antecedentes,
to ao de intervenção, aplicáveis aos três pri- distúrbios de comportamento, etc.), mas tam-
meiros anos de vida. Alguns desses procedi- bém os fatores de risco e os de proteção, as
mentos são mais explicitados devido ao seu li- manifestações de “resiliência”, os “sinais de
mitado conhecimento e uso em nosso meio, alerta” e os indicadores com possível qualida-
mas com a comprovada experiência clínica da de preditiva.
autora desta contribuição e seus colaboradores. • Observação participante, também denomi-
Em relação ao processo de avaliação, apre- nada “Hora do Jogo”, destinada ao rapport, com
sentam-se os seguintes: a criança e a mãe, e também para obter uma
• Entrevistas de anamnese e de seguimen- primeira impressão do desenvolvimento daque-
to, com roteiros especificativos dos itens obje- la e da atitude desta última frente ao filho.
PSICODIAGNÓSTICO – V 153
• Escalas de desenvolvimento. Sobre esse ções. No que diz respeito ao ambiente do lar,
tipo de instrumento, inclui-se, nesta edição, podem ser apreciados o clima familiar reinan-
a referente aos Passos Básicos do Desenvol- te e os espaços físicos disponíveis para a crian-
vimento da Criança (PBDC), apresentada no ça e para os membros da família, entre outros
Anexo B. elementos importantes. Nesse roteiro, prevê-
• Baby Tests. Apesar das dúvidas quanto a em-se também as normas éticas específicas que
seu valor preditivo, os mesmos são utilizados devem ser seguidas, já que uma visita domici-
em nosso meio sem a devida adaptação. Um liar supõe certa ingerência na vida do lar.
desses testes mais atrativos para a criança, na • O ICEA constitui uma escala de observa-
sua primeira infância, e que possibilita uma ção sistematizada, destinada a avaliar o am-
variedade de observações sobre seu compor- biente físico e social das creches, no sentido
tamento, além de outras qualidades, é a Esca- de verificar suas condições estimuladoras para
la Merrill-Palmer de Testes Mentais, contando as crianças, desde seus primeiros meses de vida
esta com um protocolo especificativo, elabo- até os 6 anos de idade. Esse instrumento per-
rado para o nosso meio (Pérez-Ramos, A., & mite analisar a natureza e as características dos
Pérez-Ramos, J., 1996). estímulos ambientais (pessoas, objetos, ani-
• Técnicas projetivas, aplicáveis à primeira mais, espaços físicos, mobiliário, entre outros),
infância e à idade pré-escolar, a partir de dois especialmente aqueles empregados na rotina
anos de idade. Destacam-se entre essas técni- diária da criança (alimentação, banho, ato de
cas os Jogos Estruturados, de Lynn (1980). Tra- dormir, etc.), cujos efeitos vão se acumulando
ta-se de um instrumento atrativo para essas ao longo da permanência da mesma na insti-
idades, constituído de dramatizações em ce- tuição. São também analisados, com esse ins-
nas montadas com bonecos e outros brinque- trumento, as áreas do desenvolvimento infan-
dos, que permitem à criança representar o quo- til nas quais os estímulos referidos mais inci-
tidiano. As cenas são apresentadas mediante dem. Essa escala consta de parâmetros norma-
a modalidade de histórias incompletas, para tivos para facilitar a avaliação que for realiza-
serem completadas pela criança em forma dra- da em uma determinada creche. Os mesmos
matizada. Tais atividades lúdicas de “faz-de- são resultantes de pesquisa de normatização
conta” estimulam o seu expressivo envolvimen- do instrumento, aplicado em amostras repre-
to nas mesmas, facilitando assim a expressão sentativas de diferentes creches na cidade de
de seus desejos e ansiedades em função do São Paulo (Pérez-Ramos, A., & Pérez-Ramos, J.,
quotidiano (Carpentieri, 1994). 1996). Além disso, outras pesquisas, com se-
• Avaliação do ambiente de convivência da guimento de casos clínicos, mostraram sua
criança. Desse grupo de procedimentos, des- utilidade e adaptação a outros ambientes,
tacam-se aqueles de avaliação do contexto fa- como em lares e em hospitais (Silva, 1997).
miliar, mediante Visita Domiciliar, e o referido Quanto ao processo de intervenção, existe
às creches, o Inventário Cumulativo sobre Esti- uma gama variada de estratégias e programas
mulação Ambiental (ICEA). dessa natureza para proporcionar benefícios ao
• A Visita Domiciliar, previamente organi- desenvolvimento da criança e a partir deles se-
zada, mediante roteiro próprio (Carpentieri, rem elaborados planos individuais de ação.
1994), constitui um efetivo recurso para o psi- Desses recursos, citam-se alguns de compro-
cólogo constatar, in loco, as condições da crian- vada utilidade, a seguir:
ça no seio de seu lar e as características socio- • Guia Curricular para Estimulação Precoce
afetivas e físicas desse ambiente. Quanto ao (GCEP) (Pérez-Ramos, A. & Pérez-Ramos, J.,
primeiro aspecto, podem ser apreciadas a po- 1996). Tem por finalidade proporcionar condi-
sição que a criança ocupa nesse contexto e a ções estimuladoras que facilitam à criança al-
atenção de que é objeto por parte de seus fa- cançar um efetivo progresso em seu processo
miliares, particularmente no que se refere à sua evolutivo, sempre em consonância com suas
rotina, bem como suas reações nessas situa- características individuais e com seu ambien-
PSICODIAGNÓSTICO – V 155
do comportamento da criança e da pertinen- cialidade profissional, ocupando cargo de alto
te intervenção, especialmente no primeiro nível empresarial.
ano de vida. O uso de escalas de observação Quanto aos possíveis indicadores de altas
do desenvolvimento infantil, como a que se habilidades na idade pré-escolar (de dois a seis
apresenta, pode ser um procedimento auxi- anos), colocam-se em relevo tanto as capaci-
liar de importância para determinar os “si- dades dos pequenos de liderar grupos de ou-
nais de alerta” ou os indicadores que podem tras crianças, de construir com blocos, de dra-
chegar a ser preditivos de deficiência men- matizar cenas familiares e de “criar” em dese-
tal, autismo, dificuldades sensoriais e/ou nhos e materiais diversos, como também de
motoras, entre outros. No entanto, será ne- manter a atenção em forma persistente nas
cessário considerar as diferenças individuais atividades realizadas por eles mesmos ou pe-
na avaliação dos resultados, com o fim de los outros. É importante reiterar que não é su-
determinar o possível atraso evolutivo ou ficiente a detecção de tais comportamentos
condutas atípicas que servirão como compor- para considerá-los preditores de altas habili-
tamentos preditores. dades. É imprescindível um acompanhamento
Como ilustração, citam-se dois exemplos de sistemático (por processos de avaliação e de
um conjunto de “sinais de alerta”, com acom- intervenção oportunas), a fim de se verificar a
panhamento comprovado, durante vários anos, intensidade, freqüência e consistência dessas
do processo evolutivo de dois casos. O primei- habilidades específicas que, provavelmente,
ro refere-se a um possível prognóstico de defi- venham a se desenvolver posteriormente. Tais
ciência mental, cujos “sinais de alerta” foram idéias, no seu contexto geral, foram aceitas por
detectados por meio de uma avaliação psico- um grupo de especialistas que elaboraram as
lógica realizada quando a examinanda conta- diretrizes educacionais referentes aos educan-
va com um ano de idade (caso publicado, com dos com altas habilidades propiciadas pelo MEC
prévia licença de seus familiares e com dados e de aplicação a todo o território nacional (MEC,
pessoais simulados, em 1975): quadro convul- 1995b).
sivo iniciado aos 4 meses de idade, hipotonia Para facilitar a identificação desses “sinais
generalizada e rigidez nas extremidades, pre- de alerta” e de indicadores de altas habilida-
cário nível de balbucio, associado à superpro- des que possam aparecer nos primeiros anos
teção, permissividade e passividade por parte de vida, são apresentadas algumas estratégias
dos pais. Como foi constatado recentemente facilitadoras, acompanhadas de exemplos prá-
(1999), a examinanda é portadora de clara de- ticos, as quais poderão ser modificadas, am-
ficiência mental, não podendo ser alfabetiza- pliadas ou reduzidas, tendo sempre em vista
da, mas apresenta linguagem coloquial sufi- as características do próprio desenvolvimento
ciente para o cotidiano e independência nos da criança e de seu ambiente familiar e escola-
hábitos de cuidado pessoal. maternal, se freqüentar.
No segundo exemplo (considerando que Seguem algumas dessas estratégias:
ainda há poucos trabalhos no gênero), apre- • Conhecer a criança por suas característi-
sentaram-se, quando o bebê tinha 5 meses de cas pessoais e a fase de seu desenvolvimento
idade, certos “sinais de alerta” como prenún- para, nesse contexto, identificar tais sinais ou
cio de provável alto nível de desenvolvimento: indicadores.
comportamento precoce nas áreas motora e • Estimular a criança, de forma gradual,
cognitiva, como manter-se em pé segurando- seguindo o ritmo de seu processo evolutivo e
se na grade do berço, entretenimento prolon- de acordo com as destrezas e capacidades que
gado com brinquedinhos, facilidade para en- vão surgindo no seu desenvolvimento.
contrar objetos escondidos, auto-estimulação • Possibilitar-lhe condições motivadoras
com brincadeiras de sua iniciativa, reações rá- para promover sua participação efetiva nas
pidas a situações estimuladoras, entre outros. atividades que lhe são sugeridas ou mesmo por
Atualmente (25 anos), é doutor na sua espe- elas realizadas.
PSICODIAGNÓSTICO – V 157
14
Avaliação psicométrica:
a qualidade das medidas e o
entendimento dos dados
Jandyra M.G. Fachel, Suzi Camey
PSICODIAGNÓSTICO – V 159
dos na literatura e, após, abordaremos o pro- que mais de uma forma de fidedignidade pode
blema da validade de um instrumento de me- ser obtida para uma escala ou teste, mas eles
dida. Uma obra considerada clássica na litera- informam fidedignidade em sentidos diferen-
tura em português sobre fidedignidade e vali- tes. Outra observação importante, no contex-
dade de medidas é a de Vianna (1973). Os con- to da língua portuguesa, é a utilização do ter-
ceitos dos diversos tipos de validade encontra- mo “fidedignidade” para representar precisão,
dos na literatura não são muito claros, e existe consistência das escalas. A palavra “confiabili-
até uma certa discordância entre autores em dade”, como tradução da palavra inglesa reli-
relação a alguns desses conceitos ou em rela- ability, não deveria ser usada nesse contexto,
ção à classificação dos tipos de validade. Um pois por confiabilidade entende-se a área da
dos objetivos deste capítulo é esclarecer e, den- engenharia e estatística que trata da “confian-
tro do possível, unificar as diversas definições ça” que podemos ter em sistemas em geral,
de validade. Escolhemos, por sua importância incluindo sistemas de segurança. Esta área tem
histórica, seguir basicamente os padrões defi- sido denominada Análise de Confiabilidade e,
nidos no manual norte-americano denomina- mais amplamente, Análise de Risco e inclui a
do Standards for Educational and Psychologi- aplicação de sofisticados modelos de regres-
cal Testing, publicado em conjunto pela APA são para o tempo de sobrevivência de peças,
(American Psychological Association), AERA mecanismos e sistemas.
(American Educational Research Association) e Diversos métodos para obter a fidedignida-
NCME (National Council on Measurement in de das escalas e testes são sugeridos na litera-
Education). Esta também é a abordagem da tura. Os métodos são alternativos, em geral,
maioria das obras sobre o tema. São impor- mas mais de um método pode ser utilizado,
tantes neste contexto os comentários e proli- principalmente quando queremos estabelecer
xas considerações desenvolvidas por Silva a fidedignidade em relação aos dois conceitos
(1993) e pela clássica obra de Anastasi (1988) principais: consistência interna e estabilidade
(vide também a edição atualizada de Anastasi no tempo. São os seguintes os métodos de fi-
& Urbina, 1996), os quais, a nosso ver, descre- dedignidade:
vem e esclarecem, dentro de tendências mais • Método do teste-reteste
modernas, a classificação feita pelos padrões • Método das formas paralelas
americanos, a qual é utilizada internacional- • Método das metades
mente. • Coeficientes de consistência interna
A fidedignidade de um teste pode ser medida Uma escala ou teste é fidedigno se repetidas
de várias formas. Cada forma é apropriada para mensurações são obtidas em condições cons-
um tipo de teste e depende de que tipo de fi- tantes e dão o mesmo resultado, supondo ne-
dedignidade queremos medir. Os conceitos nhuma mudança nas características básicas,
principais de fidedignidade de um teste dizem isto é, na atitude sendo medida. Idealmente,
respeito ao problema de estabilidade no tem- podemos estimar fidedignidade repetindo a
po e ao problema de consistência interna da aplicação da escala ou teste sobre a mesma
escala. Para escalas aditivas, é usual utilizar-se pessoa usando os mesmos métodos. A dificul-
o Coeficiente Alfa de Cronbach, que é um coe- dade prática do método de teste-reteste é,
ficiente de consistência interna. Já para ques- entretanto, evidente: quanto maior o interva-
tionários que não constituem uma escala adi- lo entre o teste e o reteste, menor o risco do
tiva, podemos utilizar o método do teste-re- efeito de memória, mas maior é o risco de even-
teste, o qual nos fornece um coeficiente de es- tos intervenientes causando modificação na
tabilidade da medida no tempo. Enfatizamos visão do respondente, ou mudanças na carac-
PSICODIAGNÓSTICO – V 161
do oposto ao que os outros itens estão medin- defeitos de impressão, podem diminuir a fide-
do. Em caso afirmativo, recodifique o(s) dignidade do teste, além de contribuírem para
item(ns) negativo(s) no sentido inverso e re- uma baixa taxa de resposta.
calcule o Coeficiente Alfa de Cronbach (por
exemplo, itens com escalas de Likert de cinco
pontos devem ter seus escores invertidos, isto Validade
é, o escore 1 é recodificado como 5, o 2 como
4 e assim por diante). Freqüentemente, define-se a validade com a
Não está disponível nos programas compu- seguinte pergunta: você está medindo o que
tacionais nenhum teste da significância esta- pensa que está medindo? A ênfase aqui é dada
tística do Coeficiente Alfa; no entanto, é con- no que está sendo mensurado. Para um teste
senso e é usual considerar que o limite inferior ser válido, ele deve medir o que o pesquisador
para que o Coeficiente Alfa de Cronbach seja deseja e pensa que está medindo. A validade
aceitável é 0,70 (embora coeficientes mais bai- de um teste trata, então, do que o teste mede
xos, como 0,60, possam ser considerados váli- e através de que conceitos ele mede. O traço
dos em pesquisas exploratórias). Quanto mais medido pelo teste pode ser definido apenas
próximo de 1 for o valor do coeficiente, me- por um exame das fontes objetivas de infor-
lhor a fidedignidade do teste. Como todas as mação e operações empíricas utilizadas para
medidas de fidedignidade, o valor do Coefi- estabelecer sua validade. A validade deve ser
ciente Alfa de Cronbach depende diretamente estabelecida em relação ao uso particular para
do número de itens, isto é, quanto maior o o qual ele está sendo considerado.
número de itens da escala, maior o valor do Todos os procedimentos para determinar
coeficiente, e desta forma, os pesquisadores validade tratam, fundamentalmente, das rela-
devem ser mais exigentes com escalas com ções entre o valor obtido no teste ou escala e
grande número de itens. Qualquer escala adi- outros fatos (critérios) observáveis, indepen-
tiva deveria ser analisada em relação à sua con- dentes, sobre as características do comporta-
sistência interna antes de determinarmos sua mento em consideração. Os métodos específi-
validade. cos, empregados para investigar essas relações,
Quando os itens da escala são binários, isto são numerosos e têm sido descritos por vários
é, itens do tipo certo-errado, sim-não, etc., o nomes. Silva (1993) salienta que, embora a
Coeficiente Alfa de Cronbach é equivalente ao validade tenha várias classificações, validade
coeficiente de fidedignidade conhecido como é, essencialmente, um julgamento feito após
Coeficiente de Kuder-Richardson, fórmula nú- compilar todas as informações (teórica, con-
mero 20 (KR20) (vide Vianna, 1973). Embora os ceitual, externa, interna) e não apenas através
programas de computador não apresentem de coeficientes. Muitos autores têm, mais re-
explicitamente o método do Coeficiente de centemente, chamado atenção para a nature-
Kuder-Richardson, basta utilizar os itens binários za unitária do conceito de validade. Na revisão
do instrumento (escala ou teste) no programa feita para a elaboração destas notas, encon-
para o cálculo do Coeficiente Alfa de Cronbach, tramos várias discrepâncias entre os autores
que obteremos o valor do coeficiente KR20. sobre nomes e conceitos de validade, às vezes
Finalmente, descreveremos alguns fatores extremamente contraditórios.
que, segundo Vianna (1973), podem afetar a Segundo Anastasi (1988), na edição de 1985
fidedignidade do teste e que, portanto, deve- do manual Standards for Educational and
riam ser evitados: uso impreciso de palavras; Psychological Testing, foi proposto que a no-
extensão exagerada do item; uso de palavras menclatura sobre validade de medidas fosse
desconhecidas ou pouco familiares; estrutura agrupada em três categorias principais, a sa-
defeituosa da frase; uso de dupla negação. ber: validade relacionada a conteúdo, valida-
Também instruções inadequadas e apresenta- de relacionada a critério e validade relaciona-
ção defeituosa do teste, como, por exemplo, da a constructo.
PSICODIAGNÓSTICO – V 163
elemento tempo é a principal diferença entre Anastasi (1988), a validade relacionada ao
a validade concorrente e a validade preditiva, constructo requer a acumulação gradual de in-
as quais são essencialmente as mesmas, com formação a partir de várias fontes. A validade
exceção de que a primeira se relaciona ao de- relacionada a constructo pode ser classificada
sempenho do sujeito ao tempo em que a esca- em três tipos: validade convergente, validade
la está sendo aplicada, enquanto a segunda se discriminante e validade fatorial.
relaciona ao desempenho futuro sobre o crité-
rio que está sendo medido.
Validade convergente
A validade preditiva fará previsões para o fu- A validade discriminante verifica se a medida
turo. Assim, por exemplo, um teste de depres- em questão não está relacionada indevidamen-
são poderá ser validado se os escores altos no te com indicadores de constructos distintos,
teste forem confirmados por diagnósticos clí- isto é, se a medida ou escala que está sendo
nicos a posteriori. Validade preditiva trata, en- avaliada não se correlaciona significantemen-
tão, da qualidade com que uma escala pode te com variáveis das quais o teste deveria di-
predizer um critério futuro. ferir.
PSICODIAGNÓSTICO – V 165
para a doença em questão. Esses conceitos são a respeito do chamado padrão ouro nos diag-
realmente descrições de probabilidades condi- nósticos em psicologia e psiquiatria (vide Mur-
cionais, ou seja, a sensibilidade é a probabili- phy, 1995).
dade do teste ser positivo, sabendo-se que o Concluindo, a verificação da qualidade de
paciente é doente, e a especificidade é a pro- um teste diagnóstico, a partir dos cálculos de
babilidade do teste ser negativo, sabendo-se sensibilidade e especificidade do teste, pode
que o paciente não é portador da doença. fazer parte da fase de validação de um teste,
Testes altamente sensíveis, de acordo com de acordo com os objetivos específicos do tes-
Rouquayrol (1994), são aqueles que detectam te. Alguns testes e escalas não têm como obje-
todos (ou quase todos) os doentes. Testes al- tivo principal a classificação dos indivíduos em
tamente específicos são aqueles que identifi- doentes e não-doentes, mas sim, são utiliza-
cam somente os que têm a doença em investi- dos como testes para medir o grau ou o nível
gação. Testes sensíveis têm poucos falsos-ne- de uma determinada característica em um in-
gativos, e testes específicos têm poucos falsos- divíduo. Para esses casos, não se aplicam os
positivos. Assim, deve-se usar um teste de alta conceitos de sensibilidade e especificidade.
sensibilidade quando o ônus de não fazer o
diagnóstico é alto, isto é, quando é necessário
saber com certeza se um indivíduo realmente ESCORES BRUTOS E PADRONIZADOS:
não tem a doença. Por outro lado, usa-se um DEFINIÇÃO E INTERPRETAÇÃO
teste específico quando o ônus de um diag-
nóstico errôneo é alto, quando precisamos ter Suzi Camey
a certeza de que realmente o indivíduo tem a
doença. A medida direta de uma determinada caracte-
Outros dois índices que são importantes rística mensurável é chamada escore bruto. Essa
para a qualidade de um teste diagnóstico são medida pode ser o número de acertos em uma
os índices denominados valor preditivo positi- prova, o tempo necessário para realizar um
vo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN) de teste, o escore em um teste psicológico, etc.
um teste diagnóstico. No entanto, o cálculo O grande problema das medidas psicológi-
desses índices depende de uma estimativa da cas é encontrar uma escala que represente ade-
prevalência da doença na população de inte- quadamente as diferenças entre os indivíduos.
resse, ou seja, na probabilidade da doença pré- Em geral, os escores brutos desses testes não
teste. Para uma definição desses índices e fór- são as melhores medidas para tais compara-
mulas para o seu cálculo, ver Soares e Siquei- ções, pois:
ra, 1999. a) diferenças entre escores brutos podem
Testes e escalas em psicometria usualmen- não representar a real distância entre os indi-
te envolvem escalas contínuas e não-dicotô- víduos;
micas. Dessa forma, os resultados do teste não b) geralmente não existe um zero absoluto;
são “positivo” e “negativo”, como classificado c) não têm um sentido-padrão.
antes. O que normalmente acontece é a defi- Essas três principais limitações dos escores
nição de um “ponto de corte” na escala numé- brutos podem acarretar má interpretação dos
rica resultante do teste, a partir do qual se clas- escores. Por exemplo, supondo que os candi-
sificam os indivíduos em dicotomias, como, por datos a um emprego fossem submetidos a um
exemplo, doente e não-doente, ou, ainda, po- teste que medisse raciocínio lógico numa es-
sitivo e negativo. Após essa classificação, apli- cala de 0 a 100, uma comparação entre os can-
cam-se as definições de sensibilidade e especi- didatos A e B com relação aos seus respectivos
ficidade de acordo com o exposto no início escores brutos de 20 e 60 nos levaria à conclu-
desta seção. Pode haver controvérsias a respei- são de que o candidato B tem raciocínio lógico
to do ponto de corte em algumas escalas, prin- três vezes melhor do que o candidato A. Mas,
cipalmente as escalas psicométricas, bem como se mudássemos a escala para o intervalo de
PSICODIAGNÓSTICO – V 167
diferem de acordo com a posição do percentil. na população (ou número de indivíduos na
Na Figura 14.1, podemos notar que a distân- amostra menos um, para o desvio padrão
cia entre os percentis 10 e 20 não é a mesma amostral). O desvio padrão é a raiz quadrada
que os percentis 40 e 50. dessa divisão.
Tanto o escore padronizado, como o esco- O escore padronizado ou escore Z é calcu-
re T, necessitam da média e do desvio padrão lado com base na seguinte expressão:
para serem calculados. A média do escore bru-
to de uma população nada mais é do que a X–µ
Z=
soma de todos os escores brutos dividida pelo σ
número de sujeitos na população. Para calcu-
larmos o desvio padrão, primeiro precisamos onde, X é o escore bruto, µ é a média, e σ é o
calcular a diferença entre cada escore bruto e desvio-padrão.
a média do escore, que chamaremos de des- Uma desvantagem do escore Z é que seus
vio; então, calcula-se a soma dos desvios ao valores variam de menos a mais infinito (ape-
quadrado e divide-se pelo número de sujeitos sar de, na prática, variarem geralmente entre -
Mediana
1 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Percentis
Escore bruto
µ–3σ µ–2σ µ– σ µ µ+ σ µ+2σ µ+3σ *
Escore Z
-3 -2 -1 0 1 2 3
Escore T
20 30 40 50 60 70 80
Escore padrão
0,1 2 16 50 84 98 99,9 normalizado
Estaninos
1 2 3 4 5 6 7 8 9
Percentual
4% 7% 12% 17% 20% 17% 12% 7% 4%
*µ é a média dos escores brutos e σ é o desvio-padrão.
PSICODIAGNÓSTICO – V 169
significa dizer que ele faz parte dos 4% da po- Outra observação que deve ser feita é que
pulação com escores mais baixos. indivíduos com escores brutos diferentes po-
Se analisarmos o Sujeito 16, que obteve dem apresentar os mesmos, estaninos, como
escore bruto igual a 23, podemos dizer que é o caso dos Sujeitos 15 e 16. O mesmo pode
71% da população deve ter um escore bruto ocorrer com os outros escores, sendo que no
inferior ou igual a 23. Esse sujeito está a 0,6 caso do escore Z isso é menos freqüente.
desvio-padrão da média, ou seja, na região Os escores definidos anteriormente e ou-
onde podemos encontrar aproximadamente tros escores podem ser encontrados em Anas-
68% dos sujeitos. Ainda podemos dizer que o tasi (1988), Cronbach (1990) e Guilford e Fru-
Sujeito 16 pertence ao Estanino 6. chter (1973).
PSICODIAGNÓSTICO – V 171
nifica que os problemas do SNC não se refli- damentar a seleção de estratégias a serem uti-
tam em outras dimensões do comportamento lizadas. Tais hipóteses podem ser confirmadas
(Lezak, 1995). São prioridades no exame que por achados, utilizando normas quantitativas.
se estabelecem. Outras vezes, servem para dar início ao pro-
Por necessidades de pesquisa, entende-se cesso com endereço predeterminado e, no de-
que certos serviços ofereçam triagem, utilizan- correr do exame, são redefinidas.
do baterias neuropsicológicas compreensivas, Freqüentemente, o processo suscita, por sua
que são fixas, abrangendo um elenco invariá- vez, a testagem de duas hipóteses superpos-
vel de testes administrados a todos os exami- tas: a) a hipótese da presença de um déficit
nandos (Goldstein & Hersen, 1990). Ainda que cognitivo específico, levantada pela emergên-
detenha algumas vantagens, a avaliação neu- cia de uma determinada resposta ou de um
ropsicológica competente implica que o psicó- desempenho anômalo, e b) uma segunda hi-
logo consiga enxergar, através de escores de pótese sobre a presença de determinada dis-
testes, fatores pessoais que podem modificar função cerebral, gerada por achados compro-
o desempenho (Levin, Soukup, Benton et alii, batórios da primeira hipótese (Kaplan, Fein,
1999), com uma focalização mais completa no Morris et alii, 1991). Este é um enfoque basi-
indivíduo. camente qualitativo.
Por outro lado, outros advogam estratégias Conseqüentemente, esse tipo de avaliação
mais flexíveis, propondo uma abordagem de pode se desenvolver a partir de hipóteses oriun-
testagem de hipóteses. Às vezes, estas podem das de várias fontes, inclusive podendo ser eli-
ser derivadas das questões de encaminhamen- ciadas durante a própria testagem. Portanto,
to. Mas, como salienta Lezak (1995), uma vez podemos representá-la da seguinte maneira
que tais questões não provêm de experts em (vide Figura 8.1):
neuropsicologia, nem sempre são apropriadas, Neste esquema, procuramos resumir duas
pelo menos quanto à hierarquização das ne- possíveis abordagens, porque a hipótese sobre
cessidades de investigação. Então, têm de ser um déficit cognitivo pode ser gerada por qual-
consideradas não só tais questões, mas hipó- quer das fontes de indícios ou pode só se defi-
teses podem ser geradas a partir de queixas nir mais adequadamente pela observação do
do paciente, de sua história, do exame de seu desempenho do examinando. Essas duas abor-
estado mental, da impressão que causou ou dagens muitas vezes são equacionadas num
de suas circunstâncias de vida atual. O que se modelo quantitativo e qualitativo, respectiva-
pretende dizer é que iniciar uma avaliação for- mente. Um exemplo do último caso pode ocor-
mal muito precocemente pode ser inadequa- rer quando o encaminhamento se deu para um
do pela perda de informações que acarreta psicólogo clínico, por problemas em dimensão
(Lishman, 1998). Tais informações é que vão do comportamento diferente da cognição, e
definir as áreas de investigação (Weinstein & se verifica a emergência de determinados si-
Seidman, 1994), estabelecer prioridades e fun- nais no desempenho (por exemplo, nas esca-
Figura 15.1.
PSICODIAGNÓSTICO – V 173
diagnósticas sempre envolvem perguntas que dos, em amostras de sujeitos normais e de gru-
têm que ver com diagnóstico diferencial. É cla- pos de pacientes com diagnóstico formaliza-
ro que a abordagem atual não admite um con- do. Isso demanda tempo. Dessa maneira, os
ceito unitário de patologia cerebral (Cunha & avanços que ocorrem no campo da psicome-
Minella, 1993), mas procura fazer discrimina- tria não podem seguir par a par com progres-
ções importantes entre condições que podem sos tecnológicos que ampliam o conhecimen-
apresentar efeitos comportamentais semelhan- to do SNC e de suas patologias. Por outro lado,
tes, ou comparar, por exemplo, o nível atual inúmeros fatores, como fadiga, motivação,
de desempenho com o presumível desempe- tipos de medicação, etc., podem ocasionar
nho pré-mórbido, etc. Na realidade, “neuro- flutuações no ritmo do desempenho do pa-
psicologistas não podem estabelecer um diag- ciente. Portanto, a contribuição da neuropsi-
nóstico neuropsicológico, mas podem forne- cologia só pode ser feita numa base probabi-
cer dados e formulações diagnósticas que con- lística.
tribuem para as conclusões diagnósticas” (Le- Já a situação parece ser um pouco diversa
zak, 1995, p.111). no acompanhamento da evolução dos casos,
Já as questões descritivas envolvem a ava- pois, tendo-se uma linha de referência prelimi-
liação de capacidades específicas, que vão fun- nar, acréscimos e decréscimos são mais facil-
damentar decisões sobre o indivíduo, seja no mente estimados, considerando que se com-
que concerne à sua vida escolar, profissional para o paciente com ele mesmo, através do
ou, mesmo, no que diz respeito a seus direitos tempo, com grande vantagem para a monito-
e deveres como cidadão. Por outro lado, tam- rização dos casos de interesse.
bém nesta categoria, recaem avaliações que se Mas quaisquer que sejam as razões do en-
sucedem através do tempo, num sentido de caminhamento e a categoria das questões en-
documentar melhora ou deterioração, seja para volvidas no exame, todas as informações e to-
planejar ou monitorar o tratamento. dos os achados só podem ser entendidos den-
Mas há dois pontos dignos de nota, que tro de um contexto, em que são essenciais, pelo
devem ser analisados. Em primeiro lugar, se os menos, a idade do indivíduo, sua história de
encaminhamentos a exame neuropsicológico, vida, seu nível de escolaridade (o número de
em que questões diagnósticas principalmen- anos de educação formal) e sua dominância
te, no passado, tinham que ver com localiza- manual.
ção cerebral, atualmente, são muito pouco fre- Ao se falar em idade, não se tem em mente
qüentes, dada a sofisticação atual de recursos o tipo de bateria de testes utilizados, pois é
técnicos, mas ainda persistem em “condições óbvio que há instrumentos diferenciados con-
em que mesmo os estudos laboratoriais mais forme a faixa etária. Assim, em termos de uma
sensíveis não podem ser esclarecedores, do avaliação neuropsicológica, só nos interessam
ponto de vista diagnóstico” (Lezak, 1995, p.8). normas da população geral, para descrever
Entre tais condições, a autora cita “encefalo- como o sujeito se situa, em termos de forças e
patias tóxicas, doença de Alzheimer e outros fraquezas individuais, quando, por exemplo, ele
processos demenciais”, bem como “trauma vai ter de usar suas capacidades profissional-
cerebral leve” (p.8). mente (isto é, vai competir com os demais).
O outro ponto que seria importante salien- Caso contrário, um dos marcos de referência
tar é que, por vezes, há uma grande expectati- básicos é a idade. Vejamos as escalas Wechs-
va em relação à avaliação neuropsicológica, ler. Constituem conjuntos de subtestes que
sendo “esperado um grau de exatidão dos tes- subentendem tarefas que envolvem atividades
tes psicométricos que é irrealístico” (Lishman, dependentes de funções cognitivas. Ora, fun-
1998, p.108). Assim, por um lado, é essencial ções cognitivas desenvolvem-se com a idade e
lembrar que os instrumentos não podem ser declinam com a idade. Qualquer escore de sub-
utilizados sem serem submetidos a estudos de teste só adquire sentido em relação a normas
suas características psicométricas e normatiza- do grupo etário do examinando, mesmo por-
PSICODIAGNÓSTICO – V 175
nal”. E acrescenta que, “ainda que lesão cere- o conceito de lesão cerebral só se torna significa-
bral seja útil, como um conceito organizacio- tivo em termos de disfunções comportamentais
nal para uma ampla série de transtornos com- específicas e de suas implicações referentes à
portamentais, ao lidar com pacientes individuais, patologia cerebral subjacente”* (p.19).
PSICODIAGNÓSTICO – V 177
a lentidão perceptiva e a motora. Estes são as- poral ocorrem, quais são os déficits cognitivos
pectos muito importantes, porque muitos dos característicos do envelhecimento.
testes de medida cognitiva envolvem tarefas Uma discussão mais extensa sobre as mu-
perceptivas e motoras e exigem limitação de danças cognitivas, no decorrer do envelheci-
tempo em sua execução, produzindo uma so- mento, está além do escopo deste capítulo,
brecarga de ansiedade. mas poderá ser encontrada, por exemplo, em
Se a cognição é um constructo cujo objeti- Lezak (1995) e em Bottino e colegas (1997).
vo é a adaptação satisfatória em situações es- De forma geral, ocorrem nas esferas sensório-
pecíficas e a tarefas situacionais, que mudam motoras e viso-espaciais, na atenção, memó-
através do ciclo vital, precisamos saber como ria, linguagem e flexibilidade mental. Têm sido
se caracterizam essas mudanças. atribuídas a uma redução da energia disponí-
Essas mudanças se fazem notar por meio vel, repercutindo nos processos mentais que
das queixas comumente trazidas pelos idosos demandam esforço, ao passo que as capacida-
ou seus familiares: estão mais lentos e distraí- des intelectuais e habilidades desenvolvidas ao
dos, mais “desastrados”, desorientam-se diante longo da vida e por aprendizagem prévia fi-
de qualquer modificação em locais menos co- cam mantidas até muito tarde.
nhecidos, esquecem-se facilmente das coisas Esses aspectos são extremamente importan-
(“menos as do seu interesse”), “são repetiti- tes de serem considerados, porque ao contrá-
vos”, “teimosos”, “inflexíveis”. Esses problemas rio do que é julgado pelo senso comum, as
vão se instalando devagar, em épocas diferen- demências não implicam prejuízo global, a não
tes, geralmente a partir da sexta década. ser em fases muito avançadas.
O problema que se apresenta, então, é iden- Ao nos depararmos com um pedido de ava-
tificar se essas mudanças constituem as alte- liação, antes de mais nada, é necessário esta-
rações normais e esperadas durante o enve- belecer para que ela será feita. A escolha dos
lhecimento ou sugerem um processo demen- testes, ou de baterias, e das formas de relatar
cial. Essa tarefa não é fácil por várias razões: 1) os resultados depende dos objetivos, que po-
os distúrbios cognitivos dos estádios iniciais da dem ir de diagnóstico diferencial a perícia ou
demência, especialmente da Demência de pesquisa. Enquanto, no primeiro e segundo
Alzheimer, são superponíveis aos da senescên- casos, a escolha deve recair sobre testes sensí-
cia normal ou aos da depressão; 2) freqüente- veis para diferenciar finamente entre tipos de
mente, os idosos apresentam condições que déficits, por certo é necessária uma investiga-
interferem na cognição; dentre estas, desta- ção mais abrangente e compreensiva, em pes-
cam-se causas psiquiátricas, principalmente, quisa, onde geralmente a escolha recai sobre
depressão, isolamento social, doenças médi- baterias fixas. Mas a avaliação nem sempre
cas, déficits sensoriais e polifarmácia. ocorre por um encaminhamento, mas também
Entretanto, é fundamental estabelecer a em vista de resultados de triagem prévia, em
distinção entre senescência e demência, já que, clínicas ou outras instituições.
em alguns casos, é possível reverter a síndro- O ponto de partida para qualquer avalia-
me demencial, identificando-se e tratando ade- ção é a história precisa obtida com o paciente
quadamente a doença de base. Mesmo quan- e informantes. Além do registro dos fatores de
do isso não é possível, o estabelecimento do risco para o desenvolvimento de demência, de
diagnóstico correto poderá fornecer a orienta- informações sobre história médica, medicações
ção adequada para melhorar a qualidade de em uso e eventos importantes da vida, é im-
vida do paciente e cuidadores. portante estabelecer o(s) tipo(s) de defeitos
Se o envelhecimento é acompanhado por cognitivos, a época em que ocorreram e o im-
essas mudanças normais, como então distin- pacto na vida diária. As informações angaria-
gui-las de alterações patológicas? Em primei- das com o paciente permitem uma análise ini-
ro lugar, o examinador deve ter claro quais são cial da linguagem, atenção, memória e julga-
as mudanças esperadas, em que ordem tem- mento, a serem contrastadas com as habilida-
PSICODIAGNÓSTICO – V 179
Uma vez colhida a história e levantadas as cidos na literatura e que têm sido utilizados
hipóteses iniciais, na prática clínica, o plano de em nosso meio. Alguns destes não apareceram
avaliação deve levar em conta tais hipóteses na literatura especializada, mas foram apresen-
específicas, porque testes de uma bateria fixa tados em congressos e vêm sendo utilizados,
geralmente são construídos sem levar em con- de longa data, em centros especializados, ou
ta o padrão particular das patologias demen- foram validados em amostras específicas, apa-
ciais. Além disso, numa avaliação, os sujeitos recendo em dissertações de mestrado e teses
podem ter níveis culturais diferentes, ou, na de doutorado. Embora não seja habitual, este
suspeita de demência, podem estar em está- tipo de referência pode fornecer informações
dios diferentes de evolução, o que demanda para os leitores que desejem ou estejam traba-
flexibilidade na escolha dos instrumentos, lhando com os mesmos instrumentos.
embora algumas baterias possam ser citadas des- A utilização das Escalas Wechsler de Inteli-
de que seu objetivo seja o do plano de avaliação. gência (WIS – Wechsler Intelligence Scales) no
O examinador poderá optar por fazer uma exame da senescência normal e demência foi
revisão geral dos sistemas e funções, mas isso atestada em inúmeros estudos. Alguns auto-
demanda tempo e, freqüentemente, é exaustivo res elaboraram fórmulas para evidenciar pa-
para idosos. Tendo em mente quais são as mu- drões característicos ou sugestivos de demên-
danças esperadas e associadas à idade, um en- cia. Entre essas, parece ser útil a de Fuld e de
foque especial à atenção, linguagem, praxia cons- Coolidge, citados por Lezak (1995), que, usan-
trutiva, memória e funções executivas geralmente do escores corrigidos para a idade, obtiveram
é suficiente, escolhendo testes específicos para padrões para a Doença de Alzheimer.
o caso individual. Quaisquer que sejam as quei- São apontadas limitações, quando o uso
xas ou patologias suspeitadas, os problemas re- dessas escalas é apenas quantitativo, requeren-
cairão em uma ou várias dessas funções. do, portanto, os dados normativos. Entretan-
Um problema técnico diz respeito ao mate- to, sua utilização qualitativa é de valor indis-
rial das provas (dos testes) mais comuns na cutível na avaliação de qualquer condição.
avaliação cognitiva. Conforme salientam Fer- Pode-se, por exemplo, estimar a estabilidade
nández-Ballesteros e colegas (1992), com o da atenção e da memória nas provas em que o
passar da idade não só mudam as habilidades objetivo é delimitado previamente, como no
cognitivas das pessoas, como também muda a subteste de Completar Figuras (em que o su-
significação, tanto das próprias habilidades, jeito deve sempre dizer o que está faltando)
como de tarefas colocadas à sua disposição. ou Semelhanças (em que ele deve indicar a se-
Uma recente estimativa do National Insti- melhança existente entre dois itens aparente-
tute of Health dos Estados Unidos (Scott, 1999) mente diferentes). Nestes casos, se o sujeito
calcula que entre 5 e 10% da população com passar a responder diferentemente do que é
mais de 65 anos sofre de demência. A preva- solicitado (por exemplo, o que é diferente), se
lência dessa condição aumenta com a idade. O não houver correção da resposta após re-ins-
déficit de memória é uma característica ressal- trução, pode-se levantar a hipótese de distúr-
tada na fase inicial e que se acentua com a pro- bio de memória, se outras causas foram des-
gressão da doença. O prejuízo do pensamento cartadas. Uma outra maneira qualitativa é con-
abstrato e do julgamento, acompanhado por trastar o nível das respostas a itens de nature-
alterações na personalidade, também podem za diversa em Compreensão. Desta maneira,
ser sintomas marcantes do quadro clínico. Se- pobreza nas respostas aos provérbios, enquan-
gundo os estudiosos, não existe uma causa to as demais ou as de Vocabulário são boas,
específica para a demência, visto que várias oferece pistas para a concretude do pensamen-
doenças podem causá-la. to e mudanças na capacidade de abstração.
A seguir, será apresentada uma breve des- No Quadro 16.1, são apresentados exemplos
crição dos testes neuropsicológicos e baterias de baterias mais comumente sugeridas, cujos
com poder discriminativo mais bem estabele- testes são agrupados por domínios ou funções.
Todavia, visando a investigar aspectos com- por meio dessas pistas, as suas respostas, é
ponentes de uma função ou atividade, testes mantida na velhice normal e precocemente
específicos podem fornecer maiores dados, perdida na doença de Alzheimer. Aproveitar as
como nos exemplos apresentados no Quadro pistas para recordar alguma situação não lem-
16.2. brada livremente é uma capacidade muito cedo
Segundo Xavier (1999), a capacidade do diminuída em idosos que, posteriormente, virão
examinando de aproveitar pistas e maximizar, a desenvolver o quadro demencial evidente.
PSICODIAGNÓSTICO – V 181
QUADRO 16.2 Testes específicos de memória
Testes Autores/ano Função
Teste de Evocação Buschke & Fuld, 1974 Avaliação da memória com análise simultânea de
de Buschke armazenamento, retenção e recuperação de memória remota
Fuld Object Memory Fuld, 1980 Nomeação tátil e nomeação visual de objetos (fluência verbal,
Evaluation – FOME evocação, rememoração dos objetos)
Teste Comportamental Wilson, Cockburn & Investiga registro e evocação de material verbal e visual,
de Memória de Baddeley, 1985 memória espacial, orientação temporal
Rivermead
Escala Wechsler de Wechsler, 1987 Memória operativa, imediata e tardia, verbal e não-verbal,
Memória III – WMS-III visual, espacial e de eventos
QUADRO 16.3 Médias, desvios padrão e pontos de corte de alguns instrumentos usados num grupo
sadio de longevos (N = 20)
Escolaridade
PSICODIAGNÓSTICO – V 183
de modo diferenciado as estratégias para ob- no setting clínico está, freqüentemente, asso-
tenção dos dados, de forma a estabelecer uma ciada a aspectos não-conscientes, ao passo que
maior confiabilidade dos mesmos. a resistência frente à avaliação forense é de-
Para se compreender os aspectos distinti- terminada pelo menos por uma das seguintes
vos da avaliação forense, é importante que se razões: primeiro, o cliente pode estar temero-
tenha uma visão diferenciada do contexto do so quanto ao resultado final; segundo, mes-
trabalho do psicólogo na área clínica e em sua mo desejoso do resultado da avaliação, pode
atividade junto ao sistema legal. Melton e co- sentir-se ressentido pela intromissão em sua
legas (1997) propõem uma série de dimensões autonomia.
que possibilitam esclarecer estas especificida- Riscos à validade: Ainda que a distorção
des e orientar o trabalho do psicólogo, a sa- inconsciente da informação seja uma ameaça
ber: à validade em ambos contextos de avaliação,
Escopo: No setting clínico, temas como a ameaça da distorção consciente e intencio-
diagnóstico, funcionamento de personalidade nal é substancialmente maior no contexto fo-
e tratamento para a mudança de comporta- rense. No contexto clínico, a distorção relacio-
mento são aspectos primários. A avaliação fo- na-se mais com fatores de timidez, fantasias
rense, freqüentemente, dirige-se a eventos ou falta de consciência do cliente sobre seus
definidos de forma mais estreita ou a intera- problemas. No contexto forense, em função da
ções de natureza não-clínica, sempre relacio- natureza coercitiva e da importância final de
nados a um foco determinado pelo sistema seus trabalhos, os clientes são incentivados a
legal. Aspectos clínicos, como diagnóstico ou distorcer a verdade. Essa verdade estende-se,
necessidade de tratamento, estão em segun- também, a terceiros que são chamados a in-
do plano, em relação a outros de relevância no formar dados sobre o cliente (parentes, traba-
caso. lhadores de saúde mental, amigos).
A perspectiva do cliente: A precisão da in- Dinâmica do relacionamento: A interação
formação é importante, tanto no setting clíni- orientada pela avaliação clínica enfatiza o be-
co como no forense. Porém, na avaliação clíni- nefício que pode advir, se for mantido o inte-
ca, a compreensão da visão particular do cliente resse em colaborar, havendo um pacto tácito
sobre o problema, que é, geralmente, o moti- de manutenção da confiança, compreensão e
vo do processo, fica em primeiro plano, dei- de segurança da confidencialidade. No contex-
xando a avaliação “mais objetiva” como secun- to forense, o examinador não só ocupa um
dária. O examinador forense deve preocupar- espaço mais distante do cliente, como também
se com a exatidão da informação, na medida necessita confrontá-lo com mais freqüência,
em que sua avaliação deve responder sobre checar as informações dúbias ou inconscien-
fatos que extrapolam a subjetividade do exa- tes. Com isso, a percepção que o cliente tem
minando. Ainda que a visão do cliente seja do papel do examinador nem sempre é de al-
importante, torna-se secundária para os obje- guém que está num papel de ajuda. Caracte-
tivos propostos. As fontes de informação não rísticas como lealdade dividida, limites da con-
devem se restringir ao cliente, mas a todas as fidencialidade e preocupação com a manipu-
fontes consideradas relevantes. lação das informações, em um contexto adver-
Voluntariedade e autonomia: As pessoas so, determinam maior distanciamento emocio-
que buscam um psicodiagnóstico geralmente nal entre o avaliador forense e seu cliente.
o fazem voluntariamente ou por encaminha- O tempo de avaliação forense e o setting:
mento de um profissional da saúde. Pessoas No setting clínico, a avaliação, ainda que limi-
que passam por uma avaliação forense o fa- tada no tempo, tende a se proceder num ritmo
zem por ordem de um juiz ou advogado. As- mais lento. Além disso, o diagnóstico pode ser
sim, existe uma maior possibilidade de encon- reconsiderado durante o curso do tratamento
trarmos clientes não-cooperativos, resistentes e revisado muito além das entrevistas iniciais.
neste último tipo de avaliação. A resistência No setting forense, uma variedade de fatores,
PSICODIAGNÓSTICO – V 185
insuficiência, que é percebido como compro- ca; ou, c) a pedido de uma das partes litigantes,
metedor do bem-estar do indivíduo ou da so- quando é conhecido como perito assistente.
ciedade. As avaliações podem ser realizadas por um
Cada competência legal se refere a várias ou por vários psicólogos, bem como podem ser
situações (ordinárias ou extraordinárias) na vida feitas em conjunto com outros técnicos de espe-
dos acusados, que necessariamente não preci- cialidades diversas (médicos especialistas, assis-
sam possuir um status legal, desenvolvimen- tente social). Existe, ainda, a possibilidade do lau-
tista ou psiquiátrico específico. A lei não pre- do ser emitido por uma entidade, mas sempre
sume que incompetência legal em alguma área com a identificação dos profissionais envolvidos.
definida previamente produza incompetência Quanto à jurisdição da perícia, esta pode
em outra área da competência legal. Na área estar relacionada à área cível, penal, do traba-
médico-psicológica, esse conceito supõe sempre lho ou administrativa.
a noção de “habilidade para executar determi- A metodologia para a realização da perícia
nada tarefa” (Glass, 1997, p.6). Um modelo con- pode variar de acordo com cada profissional e
ceitual para avaliação pericial pressuporia uma em função da demanda a ser investigada. Po-
análise inicial da visão da lei sobre a competên- rém, Espada (1986) adaptou alguns passos
cia em questão. O modelo de avaliação escolhi- básicos propostos originariamente por Blau, no
do deve refletir sobre, e não reformar o modelo sentido de orientar a prática do psicólogo. Es-
jurídico direcionado à competência legal, ao pas- ses passos são apresentados aqui, na medida
so que a teoria psicológica escolhida deve ser em que parecem viáveis em nosso meio.
apoiada por evidências empíricas.
Salienta-se que a construção dos limites da
competência se encontra estreitamente ligada Iniciação do caso
aos valores da sociedade e serve para reforçar
ou restringir os direitos das pessoas para de- A forma de iniciar o caso dependerá da origem
terminados propósitos. Assim, exatamente do contato com o psicólogo. Se ele for contra-
porque a avaliação de competência serve para tado pela parte litigante, isto é, por um advo-
uma infinidade de objetivos sociais, a interpre- gado que esteja cuidando do caso, deverá
tação da conduta da pessoa que se encontra manter contato com o mesmo de modo a to-
em avaliação reduzir-se-á a certos critérios que mar ciência dos objetivos do processo, ainda
serão influenciados pelos valores daqueles en- que seja o cliente o primeiro a procurá-lo. No
volvidos em sua avaliação. Com isso, surge o caso de ser designado pelo juiz, deverá solici-
perigo de que a noção de competência venha tar os autos processuais para análise e conhe-
a reforçar determinadas instituições sociais, em cimento dos quesitos formulados. O contato
detrimento dos direitos individuais. Na medi- com o juiz poderá ocorrer, ainda que não seja
da em que esses constructos de valor não po- a prática mais freqüente.
dem ser eliminados da avaliação da competên- O primeiro contato com o advogado, com
cia, é importante que sejam ao menos explicita- o juiz ou a leitura inicial do processo deverá
dos para que se possa avaliar sua legitimidade. fornecer as seguintes informações:
– os principais fatos que levaram à solicita-
ção da intervenção do psicólogo, definindo se
UMA PROPOSTA DE METODOLOGIA PARA A o caso é da competência do profissional;
PERÍCIA FORENSE – a data provável da entrega dos resulta-
dos, que pode estar relacionada a uma próxi-
O papel do psicólogo junto ao pedido de uma ma audiência, devendo o psicólogo lembrar
avaliação forense pode se dar: a) como perito que toda perícia exige sempre uma breve revi-
oficial, quando designado pelo juiz no decor- são da literatura de investigação;
rer do processo, b) em função de seu desem- – as “perguntas hipotéticas” ou quesitos
penho profissional em uma instituição públi- que terá de responder como perito;
PSICODIAGNÓSTICO – V 187
implementação de certas estratégias deve neira objetiva, detalhando os níveis de confian-
orientar-se pelas seguintes questões: ça das predições e descrições;
– as estratégias escolhidas estão disponí- – concluir-se-á com uma ou várias opiniões
veis? a respeito das “perguntas hipotéticas” (quesi-
– são éticas? tos) formuladas pelo juiz ou advogados.
– são aceitáveis para o meio e o contexto
profissional e social?
– são práticas? SIMULAÇÃO E DISSIMULAÇÃO
Segundo o autor, não seria adequada a pro-
posição de um modelo padronizado para as A avaliação psicológica na área forense possui
explorações periciais, como baterias constituí- um viés próprio, que é a constante preocupa-
das por determinadas técnicas de avaliação, ção que os técnicos devem ter em vista da pos-
que seriam aplicadas independentemente das sível distorção de dados por parte dos pericia-
características de cada caso. Afirma a impossi- dos. Para alguns autores, essa distorção existi-
bilidade de se falar em modelos de investiga- rá sempre, variando apenas em intensidade. A
ção específicos para cada classe de demanda, necessidade de demonstração ou de ocultação
como, por exemplo, disputa de guarda, desti- de fatos e a existência de incentivos financei-
tuição de pátrio poder, responsabilidade pe- ros e afetivos (como a obtenção da guarda de
nal, etc. Cabe ao psicólogo forense a discus- filhos) são fatores coercitivos na produção
são e a estruturação de uma proposta meto- consciente de distorções nas informações pres-
dológica para cada objeto de intervenção. tadas.
É importante o psicólogo estar preparado A distorção dos dados pode-se manifestar
para ser chamado em audiências, com vistas a como simulação, quando o sujeito tenta fingir
responder quesitos. Nesse momento, deve es- sintomas que não existem, ou dissimulação,
tar munido de subsídios para responder a pos- quando procura encobrir ou minimizar os sin-
síveis perguntas sobre a validade de seus acha- tomas que na realidade existem. A simulação
dos e sobre as formas de controle da simula- é caracterizada no DSM-IV (APA, 1995) sem-
ção e falsificação de dados. pre pela existência associada de um incentivo
externo, enquanto a dissimulação, conforme
o senso comum, tem sido associada à tentati-
O informe pericial propriamente dito va de evitação de uma privação de direitos.
Os autores, em geral, reconhecem a dificul-
É importante salientar que a intervenção do dade em detectar esses processos de distorção,
psicólogo nas perícias forenses se resumirá, na recomendando uma série de critérios de ob-
maior parte das vezes, ao laudo emitido. Ape- servação, tanto frente aos testes quanto fren-
sar da importância deste documento, é na área te à entrevista. Porém, como sugerem Ávila e
judicial que ainda se encontra o maior nível de Rodríguez-Sutil (1995), esses indicadores não
conflitos para a realização do mesmo. Com o fim devem ser utilizados isoladamente, como se
de minimizar essas dificuldades, o autor sugere tivessem um valor absoluto. Todos eles devem
que sejam observados alguns pontos: alcançar uma descrição coerente da personali-
– o conteúdo deverá adequar-se aos aspec- dade e do comportamento do indivíduo, cons-
tos básicos do caso, considerando uma dispo- tituindo uma intervalidação de dados. Assim,
sição mínima que se estruture em uma intro- é importante, durante as entrevistas, analisar
dução, procedimentos utilizados, conclusões a concordância entre os níveis de comunica-
derivadas e sua discussão; ção verbal e não-verbal.
– deverá ser evitada a erudição e ser expres- Rogers (apud Melton, Petrila, Poythree et
so com clareza; alii, 1997) alerta para os seguintes indicadores
– excluir-se-á ou se tornará relativo tudo de simulação que poderiam ser observados na
aquilo que não esteja justificado de uma ma- entrevista:
PSICODIAGNÓSTICO – V 189
A REDAÇÃO DO LAUDO bendo lembrar que esta será a base de todas
as conclusões. A descrição deve ser completa,
O laudo faz parte dos documentos oficiais que minuciosa, metódica e objetiva, descartando
tiveram sua origem na área médica. É todo re- o terreno das hipóteses.
latório redigido posteriormente a uma perícia Discussão: Nesta fase, serão abordadas as
e exige sempre consulta a tratados e obras es- várias hipóteses, afastando-se ao máximo as
pecializadas sobre o tema em questão. Uma conjecturas pessoais, podendo-se inclusive ci-
adaptação à prática psicológica foi desenvol- tar autoridades recomendadas sobre o assun-
vida por Skaf (1997), com o apoio do Conse- to. É o momento de um diagnóstico lógico a
lho Regional de Psicologia do Estado do Para- partir de justificativas racionais. É a discussão
ná. Considerando a qualidade da proposta, que, através de sua lógica e clareza, pode as-
apresenta-se como um padrão a ser seguido. segurar a correta dedução das conclusões. Esta
Este roteiro se constitui das seguintes partes: parte do laudo, podendo conter citações e
Preâmbulo: É a parte inicial, onde o perito transcrições, serve para avaliar o nível cultural
se qualifica. É aconselhável que indique, de e científico do relator. Provavelmente, será nes-
modo sucinto, seus principais títulos e funções, te capítulo que ocorrerão as divergências, ge-
sem cair em um histórico funcional. Também rando perícias contraditórias.
deverá indicar a autoridade que lhe atribui o Conclusões: Compreende-se nesta parte a
cargo pericial e, sempre que possível, o pro- síntese diagnóstica, redigida com clareza, dis-
cesso ao qual se encontra vinculado. Deve cons- posta ordenadamente, deduzida pela descri-
tar a data, a hora e o local em que o exame foi ção e pela discussão.
feito. Resposta aos quesitos: Se houver quesitos,
Histórico ou comemorativo: Consiste no o psicólogo deve respondê-los de forma sinté-
registro dos fatos mais significativos que mo- tica e convincente, afirmando ou negando, não
tivam o registro da perícia ou que possam es- deixando nenhum quesito sem resposta. Não
clarecer ou orientar a ação do perito. Corres- havendo dados para a resposta dos quesitos,
ponde à anamnese da entrevista clínica. Refe- ou quando o especialista não pode ser categó-
re-se a dados anteriores aos motivos imedia- rico, deve utilizar-se da expressão “sem elemen-
tos da ação proposta. Esta parte do laudo deve tos de convicção”. Quando houver quesitos mal
ser creditada ao periciado, não se devendo formulados, estes também devem ser respon-
imputar ao perito nenhuma responsabilidade didos, utilizando-se expressões do tipo “preju-
sobre seu conteúdo. Apesar da possibilidade dicado”, “sem elementos” ou “aguarda evolu-
de inverdades neste relato, cabe o direito ao ção”.
periciado de relatar sua versão dos fatos. No Ao término, o relatório deve ser datado e
histórico, o perito deve realizar a descrição dos assinado pelo perito, de preferência rubrican-
fatos de forma mais simples e objetiva possí- do as páginas anteriores.
vel, sem a preocupação de comprometer-se
com a sua veracidade, ou de agradar ou desa-
gradar a quem quer que seja. OS LIMITES ÉTICOS DA PERÍCIA
Descrição: É a parte mais importante, bási- PSICOLÓGICA
ca e essencial do laudo. Tem como função re-
produzir fiel, metódica e objetivamente tudo A legitimação do papel do psicólogo como
o que for observado pelo perito, através de perito se encontra no Decreto-lei 53.664, de
exposição minuciosa dos exames e das técni- 21 de janeiro de 1964, que regulamenta a Lei
cas empregadas. Deve-se considerar que se tra- 4.119, de 27 de agosto de 1962, sobre a pro-
ta de um exame realizado num corte no tem- fissão do psicólogo. Afirma-se, nesse decreto,
po, um instantâneo examinado, e que a des- que caberia ao psicólogo, entre outras atribui-
crição se constitui matéria de fato, resultando ções, “realizar perícias e emitir pareceres sobre
do que pode ser efetivamente observado, ca- matéria de Psicologia”.
PSICODIAGNÓSTICO – V 191
mesma a quem seria o verdadeiro receptor do O exame para verificação de responsabili-
processo. Para Ávila e Rodríguez-Sutil (1995), dade penal é realizado, em nossa realidade, por
o psicólogo teria a obrigação de comunicar a peritos médicos (psiquiatras), estando o psi-
seus clientes as informações obtidas sobre seus cólogo em uma posição auxiliar, principalmente
aspectos psicológicos durante a avaliação. Só através de realização de testagens. Esse exa-
permitem certo relativismo a essa posição ao me tem por objetivo verificar se o culpado de
salientar o princípio da pertinência, em função um delito o cometeu em estado mental idô-
da qual se deve comunicar ao examinando neo; portanto, se possuía, no momento da
aquilo que pode lhe ser de utilidade, em lin- ação, capacidade para reconhecer o caráter
guagem acessível e salientando a segurança injusto e ilegal de seu ato e de dirigir sua ação
relativa das conclusões. de acordo com esse entendimento. Este tipo
O nosso Código de Ética Profissional (Con- de perícia permitirá ao juiz determinar se o
selho Federal de Psicologia, 1996) salienta a sujeito da ação é imputável ou não, isto é, se
obrigação do psicólogo de “fornecer a este deverá responder penalmente pela ação come-
(periciado) as informações que foram encami- tida. Sendo considerado imputável, e culpado
nhadas ao solicitante”; porém, não diz em que da ação, receberá uma pena definida quanto
momento essas informações deveriam ser pres- ao tempo e ao tipo de regime em que vai cum-
tadas. É questionável o fato de oferecer ao su- pri-la (aberto, semi-aberto, fechado); caso con-
jeito uma devolução, antes mesmo de encami- trário, se considerado inimputável, receberá
nhar ao juiz os resultados levantados. Este fato medida de segurança e deverá permanecer in-
poderia interferir no andamento do processo ternado em um manicômio judiciário por tem-
que supõe o momento da ciência das partes po indeterminado, até que seja averiguada, por
envolvidas quanto aos resultados da perícia, perícia médica, a cessação de sua periculosi-
bem como prazo de contestação. A prática dade.
sugere que seria de bom senso o psicólogo O Código Penal de 1984 refere, no artigo
colocar-se à disposição do periciado para es- 26, quem seria o sujeito considerado inimpu-
clarecimento de dúvidas, quanto ao laudo, tável. Diz o artigo: “É isento de pena o agente
depois de o mesmo tornar-se público em au- que, por doença mental ou desenvolvimento
diência com o juiz. Deve-se tomar cuidado para mental incompleto ou retardado, era, ao tem-
não criar uma via de comunicação independen- po da ação ou da omissão, inteiramente inca-
te ao processo judicial, quando, então, o psi- paz de entender o caráter criminoso do fato
cólogo deixaria seu papel original de assessor ou de determinar-se de acordo com este en-
dos agentes jurídicos para assumir a coorde- tendimento”. Assim, conforme salientam Ávi-
nação do próprio processo. Esse tipo de atitu- la e Rodriguez-Sutil (1995), esta avaliação de-
de extrapolaria a função da perícia e colocaria veria determinar: a) o diagnóstico clínico da
o profissional frente a situações que não po- alteração, transtorno ou déficit mental, se hou-
deria manejar. ver, do acusado na época do delito; b) os pro-
cessos de pensamento e estados emocionais
do acusado, bem como as variáveis psicológi-
A PERÍCIA PSICOLÓGICA NO DIREITO PENAL cas mais relevantes, como autoconceito, estra-
tégias defensivas e de enfrentamento, vivên-
O trabalho do psicólogo como perito na área cia da culpa e do juízo moral, vivência do sig-
penal pode dar-se em dois momentos do an- nificado social e legal da ação, controle dos
damento processual: primeiro, num período impulsos e, finalmente, existência, ou não, de
anterior à definição da sentença, quando se transtornos de personalidade (eixo II do DSM).
verificará a responsabilidade penal (imputabi- O exame criminológico, dentre aqueles rea-
lidade) do acusado, ou, depois de promulgada lizados durante a execução da pena, é o único
a sentença, durante a fase de execução da pena, considerado por Sá (1997) como de caracterís-
através do exame criminológico. ticas verdadeiramente periciais. Essa avaliação
PSICODIAGNÓSTICO – V 193
tica pessoal individual. O pai e a mãe serão estão sendo produzidas por pressão direta por
sempre avaliados em relação a uma determi- parte dos pais ou por vínculos de lealdade.
nada criança e em um certo contexto. Em se-
gundo lugar, em função da multiplicidade de
fatores envolvidos, a avaliação deve ser feita A AVALIAÇÃO DE DANOS PSÍQUICOS PARA
em amplo aspecto, de modo que tanto os pais RESSARCIMENTO (DANO MORAL)
quanto as crianças devem ser entrevistados, e,
sempre que possível, devem ser entrevistados Segundo a literatura jurídica, a indenização do
juntos, sendo observados no setting natural. dano patrimonial já existiria há mais de dois
A avaliação deve ultrapassar a díade e a pró- mil anos nas organizações sociais, porém, o
pria psicologia, atingindo o entorno social, de dano moral ou extrapatrimonial teria ingres-
modo a apreciar os recursos da família exten- sado de forma consistente no direito civil ape-
siva e da própria comunidade. Na medida em nas no século passado. A principal contesta-
que essa competência é compreendida dentro ção a este tipo de ressarcimento diz respeito à
de um continuum, é importante o psicólogo impossibilidade de valorar-se as perdas ligadas
conscientizar-se de seu papel de julgador quan- ao afeto, à moral ou à imagem pessoal. Mas,
to ao grau de incongruência entre as habilida- seus defensores referem que, apesar da dor
des parentais e as necessidades da criança, pois não ter preço, é possível uma compensação.
é a definição deste nível que o orientará quan- Na legislação brasileira, a promulgação da
to à tomada de posição no que se refere à reti- nova Constituição de 1988 veio reforçar esta
rada ou manutenção do pátrio poder. idéia, referindo textualmente os direitos de
Na disputa de guarda dos filhos e determi- ressarcimento por dano à imagem e ao dano
nação de visitas, a avaliação psicológica não moral.
necessita a confirmação de uma incompetên- Essa evolução na área jurídica trouxe uma
cia ou incapacidade, por parte de um dos ge- nova demanda para as perícias psicológicas.
nitores, para que o outro possa receber as crian- Atualmente, é fato bastante comum os psicó-
ças em seu cuidado. Para Grisso (1986), a maio- logos forenses que trabalham na área cível se-
ria das decisões sobre guarda de filhos envol- rem requisitados para a avaliação do dano
ve uma comparação entre as qualidades relati- moral ou psicológico. Apesar do interesse do
vas dos pais – que apresentam, à sua própria Judiciário de buscar ajuda na avaliação psico-
maneira, méritos e responsabilidades – quan- lógica para poder mensurar, de forma mais
to às necessidades e interesses das crianças. justa, as perdas sofridas pela vítima, os psi-
Em nossa realidade, a valorização do direito cólogos têm evoluído lentamente quanto à
de igualdade no exercício do pátrio poder pelo sua instrumentalização para este tipo de
pai e pela mãe já é garantido por lei, segundo abordagem. Se, por um lado, os juristas jus-
o Estatuto da Criança e do Adolescente; po- tificam ser essência do dano moral a arbitra-
rém, os autores alertam para a estereotipia de gem do juiz (Azevedo Jr., 1996), não cabe aos
papéis existentes em nossa sociedade, de for- peritos psicólogos se utilizarem de critérios
ma a tender a contemplar à mãe a posse dos não-científicos.
filhos menores. Dolto (1989) ressalta que os Com esta abordagem, Castex (1997) traz a
filhos menores deveriam ficar com o genitor proposta de diferenciar o dano psíquico do
que exercesse o papel de “guardião maternali- dano moral, de forma que caberia ao técnico
zante”, o qual, em muitas famílias, não é exer- de saúde mental avaliar o primeiro, e aos agen-
cido pela mãe. Assim, nessa avaliação das re- tes jurídicos arbitrar sobre o segundo. Explica
lações entre pais e filhos, é necessário também que, apesar de conceitualmente o dano psíqui-
ouvir as crianças quanto aos seus próprios in- co ter um constructo próprio, diferenciado do
teresses em permanecer com um dos genito- dano moral, se aproximaria deste por não po-
res. Essas informações devem ser consideradas der prescindir do discurso jurídico. O dano psí-
de forma parcimoniosa, avaliando o quanto quico emergiria em uma tarefa psicológico-fo-
PSICODIAGNÓSTICO – V 195
Avaliação retrospectiva: autópsia
psicológica para casos de suicídio*
Blanca Guevara Werlang
18
O mundo em que vivemos está voltado para
o progresso e para a produtividade. Neste
contexto, a morte por suicídio estabelece um
vários ângulos e múltiplos enfoques, tendo
possibilitado muitas discussões teóricas e ge-
rado um número significativo de publicações.
contra-senso, um paradoxo. É algo que choca Assim, vários métodos têm sido utilizados
e impressiona mais, porque coloca em evidên- para abordar esse tema, tendo sido possível
cia uma situação psicológica mais difícil de se identificar a sua associação com diversas va-
aceitar – que é o fato do indivíduo optar livre- riáveis demográficas, psicossociais e psiquiá-
mente pela sua própria morte. Constitui-se, tricas. Mas, apesar dos avanços nessa área e
assim, em um dos fenômenos mais intrigan- dos cuidados tomados pelos cientistas, tem
tes, para psicólogos e psiquiatras, demonstran- sido difícil compreender as características pes-
do, certamente, que ainda “um dos maiores soais dos sujeitos que realmente cometem sui-
enigmas continua sendo a relação do homem cídio, por não serem passíveis nem de avalia-
com sua vida e, conseqüentemente, com sua ção direta, nem de tratamento de qualquer
morte, já que começamos a nos convencer de espécie.
que a morte é parte da vida, e a maneira de O principal problema, sem dúvida, é saber
morrer é parte integral da maneira de viver de como predizer que indivíduos, potencialmen-
um indivíduo” (Farberow & Shneidman, 1969, te suicidas, vão transformar suas fantasias e/
p.XI). ou ideações em atos concretos. Em função dis-
Procurando compreender essa maneira de so, Litman (1996) afirma que, “no presente
morrer e, mais especificamente, as causas que estado de nosso conhecimento, somos inca-
levam um sujeito a terminar com sua vida, o pazes de prognosticar suicídio” (p.3).
suicídio tem sido estudado e interpretado sob Entretanto, segundo a literatura, há uma
possibilidade de chegar à compreensão do sui-
cídio (ato de se matar intencionalmente) atra-
*Fragmentos de tese de doutorado em andamento no vés de exames retrospectivos. Esta análise re-
curso de Pós-graduação em Ciências Médicas (Área de trospectiva tem possibilitado identificar comu-
Saúde Mental) da Universidade Estadual de Campinas, nicações prévias da intenção de se matar do
bem como de comunicações científicas (VIII Congresso falecido. Sabe-se, assim, que 75% (Litman,
Nacional de Avaliação Psicológica, Porto Alegre, 1999,
1996) ou 90% (Shneidman, 1994) dos casos
e III Congresso Ibero-americano de Psicologia Jurídica,
São Paulo,1999). comunicam previamente a intenção suicida a
PSICODIAGNÓSTICO – V 197
{
Figura 18.1.
{ {
{
{
Figura 18.2.
{
personalidade como um todo. A avaliação do da escolha do método. Os precipitadores e/ou
grau de lucidez, ou seja, do papel consciente do estressores são os fatos ou circunstâncias que
próprio indivíduo, no planejamento, na prepara- acionariam o último empurrão para o suicídio.
ção e na objetivação da ação autodestrutiva, es- A autópsia psicológica é, então, um tipo de
tabelecerá a intenção do sujeito. O grau de le- avaliação psicológica que enfoca o elemento
talidade será medido através da identificação que está faltando: a intenção do morto em rela-
Figura 18.4.
ção à sua própria morte, e, considerando que a ch, 1992; Ebert, 1991; Isometsa, Heikkinen,
maioria das vítimas comunica de alguma manei- Henriksson et alii, 1997; Jacobs & Klein, 1993;
ra suas intenções, cabe aos psicólogos e psiquia- Jacobs & Klein-Benheim, 1995; Kelly & Mann,
tras encontrar as pistas deixadas atrás por elas. 1996; Litman, 1984; Litman, 1989; Shafii, Car-
Entretanto, as estratégias para identificar rigan, Whittinghill et alii, 1985; Shneidman,
tais pistas variam de autor para autor. A litera- 1981) quanto ao que se refere à forma de con-
tura especializada deixa claro que falta, ainda, tato, momento da realização da entrevista,
um modelo de procedimento estruturado, tan- duração e número de entrevistas e número de
to no que diz respeito ao roteiro básico e/ou informantes.
tópicos que devem ser incluídos (Beskow, Ru- Contudo, existem vários estudiosos que,
neson & Asgard, 1991; Clarck & Horton-Deuts- com o objetivo de diminuir os problemas de
PSICODIAGNÓSTICO – V 199
Figura 18.5.
ordem metodológicos dessa estratégia, têm 1974; Spellman & Heyne, 1989), suicídios de
sugerido padrões ou critérios para a condução crianças, adolescentes, adultos jovens e idosos
de uma autópsia psicológica (Clarck & Horton- (Alexopoulos, 1991; Brent,1989; Lau, 1994;
Deutsch, 1992), enquanto outros têm se es- Marttunen, Aro & Lönnqvist, 1993; Rich, Sher-
forçado em avaliar a confiabilidade do méto- man e Fowler, 1990; Shaffer, Gould, Fisher et
do (Brent, Perper, Kolko et alii, 1988; Brent, alii,1996; Younger, Clark, Oehmig et alii, 1990),
Perper, Moritz et alii, 1993; Kelly & Mann, 1996; em sujeitos com morte duvidosa (Berman,
Terroba & Saltijeral, 1983). 1993; Kelly & Mann, 1996; Litman, 1984; Lit-
Sem dúvida, a primeira utilidade da autóp- man, 1989; Litman, Curphey, Shneidman et alii,
sia psicológica foi a de melhorar a exatidão do 1963; Shneidman & Farberow, 1969) e em pes-
veredicto de suicídio nos certificados de óbi- soas suicidas de diferentes idades do meio urba-
tos, mas, o método também tem sido usado, no e rural (Asgard, 1990; Finkel & Rosman, 1995;
em estudos científicos de suicídios de sujeitos Isometsa, Heikkinen, Henriksson et alii, 1997).
com diagnósticos de esquizofrenia (Farberow, Levantando o acervo de publicações exis-
Shneidmann & Leonard, 1969; Heilae, Isomet- tentes nos bancos de dados computadoriza-
sae, Henrriksson et alii, 1997), de depressão dos, existe um significativo número de estu-
maior (Isometsa, Aro, Henriksson et alii, 1994; dos nas linhas Medline, Psyclit e Lilac, o que
Isometsa, Henrikson, Aro et alii, 1994) e de al- nos permite afirmar que a autópsia psicológi-
coolismo (Heikkinen, Aro, Heriksson et alii, ca tem sido um método aceito e muito utiliza-
1994), como ferramenta em intervenções em do para delinear as características psicológicas
crise, em equipes psiquiátricas, de hospital e sociais de vítimas de suicídio, por quase três
geral e de presídio, após suicídios de pacientes décadas. Pode-se, de certa forma, dizer, como
ou apenados (Neill, Benensohn, Farber et alii, expressa Selkin (1994), que “a autópsia psico-
PSICODIAGNÓSTICO – V 201
MÓDULO VII – Catálogo de Técnicas Úteis
PSICODIAGNÓSTICO – V 203
ne & Stratton. Também são diferentes as sé- Descrição
ries de Halpern, Pascal e Suttel e Woltman, o
que explica divergências entre achados de A técnica é constituída por nove desenhos ge-
pesquisa [2]. ométricos, utilizando pontos, linhas retas e
Embora a monografia inicial não tenha in- curvas, ângulos, dispostos numa variedade de
cluído instruções, estas apareceram em 1946, relações, de forma a se estruturarem como
mas, apesar disso, não existe procedimento- configurações ou Gestalten, baseadas em ilus-
padrão a respeito, o que poderia explicar tam- trações da obra clássica de Wertheimer, Stu-
bém, em parte, a variabilidade de dados das dies in the Theory of Gestalt Psychology [6].
pesquisas. São apresentadas em lâminas ou cartões, com
Da mesma forma, a partir das considera- uma figura A, introdutória, e mais oito dese-
ções clínicas iniciais de Bender [7], multipli- nhos, que devem ser reproduzidos pelo exami-
caram-se os sistemas de inspeção dos proto- nando.
colos, desde uma abordagem mais global, in- Existem diversas edições, com variações
tuitiva (ou até subjetiva), inferencial ou atra- quanto a detalhes formais dos desenhos, quan-
vés de métodos objetivos de escore. Em re- to ao número de unidades e até quanto ao
sumo, o instrumento possibilita tanto uma número de desenhos, como, por exemplo, no
exploração nomotética do indivíduo como sistema de Santucci e Percheux, que abrange
idiográfica. Por essas razões, é levantada a somente cinco figuras [26]. É extremamente
questão de se o Bender deveria ser conside- importante utilizar o conjunto de lâminas cor-
rado um teste (no sentido psicométrico), uma respondente ao sistema de escore que se pre-
técnica projetiva ou, simplesmente, uma for- tenda usar.
ma de abordagem projetiva [2]. Há décadas A série de lâminas originais é editada pela
que se registram tentativas de investigar o Paidós, em Buenos Aires, e distribuída no Bra-
valor simbólico dos estímulos (vide, por sil pelo CEPA e suas concessionárias. Também
exemplo, 9-16). é encontrada em anexo ao livro Bender infan-
Em relação às formas do teste, também tem til [18], distribuído pela Editora Artes Médicas.
havido variação, tanto quanto aos estímulos, Outras séries têm distribuição específica, como
já referida, como pela introdução de modelos a utilizada por Santucci, neste caso por Dela-
plásticos [6, 17], como a elaboração por me- chaux e Niestlé, em Paris.
mória [14, 18, 19], a associação com palavras É uma técnica utilizada a partir dos 4 anos
ou a associação livre, também ligada à identi- de idade, com crianças, adolescentes e adul-
ficação de respostas simbólicas e populares [8- tos.
11, 13, 18, 20-22].
Em relação aos campos de aplicação, em-
bora tenham sido citados variados usos como Administração
legítimos, não há evidências conclusivas a res-
peito de muitos deles, registrando-se resulta- Forma: individual ou coletiva.
dos de pesquisas discordantes [2, 17]. Não Tempo: em adultos normais, 15 minutos,
obstante, nos últimos anos tem se comprova- no máximo (se é utilizado o Bender-Memória,
do como uma técnica especialmente útil no 15 minutos adicionais e, ainda mais, se intro-
campo da neuropsicologia [1, 23, 24], em es- duzidas as fases de elaboração e associação);
pecial na avaliação de déficits em alcoolistas em crianças, em média, de 7 a 9 minutos [27].
[25], e para o diagnóstico diferencial em psi- Manejo: existem vários sistemas de escore,
copatologia [1, 24]. sendo mais utilizados, para adultos, o de Pas-
Dada a sua facilidade de administração e cal e Suttel (1951), o de Hain (1964) e o de
sua versatilidade, vários autores o consideram Hutt (1985) e, para crianças, o de Koppitz
como o teste mais freqüentemente utilizado (1971), o de Clawson (1980) e o de Santucci e
nos Estados Unidos [3]. Percheux (1968), sem considerar aqui os ma-
PSICODIAGNÓSTICO – V 205
ma de escore para triagem de disfunção cere- 15. Cunha, J.A. (1977). Sinais simbólicos de agressão
bral ou compor uma determinada síndrome no Teste de Bender e a dimensão normalidade-anor-
malidade. Porto Alegre: Instituto de Psicologia da
psicopatológica. Por tal razão, Groth-Marnat PUCRS (Dissertação de mestrado).
[45] diz que o psicólogo deve estar atento para 16. Cunha, J.A. (1977). Suicídio e o Teste de Bender.
todas as alternativas diagnósticas na interpre- Porto Alegre: Instituto de Psicologia da PUCRS (Tese
tação de um determinado sinal. Já sob o nosso de livre-docência).
ponto de vista, recomendamos evitar qualquer 17. Billingslea, F.Y. (1965). The Bender-Gestalt: a review
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PSICODIAGNÓSTICO – V 207
O material técnico, incluindo os cartões, o com idade [4, 5], mas sua reversibilidade se
manual e as folhas de registro, é distribuído observa, no Benton, num prazo de seis meses
por The Psychological Corporation, nos Esta- [6].
dos Unidos, e pelo CEPA, no Brasil.
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Administração
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1. Lezak [2] observa que, embora o instru- Van Kolck, O.L. (1981). Técnicas de exame psicológico
mento seja apresentado como teste de memó- e suas aplicações no Brasil. Testes de aptidões. Pe-
ria visual, muitos dos estímulos podem ser con- trópolis, RJ: Vozes.
ceituados verbalmente, assim sendo, é sensí-
vel a lesões tanto no hemisfério esquerdo como
no direito. BINET-IV
2. Embora seja um teste sensível a grande
número de disfunções, ainda é o instrumento Dados históricos
de escolha, quando há suspeita de muitos dé-
ficits específicos, fazendo-se, então, a análise A atual escala Binet-IV tem uma longa histó-
dos tipos de erros presentes nas reproduções ria, que remonta às primeiras tentativas de dis-
gráficas [2]. criminação de “débeis mentais”, que resulta-
3. O teste tem sido bastante utilizado na ram na forma preliminar da Escala Binet-Simon,
avaliação neuropsicológica de pacientes alcoo- em 1905, seguida de uma nova versão em
listas, sendo que os déficits se relacionam com 1908, sendo publicada a versão definitiva em
a duração do período de bebida excessiva e 1911, a partir da qual surgiram várias revisões,
PSICODIAGNÓSTICO – V 209
na seleção da amostra, sendo consideradas as Comentários
variáveis sexo, idade, raça/etnia, ocupação e
escolaridade da família [7]. A estrutura foi in- 1. Ainda não há informações suficientes
teiramente renovada, sendo retidos apenas sobre as propriedades psicométricas do instru-
poucos itens de escalas anteriores. Foi também mento, embora seja considerado por Cronba-
superado o defeito mais sério de edições ante- ch [8] “eficientemente planejado”. Já McGrew
riores, que era a predominância de tarefas ver- e Flanagan [7], como no caso de tantas outras
bais. “O examinando recebe os subtestes e os baterias, o consideram incompleto como me-
itens dentro dos subtestes, apropriados à sua dida de inteligência.
idade e capacidade” [8]. 2. Lezak [9] lamenta que, com a nova edi-
ção, tenham se perdido pequenas provas de
interesse no exame neuropsicológico, embora
Descrição concorde que ainda faltam subsídios sobre as
propriedades psicométricas em pacientes neu-
O Binet-IV é o último descendente da tradição rológicos.
Binet-Stanford, publicada por Riverside Pu- 3. Numa pesquisa de Carvajal e colegas [10],
blishing Company, por Robert A. Thorndike, foram feitos estudos correlacionais entre os
Elizabeth P. Hagen e Jerome M. Sattler. escores do Binet-IV e do WAIS-R. Apesar de ter
Compreende um conjunto de subtestes, sido encontrada certa variabilidade entre es-
cujo número e variedade dependem da idade cores de áreas e de subtestes, em parte atri-
e da capacidade do sujeito (determinada pelo buída a diferenças entre materiais, procedimen-
desempenho no subteste inicial de Vocabulá- tos, conteúdos, limites de tempo, etc., foi veri-
rio). ficado alto índice de correlação entre os esco-
Pode ser utilizado dos 2 aos 24 anos e in- res totais de ambos os instrumentos. A con-
clusive em pessoas com mais idade (embora, clusão é de que o Binet-IV é um instrumento
para tais, não haja normas específicas). viável, como escala alternativa ou para retes-
Não há adaptação brasileira, e a escala é te, em relação ao WAIS-R, em adultos jovens,
introduzida, aqui, apenas por seu valor histó- nível em que o Stanford-Binet, em revisões
rico, e porque provavelmente será um instru- anteriores, tinha sido considerado bastante
mento a competir com as escalas Wechsler, deficitário [2].
embora o volume de pesquisas atual ainda seja
pequeno [8].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PSICODIAGNÓSTICO – V 211
mas crianças, por terem mais idade, nível inte- um, de uma série de dez lâminas, que são
lectual mais elevado ou por certos aspectos de aplicáveis a crianças, que devem elaborar uma
personalidade, as figuras humanas poderiam história a partir da cena constante em cada
constituir um estímulo projetivo melhor do que lâmina.
as figuras animais. Desse modo, foi delineada Segundo os autores, seriam instrumentos
uma versão antropomórfica, o CAT-H, que pre- adequados para uso a partir dos 3 anos, até
tendia preencher uma lacuna entre o CAT ini- aproximadamente 10 anos, sendo o CAT-H mais
cial, o CAT-A e o TAT [6]. indicado para as faixas etárias acima de 7 anos
A transformação das cenas que incluíam ou para crianças com nível intelectual corres-
animais em cenas antropomórficas foi fácil, pondente a esta idade. Contudo, pesquisas
uma vez que os personagens animais eram recentes sugeriram que, em geral até os 5 anos,
mais ambíguos, mas ficou evidente que as e até os 6 anos e meio, em crianças de famílias
razões da preferência pelo CAT-H sobrepuja- de renda baixa, ainda predominam respostas
vam “as desvantagens da menor ambigüida- de caráter não-aperceptivo [11-13].
de” [1, 6]. O material, tanto do CAT-A, como do CAT-
A versão final do CAT-H foi divulgada em H, incluindo a coleção de lâminas, o respectivo
1976, mas, anteriormente, já haviam sido pro- manual, bem como o caderno de registro e
postas outras versões, sendo desenvolvidos análise, é editado pela Paidós, Buenos Aires, e
estudos comparativos com o CAT-A. Em con- por Mestre Jou, São Paulo.
seqüência, Haworth criou um esquema de ava-
liação, que Bellak considerou como mais deta-
lhado e de orientação mais dinâmica, incluin- Administração
do-o em vários de seus trabalhos [1, 3, 6].
Embora Bellak [1] tenha considerado seus Forma: individual.
instrumentos livres da influência de aspectos Tempo: variável, recomendando-se que não
culturais, ambas as versões do CAT foram ob- ultrapasse 60 minutos.
jeto de crítica por conterem objetos típicos da Manejo: registram-se, atualmente, quatro
cultura ocidental, surgindo várias adaptações abordagens diferenciadas:
das lâminas, entre as quais podem ser salien- a) interpretação sob enfoque projetivo, com
tadas a versão hindu e a japonesa [7]. uma análise qualitativa de conflitos, impulsos,
A partir do sucesso inicial desses testes aper- estados afetivos, defesas, necessidades e figu-
ceptivos, começaram a ser introduzidas várias ras de identificação, havendo uma lista de
técnicas desse tipo, como o Teste de Nathan e mecanismos adaptativos, de Haworth [14],
Mauco, com lâminas suplementares ao TAT, para a avaliação quantitativa da presença de
para investigação da situação escolar, o Bla- perturbação, que justifique ou não a indica-
cky, de Blum [8], Patte Noire, além do Teste de ção de intervenção terapêutica;
Atitudes Familiares, de Jackson, o Pickford Pro- b) classificação de distúrbios de comporta-
jective Pictures [9], e, mais recentemente, Con- mento, com levantamento de freqüências re-
stantino e colegas desenvolveram o Tell Me A lativas, conforme Fabbiani [15], segundo crité-
Story Test, TEMAS [10], com personagens his- rios de Pérez-Ramos;
pano-americanos e negros, em situações con- c) atribuição de escores às respostas, con-
flituosas, para uso com minorias [2]. forme um sistema, baseado na complexidade
crescente da capacidade infantil de organizar
as ações numa sucessão temporal, o qual,
Descrição embora criado com objetivos de pesquisa, per-
mite detectar desvios no desenvolvimento [12];
O CAT-A, com figuras animais, e o CAT-H, com d) o referencial de análise, proposto por
figuras humanas, são testes projetivos, aper- Tardivo [16], com base em pressupostos kleini-
ceptivos, temáticos, verbais, constituídos, cada anos.
PSICODIAGNÓSTICO – V 213
sensível que as Fábulas para a investigação do rão Preto, SP: XX Reunião Anual de Psicologia da
conflito edípico, típico dessa fase de desenvol- Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto.
12. Cunha, J.A., Nunes, M.L.T., Werlang, B.G., Oliveira,
vimento [22]. M.S., & Wagner, A. (1993). CAT e a avaliação da
6. Numa revisão das referências bibliográ- qualidade projetiva das respostas. In J.A. Cunha et
ficas de 100 artigos que relatavam pesquisas alii. Psicodiagnóstico-R. 4.ed.rev. (p.265-270). Por-
utilizando instrumentos psicológicos, em revis- to Alegre: Artes Médicas.
tas científicas estrangeiras de 1988 e 1989, não 13. Cunha, J.A., & Werlang, B.G. (1991). Respostas ao
CAT-A em 180 pré-escolares. Ribeirão Preto, SP: XXI
se encontrou qualquer citação do CAT [23]. Reunião Anual de Psicologia.
Contudo, os estudos recém-referidos sugerem 14. Haworth, M.R. (1966). The CAT: facts about fan-
a importância da realização de pesquisas com tasy. New York: Grune & Stratton.
esta técnica, não só para identificar respostas 15. Fabbiani, D. (1966). Teste de apercepción temática
usuais e sua utilidade clínica em diferentes fai- para niños (CAT). In A.M. Queiroz & Pérez-Ramos,
A.M.Q. Psicología clínica: técnicas de diagnóstico
xas etárias, como para examinar o efeito de (p.277-296). Caracas: Mediterráneo.
diferentes fatores sobre as respostas. Também 16. Tardivo, L.S.P.C. (1998). O Teste de Apercepção In-
parecem recomendáveis estudos do CAT-A e do fantil e o Teste das Fábulas de Düss: respostas típi-
CAT-H, em amostras de crianças brasileiras, cas da população brasileira e aplicações no contex-
para determinar a utilidade de cada uma des- to das técnicas projetivas. São Paulo: Vetor.
17. Kagan, J. (1976). Técnicas de apercepción temática
sas versões. aplicada a niños. In A.J. Ranin & M.R. Haworth, Ed.
Técnicas proyectivas para niños (p.116-135). Bue-
nos Aires: Paidós.
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Buenos Aires: Nueva Visión. 22. Cunha, J.A., & Werlang, B.G. (1990). Investigação
6. Bellak, L., & Hurvich, M.S. (1966). A human modifi- do conflito edípico através de duas técnicas proje-
cation of the Children’s Apperception Test (CAT). J. tivas. Ribeirão Preto, SP: XX Reunião Anual de Psi-
Proj. Tech. & Pers. Assess., 30, 3, 228-242. cologia da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto.
7. Bellak, L., & Adelman, C. (1966). El Test de Aper- 23. Cunha, J.A., & Nunes, M.L.T. (1992). Referências
cepción Infantil (CAT). In A.J. Rabin & M.R. Hawor- bibliográficas: uma questão crítica. Revista de Psi-
th, Ed. Técnicas proyectivas para niños (p.65-90). cologia, 9/10, 1/2, 29-37.
Buenos Aires: Paidós.
8. Blum, G.S. (1966). El Teste de “Blacky” aplicado a
niños. In A.J. Rabin & M.R. Haworth, Ed. Técnicas OUTRAS FONTES BIBLIOGRÁFICAS
proyectivas para niños (p.107-15). Buenos Aires:
Paidós. Bell, J. (1964). Técnicas proyectivas. 2. ed. Buenos Ai-
9. Anzieu, D. (1981). Os métodos projetivos. 3.ed. Rio res: Paidós.
de Janeiro: Campus. Bellak, L., & Bellak, S.S. (1972). Teste de Apercepción
10. Constantino, G., Malgady, R.G., & Rogler, L.H. Infantil con figuras humanas (CAT-H). Manual. Bue-
(1988). Technical manual: the TEMAS thematic nos Aires: Paidós.
apperception test. Los Angeles, CA: Western Psycho- Bellak, L., & Hurvich, M.S. (1966). Test de Apercepción
logical Services. Infantil con figuras humanas. In A.J. Rabin & M.R.
11. Cunha, J.A., Nunes, M.L.T., & Werlang, B.G. (1990). Haworth, Ed. Técnicas proyectivas para niños. Bue-
As respostas ao CAT-A na faixa pré-escolar. Ribei- nos Aires: Paidós.
PSICODIAGNÓSTICO – V 215
de acertos, é interpretado pelo uso de tabelas 4. Cunha, J.A., Nunes, M.L.T. & Oliveira, M.S. (1990).
adequadas à idade. Escala de Competência Social e Escala Columbia de
Maturidade Intelectual: estudo da fidedignidade e
correlação entre os instrumentos. Ribeirão Preto,
SP: XX Reunião Anual de Psicologia da Sociedade
Indicações de Psicologia de Ribeirão Preto.
Comentários
COMPLETAMENTO DE SENTENÇAS
1. Embora considerado pelas autoras como
uma medida de raciocínio geral ou de maturi- Dados históricos
dade mental, tem sido mais indicado como um
teste de triagem intelectual para selecionar Completamento de Sentenças é um teste ins-
crianças a serem submetidas a uma avaliação pirado no método de associação de palavras.
intelectual completa [2]. Teve sua origem no pensamento original de
2. Ainda que esses autores citados achem Galton (1885), desenvolvido mais tarde por
que a exigência de administração de mais de Jung, Rapaport e outros, para medir inicialmen-
50 itens seja muito frustrante para crianças te variáveis intelectuais e, depois, identificar
pequenas, a nossa experiência de pesquisa, já perturbações que podem ter significação pa-
com mais de 400 administrações em pré-esco- tológica [1].
lares, revela que o instrumento tem muito boa Os pioneiros na utilização do completamen-
aceitação, sendo raras as crianças que se quei- to de sentenças, como instrumentos de avalia-
xam de fadiga ou se recusam a continuar na ção da personalidade, foram Binet, Payne
primeira metade do teste. (1928), Tendler (1930), Rhode e Hildreth (1940)
3. Quando a terceira edição ainda se en- e Stein e Rotter (1947), tornando-se um méto-
contrava em fase de padronização no Brasil, do largamente difundido e popular por suas
realizamos um estudo de fidedignidade (mé- características de flexibilidade e economia, ten-
todo das duas metades), sendo estimado um do proliferado em várias formas, com os mais
coeficiente de 0,96 [4], mais elevado que os diversos objetivos. Por vezes, é considerado
valores de 0,85 a 0,90, verificados em alguns como um teste ou como um método projeti-
estudos revisados por Perlman e Kaufman [1]. vo, dependendo de critérios psicométricos uti-
lizados ou não e da forma específica usada [2],
sendo que, em algumas formas, os itens se
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS apresentam como estímulos projetivos simples
e, em outras, quase se assemelham a um ques-
1. Burgemeister, B.B., Blum, L.H. & Lorge, I. (1972). tionário, levando a respostas mais diretas [3].
Columbia Mental Maturity Scale. 3.ed. San Anto-
nio, TX: Psychological Corporation.
A forma específica, identificada como SSCT
2. Perlman, M.D. & Kaufman, A.S. (1990). Assessment (Sacks Sentence Completion Test), foi idealiza-
of child intelligence. In G. Goldstein & M. Hersen, da por Sacks e outros psicólogos do Veterans
Ed. Handbook of psychological assessment. 2.ed. Administration Mental Hygiene Service, em
(p.59-78). New York: Pergamon Press. New York, para uso clínico. Desde que surgiu,
3. Cunha, J.A. (1992). Problemas na avaliação de crian-
ças na fase pré-escolar. Madrid: Congresso Ibero-
em 1950, foi sendo submetido a uma série de
Americano de Psicologia. investigações para a formulação e substituição
Descrição
Indicações
O Teste de Completamento de Sentenças, de
Joseph Sacks e outros, consta de 60 itens ou 1. Investigação do conteúdo e dinâmica de
de frases incompletas que o sujeito deve com- atitudes e sentimentos para identificação de:
pletar, geralmente com a recomendação de que a) principais áreas de conflito e perturbação;
o faça na maior rapidez possível, e que lhe dão b) inter-relação entre atitudes; e
oportunidade de expressar atitudes e sentimen- c) levantamento de dados sobre aspectos
tos ou, eventualmente, de produzir material de personalidade, como: interesses, nível de
diretamente informativo em quatro áreas ou atividade, adaptação emocional, nível de reali-
categorias representativas de adaptação: famí- dade, maneira de expressão de conflitos, etc.
lia, sexo, relações interpessoais e conceito de 2. Técnica auxiliar no diagnóstico.
si mesmo. As quatro áreas são divididas em 3. Triagem.
quinze subcategorias de conteúdo significati-
vo, cada uma das quais representada por qua-
tro itens. Comentários
O material extraído do SSCT pode revelar
conteúdos possivelmente oriundos de diferen- 1. Conforme Baker [6], no caso de testa-
tes instâncias da personalidade [4], cujo con- gem coletiva, a técnica oferece a cada sujeito
teúdo é analisado. “a melhor oportunidade de expressar idéias e
Tanto o modelo do protocolo do teste como sentimentos, em suas próprias palavras, e isso
o de avaliação (ou folha de apreciação) são inclui sua gramática, ortografia e escrita do pró-
apresentados na bibliografia específica. Geral- prio punho”.
mente, os psicólogos costumam tirar cópias 2. Na realidade, pode ser considerado mais
mimeografadas do modelo, já que as instru- como “uma técnica ou um método” do que
ções-padrão prevêem que o estímulo seja lido como um instrumento único [7], embora haja
pelo sujeito, embora o teste possa ser usado formas específicas, até comercializadas.
oralmente [3]. 3. O método é bastante sensível para a ava-
liação da severidade de transtornos psicopa-
tológicos; todavia, em casos leves, as respos-
Administração tas podem depender dos propósitos do exame
[2], da imagem que o sujeito pretende dar, de
Forma: individual ou coletiva. sua colaboração ou do rapport que estabele-
Tempo: variável, no máximo de 30 a 50 ceu com o examinador [3], sendo praticamen-
minutos. te impossível controlar a censura das respos-
Manejo: existem muitos métodos de esco- tas (por simulação ou defensividade) do exa-
re que podem ser aplicados ao SSCT especial- minando.
mente em caso de triagem ou pesquisa; comu- 4. Além de ser uma técnica de administra-
mente, é utilizada uma escala de 4 pontos [2] ção rápida e econômica, exige menos experiên-
ou de 3 pontos [4], conforme a ausência ou cia e treinamento específico, mas pode envol-
presença mais intensa ou não de indícios de ver o alto grau de subjetivismo na interpreta-
conflito e/ou ansiedade; no caso individual; ção, que evidentemente é menor se for usado
com freqüência, o psicólogo simplesmente exa- um processo escalar de avaliação.
PSICODIAGNÓSTICO – V 217
5. A possibilidade de inquérito suplemen- 5. Van Kolck, O.L. (1975). Técnicas de exame psicoló-
tar sobre respostas especialmente significati- gico e suas aplicações no Brasil. Testes de persona-
lidade. Petrópolis, RJ: Vozes.
vas ou obscuras pode ser muito esclarecedora 6. Baker, G. (1970). Post-diagnostic use of the Ror-
e diminui a necessidade de supervisão, mas schach. In B. Klopfer et alii. Developments in the
permanecendo a análise em nível menos pro- Rorschach Technique. V.III (p.321-384). New York:
fundo, mesmo porque, conforme Symonds, Harcourt, Brace & Jovanovich.
citado por Sacks e Levy, “a interpretação do 7. Lanyon, R.I., & Goodstein, L.D. (1982). Personality
assessment. New York: Wiley & Sons.
completamento de frases, como projeção, é 8. Pope, B., & Scott, W.H. (1967). Psychological diag-
duvidosa, questionável, hipotética, está na or- nosis in clinical practice. New York: Oxford Univer-
dem da conjetura e da suposição” [4]. sities Press.
6. Apresenta bom grau de estrutura e focali- 9. Anzieu, D. (1981). Os métodos projetivos. 3.ed. Rio
zação, podendo-se dizer que é, conforme Forer, de Janeiro: Campus.
citado por Pope e Scott, “um recurso projetivo
controlado” [8], mas, em conseqüência, é muito OUTRA FONTE BIBLIOGRÁFICA
menos dinâmico que o Rorschach ou o TAT [2].
7. É indiscutivelmente uma vantagem a Cunha, J.A. (1993). Completamento de sentenças. In
possibilidade de administração oral não só em J.A. Cunha et alii. Psicodiagnóstico-R. 4.ed.rev.
(p.355-365). Porto Alegre: Artes Médicas.
casos de comprometimento motor e visual,
como com pessoas ansiosas e, principalmen-
te, para estudos da reação a itens específicos
(determinação de tempo de reação e identifi-
DESENHO DA FAMÍLIA
cação de outras manifestações de comporta-
mento não-verbal, como bloqueio, rubor, mo-
Dados históricos
dificações da expressão facial, etc.).
8. Anzieu, ao analisar o Teste de Completa-
Parece não haver inteira concordância, na lite-
mento de Frases de Stein, refere que, para a
ratura, sobre a autoria do Desenho da Família
interpretação, é necessário realizar um inqué-
como instrumento de avaliação. Widlöcher [1]
rito individual aprofundado, além de uma
refere que, em 1931, Appel já utilizara o dese-
anamnese prévia [9]. Parece que também a in-
nho da casa, de uma família e de animais para
terpretação do Sacks deveria pressupor uma
o estudo da personalidade infantil, e, de fato,
entrevista prévia sobre a história pregressa e
tal autor publicou um artigo a respeito [2]. Cita,
atual, de forma que o inquérito suplementar
a seguir, o interesse pela técnica, em 1937, e
poderia ser realizado, de maneira mais escla-
Groth-Marnat [3] registra um trabalho de Wolff
recedora, relacionando as respostas com os
[4], em 1942. Mas parece que o instrumento
dados da história do paciente.
foi melhor desenvolvido por Hulse [5], em 1951,
embora Ortega [6] refira um trabalho de Po-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS rot, quase concomitante, em 1952, que pro-
pôs a sistematização desse tipo de desenho,
1. Pichot, P. (1949). Les tests mentaux en psychiatrie. analisando a composição da família, a valori-
Paris: Presses Univesitaires de France. zação ou desvalorização de seus membros e a
2. Goldberg, P.A. (1965). A review of sentence com-
posição relativa da criança em relação a eles.
pletion methode in personality assessment. J. Proj.
Tech. & Pers. Assess., 29, 1, 7-45. Entretanto, pode-se afirmar que a técnica al-
3. Carr, A.C. (1975). Psychological testing of intelligen- cançou especial popularidade nas décadas de
ce and personality. In A.M. Freedman, H.I. Kaplan & 60 e 70, pelo desenvolvimento e incremento
B.J. Sadock, Ed. Comprehensive textbook of psychi- da terapia familiar [3].
atry. V.2 (p.736-757). Baltimore, MD: The Williams
Há referências, também, a trabalhos de La-
& Wilkins.
4. Sacks, J.M., & Levy, S. (1967). El test de frases in- wton e Reznokoff, em 1962, de Lawton e Se-
completas. In L.E. Abt & L. Bellak. Psicología proyec- chrest, no mesmo ano, de Harris [7], em 1963,
tiva (p.205-225). Buenos Aires: Paidós. e de Koppitz, em 1968. Conforme Klepsch e
PSICODIAGNÓSTICO – V 219
afetivos, pelo que os desenhos apresentam di- 13. Hammer, E.F. (1991). Aplicações clínicas dos dese-
ferenças quantitativas e qualitativas. Groth- nhos projetivos (p.294-333). São Paulo: Casa do Psi-
cólogo.
Marnat [15] faz observações no mesmo senti- 14. Di Leo, J.H. (1987). A interpretação do desenho in-
do, alertando que “a dinâmica envolvida nos fantil. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas.
dois procedimentos é completamente diferen- 15. Groth-Marnat, G. (1984). Handbook of psycholo-
te”. Assim, ambos os autores recomendam que gical assessment. New York: Van Nostrand Reinhold.
o desenho da figura humana, usado na repre-
sentação da família, nunca seja utilizado para Outras fontes bibliográficas
a estimativa do nível intelectual do sujeito.
3. Há, na literatura específica, muitas pro- Burns, R.C., & Kaufman, S.H. (1978). Los dibujos kinéti-
postas de análise e de interpretação da técni- cos de la familia como técnica proyectiva. Buenos
ca, sob enfoque psicodinâmico, mas com ên- Aires: Paidós.
Campos, D.M. (1977). O teste do desenho como ins-
fase em aspectos diferentes. Tal diversidade tem trumento do diagnóstico da personalidade. Petró-
sido objeto de críticas sobre a validade do tes- polis, RJ: Vozes.
te, salientando-se a necessidade de pesquisas
que garantam a cientificidade do instrumen-
to, apesar de já terem sido divulgados vários
sistemas de escore. DESENHO DA FIGURA HUMANA (1)
Dados históricos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Comentário
Descrição
1. Tais sistemas de escore se baseiam na pre-
O teste de Goodenough incluía instruções para sença ou não de aspectos formais e estrutu-
o examinador solicitar à criança o desenho de rais do desenho e, assim, parecem mais apro-
um homem. Seu livro descrevia os 51 itens con- priados quando a representação da figura hu-
siderados na avaliação, com exemplos ilustra- mana é produzida de maneira convencional, o
tivos, para facilitar o escore. A presença de cada que começa a ocorrer por volta dos 5 anos de
item recebia o escore de um ponto, com nor- idade [10]. Dessa maneira, exceto pelo teste
mas dos 3 aos 15 anos e 11 meses. de Goodenough, existe escasso embasamen-
Na revisão de Harris, solicita-se o desenho to, na literatura, para a avaliação de desenhos
de um homem, de uma mulher e, por último, da figura humana em idade inferior a 5 anos,
do próprio sujeito testado. A escala utilizada exceto por um enfoque fundamentado na im-
para avaliar o desenho do homem é constituí- pressão global [11], conforme a ordem do apa-
da por 73 itens, e, da mulher, por 71 itens. Há recimento de determinados tipos de represen-
escalas separadas para avaliar desenhos de tação gráfica da figura humana, ao longo do
meninos e meninas. Não há normas para o ter- desenvolvimento [12].
ceiro desenho.
Na forma de Koppitz, é solicitado o dese-
nho de uma pessoa inteira. Avalia-se a presen- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ça de cada um dos 30 itens, mas são conside-
radas as omissões de itens esperados, como 1. Di Leo, J.H. (1984). Interpretação dos desenhos in-
também a presença de itens excepcionais como fantis. Porto Alegre: Artes Médicas.
2. Klepsch, M., & Logie, L. (1984). Crianças desenham
sinais importantes de imaturidade ou de ma- e comunicam. Porto Alegre: Artes Médicas.
turidade mental, respectivamente. 3. Goodenough, F. (1926). Measurement of intelligen-
No sistema de Naglieri, há normas para as ce by drawings. New York: Brace & World.
faixas etárias de 5 a 17 anos. 4. Groth-Marnat, G. (1999). Handbook of psycholo-
Em todas as formas, o sujeito recebe uma(s) gical assessment. 3.ed. New York: Wiley & Sons.
5. Harris, D.B. (1963). Children’s drawings as measu-
folha(s) de papel em branco, tamanho ofício, res of intelectual maturity: a revision and extension
lápis preto e borracha. As instruções são da- of the Goodenough Draw-A-Man test. New York:
das oralmente pelo examinador. Harcourt, Brace, & World.
PSICODIAGNÓSTICO – V 221
6. Koppitz, E.M. (1976). El dibujo de la figura humana com os desenhos, desenvolver uma escala de
en los niños. 3.ed. Buenos Aires: Guadalupe. inteligência, percebendo, então, que eram
7. Hutz, C.S., & Antoniazzi, A.S. (1995). O desenvolvi-
mento do Desenho da Figura Humana em crianças
inundados por fatores da personalidade [3].
de 5 a 15 anos de idade: normas para a avaliação. Pode-se dizer que Machover se inspirou no
Psicologia: Reflexão e Crítica, 8, 3-18. trabalho de Goodenough e desenvolveu um
8. Naglieri, J.A. (1988). Draw a Person: a quantitative conjunto de hipóteses com base na sua expe-
scoring system. San Antonio, TX: Psychological Cor- riência clínica, passando a investigá-las com
poration.
9. Wechsler, S.M. (1996). O desenho da figura huma-
pacientes adultos e adolescentes e, posterior-
na: avaliação do desenvolvimento cognitivo infan- mente, com crianças.
til. Manual para crianças brasileiras. Campinas, SP: A partir de então, proliferaram não só ver-
Editorial Psy. sões de testes gráficos que, de uma forma ou
10. Cox, M.V., & Howarth, C. (1989). The human figure de outra, incluíam a figura humana (desenho
drawings of normal children and those with severe
learning difficulties. British J. Develop. Psychol., 7,
da família, desenho de um amigo, pessoa na
333-339. chuva, etc.), como a utilização do desenho da
11. Shaffer, J.W., Duszynski, K.R., & Thomas, C.B. (1984). figura humana para estudo das variáveis espe-
A comparison of three methods for scoring figure cíficas, como medida da auto-estima [4, 5], de
drawings. J. Pers. Assess., 48, 3, 245-254. identidade étnica [5] ou de ansiedade [6, 7] e
12. Cox, M.V., & Parkin, C.E. (1986). Young children’s
human figure drawing: cross-sectional and longi-
de outras, embora muitos trabalhos apresen-
tudinal studies. Educ. Psychol., 6, 353-368. tassem resultados controvertidos [8]. Entretan-
to, o sistema de Handler, com 20 itens, a ser
usado a partir da adolescência, foi um dos que
OUTRAS FONTES BIBLIOGRÁFICAS
despertou um certo interesse através de pes-
Hammer, E.F. (1991). Aplicações clínicas dos desenhos quisas realizadas, mostrando-se aplicável em
projetivos. Rio de Janeiro: Casa do Psicólogo. crianças [8-10], embora sendo registradas crí-
Hutz, C.S., & Bandeira, D.R. (1994). Avaliação psicoló- ticas sobre a sua validade [8, 11, 12].
gica com o Desenho da Figura Humana: técnica ou
intuição? Ribeirão Preto, SP: XXIV Reunião Anual
Não obstante e lamentavelmente, muitos
de Psicologia da Sociedade de Psicologia de Ribei- psicólogos clínicos preferem não utilizar abor-
rão Preto, p.1-15. dagens com fundamentação psicométrica, ten-
Loureiro, S.R. (1996). As técnicas gráficas e suas aplica- dendo a fazer interpretações impressionistas,
ções. Ribeirão Preto, SP: Anais do I Encontro da com resultados discutíveis [2], embora seja re-
SBRO, p.11-24.
Van Kolck, O.L. (1984). Testes projetivos gráficos no
comendável uma seqüência de passos, com
diagnóstico psicológico. São Paulo: EPU. base mais científica para a interpretação.
Atualmente, existem alguns sistemas de esco-
re, com adequada fidedignidade e validade,
entre os quais podem ser citados indicadores
DESENHO DA FIGURA HUMANA (2)
de desajustamento [13], dos quais os seis pri-
Dados históricos meiros pertencem à lista de Handler [6], im-
pulsividade [14] e comprometimento cogniti-
Quase concomitantemente, Karen Machover vo (vide, p.ex., 15-17).
[1] e Buck começaram a utilizar pressupostos Por outro lado, Portuondo [18] procurou
teóricos projetivos para fazer interpretações sistematizar as hipóteses interpretativas de
sobre personalidade, a partir de desenhos. Machover, relacionando-as com determinados
Machover partiu do pressuposto de que a fi- traços, sintomas e patologias específicas, e Pic-
gura humana desenhada representava o pró- colo [19] procurou identificar indicadores psi-
prio sujeito, e o papel, o seu ambiente, enquan- copatológicos em desenhos infantis.
to Buck teorizava que, “além da significação Tanto Machover como vários outros pesqui-
atribuída à figura humana, as pessoas também sadores se basearam mais em dados qualitativos
emprestam sentido a casas e árvores” [2]. Isso do desenho, sem “nenhum sistema de tabula-
ocorreu após um período em que procurava, ção, nem dados controlados a partir de investi-
PSICODIAGNÓSTICO – V 223
la, considerando as hipóteses projetivas subja- 16. McLachlan, J.F.C., & Head, V.B. (1974). An impair-
centes. Groth-Marnat [2] chama a atenção de ment rating scale for human figure drawings. J. Clin.
Psychol., 30, 405-407.
que o desenho da figura humana que o sujeito 17. Mitchell, J., Trent, R., & McArthur, R. (1993). Hu-
faz pode ser uma representação real de si pró- man Figure Drawing Test: an illustrated handbook
prio, de uma imagem idealizada de si mesmo, for clinical interpretation and standardized assess-
de seu “self temido” ou, ainda, pode resultar ment of cognitive impairment. Los Angeles: Wes-
“da percepção que tem de pessoas de seu tern Psychological Services.
18. Portuondo, J.A. (1973). Test proyectivo de Karen
ambiente”. Machover. 2.ed. Madrid: Biblioteca Nueva.
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Descrição Comentário
PSICODIAGNÓSTICO – V 225
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3. Russell, M. & Karol, D. (1999). 16 PF® quinta edi-
ção. Manual. Rio de Janeiro: CEPA.
Forma: coletiva (todos os membros da famí-
4. Cattell, R.B., & Eber, H.W. (1968). 16 PF, manual lia).
abreviado, formas A e B. Rio de Janeiro: CEPA. Tempo: 30 a 90 minutos.
Manejo: são utilizadas escalas de avaliação
de 7 pontos das dimensões, cujos extremos são
OUTRAS FONTES BIBLIOGRÁFICAS
descritos por adjetivos, associados com a pro-
Burger, G.K., & Kabacoff, R.J. (1982). Personality types moção ou não de saúde emocional nas rela-
as measured by the 16 PF. J. Pers. Assess., 46, 2, ções familiares.
175-180.
Cattell, R.B., & Eber, H.W. (1968). 16 PF, manual abre-
viado, formas A e B. Rio de Janeiro: CEPA.
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Indicação
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Hersen, Ed. Handbook of psychological assessment. 1. Avaliação das relações familiares facilita-
2.ed. (p.541-546). New York: Pergamon Press. doras ou não de saúde emocional.
Comentário
EFE – ENTREVISTA FAMILIAR ESTRUTURADA
1. Trata-se de uma técnica diagnóstica com
Dados históricos boas qualidades psicométricas, que, embora
venha sendo mais utilizada em trabalhos de
A primeira versão da EFE foi criada por Terezi- pesquisa, é bastante promissora para a avalia-
nha Féres-Carneiro, em 1975 [1], passando por ção da dinâmica familiar em estudo de caso
uma reformulação e adaptação no final da individual. Peçanha [7], em seu trabalho, fez
mesma década [2] e, por fim, sendo objeto de um estudo de dez crianças asmáticas, discu-
estudos de fidedignidade e validade pela pró- tindo, caso por caso, a dinâmica familiar.
pria autora [3]. Trata-se de um método de ava-
liação das relações familiares, o primeiro mé- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
todo de avaliação familiar desenvolvido no Bra-
sil [4]. Anteriormente, eram utilizadas técnicas 1. Féres-Carneiro, T. (1975). Um novo instrumento clí-
projetivas com esse fim [5, 6]. Posteriormente, nico de avaliação das relações familiares. Rio de
Janeiro: PUC/Rio (Dissertação de mestrado).
Peçanha [7] desenvolveu critérios para a ava- 2. Féres-Carneiro, T. (1979). Reformulação da Entre-
liação de itens da EFE. vista Familiar Estruturada. São Paulo: PUC/SP; Rio
de Janeiro: PUC/Rio (Inédito).
3. Féres-Carneiro, T. (1981). Entrevista Familiar Estru-
turada: sua consistência, validade e aplicabilidade
Descrição em psicologia clínica. São Paulo: PUC/SP (Tese de
doutorado).
Na entrevista com todos os membros da família, 4. Féres-Carneiro, T. (1993). Avaliação da família. In
são propostas seis tarefas pelo entrevistador, que J.A. Cunha et alii. Psicodiagnóstico-R. 4.ed.rev.
(p.130-134). Porto Alegre: Artes Médicas.
coordena a sessão, sendo solicitada a participa-
5. Ceverny, C.M.O. (1982). O Scenotest como instru-
ção de cada um. Além da sessão ser gravada, um mento de investigação das relações familiares, no
observador faz anotações sobre o comportamen- processo psicodiagnóstico com crianças e adoles-
to de cada um dos membros da família. As di- centes. São Paulo: PUCSP (Dissertação de mestrado).
mensões a serem avaliadas são: comunicação, 6. Winter, W.D. & Ferreira, A.J. (1965). Story sequence
analysis of family TAT’s. J. Proj. Techn., 29, 392-397.
regras, papéis, liderança, conflitos, manifestação
7. Peçanha, D.L. (1997). A reciprocidade do desenvol-
da agressividade, afeição física, interação conju- vimento entre a criança com asma e sua família.
gal, individualização, integração, auto-estima. São Paulo: USP (Tese de doutorado).
PSICODIAGNÓSTICO – V 227
Administração 4. Beck, A.T., Rush, A.J., Shaw, B.F., & Emery, G. (1982).
Terapia cognitiva da depressão. Rio de Janeiro:
Zahar.
Forma: auto-administrada ou oral. 5. Glang, I.M., Haas, G.L., & Sweeney, J.A. (1995). As-
Tempo: 5 a 10 minutos, embora pacientes sessment of hopelessness in suicidal patients. Clin.
obsessivos graves possam levar 15 minutos. Psychol. Rev., 15, 1, 49-64.
Manejo: obtém-se o escore total através da 6. Steer, R.A., Iguchi, M.Y., & Platt, J.J. (1994). Hope-
soma dos escores das respostas aos itens indi- lessness in IV drug users not in treatment and se-
eking HIV testing and counseling. Drug & Alc. Dep.,
viduais, classificando o resultado conforme o 34, 99-103.
nível de desesperança, que pode ser mínimo 7. Minkoff, K., Bergman, E., Beck, A.T., & Beck, R.
(0-4), leve (5-8), moderado (9-13) ou grave (14- (1973). Hopelessness, depression and attempted
20), de acordo com as normas brasileiras para suicide. Am. J. Psych., 130, 4, 455-459.
uso com pacientes psiquiátricos, sendo espe- 8. Cunha, J.A., & Werlang, B.G. (1996). Um estudo com
a Escala de Desesperança de Beck em grupos clíni-
cialmente importante, do ponto de vista clíni- cos e não-clínicos. Psico, 27, 2, 189-197.
co, o escore de 9 ou mais, que, em pacientes 9. Beck, A.T., Steer, R.A., Beck, J.S., & Newman, C.F.
deprimidos, pode aconselhar a avaliação de ris- (1993). Hopelessness, depression, suicidal ideation
co de suicídio [22]. and clinical diagnosis of depression. Suicide Life-
Threat. Behavior, 32, 2, 139-145.
10. Beck, A.T., Steer, R.A., Kovacs, M., & Garrison, B.
(1985). Hopelessness and eventual suicide: a 10-
Indicações year prospective study of patients hospitalized
with suicide ideation. Am. J. Psych., 142, 559-
1. Avaliação do pessimismo ou de expecta- 563.
tivas negativas frente ao futuro em pacientes 11. Beck, A.T., Steer, R.A., & Shaw, B.F. (1984). Hopeles-
sness and alcohol-and heroin-dependent women.
psiquiátricos. J. Clin. Psychol., 40, 2, 602-606.
2. Triagem de atitudes pessimistas em ado- 12. Beck, A.T., Steer, R.A., & Trexler, L.D. (1989). Alco-
lescentes e adultos normais. hol abuse and eventual suicide: a 5– to 10-year pros-
pective study of alcohol-abusing suicide attempts.
J. Stud.Alc., 50, 3, 202-207.
13. Weishaar, M.C., & Beck, A.T. (1992). Hopelessness
Comentário and suicide. Int. Rev. Psych., 4, 2, 177-184.
14. Nekanda-Trepka, C.J., Bishop, S., & Blackburn, I.M.
1. Os resultados de pesquisa indicam que (1983). Hopelessness and depression. Brit. J. Clin.
o instrumento parece ser mais útil em gru- Psychol., 22, 1, 49-60.
pos clínicos do que em não-clínicos [8], por- 15. Emery, G.D., Steer, R.A., & Beck, A.T. (1981). De-
pression, hopelessness, and suicidal intent among
que, em não-pacientes, as respostas tendem heroin addicts. In. J. Add., 16, 3, 452-459.
a serem influenciadas por um traço de dese- 16. Wetzel, R.D., Margulies, T., Davis, R., & Karam, E.
jabilidade social [1] e porque o instrumento (1980). Hopelessness, depression, and suicidal in-
é pouco sensível em níveis baixos de deses- tent. J. Clin. Psychol, 41, 5, 159-160.
perança. 17. Cunha, J.A., Argimon, I.L., & Oliveira, M.S. (1995).
Depressão, desesperança e ideação suicida em al-
coolistas. Belo Horizonte: XI Congresso Brasileiro
de Alcoolismo e Outras Dependências.
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sment in depression: a comparison of existing me- constructo desesperança. Porto Alegre: Anais do VII
asures. Eur. J. Psychol. Assess., 8, 1, 47-56. Encontro Nacional sobre Testes Psicológicos e I Con-
PSICODIAGNÓSTICO – V 229
obtido autorização para pesquisa com o ins- 2. Beck, A.T., Steer, R.A., Kovacs, M., & Garrison, B.
trumento, desenvolvemos estudos sobre as (1985). Hopelessness and eventual suicide: a 10-
year prospective study of patients hospitalized with
propriedades psicométricas de uma versão em suicide ideation. Am. J. Psych., 142, 559-563.
português do BSI, já divulgado. 3. Beck, A.T., Rush, A.J., Shaw, A.F., & Emery, G. (1982).
Terapia cognitiva da depressão. Rio de Janeiro: Zahar.
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Administração help. New York: McGraw-Hill.
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sis and management. Boston, MA: Little, Brown & Co.
Forma: individual e oral (quando se pressu- 6. Shneidman, E.S., Ed. (1967). Essays in self destruc-
põem problemas de compreensão verbal), in- tion. New York: Science House.
dividual e auto-administrada ou coletiva. 7. Cunha, J.A. (2001). Manual da versão em portu-
Tempo: geralmente, de 5 a 10 minutos (se guês das Escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicó-
logo.
auto-administrada) ou 10 minutos (se oral).
Manejo: a) verifica-se a presença de qual-
quer escore diferente de zero em qualquer dos OUTRAS FONTES BIBLIOGRÁFICAS
primeiros cinco itens, para concluir pela pre-
sença ou não de ideação suicida; b) somam-se Cunha, J.A., Argimon, I.L., & Oliveira, M.S. (1995). De-
pressão, desesperança e ideação suicida em alcoo-
os escores dos 19 primeiros itens, podendo-se listas. Belo Horizonte: XI Congresso Brasileiro de
avaliar a gravidade da intenção suicida; c) os Alcoolismo e Outras Dependências.
escores nos dois últimos itens (20 e 21) não Cunha, J.A., Argimon, I.L., & Oliveira, M.S. (1996). Aná-
entram no cômputo total, fornecendo apenas lise da capacidade de instrumentos de auto-relato
informações adicionais. de discriminarem grupos de alcoolistas com e sem
ideação suicida. Gramado, RS: XVIII Jornada Sul-Rio-
grandense de Psiquiatria Dinâmica.
Cunha, J.A., Argimon, I.L., & Oliveira, M.S., & Werlang,
Indicações B.G. (1997). Depressão, ansiedade, desesperança,
ideação suicida: medida e pesquisa (mesa-redon-
1. Identificação da presença ou não de idea- da). Porto Alegre: VII Encontro Nacional sobre Tes-
ção suicida. tes Psicológicos e I Congresso Ibero-Americano de
2. Avaliação da intensidade (gravidade) da Avaliação Psicológica.
ideação suicida, portanto, do risco de suicídio. Cunha, J.A., Argimon, I.L., & Oliveira, M.S. (1997). A
avaliação do potencial suicida em dependentes de
substâncias. São Paulo: XXVI Congresso Interame-
Comentário ricano de Psicologia.
Cunha, J.A., Oliveira, M.S., Touguinha, L.A., Martins,
1. Sendo uma medida de auto-relato, o pa- M.L., Trentini, C.M. & Christ, H.D. (1995). Depres-
são, pessimismo e ideação suicida em alcoolistas.
ciente pode esconder suas verdadeiras inten- Psico, 26, 2, 133-152.
ções. Em razão disso, os autores sugerem que Cunha, J.A., Werlang, B.G. & Fin, J.N. (1997). Estu-
a BSI seja utilizada juntamente com o BDI e a dos sobre algumas variáveis preditoras de idea-
BHS, para se avaliar melhor sintomas de de- ção suicida em pacientes com história de tentati-
pressão e desesperança, que podem contribuir va de suicídio. Florianópolis: VI Jornada de Psi-
quiatria da Região Sul, VI Jornada Catarinense de
para o esclarecimento do estado atual do pa- Psiquiatria e Encontro de Psiquiatria do MERCO-
ciente. Entretanto, os autores também são cla- SUL.
ros em afirmar que a BSI não substitui a avalia-
ção clínica de um especialista.
FIGURAS COMPLEXAS DE REY
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Dados históricos
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de Ideation. Manual. San Antonio, TX: Psychologi- Na década de 40, André Rey propôs um novo
cal Corporation. teste, que constava da cópia e reprodução de
PSICODIAGNÓSTICO – V 231
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Psychiatric Press.
Descrição
PSICODIAGNÓSTICO – V 233
ção da escala A-estado (forma x-1) e, em se- ma a atenção de que dependem do que as
gundo lugar, a escala A-traço (forma x-2). pessoas desejem e “de que sejam capazes de
As categorias escalares para A-estado são as descrever corretamente seus próprios senti-
seguintes: 1. Absolutamente não; 2. Um pouco; mentos e comportamentos”, o que salienta a
3. Bastante; 4. Muitíssimo. As categorias escala- importância do estabelecimento de um bom
res para A-traço são: 1. Quase nunca; 2. Às ve- rapport.
zes; 3. Freqüentemente; 4. Quase sempre. 2. Apesar da facilidade e brevidade da admi-
O material é distribuído pelo CEPA e consta nistração, para que o sujeito seja capaz de des-
de manual e protocolo, denominado Questio- crever como se sente, é necessário que seu nível
nário de auto-avaliação. intelectual seja, no mínimo, médio inferior [1].
Pode ser utilizado com adolescentes e adul- 3. Várias pesquisas foram realizadas para
tos. verificar se as duas escalas estariam “medindo
dimensões separadas de ansiedade”, em vista
da alta correlação entre as mesmas. Ramanai-
Administração ah e colegas [2] confirmaram a hipótese de que
essa correlação elevada fosse “devida à pre-
Forma: individual ou coletiva. sença de itens com baixa saturação de conteú-
Tempo: não há tempo limite; o tempo va- do nessas escalas” e recomendam que seja in-
ria principalmente conforme o nível de escola- cluída alguma medida nesse sentido quando o
ridade e as condições emocionais, sendo ne- instrumento sofrer uma revisão.
cessários de 6 a 12 minutos aproximadamente 4. Pesquisas demonstraram que sujeitos
para cada escala individual, e de 15 a 20 minu- com resultados elevados na A-traço tendem a
tos, aproximadamente, para ambas as escalas; maior elevação na A-estado em situações de
em aplicações subseqüentes, o tempo é menor. estresse e, portanto, podem sofrer interferên-
Manejo: para atribuir o escore, é necessá- cias no desempenho de outros testes. Spiel-
rio identificar previamente quais os itens que berger [5] salienta que “as diferenças indivi-
devem ser contados diretamente e quais os que duais, na disposição de manifestar estados de
se deve inverter (há 10 itens que devem ser ansiedade, variam de uma situação estresssan-
contados inversamente na escala A-estado e 7 te para outra”.
na escala A-traço); obtidos os escores para cada 5. La Rosa [6] desenvolveu uma investiga-
item, estes são somados e, determinada a ção, analisando efeitos dos fatores sexo e ní-
amostra normativa mais apropriada, consulta- vel socioeconômico sobre as médias, em estu-
se a tabela, localizando-se o escore bruto ob- dantes de primeiro, segundo e terceiro graus.
servado e obtendo-se o escore “T”, ou a or- Em relação à ansiedade-estado, observou-se
dem percentílica correspondente, sendo que, que nível socioeconômico suscita diferenças
com folhas de resposta IBM, a avaliação pode significantes entre as médias no sexo femini-
ser feita por meio do computador. no, mas não no masculino.
PSICODIAGNÓSTICO – V 235
Comentário econômico e grau de instrução. Pode-se consi-
derar, portanto, que o INV, como medida de
1. Ollendick e Greene [3] afirmam que uma das inteligência geral (fator “g”), foi uma das téc-
vantagens do IDATE-C é de que “a escala de nicas melhor padronizadas no Brasil. Atualmen-
ansiedade-estado é delineada de tal maneira te, está sendo iniciado um estudo para a atua-
que podem ser determinadas as respostas a lização de normas para adolescentes [1].
situações específicas provocadoras de ansieda- Coerente com sua formação acadêmica, o
de”. Além disso, há indicações de manifesta- INV reflete o consenso do autor com as idéias
ções cognitivas, motoras e fisiológicas, impor- de Piaget, embora tal embasamento teórico
tantes numa avaliação. não tenha sido expresso de maneira formal.
Em conseqüência, Eva Nick [2] procurou de-
senvolver uma análise da estrutura do teste,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS com base na teoria piagetiana e a exemplo da
análise, feita por Sara Paín [3], do teste de
1. Biaggio, A., & Spielberger, C.D. (1983). Inventário
de ansiedade traço-estado – IDATE-C. Manual. Rio
Matrizes Progressivas de Raven. Dessa manei-
de Janeiro: CEPA. ra, aquela autora abriu perspectivas para a
2. Spielberger, C.D. (1972). Anxiety as an emotional apreciação das implicações diagnósticas dos
state. In C.D. Spielberger, Ed. Anxiety current tren- erros cometidos pelo sujeito, ampliando assim
ds in theory and research. V.1. (p.23-49). New York: a utilização clínica do teste.
Academic Press.
3. Ollendick, T.H., & Greene, R. (1990). Behavioral as-
sessment of children. In G. Goldstein & M. Hersen,
Ed. Handbook of psychological assessment. 2.ed. Descrição
(p.403-422). New York: Pergamon Press.
O INV é apresentado em três séries paralelas,
A, B e C, que podem ser utilizadas para teste e
reteste, embora a forma C, usada na pesquisa
INV nacional, seja mais indicada para sujeitos da
zona rural, conforme o Manual do CEPA, que é
Dados históricos o distribuidor do material no Brasil.
Cada uma das formas é apresentada em for-
O INV, ou Teste de Inteligência Não-Verbal, foi mato de caderno, com 60 itens, ordenados pelo
criado originalmente em 1951, por Pierre Weil, grau de dificuldade, além de itens iniciais, usa-
na Sociedade Pestalozzi do Brasil, tendo em dos como exemplos. Os itens, embora originais,
seguida sido utilizado numa pesquisa de âm- denunciaram a inspiração buscada em outros
bito nacional, com o concurso do Serviço de testes, como o de Raven, de Dearbon, etc. [2]. A
Seleção e Orientação Profissional do SENAC e forma de apresentação dos problemas asseme-
a organização de uma Comissão Nacional, en- lha-se ao teste de Raven, com séries de desenhos,
carregada do planejamento e direção geral da dos quais é omitida uma parte, que o sujeito deve
investigação. Planejada para uma amostra por identificar entre as oito figuras apresentadas
quotas, abrangendo 30.000 casos, construída abaixo do problema. Entretanto, os itens são ela-
com base no censo de 1950 do IBGE e também borados de forma mais concreta. Por outro lado,
em dados do Serviço de Estatística da Educa- além de problemas de lacunas, há itens “de in-
ção e Cultura, chegaram a ser testadas mais clusão numa classe, de analogias de figuras, de
de 25.000 pessoas e estudados os resultados seriações concretas e numéricas, de permutações
em função das seguintes variáveis, considera- e de relações espaciais” [2].
das na constituição da amostra: sexo, cor, resi- É um teste não-verbal, de papel e lápis, que
dência, idade, região do país, nacionalidade, pode ser utilizado com crianças, adolescentes
estado conjugal, alfabetização, instrução, lo- ou adultos, independentemente do nível de
cal de nascimento, atividade exercida, nível instrução e do idioma do sujeito.
PSICODIAGNÓSTICO – V 237
dantes de nível médio de Porto Alegre, através do avaliar o quanto cada um dos sintomas é apli-
teste INV, de Pierre Weil. Arq. Bras. Psic., 20, 3, 39- cável a si mesmo, numa escala de quatro pon-
44.
Cunha, J.A., & Moraes, M.I.B. (1968). Estudo diferen-
tos, de 0 a 3. O escore total é a soma dos
cial de estudantes do sexo masculino e feminino escores dos itens individuais. Portanto, o BAI
de escolas de nível médio de Porto Alegre. Bol. CEPA, é uma medida de auto-relato da intensidade
3, 39-44. da ansiedade.
Van Kolck, O.L. (1981). Técnicas de exame psicológico O BAI (manual e protocolos) é distribuído
e suas aplicações no Brasil. Testes de aptidões. Pe-
trópolis, RJ: Vozes.
por The Psychological Corporation. Tendo a
Casa do Psicólogo obtido, há alguns anos, au-
torização para pesquisa com o instrumento,
INVENTÁRIO DE ANSIEDADE DE BECK (BAI) desenvolvemos estudos sobre as propriedades
psicométricas de uma versão em português do
Dados históricos BAI, já publicada.
Segundo o manual, o uso mais apropriado
O Inventário de Ansiedade de Beck, ou Beck do BAI é com pacientes psiquiátricos, a partir
Anxiety Inventory, o BAI, foi desenvolvido por de 17 anos. Porém, o manual registra também
Beck e sua equipe [1], na Universidade de estudos realizados com adultos normais. Com
Pennsylvania, como instrumento para medir a a versão em português, foram desenvolvidos
intensidade da ansiedade. É uma medida sin- alguns estudos também com pacientes clíni-
tomática [2]. cos adultos, com universitários e com adoles-
Sempre pareceu importante a consideração centes de 12 a 17 anos.
da gravidade de sintomas de ansiedade ou
depressão e, depois que a co-morbidade pas-
sou a ser encarada com real seriedade científi- Administração
ca, com muito mais razão [3, 4]. Embora cer-
tos trabalhos previamente já tivessem chama- Forma: individual e oral (quando se pressu-
do a atenção sobre a superposição de sinto- põem problemas de compreensão oral); indi-
mas [5], com a aceitação científica da co-mor- vidual e auto-administrada; coletiva.
bidade, aumentou a importância de descrever Tempo: geralmente, de 5 a 10 minutos (se
e avaliar sintomaticamente o paciente e as ca- auto-administrado) ou 10 minutos (se oral).
racterísticas realmente distintivas das síndro- Manejo: a soma dos escores dos itens indi-
mes, bem como a natureza das relações entre viduais é a soma total, usada para classificar a
os transtornos [5-10]. Entende-se, pois, que a intensidade da ansiedade como mínima, leve,
equipe de Beck tenha tentado construir um moderada ou grave [2, 11].
instrumento que, apesar da correlação entre
depressão e ansiedade, compartilhasse o mí-
nimo possível dos sintomas de depressão [2]. Indicação
O BAI foi especificamente desenvolvido para
uso com pacientes psiquiátricos, mostrando- 1. Medida da intensidade da ansiedade.
se posteriormente também útil com a popula-
ção em geral.
Comentários
PSICODIAGNÓSTICO – V 239
No Brasil, foi levado a efeito extenso traba- Manejo: são somados os escores dos itens
lho, por nossa equipe, para desenvolvimento individuais, correspondentes à alternativa mais
de uma versão em português [7] e estudo das elevada, assinalada em cada um (no item 19, é
propriedades psicométricas do instrumento [8], atribuído escore 0, se a perda de peso é pro-
com a autorização de The Psychological Cor- posital), obtendo, assim, um escore total, que
poration e apoio da Casa do Psicólogo, sen- pode ser classificado conforme o nível de in-
do que muitas pesquisas foram conduzidas tensidade da depressão (há normas america-
em grupos clínicos e não-clínicos (vide, p.ex., nas e brasileiras, para pacientes psiquiátricos).
8-12). Na forma abreviada, o procedimento é idênti-
co, mas não consta que existam normas brasi-
leiras.
Descrição
PSICODIAGNÓSTICO – V 241
Nacional de Avaliação Psicológica. Programa e lações e alterações, que não apenas justificou
pôsters, 74. a mudança do nome do instrumento, como se
24. Scott, N.A., Hannum, T.R., & Ghrist, S.L. (1982).
pode afirmar que se apresenta como um teste
Assessment of depression among incarcerated fe-
males. J. Pers. Assess., 46, 4, 372-379.
mais promissor para o conhecimento da per-
25. Carson, R.C. (1989). Personality. Ann. Rev. Psychol., sonalidade do que o original de Edwards.
30, 227-248. O instrumento baseia-se na teoria das ne-
26. Post, R.D., Alford, C.E., Baker, N.J., Franks, E.D., cessidades básicas de Murray [2].
House, R.M., Jackson, A.M., et alii (1985). Compa-
rison of self-reports and clinician’s ratings of uni-
polar major depression. Psychol. Reports, 57, 479-
Descrição
483.
27. Berndt, D.J., Petzel, T.P., & Berndt, S.M. (1980). De-
velopment and initial evaluation of a multiscore O Inventário compreende 155 itens, que cons-
depression inventory. J. Pers. Assess., 44, 6, 396- tituem afirmações, às quais o sujeito deve res-
404. ponder, utilizando alternativas de uma escala
28. Bumberry, W., Oliver, J.M., & McClure, J.L. (1978). tipo Likert de 7 pontos. Avalia 15 dimensões
Validation of the Beck Depression Inventory in a
de personalidade, abrangendo, ainda, uma
university population using psychiatric estimates as
a criterion. J. Cons. & Clin. Psychol., 46, 1, 150-155.
escala de mentira e uma de desejabilidade so-
29. Hatzenbuehler, I.C., Parpal, M., & Matthews, L. cial, sendo, portanto, ao todo 17 fatores de
(1983). Classifying college students as depressed personalidade.
or non-depressed using the Beck Depression Inven- O material, além do manual, inclui o cader-
tory: an empyrical analysis. J. Cons. & Clin. Psychol., no de teste, a folha de resposta e a folha de
51, 3, 360-366. aplicação. É distribuído pela Casa do Psicólo-
30. Shek, A.T. (1991). Depressive symptoms in a sam-
go, de São Paulo.
ple of Chinese adolescents: an experimental study
using the Chinese version of the Beck Depression Existem normas para adultos de 16 a 60
Inventory. Int. J. Adol. Medic. & Health, 5, 1-16. anos de idade, conforme o sexo. Exige uma
31. Cunha, J.A., Prieb, R.G.G., Touguinha, L.A. & Gou- compreensão verbal correspondente ao sétimo
lart, P.M. (1996). Depressão em estudantes da nível de leitura.
PUCRS (uma pesquisa em andamento). Psico, 27,
2, 97-109.
Administração
PSICODIAGNÓSTICO – V 243
são para o diagnóstico de patologia orgânica Tempo: individual, entre 20 e 45 minutos
cerebral. (sem considerar a administração com o Ts);
coletiva, 30 minutos, no máximo.
Manejo: a soma dos pontos obtidos, den-
Descrição tro do tempo limite, constitui o escore bruto
do sujeito, que é transformado em idade men-
O teste é composto de 16 cubos de madeira, tal a partir de tabela apropriada para cálculo
medindo 2,5 cm de aresta cada um. Todos os do QI para classificar o nível de eficiência inte-
cubos apresentam faces coloridas em azul, lectual; os pontos obtidos, com acréscimo de
branco, vermelho e amarelo e duas faces bico- tempo suplementar, na administração indivi-
lores, em amarelo e azul ou em vermelho e dual, fornecem uma estimativa do potencial
branco. O material inclui um conjunto de 17 intelectual.
lâminas (mais uma para demonstração), com
desenhos geométricos dispostos em dificulda-
de crescente, que constituem os modelos em Indicações
tamanho reduzido que devem ser reproduzi-
dos com os cubos. Existe um tempo limite para 1. Medida do nível intelectual (especialmen-
cada modelo. te indicada quando há perturbações da lingua-
Além do objetivo geral de avaliação inte- gem) e do potencial intelectual.
lectual, o teste requer capacidade de organi- 2. Medida de déficits visoconstrutivos, na
zação perceptual, estruturação espacial, bem avaliação neuropsicológica, especialmente
como de análise e síntese. Exige escasso uso sensível em casos com lesões pós-centrais e
da linguagem e pode ser aplicado independen- em transtornos neurológicos degenerativos
temente de escolaridade, sendo mais recomen- [2].
dado para utilização dos 6 aos 11 anos de idade.
A forma dos Cubos de Kohs para aplicação
coletiva tem como instrumento um caderno de Comentários
10 páginas, com dois desenhos em cada uma,
excetuando a última página, que possui somen- 1. Em alguns casos de pacientes com lesões
te um desenho. Há um código no lado esquer- cerebrais que obtêm, no WAIS, um QI de exe-
do do desenho em substituição aos cubos da cução dentro dos limites normais, apesar de
forma individual. Esse código é constituído de apresentarem um escore no subteste de Cu-
12 quadros, cada um com 1 cm de lado. Qua- bos mais baixo que em outros subtestes, a ad-
tro deles são nas cores vermelha, branca, ama- ministração dos Cubos de Kohs torna óbvia a
rela e azul, cada um. Os oito demais quadros presença de déficits, associados às lesões,
são divididos por uma linha diagonal que se- quando é o caso [2].
para de duas em duas essas quatro cores. Há 2. A proposta de Xavier e Jacquemin [4] de
um desenho a mais que funciona como exem- oferecer um tempo suplementar, além do tem-
plo. Os desenhos restantes e o outro exemplo po limite, parece muito útil no diagnóstico clí-
são idênticos ao teste original. nico, não só porque a estimativa do potencial
A forma coletiva é recomendada para su- intelectual pode corroborar resultados deste e
jeitos de 8 a 13 anos de idade. de outros testes, como também porque pode
No Brasil, o CEPA edita Cubos e as figuras, lançar luz sobre casos, com hipótese de atraso
folhas de registro e manual de instrução [5]. intelectual, de crianças que podem se benefi-
ciar com um programa de estimulação para
melhoria de seu desempenho.
Administração 3. Em sua forma coletiva, há maior facilida-
de de administração, levantamento, avaliação
Forma: individual ou coletiva. e interpretação dos dados. Possibilita, outros-
PSICODIAGNÓSTICO – V 245
na repadronização para o MMPI-2 decidiu criar manual, com o uso de crivos, com exceção da
um novo instrumento, o MMPI-A, divulgado escala “?” (o escore consiste no número de
em 1992 [5]. itens com respostas omitidas ou duplas) e da
escala L (total de itens assinalados com “Erra-
do”, dentre os seguintes: 15, 30, 45, 60, 75,
Descrição 90, 105, 120, 135, 150, 165, 195, 225, 255 e
285); a seguir, através de tabelas, os escores
O MMPI, na sua última versão, compreende 566 brutos são transformados em notas T (com ou
itens, que consistem em autodescrições com sem correção, K), podendo ser traçado o perfil
as quais o examinando concorda ou não, assi- das escalas de validade e das escalas clínicas e
nalando “Certo” ou “Errado”, que recebem determinado o código correspondente, sendo
escores quando marcados na direção crítica. que os escores individuais e o código podem
Nesse formato, inclui dez escalas clínicas e qua- ser interpretados comparando-os com normas
tro de validade. Já o MMPI-2 é um inventário de grupos clínicos.
com 567 itens, que, além das escalas clínicas e
de validade tradicionais, fornece várias outras
medidas com propósitos clínicos ou de pesqui- Indicações
sa. O MMPI-A contém 478 itens, acrescentan-
do quatro novas escalas de validade e seis es- 1. Medida do nível de ajustamento emo-
calas clínicas suplementares. cional [2] e identificação da psicopatologia
No Brasil, é apenas acessível o MMPI, que apresentada.
foi adaptado por Benkö e Simões [1]. O mate- 2. Avaliação da atitude frente à testagem.
rial compreende o caderno, a folha de respos-
tas, a folha de apuração e as chaves-gabarito,
além do manual. Comentários
Também é possível usar uma forma abrevi-
ada, excluindo itens que não constam das es- 1. Em vista da forma como foi construído,
calas básicas, havendo indicações de como efe- diferenciando uma amostra bimodal, o MMPI
tuar a contagem no manual [1]. não fornece informações significantes sobre su-
O material original é fornecido por The jeitos normais. Por outro lado, pela mesma ra-
Psychological Corporation, nos Estados Unidos. zão, mede atributos multidimensionais, isto é,
No Brasil, o material para a forma coletiva é compartilhados por várias escalas. Assim sen-
distribuído pelo CEPA, Rio de Janeiro, e tam- do, o psicólogo clínico não só deve estar mui-
bém é usado individualmente. to familiarizado com a significação das escalas
O inventário é indicado para sujeitos a par- e a relação entre elas, mas também deve levar
tir de 16 anos, exigindo um nível de leitura de em conta as variáveis demográficas e a histó-
oitava série. ria clínica do paciente [2].
2. Embora o MMPI-2 apresente melhor qua-
lidade psicométrica, as limitações do MMPI são
Administração contrabalançadas por alguns aspectos, princi-
palmente pela quantidade de pesquisas reali-
Forma: individual ou coletiva (é auto-adminis- zadas, totalizando mais de 10.000 estudos
trável e pode ser administrado com computador). sobre o instrumento ou com o instrumento [2].
Tempo: não existe limite de tempo, mas,
em média, a resposta ao MMPI é de 90 minu-
tos, sendo mais baixa a média na administra- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ção com computador.
1. Hathaway, S.R., & McKinley, J.C. (1971). Inventário
Manejo: o escore bruto das várias escalas é Multifásico Minnesota de Personalidade. Manual.
obtido através de computador ou de forma Rio de Janeiro: CEPA.
PSICODIAGNÓSTICO – V 247
anteparo, para a administração do PMK, é ven- 3. Van Kolck, O.L. (1981). Técnicas de exame psicoló-
dida pelo CEPA. gico e suas aplicações no Brasil. Testes de aptidões.
Petrópolis, RJ: Vozes.
Dados históricos
Indicações
O Procedimento de Desenhos-Estórias foi pro-
1. Avaliação clínica da personalidade (es- posto em 1972, por Walter Trinca, ao apresen-
pecialmente no que se refere à agressividade, tar sua tese de doutorado, “O desenho livre
emocionalidade, extra e intratensão, tônus psi- como estímulo de apercepção temática” [1],
comotor, tendência à inibição ou excitação, as- difundido e atualizado posteriormente [2, 3].
pectos psicopatológicos, etc.). A partir de pressuposições comuns a várias
2. Avaliação de condições para orientação técnicas projetivas, gráficas e temáticas e, ain-
e seleção profissional. da, à entrevista não-estruturada, Trinca quali-
fica sua técnica não como um teste, mas como
um instrumento com “características pró-
Comentários prias”, que se situa numa posição interme-
diária em relação a outras e, como tal, pode
1. Na literatura, registram-se restrições constituir um valioso auxiliar no diagnóstico
quanto à consistência dos traçados, mesmo psicológico.
quando a interpretação se baseia em dados de
duas administrações, pressupondo-se que um
desvio possa ser atribuído a diferentes fatores Descrição
psicopatológicos. Por essa razão, há certo ce-
ticismo em relação a seus resultados [2]. O material necessário à realização do teste inclui
2. Não obstante, apesar de, posteriormen- folhas de papel em branco (tamanho ofício), lá-
te, ter o seu uso sofrido certo declínio, está pis preto no 2 e uma caixa com 12 lápis de cor.
crescendo novamente no meio empresarial e, As instruções propõem que o sujeito reali-
principalmente, em seleções no âmbito poli- ze um desenho livre (cromático ou acromáti-
cial. co) e, a partir de cada um, deve contar uma
estória. Segue-se uma fase do inquérito e soli-
citação de que dê um título a sua estória. Este
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS conjunto constitui uma unidade de produção.
Comentário
QUESTIONÁRIO DE SAÚDE GERAL DE
1. A técnica combina procedimentos gráfi- GOLDBERG (QSG)
cos e verbais, de maneira a compensar, em cer-
tas faixas etárias, as dificuldades de projetar Dados históricos
conteúdos, através de uma forma de comuni-
cação, com os recursos de outra, trazendo, as- O Questionário de Saúde Geral de Goldberg,
sim, uma contribuição invulgar para a avalia- ou General Health Questionnaire, GHQ, foi
ção dinâmica da criança. desenvolvido em 1972, por D.P. Goldberg, sob
a pressuposição de que existe um continuum
entre saúde mental e transtorno mental e de
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
que a saúde de um indivíduo seria melhor ca-
1. Trinca, W. (1972). O desenho livre como estímulo tegorizada por índices comportamentais que ca-
de apercepção temática. São Paulo: Instituto de racterizariam desvios da população geral.
Psicologia da USP (Tese de doutorado). O instrumento não foi delineado para dis-
2. Trinca, W. (1987). Investigação clínica de personali- criminar transtornos psiquiátricos específicos,
dade: o desenho livre como estímulo de apercep-
ção temática. 2.ed. São Paulo: EPU.
mas sim para medir a gravidade do estado psi-
3. Trinca, W. (1997). Formas de investigação clínica em copatológico “não-extremado” (não-psicótico)
psicologia. São Paulo: Vetor. de indivíduos, para fins de triagem.
PSICODIAGNÓSTICO – V 249
A adaptação brasileira baseou-se na tradu- Indicações
ção de Giglio [1], com ligeiras alterações, sen-
do desenvolvida no Laboratório de Pesquisa em 1. Triagem do estado de saúde mental, para
Avaliação e Medida, sob a coordenação de Pas- identificar a presença de doença psiquiátrica
quali e colegas [2], apresentando excelentes [3].
características psicométricas. 2. Identificação do perfil sintomático do
sujeito.
Descrição
Comentário
O QSG é um questionário de auto-relato de
1. A partir de resultados obtidos na amos-
60 itens, apresentado aos examinandos em
tra normativa brasileira, de 902 respondentes
folheto, com instruções para que o sujeito
[2], foi possível verificar que sujeitos do sexo
responda a cada item, em comparação com
feminino apresentaram escores significante-
seu estado usual, assinalando um dos pon-
mente mais elevados que os do sexo masculi-
tos de uma escala tipo Likert de quatro pon-
no no fator geral, bem como em quatro ou-
tos. Os itens variam em sua formulação, ora
tros fatores.
como sintomas, ora como comportamentos
normais.
O escore geral indica a gravidade do es- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tado do sujeito, quanto à ausência de saúde
mental (ou severidade da doença mental), 1. Giglio, J.S. (1976). Bem-estar emocional em univer-
mas também os resultados podem ser apre- sitários: um estudo preliminar. Campinas: Faculda-
sentados como um perfil psiquiátrico, abran- de de Ciências Médicas da UNICAMP (Tese de dou-
torado).
gendo mais cinco dimensões: estresse psíqui- 2. Goldberg, D.P. (1996). Questionário de saúde geral
co, desejo de morte, desconfiança no desem- de Goldberg: manual técnico QSG: adaptação bra-
penho, distúrbios de sono, distúrbios psicos- sileira. São Paulo: Casa do Psicólogo.
somáticos. 3. Marder, S.R. (1999). Escalas de avaliação psiquiá-
O material é distribuído pela Casa do Psicó- trica. In H.I. Kaplan & B.J. Sadock. Tratado de psi-
quiatria. 6.ed. (p.675-691). Porto Alegre: Artes Mé-
logo, constando de manual técnico, caderno dicas.
de aplicação, folha de respostas e crivos de apu-
ração.
Destina-se ao uso com pacientes e também
na população geral. RAVEN
Dados históricos
Administração
O Teste das Matrizes Progressivas, desenvolvi-
Forma: individual ou coletiva. do pelo psicólogo J.C. Raven, na Inglaterra, foi
Tempo: em média, de 30 a 50 minutos. criado como medida do fator “g”, com base
Manejo: verifica-se o escore bruto, em no referencial de Spearman. Apareceu em
cada um dos fatores, com o uso do crivo de 1936, ainda com fins de investigação, sendo
apuração, bem como o escore geral, trans- publicado em 1938. Em 1948, houve uma revi-
formando os escores brutos em escores sin- são das normas, de forma a abranger sujeitos
tomáticos, que devem ser assinalados nas de 6 a 65 anos. Posteriormente, houve uma
tabelas de normas, para a obtenção do per- padronização argentina [1].
fil, mas a apuração também pode ser feita Considerado como tarefa a ser cumprida,
pelo computador. poderia ser descrito como um teste de com-
PSICODIAGNÓSTICO – V 251
Administração um teste psicológico, não apenas no domínio
cognitivo, deveria partir de uma análise prévia
Forma: individual ou coletiva, em todas as que permitisse inserir os itens dentro de um
escalas, exceto no caso de crianças pequenas, contexto teórico” [7]. Embora essa autora va-
em que deve ser individual. lorize a tentativa feita por Paín, de análise das
Tempo: geralmente livre, podendo ser de- matrizes progressivas dentro de uma perspec-
terminado um período de tempo para avaliar tiva genética com base em Piaget [8], salienta
a eficiência do trabalho do sujeito sob pres- que a construção do teste se baseou nas leis
são, especialmente no caso da Escala Avança- neogenéticas de Spearman, sem referência às
da; via de regra, observa-se que: a) na Escala operações mentais fundamentadas em Piaget,
Geral, o tempo é algo variável, sendo, em mé- enquanto somente nessa linha teórica haveria
dia, de aproximadamente 40 a 60 minutos; b) uma base para explicar sua dificuldade progres-
na Escala Especial, em aplicação individual, siva [7]. Tal enfoque, conforme Nick, permitiria
também é algo variável, mas dificilmente ul- não apenas determinar o nível intelectual, com
trapassando 30 minutos; c) na Escala Especial, base no escore total obtido, mas chegar a “uma
em aplicação coletiva, deve ser previsto um utilização mais adequada do teste como ins-
período de 90 minutos, ainda que, em muitos trumento diagnóstico”.
casos, não exceda 45 minutos; d) na Escala 2. As normas originais da Escala Geral são
Avançada, a série I pode ser administrada em muito semelhantes às da padronização argen-
10 minutos; e) na Escala Avançada, a série II, tina. Aliás, em vários países europeus, pareceu
como teste de rapidez, é recomendável um viável a utilização das normas originais, embo-
período de 40 minutos, mas, sem limite de tem- ra resultados em culturas não-européias não
po, pode ser administrada em aproximadamen- tenham confirmado a universalidade de tais
te 60 minutos. normas. Note-se, também, que, na década de
Manejo: com o uso de uma chave, as res- 50, foi feita uma aplicação em mais de 5.000
postas são classificadas como positivas ou ne- alunos, de 12 a 19 anos, de escolas públicas e
gativas; cada resposta positiva ou certa recebe particulares de Porto Alegre, sendo os resulta-
um ponto; o total de pontos é o escore obtido dos apreciavelmente mais elevados do que das
pelo sujeito; este é transformado em percen- normas argentinas [9], havendo sido as tabelas
til, com o uso de uma tabela selecionada con- de percentis correspondentes incluídas em ou-
forme a escala usada, a forma de administra- tra edição deste livro [10, Anexo I). Na realidade,
ção e a idade do sujeito, e, conseqüentemen- torna-se muito importante uma revisão periódi-
te, pode-se ter uma estimativa do seu nível in- ca das normas (o que está sendo realizado em
telectual. Porto Alegre, sob a coordenação de Denise Ban-
deira, e em outros pontos do país), porque o uso
de normas antigas leva a uma superestimação
Indicações do desempenho, pelo aumento crescente dos
escores, desde o surgimento do teste [11].
1. Medida de inteligência (fator “g”). 3. Seu uso em neuropsicologia, antes valo-
2. Especificamente no caso da série II, ava- rizado, agora, é considerado com certas restri-
liação da capacidade de exatidão e clareza de ções, sendo de alguma utilidade apenas em
raciocínio lógico com poder de discriminação casos muito específicos [12].
nos níveis mais altos de inteligência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Comentários
1. Raven, J.C. (1950). Test de Matrices Progresivas.
Manual. Buenos Aires: Paidós.
1. Em relação à fundamentação teórica, diz 2. Anastasi, A. (1965). Testes psicológicos: teoria e
Eva Nick que “toda e qualquer construção de aplicação. São Paulo: Herder.
PSICODIAGNÓSTICO – V 253
mais freqüentemente e mais consistentemen- Journal of Personality Assessment. Pretendia a
te nas pesquisas. Todavia, as manchas foram divulgação e a troca de informações sobre o
reproduzidas “com marcantes diferenças nos teste. Logo começou uma longa controvérsia
níveis de saturação do colorido”. Rorschach, com Beck, na qual Hertz acabou se envolven-
bastante criativo, decidiu utilizá-las em novas do. Com o correr do tempo, a controvérsia
investigações, achando que poderiam levar a mostrou-se irreconciliável, cada um desenvol-
respostas mais diferenciadas. Entretanto, oito vendo seu próprio sistema e com contínuas crí-
meses após, em abril de 1922, morreu de apen- ticas mútuas. Em 1942, lançou com Kelley seu
dicite aguda, complicada por peritonite [1]. primeiro livro, The Rorschach Technique [1],
Rorschach denominara seu método de Tes- seguido de vários outros.
te de Interpretação da Forma e achava que seu Algum tempo após, Zygment Piotrowski,
trabalho era apenas preliminar. Seus amigos que participara do primeiro seminário de Klop-
Morgenthaler, Oberholzer e Roemer resolveram fer, apareceu no cenário. Seu interesse básico
dar continuidade aos estudos, chamando o tinha que ver com a ajuda que o teste poderia
instrumento de Teste de Rorschach, embora o oferecer “para diferenciar pessoas criativas e
último deles desenvolvesse novo conjunto de não-criativas e (saber) como aqueles com dis-
manchas, enquanto os outros dois, permane- função neurológica poderiam se empenhar
cendo fiéis tanto ao material como ao sistema nesta tarefa, aparentemente ambígua”. Em
original de escore, tentaram, entretanto, de- 1957, tinha desenvolvido outro sistema de
senvolver o trabalho inicial, mas com mais ên- abordagem do teste, muito elaborado. Com o
fase no conteúdo. lançamento de sua obra Perceptanalysis, esta-
Na década de 20, pela reputação de va oficialmente lançada a quarta abordagem
Oberholzer, principalmente no campo da psi- do teste [1, 5].
canálise, David Levy conseguiu uma subvenção Outro profissional, que acabou por lançar
para com ela estudar durante um ano e, vol- a quinta abordagem para o teste, foi David
tando aos Estados Unidos, trouxe consigo vá- Rapaport. Encarregado, na Menninger Foun-
rios conjuntos de manchas, pretendendo rea- dation, de uma unidade de pesquisa, interes-
lizar estudos com as mesmas. Este foi o início sada no uso de testes psicológicos para diag-
do desenvolvimento e florescimento, naquele nóstico, após alguns anos de trabalho com uma
país, do método, para o qual seriam desenvol- boa equipe, lançou uma série de dois volumes,
vidos seis sistemas diferentes, tanto no que se Diagnostic Psychological Testing, em 1946,
refere a escore, como a interpretação. sobre as aplicações clínicas de vários testes,
As primeiras pesquisas a respeito foram de inclusive o Rorschach. Seu interesse tinha pon-
Beck e Hertz, em suas dissertações de douto- tos de contato com o de Klopfer, mas era for-
ramento, que completaram em 1932, continu- temente marcado pela influência da escola psi-
ando depois seus estudos na área. canalítica [6], o que se refletiu, também clara-
Por causa das crescentes pressões sobre os mente, na obra de um de seus discípulos, Roy
judeus, na Alemanha, Bruno Klopfer decidiu Schafer, Psychoanalytic Interpretation in Ror-
deixar o país, primeiramente, para Zürich e, schach Testing, considerada até hoje como um
mais tarde, migrando para os Estados Unidos, trabalho clássico sobre o assunto [7].
passando a trabalhar na Universidade de Co- Ao mesmo tempo em que Klopfer iniciava
lumbia. Por causa de seu treinamento no teste a sua série de seminários, em 1935, foi divul-
de Rorschach, em 1934 começou uma série de gado o Thematic Apperception Test (TAT), com
seminários, primeiro, de maneira informal e, o conceito de projeção, termo cunhado pela
posteriormente, passou a devotar quase todo psicanálise, e do qual derivou o nome de mé-
o seu tempo ao desenvolvimento do teste. Em todos projetivos, aplicado a uma variedade de
1936, deu início a uma publicação, Rorschach técnicas, inclusive o Rorschach. Os instrumen-
Research Exchange, que mais tarde evoluiu tos, em geral, passaram a ser classificados
para o Journal of Projective Techniques, hoje o como técnicas objetivas e projetivas. Apesar da
PSICODIAGNÓSTICO – V 255
tos vários cálculos para chegar a determina- de emergir e evoluir a partir de uma experiên-
dos índices; a interpretação leva em conta as- cia pessoal e não de uma situação formal de
pectos quantitativos e qualitativos. aprendizagem.
3. Apesar de ser perfeitamente possível o
manejo de mais de um sistema de escores para
Indicações fins de diagnóstico, é preciso que o psicólogo
esteja adequadamente familiarizado com cada
1. Diagnóstico de personalidade, em clíni- um deles para evitar falhas. Alguns erros fre-
ca, planejamento terapêutico, seleção profis- qüentes são cometidos pelo fato de o exami-
sional e na área forense. nador utilizar um determinado sistema de es-
2. Detecção da dinâmica interpessoal e pla- core e nele basear hipóteses interpretativas,
nejamento da terapia familiar na forma con- desenvolvidas a partir de outro sistema de clas-
sensual [3]. sificação. Assim, embora o sistema de Klopfer
3. Prognóstico. seja largamente utilizado para várias finalida-
des, no momento em que se pretende uma
abordagem com base em pressupostos psica-
Comentários nalíticos, como num estudo das defesas, con-
forme Schafer, é necessário reclassificar as res-
1. Atualmente, o sistema mais em voga, nos postas de acordo com o sistema de Rapaport.
Estados Unidos, é o de Exner, embora ainda Por outro lado, a utilização de listas da quali-
haja adeptos de Klopfer. O de Klopfer é bas- dade formal das respostas também deve ser
tante divulgado, oferece critérios muito bem feita com cuidado pelos clínicos, que usam uma
definidos para a classificação das respostas e combinação de mais de um sistema, uma vez
boa fundamentação para o levantamento de que há casos em que apresentam diferenças,
hipóteses interpretativas. Porém, o sistema de que se refletem no F+% ou no X+%. Kinder e
Exner apresenta qualidades psicométricas in- colegas verificaram, por exemplo, que o méto-
discutíveis e está se difundindo rapidamente, do de Beck, usado com pacientes psiquiátri-
em vários países. Foi desenvolvido principal- cos, produz um X+% significativamente mais
mente para emprestar mais cientificidade ao baixo que o método de Exner [10].
instrumento. 4. Embora haja certos indícios, no Ror-
2. Na realidade, Exner [9], em sua decisão schach, que costumam ocorrer em casos com
de criar um sistema compreensivo, a partir das problemas orgânico-cerebrais, há técnicas es-
experiências de Rapaport, Beck, Klopfer, Hertz pecíficas mais indicadas para diagnóstico nes-
e Piotrowski, demonstrou um reconhecimento ta área [9]. Não obstante, esse teste é utiliza-
da qualidade de todos eles para apresentar “o do com freqüência na avaliação neuropsicoló-
melhor do Rorschach”. Assim, à exceção de gica, não para investigar a etiologia de tais sin-
Rapaport, que faleceu antes de seu empreen- tomas, mas para caracterizar aspectos da per-
dimento, foi muito incentivado pelos demais. sonalidade individual [11].
Também, em sua atividade didática anterior, 5. Trata-se de um teste que exige especiali-
achava aconselhável que seus alunos conhe- zação, constante estudo e atualização. Duran-
cessem pelo menos dois, senão os cinco siste- te muitos anos, o psicólogo que deseja traba-
mas de escore. Conseqüentemente, sua preo- lhar com ele necessita de supervisão de profis-
cupação com o fato de os alunos mesclarem sional notoriamente reconhecido por sua com-
abordagens de mais de um autor nada tinha a petência. A bibliografia é muito extensa (e,
ver com restrições do ponto de vista científico, aqui, reduziremos apenas a algumas obras,
uma vez que refere que seus dados, obtidos consideradas essenciais), mas as fontes só são
com todo o rigor científico, apresentavam “sig- realmente úteis se o psicólogo é capaz de do-
nificativa congruência” com esses enfoques minar aspectos básicos, como conduzir eficaz-
personalizados. Antes, lamentava que tivessem mente um inquérito e classificar as respostas
PSICODIAGNÓSTICO – V 257
Olin, J.T., & Keatinge, C. (1998). Rapid psychological cm, dentro da qual há três caixas de pape-
assessment. New York: Wiley & Sons. lão, nas quais o material estandardizado é
Quintela, G.F. (1955). Psicodiagnóstico do Rorschach. Arq.
Bras. Psicot., 7, 1, 7-28; 7, 2, 75-112; 7, 3, 47-55.
disposto de forma a permitir uma visão glo-
Quintela, G.E. (1955). Psicodiagnóstico de Rorschach. bal sem chamar uma atenção especial para
Arq. Bras. Psicot., 7, 2, 75-112. alguma peça específica. Numa das caixas, há
Quintela, G.E. (1955). Psicodiagnóstico de Rorschach. marionetes flexíveis, representando 8 adul-
Arq. Bras. Psicot., 7, 3, 47-55. tos e 8 crianças. Noutra caixa, há retângulos
Rickers-Ovsianka, M.A., Ed. (1961). Rorschach Psycho-
logy. New York: Wiley & Sons.
de madeira de diversas cores e tamanhos.
Santos, M.A. (1996). Aplicação da prova de Rorschach Além disso, há um material suplementar,
no campo da psicopatologia. Ribeirão Preto, SP: constituído de 10 animais, 3 veículos, 3 per-
Anais do I Encontro da SBRO, p.257-281. sonagens simbólicos, elementos da nature-
Small, L. (1956). Rorschach locations and scoring ma- za (como árvore, grama, etc.) e itens casei-
nual. New York: Grune & Stratton.
Windholz, M.H. (1969). Rorschach em crianças. São
ros (móveis e objetos).
Paulo: Vetor. O material e o manual são distribuídos por
Vaz, C.E. (1980). O Rorschach: teoria e desempenho. Delachaux & Niestlé, na Suíça.
Porto Alegre: Artes Médicas. É usado em crianças, adolescentes e adul-
tos [5], sendo que Ceverny [6] apresenta uma
experiência desenvolvida com o grupo familiar.
SCENO-TEST
O Sceno-test foi inspirado numa situação tera- Forma: individual, ainda que, eventualmen-
pêutica, analisada por sua autora, Gerhild Von te, no caso de grupo familiar, com a participa-
Staabs [1]. A idéia surgiu, em 1938, a partir da ção de vários filhos e observação dos pais.
dramatização de um diálogo de um casal, en- Tempo: variável; no caso de sessões fami-
cenada com elementos do ambiente, por uma liares, de 30 a 50 minutos.
criança de 5 anos, cena que, segundo Von Sta- Manejo: não há um sistema de escores,
abs, representava a situação familiar da pacien- embora Knehr [7] tenha apresentado sugestões
te. Desde então, começou a reunir objetos que para a análise formal; em nível individual, ofe-
pudessem constituir o universo de uma famí- rece a possibilidade de análise de conteúdos
lia, além de outros suplementares, com base conscientes e inconscientes para a interpreta-
na pressuposição de que tais materiais permi- ção dinâmica; em nível familiar, a avaliação
tissem que os sujeitos fizessem a reprodução tende a um enfoque comunicacional, pela iden-
mais fácil de situações de vida diária. tificação do tipo de sistema familiar, de subsis-
O Sceno-test foi divulgado, pela primeira temas, permeabilidade ou rigidez dos mesmos,
vez, em 1943 [2], tendo tido outras edições diferenciação de papéis e interação entre os
posteriores, inclusive em 1951 [3], na Alema- membros do grupo.
nha, e em 1964, na Suíça [4].
No desenvolvimento de seus estudos, a au-
tora constatou que, além de importante coad- Indicações
juvante na psicoterapia, o instrumento também
era útil no processo psicodiagnóstico. 1. Avaliação dinâmica da personalidade.
2. Avaliação do desenvolvimento psicomo-
tor.
Descrição 3. Exploração das relações familiares.
4. Psicoterapia em geral e intervenção em
O material é apresentado numa caixa de ma- crises.
deira, com dimensões de 60 cm x 40 cm x 10 5. Orientação profissional.
Dados históricos
Descrição
O TAT, Thematic Aperception Test, ou Teste de
Apercepção Temática [1], foi idealizado pelo O TAT é composto por 31 lâminas: 30 com gra-
psicólogo e médico americano Henry Murray e vuras e uma em branco. Destas, 11 são univer-
Christina Morgan, em 1935, sendo desenvol- sais, aplicando-se a todos os sujeitos: 1, 2, 4,
PSICODIAGNÓSTICO – V 259
5, 10, 11, 14, 15, 16, 19 e 20. As demais são 5. Análise da capacidade de organização e
específicas conforme sexo e faixa etária. Logo, manutenção de idéias [7].
a forma completa do TAT abrange 20 lâminas
para cada sujeito (11 universais e 9 de acordo
com o sexo e a faixa etária). Comentários
O material é editado pela Paidós, em Buenos
Aires, e pela Casa do Psicólogo, em São Paulo. 1. Apesar de Murray [1] ter considerado o
Ainda que eventualmente usado com crian- TAT como um dos instrumentos projetivos de
ças, destina-se principalmente a adultos e ado- mais amplo uso e credibilidade por parte dos
lescentes. psicólogos, já não se verifica a atmosfera de
entusiasmo que o cercava por volta da metade
do século XX [8], o que é atribuído, às vezes,
Administração ao tempo exigido para sua administração e in-
terpretação [9]. Também, no meio acadêmico,
Forma: parece ter diminuído sua valorização, embora,
a) conforme o número de sujeitos: indivi- num levantamento de técnicas utilizadas, em
dual (podendo ser auto-administrada ou não), 221 serviços clínicos dos Estados Unidos, há
coletiva (auto-administrada) ou grupo (em co- pouco mais de uma década, fosse classificado
laboração); em quinto lugar [10]. Da mesma forma, já foi
b) conforme o número de lâminas: comple- registrado seu declínio como instrumento de
ta, abreviada ou reduzida (selecionando-se as pesquisa [11]. Entretanto, ultimamente, cons-
lâminas segundo faixa etária, sexo, problemá- ta em quarto lugar na produção de pesquisas
tica do paciente, método adotado ou depen- [3]. Porém, em nosso meio, o TAT ainda tem
dendo de dados derivados da história ou do sido considerado um instrumento útil tanto em
material de testagem). psicodiagnóstico como em pesquisa [12-17].
Tempo: variável, recomendando-se que, no 2. Na realidade, o TAT foi em parte delinea-
total, não ultrapasse de 90 a 120 minutos, dis- do para avaliar traços de personalidade. Da-
tribuídos em duas sessões. dos de pesquisa, entretanto, têm indicado que,
Manejo: embora tenham sido propostos ao contrário, o TAT é mais sensível a estados
vários sistemas de escore para o TAT [2], usual- afetivos do que a traços [9]. Cabe referir tam-
mente, na clínica, a interpretação é realizada bém que sofre influências situacionais [18] e
através de uma abordagem psicodinâmica. do nível de escolaridade [7].
3. Ainda que sejam muito questionadas a
fidedignidade e a validade do TAT, como ocor-
Indicações re com a maioria dos instrumentos de sua ca-
tegoria [19], as críticas geralmente se centrali-
1. Avaliação da personalidade, principal- zam na inexistência de um sistema de escore
mente para analisar a natureza dos vínculos único e na ausência de dados normativos, con-
afetivos, regulação dos afetos, qualidade das forme a idade [7], sendo uma técnica orienta-
relações interpessoais e identificação de con- da mais para uma interpretação impressionis-
flitos e mecanismos de defesa. ta [18]. Dessa forma, a ambigüidade da pro-
2. Avaliação de condições para indicação dução do sujeito e a quantidade de variáveis
psicoterápica. que podem surgir em duas sessões de admi-
3. Acompanhamento da evolução durante nistração podem ser alvo de inúmeras inter-
o processo psicoterápico. pretações do ponto de vista qualitativo. Isso
4. Coleta de subsídios sobre a função cog- faz com que muitos psicólogos de orientação
nitiva de planejamento, através da análise do não-dinâmica o classifiquem como não-cientí-
manejo que o examinando faz de idéias verba- fico [2]. Não obstante, teóricos de orientação
lizadas seqüencialmente [7]. dinâmica desconsideram tais críticas, achando
PSICODIAGNÓSTICO – V 261
Método das Fábulas, visava a explorar confli- compreende dez pequenas fábulas, cujo herói
tos inconscientes, pretendendo chegar a um (animal ou criança) se encontra em uma deter-
“diagnóstico do complexo”, com uma base minada situação-problema, ambígua e simbó-
teórica essencialmente freudiana. Nos anos lica, que permite a emergência de material de
seguintes, a autora levantou dúvidas sobre o qualidade projetiva.
método, que envolviam a questão de validade Desenvolvemos, pois, uma série de lâminas
[4], desenvolvendo estudos de caráter pionei- com material ilustrativo dos temas, do tipo de
ro na época [5-7]. Entretanto, o Teste das Fá- histórias em quadrinhos. Por exemplo, na Fá-
bulas [1] propõe, na administração, a apresen- bula 1, na versão verbal, é apresentada uma
tação concomitante da forma verbal e de uma pequena historieta sobre um filhote de passa-
forma pictórica. Utiliza, para a análise das ver- rinho que sabe voar um pouco. Ele, com os
balizações, um sistema de categorização de seus pais, estava no ninho, em uma árvore,
respostas, identifica respostas populares e fe- quando veio um vento muito forte, que derru-
nômenos específicos e se fundamenta em um bou o ninho. Os pais voaram cada um para uma
referencial teórico mais completo e complexo, árvore. Então, pergunta-se à criança o que vai
para a interpretação dos resultados, do que o fazer o filhote. Portanto, a fábula envolve três
usado em trabalhos anteriores com historietas momentos-chave, que são apresentados em
incompletas. ilustrações.
Ainda na década de 40, as fábulas foram Estudos realizados comprovaram a fidedig-
traduzidas para o inglês, nos Estados Unidos, nidade da versão pictórica, em termos de pro-
por Louise Despert, para utilizá-las numa pes- dutividade e aspectos psicodinâmicos, na ver-
quisa com crianças [8], ficando conhecidas balização espontânea da criança [18]. As van-
nesse país como Fábulas de Despert [9]. Ape- tagens de utilizar concomitantemente as duas
sar da popularidade que alcançou, essa tradu- formas se reflete no nível de interesse obser-
ção sofreu críticas, por imprecisões semânti- vado e, principalmente, no material obtido no
cas e por não preservar suficientemente “certo inquérito subseqüente, que fornece conteúdos
caráter sugestivo das fábulas, em consonância muito mais ricos, resultando num melhor apro-
com o cunho psicanalítico do original” [10]. fundamento do entendimento psicodinâmico.
Desde seu lançamento, as fábulas foram Porém, utilizar um instrumento projetivo em
importadas em vários países, muitas vezes so- pesquisa envolve um problema, uma vez que
frendo modificações e acréscimos e servindo autores, que propugnam pelo uso clínico de
como instrumento em várias pesquisas e em tais técnicas, o fazem “visando à exploração
casos clínicos (vide, p.ex., 10-16). de aspectos dinâmicos da personalidade que
Há pouco mais de uma década se come- adquirem significado sob a ótica de um refe-
çou, na Pontifícia Universidade Católica do Rio rencial teórico ao qual há difícil acesso via psi-
Grande do Sul, Brasil, uma ampla pesquisa com cométrica” [19].
crianças pré-escolares, bem como outros pro- Desenvolvemos, então, um sistema de ca-
jetos menores paralelos, e a equipe sob nossa tegorização de respostas. É sabido que, na li-
coordenação decidiu utilizar as fábulas como teratura, encontra-se uma série de críticas em
um dos instrumentos na área de personalida- relação a sistemas de escore ou categorias em
de. Entretanto, os subsídios da literatura sobre instrumentos projetivos (vide, p.ex., 20– 26),
o uso das fábulas, nesse período etário, eram que procuramos considerar devidamente. Pri-
escassos. meiramente, listamos todas as variáveis psico-
A experiência anterior, bem como observa- dinâmicas identificadas pelos autores, nas fá-
ções na Argentina [17], apontaram para as van- bulas. Em segundo lugar, examinamos e anali-
tagens de desenvolver uma versão pictórica samos o referencial teórico a respeito, para ter
para uso com crianças de menos idade e, en- subsídios sobre a validade de constructo de
tão, nos propusemos a tal tarefa. A versão ori- possíveis alternativas. A seguir, a lista de variá-
ginal de Düss, que retomáramos e traduzimos, veis foi apreciada em relação às verbalizações
PSICODIAGNÓSTICO – V 263
4. Triagem de conflitos emocionais em crian- 7. Düss, L. (1964). Fabelmethode und Untersushun-
ças, adolescentes e adultos por meio de admi- gen über den Widerstand in der Kinderanalyse. Biel:
Institut für Psycho-Hygiene.
nistração coletiva. 8. Despert, L. (1946). Psychosomatic study of fifty stut-
tering children. Am. J. Orthopsych., 16, 100-113.
9. Würsten, H. (1966). Complemiento de cuentos de
Comentários Madeleine Thomas y otros métodos similares. In A.J.
Rabin & M.R. Haworth, Ed. Técnicas proyectivas para
niños (p.181-192). Buenos Aires: Paidós.
1. É um dos testes projetivos mais bem acei- 10. Kramer, E. (1968). The Fables Test. J. Proj. Tech. &
tos por crianças que reagem a ele mais pron- Pers. Assess., 32, 6, 530-532.
tamente que ao CAT [33], e fornece informa- 11. Ducros, M.M. (1959). Des responses fournies aux
ções úteis dentro do contexto de uma bateria “fables de Düss” par les enfants vivant dans un mi-
de testes psicológicos [17]. lieu familial anormal. Enfance, 2, 153-180.
12. Fine, R. (1948). Use of Despert Fables (revised form)
2. Exige do examinador um sólido referen- in diagnostic work with children. Rorschach Res.
cial teórico e boa compreensão de representa- Exch. & Proj. Tech., 12, 106-118.
ções simbólicas. 13. Malhorta, M.K. (1971). Über den diagnostichen
3. Pode servir como método para a investi- Wert der Düsschen Fabelmethod. Zeitschrift für ex-
gação de constructos teóricos de base [19, 27, perimentelle und angewandte Psychologie, XVIII,
285-306.
33-36]. 14. Mosse, H.L. (1954). The Duess Test. Am. J. Psycho-
4. Em São Paulo, foi desenvolvido, por Pe- th., 8, 251-264.
çanha [37], um sistema de categorização de 15. Rossi, L. (1965). Utilitá del test delle Düss
indicadores de somatização, com crianças as- nell’indagine psicodinamica degli psicotici. Neurop-
máticas, bem como categorias relativas a as- sichiatria.
16. Schwartz, A.A. (1950). Some intercorrelations
pectos estruturantes das relações dos pais among four tests comprising a test battery: a com-
sobre o ego infantil. parative study. J. Proj. Tech., 14, 153-172.
5. Tardivo [38] desenvolveu interessante 17. Bernstein, J. (1964). Apendice. In J.E. Bell. Técnicas
trabalho, procurando relacionar categorias proyectivas. Buenos Aires: Paidós.
de conteúdo relativas a cada uma das fábu- 18. Cunha, J.A., Werlang, B.G., Oliveira, M.S., Nunes,
M.L.T., Porto Alegre, A., Heineck, C., & Silveira, H.R.
las e analisando a distribuição de respostas (1989). Método das Fábulas: uma versão pictórica.
de 128 crianças de 5 a 8 anos. Além disso, Psico, 17, 1, 51-59.
discute o desempenho desses sujeitos nas 19. Cunha, J.A., & Nunes, M.L.T. (1996). Medida proje-
fábulas, no CAT e no Procedimento Desenhos- tiva. In L. Pasquali, Org. Teoria e métodos de medi-
Estórias. da em ciência do comportamento (p.341-365). Bra-
sília: Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medi-
da/Instituto de Psicologia/UnB: INEP.
20. Blatt, S.S. & Berman, W.H. (1984). A methodology
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS for the use of the Rorschach in clinical research. J.
Pers. Assess., 48, 3, 226-239.
1. Cunha, J.A., & Nunes, M.L.T. (1993). Teste das Fá- 21. Cronbach, L.J. (1990). Essentials of psychological
bulas: forma verbal e pictórica. São Paulo: Centro testing. 5.ed. New York: Harper & Row.
Editor de Testes e Pesquisas em Psicologia. 22. Vane, J.R., & Guarnaccia, V.C. (1989). Personality
2. Düss, L. (1940). La méthode des fables en psychoa- theory and personality assessment measures: how
nalyse infantile. Arch. Psychol., 28, 1-51. helpful to the clinician? J. Clin. Psychol., 45, 1, 5-19.
3. Düss, L. (1942). Die Methode der Fabeln in der 23. Exner, J.E., & Exner, D.E. (1972). How clinicians use
Psychoanalyse. Zeitzchrift für Kinderpsychiatric, 9, the Rorschach. J. Pers. Assess., 36, 403-408.
12-24. 24. Maloney, M.D., & Ward, M.P. (1976). Psychological
4. Van Kolck, O.L. (1975). Técnicas de exame psicoló- assessment: a conceptual approach. New York:
gico e suas aplicações no Brasil. Testes de persona- Oxford Universities Press.
lidade. Petrópolis, RJ: Vozes. 25. Cunha, J.A. (1993). Aspectos culturais dos testes
5. Düss, L. (1944). Étude experimentale des phénomè- psicológicos. Psico, 24, 1, 69-74.
nes de resistance en psychoanalyse infantile. Zeit- 26. Hirst, M., & Genshaft, J.L. (1976). Personality asses-
zchrift für Kinderpsychiatric, 11, 1-11. sment and tests for children. In S. Sankar, Ed. Men-
6. Düss, L. (1950). La méthode des fables en psychoa- tal health in children (p.103-159). Westbury, NY:
nalyse infantile. Paris: L’Arche. PJH.
Dados históricos
Administração
O Teste das Pirâmides Coloridas foi criado por
Max Pfister, em 1946, em Zurique, mais com Forma: individual.
base em suas intuições sobre a significação Tempo: livre.
das cores do que, propriamente, com uma Manejo: as cores utilizadas são classifica-
fundamentação científica [1]. Posteriormen- das em quatro categorias, sendo que a inter-
PSICODIAGNÓSTICO – V 265
pretação se baseia numa série de relações nu- OUTRAS FONTES BIBLIOGRÁFICAS
méricas estabelecidas entre as categorias e nos
Carnio, E.C., & Loureiro, S.R. (1993). Caracterização da
percentuais de utilização das diferentes cores percepção do real de pacientes esquizofrênicos,
e tonalidades, que são avaliados conforme ta- avaliados através das pirâmides coloridas de Pfis-
belas por sexo e idade, sendo analisada a sua ter. Psico, 24, 1, 35-47.
significação a partir do simbolismo da cor, além Villemor Amaral, F. (1966). Pirâmides coloridas de Pfis-
de serem considerados o modo de execução e ter. Rio de Janeiro: CEPA.
aspectos formais.
PSICODIAGNÓSTICO – V 267
Posteriormente, foi desenvolvido um estu- Wartegg não podem ser consideradas adequa-
do sobre o Wartegg por Marian Kinget, numa das no Brasil, por diferenças socioculturais e ha-
amostra de 383 sujeitos, considerados normais, vendo uma listagem de conteúdos mais freqüen-
incluindo crianças, adolescentes e adultos. Ela tes, numa amostra brasileira, embora a autora
abandonou o sistema tipológico criado ante- considere este como um estudo preliminar [1].
riormente, mas utilizou o esquema de funções
da personalidade, como um esquema metodo-
lógico, para considerar as características indi- Indicação
viduais, usando um critério diagnóstico que, se-
gundo Stipp [1], serve de fundamentação para 1. Avaliação da personalidade, em clínica,
as avaliações do teste que se fazem no Brasil. na área escolar e organizacional.
Descrição Comentário
A folha de protocolo do teste apresenta oito 1. Como todas as técnicas projetivas, o War-
quadrados de 4 cm de lado (“campo”), com tegg tem sido objeto de críticas, apesar de es-
uma moldura preta, sendo que, em cada um tar apresentando certa popularidade entre psi-
deles, há o esboço de um desenho (“sinal ar- cólogos, especialmente pelo fato de sua admi-
quétipo”), que é um estímulo para que o sujei- nistração se caracterizar por baixo custo e ser
to, a partir dele, construa uma configuração, simples e rápida. Estudos sugerem uma ade-
completando o desenho, conforme as caracte- quada revisão dos procedimentos adotados
rísticas gestálticas que lhe atribui. para levantamento e interpretação, uma vez
Após a entrega do protocolo, lápis e borra- que a fidedignidade interavaliadores é baixa
cha, é feito o estabelecimento de um rapport, [4], o que é uma crítica que deve ser encarada
e o sujeito recebe instruções para completar o com muita seriedade pelos psicólogos, pois põe
desenho iniciado da forma que mais lhe agra- em xeque a qualidade de suas decisões.
de e na ordem que quiser (que é anotada).
O teste pode ser aplicado a qualquer pes-
soa, independentemente de idade, sexo ou REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
escolaridade, bastando apenas estar o suficien-
1. Freitas, A.M.L. (1993). Guia de aplicação e avaliação
temente familiarizada com lápis e papel, para do teste de Wartegg. São Paulo: Casa do Psicólogo.
poder desenhar. 2. Stipp, V.D. (1996). Teste de Wartegg ou teste de
O manual e as folhas de aplicação são pu- completamento de desenhos. In A. Jacquemin, E.T.K.
blicados, no Brasil, pelo CETEPP, Centro Editor Okino e J. Vendruscolo, Org. Anais do I Encontro
de Testes e Pesquisas em Psicologia. da Sociedade Brasileira de Rorschach e Outros Mé-
todos Projetivos (p.35-40). Ribeirão Preto, SP: So-
ciedade Brasileira de Rorschach.
3. Anzieu, D. (1981). Os métodos projetivos. 3.ed. Rio
Administração de Janeiro: Campus.
4. Mattlar, C.E., Lindholm, T., Haasiosalo, A., Vesala,
Forma: individual ou coletiva. P., et alii (1991). Interrater agreement when asses-
sing alexithymia using the Drawing Completion Test.
Tempo: de 15 a 20 minutos. Psichot. & Psychos., 56, 1-2, 98-101.
Manejo: são utilizadas uma abordagem
projetiva (com análise da seqüência e do con-
teúdo, em relação às qualidades do estímulo) OUTRAS FONTES BIBLIOGRÁFICAS
e uma abordagem expressiva (análise de as-
Kinget, M.G. (1952). The drawing completion test. New
pectos formais da produção), enquanto a inter- York: Grune & Stratton.
pretação é feita numa base probabilística [2], já Wartegg, E. (1987). Teste de Wartegg, Diagnóstico de
que as listas de respostas normais, ou não, de Camadas. São Paulo, CETEPP.
PSICODIAGNÓSTICO – V 269
2. Cunha, J.A., Moraes, M.I.B., Rocha, N.S., Werba, L., sujeito ser analisada sob diferentes enfoques
Valle, R.R., Spader, M. et alii. (1968). Construção da teóricos.
série unificada de provas de sondagem intelectual.
Bol. de Psicol., XX, 55/56, 15-24.
3. Cunha, J.A., Moraes, M.I.B., Rocha, N.S., Werba, L.,
Valle, R.R., Spader, M., et alii. (1969). Teste de Son- Descrição
dagem Intelectual. Rio de Janeiro: CEPA.
4. Van Kolck, O.L. (1975). Técnicas de exame psicoló- O Teste Desiderativo coloca o sujeito numa si-
gico e suas aplicações no Brasil. Testes de persona-
lidade. Petrópolis, RJ: Vozes.
tuação imaginária, respondendo à pergunta:
5. Kaufman, A.S. & Reynolds, C.R. (1983). Clinical eva- “Que desejaria ser se tivesse de voltar a este
luation of intelectual function. In I.B. Weiner, Ed. mundo não podendo ser pessoa?” A seguir, são
Clinical methods in psychology. 2.ed. (p.100-151). propostas outras opções, entre animal, planta
New York: Wiley & Sons. e objeto, bem como rejeições, sendo estabele-
cida uma hierarquia de desejos e rejeições. São
investigadas as condições de integridade do
ego, diante da situação de morte, que é fanta-
TESTE DESIDERATIVO siada através das indagações do teste.
Destina-se a crianças, adolescentes e adultos.
Dados históricos
PSICODIAGNÓSTICO – V 271
Tempo: de 45 a 90 minutos, em média. New Jersey, tendo aparecido a primeira ver-
Manejo: na apuração manual (é possível são, em caráter experimental, em 1935, se-
também a apuração por computador), as res- guida por uma segunda, em 1936. A terceira
postas certas para cada fator são computadas foi publicada em livro, denominado The me-
com o uso de crivos, sendo o escore bruto asurement of social competence, incluindo
transformado em valor percentílico, consultan- uma tabela de conversão para transformar a
do-se tabelas normativas em função da idade. soma total dos escores em valores de idade
social. A quarta, publicada em 1965, consti-
tui uma revisão e padronização da anterior,
Indicação apresentando uma melhor e mais prática dis-
tribuição dos itens, com modificações impor-
1. Medida de raciocínio analógico. tantes na faixa dos 10 aos 15 anos e no nível
adulto.
Pela última revisão, que foi divulgada em
Comentários 1984, o instrumento recebeu o nome de Vine-
land Adaptive Behavior Scales, ou, simplesmen-
1. Segundo o autor, o Fator 1 envolve itens te, Vineland, e sofreu modificações importan-
muito fáceis para medir o raciocínio analógico tes no que se refere à sua aplicação em dife-
concreto de crianças normais de cerca de 10 rentes idades e populações, na padronização
anos, mas é considerado útil quando existem e normatização, desenvolvida em amostra de
déficits de percepção espacial ou dificuldades 3.000 sujeitos para cada versão, apresentando
de raciocínio concreto. melhores qualidades psicométricas [1]. É apre-
2. Uma vez que as normas do INV, para a sentada em três versões, a Survey Form, a Ex-
população brasileira, foram desenvolvidas na panded Form e a Classroom Edition, por Spar-
década de 50 [1], é muito conveniente se con- row, Ball e Cicchetti [2].
tar com um teste também não-verbal e com
normas atuais, principalmente, pressupondo
possíveis modificações do desempenho inte- Descrição
lectual do brasileiro, já que, em vários países,
foi observado que tem havido um ganho apre- O instrumento é composto por uma série de
ciável em QI por década [2]. itens, distribuídos conforme “a progressão
comportamental da vida normal”, nas mesmas
oito categorias da escala original, relacionadas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS com “competência social” [1]: auto-ajuda ge-
ral, auto-ajuda para comer, auto-ajuda para
1. Pasquali, L.(1998). Teste não-verbal de raciocínio
para crianças (TNVRI). Manual técnico e de aplica-
vestir, autodireção, ocupação, comunicação,
ção. São Paulo: Casa do Psicólogo. locomoção e socialização.
2. Flynn, J.R. (1998). WAIS-III and WISC-III IQ gains in As duas primeiras versões destinam-se à
the United States from 1972 to 1995: how to com- avaliação de sujeitos desde o nascimento e
pensate for obsolete norms. Perc. & Motor Skills, até os 18 anos e 11 meses ou de adultos mais
86, 1231-1239.
limitados, por meio de entrevista semi-estru-
turada com um dos pais ou pessoa que tome
conta do sujeito. A terceira versão destina-
VINELAND se à avaliação de crianças de 3 a 11 anos,
através de questionário respondido pelo pro-
Dados históricos fessor.
O material é distribuído pelo American Gui-
A escala Vineland original, de Maturidade So- dance Service, em Circle Pines, MN, Estados
cial, foi desenvolvida por Edgard A. Dool, em Unidos.
Indicações
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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mendado para integrar baterias para diagnós- Escala de Competência Social e Escala Columbia de
tico e avaliação do retardamento mental [3]. Maturidade Intelectual: estudo de fidedignidade e
Assim, é introduzido, aqui, como sugestão para correlação entre os instrumentos. Ribeirão Preto,
ser objeto de estudo e adaptação para o Brasil. SP: XX Reunião Anual de Psicologia da Sociedade
2. Conforme Perlman e Kaufman [1], em- de Psicologia de Ribeirão Preto.
5. Cunha, J.A. (1992). Problemas na avaliação de crian-
bora as versões atuais representem considerá- ças pré-escolares. Simpósio: Diferencias sociocultu-
vel avanço sobre o instrumento original, são rales y evaluación psicológica. Madrid: Congreso
criticadas pela existência de poucos itens em Ibero-americano de Psicología.
alguns níveis de idade (como era o caso nas 6. Cunha, J.A., & Nunes, M.L.T. (1990). Escala de Com-
versões anteriores), e, assim, na análise de al- petência Social versus renda familiar, sexo e idade
em crianças pré-escolares. Ribeirão Preto, SP: XX
gumas subcategorias, o examinador deve es- Reunião Anual de Psicologia da Sociedade de Psi-
tar suficientemente familiarizado com o instru- cologia de Ribeirão Preto.
mento e suas características para levar em con-
ta sua fidedignidade em diferentes idades.
OUTRAS FONTES BIBLIOGRÁFICAS
3. Uma tentativa de adaptação da escala
de 1965, para pré-escolares, foi feita por nos- Cunha, J.A., & Nunes, M.L.T. (1990). Análise do desem-
so grupo de pesquisa da PUCRS, incluindo ape- penho de crianças pré-escolares nas diferentes ca-
nas itens relacionados com competência social, tegorias da Escala de Competência Social. Ribeirão
Preto, SP: XX Reunião Anual de Psicologia da So-
que não dependem do aprendizado formal (ori- ciedade de Psicologia de Ribeirão Preto.
ginais, modificados ou substituídos). O siste- Dool, E.A. (1965). Vineland Social Maturity Scale. Cir-
ma de escore foi simplificado, e o instrumento cle Pines, MN: American Guindance Service.
PSICODIAGNÓSTICO – V 273
WAIS e WAIS-R Assim, dando continuidade a seu mais an-
tigo antecessor, o W-B, essas escalas servem a
Dados históricos outros propósitos diversos da simples classifi-
cação do QI, permitindo aplicações clínicas di-
A Wechsler Adult Intelligence Scale, WAIS, ou ferenciadas com diversos objetivos psicodiag-
Escala de Inteligência para Adultos, foi publi- nósticos [9].
cada, originalmente, em 1955 [1], como resul-
tado da revisão, extensão e padronização da
Forma I da Wechsler Bellevue Scale, ou W-B Descrição
(1939). Foi considerada extremamente impor-
tante a introdução das Escalas Wechsler, atra- Tanto o WAIS como o WAIS-R compreendem
vés da W-B, atingindo o monopólio da Stan- duas escalas, verbal e de execução, com seis e
ford-Binet, na área da avaliação intelectual [2], cinco subtestes, respectivamente. No WAIS, a
e propondo o uso de critérios estatísticos para escala verbal inclui os subtestes de Informa-
o cálculo do QI, em substituição à idade men- ção, Compreensão, Aritmética, Semelhanças,
tal, em uso até o momento [3]. Como revisão Dígitos e Vocabulário. A escala de execução
da Escala de Inteligência para Adultos, ou do abrange os subtestes de Símbolos, Completa-
WAIS (como é mais popularmente conhecida mento de Figuras, Cubos, Arranjo de Figuras e
entre psicólogos), o WAIS-R [4] foi publicado Armar Objetos. No WAIS-R, os subtestes são
em 1981, padronizado para adultos de 16 a os mesmos. Não obstante, subtestes verbais e
74 anos e 11 meses. Esse instrumento, embo- de execução são alternados, para manter o in-
ra objeto de modificações, ainda reflete o teresse do sujeito [4].
conceito básico de David Wechsler de que os Os subtestes avaliam diferentes aspectos do
testes de inteligência são instrumentos psi- funcionamento mental e, neste sentido, podem
cométricos, constituídos por uma série de ta- ser considerados como uma bateria. Entretan-
refas, para a avaliação do potencial do sujei- to, através da soma dos escores de cada escala,
to para apresentar “comportamento com obtêm-se um QI verbal e um QI de execução, e
propósito e útil”. os resultados globais fornecem um QI total.
Já antes do aparecimento do WAIS-R, o W- Tanto o WAIS como o WAIS-R exigem ma-
B [5] e o WAIS começaram a ser utilizados, não terial técnico específico (somente Cubos e três
só como medida de QI, mas também para a conjuntos de Armar Objetos são comuns a
mensuração de diferentes funções cognitivas ambos), folha para registro de respostas (pro-
e na avaliação da organização da personalida- tocolo) e manual, sendo que o WAIS-R ainda
de [2], principalmente sob a luz de pressupos- inclui uma folha de análise. O material original
tos da psicologia do ego, sendo que esta últi- de ambos é de The Psychological Corporation.
ma perspectiva foi defendida especialmente O WAIS, de edição da Paidós, é distribuído pela
por Rapaport e colegas [6], em obra lançada Casa do Psicólogo, São Paulo.
em 1945. Ainda que tais escalas não tenham Alguns subtestes verbais do WAIS já foram
sido originariamente delineadas para tal fim, traduzidos e relativamente adaptados no Bra-
hoje em dia, o WAIS e, principalmente, o WAIS- sil. A folha de registro de respostas é distribu-
R são amplamente utilizados em avaliações ída pelo Centro Editor de Psicologia Aplicada,
neuropsicológicas [7], tendo sido criado um Rio de Janeiro, ou por suas concessionárias. Do
instrumento complementar, o WAIS-R NI [8], WAIS-R não existe tradução publicada no Bra-
que é um poderoso coadjuvante em tais exa- sil, nem qualquer tentativa de padronização, o
mes. Por outro lado, em completo acordo com que é lamentável, não só porque seu conteú-
o conceito de Wechsler sobre inteligência [4], do foi atualizado, mas porque apresenta con-
as duas escalas continuam a ser usadas em dições psicométricas melhores que o WAIS [1].
psicodiagnóstico de personalidade, com base São utilizados com sujeitos de 16 anos ou
em resultados de pesquisas. mais.
PSICODIAGNÓSTICO – V 275
lado, Lezak, em 1995 [7], lamentava o fato de 11. Zimmerman, I.L., Woo-Sam, J.M., & Glasser, A.J.
o WAIS-R ter conservado a sistemática das esca- (1976). Interpretación clínica de la Escala de Inteli-
gencia de Wechsler para adultos (WAIS). Madrid: Tea.
las anteriores, em vez de assumir um formato 12. Flynn, J.R. (1998). WAIS-III and WISC-III IQ gains in
mais científico. O esquema dicotômico das Es- the United States from 1972 to 1995: how to com-
calas Wechsler também é criticado por não le- pensate for obsolete norms. Perc. & Motor Skills,
var em conta modelos teóricos mais atualiza- 86, 1231-1239.
dos sobre inteligência [15]. 13. Flynn, J.R. (1999). Searching for justice: the disco-
very of IQ gains overtime. Amer. Psychol., 54, 1, 5-
6. O WAIS tem sido incluído entre as bate- 20.
rias neuropsicológicas mais comumente utili- 14. Jacquemin, A. (1987). Importância dos testes psi-
zadas [16], sendo empregado para a identifi- cológicos no diagnóstico e problemas gerais do
cação de déficits cognitivos, na determinação diagnóstico (mesa-redonda). Porto Alegre: II Encon-
da natureza e extensão de tais déficits e, espe- tro sobre Testes Psicológicos.
15. McGrew, K.S., & Flanagan, D.P. (1998). The Intelli-
cialmente, no caso de alcoolistas para a avalia- gence Test Desk Reference (ITDR): Gf-Gc cross-bat-
ção da reversibilidade de déficits após a absti- tery assessment. Boston, MA: Allyn & Bacon.
nência [17, 18]. Entretanto, autores assinalam 16. Hesselbrock, M.N., Weidenmann, M.A. & Reed,
que uma série de fatores pode influenciar o H.B.C. (1985). Effects of age, sex, drinking, and anti-
padrão desses déficits que se refletem no de- social personality in neuropsychology of alcoholics.
J. Stud. Alc., 46, 4, 313-320.
sempenho nos testes. 17. Cunha, J.A., Minella, D.M.L., Argimon, I.L., & Perei-
ra, I.T. (1990). Déficits cognitivos e a questão da
melhora funcional em alcoolistas abstinentes. Psi-
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pretación de la escala de inteligencia Wechsler-Be-
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of adult intelligence. 4.ed. Baltimore, MD: The Wi-
8. Kaplan, E., Fein, D., Morris, R., & Delis, D.C. (1991).
lliams & Wilkins.
WAIS-R NI. Manual: WAIS-R as an neuropsycholo-
gical instrument. San Antonio, TX: Psychological
Corporation.
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New York: Wiley & Sons. çado, em 1997, a Wechsler Adult Intelligence
PSICODIAGNÓSTICO – V 277
2. Groth-Marnat, G. (1999). Wechsler Adult Intelligen- crito, para examinandos com problema de au-
ce Scale-III Supplement. In G. Groth-Marnat. Hand- dição ou de compreensão auditiva e, ainda, a
book of psychological assessment. 3.ed. New York:
Wiley & Sons.
opção de escolha entre respostas múltiplas, que
3. Olin, J.T., & Keatinge, C. (1998). Rapid psychologi- permite uma análise mais refinada de erros
cal assessment. New York: Wiley & Sons. cometidos. Além disso, é apresentado um novo
4. Wechsler, D. (1997). WMS-III-administration and subteste verbal, de Arranjo de Sentenças e vá-
scoring manual. San Antonio, TX: Psychological rias formas de administrar Aritmética.
Corporation.
5. Flynn, J.R. (1998). WAIS-III and WISC-III IQ gains in
Entre os subtestes de execução, são propos-
the United States from 1972 to 1995: how to com- tas modificações importantes na administra-
pensate for obsolete norms. Perc. & Motor Skills, ção de cubos. Aos quebra-cabeças do WAIS-R
86, 1231-1239. é acrescentado o Carro do WISC-III e mais dois
6. McGrew, K.S., & Flanagan, D.P. (1998). The Intelli- adicionais, o Círculo e a Vaca. Além disso, são
gence Test Desk Reference (ITDR): Gf-Gc cross-bat-
tery assessment. Boston, MA: Allyn & Bacon.
incluídos outros subtestes – Expansão Espacial
e Cópia de Símbolos.
Para administrar o NI, é necessário o mate-
WAIS-R NI rial do WAIS-R e um conjunto suplementar, que
compreende o manual, o protocolo, o cader-
Dados históricos no de resposta, o blocos de estímulos, o de
Arranjo de Sentenças, os quebra-cabeças adi-
Como o WAIS-R tem sido um instrumento am- cionais, a prancha de Extensão Espacial e cu-
plamente utilizado em avaliações neuropsico- bos extras, para uso com o subteste de Cubos.
lógicas, embora não tenha sido delineado para
este fim, em 1991, foi lançado por Kaplan, Fein,
Morris e Delis [1] um novo método, que cons- Administração
titui uma abordagem processual para adminis- Forma: hétero-administrada individualmente.
trar e atribuir escore nesse instrumento. Desta Tempo: variável e, além disso, a adminis-
maneira, introduz modificações no manejo do tração pode requerer duas ou mais sessões,
WAIS-R, propõe alternativas diferenciadas de especialmente se há problemas de atenção ou
administração, além de acrescentar outros sub- limitação da persistência do examinando.
testes para permitir um entendimento mais Manejo: a ordem de administração dos sub-
completo do funcionamento neurocognitivo de testes precisa ser adaptada ao caso individual,
um examinando. sendo usada a forma padrão apenas quando
são requeridos escores de QI; há instruções
específicas para a administração, a avaliação
Descrição dos acertos e a análise dos erros, sendo os re-
sultados apresentados num perfil.
O WAIS-R NI mantém a estrutura básica das
escalas Wechsler, com subtestes verbais e de
execução. Não obstante, introduz dois méto- Indicações
dos de opção, caso o examinador necessite
derivar escores de QI ou não, apresentando 1. Avaliação neuropsicológica.
normas referentes ao limite de tempo e des- 2. Triagem para a determinação da necessi-
continuidade. Em todos os subtestes originais, dade de uma avaliação mais completa.
exceto Cubos, é possível atribuir escores para
cálculo do QI, se for indispensável.
Como complementação aos subtestes de Comentários
Informação, Vocabulário e Semelhanças, que
originariamente solicitam uma resposta livre, 1. Conforme Lezak [2], várias sugestões e
há possibilidade de apresentar os itens por es- considerações do WAIS-R NI são aplicáveis à
Forma: individual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Tempo: de 15 a 30 minutos.
Manejo: similar a outras escalas Wechsler.
1. Kaplan, E., Fein, D., Morris, R., & Delis, D.C. (1991).
WAIS-R NI Manual: WAIS-R as a neuropsychologi-
cal instrument. San Antonio, TX: Psychological Cor-
poration. Indicação
2. Lezak, M.D. (1995). Neuropsychological assessment.
3.ed. New York: Oxford Universities Press. 1. Medida rápida de inteligência.
WASI Comentário
PSICODIAGNÓSTICO – V 279
lligence Scale for Children – Revised (WISC-R), cada escala, sendo Dígitos e Labirintos subtes-
publicada em 1974, são, como o WAIS, o WAIS- tes suplementares. A inclusão desses subtes-
R, o WAIS-III, o WPPSI, o WPPSI-R e, recente- tes no cálculo do QI tem sido muitas vezes cri-
mente, o WASI, descendentes da Wechsler-Be- ticada, em razão de sua baixa correlação com
llevue Scale, ou W-B (1939). Após a versão ori- os outros subtestes. Não obstante, na prática,
ginal do W-B, foi acrescentada outra alternati- muitas vezes são considerados alternativos (a
va ou forma paralela, em 1946. Posteriormen- serem usados em substituição a outros sub-
te, após extensivo trabalho de revisão, cons- testes) ou subsidiários (quando interessa a sua
trução e padronização, surgiu uma extensão aplicação de um ponto de vista clínico). Dessa
do W-B, em termos de faixas etárias, para bai- maneira, podem ser utilizados quatro, cinco ou
xo, o WISC [1]. Metodologicamente, represen- seis subtestes, em cada escala, mas, no primeiro
tou um avanço sobre o W-B, embora sua natu- e no último caso, é necessária a transforma-
reza não tenha sido modificada essencialmen- ção proporcional da contagem ponderada.
te, pelo que qualquer análise crítica dessa téc- O WISC-R compreende os mesmos subtes-
nica deva a esta se referir, tanto em seu uso tes, ainda que a sua seqüência seja diversa. Na
como instrumento psicométrico quanto como administração, o próprio manual prevê a alter-
um recurso mais amplo, embora auxiliar, no nância de subtestes verbais e de execução para
diagnóstico clínico. Na forma revisada, o WISC- a manutenção do interesse e cooperação do
R [2] segue basicamente o modelo do WISC, sujeito. Na escala verbal, Dígitos é apresenta-
mantendo muitos itens (64%) em sua forma do como subteste suplementar, que deve ser
original e outros (8%) com modificações im- utilizado quando houver disponibilidade, mas
portantes [3]. De um modo geral, a nova for- rotineiramente não é considerado para o côm-
ma procurou atender interesses infantis, in- puto do QI. Só é usado como teste alternativo
cluindo figuras de ambos os sexos e de dife- quando algum dos outros subtestes for invali-
rentes raças. A padronização foi realizada numa dado. Na escala de execução, Labirintos é o
amostra estratificada e representativa de mui- subteste suplementar, mas pode ser utilizado
tas variáveis demográficas dos Estados Unidos. indiferentemente, em lugar de Código. A não
Por outro lado, já foi objeto de muitas pesqui- ser neste caso específico, Dígitos e Labirintos
sas, de forma que, em termos de suas proprie- só serão usados como alternativos quando
dades psicométricas, pode-se afirmar que cons- outro subteste da escala específica for invali-
tituiu um expressivo progresso sobre o WISC. dado. Não é permitida substituição por prefe-
O WISC foi traduzido por Ana Maria Po- rência, conveniência ou mau desempenho do
ppovic [4], sendo introduzidas pequenas mo- sujeito [5].
dificações e adaptações. Quando ao WISC-R, Os subtestes avaliam diferentes aspectos do
é acessível apenas em sua forma original, no funcionamento intelectual, e os resultados glo-
Brasil. bais são convertidos em QI.
Exigem material técnico específico (sendo
que o WISC-R não pode ser administrado com
Descrição o material do WISC), folhas de registro de res-
postas e uso de tabelas, conforme os grupos
O WISC e o WISC-R incluem duas escalas, ver- etários, que constam do manual.
bal e de execução. No WISC, a escala verbal O material original é distribuído por The
compreende os subtestes de Informação, Com- Psychological Corporation, nos Estados Unidos.
preensão, Semelhanças, Dígitos, Aritmética e Há uma edição argentina do WISC da Paidós, e
Vocabulário. A escala de execução abrange os existe uma tradução brasileira do CEPA, Rio de
subtestes de Completamento de Figuras, Ar- Janeiro.
ranjo de Figuras, Cubos, Armar Objetos, Códi- O WISC pode ser usado dos 5 aos 15 anos e
go e Labirintos. Na realidade, para o cálculo 11 meses, e o WISC-R, dos 6 aos 16 anos e 11
do QI, são considerados cinco subtestes em meses.
PSICODIAGNÓSTICO – V 281
últimos, entretanto, resultam úteis do ponto WISC-III
de vista qualitativo, podendo fornecer dados
de interesse clínico. Dados históricos
6. Comparando o material brasileiro e o
argentino no subteste de Armar Objetos do Mantendo o mesmo conceito de inteligência,
WISC com o original da American Psychologi- subentendido pelas demais escalas Wechsler,
cal Corporation, percebem-se diferenças no foi lançada, em 1991, uma revisão do WISC-R,
material empregado, que podem constituir denominada Wechsler Intelligence Scale for
uma variável que talvez venha a afetar o de- Children – Third Edition [1].
sempenho. Seriam necessárias pesquisas no As normas se basearam numa amostra de
sentido de determinar se o tempo limite com 2.200 crianças de 6 a 16 anos, com número
esses materiais deve ser o mesmo que com o idêntico de sujeitos de cada sexo, mas sendo,
material original. sob outras variáveis, uma amostra bastante
7. Como há muitas críticas em relação a representativa das características demográficas
esses instrumentos, não obstante, ainda em dos Estados Unidos, inclusive de um ponto de
uso no Brasil, recomenda-se o WISC-III, em fase vista étnico.
final de adaptação (vide a seguir). A revisão incluiu uma atualização de itens,
considerados em termos de gênero e etnia,
novo delineamento do material de teste, com
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Motor Skills, 65, 19-25. composta pelos mesmos cinco subtestes bási-
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Children. New York: Grune & Stratton. tos, que já constava da versão anterior, e Pro-
8. Kaufman, A.S., & Reynolds, C.R. (1983). Clinical eva- curar Símbolos.
luation of intelectual function. In I.B. Weiner, Ed.
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Exige material técnico específico, diverso do
New York: Wiley & Sons. WISC-R, folhas de registro e manual, que são
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supplementary subtests as alternates. Psychol. Re- obtidos a respeito apresentam propriedades
ports, 64, 580-582. psicométricas satisfatórias [2].
PSICODIAGNÓSTICO – V 283
WISCONSIN corretamente classificadas ou até ter usado
todas as cartas dos dois baralhos.
Dados históricos O material inclui o manual do WCST, dois
baralhos idênticos com quatro cartas-estímu-
O Wisconsin Card Sorting Test, WCST, ou Teste lo, bem como outras 64 cartas cada um e o
Wisconsin de Classificação de Cartas, foi cria- protocolo de respostas. As cartas dos baralhos
do em 1948, sendo ampliado e revisado pos- apresentam figuras de várias cores (vermelho,
teriormente [1]. Delineado para uso na popu- azul, amarelo ou verde), formas (cruzes, círcu-
lação geral, passou a ser empregado, cada vez los, triângulos ou estrelas) e número de figu-
mais, como um instrumento clínico na avalia- ras (uma, duas, três ou quatro). É distribuído
ção neuropsicológica de funções cognitivas, par- por Psychological Assessment Resources, de
ticularmente as que envolvem os lobos frontais. Odessa, Flórida, nos Estados Unidos.
É vasto o número de investigações em su-
jeitos adultos com alterações nas funções exe-
cutivas, sejam ocasionadas por declínio no de- Administração
sempenho cognitivo, sejam pela esclerose múl-
tipla, doença de Parkinson, doença de Alzhei- Forma: hétero-administrada individualmente.
mer ou envolvendo lesões cerebrais focais, etc. Tempo: 20 a 30 minutos, em média.
[2-9]. Multiplicam-se também as pesquisas com Manejo: a atribuição do escore, no WCST,
o instrumento para avaliar disfunções cogniti- não é fácil, e cada resposta deve ser considera-
vas em transtornos psicopatológicos [10-12]. da em três dimensões – (a) Correta-Incorreta,
Em crianças e adolescentes normais, obser- (b) Ambígua-Não-ambígua e (c) Perseverativa-
va-se um interesse no desenvolvimento de ta- Não-perseverativa –, que são avaliadas confor-
belas normativas [1, 13, 14], como referencial me uma série de regras, e, além disso, ainda
para discriminar casos com problemas, que têm são levados em conta: o nível conceitual das
repercussões importantes, principalmente no respostas, o fracasso em manter o contexto e
aproveitamento escolar e no comportamento, a eficiência em aprender. As normas america-
como ocorre em sujeitos com déficit de aten- nas apresentam a correspondência entre o es-
ção/hiperatividade, transtornos de aprendiza- core bruto e o escore padrão, escore T e per-
gem, além daqueles com lesões cerebrais trau- centil, para indivíduos entre 6 anos e meio e
máticas, transtornos convulsivos, etc. [1, 15, 16]. 90 anos e para adultos com menos de 8 anos
de escolaridade até mais de 18 anos de escola-
ridade. Está em andamento a coleta de dados,
Descrição sob nossa coordenação, para o desenvolvimen-
to de normas brasileiras.
É um teste em que o sujeito deve classificar
cartas de um baralho, uma por uma, procu-
rando casá-la com uma de quatro cartas-estí- Indicações
mulo com que mais combine, conforme um
princípio preestabelecido (a categoria pode ser 1. Medida do pensamento abstrato.
cor, forma ou número), conhecido pelo exami- 2. Medida da flexibilidade na resolução de
nador, mas não pelo examinando, que se ba- problemas.
seia apenas no feedback que é dado à sua res- 3. Avaliação de déficits neuropsicológicos.
posta, como certa ou errada. No momento em
que o examinando consegue dar dez respos-
tas corretas consecutivas, o princípio de classi- Comentários
ficação é mudado pelo examinador, sem pré-
vio aviso ao examinando. O procedimento é 1. Embora amplamente usado na investi-
repetido até que o sujeito complete seis séries gação das funções executivas, algumas pesqui-
PSICODIAGNÓSTICO – V 285
pesquisas para o desenvolvimento da WMS-R, A forma abreviada da WMS-R compreende
Escala de Memória Wechsler – Revisada, con- os seguintes subtestes: Informação e Questões
seguindo levar a efeito as modificações essen- de Orientação, Controle Mental, Memória de
ciais antes de seu falecimento, em 1981. Pos- Figuras, Memória Lógica, Pares Visuais Asso-
teriormente, foram finalizados os estudos, com ciados, Pares Verbais Associados, Reprodução
a contribuição de Edith F. Kaplan, Prigatano, Visual, Dígitos e Amplitude da Memória Visual,
Schwartz e outros, sendo lançada a revisão em sendo que os índices resultantes se baseiam
1987, com normas de 16 a 74 anos. apenas nos oito últimos. O reteste inclui os
A WMS-R constitui indiscutivelmente uma subtestes de Memória Lógica II, Pares Visuais
importante melhoria, no sentido de não man- Associados II, Pares Verbais Associados II e Re-
ter um escore unitário, o QM, nem a dicoto- produção Visual II. A WMS-R proporciona os
mia de memória verbal/não-verbal, incluindo índices de Memória Geral (composto de dois
medidas de memória tardia e usando uma índices, de Memória Verbal e Memória Visual),
amostra mais adequada para sua normatização Atenção e Concentração e de Evocação Retar-
[4], incluindo normas dos 16 aos 74 anos [3]. dada.
Em 1997, porém, foi lançada a última revi- A WMS-III é constituída por 12 subtestes
são da escala, a WMS-III [5], que apresenta primários (sendo 4 medidas tardias) e 6 sub-
adequadas propriedades psicométricas e per- testes suplementares (2 são medidas tardias).
mite uma avaliação clínica mais detalhada e Inclui subtestes de Orientação (Informação e
satisfatória, além de se basear em pressupos- Orientação), do Domínio da Memória Auditi-
tos teóricos mais atualizados e poder ser utili- va/Verbal (Memória Lógica I e II, Pares Verbais
zada dos 16 aos 89 anos [6]. Associados I e II e Lista de Palavras I e II), do
Nunca houve uma tradução formal em por- Domínio da Memória Visual-Não-Verbal (Figu-
tuguês da WMS. Quanto à WMS-R, foi feita ras de Famílias I e II, Rostos I e II e Reprodução
uma adaptação para o português, com vistas Visual) e do Domínio da Memória de Trabalho
à realização de estudos de validade e fidedig- (Seqüência de Letras e Números, Extensão Es-
nidade [7], com normas de 18 a 70 anos. pacial, Dígitos e Controle Mental). Os últimos
subtestes são comuns ao WAIS-III.
A WMS só exige material específico para o
Descrição subteste de Reprodução Visual e o manual. A
WMS-R e a WMS-III, além do manual, reque-
A WMS original incluía duas formas, sendo que rem material especializado, que é fornecido por
a normatização e as pesquisas mais importan- The Psychological Corporation.
tes foram feitas apenas com a escala I. Esta
compreende sete subtestes: Informações Pes-
soais e Atuais, Orientação, Controle Mental, Administração
Memória Lógica, Dígitos, Reprodução Visual e
Aprendizagem Associada. Permite determinar Forma: individual.
o QM, ou Quociente de Memória. Tempo: 15 minutos, para a WMS; 30 minu-
A WMS-R manteve certo número de itens tos, aproximadamente, para a forma abrevia-
de vários subtestes da WMS, com algumas da da WMS-R, mas, se utilizado o reteste, este
modificações e maior refinamento nas instru- deve ser iniciado, pelo menos, 30 minutos após
ções e no sistema de escore, além de acrescen- a administração de Memória Lógica I, mas na
tar outros. Tal conjunto de oito subtestes (for- mesma sessão de testagem; a WMS-III é consi-
ma abreviada) visa à mensuração da evocação derada por demais demorada, se for aplicada
imediata. Também, representando outro avan- na sua íntegra.
ço sobre a WMS, inclui o reteste de alguns Manejo: para a WMS, são atribuídos esco-
subtestes, com procedimentos específicos para res brutos às respostas corrigidas de cada sub-
mensuração da evocação retardada. teste e somados os escores parciais dos sub-
PSICODIAGNÓSTICO – V 287
Wilkinson, D.A. (1987). CT span and neuropsychologi- conceitual e técnico, o WPPSI-R mantém a es-
cal assessment of alcoholism. In O.A. Parsons, N. trutura do WPPSI.
Butters & P.E. Nathan, Ed. Neuropsychology of al-
coholism (p.76-102). New York: Guilford.
Descrição
WPPSI & WPPSI-R
O WPPSI, como o WISC e o WISC-R, compreen-
de um conjunto ou uma bateria de subtestes,
Dados históricos
cada um envolvendo aspectos intelectuais di-
O WPPSI, ou Wechsler Preschool and Primary versos, mas que são “combinados num escore
Scale of Intelligence, não se fundamentou em composto, como uma medida da capacidade
quaisquer pressupostos teóricos sobre o desen- total ou global” [2]. É constituído por duas
volvimento cognitivo infantil [1]. Antes, pode escalas, verbal e de execução, com seis e cinco
ser considerado um descendente direto das es- subtestes, respectivamente. A escala verbal
calas WISC e WAIS, também da autoria de Da- abrange Informação, Vocabulário, Aritmética,
vid Wechsler. Entretanto, não representa uma Semelhanças, Compreensão e Sentenças, sen-
extensão para baixo do WISC, embora origina- do este último um subteste suplementar. A
riamente projetado para tal fim, idéia que foi escala de execução inclui Casa de Animais,
abandonada por razões teóricas e metodoló- Completamento de Figuras, Labirintos, Dese-
gicas [2]. Ainda que semelhante ao WISC em nhos Geométricos e Cubos.
forma e conteúdo, apresenta características O WPPSI-R mantém os 11 subtestes do
próprias, constituindo uma escala distinta e WPPSI, incluindo outro subteste, Arranjo de
separada. Oito de seus subtestes são deriva- Objetos, na escala de execução. Casa de Ani-
dos do WISC, e três são inteiramente novos: mais, agora com a denominação de Animal
Sentenças, Casa de Animais e Desenhos Geo- Pegs, passa a ser um subteste opcional, assim
métricos. como Sentenças. Por outro lado, Desenhos
Casa de Animais foi incluído com a inten- Geométricos é apresentado atualmente com
ção de substituir Código, mas não pode ser duas versões, sendo selecionada uma delas
considerado estritamente como seu equiva- conforme a idade do sujeito.
lente. Ambas as escalas permitem obter um QI
A exclusão de Código e Dígitos constitui a verbal, um QI de execução e um QI total.
explicação provável para que o Fator III do Exigem material técnico específico, além de
WISC-R [3] não emerja na estrutura fatorial do folhas impressas para a execução de Labirin-
WPPSI, em que são identificados apenas Com- tos e Desenhos Geométricos, folhas para re-
preensão Verbal e Organização Perceptual, con- gistro das respostas e manual. O material ori-
forme análise de Sattler (1988), citado por Perl- ginal, diverso para cada uma das escalas, é pro-
man e Kaufman [1]. duzido por The Psychological Corporation.
O WPPSI foi lançado em 1967. Contudo, O WPPSI é indicado para uso com crian-
face a limitações observadas, foi objeto de re- ças de 4 a 6 anos e meio, e o WPPSI-R, com
visão e de nova padronização, surgindo o WPP- sujeitos de 2 anos e 11 meses a 7 anos e 3
SI-R em 1989, após estudos que abrangeram meses.
1.700 crianças, amostra estratificada em ter-
mos de variáveis demográficas [4].
Nesta versão, muitos itens foram testados Administração
e revisados, sendo alguns eliminados. Os sub-
testes que incluíam ilustrações foram redese- Forma: individual.
nhados, sendo incrementado o uso da cor. Tempo: 50 a 70 minutos para o WPPSI e
Houve uma extensão dos grupos etários com- para o WPPSI-R, e 10 a 15 minutos para opcio-
preendidos. Não obstante, do ponto de vista nais do último.
PSICODIAGNÓSTICO – V 289
Z-TESTE Tempo: aproximadamente 15 minutos, para
a administração coletiva, e variável, para a in-
Dados históricos dividual.
Manejo: cada resposta é classificada con-
O Z-teste, desenvolvido por Hans Zulliger, é forme sua localização, determinantes e conteú-
considerado um descendente direto do teste do, considerando-se, ainda, o número de res-
de Rorschach, que talvez se deva ao fato de o postas e a presença de fenômenos especiais,
próprio autor ter continuado as experiências sendo que a interpretação leva em conta as-
científicas de Hermann Rorschach [1]. Assim, pectos quantitativos e qualitativos.
já em 1938, divulgou, com Behn-Eschenburger,
sua primeira técnica, utilizando manchas de
tinta, como estímulo. No início da década se-
Indicação
guinte, fez várias tentativas para desenvolver
um instrumento que pudesse atingir objetivos
similares ao teste de Rorschach, mas com eco- 1. Avaliação da personalidade, principal-
nomia de tempo, para a seleção de oficiais mente em seleção profissional, em clínica e na
durante a Segunda Guerra Mundial. Dessa ma- área escolar.
neira, em 1948, divulgou um conjunto de três
diapositivos, para administração coletiva, sen-
do que, em 1954, a versão em cartões e o ma- Comentário
nual foram publicados por Hans Huber, na Suíça.
1. A forma preferencial de administração
da técnica de Zulliger é a coletiva, já que, no
Descrição que se refere à administração individual, o tes-
te de Rorschach oferece, indiscutivelmente,
O material do teste é constituído por três di-
subsídios mais ricos. Por outro lado, no Brasil,
apositivos, para a forma coletiva, ou três cartões,
foi objeto de extensivo trabalho de pesquisa,
às vezes denominados lâminas ou pranchas, para
desenvolvido por Cícero E. Vaz [1].
a administração individual. Como o teste de Ror-
schach, é uma técnica projetiva, e os estímulos
utilizados são manchas de tinta, escassamente REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
estruturadas, embora possam ser consideradas
simétricas, em termos do eixo vertical. 1. Vaz, C.E. (1998). Z-teste: Técnica de Zulliger: for-
Os diapositivos ou as lâminas são apresen- ma coletiva. São Paulo: Casa do Psicólogo.
tados um a um, sendo necessária uma folha
de localização, para mapeamento das respos- OUTRAS FONTES BIBLIOGRÁFICAS
tas; além disso, na administração coletiva, é
Freitas, A.M.L. (1996). Teste Zulliger: aplicação e ava-
preciso material e ambiente adequado à pro- liação. São Paulo: Casa do Psicólogo.
jeção dos diapositivos. Guerra, G.A. (1977). O Teste de Zulliger: uma experiên-
O material é produzido, na Suíça, por Hans cia brasileira. Rio de Janeiro: CEPA.
Huber. No Brasil, é distribuído pelo CEPA e pela Macedo, R.M.S. (1968). O Teste Z em adolescentes. Rev.
Psicol., 14, 1/2, 3-47.
Casa do Psicólogo.
Vaz, C.E. (1996). O Teste de Zulliger, suas aplicações e o
número de respostas como desempenho e produ-
ção. In A. Jacquemin, E.T.K. Okino e J. Vendruscolo,
Administração Org. Anais do I Encontro da Sociedade Brasileira de
Rorschach e Outros Métodos Projetivos (p.53-66).
Ribeirão Preto, SP: Sociedade Brasileira de Ror-
Forma: individual ou coletiva. schach.
Problemas na administração
PSICODIAGNÓSTICO – V 293
do paciente, três lápis bem apontados de nú- lado, se faz perguntas sobre motivos ou signi-
mero 1 ou 2, de preferência com borracha de ficado do teste, transfira a resposta para de-
qualidade na ponta, e um bom número de fo- pois do período de testagem (Lacks, 1984).
lhas de papel em branco. Verifique também se Alguns clientes, às vezes, tentam reprodu-
a mesa onde o testando vai trabalhar tem a zir as figuras, esboçando-as com uma série de
superfície lisa (já que uma superfície rugosa linhas leves, ao invés de usar uma linha firme.
pode prejudicar fundamentalmente o desem- É preciso que o examinador esteja atento para
penho) e apresente a folha (exceto quando há isso, porque em alguns sistemas, como a adap-
instruções em contrário) na posição usual (po- tação Lacks do sistema Hutt-Birskin, um pro-
sição vertical), embora o examinando possa tocolo esboçado não se presta para o escore e,
ajustá-la para trabalhar mais confortavelmen- então, o examinador deve dizer ao cliente para
te, mas ainda mantendo uma orientação verti- não desenhar dessa maneira.
cal. Comece a marcar o tempo após colocar a Foi descrita a fase da cópia, que constitui a
primeira lâmina na frente do examinando. La- administração total, para muitos autores. Even-
cks (1984) recomenda que não se utilize cro- tualmente, pode-se seguir a reprodução por
nômetro, para o examinando não pensar que memória, a fase de associação e, por vezes, de
existe um limite de tempo. Um relógio de pul- elaboração.
so ou de parede são suficientes. Há autores que O procedimento que foi descrito foi para a
não valorizam o fator tempo, mas, às vezes, é administração individual, que é a mais comum.
importante. Nessa forma de administração, a técnica pode
A primeira lâmina é colocada na frente do ser usada no início de uma testagem, como
examinando, para que copie. Eventualmente, procedimento para warming-up, para facilitar
o examinando a aproxima para ver melhor. O o rapport ou tranqüilizar um examinador in-
examinador só intervirá, de forma não-verbal, quieto. Também se aconselha como um instru-
corrigindo a posição, se o examinando mudar mento de transição entre técnicas mais objeti-
a orientação da lâmina. Se insiste, o examina- vas e as projetivas.
dor não deve intervir novamente, mas, logo que Caso tenha se decidido por uma adminis-
terminar a testagem, deve indicar a posição do tração coletiva, siga as instruções do autor se-
estímulo, por uma flecha, no protocolo, indi- lecionado.
cando a direção da parte superior do estímu- Seja com administração individual ou cole-
lo, no momento em que foi copiado. Da mes- tiva, o problema realmente importante em ter-
ma maneira, se o examinador mudou a posi- mos de administração é, pois, o de selecionar,
ção do papel, também deve ser feita uma fle- a priori, o método de abordagem a ser utiliza-
cha, indicando sua parte superior, durante a do, se projetivo ou objetivo, e, então, o siste-
cópia. ma de escore a ser adotado, para utilizar, des-
As perguntas ocasionais do examinando de o início, um procedimento padronizado.
devem ser respondidas de maneira neutra, re- Existem muitas estratégias, que variam con-
petindo as instruções ou dizendo que proceda forme os propósitos da avaliação, e vários sis-
“como quiser” ou “como achar melhor”. A temas de escore. Aqui, neste capítulo, exami-
pergunta de se pode usar uma régua deve ser naremos apenas as abordagens que parecem
respondida com um simples “não”. Por outro mais úteis.
PSICODIAGNÓSTICO – V 295
teses relativas à segunda hipótese foram ex- experiência da autora e nos achados de outros
traídas da pesquisa de Hutt com adultos, com investigadores, sendo citados Byrd, Clawson,
algumas extrapolações para adaptação ao de- Hutt e Birskin, Kitay, Murray e Roberts, Pascal e
senvolvimento infantil. E, em relação à tercei- Suttell e Tucker e Spielberger (Koppitz, 1971;
ra hipótese, as relações procuradas entre o B- Koppitz, 1987).
G e o Rorschach precisavam ser determinadas Koppitz desenvolveu seu projeto de pesqui-
empiricamente, por não se registrar, até então, sa em 1963, elaborando um manual de escore
qualquer trabalho desse tipo na literatura es- de dez indicadores (Koppitz, 1971; Koppitz,
pecífica. 1987). Dois outros indicadores foram melhor
A amostra utilizada por Clawson compreen- examinados em seu trabalho de 1975 – figuras
deu um grupo “experimental” e um grupo de em quadros* e elaboração** – e não são in-
controle. O primeiro era constituído por 80 cluídos na comparação feita no item seguinte,
crianças, de 7 a 12 anos, clientes do Wichita em que são citadas hipóteses interpretativas.
Guindance Center, em Wichita, Kansas, com
ampla gama de sintomas, de forma que pode-
riam ser descritas como apresentando compor- Comparação das pesquisas de Clawson e
tamento desajustado, com perturbações emo- Koppitz
cionais, mas sem que qualquer uma fosse ca-
racterizada como psicótica, deficiente mental Os resultados das duas pesquisas são apresen-
ou lesada cerebral. O grupo de controle era tados, resumidamente, nos Quadros 19-1, 19-
constituído por 80 crianças, também de 7 a 12 2 e 19-3. Os itens estão organizados, nos três
anos, de escolas públicas, julgadas como nor- quadros, basicamente de acordo com a siste-
mais por um professor, quanto a desenvolvi- mática usada por Clawson, em seu livro, sen-
mento, escolhidas randomicamente, mas sen- do acrescentados itens de Koppitz, que não
do o grupo estratificado em termos dos níveis constaram da pesquisa original daquela auto-
socioeconômicos da cidade. Os grupos foram ra. Da pesquisa de Clawson de 1959, são in-
equiparados quanto a idade, QI e nível socioe- cluídos aqui apenas os itens que apresentaram
conômico. significação estatística, embora os demais tam-
Pouco tempo depois, Koppitz realizou sua bém sejam discutidos em seu livro quanto à
investigação sobre problemas emocionais em sua possível interpretação clínica. No caso da
crianças. Na literatura em que buscou subsídios, pesquisa de Koppitz, são incluídos todos os
citou Byrd (1956), Eber (1958), Simpson (1958) e itens, independentemente dos resultados te-
Clawson (1959). A hipótese levantada foi: rem sido considerados estatisticamente signi-
“As crianças com problemas de ajustamen- ficativos ou não, em vista de a autora manter
to mostrarão, no Bender, uma incidência mui- suas hipóteses, desconsiderando esse aspec-
to maior de indicadores emocionais do que to. Para os leitores identificarem bem os casos
crianças bem-adaptadas”. em que não foi encontrada significância esta-
Para seu estudo, utilizou uma amostra de tística, a interpretação consta como Hip K (hi-
272 crianças, de 5 a 10 anos, da qual um gru- pótese de Koppitz).
po era constituído por 136 crianças, encami- As iniciais das autoras, C (Clawson) ou K
nhadas a uma clínica de conduta ou ao psicó- (Koppitz) são empregadas para identificação
logo, por problemas emocionais, enquanto o de suas respectivas definições operacionais,
outro grupo, também de 136 crianças, era
constituído por alunos sem história de desa-
juste emocional. Os grupos foram equiparados *As figuras, desenhadas dentro de um quadro ou cai-
em termos de idade e sexo, não sendo incluída xa, relacionam-se com fracos recursos de controle, de
qualquer criança que pudesse ser caracteriza- forma que são necessários limites externos para o com-
portamento.
da como deficiente. Foram examinados indi- **Elaboração ou adições espontâneas relacionam-se
cadores emocionais, selecionados com base na com medos e ansiedade.
Organiza- Estilo C: Dois terços das figuras Presença ou I 0,05 C: Personalidade que tende ao
ção compressivo dispostas na borda, no topo ausência retraimento de um mundo, que
ou na base, considerando parece ameaçador e hostil
a metade da página, esteja
esta na horizontal ou na
vertical
K: Uso de menos de metade Presença ou K NS (5-7a) Hip K: Retraimento, timidez,
da folha ausência depressão
NS (8-10a) C: Personalidade que se
expressa por comportamento
de atuação
Estilo C: Figuras espalhadas na pági- Presença ou II 0,001
expansivo na ou páginas, com considerá- ausência
vel espaço entre as mesmas II 0,001
K: Uso de duas folhas ou mais Presença ou K 0,001 K: Impulsividade, atuação
ausência (5-7a)
0,01
(8-10a)
Modifica- Tamanho C: Aumento linear maior que Presença em 5 I NS Hip C: Tamanho da figura e
ção no aumentado ¼ do eixo vertical ou ou mais figuras controle dos afetos estão
tamanho horizontal em relação à relacionados em casos de
figura-estímulo crianças perturbadas
K: Aumento de 3 vezes o Computa-se só K NS (5-7a) Hip K: Atuação
tamanho do estímulo, em uma vez NS (8-10a)
ambas as direções na figura
ou em ambas as subpartes
Tamanho C: Diminuição linear menos Presença em 5 ou I 0,01 C: Comportamento de
diminuído que ¼ do eixo vertical ou mais figuras 0,001 retraimento. Associada a
horizontal, em relação à padrão Rorschach, indicativo
figura-estímulo de personalidade
supercontrolada, com canais
inadequados de expressão
K: Tamanho da metade do Computa-se só K NS (5-7a) K: Ansiedade, retraimento,
modelo em ambas as direções uma vez 0,02 constrição, timidez
na figura ou em ambas as (8-10a)
subpartes
Tamanho C: Aumento ou diminuição C: Baixa tolerância à frustração.
irregular progressiva do tamanho ou, Padrão encontrado em 75% das
pelo menos, uma figura crianças com comportamento
muito grande de atuação; relacionado com
sinais de reação mais explosiva,
no Rorschach
K: Aumento progressivo no Computa-se só 1,2,3 K NS (5-7a) Hip K. Baixa tolerância à
tamanho, de forma que as uma vez NS (8-10a) frustração e explosividade
últimas unidades são, pelo
menos, três vezes maiores
que as primeiras
Fontes: Clawson, 1959, p.198-206; Clawson, 1980, p.20-44 e p.82-83; Koppitz, 1971, p.161-181 (adaptado).
PSICODIAGNÓSTICO – V 297
QUADRO 19.2 B-G: Modificação da Gestalt, segundo Clawson e Koppitz
Categoria Item Definição operacional Critério de escore Figuras Hipótese P Interpretação
Fechamen- C: Problema na junção nas A,2,4, II 0,01 C: Medo nas relações inter-
linhas ou subpartes, como 5,6,7,8 III 0,01 pessoais. O conflito relaciona-
no caso de: se, no Rorschach, com
Lacuna C: Quebra de um contorno A,2,4, I NS respostas M agressivas, cuja
que é contínuo no estímulo 6,7,8 interpretação não foi
Transpasse C: Extensão de uma linha além A,2,4, I NS estabelecida. (A categoria
do ponto de junção 6,7,8 foi significativa como
Separação C: Pequeno espaço na junção conjunto de vários itens.)
de suas subpartes A,2,4, I 0,5
5,6,7,8
Superposi- Penetração C: Reprodução de uma A,4,5,8 I NS
ção de subparte sobre a outra, em
partes local em que ambas somente
se tocam no estímulo
Absorção C: Contato de subpartes, mas A,4,7,8 I NS
o vértice de uma subparte
faltando por causa da
interseção com as outras
Outros
Simplifi- C: Falta de maturação nas Presença em 3 ou II 0,01 C: Falha na maturação
cação reproduções (incluindo mais unidades
vários itens)
Uso de círcu- 1,2,3,5
los, traços ou
vírgulas por 2
pontos ou A,1,2,
laçadas 3,4,5,
Pontos por 6,7,8
laçadas
Forma básica
da figura e a
junção das
subpartes,
compostas
por linhas,
abaixo da IM*
Traços por K: Traços de 2 mm ou mais em 2 K NS (5-7a) Hip K: Impulsividade, falta de
círculos lugar de círculos NS (8-10a) interesse ou de atenção
Rotação C: Giro da figura total, de A,1,2, I 0,001 Hip C: Pequenas rotações têm
forma que o ângulo 3,4,5, maior valor que as severas, para
subentendido entre o eixo 6,7,8 indicar desajustamento (?)
horizontal da figura e a borda
do papel é igual ou maior
que 15º do que na figura
estímulo
Mudança C: Mudança na curvatura, de A,4,5 I 0,01 C: Sinal de perturbação
na curva- modo que o arco assume uma emocional
tura forma retangular achatada
ou uma forma triangular
pontuda
Presença em 3 ou 6 Hip C: (Hutt) Aumento como
mais unidades hiper-resposta emocional e
diminuição como supressão
do afeto (?)
Mudança C: Mudança maior que 15º no Presença de A,2,3, I 0,001 C: Sinal de perturbação
na angu- tamanho de qualquer ângulo ângulos aumen- 4,5,6, emocional; interpretação não
lação de uma figura ou no ângulo tados ou dimi- 7,8 formulada
de interseção entre subartes nuídos em 4 ou
de uma figura mais figuras
Limites da C: Número incorreto de 1,2,3, II 0.01 Hip C: Relacionado com a
figura unidades 5,6 aprendizagem percentual;
Perseveração C: Duas ou mais unidades que significação diversa conforme
o estímulo a idade
Mutilação C: Duas ou mais unidades a
menos que o estímulo
Fontes: Clawson, 1959, p.198-206; Clawson, 1980, p.20-44 e p.82-83; Koppitz, 1971, p.161-181 (adaptado).
*IM medida pelo teste de Goodenough, na pesquisa original de Clawson.
bem como de suas conclusões interpretativas. No grupo de 5 a 7 anos, apenas três dos 11
Note-se que, quando Clawson considera a in- indicadores de Koppitz, de acordo com os da-
terpretação apenas tentativa, constará também dos apresentados pela autora, se mostraram
como Hip C (hipótese de Clawson), eventual- significativos: linha ondulada, repassamento e
mente seguida pelo nome do autor no qual se expansão. No grupo de 8 a 10 anos, dos mes-
baseou. Por outro lado, se considera duvidosa mos 11 indicadores, somente quatro se mos-
a interpretação tentativa, é colocado um pon- traram significativos: ordem confusa, tamanho
to de interrogação entre parênteses. pequeno, segunda tentativa e expansão. Por-
As três hipóteses de Clawson são identifi- tanto, dos 11 indicadores emocionais de Kop-
cadas como I, II e III, e a de Koppitz apenas pitz, somente um, expansão, é significativo dos
com um K. 5 aos 10 anos. Dois indicadores, isto é, linha
Os quadros não são apresentados com o ob- ondulada e repassamento, só são significati-
jetivo de substituir a consulta aos livros das duas vos dos 5 aos 7 anos, e três, ordem confusa,
autoras, pois não abrangem todos os aspectos tamanho pequeno e segunda tentativa, só são
ou itens por elas considerados ou discutidos. Pre- significativos dos 8 aos 10 anos. Em conseqüên-
tendemos apenas comparar os dois sistemas e cia, de todos os indicadores emocionais de
apresentar dados que permitam identificar os Koppitz, apenas seis são clinicamente úteis.
desvios mais válidos, do ponto de vista de sua Entretanto, Koppitz inclui em seu livro mesmo
significação estatística. Todavia, não podemos os itens que ela própria informa não terem sig-
deixar de admitir que são estes os que se pode nificação estatística, atribuindo-lhes significa-
dizer que possuem utilidade clínica. ção clínica, o que nos parece cientificamente
criticável, pelo que não recomendamos seu uso.
Já no caso de Clawson, verificamos que
Análise dos resultados e comentários demonstra o cuidado de não tirar conclusões
além do que é justificado pelos dados da pes-
No sistema de Koppitz, são considerados 11 quisa. No caso da significação não poder ser
indicadores emocionais, em dois grupos etá- determinada, eventualmente levanta hipóteses,
rios, de 5 a 7 anos e de 8 a 10 anos. baseadas em dados de outros autores, citan-
PSICODIAGNÓSTICO – V 299
do devidamente a fonte utilizada, ou deixa as to (ou reforço de linhas), segunda tentativa
conclusões em suspenso. Porém, em seu livro, (sem corrigir o original) e tamanho pequeno”
discute mais amplamente cada item e, inclusi- (Groth-Marnat, 1999, p.566-567). Outros qua-
ve, formula hipóteses, comparando com da- tro indicadores não foram considerados rela-
dos de outros autores, mesmo em relação a cionados com psicopatologia por Rossini e Kas-
itens que, na pesquisa inicial, não haviam sido par (1987), mas, segundo Groth-Marnat
significativos, mas se restringe a hipóteses e (1999), são citados por outros autores: linha
salienta a necessidade de maiores investiga- ondulada, riscos por círculos, tamanho aumen-
ções. tado e elaboração. Conforme o autor, os indi-
Devido à popularidade que alcançou o tra- cadores não considerados úteis por Rossini e
balho de Koppitz, resolvemos comparar as duas Kaspar possivelmente se associavam a outros
pesquisas, para que os leitores possam julgá- tipos de psicopatologia não apresentados por
las. De nossa parte, consideramos o trabalho sua amostra de sujeitos de 7 a 10 anos de ida-
de Clawson de melhor qualidade científica que de. Sugere, inclusive, que sejam desenvolvidos
o de Koppitz, no que se refere a indicadores estudos sobre os indicadores com adolescen-
emocionais. tes ou sujeitos mais velhos.
PSICODIAGNÓSTICO – V 301
O sistema de escore de Santucci-Percheux de nível inferior, cuja freqüência decresce com
a idade”. O escore ou nota 2 atribui-se “aos
Para a aplicação do Bender como prova de or- casos intermediários” (Santucci & Percheux,
ganização grafoperceptiva, é necessário ter em 1968, p.2). Pode haver, portanto, até três ní-
mãos o Manual, as máscaras e a cinco lâminas veis esperados, embora a maioria dos itens
do teste (edição de Delachaux & Niestlé, Paris), pressuponha um nível de sucesso ou dois, mas,
na seguinte ordem: A, 2, 4, 3 e 7. Devem ser dependendo do grau de dificuldade para atin-
usadas as instruções específicas do Manual. A gir o nível de sucesso, o escore varia de 1 a 3.
folha, por exemplo, é apresentada com o lado Voltemos à Folha de Registro. Eventualmen-
maior na horizontal. te, o número do item é repetido e seguido por
Não podemos aqui reproduzir todos os cri- uma letra minúscula. No Modelo I, temos, por
térios utilizados na correção. Todavia, prepa- exemplo, 1a, 1b, 1c. Isso significa que, no item
ramos uma Folha de Registro, que auxilia con- 1, há três níveis possíveis de sucesso. Em se-
sideravelmente tal correção. Vamos ensinar a guida à coluna de Guia, de que já falamos, exis-
utilizá-la. te outra coluna, encimada pelas letras NE e, a
Cada uma das lâminas do teste é denomi- seguir, outra coluna, NO. As letras NE signifi-
nada modelo e identificada por um algarismo cam nível esperado. Vemos que o NE de 1a é
romano. Temos, pois, Modelo I (correspondente 3, o NE de 1b é 2 e o NE de 1c é 1. Nesse caso,
à Figura A), Modelo II (Figura 1), Modelo III (Fi- é fácil de entender. Logo a seguir, porém, te-
gura 4), Modelo IV (Figura 3) e Modelo V (Fi- mos o NE do item 2. Isso significa que, no item
gura 7). Cada um dos modelos é apresentado 2, se espera apenas um determinado nível de
num quadro diferente, na Folha de Registro. sucesso e que corresponde ao escore. Já as le-
Em cada um dos quadros, à direita, tem-se tras NO significam nível observado, e há espa-
o número de itens, seguido de sua especifica- ços para registro de escore. Então, vimos que,
ção que, eventualmente, se encontra abrevia- no item 1, podemos esperar três níveis de su-
da. A seguir, você encontrará a palavra Guia. cesso, 3, 2 ou 1, e, através da correção, se fo-
Refere-se às guias de correção, que são as rem respeitadas as condições para um escore
máscaras. Elas são identificadas por letras 3, por exemplo, este será o nível observado (NO
maiúsculas, e, conforme o item que tiver de = 3), e o escore é registrado no espaço corres-
ser corrigido, deve ser selecionada a guia ade- pondente. Caso contrário, devemos ver se a
quada. Elas vão servir para medir ângulos, ava- reprodução preenche as condições para um NO
liar comprimentos, alinhamentos, paralelismos, = 2 ou NO = 1. Caso nem essas condições fo-
inclinações em relação à vertical ou à horizon- rem preenchidas, não se atribui escore ou te-
tal, para apreciar dimensões da reprodução do mos um NO = 0. No item 2, só um NE é possí-
modelo, etc. No Manual, há instruções sobre vel, 2, e o NO só pode ser 2 ou 0. Esclarecemos
como utilizá-las. que Santucci e Percheux falam em nível de su-
Na técnica de Santucci-Percheux, o escore cesso e em nota. Introduzimos a noção de ní-
é atribuído conforme o nível de sucesso da re- vel esperado (possível) e de nível observado
produção. Há três níveis de sucesso, que fo- para facilitar o manejo dos dados e, conseqüen-
ram definidos pelas autoras com base no per- temente, o seu registro na Folha.
centual de acertos, encontrado em três faixas Após corrigir todos os itens de um modelo,
etárias. Desse modo, o escore ou nota 3 se “atri- a soma de NO (escore) é escrita no espaço à
bui aos aspectos raramente reproduzidos pe- direita, abaixo do quadro do modelo. Após
las crianças de 6 anos e melhor respeitados de corrigir todos os modelos, o escore de cada
idade a idade ou, ainda, relativamente pouco um deles é transposto para o retângulo, em
respeitados, mesmo nas idades superiores”. Já posição vertical, abaixo do Modelo V. Somam-se
o escore 1 ou nota 1 é atribuído “aos aspectos os escores dos cinco modelos para obter o total.
bem reproduzidos por grande porcentagem de O sistema de escores padronizados da pro-
crianças, desde 6 anos, ou a certos sucessos va utiliza os conceitos de mediana e, conse-
Psicólogo:_________________________________________________________
PSICODIAGNÓSTICO – V 303
qüentemente, quartis. Foi reproduzida a tabe- vê, o menino alcançou um escore apenas de 7.
la de resultados apresentada pelas autoras com Como tem 6 anos, seu escore se localiza no
base em protocolos colhidos entre escolares da quartil 1, para meninos. Nota-se sensível atra-
cidade de Paris. Não é do nosso conhecimento so no seu desenvolvimento grafoperceptivo.
a existência de normas brasileiras. Todavia, Além disso, a disposição dos desenhos na pá-
como a organização grafoperceptiva depende gina denota desorganização espacial, o que
da maturação, os dados locais não podem ser torna o prognóstico menos favorável.
muito discrepantes, pelo menos nas idades in-
feriores.
Além de considerações diretamente asso- O sistema de escore de Koppitz
ciadas à organização e ao desenvolvimento
grafoperceptivo, as autoras fazem algumas Em 1963, Koppitz desenvolveu um método do
observações, que parecem clinicamente úteis: B-G denominado Developmental Bender Test
1 – No caso de uma criança de 7 ou 8 anos Scoring System, composto de 30 itens, desti-
apresentar um resultado inferior a 6 anos, as nado a avaliar o nível de maturidade de crian-
autoras sugerem o uso do Pré-Bender, ou o ças de 5 a 10 anos, que é fácil de utilizar, bas-
PGOP. Se nesta prova o resultado é satisfató- tante popular por isso mesmo, e que, em 31
rio, o mau resultado anterior é atribuído a ra- estudos, alcançou uma fidedignidade entre os
zões emocionais e sugerido um reteste, após examinadores que varia entre 0,79 e 0,99, sen-
alguns dias. do que 89% desses estudos alcançaram um
2 – Se, em caso de ter havido um diagnósti- coeficiente de 0,89 ou mais (Lacks, 1984).
co de retardamento mental, com base em tes- Para o desenvolvimento de sua chamada
te de inteligência, e o resultado nesta prova escala de maturação, cada item foi validado
for superior ao encontrado, devem se pôr em tomando como critério o desempenho escolar
dúvida os resultados do teste de nível intelec- e partiu do pressuposto de que “um aluno prin-
tual. cipiante, com sua percepção visomotora bem
Vejamos um exemplo. Trata-se de um me- desenvolvida, será provavelmente um bom es-
nino de 6 anos e 1 mês. A reprodução do pro- tudante, enquanto uma criança cuja percep-
tocolo encontra-se na Figura 19.1. Os escores ção visomotora não amadureceu terá dificul-
dos itens estão na Folha de Registro. Como se dades em suas tarefas escolares”. Os resulta-
Psicólogo:_________________________________________________________
PSICODIAGNÓSTICO – V 305
dos mostraram (ou demonstraram) correla-
ção satisfatória com o TMP (Teste Metropoli-
tano de Prontidão), e os dados normativos
apresentados basearam-se em uma amostra
de 1.104 alunos de escolas de estados do les-
te e meio-oeste dos Estados Unidos (Koppitz,
1971, p.28).
As instruções são simples: “Aqui tenho nove
cartões com desenhos para que você copie. Aqui
está o primeiro. Faça um igual a este” (p.36). O
manual inclui também orientação sobre como
responder a perguntas ou resolver outras difi-
culdades, durante a testagem. Não orienta sobre
a posição do papel, quando é apresentado. Po-
rém, como na grande maioria dos exemplos in-
cluídos a orientação é vertical, pressupõe-se que
esta seja a posição usual de apresentação.
Conforme Koppitz, existem quatro catego-
rias de desvios, que podem ser computados
como presentes ou ausentes ou, em termos de
escore, como um ou zero, sendo que cada des-
vio só pode ser considerado como tal se está
nítido. As categorias são as seguintes:
Distorção de forma: Esta categoria diz res-
peito aos aspectos formais: pontos, linhas re-
tas, linhas curvas e ângulos.
Existe distorção da forma quando os as-
pectos formais do estímulo são reproduzidos
sem razoável precisão, sem conservar pon- Figura 19.2 Exemplos de distorção da forma, segundo
tos, linhas retas, linhas curvas e ângulos Koppitz.
como tais, isto é, quando são substituídos
(por exemplo, 5 ou mais círculos por pon-
tos), omitidos ou multiplicados (ângulos) ou
partes (com separação de mais de 3 mm),
deformados exageradamente ou quando há per-
omissão, acréscimo ou substituição de elemen-
da de sua proporção relativa (eixo de = ½ do
tos componentes, seja por perda da posição
outro). Verifica-se distorção da forma nos itens:
relativa ou modificação grosseira do aspecto
1a, 1b (Figura A); 4 (Figura 1); 10 (Figura 3); 15
estrutural do estímulo. Verifica-se desintegra-
(Figura 5); 18a, 18b (Figura 6); 21a, 21b (Figura
ção nos itens: 3 (Figura A); 8 (Figura 2); 12a e
7) e 24 (Figura 8) de Koppitz, ou nos de 1 a 10 da
12b (Figura 3); 14 (Figura 4); 17a e 17b (Figura
Folha de Registro. Vide exemplos na Figura 19.2.
5); 19 (Figura 6); 23 (Figura 7) de Koppitz, ou
Desintegração*: Esta categoria diz respei-
nos números de 11 a 19 da Folha de Registro.
to à configuração total ou partes componen-
Vide exemplos na Figura 19.3.
tes (subpartes).
Rotação: Esta categoria diz respeito à orien-
Existe desintegração quando há perda da
tação no espaço.
configuração, seja por fracasso na união das
Existe rotação quando há uma variação
no eixo da figura ou de parte da mesma em
*N. da A. No livro consultado de Koppitz (1971), a de- 45º ou mais, inclusive quando resulta de có-
nominação usada é integração. Usamos desintegração pia correta, após rotação do cartão (a rota-
por motivos óbvios. ção da folha não se computa). Verifica-se
PSICODIAGNÓSTICO – V 307
QUADRO 19.5 Distribuição de médias e desvios
padrão na Escala de Maturação, segundo a idade,
conforme Koppitz (N = 1.104)
Idade M DP +/– DP
5-0 a 5-5 13,6 3,61 10,0 a 17,2
5-6 a 5-11 9,8 3,72 6,1 a 13,5
6-0 a 6-5 8,4 4,12 4,3 a 12,5
6-6 a 6-11 6,4 3,76 2,6 a 10,2
7-0 a 7-5 4,8 3,61 1,2 a 8,4
7-6 a 7-11 4,7 3,34 1,4 a 8,0
8-0 a 8-5 3,7 3,60 0,1 a 7,3
8-6 a 8-11 2,5 3,03 0,0 a 5,5
9-0 a 9-5 1,7 1,76 0,0 a 3,5
9-6 a 9-11 1,6 1,69 0,0 a 3,3
10-0 a 10-5 1,6 1,67 0,0 a 3,3
10-6 a 10-11 1,5 2,10 0,0 a 3,6
Fonte: Koppitz, 1971, p.231.
PSICODIAGNÓSTICO – V 309
Não obstante, quando foi considerado o
tipo de escola freqüentada – pública ou priva-
34,13% 34,13% da –, foi possível observar que, aparentemen-
te, as normas são diferentes, conforme os da-
-3,61 +3,61 dos do Quadro 19.8.
Por outro lado, levando adiante os seus es-
10,0 13,6 17,2 tudos, Kroeff observou que, em cada nível de
Figura 19.6 Distribuição da média e desvios padrão para escolaridade, a média de idade de crianças de
a idade de 5-0 a 5-5, na Escala de Maturação, confor- escolas públicas tende a ser maior que a de
me a Tabela de Koppitz. crianças das escolas privadas, embora apresen-
tem pior desempenho perceptomotor do que
estas, conforme os dados dos Quadros 19.9 e
trapassa o desvio admitido para limites nor- 19.10.
mais, o que significa que a sua percepção viso-
motora é imatura para a sua idade. Natural-
mente, quanto mais desvios padrão se afasta-
rem da média, mais sério será o déficit na per- QUADRO 19.8 Distribuição de médias e desvios
padrão na Escala de Maturação, de crianças de
cepção visomotora. Dizemos que essa criança escolas públicas e privadas, segundo a idade,
está a mais de um desvio padrão abaixo da conforme Kroeff (N = 1.082)
média, correspondente à sua idade. Se o seu
Escolas públicas Escolas privadas
escore total fosse de 8, estaria a mais de um Idade
desvio padrão acima da média para a sua faixa M DP M DP
etária, e seu nível de maturação corresponde- 5-0 a 5-5 12,1 3,3 11,7 3,4
ria à faixa etária de 6-0 a 6-5, porque a média 5-6 a 5-11 12,2 4,1 9,8 3,5
6-0 a 6-5 10,6 3,9 8,0 3,2
deste grupo é de 8,4.
6-6 a 6-11 7,4 4,2 6,4 3,7
A exemplo de Koppitz, Kroeff (1992) pro- 7-0 a 7-5 7,0 4,0 5,1 3,0
curou analisar o desempenho perceptomotor 7-6 a 7-11 6,3 4,0 5,3 4,6
das crianças, conforme o nível da escolarida- 8-0 a 8-5 5,5 3,7 3,8 3,2
de, uma vez que o Bender “é reconhecido como 8-6 a 8-11 4,8 2,7 3,1 2,6
9-0 a 9-5 4,2 3,4 3,1 2,9
válido para predizer o aproveitamento nos pri-
9-6 a 9-11 4,0 3,0 2,6 2,4
meiros anos escolares” (p.827). No Quadro 10-0 a 10-5 3,2 3,1 2,4 1,7
19.7, é apresentada a distribuição das médias 10-6 a 10-11 3,1 2,7 2,0 1,6
e desvios padrão, segundo o nível de escolari- Fonte: Kroeff, 1982, p.828 (dados resumidos e publicados com
dade, sendo incluída também a idade média autorização do autor).
das crianças de cada nível.
85 % 85 % 60 % 80 % 70 % 60 % 60 % 60 % 75 %
5 a no s
Kroeff (1992), a partir desses estudos, dis-
cute a importância de se utilizar normas dife- 90 % 85 % 75 % 80 % 10 % 60 % 65 % 1 0 0% 10 0%
4 a no s
renciadas, quando se quer avaliar a maturida-
de perceptomotora infantil. Entretanto, cha- 3 a no s G ar atuja
PSICODIAGNÓSTICO – V 311
QUADRO 19.11 Escala de Maturação e indicadores de patologia cerebral, segundo Koppitz
Fig. No Item
1 Distorção da forma 1a. deformação; achatamento; eixo 1:2; omissão 1a
ou adição de ângulos (S)
A 1b. desproporção 1:2 (S7) 1b
2 Rotação (S) 2
3 Integração (S) 3
4 Distorção da forma: 5 ou mais círculos por pontos 4
1 5 Rotação (A, S) 5
6 Perseveração: mais de 15 pontos (AS 8) 6
7 Rotação (S9) 7
omissão ou adição de fileira(s) (S7); Fig. 1
2 8 Integração como fileira da Fig. 2; 4 ou mais círculos na
maioria das colunas; adição de uma fileira 8
9 Perseveração: mais de 14 círculos numa fileira (AS 8) 9
10 Distorção da forma: 5 ou mais círculos por pontos (S7) 10
11 Rotação (S8) 11
desintegração: sem aumento de pts. em cada
3 fileira sucessiva
12 Integração 12a. cabeça de flecha irreconhecível ou invertida; (S6) 12a
aglomerado ou uma só fileira de pontos
12b. linha contínua por fileira de pontos (AS) 12b
13 Rotação parcial ou total (AS) 13
4 14 Integração: separação de 5 mm ou curva tocando os dois ângulos (s) 14
15 Distorção da forma: 5 ou mais círculos por pontos (S9) 15
16 Rotação parcial ou total (S) 16
5 17a. desintegração; aglomerado; reta ou círculo de
17 Integração pontos por arco; extensão atravessando arco 17a
17b. linha contínua no arco ou na extensão (AS) 17b
18 Distorção da forma 18a. 3 ou mais ângulos por curvas (S) 18a
6 18b. sem curvas em uma ou em ambas as linhas (AS) 18b
19 Integração: sem cruzamento ou com mau cruzamento: duas linhas onduladas entrelaçadas (S) 19
20 Perseveração: 6 ou mais curvas sinusoidais em qualquer direção (AS8) 20
21 Distorção da forma 21a. desproporção de 2:1 (S8) 21a
21b. deformação excessiva;
7 adição ou omissão de ângulos (S) 21b
22 Rotação (S7) 22
23 Integração: sem superposição ou superposição exagerada (S7) 23
24 Distorção da forma deformação excessiva 24
8 adição ou omissão de ângulos (S)
25 Rotação 25
Total
Fonte: Koppitz, 1971 (adaptação).
PSICODIAGNÓSTICO – V 313
sultados de um teste de diferença de propor- Nervoso Central, no desenvolvimento neuro-
ções, pode-se concluir que a ocorrência de psicológico, como por fatores emocionais. Des-
quatro ou mais desses desvios pode justificar sa maneira, ainda que o Bender costume ser
uma hipótese de transtorno no desenvolvimen- usado como recurso de triagem de déficit ce-
to neuropsicológico, dos 8 aos 12 anos de idade. rebral, há grande probabilidade de classifica-
ção errônea, tornando-se especialmente impor-
tante, além de um escore específico, um exa-
QUADRO 19.13 Desvios Koppitz altamente signifi- me cuidadoso do tipo de erros e da observa-
cativos e sugestivos da presença de transtornos no ção do comportamento apresentado durante
desenvolvimento neuropsicológico*
o desempenho, e a obtenção de informações
No Desvios Koppitz Figura adicionais.
1 Adição ou omissão de ângulos A A respeito, Groth-Marnat (1999) apresenta
2 Integração 3 uma lista de erros, baseado num estudo sobre
3 Integração 4 os indicadores de Koppitz, realizado por Taylor,
4 Rotação 4
5 Ângulos por curvas 6
Kaufman e Partenio, em 1984, lembrando que,
6 Perseveração 6 se existe a expectativa de que crianças de 5 a 8
7 Adição ou omissão de ângulos 7 anos cometam alguns desses erros, isto é raro
8 Adição ou omissão de ângulos 8 ou muito improvável após os 8 ou 9 anos, exi-
*A hipótese aplica-se somente após 8 anos, e é necessária a gindo-se a presença de, no mínimo, quatro das
presença de 4 ou mais desvios.
Fonte: Clawson, 1980; Cunha, Brizolara, Fulgêncio et alii, 1991
características do Quadro 19.14, para se levan-
(adaptado). tar uma hipótese de disfunção cerebral.
Ao se avaliar um Bender, para triagem de dis- Conforme Belter e colegas (1989), Koppitz não
função cerebral, na realidade, julga-se o grau considerava que o somatório de seus indica-
da precisão na reprodução dos desenhos, bem dores emocionais constituísse um “escore sig-
como da integração global da figura (Groth- nificativo”, mas afirmava que “a presença de
Marnat, 1999). Portanto, levantam-se hipóte- três indicadores emocionais ou mais, num pro-
ses que têm que ver com o funcionamento vi- tocolo, é fortemente indicativa de dificuldades
soperceptivo e construcional. Conseqüente- emocionais” (p.416). Não obstante, decidiram
mente, a hipótese de disfunção cerebral en- pesquisar em adolescentes como se compor-
contra apoio numa primeira hipótese de que tavam os indicadores emocionais propostos por
existe um déficit numa função cognitiva. To- Koppitz, em 1975, para crianças.
davia, dificuldades na realização da tarefa po- A amostra foi constituída por um grupo de
dem ocorrer não só por problemas no Sistema 150 adolescentes normais, 140 adolescentes
PSICODIAGNÓSTICO – V 315
A amostra foi composta por 150 adolescen- 12 e 18 anos, não se mantenha tão evidente a
tes normais, 140 com perturbação emocional relação com idade, como anteriormente.
e 47 também com perturbação emocional e
diagnóstico secundário de retardamento men-
tal ou de comprometimento neurológico. O sistema Bender-Lacks
Os resultados demonstraram que os esco- (adaptação Hutt-Briskin)
res Koppitz tendiam a diminuir com a idade,
nos três grupos. Contudo, não se verificaram O sistema Bender-Lacks (melhor descrito na
diferenças entre o grupo normal e o grupo com seção sobre o Bender adulto) foi utilizado na
perturbação emocional, embora tenham sido mesma amostra do estudo anterior (McIntosh
encontradas diferenças entre os normais e o et alii, 1988). Os resultados indicaram a mes-
grupo com perturbação emocional e um diag- ma tendência de decréscimo dos escores com
nóstico secundário de retardamento ou com- o aumento da idade. O grupo com diagnósti-
prometimento neurológico. Os resultados são co secundário de retardamento mental ou de
apresentados no Quadro 19.15. comprometimento neurológico diferenciou-se
significativamente dos outros dois, que, não
obstante, não apresentaram diferenças entre
QUADRO 19.15 Médias e desvios padrão de si. As médias e os desvios padrão do grupo nor-
escores Koppitz em adolescentes normais e com
mal e do grupo com diagnóstico secundário
retardamento mental/comprometimento
neurológico, dos 12 aos 16 anos de retardamento mental ou de comprometi-
mento neurológico são apresentados no Qua-
Normais C/retardamento mental/
Idade dro 19.16, porém, convém salientar que o nú-
comprometimento neurológico
(anos) mero de sujeitos neste último grupo era relati-
M DP M D.P.
vamente pequeno.
12 3,50 2,84 5,13 3,04
13 1,83 1,49 5,63 4,75
14 1,27 1,76 6,63 4,57 QUADRO 19.16 Médias e desvios padrão de
15 1,27 1,39 3,25 2,59 escores Lacks em adolescentes normais e com
16 1,67 1,52 3,29 2,87 retardamento mental/comprometimento
Fonte: McIntosh e colegas, 1988, p.228 (dados resumidos).
neurológico, dos 12 aos 16 anos
Normais C/retardamento mental/
Idade comprometimento neurológico
(anos)
M DP M D.P.
Pesquisa de Shapiro e Simpson, de 1995,
12 2,67 1,49 4,87 2,58
referida por Groth-Marnat (1999), confirma os 13 2,43 1,43 5,63 2,26
resultados de McIntosh e colegas (1988), de- 14 2,30 1,44 5,00 2,51
monstrando que a escala de Koppitz pode ser 15 2,27 1,48 3,94 2,46
útil na adolescência, uma vez que os escores 16 2,17 1,29 3,57 1,72
diminuem progressivamente, embora, entre os Fonte: McIntosh e colegas, 1988, p.229 (dados resumidos).
PSICODIAGNÓSTICO – V 317
resultam de investigações com grupos especí- Significados simbólicos das figuras
ficos, cujas características podem não ser idên- Bender, indicadores emocionais e algumas
ticas às do sujeito. Assim, é necessário exami- hipóteses interpretativas
nar a aplicabilidade para o indivíduo em ques-
tão (Hutt, 1975) ou investigar se está em jogo Tentaremos, a seguir, resumir dados de vários
material do sistema simbólico individual, o que autores, relativos aos significados simbólicos
pode ser feito na fase de associação. das figuras, no Quadro 20-1. As referências
QUADRO 20.1 Significado simbólico das figuras Bender e algumas hipóteses interpretativas
de alguns autores
Fig. Significação simbólica Foco de interesse Hipóteses interpretativas
A Relações interpessoais e Desequilíbrio e assimetria; A produção reflete potencialidades de integração dos
heterossexuais (B1); ponto de contato (S & K). elementos de “conflito” ou desarmonia da personalida-
dependência (G & I); de (p. ex.: falta de contato ou penetração de uma figura
conflito e falta da na outra = dificuldade na integração de elementos
harmonia (S & K). desarmônicos da personalidade (S & K).
Círculo = figura O aspecto tangencial (i.é., fatores de união e
feminina (H & B); fechamento) pode refletir dificuldades em catexias
objeto feminino (H2). interpessoais (H2).
Quadrado = figura O aumento relativo de uma das subpartes pode denotar
masculina (H & B); problemas na autopercepção (H1).
objeto masculino (H2). Dificuldade na reprodução da figura curva =
dificuldade na expressão de impulsos agressivos (H1).
Dificuldades na reprodução da figura reta =
dificuldades em relação à passividade (H1).
1 Agressividade e tensão Falta de regularidade na Reflete a atitude e o sentimento em relação à
(B1); perseveração, distância e imperfeição da regularidade, sistematização e importância do detalhe
repetitividade, figura total (S & K). Falta de (p. ex.: a reprodução cuidadosa e compulsiva =
importância do detalhe limites bem definidos. conformidade com regras e regulamentos) (S & K).
pequeno (S & K). Linha de pontos como um arco = egocentrismo (H).
Linha com pontos iniciais; depois círculos e formas “Z”
finais = progressiva debilidade dos controles (B2).
2 Relações interpessoais Regularidade e ordem Reflete a boa vontade para atender à ordem imposta
(G & I); para o sexo completa do padrão e a externamente (S & K).
feminino, ordem no irregularidade no detalhe É difícil para indivíduos com conflitos interpessoais (H & B).
ambiente (S & K); para os (S & K). Redução na angulação = redução da afetividade (H1).
homens, imposição de Abertura da figura, sem Aumento na angulação = aumento da afetividade (H1).
ordem nas pessoas por indicação de limites (H1). Figura como um arco = egocentrismo (H1).
autoridade (S & K).
Linha central = humor
em relação com fatores
de controle (B1).
3 Agressividade (H & B); Movimento, direção de Reflete a atitude frente à expressão dos próprios
agressividade e auto- movimento, arranjo ou sentimentos e impulsos instintivos (p.ex.: redução do
afirmação (B2); padrão, aumento da linha tamanho, aumento do ângulo à direita e/ou
agressividade (ameaça-, de pontos (S & K). preocupação maior com o detalhe do que com a forma
dora) (H2). Abertura da figura (H). da figura = medo da expressão emocional (S& K).
Compressão da figura ou Simplificação da figura = regressão (H1).
destruição da Gestalt (H2). Pequenas rotações = depressão (H1).
Pontos como círculos e expansão da Gestalt =
probabilidade de fracasso no controle dos impulsos (B2).
PSICODIAGNÓSTICO – V 319
QUADRO 20.1 Continuação
Fig. Significação simbólica Foco de interesse Hipóteses interpretativas
(G & K), e homossexuais Figura inclinada parecendo empurrar a vertical, com a
(H2); complexidades impressão de que esta se inclina para a direita
intelectuais da vida, (particularmente com aumento da pressão da linha, no
forças imutáveis e, extremo superior da inclinada = potencial para a
ainda, agressão e atuação; atitude agressivamente exigente frente a
destruição (S & K); figuras de autoridade (B2). Dificuldades de fechamento,
relações interpessoais, de cruzamento, variações na qualidade da linha,
que incluem o pai e/ou dificuldade com ângulos = ansiedade e dificuldade nas
figuras masculinas em relações interpessoais (H1; H2).
posição de autoridade (B2). Separação ou simplificação das figuras = problemas
graves de superego ou transtornos sexuais (H1; H2).
Amenização das características fálicas da figura =
defesa contra a ameaça fálica (homossexualismo) (H).
8 Implicações fortes de Parte central da figura, cuja Reflete a atitude frente à sexualidade fálica (p. ex.:
sexualidade (parte da presença precisa ser desenhar, redesenhar, rasurar = atitude de tensão e
esquerda = anal, explicada ou racionalizada ansiedade frente à sexualidade fálica (S & K).
regressiva, imatura; e, ainda, a ambivalência de Dificuldades com os extremos da figura = conflito sobre
parte da direita: fálica, direção (dois pontos) e no homossexualidade ou masturbação (H1).
adaptativa, madura); fato de que a figura pode Dificuldades na reprodução do losango interno
concepção de si mesmo ser partida em duas (S & K). (diminuição, má colocação, dificuldade de fechamento
e lugar no mundo (B1); ou união) = conflito com o sexo feminino e temor na
sexualidade fálica; para os relação (comparar com A) (H1).
homens, algo desejável e Tamanho da figura o dobro das outras em direção
decorativo; para as vertical = atuação contra as figuras de autoridade (B2).
mulheres, algo agressivo Linhas ultrapassando o ponto de união = impulsividade
e poderoso (S & K); e indiferença pelas exigências de controle do meio (B2).
características sexuais,
particularmente fálicas (H).
Código: B1 = Brown, 1954, p.1-10; B2 = Brown, 1967, p.348-460; H1 = Hutt, 1975, p.153-163; H2 = Hutt, 1985, p.160-167; H & B = Hutt &
Briskin, apud Goldfried & Ingling, 1964, p.185-190; G & I = Goldfried & Ingling, 1964, p.185-190; S & K = Suczek & Klopfer, 1952, p.64-72.
utilizadas são identificadas por código, apre- dos com boa qualidade metodológica. Entre
sentado abaixo do Quadro. esses, destacam-se os indicadores já referi-
Indicadores como os de Hain, além do peso dos de atuação na adolescência e os indica-
que lhes foi atribuído na triagem da disfunção dores de impulsividade, identificados por
orgânico-cerebral, podem ser interpretados Oas, em 1984. Na pesquisa realizada, foram
com um sentido projetivo, de onde o cuidado controladas as variáveis QI, idade, capacida-
que se deve ter para excluir patologia neuroló- de para o desenho, organicidade e motiva-
gica, antes de considerá-los como indicadores ção. Os indicadores são apresentados no
emocionais. Groth-Marnat (1984) fez um le- Quadro 20.3.
vantamento desses e de outros indicadores, Como se pode ver pelo exame desses qua-
na literatura específica, relacionando a sua dros, observam-se diferenças entre as conclu-
possível interpretação. São apresentados, de sões dos vários autores, tendo em vista que
forma adaptada, no Quadro 20.2, com o deixamos de incluir, pelo menos, índices de sen-
acréscimo de outros dados, e, como no caso sibilidade fálica e reações a sentimentos de cas-
anterior, os autores citados são identificados tração de Hammer (1955), bem como muitas
por código. das hipóteses de Brown (1964) e Hutt (1975).
Na realidade, poucas hipóteses interpre- Acontece que, embora, em muitos casos, as
tativas encontram fundamentação em estu- conclusões sobre o significado simbólico te-
PSICODIAGNÓSTICO – V 321
QUADRO 20.3 Indicadores de impulsividade,
segundo Oas, 1984*
(Critério: presença de 5 ou mais)
No Indicador
1 Completamento em tempo curto
2 Qualidade global pobre
3 Interrupção da tarefa
4 Omissão
5 Colisões
6 Transformações
7 Aumento de tamanho
8 Mudanças em ângulos
9 Mau planejamento
10 Perseveração
11 Rabiscagem
12 Agressão
Fonte: Oas, 1984, p.1013 (adaptado).
PSICODIAGNÓSTICO – V 323
identificação ou, mais precisamente, de intro- A partir de tais pressupostos teóricos e com-
jeção (Menninger, 1979), delimitando o con- provada a significação estatística dos sinais
ceito de internalização e diferenciando expres- estudados, como indicadores de agressão, de-
sões muitas vezes usadas como sinônimos na senvolvemos uma pesquisa, utilizando grupos
psicanálise (Moore & Fine, 1968; Moore & Fine, equivalentes, com e sem sinais no B-G, de pa-
1992). cientes psiquiátricos, de pacientes psiquiátri-
Suicídio “é antes de tudo um homicídio”. cos delinqüentes, de operários da indústria e
Em alemão, “o homicídio de si próprio”, signi- de motoristas, para verificar se os grupos com
ficação literal também presente em formas fi- sinais se diferenciavam dos grupos sem sinais,
lológicas mais antigas. Portanto, se há “no sui- quanto à maior incidência de ideação suicida e
cídio um eu que se submete ao homicídio e de fatores de risco de suicídio, entre os pacien-
parece desejoso de fazê-lo”, deve haver uma tes psiquiátricos; de homicídio ou de tentativa
explicação para isto (Menninger, 1970, p.36). de homicídio, entre os pacientes psiquiátricos
O desejo de matar seria resultante da des- delinqüentes; de acidentes, entre os operários
trutividade primária. Sob certas condições, os de indústria e entre os motoristas. Todas as
impulsos destrutivos, investidos em um ou mais hipóteses levantadas foram confirmadas
objetos, desprendem-se dos mesmos, e, dessa (Cunha, 1977b) (vide exemplos de protocolos
maneira, o impulso homicida, libertado, pode Bender nas Figuras 20.3 a 20.6).
se aplicar “sobre a pessoa de sua origem, como Dada a possível capacidade dos sinais sim-
objeto substituto, realizando assim um homi- bolicamente agressivos no B-G de diferenciar
cídio deslocado” (p.57). grupos com e sem ideação suicida, história de
Sobre o terceiro componente do ato suici- comportamento homicida e de acidentes, re-
da, afirma Menninger (1970): “Ser morto é a comendamos a administração sistemática do
forma extrema da submissão, assim como teste de Bender:
matar é a forma extrema de agressão”. E acres- a) em hospitais psiquiátricos, para pesqui-
centa, pouco mais adiante: “A explicação do sa de ideação suicida, não só porque esta ten-
desejo de sofrer e submeter-se à dor e mesmo de a persistir em muitos casos, como porque
à morte é encontrada na natureza da consciên- os sinais que a identificam se associam a con-
cia” (p.58). Dessa forma, Menninger lembra dições psiquiátricas, que agravam o seu risco;
Freud, ao explicar as dificuldades do ego em b) em pacientes psiquiátricos delinqüentes,
se ajustar às exigências do superego e aplacar- desde que tais sinais parecem corresponder a
lhe a severidade: “Quem alimenta desejos ho- um componente agressivo latente, e, por ou-
micidas sente também, pelo menos inconsci- tro lado, o paciente homicida muitas vezes não
entemente, a necessidade de uma punição da se restringe à primeira vítima;
espécie correspondente” (p.61). c) em processo de seleção para funções que
Freqüentemente, acidentes encobrem com- envolvem risco e em exame psicotécnico de
portamentos suicidas, segundo vários autores. motoristas.
Em conseqüência, se a existência de agressão É importante salientar o fato de que o es-
fosse comprovada nos vários tipos de compor- tudo foi desenvolvido em grupos, portanto,
tamento que, segundo Menninger, poderiam sem se ter oportunidade de examinar, indivi-
ou assumir manifestamente a forma de um dualmente, alternativas de explicação para o
suicídio ou mascará-lo, poderíamos pressupor aparecimento das distorções, como, por exem-
que a presença mais evidente de uma ou outra plo, a presença de disfunção cerebral, que,
forma representativa dos vários componentes, como veremos adiante, pode levar a distorções
teorizados por Menninger, provavelmente se bastante semelhantes a alguns dos sinais es-
deveria aos mecanismos em jogo na dinâmica tudados. Assim, embora achemos que os si-
individual, que fazem com que tal agressão seja nais devem ter uma significação premonitória,
atuada ou expressa predominantemente em no caso individual, acreditamos que os sinais
um ou outro sentido. devem ser predominantemente utilizados na
PSICODIAGNÓSTICO – V 325
culturais, no aparecimento de determinadas
distorções no Bender, foi possível observar, em
relação aos sinais estudados, que se fizeram
presentes, em protocolos de sujeitos tanto clas-
sificados como analfabetos e até com nível de
escolaridade superior (vide Figura 20.7). Nota-
mos, inclusive, que o treinamento em desenho
parece não impedir a emergência de sinais
agressivos. Desse modo, na Figura 20.8, temos
o protocolo Bender de um desenhista, no qual
apareceu, aliás como no anterior, nitidamen-
te, o sinal identificado por Sternberg e Levine.
O ENFOQUE OBJETIVO
PSICODIAGNÓSTICO – V 327
FOLHA DE ESCORE DO TESTE DE BENDER (SISTEMA DE PASCAL & SUTTELL)*
*Traduzida de Pascal & Suttell, 1951, p.209. Os escores referem-se ao protocolo Bender da Figura 20.9.
PSICODIAGNÓSTICO – V 329
da Escala de Psicopatologia, que seriam capa- senhos, que, por si, já são sugestivas de déficit
zes de diferenciar grupos de determinadas ca- cerebral (como grande dificuldade de percep-
tegorias nosológicas. “No caso de indivíduos, ção ou da cópia dos estímulos, a elaboração
a análise configuracional leva, antes, a uma ou a reprodução do desenho como um objeto
inferência de que este indivíduo, que mostra concreto, o longo tempo necessário para reali-
um comportamento de teste, comumente as- zar a tarefa, etc.), mas não podem ser incluí-
sociado com uma categoria psiquiátrica espe- dos com os demais, porque não têm poder dis-
cífica, possa também pertencer a essa catego- criminativo. Em resumo, são apresentados
ria” (Hutt, 1985, p.116). como indicadores (Quadro 20.5):
Cada configuração tem um escore total, que
representa a soma dos escores ponderados QUADRO 20.5 Indicadores de lesão cerebral, de Hutt
(com peso 1 ou 2) dos componentes pertinen-
Indicadores Peso
tes. O escore de uma certa configuração pode
ser classificado como crítico ou marginal. Se o Colisão moderada 2
escore de um determinado paciente recai no Angulação em quatro desenhos 2
Rotação severa 2
nível crítico, no caso de uma categoria psiquiá- Simplificação severa 2
trica, existe probabilidade estatística de que Fragmentação severa 2
possa pertencer à mesma. Se é apenas margi- Superposição severa 2
nal, tal possibilidade é questionável. No livro, há Perseveração moderada 2
padrões configuracionais para vários quadros Dificuldade de fechamento severa 1
Incoordenação da linha 1
nosológicos. Aqui, vamos nos limitar a apresen-
Escores críticos: 10 ou mais; escores marginais: 7 a 9.
tar o padrão configuracional para lesão orgâni- Fonte: Hutt, 1985, p.120 (resumido).
ca cerebral no item seguinte, uma vez que, se-
gundo o autor, pela triagem, é possível identifi-
car cerca de 80% de casos verdadeiros-positivos. Explicações sucintas sobre os indicadores
PSICODIAGNÓSTICO – V 331
podem ser os originais de Lauretta Bender (edi- QUADRO 20.6 Observações comportamentais
ção de 1946) ou os levemente modificados do para o B-G
conjunto de Hutt (1975) e que devem estar jun- ___ Evidência de fadiga
to do examinador, na ordem apropriada e de ___ Atenção insuficiente ao estímulo
___ Rapidez extrema e execução descuidada
face para baixo. Antes de dar as instruções,
___ Extremo cuidado e deliberação
deve-se colocar uma folha de papel na frente ___ Insatisfação expressa em relação aos desenhos
do examinando, na posição vertical, deixando mal executados (esforços repetidos do cliente
os lápis e as folhas restantes, “sem comentá- para corrigi-los, que não têm sucesso)
rio, ao lado, próximos do cliente”. São dadas ___ Falta de coordenação motora ou tremor da mão
___ Rotação (indique em qual figura)
as seguintes instruções, idênticas às de Hutt:
___ Aparente dificuldade de enxergar as figuras
“Eu vou lhe mostrar estes cartões, um de (por exemplo, diz que necessita de óculos)
cada vez. Cada cartão tem um desenho sim- ___ Outro ____________________________________
ples. Gostaria que você copiasse o desenho no Tempo ____________________________________
papel, o melhor que puder. Trabalhe da ma-
Fonte: Lacks, 1984, p.24.
neira que for melhor para você. Este não é um
teste de habilidade artística, mas tente copiar
tão exatamente quanto for possível. Trabalhe
rápido ou devagar, como desejar” (Lacks, 1984, sofrendo de disfunção cerebral, mas mais pro-
p.210). vável que esteja se recusando a cooperar. Sem
As demais considerações ou explicações ter observado pessoalmente este desempenho
sobre perguntas, modificações da posição do ou sem que lhe fosse contado pelo examina-
papel e do cartão-estímulo, marcação de tem- dor, o clínico poderia achar 5 erros e, erronea-
po, etc., feitas pela autora, são as mesmas que mente, diagnosticar disfunção orgânica cere-
constam no princípio deste Módulo. A autora bral.”
também recomenda que sejam feitas observa- 2 – “No extremo oposto, uma pessoa, real-
ções sobre o comportamento do examinando: mente sofrendo de problemas orgânicos, pode
“o examinador deve tentar determinar se um ser capaz de produzir um protocolo adequado
erro foi feito por causa de dificuldades percep- (ou um protocolo com 4 erros), mas com ex-
tomotoras verdadeiras ou por causa de outros tremo esforço, levando muito tempo (pode ser
fatores, como falta de cuidado. Somente no até 20 ou 30 minutos) e fazendo inúmeras ra-
primeiro caso se deve atribuir escore a um erro” suras. Novamente, as observações comporta-
(p.23). Apresenta uma lista de observações mentais seriam cruciais para fazer o diagnósti-
comportamentais, que estão incluídas no Qua- co correto” (p.24). Ora, uma vez que o tempo
dro 20.6. Estas são muito importantes para a médio para pacientes psiquiátricos (não-orgâ-
identificação dos erros verdadeiros, já que ape- nicos) fazerem o teste é de 6 minutos, levar
nas 5, entre 12 erros possíveis, são suficientes, mais de 15 minutos para completar o teste
“para indicar comprometimento ou disfunção pode ser contado como um ponto extra.
orgânica” (p.23).
A autora faz algumas ponderações a res-
peito: Histórico do sistema de escore
1 – “Por exemplo, suponhamos que um
cliente reproduziu a Figura 1 com apenas qua- O sistema de escore apresentado por Lacks é
tro pontos. Ademais, suponhamos que esse originário de uma lista de 12 discriminadores
cliente demonstrou hostilidade ao fato de ser essenciais de lesão intracraniana, descritos em
testado, mal olhou de relance o cartão-estímu- 1960, por Hutt e Briskin, e que se encontram
lo, antes de copiá-lo, fez algum comentário a no Quadro 20.7.
respeito de haver pontos demais para copiar e Entretanto, as definições dos autores eram
que levou somente 2 minutos para completar por demais resumidas para orientar adequa-
todo o teste. É improvável que o cliente esteja damente o escore. Lacks desenvolveu um ma-
PSICODIAGNÓSTICO – V 333
der-Lacks permaneciam estáveis ou não, duran- serão apresentadas a seguir. Mas, antes da atri-
te o primeiro mês de abstinência. O Bender foi buição de escores, é importante excluir outras
aplicado em quatro sessões, com intervalo de causas alternativas para o aparecimento de
sete dias, a partir do sétimo dia de abstinência erros, como irregularidades na superfície da
(com tolerância de mais ou menos 24 horas). mesa em que as reproduções são feitas, apre-
Os protocolos foram examinados às cegas para sentação imprópria do cartão-estímulo, “capa-
identificação dos indicadores Lacks. Os resul- cidade física debilitada ou um instrumento de
tados da análise de variância demonstraram desenho inadequado” (Lacks, 1984, p.83).
que os escores Bender-Lacks não permanece- O procedimento a ser utilizado é uma abor-
ram estáveis, durante o primeiro mês de absti- dagem de sinais. Cada sinal tem escore único,
nência, sendo observadas as seguintes médias não importando se aparece uma ou várias ve-
nas quatro sessões: 6,45, 5,45, 4,45 e 4,27 zes. Entretanto, um desenho pode conter mais
(Minella, Pereira, Argimon et alii, 1989). de uma distorção. Mas, para que se identifi-
Como se pode notar, a média da primeira que uma distorção como erro, ela deve ser se-
semana (6,45) é muito próxima da encontrada vera ou persistente.
no estudo anterior, em alcoolistas com absti- Rotação. Este erro se refere à orientação no
nência de, no máximo, oito dias (6,98). Perce- espaço. Rotação implica a variação da posição
be-se, por outro lado, que as médias das duas do eixo principal da figura de 80 a 180º, inclu-
primeiras semanas confirmam um diagnóstico sive no caso de uma reprodução espelhada do
positivo de disfunção orgânico-cerebral, com estímulo. Não há rotação quando é feita uma
pouca diferença entre as médias seguintes, in- cópia exata, após a rotação do cartão ou do
feriores a 5. Levando-se em conta os critérios papel. Aplica-se a todas as figuras (vide exem-
de Lacks, foi possível afirmar que os escores plos, Figura 20.10).
sugerem melhora funcional, a partir da segunda Dificuldade de superposição. Este erro se
semana (Argimon, Minella, Pereira et alii, 1989). refere à dificuldade na reprodução da área de
Numa seqüência da mesma pesquisa, pro- superposição das subpartes componentes e se
curou-se verificar que indicadores apresenta- aplica às Figuras 6 e 7. Pode se verificar por:
vam diferenças de freqüência nas quatro ad- omissão de partes que se superpõem; simplifi-
ministrações. Fragmentação e tempo superior cação ou marcante tracejamento, apenas no
a 15 minutos foram indicadores ausentes em ponto de superposição; distorção no ponto de
todos os casos, enquanto dificuldades de fe- superposição; superposição em lugar errado ou
chamento e coesão foram identificadas em falta de superposição (mas, se o espaço entre
todos os protocolos. Embora somente com as subpartes é maior que 3,2 mm, atribui-se
maiores investigações seja possível chegar a escore para Simplificação) (vide Figura 20.10).
conclusões sobre implicações clínicas, os resul- Simplificação. Este erro se refere à repro-
tados estimados pela prova Q de Cochran su- dução mais simplificada ou mais fácil do estí-
gerem que diferenças na freqüência da apre- mulo, embora não mais primitiva, em termos
sentação dos indicadores de fragmentação, de maturação, e se aplica a todas as figuras.
retrogressão, perseveração e dificuldades de Pode se verificar por círculos, em vez de pon-
angulação podem ter alguma relação com a tos, na Figura 1; ausência de superposição; es-
melhoria do quadro clínico, já que mostraram paço entre as subpartes maior que 3,2 mm;
uma tendência decrescente em sua ocorrência cópias muito simplificadas, como ângulos de
(Argimon, Minella, Pereira et alii, 1989). linhas em vez de ângulos de pontos, na Figura
3, embora a substituição de ângulos por cur-
vas, nas Figuras 7 e 8, não seja considerada
Descrição do sistema de escore erro (vide Figuras 20.10 e 20.11).
Fragmentação. Este erro se refere à quebra
Embora muitos erros sejam possíveis no Ben- da figura em partes, com destruição da Ges-
der, o sistema inclui apenas 12 distorções, que talt ou ao incompletamento da figura (exceto
PSICODIAGNÓSTICO – V 335
FIG. 1 SIMPLIFICAÇÃO
FIG. A
DIFICULDADE
DE
FECHAMENTO
FIG. 2
RETROGRESSÃO
FIG. 1 E 2
PERSEVERAÇÃO
rigir o erro feito, numa segunda tentativa guras A, 4, 7 e 8. Atribui-se o escore, quando
(p.100-101) (vide Figura 20.12). há problemas consistentes, pelo menos em
Dificuldade de fechamento. Este erro se re- duas figuras, entre três (A, 4 e 8), ou quando
fere à junção de subpartes ou das partes adja- existe “um problema significativo, no fecha-
centes de uma figura. Aplica-se apenas às Fi- mento dos círculos ou figuras, ou, ainda, nas
PSICODIAGNÓSTICO – V 337
Ocupação: sem emprego fixo ___ Evidência de fadiga
Observações comportamentais ___ Atenção insuficiente ao estímulo
___ Extremamente rápido e execução
___ Evidência de fadiga descuidada
___ Atenção insuficiente ao estímulo ___ Extremo cuidado e deliberação
___ Extremamente rápido e execução ___ Insatisfação expressa em relação aos
descuidada desenhos mal executados ou tentativas
___ Extremo cuidado e deliberação repetidas de corrigir erros, sem sucesso
___ Insatisfação expressa em relação aos X Falta de coordenação motora ou tremor
___
desenhos mal executados ou tentativas da mão
repetidas de corrigir erros, sem sucesso X Rotação (nas Figuras 3 e 5)
___
___ Falta de coordenação motora ou ___ Aparente dificuldade de enxergar as
tremor da mão figuras
X Rotação (na Figura 5)
___ X Outros comentários: A superfície da mesa
___
___ Aparente dificuldade de enxergar as figuras era áspera, mas foi possível observar
___
X Outros comentários: A superfície da tremor nas mãos.
mesa era áspera. ___ Tempo: 14 minutos
Tempo: 40 minutos
Lista de escore
Lista de escore
X
___ 1. Rotação
___
X 1. Rotação ___ 2. Dificuldade de superposição
___
X 2. Dificuldade de superposição ___
X 3. Simplificação
___ 3. Simplificação ___ 4. Fragmentação
___ 4. Fragmentação ___
X 5. Retrogressão
___
X 5. Retrogressão ___ 6. Perseveração
___ 6. Perseveração ___ 7. Colisão ou tendência à colisão
___
X 7. Colisão ou tendência à colisão ___ 8. Impotência
___ 8. Impotência ___ 9. Dificuldade de fechamento
___ 9. Dificuldade de fechamento ___
X 10. Falta de coordenação motora
___ 10. Falta de coordenação motora ___
X 11. Dificuldade de angulação
___ 11. Dificuldade de angulação ___
X 12. Coesão
___ 12. Coesão ___ Tempo maior que 15 minutos
___
X Tempo maior que 15 minutos
Escore total: 6 erros
Escore total: 5 erros Diagnóstico do teste: Disfunção orgânica
Diagnóstico do teste: Disfunção orgânica cerebral cerebral
___ 1. Rotação
___ 2. Dificuldade de superposição
___ 3. Simplificação
___ 4. Fragmentação
___ 5. Retrogressão
___
X 6. Perseveração
___ 7. Colisão ou tendência à colisão
___ 8. Impotência
___
X 9. Dificuldade de fechamento
___ 10. Falta de coordenação motora
___ 11. Dificuldade de angulação
___ 12. Coesão
___ Tempo maior que 15 minutos
PSICODIAGNÓSTICO – V 339
MÓDULO IX – Técnicas de Manchas de Tinta
PSICODIAGNÓSTICO – V 341
cional de quadros depressivos crônicos, por A administração propriamente dita, ou per-
outro lado, é extremamente difícil fazer o dife- formance, também é denominada de fase de
rencial entre “o depressivo unipolar crônico do associação livre. Contudo, essa denominação
bipolar (maníaco-depressivo) usando apenas os não parece englobar todas as operações e pro-
dados do Rorschach, porque o último inclui, cessos que ocorrem no sujeito, além de se re-
muitas vezes, os mesmos tipos de característi- ferir apenas a um comportamento ulterior às
cas que o primeiro”. Também, “a diferencia- instruções. A administração propriamente dita
ção diagnóstica de perturbações menos seve- abrange desde a maneira como sentam o E e o
ras é ainda mais difícil, embora nem sempre S, a entrega da lâminas e instruções, a anota-
impossível” (Exner, 1983, p.88). Ademais, o ção do tempo de reação e do tempo total e o
teste é sensível a variações dentro de um qua- registro do comportamento verbal e não-ver-
dro clínico, associadas com a duração da doen- bal do sujeito. Por outro lado, segundo estu-
ça, à sua severidade, à ação de algumas dro- dos realizados, a primeira operação que ocor-
gas terapêuticas, de modo que a lista de indi- re no sujeito é a da classificação. Dados prove-
cadores diagnósticos nem sempre é adequada nientes do input são comparados com aqueles
ao caso individual. Por tais razões, muitas ve- já armazenados, de onde pode resultar um gran-
zes as conclusões baseadas unicamente no de número de respostas para cada lâmina. En-
Rorschach apresentam discordâncias com diag- tretanto, o output decorre de algum processo
nósticos clínicos, calcados em observações pro- de censura ou discriminação, sendo a resposta
longadas. Assim, não se pode fazer uma supe- também determinada sob a influência do estilo
restimativa do instrumento, e não é adequado próprio do sujeito e de seu estado psicológico
usá-lo para uma análise às cegas, exceto com no momento da testagem (Exner, 1983). Portan-
objetivo de pesquisa. O conhecimento da histó- to, parece que a denominação de associação li-
ria do sujeito é fundamental e representa uma vre é por demais específica para caracterizar to-
garantia em termos de precisão diagnóstica. E, das as operações e processos que têm lugar.
mesmo que nem sempre os dados permitam O inquérito parece constituir a fase mais im-
conclusões diagnósticas, eles são importantes na portante de toda a administração, porque deve
avaliação da personalidade e na identificação de fornecer subsídios para tornar clinicamente
áreas que devem ser focalizadas na terapia. úteis as verbalizações registradas durante a
Em quarto lugar, uma vez que toda a fun- primeira fase. Como o seu objetivo é o de ave-
damentação para a classificação das respostas riguar aspectos perceptocognitivos subjacen-
está na existência de um material que desen- tes às respostas, deve partir das próprias ver-
cadeia operações perceptocognitivas e em re- balizações do sujeito, restringindo-se, tanto
lação ao qual se testam a qualidade e a especi- quanto possível, à terminologia por ele utiliza-
ficidade das respostas do sujeito, somente uma da. Não obstante, seu referencial básico é o
administração adequada e um inquérito satis- material da mancha, de modo que envolve um
fatório podem garantir a qualidade científica constante redirecionamento do sujeito para a
dos resultados. área da lâmina selecionada. Em razão disso, o
examinador precisa ter uma familiaridade mui-
to grande com as características da mancha,
O exame porque estas vão subsidiar as hipóteses que
serão testadas durante o inquérito, embora
O exame inclui quatro partes ou fases: adminis- suas perguntas devam ser, na medida do pos-
tração propriamente dita, inquérito, período de sível, neutras e rotineiras, subentendendo-se a
analogia e teste de limites. Seus objetivos, os existência de um roteiro implícito.
comportamentos específicos do examinador, as Geralmente um bom inquérito torna dispen-
características da situação e o tipo de interação sável o período de analogia. Porém, este se jus-
que se estabelece entre o examinador (E) e o su- tifica quando permanecem dúvidas sobre as-
jeito (S) são resumidos no Quadro 21.1. pectos importantes, em especial se são essen-
ciais para um diagnóstico diferencial. Caso con- desempenho do sujeito em futuro reteste, de
trário, não deve ser utilizado, pois, se resolve modo que deve se restringir à testagem de hi-
problemas na testagem atual, pode trazer in- póteses realmente fundamentais no contexto
terferências para a produção de respostas ge- geral da avaliação.
nuínas, numa situação de reteste. Há autores que sugerem a utilização de pro-
Teste dos limites é um recurso conveniente cedimentos adicionais. Um deles prevê a soli-
para testar reações específicas a determinadas citação de uma última resposta, após o com-
lâminas (como indícios de choque, manifesta- pletamento da lâmina X, embora alguns prefi-
ções afetivas, etc.) e para avaliar potenciais do ram pedir uma resposta diferente. O procedi-
sujeito. Entretanto, quanto menos sugestiva mento não altera a administração tradicional,
puder ser esta fase, menos comprometerá o mas acrescenta um item, que pode ter impli-
PSICODIAGNÓSTICO – V 343
cações importantes não só no que se refere a Dificuldades ou fracasso na realização ou
recursos intelectuais pessoais, mas de um pon- no manejo da situação do teste
to de vista qualitativo.
Subentende-se que, antes da administração,
haja necessidade do estabelecimento de um
ADMINISTRAÇÃO bom rapport. Contudo, para Klopfer e Kelley
(1946), ainda que o considerem desejável, não
Objetivo, definições operacionais e lhes parece que seja essencial, achando que o
pressuposição básica que realmente importa é que o examinador
realmente perceba e compreenda o tipo de re-
O objetivo da administração é o de obter uma lação estabelecida entre S e E e o valor-estímu-
amostra do comportamento do sujeito, numa lo de sua pessoa, dentro da interação. Não obs-
situação-estímulo relativamente padronizada, tante, as condições atuais do sujeito podem
mas ambígua, não-estruturada, nova para o su- interferir ou comprometer o seu desempenho
jeito. e devem ser adequadamente avaliadas. Tais
dificuldades são apresentadas no Quadro 21.2.
Entretanto, em geral, não há problemas
Definições operacionais dignos de nota, no sentido de invalidar os re-
PSICODIAGNÓSTICO – V 345
que não existem respostas certas ou erradas,
como alguns autores. Se o sujeito dá uma res-
posta e pergunta se está certo, respondemos:
Stop
“Não há respostas certas ou erradas”.
Não dizemos que a lâmina pode ser olha-
da em qualquer posição, exceto quando o su-
jeito, após trabalhar com a lâmina na posi-
ção normal, a gira, voltando à posição ini- Start
cial. Neste caso, se pergunta se pode girar a
lâmina, dizemos que pode olhá-la como qui-
ser. Esta, como qualquer outra observação
do examinador, deve ser feita em tom casual,
não sugestivo. A posição da lâmina deve ser
registrada com um ângulo, cujo vértice indi-
ca a parte superior, e os giros, com uma es-
piral. Fonte: Exner, 1983, p.80.
Anota-se o tempo transcorrido até a primei-
ra resposta e o tempo total. Às vezes, a pessoa Figura 21.1 Atividade de exploração ocular da Lâmina
III de uma mulher de 24 anos, durante um intervalo de
faz um comentário ou começa com observa- 900 milissegundos.
ções de caráter descritivo. Recomenda-se que
seja anotado o tempo até que o sujeito verba-
lize qualquer coisa, pareça esta um comentá- IDENTIFICAÇÃO DAS UNIDADES DE ESCORE
rio ou não, e o tempo até o que constitui apa-
rentemente uma resposta. Isto é importante Os padrões de comportamento do sujeito,
porque há verbalizações que são classificáveis como reação aos estímulos das manchas, pro-
e outras não, o que, às vezes, só se pode iden- duzem-se, fundamentalmente, na forma de
tificar no inquérito. verbalizações e, só complementarmente, são
Sobre o tempo que o sujeito deve perma- verificáveis por outras características.
necer com a lâmina, antes que se caracterize É preciso que o sujeito seja capaz de se co-
um fracasso, os autores variam. Geralmente, municar de forma útil para que forneça verba-
após um minuto, costumamos usar algum es- lizações classificáveis ou respostas. Uma res-
tímulo como “Com que se parece?” ou “Pode posta é uma unidade básica de escore.
começar!”, utilizando o mesmo tipo de incen- É necessário dividir o protocolo em respos-
tivo ou outros, sempre neutros, quando o su- tas isoladas ou unidades básicas de escore. A
jeito chega aos dois minutos, sem resposta. Na identificação das unidades de escore nem sem-
Figura 21.1, vemos que um sujeito é capaz de pre é fácil e exige a consideração de três as-
explorar visualmente toda a lâmina, num pe- pectos essenciais: a intenção do sujeito e sua
ríodo de 900 milissegundos, padrão que é capacidade de lidar com os estímulos de ma-
muito semelhante ao usado por outros indiví- neira interpretativa, as pressuposições do su-
duos. jeito sobre a área da mancha e a organização
A experiência mostra que o tempo além de ou o grau de independência dos conceitos.
três minutos dificilmente resulta proveitoso.
Neste caso, costumamos dizer “Vamos experi-
mentar outra”, recolhendo a lâmina, a não ser A intenção do sujeito e sua capacidade de
que o sujeito expresse o desejo de continuar. lidar com os estímulos de maneira
No caso de fracasso ou rejeição, não se conta interpretativa
o tempo que o sujeito permaneceu com a lâ-
mina para cálculo da média do tempo por res- Geralmente, é relativamente simples distinguir
posta. respostas de comentários. Entende-se uma res-
PSICODIAGNÓSTICO – V 347
O sujeito insiste que são atribua escore para duas ou indígenas dançando em torno de um totem”,
duas ou mais respostas, mais respostas principais que pode ser de dois tipos.
embora tenham o mesmo Organização compacta é um tipo de orga-
determinante nização que não justifica a subdivisão das par-
O sujeito usa apenas atribua escore para uma tes componentes. Portanto, estas não recebem
nomes diferentes para o resposta principal escore como respostas principais, a não ser que,
mesmo conceito ou refere na elaboração da resposta, esteja incluído um
conceitos que essencial-
mente representam a
conceito popular ou de nível popular. Neste
mesma coisa caso específico, é atribuído escore como res-
posta principal também a esse conceito, e a
organização é indicada por um parêntese. As
lâminas que mais comumente suscitam respos-
Em terceiro lugar, o sujeito pode pressupor
tas de organização compacta, com localização
que cada localização pode “ser” uma ou outra
W, são a I, IV, V e, às vezes, a II, VI e IX.
coisa.
Organização frouxa é um tipo de organiza-
ção em que as partes componentes podem ser
Evidência Escore correspondente vistas separadamente, quer na administração
Na administração pro- atribua escore para uma propriamente dita, sendo-lhes atribuído esco-
priamente dita, o sujeito resposta principal re principal, quer no inquérito, caso em que
dá duas ou mais recebem escore adicional. A organização das
respostas para a mesma
partes no conceito mais amplo deve ser indi-
localização, admitindo
que são intercambiáveis cada por um parêntese. Respostas de organi-
zação frouxa são mais freqüentes na Lâmina III
Na administração pro- atribua escores para duas
priamente dita, o sujeito respostas principais
e na X.
dá duas respostas para separadas Grau de independência dos conceitos. É
a mesma localização, necessário identificar o que são respostas indi-
insistindo que não são viduais, já que elas constituem as unidades de
intercambiáveis escore. As respostas individuais são registra-
O sujeito dá a segunda atribua escore para uma das separadamente, na folha de escore, classi-
resposta para a mesma resposta principal e para ficadas como principais ou adicionais.
localização, somente no uma adicional
A resposta individual pode ser constituída
inquérito
por um conceito independente ou semi-inde-
O sujeito dá duas res- atribua escore para duas pendente. As especificações são partes essen-
postas para a mesma respostas principais
localização, que têm separadas
ciais de um conceito amplo, acessórios ou atri-
elementos diferentes butos de uma resposta, mas não são respostas
de escore individuais.
O sujeito dá duas res- atribua escore para duas Conceito independente é uma resposta in-
postas para a mesma respostas principais dividual que não se subordina a outra. Ao con-
localização, com espe- separadas ceito independente, atribui-se um escore prin-
cificações diferentes cipal de localização e um escore principal para
para cada uma
cada uma das outras classificações (determi-
nante, conteúdo e popular ou original, se for o
caso), fazendo-se uma estimativa do nível for-
A organização e o grau de independência mal. Além do escore principal, pode compor-
dos conceitos tar escores adicionais. À resposta individual,
com tal característica, mas produzida apenas
Tipos de organização. Nem sempre um concei- no inquérito, atribuem-se escores correspon-
to é simples, como “uma borboleta”. Freqüen- dentes, mas eles são registrados na coluna de
temente, envolve uma organização, como “dois adicionais. Um conceito independente pode ser
PSICODIAGNÓSTICO – V 349
QUADRO 21.3 Classificação das respostas conforme o tipo de organização e o grau de independência
dos conceitos
Tipo de organização Grau de independência dos conceitos Escore correspondente
Atribua escore principal para localização,
determinante, conteúdo, popular versus
original (se for o caso) e proceda à
Organização compacta Conceito independente estimativa do nível formal. No caso de
haver especificações, acrescente escores
adicionais e considere-os em termos do
nível formal.
Conceito independente Atribua escore principal para localização e
para as demais classificações
Organização compacta e e
Conceito semi-independente atribua escore principal para localização e
de nível popular para as demais classificações, indicando a
conexão por parênteses.
Conceito independente Atribua escore principal para localização e
para as demais classificações
Organização frouxa e e
Conceitos semi-independentes atribua escore principal para localização e
para as demais classificações, para cada um
dos conceitos indicando a conexão por
parênteses.
Conceitos semi-independentes Atribua escore principal para localização e
para as demais classificações, para cada um
dos conceitos,
Organização frouxa e e
construindo cumulativamente um atribua escore adicional para localização e
conceito, com o qual não têm relação outros escores adicionais para o conceito
de dependência essencial global, indicando a conexão por
parênteses.
Conceito independente Atribua escore principal para localização e
para as demais categorias
e e
Organização frouxa Conceitos semi-independentes atribua escore adicional para localização e
dados no inquérito para as demais categorias, para cada um
dos conceitos.
PSICODIAGNÓSTICO – V 351
um incentivo, perguntando “Algo mais, na lâmina acromática, porque há três hipóteses
mancha, ajuda a pensar em...?” Todavia, há possíveis:
casos em que permanecem dúvidas, como na a) o sujeito está usando cor acromática, com
resposta: “Este vermelho me faz pensar em uma escore provável de FC’;
borboleta”. A questão é se o vermelho foi usa- b) está considerando uma “representação
do para localizar o conceito ou funcionou como acromática de cores vivas, como numa foto-
determinante. Deve-se iniciar o inquérito como grafia” (p.134), e o escore é de Fc;
sempre, dizendo: “Você falou em borboleta...” c) está projetando cores, sem o respaldo de
Pode-se utilizar os estímulos usuais, para veri- características da mancha, o que constituiria
ficar se o sujeito elabora espontaneamente o um fenômeno qualitativo.
uso da cor. Caso contrário, convém proceder Por outro lado, numa resposta de “noite,
de forma mais direta, repetindo toda a verba- por causa da cor”, não se subentende cor acro-
lização e perguntando ao sujeito se, ao falar mática, porque o escuro, então, tem “qualida-
em vermelho, houve intenção de localizar a des de difusão e de preenchimento de espa-
borboleta ou se o vermelho ajudou de alguma ço” (p.156).
maneira. Não se pode considerar a pergunta Às vezes, o sujeito fala em cor quando a
sugestiva, porque o próprio sujeito mencionou impressão que teve foi de textura (como na
a cor, e, se sua intenção fosse a de negar o uso resposta “pele de animal”, na Lâmina IV ou VI),
da cor, a pergunta não o impediria de fazê-lo. ainda que este caso seja menos freqüente. É
Assim, mesmo quando a verbalização sugere claro que, se o sujeito acompanha suas pala-
o uso da cor, somente o inquérito vai definir a vras com um movimento dos dedos sobre a
sua utilização. Klopfer e colegas (1954) dão um superfície da mancha, roçando-a de leve, está
exemplo de uma resposta para o D lateral da concretamente nos comunicando a sua impres-
Lâmina X: “Aqui estão duas aranhas azuis”. são de textura. Contudo, em sua maioria, os
Mesmo nesse tipo de verbalização, o uso da sujeitos preferem usar apenas a comunicação
cor não pode ser pressuposto sem ulterior in- verbal. O fato de o sujeito verbalizar que sua
vestigação. Cabe a pergunta: “Você pensa ne- resposta pode envolver textura, em lâminas
las como aranhas azuis ou apenas quis dizer densamente sombreadas, aumenta a probabi-
que estas manchas azuis são aranhas?”. Dessa lidade do uso de tal determinante, mas é o in-
maneira, “o inquérito é essencial” (p.147). En- quérito que vai determinar a sua utilização. A
tretanto, há outra questão crítica, quando a resposta “pele de animal” pode sugerir três
área da mancha cromática apresenta baixa sa- possibilidades:
turação de cor, em especial em marrom, azul e a) o uso do sombreado como textura (Fc);
verde, ou, mesmo, no caso do uso aparente de b) o uso de cor acromática para uma pele
cor em áreas acinzentadas. No inquérito, não mais lisa e malhada (FC’);
basta que o sujeito verbalize que o que o levou c) referência apenas à forma (F+).
ao conceito foram a forma e a cor. É preciso Nem sempre o sujeito tem facilidade de nos
solicitar-lhe que explique melhor a utilização comunicar a impressão que teve. Uma pergunta
da cor, como em um exemplo daqueles auto- adequada é: “Esta pele é vista pelo lado de
res: “Eu não estou muito certo do que você dentro ou pelo lado de fora?” Como a forma
quer dizer por cor. Qual é a cor do...?” (p.170). implícita é a mesma, a resposta à pergunta
Se o sujeito cita uma tonalidade cromática subseqüente, “O que na mancha faz com que
(como azul, verde ou marrom), configura-se o pareça ser vista pelo lado de...?”, muitas vezes
uso da cor e um escore provável de FC, porque é esclarecedora. Se, mesmo assim, não é pos-
a forma foi tomada em consideração. Mas, se sível estabelecer o uso do sombreado como
refere uma tonalidade acromática (cinza, bran- textura, é provável que uma das outras possi-
co ou preto), o escore seria de FC’. bilidades esteja em jogo.
A mesma pergunta deve ser feita quando o Outra hipótese relativa à mesma resposta é
sujeito dá como determinantes forma e cor, em a presença ou não de movimento inanimado,
Inquérito de populares
Inquérito de conteúdo
Ainda que quase sempre a resposta popular
O inquérito de conteúdo comumente é dispen- seja óbvia, às vezes subentende certos requisi-
sável, porque a resposta geralmente o torna tos para ser classificada como tal. Por exem-
óbvio. Entretanto, há alguns aspectos aos quais plo, os “animais” da Lâmina II, conforme Klop-
convém fazer alguma referência. Por exemplo, fer e colegas (1954), não podem ter escore
uma “mulher com asas” pode ter um conteú- como popular, a menos que “o focinho esteja
do (H) ou AH. No primeiro caso, trata-se de na região central superior, as orelhas nas pro-
uma figura mitológica, aceitável de um ponto jeções exteriores superiores e as patas (se hou-
de vista lógico; no segundo, refere-se a uma ver) nas projeções inferiores exteriores” (p.205),
adição arbitrária de asas, numa figura em par- além de precisarem ser vistos na posição nor-
te humana e em parte animal. Por outro lado, mal da lâmina. Isso demonstra que a popular
a resposta “monstro” pode constituir: não pode ser classificada sem alguma investi-
a) uma referência a um ser humano com gação do conceito, ainda que mínima. Basta a
configuração anômala, com conteúdo (H); pergunta: “O que na mancha faz com que se
PSICODIAGNÓSTICO – V 353
pareça...?” Se o sujeito responde que “tem o to. Por outro lado, aplica-se o W’ quando o
formato de um cachorro, aqui está o focinho”, sujeito utiliza dois terços da mancha e os con-
pergunta-se o que mais vê do “cachorro”, pe- sidera a parte principal da mesma.
dindo-lhe para indicar a localização. A classificação DW somente é utilizada
Evidentemente, devem ser investigados quando o sujeito faz uma generalização arbi-
outros determinantes, nas populares, que os trária, a partir de um detalhe bem visto, che-
incluem para classificação como tal. gando a um conceito global que é inadequa-
do, embora tenha implicações de forma defi-
nida. Alguns autores, como Vaz (1980), utili-
A CLASSIFICAÇÃO DA RESPOSTA zam a classificação DW ou DG não apenas no
caso específico de resposta confabulatória,
Localização das respostas conforme Klopfer, mas para todos os casos em
que a generalização é precedida pela percep-
A localização das respostas é o primeiro passo ção de um detalhe, com o que a global resul-
para a sua classificação. Atribui-se um escore tante poderia ter diferentes níveis de qualida-
de localização principal para qualquer concei- de global. Portanto, DW, conforme Klopfer,
to, caracterizado como independente ou semi- nunca se aplica a um conceito global vago.
independente, que é verbalizado na fase de Assim, o exemplo típico de resposta confabu-
administração. O escore de localização adicio- latória (DW) é a resposta “gato” para a Lâmina
nal é atribuído também para tais conceitos, se VI, em que o sujeito parte de um detalhe bem
formados durante o inquérito; para os concei- visto, “a cara do gato”, no D superior, e insiste
tos verbalizados na administração, mas rejei- em que a mancha toda seja um gato, conceito
tados no inquérito; para os detalhes semi-in- que tem implicações de forma definida, mas
dependentes de uma organização frouxa, só não é adequado para a Lâmina VI. Se a partir
mencionados no inquérito; para tendências à do mesmo detalhe, generalizando porém para
globalização; e para o uso complementar do um conceito de forma vaga, como na resposta
espaço em branco. “um gato esmagado por um caminhão”, não
Os maiores problemas, em relação à classi- cabe o escore de DW. Por outro lado, se gene-
ficação de localização, referem-se à discrimi- raliza a partir de um detalhe bem visto, para
nação entre escore principal e adicional, que um conceito global, com implicações de for-
podem ser resolvidos com facilidade, se o psi- ma definida, mas que seja adequado para a
cólogo tiver em mente os tipos de organiza- mancha, o escore é de W, mesmo que não seja
ção e o grau de independência dos conceitos capaz de verbalizar a adequação das partes do
explicados anteriormente. No mais, é de espe- conceito às partes da área da mancha. Por
cial importância considerar, nas respostas glo- exemplo, se, na Lâmina V, disser “Uma cabeça
bais, a intenção do sujeito, para a distinção de rato... é um rato”, trata-se de uma DW, mas,
entre W e W’, e a lógica implícita, nos casos se disser “Uma cabeça de morcego.... É um
em que o sujeito generaliza adequadamente morcego”, trata-se de uma W, mesmo que no
ou não, a partir de um detalhe bem visto. inquérito dê a mesma explicação para abran-
A diferenciação entre W e W’ baseia-se, fun- ger o restante da mancha: “É o resto do ani-
damentalmente, na intenção do sujeito. O es- mal”. Esta é a única classificação de localiza-
core W’ só é atribuído se o sujeito, espontânea ção que utiliza o critério de qualidade ou lógi-
e deliberadamente, exclui uma porção equiva- ca do conceito.
lente a um terço ou menos da mancha, mes- O escore de WS não envolve problemas,
mo que, no inquérito, o examinador se dê conta nem o de D e d. As localizações D e d corres-
de que o conceito não engloba completamen- pondem a subdivisões óbvias da mancha, di-
te toda a mancha, excetuando-se apenas as Lâ- ferenciadas pelas características configuracio-
minas II e III, em que a exclusão de manchas nais e definidas pela freqüência de seu apare-
vermelhas pode ser determinada pelo inquéri- cimento. Portanto, há um número limitado de
PSICODIAGNÓSTICO – V 355
F±, eram consideradas de nível medíocre e Escore de outros determinantes e de
incluídas na classificação F. Quando foi in- conteúdo
troduzida a avaliação do nível formal das res-
postas, as questões de definição da forma e No escore de determinantes, há critérios defi-
de sua adequação à área da mancha ficaram nidos para classificação como principais ou
melhor explicitadas. Não obstante, implici- adicionais, caso sejam mencionados ou fiquem
tamente foram mantidas as classificações de implícitos na verbalização espontânea, na ad-
F, para as respostas de forma, conforme sua ministração propriamente dita ou no inquéri-
definição e adequação, que são muito impor- to; sejam referentes a respostas dadas apenas
tantes, quando não se faz a avaliação do ní- no inquérito; sejam atribuídas apenas à parte
vel formal. Mesmo quando esta é realizada, da localização; surjam somente após muita
o cálculo de percentual de ‘F+ permanece estimulação; ou sejam usados com certa hesi-
como um dado valioso do ponto de vista clí- tação ou dúvida. Tais critérios são facilmente
nico. encontrados nos manuais em que Klopfer apa-
Outros autores têm proposto também mé- rece como um dos autores, citados nesta obra.
todos de escore do nível formal de F, como Entretanto, um dos pontos importantes, den-
as sete categorias de aderência à realidade tro do sistema proposto por esse autor, são as
de Mayman, sistema considerado por Lo- regras para determinar prioridades, na distin-
hrenz e Gardner (1967) de muito valor em ção de determinantes principais e adicionais. É
análises qualitativas, que foi mantido em utilizado apenas um escore, como principal, e,
parte no sistema compreensivo de Exner para defini-lo, usam-se as regras seguintes:
(1980). a) se o próprio sujeito dá prioridades ou
Para a estimativa global da qualidade da ênfase a um certo determinante, este deve ter
forma, existem vários métodos, mas que sem- o escore como principal;
pre pressupõem a estimativa prévia da qua- b) se um determinante se torna explícito na
lidade das respostas individuais. Existem lis- administração propriamente dita, este deve ter
tas de respostas possíveis (atlas), que podem prioridade sobre outros que só aparecem no
ser consultadas quanto à qualidade das res- inquérito;
postas, sendo as americanas mais numero- c) se dois ou mais determinantes parecem
sas, mas havendo, também, atlas desenvol- ter a mesma importância, a prioridade é dada
vidos no Brasil (Adrados, 1967; Adrados, e mantida sempre na ordem seguinte, a não
1973; Augras, Sigelmann & Moreira, 1969; ser que haja hesitação, dúvida ou caso pareça
Quintela, 1955). um uso secundário: M, sobre todos os demais
Um dos problemas que se tem, ao consul- determinantes; CF ou C, nesta ordem, sobre
tar um atlas ou vários, é o de não encontrar a todos os demais, exceto M; Fc, sobre todos os
resposta procurada. Neste caso, os autores demais, exceto M e cor (Klopfer, Ainsworth,
sugerem que se procure comparar a resposta Klopfer, W., et alii, 1954).
com conceitos similares, procurando fazer ex- Essas regras foram criticadas por alguns
trapolações ou, ainda, utilizar o julgamento autores, não só porque forçam o clínico a fa-
clínico. Na realidade, parece mais aceitável a zer escolhas difíceis, mas, principalmente, por-
combinação desses dois critérios, evitando-se que o escore adicional entra com a metade do
fazer a estimativa da qualidade da forma com peso atribuído ao escore principal, nos cálcu-
base apenas no julgamento clínico. Por outro los finais. Exner, que, num levantamento feito
lado, ainda que não haja muitas listas disponí- entre psicólogos americanos, verificou que um
veis, parece preferível utilizar, predominante- grande número deles atribuía peso idêntico a
mente, aquelas que foram desenvolvidas com todos os determinantes, optou por adotar tal
base estatística e a partir de uma população critério em seu sistema, sem discriminação en-
de faixa etária equivalente ou próxima da do tre respostas principais e adicionais, mas des-
sujeito em estudo. considerando como respostas as verbalizações
PSICODIAGNÓSTICO – V 357
QUADRO 21.4 Comparação entre cinco listas de populares
Lâmina e Rorschach Klopfer Beck Quintela Augras
localização
I–W Morcego Morcego Morcego Morcego Morcego
Borboleta ou Borboleta Borboleta Borboleta
qualquer criatura Osso da bacia Pássaro
alada com o corpo
no D central e as
asas dos lados
(pode ser W’*)
PSICODIAGNÓSTICO – V 359
QUADRO 21.5 Definição da forma do conceito te” dadas a áreas da mancha bastante óbvias
1. Conceito de forma definida e que requerem cerca do mesmo nível de ca-
1.1.Conceitos de forma definida, mas simples, exi- pacidade organizacional que as próprias res-
gindo pouca imaginação (populares ou con- postas populares. Seu escore básico é 1.
ceitos com 2 ou 3 requisitos), com escore 1.
“Perfil humano” também é um conceito de
Exemplos:
Borboleta: corpo (área central, estreita, peque- forma definida, mas não é simples, porque suas
na) + asas (áreas laterais, simétricas) implicações formais essenciais (nariz+testa+
Árvore: tronco (área estreita) + copa (área lar- boca+queixo, em proporções adequadas) são
ga, espalhada) mais diferenciadas. Tais conceitos de forma
Aranha ou siri: corpo (área arredondada) +
definida, mas diferenciada, subentendem qua-
pernas (projeções)
Animal: corpo (qualquer área de forma razoá- tro requisitos ou mais, são mais exigentes em
vel) + cabeça + pernas termos das operações perceptocognitivas en-
Peixe, cobra: corpo (área comprida, estreita) volvidas e quanto à configuração da mancha a
Cachorro: corpo + cabeça + patas que se aplicam. Seu escore básico é 1,5.
Cabeça de cachorro: focinho + cara + orelhas
O determinante de um conceito de forma
Tórax, osso ilíaco
Dedo, braço ou perna, olho definida, seja simples ou diferenciada, é F ou
Taça de sorvete qualquer outro, em que forma assume um pa-
1.2.Conceitos de forma definida, diferenciada (4 pel prioritário (M, FM, Fm, FC, FC’, FK ou Fc).
requisitos ou mais), com escore 1,5. Exemplos: “Nuvem” é um conceito de forma semide-
Perfil humano: nariz + testa + boca + queixo
finida, isto é, suas implicações formais são mí-
(proporções adequadas)
Figura humana: corpo (mais comprido do que nimas, vagas ou variáveis quanto à forma. Para
largo) + cabeça (porção superior, menor e ar- ser adequada a esse conceito, a configuração
redondada) + pernas e, talvez, braços (coloca- da mancha é constituída por uma área insular,
dos no lugar correto). Figura de animal especí- sem forma definida. Os conceitos de forma
fico: coelho, cão de caça, elefante
semidefinida podem se aplicar quase a qual-
2. Conceito de forma semidefinida: forma vaga, se-
midefinida ou muito variável, mas não completa- quer mancha ou área da mancha, exceto às que
mente negligenciada (1 requisito, muitas vezes com envolvem características formais bastante es-
ênfase no determinante em que forma tem um pa- truturadas, como o D vermelho central da lâ-
pel secundário), com escore 0,5. Exemplos: mina III ou o D rosado lateral da Lâmina VIII.
Nuvem (área insular, forma vaga)
Subentendem apenas um requisito, muitas
Flor, folha (área insular de forma variável)
Ilha (área insular de forma variável) vezes, com ênfase num determinante em que
Desenho (geralmente áreas simétricas, forma va- a forma tem um papel secundário (F±, mF, C’F,
riável) KF, kF ou cF). Seu escore básico é 0,5.
Sorvete “Céu” é um conceito de forma indefinida,
Conceitos anatômicos vagos
não envolvendo qualquer implicação formal.
Conceitos organizacionais (dependendo da posição
relativa de elementos sem forma), como “terra, mar A área da mancha adequada a este conceito
e céu” também não pressupõe quaisquer caracterís-
3. Conceitos indefinidos: sem envolver qualquer es- ticas formais definidas. Há negligência da for-
trutura, forma negligenciada, com escore 0. Exem- ma e, portanto, não subentende qualquer re-
plos: céu, terra, mato, massa de sorvete
quisito. Seu determinante é C, Cdes, Cn, Csim,
c, C’, K, k e m e aparece muito raramente. Seu
escore básico é 0,0.
ser suscitados, também, em razão das caracte-
rísticas estruturais de certas áreas das manchas,
que compelem o sujeito a determinadas per- Respostas imprecisas e atribuição de
cepções, como no caso das respostas popula- escore básico negativo
res. Também são incluídas entre os conceitos
de forma definida, mas simples, as respostas Resposta imprecisa pressupõe uma inadequa-
de nível popular, que são as “freqüentemen- ção do conceito à mancha, que justifica a atri-
buição de um escore negativo. Deve-se consi- Em segundo lugar, uma resposta imprecisa
derar a definição da forma do conceito e as pode envolver um conceito definido, que se
características da mancha, bem como a atitu- aplica a uma mancha ou área da mancha es-
de do sujeito. truturada com esforço por parte do sujeito para
Não obstante, muitas vezes, são encontra- indicar “partes”, que justificariam o conceito,
das respostas de forma definida, que envolvem como bem vistas e precisas, mas com inclusão
certo grau de imprecisão, mas não são com- de outras que não são adequadas ou, ainda,
pletamente inadequadas à mancha a que se com todas as partes do conceito bem vistas,
aplicam. Tais respostas não são classificadas mas organizadas de forma ilógica, como no
como imprecisas, nem justificam um escore caso da combinação confabulatória. Seu esco-
básico negativo, embora, em razão de suas re básico é -1,0.
especificações destrutivas, possam resultar A resposta também pode envolver um con-
num escore final negativo. ceito definido, mas observar a imprecisão pela
Na resposta imprecisa mais simples, a ina- generalização inadequada para o todo, a par-
dequação seria caracterizada pela aplicação de tir de um detalhe bem visto, caracterizando,
um conceito de forma semidefinida ou indefi- assim, uma confabulação. Seu escore básico
nida a uma mancha ou área da mancha, muito é -1,5.
estruturada. Um exemplo seria a resposta de Um exemplo de resposta imprecisa encon-
“nuvem” para o D vermelho central da Lâmina tra-se em casos de perseveração, em que, após
III ou para o D rosado lateral da Lâmina VIII. uma resposta inicial eventualmente adequada
Seu escore básico é -0,5, não tendo as mesmas (como “morcego”, na Lâmina I), a mesma res-
implicações psicopatológicas de outros tipos posta continua a ser dada nas lâminas seguin-
de respostas imprecisas. tes, com completa desconsideração das carac-
PSICODIAGNÓSTICO – V 361
terísticas da mancha. Tal resposta, comum em sórios ou mencionando atributos, procurando
crianças pequenas, é encontrada entre pacien- embelezar a sua resposta.
tes esquizofrênicos muito regressivos e em Quando assinala partes que são essenciais,
muitos casos com disfunção cerebral. Seu es- como requisitos do conceito (como nariz, boca
core básico é -2,0. e queixo, num perfil humano), suas especifica-
A completa desconsideração pelas caracte- ções são irrelevantes, porque são abrangidas
rísticas da mancha também se verifica em res- pelos requisitos do conceito e não o melho-
postas para as quais não há qualquer justifica- ram nem o enfraquecem. Da mesma forma, a
tiva de parte do sujeito, de modo que se carac- especificação “vermelha”, para uma resposta
terizam por sua qualidade absurda. Klopfer e de “borboleta”, embora permita o escore de
colegas (1954) dão um exemplo ilustrativo da FC, também é irrelevante, porque borboletas
resposta “casa”, como resposta global para a podem ser de qualquer cor. Não obstante, se a
Lâmina VII, sem justificativas. Outra possibili- resposta do sujeito for de “um morcego escu-
dade de resposta, também classificada nesse ro”, há uma especificação construtiva, já que
nível, é a contaminação, em que o sujeito su- aos requisitos essenciais do conceito “morce-
perpõe ou faz a fusão de dois conceitos incom- go” o sujeito ofereceu uma elaboração ade-
patíveis em uma mancha ou área da mancha. quada dos detalhes da mancha, acrescentan-
Rapaport et alii (1965) dão como exemplo a do um aspecto essencial, porque os morcegos
resposta de “ilha sangrenta, em que sempre são necessariamente escuros.
há revoluções”, para o D vermelho superior da As especificações construtivas revelam uma
lâmina III, em que, separadamente, poderia ser capacidade de percepção altamente diferencia-
vista “ilha” ou “sangue”, mas que não com- da e se evidenciam pelos detalhes verbaliza-
porta a “fusão arbitrária e rebuscada desses dos em relação aos conceitos, que constituem
dois conceitos”. Também citam a seguinte res- elaborações adequadas de características da
posta para a Lâmina I: “Isto parece com um V mancha. Assim, para a avaliação do nível for-
(contorno interno das figuras laterais), uma mal, é conveniente incentivar o sujeito a am-
vitória alada; aqui está o V da vitória e, aqui, pliar as especificações dos conceitos, por meio
as asas”. Neste caso, “a figura alada familiar de perguntas não-diretivas, além das necessá-
(W) e uma linha vaga em forma de ‘V’ se fun- rias para a simples atribuição de escore.
dem, para dar a resposta final” (p.235). As especificações construtivas podem ser
Dessa maneira, a resposta imprecisa pode formais, referindo-se a aspectos essenciais,
se caracterizar por desconsideração completa consubstanciados pelas características da man-
das características da mancha, como na perse- cha, que ultrapassam os requisitos essenciais
veração, em respostas de qualidade absurda do conceito. Cumpridas tais condições, justifi-
ou pela fusão de duas respostas inteiramente cam, cada uma, um crédito de 0,5, que é acres-
incompatíveis, nas respostas contaminadas. centado ao escore formal básico. Por exemplo,
Seu escore básico é -2,0. “chapéu” numa bruxa, “bigodes” num gato,
“seios” numa mulher, etc. são todas especifi-
cações essenciais, que ultrapassam os requisi-
Especificações e o acréscimo ou tos essenciais desses conceitos.
diminuição do nível formal Já as especificações construtivas de movi-
mento, além de pressuporem o escore de mo-
Uma vez que os conceitos de forma definida vimento em conceito de forma definida (M, FM
subentendem requisitos formais essenciais, e Fm), devem ser “justificadas por qualidades
pode-se avaliar a adequação do conceito à área estruturais da mancha e não simplesmente pro-
da mancha. Contudo, geralmente o sujeito não jetadas” (Klopfer, Ainsworth, Klopfer, W., et alii,
se limita a verbalizar o conceito, mas procura 1954, p.212) e, então, permitem acrescentar
torná-lo mais diferenciado, assinalando partes 0,5 cada uma, ao escore formal básico. Assim
que considera essenciais, acrescentando aces- os autores citados dão o exemplo da resposta
PSICODIAGNÓSTICO – V 363
tualmente nos procuram para supervisão. Em barras com linhas contínuas e as adicionais com
termos de interpretação, seguiremos na mes- linhas pontilhadas.
ma linha. A folha-resumo não deve deixar de incluir a
relação dos fenômenos específicos observados,
as verbalizações inusitadas, os conteúdos im-
Seleção dos dados portantes para a análise temática e o registro
de atitudes especiais do sujeito frente ao tes-
Para chegar a uma interpretação do teste, é te, ao examinador ou durante a testagem. É
importante se distribuir os dados quantitati- claro que, enfocando a natureza da tarefa como
vos e qualitativos num quadro-resumo. São estritamente perceptocognitiva, alguns desses
especialmente importantes os dados quantita- dados não parecem pertinentes. Não obstan-
tivos, porque sobre eles existem mais subsídios te, eventualmente, permitem levantar algumas
na literatura, e, assim, “as interpretações deri- hipóteses sobre a variabilidade dos escores. Por
vadas desses dados têm maior probabilidade outro lado, de um ponto de vista diagnóstico,
de serem corretas” (Exner, 1983, p.90). são importantes os subsídios que oferecem
Em primeiro lugar, é conveniente listar as informações sobre o nível de funcionamento,
relações básicas, conforme a orientação de sobre modalidades defensivas e de indícios
Klopfer. Para a sua consideração, esse autor sobre a organização do ego.
utiliza apenas as respostas principais. Não obs-
tante, para uma visão mais completa dos da-
dos, suplementarmente, o psicólogo precisa de Análise dos dados
algumas informações sobre respostas adicio-
nais, que não entram nos cálculos, mas dão A análise dos dados pode permitir chegar a
indicações sobre potenciais do sujeito. Além uma descrição geral da personalidade, bem
da composição das respostas F, com os respec- como a hipóteses diagnósticas. Porém, não se
tivos percentuais de F e de F+, sugerimos, ain- fará uma tentativa de um exame detido de
da, a consideração do F estendido e do F+ es- possibilidades neste sentido, porque seria por
tendido, não incluídos por Klopfer. Entretan- demais longa e exaustiva, exigindo o espaço
to, para chegar a seu cálculo conforme Scha- correspondente a outro livro. Assim, vamos nos
fer (1954), por exemplo, as respostas devem restringir à discussão de alguns pontos im-
ser reclassificadas de acordo com critérios di- portantes.
ferenciados. Tipo de vivência: A relação entre M e a soma
É conveniente, também, uma listagem das C, muito ressaltada por Rorschach, foi retoma-
relações secundárias, para o que se pode se- da por outros autores, por denotar o modo
guir a orientação de Klopfer, atribuindo aos preferencial de o sujeito lidar com situações
determinantes das respostas adicionais o peso estressantes. Ainda que os conceitos de orien-
de meio ponto. tação introversiva, extratensiva e ambiversiva
Deve-se relacionar os dados que permitam já não sirvam como subsídios para tantas infe-
avaliar o tipo de enfoque, comparando o per- rências clínicas como era suposto anteriormen-
centual observado e esperado das diferentes te, ainda fornecem indícios importantes.
respostas, classificadas nas diversas categorias Tradicionalmente, sabe-se que o peso pre-
de localização. A seguir, registram-se o nível dominante de M se associa com a maior pro-
formal médio e a média do nível formal, sendo babilidade da utilização de recursos interiores,
acrescentados outros dados que complemen- enquanto a primazia da soma C sugere que o
tem a estimativa do nível intelectual, inclusive sujeito se volta para o ambiente, com ele inte-
o tipo de sucessão. ragindo. No ambiversivo, nenhum desses esti-
O psicograma deve ser traçado cuidadosa- los é identificável.
mente, assinalando o número das diversas ca- Organização da experiência perceptual: O
tegorias de respostas principais por meio de número proporcional e a qualidade das respos-
PSICODIAGNÓSTICO – V 365
refere pesquisas em que se verificou que a pos- um distanciamento dos problemas, que pode
sibilidade de recaída para pacientes psiquiátri- ter uma tonalidade depressiva, numa resposta
cos em alta foi maior para os que tinham essa controlada (FK), ou, pelo contrário, pode de-
predominância de FM do que para os que não nunciar ansiedade difusa (KF, K). Já as respos-
a apresentavam. Uma das razões para isso se- tas acromáticas podem sugerir que o afeto está
ria a consciência de “estados de necessidade, contido, isolado, não chegando a se expressar
para os quais não tinham estratégias suficien- diretamente no mundo externo.
tes de enfrentamento e adiamento e aos quais A responsividade à experiência emocional:
responderam de forma impulsiva e inapropria- A reação às três lâminas cromáticas oferece
da” (p.391). indicações de como o sujeito responde à expe-
A resposta m representa outro componen- riência emocional. A ausência de reação, inibi-
te com potencial semelhante: “a m sugere idea- ção ou, por outro lado, a superestimação cro-
ção provocada pela experiência de situações mática são comuns nos grupos clínicos e têm
estressantes, sobre as quais a pessoa tem pou- que ver com a maneira como se dá o proces-
co controle” (p.391). Pode ser considerada uma samento dos estímulos de uma experiência
variável de estado ou situacional e costuma emocional complexa e como o sujeito a eles
estar presente em protocolos de indivíduos que dá uma resposta, que potencialmente não é
se encontram em situações tensionais e amea- adaptativa.
çadoras. A relação entre respostas cromáticas me-
Outros componentes, que se associam com nos ou mais controladas reflete a natureza dos
aspectos perturbadores de um ponto de vista contatos afetivos com o ambiente.
emocional, são as respostas que utilizam de- Quando as respostas cromáticas controla-
terminantes de claro-escuro ou a cor acromá- das (FC) têm precedência sobre as demais, sem
tica. serem por demais abundantes, pode-se pres-
As respostas que envolvem textura (Fc, cF e supor um afeto mais bem modulado e expres-
c) dão indicações sobre o grau de consciência so de forma mais socializada, enquanto a pre-
e de aceitação da necessidade afetiva e quan- dominância de respostas menos controladas
to à disposição de buscar interações que en- sugere a presença de componentes emocionais
volvem um elemento afetivo. Pessoas normais mais intensos no comportamento, podendo a
produzem, pelo menos, uma resposta de tex- expressão afetiva se apresentar como inade-
tura, geralmente controlada. A ausência ou a quada ou mal modulada.
superacentuação de respostas de textura são Recursos de controle interior: As respostas
mais comuns em grupos clínicos, sugerindo ou M parecem se associar com a presença de re-
a falta de aceitação ou de disposição de bus- cursos interiores para integrar a vida dos im-
car contatos com tonalidade afetiva ou a ênfa- pulsos com a realidade externa, envolvendo
se da necessidade neste sentido. No caso da uma capacidade para retardar a ação o sufi-
superacentuação se verificar por respostas ciente para obter um controle sobre a mesma.
menos controladas, pode-se subentender uma Têm relação com processos intelectuais de na-
necessidade mais crua, imatura e indiferencia- tureza abstrata, estando presentes em proto-
da de contato. As mais controladas podem ain- colos de sujeitos com nível geral de eficiência
da expressar necessidade de dependência, intelectual elevado e denotando uma capaci-
embora mais adaptada. Entretanto, tais hipó- dade de imaginação ou de atividade mental
teses devem ser examinadas considerando não em nível de fantasia.
só a quantidade dessas respostas específicas, Na consideração de tais respostas, é impor-
mas o equilíbrio do restante do psicograma. tante examinar o número de M+, mas tam-
O sombreado, usado para efeitos tridimen- bém suas relações com indícios sobre a esfera
sionais (excetuando respostas de reflexo), pode dos impulsos (FM) e sobre o manejo afetivo da
se associar com o manejo da ansiedade atra- experiência (respostas cromáticas). A diminui-
vés de esforços introspectivos, criando, assim, ção de M, com acentuação de FM+m, mostra
PSICODIAGNÓSTICO – V 367
22
Novas tendências: introdução ao
Sistema Compreensivo de Exner
Regina Sonia Gattas F. do Nascimento
Anna Elisa de Villemor A. Güntert
PSICODIAGNÓSTICO – V 369
Klopfer) a 36,4 (sistema Rapaport). Isso de- ros e facilmente aplicáveis. Além disso, a con-
monstra que, não importando qual o sistema firmação empírica do significado interpretati-
adotado, as instruções devem ser coerentes vo de cada elemento da classificação serviu
com esse sistema, o que garante maior confia- como critério para sua inclusão no sistema.
bilidade dos resultados. Apesar de suas novidades, o Sistema Compre-
Para o Sistema Compreensivo, a recomen- ensivo não apresenta tantas modificações que
dação quanto à aplicação é de que a posição impeçam um especialista, com uma certa prá-
da dupla aplicador-examinando deve ser lado tica, de compreender bem as mudanças. Para
a lado e, nunca, face a face, para evitar a inter- aqueles que estão iniciando, traz a clareza com
ferência do aplicador, por meio de suas expres- que estes elementos são descritos, o que faci-
sões não-verbais. As instruções são curtas e lita a sua utilização, embora seja maior a com-
simples, perguntando-se apenas “O que isso plexidade no processo de codificação do que
poderia ser?”, ao se apresentar as pranchas. nos outros sistemas americanos. Muitos dados,
Exner estabeleceu ainda alguns critérios que antes eram apenas trabalhados de manei-
quanto ao número de respostas para que um ra qualitativa, foram incorporados na forma de
protocolo seja aceito, pois, por meio de suas categorias codificáveis, para um trabalho mais
pesquisas, verificou que um protocolo com objetivo. Essa complexidade, no entanto, é o
menos de 14 respostas não é favorável para a que garante a riqueza de seus dados, paralela-
análise e apresenta baixa correlação em caso mente à consistência do sistema.
de reteste. Propõe, para evitar essa situação, Os elementos convencionais de classifica-
alguns procedimentos que estimulem um nú- ção das respostas foram mantidos com leves
mero suficiente de respostas, chegando, se for modificações e são os seguintes: localização,
o caso, a um repasse de todas as pranchas. No determinantes, conteúdos e respostas popula-
seu ponto de vista, o viés introduzido com esse res. A esses, Exner acrescentou códigos para
procedimento, se necessário, é menos nocivo qualidade evolutiva, qualidade formal (tradi-
do que o de trabalhar com material escasso, cionalmente usado, porém, agora com altera-
principalmente estando o profissional ciente de ções muito significativas), respostas de pares
quando e como interferiu na produção do exa- e escores especiais.
minando. Da mesma forma, propõe que se in-
terrompa a associação nas duas primeiras pran-
chas, após cinco respostas, a fim de desesti- Localização
mular protocolos muito longos, que mostra-
ram não possuir resultados essencialmente di- A classificação da localização das respostas é
ferentes para a interpretação, quando compa- bastante simples, considerando apenas as áreas
rados a protocolos com um número médio de utilizadas. As respostas podem ser globais (W),
respostas. detalhes comuns (D), detalhes incomuns (Dd)
ou nos espaços em branco (S), que são sempre
associados a um dos critérios de codificação
A CLASSIFICAÇÃO DAS RESPOSTAS anteriores (WS, DS ou DdS).
PSICODIAGNÓSTICO – V 371
minantes em sua classificação. Quando existe tem critérios muito precisos de inclusão de uma
apenas um determinante, é chamado de de- resposta em cada categoria, já que algumas
terminante único, e, quando aparece mais de delas comporão fórmulas importantes para a
um em uma mesma resposta, diz-se que são interpretação dos resultados. Por exemplo,
determinantes mistos ou blends. Natureza (Na) e Paisagem (Ls) seguem critérios
estritos, que não podem ser confundidos.
Existem 26 categorias, sendo quase todas
Qualidade formal utilizadas em outros sistemas de codificação
do Rorschach. Foi introduzida uma categoria
A classificação da qualidade formal das respos- para as respostas que não se ajustam facilmen-
tas fica mais complexa do que alguns dos sis- te a nenhuma das já existentes. Essas respos-
temas anteriores, uma vez que Exner amplia tas são codificadas como conteúdo idiossincrá-
os critérios de codificação, além de introduzir tico (Id).
a obrigatoriedade de atribuir uma qualidade
formal a todas as respostas, onde entra a for-
ma, mesmo que secundariamente. Assim, no Populares
lugar de termos apenas respostas bem vistas
ou mal vistas, temos os seguintes critérios: As respostas populares (P) são as respostas que
1) Resposta superior/superelaborada (+): aparecem com uma freqüência muito alta na
este código é específico para uma resposta população em que foi realizado o levantamen-
bem-vista, que foi articulada de maneira não to. Podem existir diferenças entre as respostas
usual, excessivamente detalhada, à qual é atri- populares, em diferentes grupos culturais. O
buída uma série de características descritivas, Sistema Compreensivo definiu 13 respostas P,
sem alterar a sua qualidade formal. grande parte delas coincidentes com o que já
2) Resposta ordinária (o): este código é es- considerávamos popular em nosso meio.
pecífico para uma resposta que é facilmente
identificada pela maioria das pessoas, constan-
do, portanto, das tabelas normativas. O crité- Atividade organizativa
rio estatístico para respostas o é de que tenham
sido dadas, pelo menos, por 2% da popula- Este item de classificação refere-se à atribui-
ção. ção de um valor numérico, quando diferentes
3) Resposta incomum (u): trata-se de uma elementos da resposta são integrados pela atri-
resposta que, apesar de pouco freqüente, se buição de uma relação entre eles. Esse critério
comparada ao critério anterior, mantém a ca- foi introduzido por Beck (1944) e empregado
racterística de poder ser facilmente identifica- de forma diferente por Hertz (1977), que atri-
da por outras pessoas, não apresentando dis- buía o mesmo valor a todas as respostas orga-
torção significativa da forma. nizadas – e foi, de certa forma, considerado
4) Resposta menos (-): é a resposta que re- por Klopfer e colegas (1954), ao atribuírem
cebe este critério por tratar-se de uma respos- valores à qualidade formal das respostas, co-
ta que distorce a forma, podendo apresentar dificação quase nunca utilizada, por ser muito
pequenas distorções ou ser totalmente arbitrá- subjetiva. O critério adotado no Sistema Com-
ria. preensivo é o de Beck, segundo o qual existem
relações que são mais fáceis de serem estabe-
lecidas, em função das características formais
Conteúdos da própria mancha (compacta ou fragmenta-
da) e da área escolhida pelo sujeito para for-
Tal como todos os sistemas, a classificação dos mar sua resposta (toda a mancha, detalhes
conteúdos é simples e praticamente não traz adjacentes, detalhes distantes e espaços bran-
modificações, a não ser pelo fato de que exis- cos). Em função do grau de facilidade ou de
PSICODIAGNÓSTICO – V 373
los de muitas pessoas, como fenômenos isola- todos eles para que a ação aconteça e onde a
dos, e que não chegam a comprometer o fun- ação seja considerada positiva ou cooperativa.
cionamento do pensamento, mas, quando os Entram nessa categoria respostas tais como:
mais graves são utilizados ou quando apare- “duas pessoas balançando numa gangorra”,
cem em um grande número de respostas, indi- “duas pessoas fazendo um brinde” ou “duas
cam falhas severas no pensamento, que devem pessoas dançando juntas”.
ser consideradas como elementos graves e per- d) Conteúdo mórbido (MOR): pode-se utili-
turbadores. zar esse conteúdo sempre que houver uma res-
2) Perseveração e falha na integração: posta cujo conteúdo apareça como destruído,
a) Perseveração (PSV): é um elemento de morto, estragado, etc., ou quando aparecer um
codificação que deve ser atribuído em três di- sentimento de conteúdo disfórico, tal como
ferentes circunstâncias: a) quando encontra- triste, sombrio, infeliz, etc. Essas respostas in-
mos um mesmo modo de responder, aparecen- dicam a presença de uma auto-imagem nega-
do respostas com os mesmos elementos de tiva, baixa auto-estima e uma visão negativa e
classificação, na mesma prancha (perseveração pessimista do meio.
em um mesmo cartão); b) quando um mesmo 4) Respostas personalizadas (PER): Este có-
conteúdo é repetido em diferentes pranchas digo indica que, ao responder, o indivíduo re-
(perseveração de conteúdo); c) quando uma correu a seus conhecimentos ou experiência
mesma resposta aparece de uma forma sim- pessoal anterior para justificar a resposta. São
plista (perseveração mecânica). interpretadas como necessidades inusuais do
b) Confabulação (CONFAB): é atribuído sujeito justificar-se defensivamente, costuman-
quando o sujeito faz sua associação de resposta do aparecer em número elevado em pessoas
a partir de um detalhe da mancha, geralmente inseguras. Quase sempre deve vir acompanha-
de maneira apropriada, e generaliza sua res- da de pronome pessoal, como eu, mim ou nós.
posta para a mancha inteira, o que é feito de Exemplos dessas respostas são: “eu já vi dese-
um modo inadequado. nhos como este em meus livros de biologia”,
3) Características especiais de conteúdo: “lá em casa tinha um quadro igual a este”.
a) Conteúdo abstrato (AB): é um código 5) Fenômeno especial de cor:
atribuído para respostas que expressam uma Projeção de cor (CP): é o escore que mostra
representação simbólica. Em alguns dos siste- que o sujeito identificou uma parte ou toda a
mas anteriores, era considerado como um con- mancha acromática como colorida. Costuma
teúdo e, no Sistema Compreensivo, foi agru- aparecer em pessoas deprimidas, que procu-
pado com os códigos especiais. Algumas ve- ram negar a presença dos afetos negativos,
zes, essa característica aparece de maneira di- substituindo defensivamente por emoções po-
reta, como na resposta “alegria”, cujo conteú- sitivas.
do é Hx (experiência humana), e, outras vezes,
aparece como um elemento secundário, atri-
buído a um outro objeto, como em “cachimbo SUMÁRIO ESTRUTURAL
da paz”.
b) Movimento agressivo (AG): como o pró- O modo como os dados são analisados tam-
prio nome diz, esta categoria é atribuída quan- bém obedece a um esquema original. Os ele-
do aparece uma ação claramente agressiva, seja mentos da classificação das respostas, bem
ela em movimento humano (M), animal (FM) como as fórmulas e proporções, são organiza-
ou inanimado (m), mas sempre junto com de- dos no sumário estrutural, preparando os da-
terminante de movimento. dos para a interpretação do protocolo. Ele é
c) Movimento cooperativo (COP): é atribuí- dividido em duas partes: na primeira, ou seção
do para qualquer dos determinantes de movi- superior, anota-se a freqüência de cada um dos
mento, desde que a ação envolva dois ou mais códigos; na segunda, ou seção inferior, regis-
elementos, de forma que haja necessidade de tram-se as proporções, razões, porcentagens
PSICODIAGNÓSTICO – V 375
o índice de egocentrismo, calculado a partir revelado variações em diferentes culturas, e de-
de respostas de pares e de reflexo, que assina- vemos seguir pesquisando neste sentido.
la o autocentramento; respostas de reflexo, que Agrupamentos: A interpretação deve par-
indicam a presença de componentes narcisis- tir dos agrupamentos de dados que formam
tas; respostas MOR; anatomia e raio X; o de- as seções do sumário estrutural, já que os mes-
terminante FD, bem como a qualidade das res- mos estão relacionados com uma determina-
postas de seres humanos. da esfera da personalidade, o que evita a aná-
Além da organização dos dados por agru- lise de variáveis isoladas. Exner e Sendín (1999)
pamentos, como vimos antes, o Sistema Com- acrescentam algumas outras variáveis a esses
preensivo apresenta as constelações, que são agrupamentos, inclusive elementos qualitati-
conjuntos de índices relacionados a patologias vos, que deverão ser levados em conta para
ou desajustes, mas que também trazem ele- uma interpretação completa.
mentos para se compreender a estrutura da A análise por agrupamentos aumenta a
personalidade e estilos ou traços dominantes possibilidade de uma interpretação integrada
do sujeito: Constelação de Suicídio (S-CON), Ín- do Rorschach, seguindo o modelo do Sistema
dice de Esquizofrenia (SCZI), Índice de Depres- Compreensivo, como Weiner (1998) enfatiza.
são (DEPI), Índice de Déficit Relacional (CDI), A subdivisão dos agrupamentos apenas orga-
Índice de Hipervigilância (HVI) e Índice de Esti- niza as informações que serão relevantes para
lo Obsessivo (OBS). cada um deles, indicando quais os elementos
que deverão constar da análise daquele tema,
incluindo códigos de classificação, fórmulas
INTERPRETAÇÃO específicas e análise temática. Lembra esse au-
tor que os agrupamentos não funcionam como
Com os dados organizados de forma bastante resultados compartimentalizados dos testes,
objetiva, a interpretação fica facilitada também que apresentam seus resultados em traços iso-
por diretrizes claras e sistematizadas que per- lados, mas são agrupamentos das informações
mitem a um iniciante começar a entender as relevantes de algumas funções da personali-
manifestações da personalidade, a partir dos dade.
resultados do Rorschach. A interpretação re- Estratégias de interpretação/variáveis-cha-
comendada pelo sistema sugere analisar, em ve: Também são fornecidas as melhores estra-
primeiro lugar, os elementos do sumário es- tégias de interpretação, que iniciam pelo ele-
trutural; em seguida, a seqüência das classifi- mento mais importante de cada protocolo, ou
cações e, finalmente, a análise dos conteúdos a chamada variável-chave. O sistema determi-
temáticos. na qual a melhor seqüência de agrupamentos
Tabelas normativas: O sistema fornece ta- a seguir, ou seja, oferece o melhor roteiro para
belas bastante completas, indicando padrões uma boa interpretação. Essa organização, a
que dão maior segurança para a compreensão partir da variável-chave, possibilita que sejam
dos valores encontrados no sumário estrutu- analisados, em primeiro lugar, os resultados
ral, além de orientar a interpretação. Sabemos, mais significativos do protocolo, aqueles que
no entanto, que esses dados podem sofrer va- fornecerão mais elementos de interpretação,
riações culturais, e pesquisas normativas pre- esclarecerão melhor os dados encontrados nos
cisam ser realizadas para a nossa população. agrupamentos subseqüentes e apontarão para
Iniciamos em São Paulo uma pesquisa para es- onde devemos dirigir nossa atenção naquele
tabelecer índices adequados para nosso meio, caso.
começando pelos itens da mediação, relativos Projeção e percepção: O Sistema Compre-
à qualidade formal (Nascimento, pesquisa em ensivo propõe ainda uma clara diferenciação
andamento) e também quanto à constelação entre dois processos envolvidos na formação
de depressão (Güntert & Nascimento, pesqui- das respostas, ou seja, os perceptivos e os pro-
sa em andamento), que são os que mais têm jetivos. Essa diferenciação orienta também a
PSICODIAGNÓSTICO – V 377
Rorschach Temático: um complemento
significativo ao Rorschach Tradicional*
André Jacquemin
23
D entre as diversas pesquisas desenvolvidas
com o Método de Rorschach no Centro de
Pesquisa em Psicodiagnóstico da Universidade
za do procedimento, no sentido de fornecer
dados clínicos significativos para uma compre-
ensão dinâmica da personalidade. Entretanto,
de São Paulo, Ribeirão Preto, é de especial in- empregada na forma sugerida pelos estudos
teresse o trabalho de Iozzi (1988), que propõe citados, a técnica de associações livres torna-
um procedimento para completar a explora- se bastante restrita, pois focaliza cada respos-
ção das respostas Rorschach, visando a am- ta isoladamente, o que não possibilita a apre-
pliar a sua interpretação. Em contato com ensão das possíveis relações existentes entre
Draime (1980), na Universidade de Louvain, as respostas, e que poderia trazer à tona ele-
Bélgica, tivemos oportunidade de conhecer mentos expressivos da vida afetiva dos indiví-
seu trabalho, referente ao estudo do valor duos avaliados. Outros estudos solicitaram a
simbólico da prancha IV do Rorschach. Uma elaboração de histórias.
técnica diferente, chamada de “Rorschach Elizur (1976) descreve uma nova técnica,
Temático”, tinha sido utilizada, com vistas a administrada em dois momentos. Na primeira
preencher as lacunas existentes entre as res- fase, o sujeito é convidado a imaginar uma his-
postas fornecidas no teste, em sua aplicação tória, tomando como tema central a resposta
tradicional. Com efeito, na maioria das ve- fornecida durante a aplicação tradicional. No
zes, essas respostas são lacônicas e, em con- caso de várias respostas por prancha, o sujeito
seqüência, sem evidência de articulação e escolhe uma delas ou o próprio examinando
concatenação entre si. opta por aquela resposta julgada mais apro-
A idéia de ampliar as informações sobre os priada, para estimular a fantasia. Na segunda
conteúdos das respostas no Rorschach não é fase, chamada de auto-interpretação, o sujei-
nova. Diversos trabalhos sugeriram a utiliza- to deve identificar-se com a figura principal de
ção da técnica de associações livres para este cada história e buscar temas comuns entre suas
fim. Podem-se citar as pesquisas de Aronov e histórias e sua vida real. Usando o referencial
colegas (1979) e de De Tichey e Lighezzolo teórico da Gestalt-terapia, o autor considera
(1983), cujos resultados apontam para a rique- que as histórias, baseadas nas manchas do
Rorschach, podem suscitar um material mais
inconsciente e idiossincrásico que as histórias
* Projeto financiado pelo CNPq e pela FAPESP. baseadas nas figuras do TAT.
PSICODIAGNÓSTICO – V 379
Os resultados tradicionais do Rorschach senciadas por todos. A pobreza e a falta de
(psicograma) deixam de ser apresentados, já condições materiais de vida são características
que o objetivo maior era o de verificar o quan- predominantes. Desse modo, poder-se-ia pen-
to o procedimento seria exeqüível e clarifica- sar que essas privações reais – além daquelas
dor com crianças. Nesse trabalho, as histórias em nível fantasmático –, com suas conseqüên-
foram analisadas de acordo com a lista de ne- cias vivenciais cotidianas de frustrações, aca-
cessidades do Thematic Apperception Test, de bam por estimular a alta manifestação de com-
Murray (1951), tendo como referencial Ombre- ponentes agressivos e destrutivos nas histórias
dane (1969) e Morval (1982). Além de uma contadas. Vale ressaltar que as crianças do gru-
objetivação das histórias, a configuração das po D, em condições de vida melhor – classe
necessidades permite “uma avaliação dinâmi- socioeconômica média, vida familiar mais es-
ca da personalidade, visto que evidencia em tável, escolaridade normal –, com vivência
que consiste o elemento motor da conduta” menor de frustrações, diminuem apreciavel-
(Morval, 1982, p.31). mente as temáticas agressivas nas suas histó-
No Quadro 23.1, são apresentadas as por- rias, mostrando o quanto o meio pode estar
centagens das necessidades mais freqüentes, influindo nas suas reações.
encontradas nas histórias das crianças dos gru- Observa-se, também, uma maior tendência
pos em estudo. dos grupos B e D a apresentarem necessidade
de afiliação. No grupo B, pode caracterizar um
QUADRO 23.1 Distribuição das necessidades
mecanismo compensatório, uma tentativa pre-
obtidas nas histórias contadas no Rorschach pelos mente de preencher o vazio decorrente da au-
diferentes grupos de crianças sência de afeto, reforçada pela situação fami-
Porcentagem liar difícil. As crianças realmente mais carentes
manifestam claramente suas insatisfações em
Necessidades Grupo Grupo Grupo Grupo
A B C D
nível afetivo, solicitando fortemente que o
n=20 n=10 n=10 n=10 ambiente exerça sobre elas ações protetoras.
Denotam, assim, sentimentos de insegurança
Agressão-destruição 43 42 44 27
Afiliação 14 23 15 23 e fragilidade pessoal com maior intensidade do
Proteção exercida 6 2 3 7 que as outras crianças dos grupos A e C, que
Realização 5 3 2 5 recebem ainda um mínimo de apoio externo.
Aquisição 6 0 3 4 No grupo D, pode se tratar da necessidade
Alimentação 6 3 13 11
de receber proteção e apoio devido ao con-
Diversão 6 10 8 12
Outras necessidades 6 7 4 5 texto socioeconômico-cultural, que torna as
Sem histórias 8 10 8 6 crianças menos autônomas e mais dependen-
tes do auxílio dos pais para atender suas ne-
cessidades.
Observa-se que mais de 40% das necessi- Os grupos C e D diferem notavelmente do
dades encontradas, nos grupos A, B e C, cara- grupo B em relação à necessidade alimentar,
terizam-se pela agressão e destruição. São si- caracterizando a busca da manutenção de co-
nais preocupantes, que denotam que as crian- mida, já que as crianças desses grupos têm
ças são marcadas por impulsos de tipo primiti- acesso a uma variedade maior de alimentos.
vo, com reduzido controle. Nesses grupos, to- Quanto às demais características das neces-
das as crianças avaliadas provêm de uma clas- sidades expressas pelas crianças em suas his-
se social totalmente desprovida de recursos, tórias, os grupos A e B, melhor estruturados,
embora aquelas do grupo A vivenciem priva- tendem a produzir maior número de necessi-
ções de forma menos acentuada. As famílias, dades do tipo obter conhecimentos, realização,
geralmente numerosas, moram em favelas ou ser reconhecido, além de proteção exercida, si-
casa com espaço vital mínimo, onde as atua- nal evidente de uma maior diversidade de suas
ções impulsivas (agressivas e sexuais) são pre- necessidades.
PSICODIAGNÓSTICO – V 381
A prancha I, segundo Rausch de Trauben- Sua história: “As pessoas envelhecem por
berg (1983), associa-se com o desconhecido. dentro, tornam-se opacas, seus sentimentos
De acordo com Chabert (1987), a prancha I co- são recalcados.... não se sabe por que, mas esta
loca o indivíduo frente ao teste, de modo que pessoa não se perturbou pela notícia..... o re-
torna possível que (re)viva a experiência de um sultado do exame indicava um câncer dos os-
contato inicial com algo desconhecido. Já para sos.... este dia mesmo, sozinha como sempre,
Monod (1963), a prancha I significa o estabe- ela morreu”.
lecimento de contatos, que testemunha a A riqueza das informações obtidas pelo pro-
maneira de adaptação e de defesa e a forma cedimento temático é evidente. Deve-se, assim,
de vivenciar a situação aqui-agora. Em fun- possibilitar efetuar uma interpretação clínica e
ção dessa significação, é interessante verifi- simbólica das pranchas do Rorschach de ma-
car como as histórias do Rorschach Temático neira mais científica. Em função da significa-
ampliam a compreensão dos sujeitos quan- ção da prancha I, a apresentação que os des-
to a esse aspecto. cendentes de imigrantes fornecem no Ror-
Uma leitura das histórias, num contexto schach parece ser bastante problemática, sen-
interpretativo-dinâmico, permite constatar que do indicativa de que a sua identidade não está
a apresentação dos dois grupos é nitidamente completamente resolvida, com mais evidência
negativa, um pouco mais acentuada nos des- para os japoneses, por causa dos prováveis
cendentes de imigrantes japoneses, em que se conflitos existentes entre a cultura de origem
observam sete histórias negativas, uma ambi- de seus pais e a cultura de adoção e pelas ca-
valente e duas positivas enquanto, nos portu- racterísticas fenotípicas da raça.
gueses, se encontram seis histórias negativas,
uma ambivalente e três positivas. Esse aspecto
negativo se caracteriza, nos dois grupos, por ESTUDO EM MULHERES COM INFECÇÃO
problemas de identidade, atitudes agressivas VAGINAL RECORRENTE
manifestadas de modo franco ou desviado, de
autodestruição. Os aspectos positivos salien- Dez mulheres (cinco com candidíase de repeti-
tam a busca de contato, de estabelecimento ção e cinco sem problema) foram submetidas
de relacionamentos sociais e/ou heterossexuais, a um conjunto de testes, inclusive o Rorschach
acompanhados, nos portugueses, de uma ne- Temático, com o objetivo de investigar a possí-
cessidade de religiosidade e misticismo. vel vinculação entre necessidades e motivos
Pode-se ilustrar esses aspectos negativos psicológicos e a recorrência da candidíase va-
por meio de exemplos de histórias contadas ginal, isto é, verificar qual a influência que os
pelos descendentes de imigrantes. aspectos psicológicos (e quais) assumem sobre
Problema de identidade: Japonês, 25 anos, a permanência dessa sintomatologia ou, de
solteiro, secundário completo. outra forma, na resistência ao tratamento me-
No Rorschach clássico, fornece três respos- dicamentoso (Palma, 1996).
tas: “uma máscara, uma borboleta e um mor- Nessa pesquisa, as histórias foram interpre-
cego”. tadas tomando em consideração o valor sim-
Sua história: “Eu fui no baile do colégio e bólico latente de cada prancha, de acordo com
cada um devia se fantasiar e escolhi uma más- Rausch de Traubenberg e do referencial teórico
cara para me fantasiar. No salão, tinha uma freudiano. O procedimento será ilustrado a par-
outra pessoa com uma máscara de borboleta tir de duas histórias contadas por uma paciente.
e um homem fantasiado de morcego...”. Mulher de 31 anos, casada, um filho. Des-
Problema de agressividade, autodestruição: de sua adolescência, sofre de infecção vaginal.
Português, 24 anos, solteiro, nível universitá- Após a primeira relação sexual, apresenta epi-
rio. sódios freqüentes de candidíase vaginal.
No Rorschach clássico, forneceu uma res- No Rorschach clássico, fornece as seguin-
posta: “um esqueleto”. tes respostas: na prancha VI, “uma vagina, uma
PSICODIAGNÓSTICO – V 383
figura paterna “perdida”, endeusada, até per- rígido e ineficaz. Suas demandas internas não
ceber, não sem sofrimento, pelas lições da rea- ocorrem ou, quando se apresentam, não po-
lidade, que ele era falível e incapaz de respon- dem ser consideradas, porque são passivas de
sabilizar-se pelo seu desenvolvimento e edu- levar a um sentimento de desintegração. A
cação. O sujeito mostra, por meio de sua his- necessidade que este grupo tem de se manter
tória, que poderá contar apenas com a sua em tensão vigilante, para que as emoções não
mãe, em termos de cuidados, porém, sem en- emerjam, pode significar dificuldade para to-
tender a causa dessa situação. lerar a dor e a angústia. A relação com o mun-
do externo dá-se de modo cauteloso e pruden-
te, com a utilização do racional como meio de
ESTUDO EM MULHERES contato. As emoções encontram-se como que
COM HIV+ E/OU AIDS congeladas, o que faz restringir a personalida-
de e leva a inibições, à repressão do mundo
Dois grupos de mulheres (cada um composto imaginativo e criativo, produzindo fortes reper-
de sete indivíduos), com idade entre 20 e 40 cussões sobre sua vida. No Temático, há uma
anos, sendo que o primeiro grupo apresenta- total ou parcial impossibilidade de construir
va soropositividade para o vírus HIV, enquanto uma história, o que significa que essas mulhe-
o segundo grupo era composto por mulheres res têm dificuldades para brincar, já que o brin-
com AIDS. O objetivo da pesquisa era verificar car só pode ser alcançado se o indivíduo abdi-
a relação entre integração psíquica e fragilida- car de algumas funções egóicas, como a lógi-
de diante do vírus HIV, tanto em mulheres so- ca e o contato com o mundo real e objetivo.
ropositivas quanto naquelas portadoras da Duas histórias ilustram, com clareza, a
doença (Abduch, 1997). As histórias contadas diferença de produtividade que ocorreu no
no Rorschach Temático foram avaliadas, levan- Rorschach Temático, indicando a capacidade ou
do em conta a construção das mesmas (pro- não de “brincar” dos pacientes.
cesso narrativo com temática, cujo enredo te- Mulher, 39 anos, soropositiva com AIDS,
nha começo, meio e fim) e o quadro teórico primário completo.
proposto por Winnicott (1975). No Rorschach clássico, na Prancha II, forne-
Nas mulheres com AIDS, existe uma articu- ce uma resposta: “dois palhaços batendo pal-
lação entre os mundos interno e externo de mas, um frente ao outro”.
maneira diferenciada daquela do outro grupo. No Rorschach Temático:
As mulheres que desenvolveram a doença uti- “Um instante mágico”.
lizam o pensamento racional como uma ma- “Eles trabalhavam no circo, então quando
neira de adaptação e controle, embora consi- eles vestiam aquelas roupas, colocavam a ma-
gam levar em consideração suas necessidades quiagem, era só alegria, eles esqueciam de to-
internas, suas emoções, seus impulsos. Verifi- das as tristezas e só pensavam na alegria que
ca-se, então, uma maior integração psíquica, eles tinham que passar para aquelas pessoas
o que pressupõe capacidade para vivenciar de que tanto esperavam deles. Aqueles momen-
modo mais significativo os aspectos mais do- tos de trabalho eram mágicos, só pensavam
lorosos da vida. No Temático, são capazes, na na alegria, era como se eles esquecessem tudo
maioria da vezes, de elaborar histórias a partir ao redor deles, os problemas que eles tinham
de seus perceptos, caracterizando a possibili- e junto com as crianças eles esqueciam mes-
dade de imaginar e fantasiar. mo. Eles voltavam a ser crianças e um mundo
As mulheres apenas soropositivas são me- de fantasia se criava ao redor deles. Mas quan-
nos espontâneas e criativas, não possibilitam do eles tiravam as roupas, maquiagem, eles
de forma tão intensa o surgimento de fanta- eram homens comuns com a vida cheia de pro-
sias, de emoções. Essas mulheres utilizam o blemas. E quantos problemas eles tinham! Ti-
pensamento lógico como forma de controle e nham a família para sustentar, que dependia
adaptação, que se apresenta extremamente deles. E assim eles iam tocando a vida, até o
PSICODIAGNÓSTICO – V 385
A técnica de Zulliger no processo de
avaliação da personalidade
Cícero Emidio Vaz
24
H ans Zulliger, psicólogo clínico suíço, que,
por ocasião da Segunda Grande Guerra,
trabalhou também em seleção de pessoal, nas-
experiências coletivas com novas manchas de
tinta. A aplicação individual do Rorschach com
os dez Cartões durava muito tempo, tornan-
ceu em 1893 e faleceu em 1965. Sua amizade do-se economicamente dispendiosa para sele-
com o pastor e psicanalista Oskar Pfister con- ção em grande escala. O final das experiências
tribuiu para que ele se dedicasse à psicanálise, resultou num conjunto de três figuras, que foi
integrando o grupo de Emil Oberholzer, Hans aplicado pareadamente à administração indi-
Behn-Eschenburg, Walter Morghenthaler e Her- vidual com o Rorschach, numa amostra de 800
mann Rorschach, fundadores da Sociedade de pessoas, surgindo assim o Zulliger Diapositi-
Psicanálise de Zurique. Foi amigo pessoal de ve-Test (1948), para aplicação coletiva. O pró-
Hermann Rorschach e participou dos trabalhos prio autor fez a adaptação do instrumento,
de Rorschach nos experimentos com manchas para a aplicação individual em três Pranchas
de tinta feitas ao acaso na avaliação da perso- ou Cartões, com o nome de Der Zulliger-Ta-
nalidade. feln-Test (1954). As sucessivas publicações,
O primeiro trabalho com manchas de tinta, em 1955, 1959 e 1962, feitas pela Hans Hu-
metodologicamente baseado na técnica de ber, atestam muito bem a receptividade des-
Rorschach, feito por Zulliger, após a morte de se instrumento de trabalho no campo das
Hermann, foi Der Rorschasche Testversuch im técnicas projetivas.
Dienste der Erziehungsberatung (Teste de Ror- Qual o nome mais adequado, teste ou téc-
schach na assistência educacional), em 1932, nica de Zulliger? A literatura pertinente permi-
em que investigava a criatividade e a integra- te-nos constatar diferentes denominações:
ção humana. No ano de 1938, em co-autoria a) Z-Teste, pelo próprio autor (Zulliger,
com Hans Behn-Eschenburg, publicou o BERO 1948), Maza, (1952), Salomon, na publicação
(Behn-Rorschach Test), técnica paralela à de Ror- original (1962) e Someonoff (1990); b) Teste Z,
schach e constituída igualmente de dez Cartões por Zulliger e Salomon, na versão espanhola
contendo manchas de tinta feitas por acaso (man- (1970), Macedo (1968), Xavier (1985) e Mora-
chas fortuitas), construído para aplicação em li-Daninos e Canivet (1986); c) Teste de Zulli-
crianças e publicado pela Hans Huber. ger, por Guerra (1977) e Mahmood (1990),
Em 1942, realizando seleção de oficiais para entre outros autores; d) Técnica de Zulliger
as Forças Armadas suíças, iniciou as primeiras (Vaz, 1998).
PSICODIAGNÓSTICO – V 387
Como material necessário, deve o examina- que o sujeito recebe o Cartão e emite a primei-
dor ter à disposição, além do conjunto dos três ra resposta) e de duração (desde o momento
Cartões de Zulliger, um razoável número de em que o sujeito recebe o Cartão até o da de-
folhas de papel almaço, folha para mapeamen- volução).
to das respostas, ou Folhas de Localizações das 4) Fase do inquérito. Nessa fase, o psicólo-
respostas do Z-Teste, publicadas pela Editora go deve procurar saber onde o examinando
Vetor e pela Casa do Psicólogo, caneta ou lápis situou as respostas nas manchas do Cartão;
e um cronômetro. Ao contrário da aplicação identificar os conteúdos verbalizados e diferen-
coletiva, quem escreve as verbalizações e o ciar bem o que influiu no processo perceptivo-
mapeamento das áreas da mancha em que associativo do examinando. Em outras palavras,
foram localizadas respostas é o examinador. vai identificar onde e que conteúdo foi verbali-
A aplicação individual da técnica de Zulli- zado, o que levou o examinando a emitir cada
ger pode se dividir em quatro fases: 1) rapport, resposta, se foi de forma precisa, duvidosa ou
2) instruções, 3), aplicação propriamente dita; confusa e vaga, se foi algum tipo de ação hu-
4) inquérito ou investigação, à semelhança do mana, animal ou inanimada, cor, sombreado e
Rorschach. fenômenos especiais – categorias básicas da
1) Rapport. Esta é uma fase de contato ini- técnica de Zulliger. Nessa fase, o psicólogo pas-
cial, que se caracteriza por uma conversa in- sa a conversar com o examinando, com sereni-
formal, simples, descontraída, sem finalidade dade, procurando esclarecimentos sobre um
de coletar dados mais profundos do examinan- dado e outro, trazido na fase de verbalização
do, extremamente necessária para o êxito e fi- ou que está sendo falado agora no inquérito,
delidade da aplicação. com todo o cuidado para não induzi-lo a qual-
2) Instruções: “ Nós vamos, agora, fazer um quer tipo de determinante ou outra categoria.
teste bastante simples. Não se trata de um tes- É de extrema importância que os dados,
te de acerto ou erro. Eu vou lhe apresentar al- levantados no inquérito, posteriormente sejam
guns Cartões, um de cada vez, você olha e, à classificados e tabulados quanto a localização,
medida que vai olhando, você vai falando tudo determinantes, conteúdos e fenômenos espe-
aquilo que as manchas lhe sugerem, o que elas ciais (dados qualitativos) das verbalizações e
lhe lembram ao olhar para o Cartão. Procure reflitam o que o examinando quis dizer, e não
não se preocupar com erros nem com acertos, o que o psicólogo imaginou ou simplesmente
nem com o que é bom ou não falar. Procure deduziu que fosse.
falar, bem livremente, tudo aquilo que lhe vem
à lembrança. Algumas pessoas vêem mais,
outras vêem menos. Enquanto você vai falan- CLASSIFICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO
do, eu vou tomando nota. Durante algum tem- BÁSICAS
po, eu não conversarei com você, pois preciso
anotar o que você fala, depois sim, irei conver- Classificar as verbalizações de um protocolo do
sar para ver se entendi bem tudo que você ti- Zulliger quanto a localizações, determinantes,
ver falado. Não vendo mais nada, devolva-me, conteúdos e fenômenos especiais requer certo
por favor, o Cartão. Está bem? Compreendeu cuidado, principalmente quando se trata da
bem? Vamos começar” (Vaz, 1997, p.16). aplicação coletiva. Nem sempre o examinando
3) Fase da aplicação propriamente dita. Uma consegue mapear com a devida clareza a área
vez que a pessoa examinanda manifestou ter da mancha em que visualiza o conteúdo ver-
entendido as instruções, inicia-se a aplicação balizado, fornecendo subsídios claros para a
propriamente dita. O examinador oferece-lhe classificação exata das localizações, dos deter-
o primeiro Cartão, com uma pequena frase: minantes e outras categorias. A aplicação in-
“Por favor, pode dizer o que as manchas lhe dividual, para um diagnóstico clínico ou com-
lembram, lhe sugerem?” Controla o tempo de preensão dinâmica mais acurada, é, sem dúvi-
reação (tempo decorrido desde o momento em da, a forma mais apropriada. Uma investiga-
PSICODIAGNÓSTICO – V 389
é a partir do número de respostas que se ex- pessoa percebe racionalmente a realidade. As
traem os parâmetros quantitativos das de- localizações expressam como a pessoa usa sua
mais categorias. inteligência: a) a percepção de síntese, senso
O total de respostas (ou somatório de res- de organização, capacidade de planejamento
postas), verbalizadas num protocolo, constitui e capacidade de abstração do sujeito (G); b) a
o produto de todo o trabalho da pessoa du- capacidade de discriminação perceptiva dos
rante a fase de testagem, e, como tal, pode ser dados da realidade e o senso de objetividade,
interpretado como a expressão da sua capaci- por meio das respostas emitidas em área de
dade de adaptação à tarefa, sua capacidade detalhes comuns (D); as respostas de D podem
de produção, de desempenho e realização; é o ser interpretadas como o uso da inteligência
resultado de uma tarefa constituída de dificul- voltada para o concreto e pragmático; c) as res-
dades que ela teve que enfrentar e resolver, postas dadas em áreas com baixa freqüência
usando do potencial de sua inteligência e de estatística, denominadas detalhes incomuns
suas condições de personalidade. Diversos fa- (Dd), significam a capacidade de análise e sen-
tores podem influir no total de respostas de so de observação. A presença de espaço bran-
uma pessoa considerada normal. co (S), combinado com essas variáveis, pode
ser interpretada como interferência da ansie-
dade situacional sobre o que cada uma repre-
LOCALIZAÇÕES senta (Vaz, 1997; Vaz, 1998). Convém verificar
as tabelas de número 4 a 7, em Vaz (1998),
Denominam-se localizações as áreas da man- pois, de acordo com a ocupação profissional
cha em que o examinando situa a resposta ver- da pessoa testada, varia o percentual conside-
balizada. Em função das áreas, as respostas rado normal e esperado. Pessoas com propen-
podem ser classificadas em categorias globais, são ao uso da fuga e da fantasia apresentam
codificadas como G, detalhes comuns, que le- percentual de globais elevado. Um índice de
vam como código, D, e respostas de detalhe globais inferior à média conduz à hipótese de
incomum, classicamente Dd, e que, seguindo pessoa pouco inteligente, com a capacidade
Klopfer, se dividem em quatro subcategorias: de síntese prejudicada e com falta de visão de
Detalhe raro (dr), Detalhe diminuto (dd), Deta- conjunto da realidade. Deficientes mentais têm
lhe interno (di) e Detalhe externo (de) ou de dificuldades para se organizar ante as manchas,
borda. Quando o examinando inclui o branco caindo num processo de repetição, na perse-
do diapositivo ou Cartão, o registro assume a veração de globais com o mesmo conteúdo.
classificação GS, ou SG, no caso em que fique Pessoas com quadro obsessivo de personalida-
clara a preocupação com o branco. Exemplo de manifestam elevado percentual de D e Dd
de GS: “um morcego voando no espaço” (in- combinado com elevado número de respostas,
cluindo o branco do Cartão); de SG: “um mor- enquanto defesas obsessivas de personalida-
cego voando num espaço muito amplo, este de se caracterizam pelo elevado percentual de
espaço é amplo demais, não gostei”. Para clas- Dd, mas com o número de respostas conside-
sificar a localização, há necessidade do uso de rado normal.
Atlas de localizações na técnica de Zulliger, que
pode servir de referencial normativo, especial-
mente para profissionais com pouca experiên- DETERMINANTES
cia, assim como quanto aos critérios objetivos
para a classificação das respostas (Freitas, 1996; Determinante é uma palavra usada nas técni-
Guerra, 1977; Macedo; 1968; Vaz, 1998). cas de Rorschach e Zulliger para identificar
De modo geral, podemos dizer que as cate- quais fatores psíquicos que levaram ou deter-
gorias de localizações (globais – G, detalhes minaram o examinando a dar essa ou aquela
comuns – D e detalhes incomuns – Dd) das res- resposta. Rorschach parecia atribuir aos deter-
postas do Z-Teste significam o modo como a minantes a expressão de algo estrutural da
PSICODIAGNÓSTICO – V 391
mos esses fenômenos como fortemente com- expressam as funções do superego. A nosso
prometedores da personalidade e temos cons- modo de ver, esta é uma das variáveis mais con-
tatado, no Rorschach, que costumam ocorrer sistentes para avaliar o funcionamento do pen-
em transtornos neuróticos e transtornos esqui- samento lógico em seu aspecto de precisão,
zofrênicos. coerência e organização. “Quando F+ % dimi-
Significados do somatório Forma (F+, F– e nui e não há distúrbios afetivos, trata-se de
F±). O somatório F num protocolo é indicativo baixo potencial de inteligência (de raciocínio).
consistente de o examinando perceber as coi- Quando o percentual de F+ diminui numa pes-
sas com objetividade, com adequado senso soa intelectualmente bem dotada, é sinal de
lógico; é a expressão da capacidade para per- que ela sofre interferências de fatores afetivos,
ceber as coisas como elas se apresentam na especialmente estados depressivos ou constri-
realidade e sem interferência prejudicial ou dis- tivos” (Serebrinski, 1948, p.96). Psicóticos de-
torciva das emoções; é a expressão racional e pressivos, esquizofrênicos, neuróticos ansiosos
intelectual do controle geral adequado que a e depressivos, sempre, pelo que temos podido
pessoa tem sobre seus dinamismos psíquicos observar, apresentam F+% inferior a 70 no Z-
(como instintos, reações afetivo-emocionais e Teste. A diminuição de F+% com correspon-
impulsivas). Pessoas cuja categoria de ocupa- dente aumento de F±% acontece mais comu-
ção profissional se caracteriza por atividades mente em pessoas com perturbação afetiva e
burocráticas, sistemáticas e de rotinas apresen- emocional, sem, contudo, se tratar de psicose;
tam um percentual do somatório F entre 35 e isso ocorre mais em neurose de ansiedade e
60% do total de determinantes do protocolo, neurose de histeria. Já, por outro lado, a dimi-
enquanto as de atividades menos rigorosas nuição de F+% com correspondente aumento
quanto à sistematização e método apresentam de F-% é comum de acontecer em caso de psi-
um percentual situado entre 25 e 50% (Vaz, cose ou de neurose depressiva.
1998). A forma, sob nosso ponto de vista, ex-
pressa um importante papel da inteligência no
aprendizado do ser humano, no desenvolvi- Movimento humano
mento de seus dinamismos. Retardar uma rea-
ção impulsiva (M) em determinado momento, Rorschach define movimento como “interpre-
diferenciar adequadamente os estímulos e si- tações determinadas pela percepção da forma
tuações (F+) para não se dar mal, trabalhar e acrescidas de sensações cinestésicas” (1967,
com as emoções e assim ser mais afetivo (FC), p.25); é a manifestação do mundo interno da
são exemplos de como a forma, em técnicas pessoa, através de imagens cinestésicas. Para se
com base em manchas de tinta, é a expressão classificar como movimento humano, é necessá-
clara de uma operação da inteligência no pro- rio que o conteúdo expresso pelo examinando
cesso de aprendizado do ser humano. seja percebido em ação vital. Classificam-se como:
A presença do percentual do somatório F 1) M+, movimento de boa qualidade: a res-
significativamente elevado é um sinal de aler- posta em que o examinando verbaliza uma fi-
ta; é indicativo de controle demasiado, de re- gura humana inteira em ação, quer de deslo-
pressão dos afetos e emoções, com prejuízo camento (correndo, etc.), quer de extensão (em
na espontaneidade. Já um protocolo com F% ação com braços, etc.), quer de postura ou fle-
baixo ocorre mais comumente em casos de po- xão (olhando, respirando, etc.). Exemplo no
breza intelectual. Deficientes mentais tendem diapositivo ou Cartão III (áreas vermelhas late-
a dar baixo percentual de F. Também pode ser rais inferiores): “Duas crianças”; no comentá-
indício de descontrole emocional, como tam- rio feito pelo examinando: “Uma cena em que
bém de pouco senso de responsabilidade. Scha- vejo duas crianças brincando de pula-pula”
fer (1954) interpreta, sob o ponto de vista psi- (Vaz, 1998, p.37).
canalítico, o somatório F% como a variável mais 2) M-, movimento secundário ou de não boa
importante do Rorschach, por meio da qual se qualidade: 1) quando a resposta é de conteú-
PSICODIAGNÓSTICO – V 393
são mais comuns em casos de pessoas inibi- com F% baixo, com ausência de M e de FC, é
das, ansiosas e de relacionamento interpessoal sinal de impulsividade descontrolada. Quando
receoso e tenso. o índice de FM é alto, combinado com CF+C >
FC e F% baixo, pode-se levantar a hipótese de
compulsividade do sujeito testado.
Movimento animal
PSICODIAGNÓSTICO – V 395
dade de reação emocional firme e necessária Proporção FC ³ CF+C. Quando, na razão
para tomada de decisão. proporcional, forma e cor (FC) é maior que cor
Cor descrita (Cdesc). O sujeito, diante de e forma (CF) mais cor pura (C), pode-se dizer
uma mancha colorida, por se perturbar e não que o examinado é capaz de liberar seus senti-
conseguir organizar seu processo de percep- mentos, afetos e emoções de forma adequada
ção objetiva da realidade, simplesmente des- e madura, bem como de estabelecer bom rela-
creve as tonalidades das cores; detém-se em cionamento interpessoal. É a proporção consi-
descrever as nuanças de cor, daí a classificação derada como o parâmetro ideal.
Cdesc. Exemplo no II, D1: “Cor marrom”. Co- Podemos dizer, conforme pesquisa, que, à
mentário feito pelo examinando: “Percebe-se medida que as pessoas vão avançando na ida-
um marrom mais claro e que aos poucos vai de cronológica, tendem a diminuir as respos-
ficando com a tonalidade mais forte”. Trata-se tas com cor pura C e CF no Z-Teste, forma cole-
de um outro tipo de reação à cor. O examinan- tiva (Vaz, 1998).
do, diante das cores do material do teste, ten- Há atividades em que se faz necessária a
de a se desorganizar, levado, não tanto por presença de maior potencial agressivo (não
transtorno da personalidade, mas por dificul- destrutivo), correspondente à iniciativa, com-
dade de ordem intelectual. Pessoas limitadas petição e disputa. Donde, além da presença em
de inteligência descrevem as cores, sem expres- percentual adequado, de movimento animal
sar sentimento de hostilidade ou outras mani- (FM), de forma bem definida (F+) e do total de
festações comprometedoras da personalidade; respostas com forma (F+, F– e F±), é de se
pelo contrário, de forma direta, manifestam esperar a presença de CF, que deve ser inter-
sentimentos de impotência (Vaz, 1998, p.42). pretado como liberação da emoção com certa
Cor nomeada ou enumerada (Cn). O sujei- intensidade, para reforçar a pulsão instintiva
to, sentindo-se emocionalmente perturbado, na busca do desempenho do objetivo. Em se-
não conseguindo coordenar seu pensamento leção de pessoal ou situação similar, a propor-
lógico, com objetividade e precisão, simples- ção invertida (FC<CF+C), dependendo de
mente nomeia ou enumera as cores que visua- como se apresentam os percentuais de F, F+ e
liza, Cn. Trata-se de uma resposta de cor pura os tipos de cor pura, pode ser favorável à pes-
e que, via de regra, quando aparece, chama a soa cujo protocolo está em avaliação.
atenção do examinador, como indicador de Proporção FC < CF+C. Neste caso, cabe a
possível comprometimento emocional. Exem- interpretação: a pessoa, ao ser mobilizada afe-
plo no II: “Três cores”, “Marrom, vermelho e tiva e emocionalmente, sofre dificuldades em
verde” (Vaz, 1998, p.42). reagir de modo adequado quanto à adapta-
A cor nomeada aparece mais freqüentemen- ção no relacionamento interpessoal.
te em protocolos de pessoas que, ao se depa- Cor forçada (F-C e C-F) e Cor arbitrária (F/C e
rarem com estímulos coloridos, se perturbam C/F). Respostas dessas duas categorias no Z-Tes-
emocionalmente, de tal forma, que não con- te coletivo quase nunca ocorrem. Quando isso
seguem perceber qualquer conteúdo; apenas acontece, convém o examinador verificar, pois,
enumeram ou dão o nome das cores. Desor- comumente, se se devem à alteração do colori-
ganizam-se no processo lógico do pensamen- do dos “diapositivos”. No Z individual, é mais fre-
to. A presença de cor nomeada num protocolo qüente, podendo significar labilidade afetiva,
de Zulliger deve ser estudada com bastante relacionamento interpessoal cauteloso e tímido.
cuidado em relação a outras variáveis dessa Cor simbólica (Csimb). De todas as respos-
técnica e de outros instrumentos, inclusive de tas cromáticas sem forma, é a que menos com-
exame neurológico. Em deficientes mentais, isso promete o diagnóstico sobre o examinando.
também pode ocorrer, embora em menor inci- Diante da mobilização que as cores provocam
dência. Respostas com cor nomeada, no Zulli- em seu sistema afetivo emocional, ele usa a
ger, podem aparecer também nos casos de pes- cor como símbolo de conteúdos abstratos,
soas com baixo poder intelectual ou epilépticas. numa tentativa de fuga, mas de forma não-
PSICODIAGNÓSTICO – V 397
Convém que, na interpretação, sejam con- conteúdos; já aquelas que produzem menos
siderados em função das proporções. A pro- de três tendem a ser estereotipadas e inflexí-
porção Fk > k+kF indica que o examinado veis, até mesmo na própria conduta.
consegue controlar a ansiedade situacional H+Hd como conteúdos humanos. De modo
pela intelectualização; porém, se dispõe de geral, significa adequada capacidade de rela-
poucas condições para controle da ansieda- cionamento com as pessoas. Considera-se
de, apresenta a proporção invertida, Fk < como normal num protocolo, de pessoa adul-
k+kF. A reação adaptativa ou o mecanismo ta, o percentual dentro da faixa dos 15 a 25 do
utilizado para tolerar a ansiedade é mais ade- total de respostas.
quado e, por certo, sadio. FK > KF+K indica (H) e (Hd) – Conteúdo humano descaracte-
que a pessoa usa a introspecção, partindo rizado. Os conteúdos humanos com caracte-
de auto-avaliação como processo adaptati- rísticas de animais, de monstro, podem indi-
vo para tolerar a ansiedade. O determinante FK, car relacionamento interpessoal receoso, cau-
combinado com a presença de F+%, F%, índice teloso e controlador.
de M e FC considerados adequados no caso, é, a Dentro de detalhes humanos, existem al-
nosso ver, um indicativo altamente positivo de guns que podem ajudar o psicólogo na com-
capacidade de insight e de reparação. preensão de alguns dinamismos psíquicos.
Recomenda-se ao examinador verificar, Por exemplo, olhos fixos indicam controle,
nas outras variáveis do Zulliger, como estão tendência a reação defensiva de tipo para-
o controle e as condições afetivas do exami- nóide.
nando, para poder integrar melhor as rela- A +Ad – Conteúdo animal. Os conteúdos
ções Fk, kF e k, assim como FK, KF e K. Essas animais são comuns em crianças. Tendem a
relações permitem ajudar o examinador a diminuir à medida que a pessoa amadurece
entender como o indivíduo procura meios de psicologicamente. É de se esperar que as pes-
adaptação ou ajustamento, quando enfren- soas de nível cultural primário apresentem um
ta uma situação, que lhe aumenta o nível de índice de A mais elevado do que as de nível
ansiedade e, conseqüentemente, lhe mobiliza sociocultural mais destacado.
sentimentos de insegurança, de temor ou medo. Anat – Respostas com conteúdo anatômi-
O determinante K (p.ex., nuvem, água, fu- co. Os conteúdos anatômicos, como já enten-
maça sem nenhum indicativo de forma), como dia Hermann Rorschach, são indício de que a
subcategoria do sombreado perspectiva e pro- pessoa “supervaloriza a inteligência”: um índi-
fundidade, estudada separadamente, signifi- ce superior a 14% das respostas no Z-Teste pode
ca, para alguns autores (Allen & Dorsey, 1954; ser indício de uso da intelectualização para
Klopfer, Ainsworth, Anderson et alii, 1956), tolerar a ansiedade, tensão e sentimentos de
ansiedade livre-flutuante, o que corresponde frustração, ressalvado quando se tratar de pro-
à incapacidade de suportar o mínimo de in- fissional da área médica, que, por prática fun-
tensidade de um estímulo ansiogênico. A pre- cional, tende a dar mais conteúdos anatômi-
sença de KF indica que a pessoa fica ansiosa, cos do que quem não tem vivência profissio-
mas tenta suportar, não projetando as dificul- nal envolvida com imagens radiográficas ou
dades no mundo externo e, sim, usando do fotográficas.
processo de introjeção, buscando por si mes- Ao efetuar a interpretação, com base no
ma as causas de sua dificuldade, embora ain- estudo dos conteúdos – análise de conteú-
da de forma precária. dos –, convém ao psicólogo levar em consi-
deração que este grupo de variáveis, quer no
Zulliger forma coletiva, quer individual, so-
CONTEÚDOS fre maior influência do ambiente cultural e,
conseqüentemente, tem menor consistência
Pessoas flexíveis no modo de perceber e ava- em comparação com as localizações e deter-
liar as coisas dão de três ou mais categorias de minantes.
PSICODIAGNÓSTICO – V 399
Com base nessas questões teóricas, surgiu em um instrumento importante para avaliar a
o TAT (Teste de Apercepção Temática). Murray eficácia do tratamento em situações estressan-
partiu da pressuposição de que pessoas dife- tes da vida.
rentes, frente à mesma situação vital, experi-
mentá-la-ão cada uma ao seu modo, de acor-
do com sua perspectiva pessoal. Essa forma ADMINISTRAÇÃO DO TAT
pessoal de elaborar uma experiência revela a
atitude e a estrutura do indivíduo frente à rea- O TAT compreende 30 lâminas com gravuras e
lidade experienciada. Expondo-se o sujeito a uma em branco. Dessas, onze são considera-
uma série de situações sociais específicas, pos- das universais, no sentido de que são aplicá-
sibilitando a expressão de sentimentos, ima- veis a todos os sujeitos: 1, 2, 4, 5, 10, 11, 14,
gens, idéias e lembranças vividas em cada uma 15, 16, 19 e 20. Para homens adultos, acres-
dessas confrontações, pode-se ter acesso à centam-se as seguintes: 3RH, 6RH, 7RH, 8RH,
personalidade subjacente. A Personologia de 9RH, 12H, 13H, 17RH e 18RH. Para mulheres
Murray procura considerar o indivíduo naqui- adultas, além das universais, são indicadas as
lo que tem de mais próprio na sua relação con- lâminas 3MF, 6MF, 7MF, 8MF, 9MF, 12F, 13HF,
sigo e com o mundo. Essa singularidade é o 17MF e 18MF.
que o TAT procura revelar. Trata-se, pois, de Para jovens do sexo masculino, são recomen-
um teste projetivo. dadas as lâminas: 3RH, 6RH, 7RH, 8RH, 9RH,
Desde o surgimento do TAT, diferentes au- 12RM, 13R, 17RH e 18RH. Para jovens do sexo
tores têm se dedicado a estudos e pesquisas feminino, são relacionadas as seguintes: 3MF,
sobre o seu manejo, como Balken (1940), Be- 6MF, 7MF, 8MF, 9MF, 12RM, 13M, 17MF e 18MF.
llak (1954), Dana (1959), Hartmann (1954), Desta forma, tradicionalmente, a adminis-
Rapaport et alii (1965) e Shentoub (1954). tração abrange 20 lâminas para cada sujeito,
Em sua grande maioria, tem sido dada uma o que inclui as 11 chamadas universais e mais
ênfase especial a aspectos estritamente quali- uma série de nove, selecionadas conforme o
tativos. Mas houve esforços para o desenvolvi- sexo e a faixa etária.
mento de sistemas de escores, ou de normas Pode-se recorrer a formas abreviadas do TAT,
formais, a partir do material produzido (Lanyon para testar determinadas hipóteses diagnósti-
e Goodstein, 1982). Não obstante, conforme o cas. Recomenda-se recorrer ao manual do tes-
ponto de vista de Exner (1983), nenhuma des- te (Murray, 1977).
sas tentativas chegou ao ponto de “estabele- Cada uma das lâminas tem um significado
cer uma base empírica vigorosa para o teste. e explora questões específicas. Selecionar as
Dessa maneira, parece adequado identificar o lâminas pelo significado é uma forma. Outra
TAT como sendo fundamentalmente uma téc- forma de seleção abreviada consiste em supri-
nica projetiva” (p.71). mir lâminas que proporcionam dados equiva-
O TAT tem sido empregado no psicodiag- lentes.
nóstico prévio à psicoterapia breve, onde uma Recomenda-se o uso de formas abreviadas
compreensão dinâmica do paciente é impres- somente após um período de treinamento com
cindível ao bom andamento do processo tera- a forma completa. No caso da forma comple-
pêutico. Em uma pesquisa com 30 mães enlu- ta, pode-se empregar duas sessões para a apli-
tadas pela perda de um filho (Freitas, 1997; cação.
Freitas, no prelo), aplicaram-se quatro lâminas No que se refere às instruções propriamen-
do TAT no início do tratamento dos sujeitos: 1, te ditas, deve ser dada ênfase à criatividade do
2, 5 e 7MF. As mesmas lâminas foram aplica- sujeito, que é solicitado a inventar uma histó-
das em sessões de follow-up, três meses após ria. As instruções têm certo caráter de flexibili-
o término do tratamento. O TAT é um instru- dade, no sentido de levar em conta a idade, o
mento clínico por natureza. Revela a ocorrên- nível intelectual e outras características do su-
cia de insight na psicoterapia, constituindo-se jeito. Assim, quando é possível pressupor cer-
PSICODIAGNÓSTICO – V 401
Ele é, também, via de regra, o mais parecido sempenham (de frustração, de estimulação,
com o sujeito, não só quanto ao sexo e faixa etc.). Quando não são introduzidas relações
etária, como no que se refere a sentimentos, interpessoais, pode-se levantar a hipótese de
motivos, dificuldades e emoções. pobreza quanto à sociabilidade e às relações
Na maioria das vezes, o herói é representa- objetais.
do por um personagem. Contudo, pode ocor- Em relação ao herói, é importante identifi-
rer que o sujeito se identifique com mais de car traços e tendências, bem como atitudes
um personagem. Isso pode se verificar de dife- frente à autoridade. Em termos de traços e ten-
rentes formas. dências, é possível se relacionar: a) superiori-
Em primeiro lugar, a identificação do sujei- dade (capacidade, prestígio, poder); b) inferio-
to pode modificar-se no decorrer da história, ridade (incapacidade, desprestígio, debilidade);
com o aparecimento de diversos heróis: primei- c) extroversão; d) introversão. Algumas das
ro, segundo, etc. atitudes frente à autoridade, facilmente iden-
Em segundo lugar, pode haver heróis com- tificáveis, são: a) domínio, submissão; b) de-
petidores (por exemplo, um policial e um la- pendência, independência; c) medo, agressão;
drão). Neste caso, um deles pode estar repre- d) gratidão, ingratidão; e) orgulho, humilda-
sentando forças do superego (o policial que de, etc.
faz cumprir a lei) contra impulsos anti-sociais Motivos, tendências e necessidades do(s)
(ladrão). É a expressão de uma situação confli- herói(s): As necessidades podem ser expressas
tiva interna, configurando um conflito entre como impulsos, desejos ou intenções ou, ain-
duas instâncias da personalidade, projetado no da, como traços de conduta manifestos nas
conteúdo manifesto da verbalização. histórias.
Em terceiro lugar, o sujeito pode narrar uma A necessidade é um constructo que repre-
história que contenha outra: o herói conta uma senta uma força, de modo a transformar uma
história, em que observa outro herói, com situação insatisfatória existente. A necessida-
quem simpatiza e a quem admira, e que, nesta de gera um estado de tensão que conduzirá à
história, desempenha um papel principal. Por ação, reduzindo a tensão inicial e restabelecen-
exemplo, na lâmina 7MF, um sujeito do sexo do o equilíbrio. Pode ser produzida por forças
feminino pode narrar uma história sobre uma internas ou externas, sendo sempre acompa-
mulher que, por sua vez, conta uma história nhada por um sentimento ou emoção (Mur-
sobre outra, que cuida de uma criança, que é ray, 1977).
uma mãe amiga, etc. Neste caso, há um herói O autor relacionou 28 necessidades (ou ten-
primário (a mulher que conta uma história) e dências), classificadas segundo a direção ou
um secundário (a outra mulher, que cuida de objetivo (motivos). Essas necessidades são iden-
uma criança). tificadas na conduta do herói, traduzindo-se
Eventualmente, aparece apenas um herói, por: a) ações de iniciativa do herói, em relação
mas o sujeito se identifica com um persona- a objetos, situações e pessoas, ou b) reações
gem do sexo oposto, expressando deste modo do herói às ações de outras pessoas.
essa parte de sua personalidade. As necessidades por ele relacionadas, defi-
As características demográficas (sexo, ida- nidas por suas manifestações na conduta do
de, etc.) e físicas (aparência, etc.) do herói su- herói, no manual, são as seguintes: realização,
gerem aspectos da imagem – real ou ideal – aquisição, aventura, curiosidade, construção,
que o sujeito tem de si mesmo. Outros perso- oposição, excitação, nutrição, passividade,
nagens podem representar identificações múl- gozo lúdico, retenção, sensualidade, conheci-
tiplas do sujeito. As relações que se estabele- mento, afiliação, agressão, domínio, exposição,
cem entre o herói e os demais personagens proteção, reconhecimento, rejeição, sexo, so-
podem refletir atitudes conscientes ou incons- corro, humilhação, autonomia, evitação da
cientes do sujeito frente aos mesmos, bem culpa, deferência, evitação de dano e exibicio-
como podem revelar os papéis que estes de- nismo.
PSICODIAGNÓSTICO – V 403
sidades das pessoas com as quais ele se rela- Em primeiro lugar, quanto mais uma história
ciona: aquisição, afiliação, agressão, conheci- se desvia do material padronizado, tanto mais
mento, deferência, conformismo, respeito, significativo e importante será o seu conteúdo
domínio, exemplo, exposição, proteção, rejei- ideacional. Em segundo lugar, quanto maior
ção, retenção, sexo, socorro, carência, perigo for o número de histórias que se desviam dos
físico, ataque físico. significados padronizados, menor é a proba-
Desfecho: Qual o desenlace? Há vários des- bilidade de que uma, em particular, expresse a
fechos possíveis, que vão indicar como o herói história interna do sujeito. Em terceiro lugar,
resolve as suas dificuldades, os seus conflitos, um grande número de histórias que se desvi-
como trabalha com suas necessidades internas am dos significados padronizados pode indi-
e como enfrenta as pressões que provêm do car a presença de patologia.
ambiente.
O examinador pode identificar o êxito ou o
fracasso na resolução das dificuldades, verifi- Exemplos de análise de conteúdo em ver-
cando qual a proporção existente entre os fi- balizações
nais felizes e infelizes, claros e indecisos, oti-
mistas e pessimistas, mágicos e realistas ou, Caso 1:
ainda, convencionais. Pode-se examinar se o
herói demonstra insight das suas dificuldades, Informações básicas: Trata-se de um rapaz de
se dissocia no desfecho, ou integra suas per- 19 anos, solteiro, filho único, cujo pai é médi-
cepções, conseguindo chegar a conclusões, ou co. Refere ter namorada, de quem “gosta mui-
não. to” (sic). Durante o ensino médio, diversas ve-
O desfecho, além de permitir a avaliação zes manifestou a vontade de cursar Engenha-
da adequação ou não à realidade, fornece al- ria Civil. Contudo, seus pais sempre desejaram
guns dados para a formulação das indicações que fosse médico e que, após a graduação,
terapêuticas. Assim, por exemplo, nas verbali- fosse se especializar no exterior. O jovem fez
zações, se o herói demonstrar capacidade de vestibular para Medicina, sendo aprovado. Não
auto-observação, de flexibilidade para mudan- obstante, ao longo do primeiro semestre, sen-
ça de atitudes, de insight, de adaptação e, ain- tiu-se “desmotivado, tendo tirado notas bai-
da, se suas relações interpessoais são basea- xas”. Então, decidiu procurar uma psicóloga
das no diálogo e é um personagem ativo, pode- para “conversar e descobrir o que estava acon-
se recomendar uma terapia de esclarecimen- tecendo com ele” (sic).
to. Ao contrário, se o herói é dependente, pre- Lâmina l: “O jovem estuda música e gosta
cisa ser orientado, a psicoterapia aconselhável de música desde pequeno. Certo dia, estudan-
seria a de apoio. Contudo, nesta decisão de- do as partituras musicais, começou a tocar.
vem ser consideradas tanto a história do pa- Parou logo... não conseguiu tocar mais. Estava
ciente como informações do exame das fun- difícil. Os professores estavam observando e
ções do ego (Freitas, 1997). insistiram para que ele tocasse. Ele ficou triste
Tema: Portuondo (1977a) define tema como e pensou: ‘Preciso ir em frente... O que vai me
“a ‘interação’ entre uma ‘necessidade’ (ou fu- acontecer, se não conseguir? Estão exigindo
são de necessidades) do herói e uma ‘força’ muito de mim’. Ficou quieto, pensando no que
(ou fusão de forças) do ambiente, unida ao fazer. Por um lado, quer tocar, mas receia não
desfecho (triunfo ou fracasso do herói)” (p.23). conseguir. E logo ele, que sempre foi tão estu-
O tema pessoal pode adequar-se, ou não, dioso... E fica assim durante o tempo todo da
aos significados padronizados das lâminas. O aula”.
tema pessoal, não-padronizado, pode revelar Título: O jovem estudioso e o violino.
a linha de pensamento do sujeito. Herói: O jovem estudioso, com traços de
Rapaport (1965) propôs três regras para a incapacidade e de introversão. É submisso, sen-
avaliação do significado do tema nas histórias. te medo, não tem confiança em si.
PSICODIAGNÓSTICO – V 405
Título: A mulher que teve seu sonho inter- pa, acha que falhou: falhou como mãe e como
rompido. filha. Quer ser ajudada, mas não se acha mere-
Herói: Uma jovem mulher, com traços de cedora da ajuda. Este é o seu conflito. O afeto
incapacidade, debilidade e introversão. Sente- é a tristeza, o desespero. Sente ansiedade e
se dependente, sem perspectivas, com medo. solidão.
Motivos, tendências e necessidades do he- O superego é severo: a culpa é intensa. As
rói: Sente necessidade de proteção, de socor- defesas predominantes são a negação e a ra-
ro, de evitação da culpa, de realização pessoal. cionalização. É muito exigente consigo mes-
Estados interiores: Está desesperada, sen- ma. Há ansiedade de perda do amor e de apro-
te-se culpada porque não conseguiu evitar uma vação.
morte. Seus sonhos e projetos de vida desmo- Pressões do ambiente: Sente pressões de
ronaram. Sente-se só, com muito medo de não afiliação, proteção, perigo, rejeição.
conseguir enfrentar a dor. Tenta fugir, negar (a Desfecho: O herói não resolve seu conflito.
história terminou). Sente-se culpada (Será que Não tem com quem compartilhar sua dor.
errou?). O superego é severo. É exigente con- Nega. “Vai viver só de formalidades.” A confli-
sigo. “Não conseguiu vencer a morte, e errou”. tiva persiste. Reage às pressões com confor-
Pressões do ambiente: Sente-se só, com mismo.
pressões de rejeição, carência e perigo. Tema: O tema é o de uma mulher desespe-
Desfecho: O herói não resolve seu conflito: rada e sozinha diante das pressões e da dor da
“Não tem ninguém”. Foge do enfrentamento perda.
da realidade. “A história terminou”. Está sem Análise formal: Segundo Murray (1977), a
perspectiva. análise formal do TAT deve considerar os se-
Tema: O tema é o de uma jovem mulher que guintes itens:
se sente só diante da dor da morte. a) atitude frente ao teste: disponibilidade
Lâmina 7 MF: “Uma mulher... ela senta no ou não; tranqüilidade; temor;
sofá e lembra da sua criança pequena... Eu se- b) atitude frente ao psicólogo: colaboração;
gurava ela no colo e era a mais feliz das mu- hostilidade; críticas ao psicólogo e ou ao tes-
lheres. Ninguém me contou que isso ia termi- te; boa vontade;
nar. Mas terminou... Não cuidei direito da crian- c) atitude frente às lâminas: o sujeito cum-
ça. Ela se foi... Estou desesperada... Só ficou pre as instruções ou não; ajusta a história ao
um brinquedo, um sofá vazio, tão vazio como que a lâmina explora ou não; produz omis-
meu coração. É que eu só tinha esse sonho, o sões, adições ou distorções dos estímulos da
de ter a criança, e não ficou nada... A mulher lâmina; e
do sofá espera a sua mãe... Mas não foi boa d) manifestações de conduta: linguagem;
filha, e a mãe não chega. Vai levar sua vida só tempo de reação; velocidade na voz ou lenti-
de formalidades daqui para frente... sem dão; pausas, hesitações; desejos de fumar, de
sonhar...sem sofrer. Deu...” sair da sala; transpiração; tiques; clareza da lin-
Título: A mulher sofredora e formal. guagem; tipo de vocabulário, etc.
Herói: Uma mulher sozinha, com traços de
incapacidade e de introversão; sem confiança
em si. Interpretação
Motivos, tendências e necessidades do he-
rói: O herói, a mulher, sente necessidades de A análise das verbalizações do sujeito permite
afiliação, de proteção, de socorro, de evitação o reconhecimento de dados significativos, sen-
da culpa e de reconhecimento. Precisa de aju- do possível a interpretação dos mesmos. Inter-
da, para vencer sua dor e diminuir sua culpa. pretar, conforme Murray (1977), significa “tra-
Estados interiores: Está desesperada porque duzir os motivos (problemas, necessidades,
perdeu sua criança. Dedicou-se ao seu sonho pressões, etc.), encontrados no repertório das
de ser mãe, com exclusividade. Mas sente cul- histórias, em termos dos fatores internos e ex-
PSICODIAGNÓSTICO – V 407
dinâmico da personalidade. Assim, só secun- base também em outros autores, e os de Ra-
dariamente, oferece subsídios para a classifi- paport (1965) e de Portuondo (1970), podere-
cação nosológica. mos verificar que cada um dos autores se apóia
Quando se pretende o entendimento dinâ- na experiência dos demais, de maneira que uma
mico, a análise dos dados deve ser enfocada tentativa de síntese incorrerá numa repetição
de modo a apresentar “um quadro global do de conteúdos. Por outro lado, tais informações
mundo interno do indivíduo” (Rapaport, 1965, são pouco sistemáticas. Ora esclarecem aspec-
p.283), ou seja, é preciso compreender o sujei- tos dinâmicos, ora são descritivas em termos
to em função de suas principais áreas vitais, das verbalizações de sujeitos que apresentam
em suas relações familiares, em suas relações determinados estados afetivos, ora pretendem
hetero ou homossexuais (com referência à sua apontar indicadores diagnósticos para certo
vida afetiva, sexual e/ou matrimonial), em suas nível de funcionamento ou relacionam mani-
relações sociais (e anti-sociais) e com o traba- festações encontradas em algum quadro clíni-
lho. Murray (1977) apresenta a orientação de co. São, portanto, bastante vagas, se levarmos
Tomkins, para chegar a uma análise “do com- em conta os critérios diagnósticos específicos,
portamento da personalidade frente às princi- incluídos nas classificações nosológicas mais
pais regiões existenciais” (p.101). Recomenda- recentes. Assim, os subsídios encontrados nas
se, sobretudo ao psicólogo iniciante, um estu- obras citadas podem eventualmente auxiliar a
do cuidadoso desse material, para experiência corroborar outros achados.
no manejo dos dados, até que possa chegar Não obstante, o TAT pode oferecer uma
ao seu próprio entendimento da dinâmica pes- contribuição importante em termos de diag-
soal do sujeito. nóstico, se considerarmos que refinamentos
Em relação a informações básicas para che- no entendimento dinâmico podem servir de
gar a um diagnóstico nosológico, se compa- subsídios básicos para um diagnóstico dife-
rarmos os subsídios de Murray (1977), com rencial.
PSICODIAGNÓSTICO – V 409
to de projeção. Neste, Freud salientou que, nos haver um processo hipotético de apercepção
povos primitivos, as almas dos que morrem são não interpretado (percepção objetiva), e que
transformadas em demônios, e, para se prote- toda interpretação subjetiva constitui uma
gerem da hostilidade dos mesmos, os sobrevi- apercepção, dinamicamente significante, sen-
ventes recorrem a tabus, ou seja, concebem os do também um processo natural e comum a
demônios como projeções dos sentimentos todos os indivíduos. Desse modo, a resposta
hostis que os sobreviventes abrigam em rela- “um menino tocando violino” para a lâmina 1
ção aos mortos. “Este procedimento comum, do TAT constitui uma norma de percepção (ob-
tanto na vida mental normal quanto na pato- jetiva) comum para a maioria das pessoas. En-
lógica, é conhecido com o nome de projeção” tretanto, a interpretação dessa situação como
(p.82). “um menino feliz, triste, agressivo, tímido ou
A projeção, pois, desempenha “um papel ambicioso” é singular para cada indivíduo.
muito grande na determinação da forma que Desta maneira, embora haja uma percepção,
toma nosso mundo exterior” (p.86). Portanto, toda pessoa “deforma” aperceptivamente, de
quando se projeta alguma coisa na realidade acordo com seus conteúdos internos, diferin-
externa, o que sucede é o reconhecimento de do de uma para as outras, apenas em grau.
um estado em que algo está presente nos sen- Bellak (1967b, 1979) distingue cinco formas
tidos e na consciência, junto a outro estado, de apercepção: a) projeção invertida; b) proje-
em que a mesma coisa está latente, podendo ção simples; c) sensibilização; d) percepção
reaparecer. Em outras palavras, Freud afirmou autista; e) externalização.
a coexistência “da percepção e da memória ou, A projeção invertida é, na realidade, o meca-
em termos mais gerais, a existência de proces- nismo de defesa descrito por Freud na para-
sos mentais inconscientes ao lado dos cons- nóia, podendo ser observada como uma pas-
cientes” (p.117). sagem do inconsciente “eu o amo” para a cons-
Dessa maneira, a principal suposição de ciência de “eu o odeio”. A projeção aqui en-
Freud é que as lembranças conscientes ou in- volve quatro passos:
conscientes influenciam na percepção de estí- “1) eu o amo (um objeto homossexual):
mulos contemporâneos. Assim, a interpretação impulso do id inaceitável pelo ego;
do TAT, segundo Bellak (1967b, 1979), baseia- 2) eu o odeio: formação reativa;
se justamente neste fundamento. Exemplifican- 3) a agressão é também inaceitável e repri-
do, esse autor comenta que a percepção pas- mida;
sada que um indivíduo tem de seus próprios 4) finalmente, ele me odeia: projeção sim-
pais influirá na percepção das figuras paren- ples” (Bellak, 1967b, p.28; 1979, p.21-22).
tais no TAT, sendo isso uma prova válida e con- Como se pode observar, a projeção inverti-
fiável das percepções habituais das figuras pa- da representa o grau máximo de distorção aper-
ternas do sujeito. ceptiva em oposição à projeção simples, que é
Entretanto, Bellak (1967b, 1979) considera uma pequena distorção ou transferência, pela
que o termo percepção está vinculado a um aprendizagem ou pela influência de imagens
sistema da psicologia, que não tem relação com prévias. Por exemplo, uma pessoa chega tarde
o conceito de personalidade da psicologia di- ao trabalho e passa a inferir incorretamente
nâmica. Em função disso, prefere adotar a no- que seu chefe o olha com raiva. Isso represen-
ção de apercepção de Herbart (já utilizada por ta, certamente, uma consciência de culpa, ca-
Murray), entendida como o processo pelo qual racterizando, na concepção de Bellak (1979),
uma experiência é assimilada e transformada uma projeção simples, dentro do contexto si-
pelo resíduo da experiência passada, ou seja, é tuacional onde foi operacionalizada.
a interpretação subjetiva da percepção, que é Já a sensibilização não é a construção de
apenas a interpretação objetiva de um estímulo. um percepto objetivamente inexistente: é uma
Esta definição de apercepção sugere, segun- percepção mais sensível de estímulos existen-
do França e Silva e colegas (1984), que pode tes. A sensibilização, então, significa que o
PSICODIAGNÓSTICO – V 411
QUADRO 26.1 Lâminas segundo o aspecto mobilizador
Aspecto mobilizador Lâminas universais Lâminas masculinas Lâminas femininas
Id 4, 10, 11, 15 8VH, 18VH, 13HF 9MF, 12F, 13HF, 17MF,
18MF
Superego 5, 15, 30 3RH, 7RH, 9RH, 13HF 3MF, 6MF, 7MF, 13HF
Ideal de ego 1, 2, 16 8RH, 17RH 8MF, 9MF
Depressão e suicídio 10, 14, 15, 20 3RH, 6RH, 8RH 3MF, 8MF, 17MF
Perigo, medo 6, 11, 19 8RH, 12H, 13HF, 18RH 9MF, 13HF, 17HF
Relações familiares 5, 10 6RH, 7RH, 13R, 8RH 6MF, 7MF, 12F
Sexualidade 2, 4, 5, 10 9RH, 12H, 13HF, 17RH, 3MF, 6MF, 8MF, 9MF, 12F,
18RH 13HF
Trabalho, profissão 1, 2 9RH
Agressão 15 12H, 13HF, 18RH 13HF, 18MF
Situação mãe-filha 7MF, 9MF, 12F, 18MF
Situação pai-filho 7RH, 12H
Situação pai-filha 10
Situação mãe-filho 10 6RH
Fonte: Murray, 1975, p.20 (adaptado).
PSICODIAGNÓSTICO – V 413
QUADRO 26.2 Principais necessidades e impulsos erarquicamente abaixo dele. Do mesmo modo,
do herói é importante examinar qual é a reação dele a
a) Necessidades da conduta do herói (tal como tais figuras, para poder compreender o tipo de
aparecem na história): _________________________ relações e vínculos estabelecidos e os fatores
______________________________________________
dinâmicos básicos das mesmas.
inferência dinâmica: ___________________________
______________________________________________ Atitudes frente às figuras de autoridade: Tio
b) Personagens, objetos ou circunstâncias introduzidas:
visto como uma figura que relembra relacio-
______________________________________________ namentos anteriores, sendo a reação de pre-
pressupondo a necessidade de: _________________ caução, observação e controle.
______________________________________________ O id, o ego e o superego são forças ou es-
c) Personagens, objetos ou circunstâncias omitidos: truturas psíquicas que estão, ao mesmo tem-
______________________________________________ po, na psique do indivíduo. Quando essas for-
______________________________________________
ças têm objetivos contraditórios, surgem situa-
pressupondo necessidade de: __________________
______________________________________________ ções de conflito psíquico. Nas histórias das lâ-
minas do TAT, é importante identificar quais as
Fonte: Bellak, 1979, p.85. tendências impulsivas ou forças que estão em
conflito, assim como é importante, também,
especificar a conduta resultante disso.
A doença pode estar pressupondo a neces- O conflito significativo do herói da lâmina
sidade de se afastar da idéia de ser mulher, 12H parece estar relacionado com um choque
porque isto representaria um “mal-estar”, e a de forças provenientes do id versus as do su-
viagem representaria a necessidade de voltar perego, tanto no que se refere à identidade do
para a realidade. próprio herói principal quanto à manifestação
Quando o examinando inclui na história de sentimentos de culpa pela proibição do in-
determinado personagem, objeto ou circuns- cesto. Cabe ressaltar que o herói principal nes-
tância, que não está presente na lâmina, ou sa história, como já foi mencionado, é do sexo
exclui o que é evidente, no estímulo, é porque feminino, e que o narrador da história é um
se trata de elementos que representam deter- jovem de 28 anos. Neste caso, a identificação
minadas necessidades, merecendo, então, uma com um herói feminino precisaria, ainda, ser
atenção especial para compreender o papel que comparada com os heróis de outras histórias,
desempenham dinamicamente. para levantar e/ou confirmar a hipótese de um
A concepção do meio, ou seja, do mundo, problema de identidade sexual. Entretanto,
é, segundo Bellak, uma mistura de autopercep- essa identificação feminina tão convincente,
ção inconsciente e da apercepção dos estímu- num estímulo onde aparece claramente a fi-
los provocada pelas imagens do passado. gura de personagens do sexo masculino, pare-
Quanto mais consistente aparece nas histórias ce indicar algo significativo.
a imagem do meio ambiente, mais poderemos Identificadas as forças que estão em confli-
considerá-la como parte integrante da perso- to, deve-se determinar a natureza das ansie-
nalidade do sujeito. Dessa maneira, podem-se dades. Sabemos que a ansiedade pode proce-
encontrar referências de meios protetores, der de várias fontes do aparelho mental. Deste
ameaçadores, hostis, amistosos, rejeitadores, modo, como lembra Dewald (1981), a ansie-
acolhedores, exploradores, etc. dade instintiva é “o resultado de uma expecta-
Meio. Aparentemente, acolhedor, protetor, tiva de invasão do organismo por excesso de
embora o herói mantenha uma atitude de vi- tensões e estímulos oriundos de seus próprios
gilância frente à situação. impulsos e relaciona-se com as primeiras ex-
É importante fazer, também, uma análise periências infantis de acúmulo de tensão com
de como o herói vê as figuras dos pais ou ou- ausência de gratificação” (p.41). Por outro lado,
tras figuras de autoridade, bem como as da a ansiedade do ego surge da percepção de
sua mesma faixa etária, as mais jovens e as hi- “uma situação perigosa incorporada, que uma
PSICODIAGNÓSTICO – V 415
CAT e sua interpretação dinâmica
Neli Klix Freitas
27
CONSIDERAÇÕES GERAIS ração do material do CAT, que, além do con-
teúdo projetivo, expressa a aquisição de fun-
O CAT (Children’s Apperception Test) é um ins- ções mentais e as conquistas intelectuais. Por
trumento de grande utilidade aos psicólogos essa razão, uma esquematização completa
que se dedicam às atividades de diagnóstico e deveria conter um modelo das configurações
de tratamento dos diferentes transtornos clí- verbais esperadas, de acordo com a idade cro-
nicos infantis: problemas neuróticos, psicóti- nológica.
cos, psicossomáticos, bem como a repercus- Na abordagem interpretativa do material
são de situações traumáticas no psiquismo da projetivo infantil, é indispensável trabalhar com
criança. Dentre essas, pode-se citar: negligên- esquemas claros do desenvolvimento evoluti-
cia, abuso, abandono, maus tratos, perdas. É vo normal e, portanto, das conquistas de pen-
um instrumento clinicamente útil para deter- samento e adequação à realidade de cada
minar os fatores dinâmicos relacionados com momento cronológico. A partir daí, interpre-
as reações infantis em um grupo, na escola e tando o teste, lâmina por lâmina, pode-se in-
diante dos acontecimentos familiares. vestigar modalidades clínicas manifestas e la-
Inúmeras tentativas foram feitas para pa- tentes na estruturação da personalidade.
dronizar o CAT, empregando critérios estatísti- Nos últimos cinco anos, diferentes autores
cos. Mas todas as evidências apontam para a realizaram pesquisas com o CAT, ressaltando a
maior utilidade do emprego do CAT como um sua utilidade como teste projetivo, no psico-
teste projetivo. Seu manejo requer do psicólo- diagnóstico infantil (Arzeno, 1995; Cassidy,
go conhecimentos aprofundados sobre a psi- 1998; Gambos, 1998; Grassano, 1996; Lafond,
codinâmica, bem como sobre o desenvolvimen- 1999; Sanders, 1998; Seligman, 1999; Setten,
to infantil. Como o CAT é a forma infantil do 1998).
TAT, é imprescindível conhecer a Teoria da Per- É de fundamental importância que o clíni-
sonalidade de Murray, a Personologia (1953), co conheça a história da criança, antes de apli-
e as proposições de Bellak e Bellak (1981a; car o teste: situação familiar, questões de saú-
1981b) para sua análise e interpretação. de/doença, desenvolvimento da criança. Esses
Na sistematização da produção das crian- dados devem ser integrados à dinâmica do tes-
ças, o psicólogo defronta-se com o vetor evo- te, por ocasião do psicodiagnóstico infantil. É
lutivo. Este é de grande importância na elabo- função do psicólogo clínico integrar e interpre-
PSICODIAGNÓSTICO – V 417
do funcionamento da personalidade, revelan- Integração do ego: O modo como a crian-
do dados para a compreensão de componen- ça enfrenta as demandas dos impulsos e da
tes neuróticos e sobre a formação do cará- realidade externa mostra-nos o funcionamen-
ter. Assim, possibilita o levantamento de hi- to de seu ego. O desenvolvimento do ego deve
póteses sobre o diagnóstico e prognóstico do ser avaliado, com referência à fase em que a
caso. criança se encontra, observando-se: a) a ade-
Natureza das ansiedades: O enredo das his- quação de cada história à fase evolutiva da
tórias fornece subsídios para reconhecer an- criança e aos estímulos reais das lâminas, que
siedades associadas a desejos inconscientes e refletem a percepção que o self tem do mun-
defesas empregadas contra as mesmas. A an- do interno e externo; b) o enfrentamento da
siedade depende das experiências pessoais ao realidade, ao longo de cada história, que se
longo das etapas de desenvolvimento, e, as- traduz por verbalizações adequadas, originais,
sim, é possível identificar vulnerabilidades es- inteligentes: c) a inclusão, ao longo da histó-
pecíficas, que facilitam a formulação do diag- ria, de soluções adequadas, completas e rea-
nóstico e do prognóstico, como a ansiedade lísticas.
frente ao abandono dos objetos pré-edípicos, Haworth (1966) propôs um guia útil para a
em relação a conteúdos edípicos, ou mesmo à análise dos principais mecanismos de defesa
ansiedade, que pode advir das pressões do manifestos no CAT, tais como formação reati-
superego. Este pode ser visto como persecutó- va, ambivalência, isolamento, repressão, nega-
rio, numa fase pós-edípica. Não obstante, as ção, simbolização, regressão. Esse guia consta
principais ansiedades, evidenciadas no CAT, dos manuais do CAT (Bellak & Bellak, 1981a;
referem-se à punição, agressão física, medo de 1981b).
perda do amor (manifestado por desaprova- O CAT tem sido empregado com crianças
ção) ou de menosprezo (observado por indí- enlutadas (Freitas, 1998; 1999a; 199b). Se a
cios de solidão e desamparo). perda de uma das figuras parentais, de um ir-
Principais defesas: As defesas mostram a mão, de um dos avós ocorreu recentemente,
habilidade ou não do sujeito de lidar com estí- espera-se que a criança expresse seu pesar nas
mulos externos e internos, sendo reveladoras verbalizações do teste. A morte de um familiar
de aspectos de seu desenvolvimento. É impor- próximo ou de uma pessoa amiga constitui-se
tante procurar identificar os principais meca- em um dos eventos estressores mais significa-
nismos de defesa utilizados frente à ansiedade tivos. Se, nas verbalizações do CAT, nenhuma
para a compreensão psicodinâmica da crian- referência ao pesar e à perda se fizer presente,
ça. Por exemplo, podem aparecer defesas ob- há sinal de alguma patologia. Se as manifesta-
sessivas, com conteúdos perturbadores. Temas ções de negação forem intensas, há um mas-
curtos, de natureza descritiva, em número de caramento do pesar e dos sentimentos depres-
quatro ou cinco, também revelam o emprego sivos. Conseqüentemente, essa criança pode-
de defesas obsessivas. De qualquer modo, a rá apresentar dificuldades de aprendizagem e/
introdução de diferentes temas em uma histó- ou de conduta; manifestações psicossomáticas
ria pode significar o quanto a lâmina específi- e outros desajustamentos.
ca perturba o sujeito. Crianças enlutadas podem narrar histórias
Severidade do superego: A severidade do com expectativas mágicas. A culpa é uma ma-
superego pode ser avaliada pela punição, com- nifestação comum. Pode-se exemplificar com
parada com a natureza da defesa. A despro- duas verbalizações de um menino, de 8 anos,
porção do castigo, em relação à transgressão, que perdeu seu pai recentemente, em aciden-
reflete a severidade do superego. Se o supere- te automobilístico.
go se mostra severo diante de certas condições, Lâmina 3 – “O leão fuma o seu cachimbo.
e, em outras, a sua pressão é leve, displicente, Ele ri bem alto: ah, ah, ah, ah! Ele gosta tanto
este dado remete-nos às dificuldades de rela- de fumar cachimbo, que fica sorrindo. Aí, o
cionamento com os demais. ratinho olha o leão e pensa: que bom que ele
PSICODIAGNÓSTICO – V 419
O CAT permite corroborar hipóteses diag- Mecanismos de defesa: É fundamental iden-
nósticas. Os itens descritos, que resultam de tificar as defesas mais comuns que aparecem
estudos clínicos e pesquisas feitas ao longo dos nas verbalizações.
últimos 20 anos, representam uma tentativa Integração do ego e ajustamento: Hawor-
de abrir uma investigação sistemática no cam- th (1966) propôs, ainda, a importância de ob-
po do psicodiagnóstico infantil, em especial, servação de outros aspectos que considera
no que se refere às patologias descritas. Ou- básicos, na síntese integrativa, tais como ati-
tros autores (Piccolo, 1977; Portuondo, 1970a; tudes para consigo mesmo: competência, segu-
Rapaport, 1965) descreveram categorias noso- rança pessoal, egoísmo, domínio, independên-
lógicas, associando o CAT a diferentes testes cia: como o herói de cada história é considerado,
projetivos. como se considera na trama desenvolvida.
Níveis de desenvolvimento psicossexual:
Identificação da maturidade infantil, através
SÍNTESE INTERPRETATIVA E CONCLUSÃO dos temas e das respostas às situações especí-
ficas de cada história.
Haworth (1966) propôs alguns itens para a sín- Desenvolvimento do superego: As histó-
tese global do CAT, que deve ser feita após a rias podem revelar imaturidade, fragilidade,
análise de todas as lâminas. Esses itens são: culpa, expectativa de punição, severidade do
Nível intelectual: Não é objetivo do CAT clas- superego.
sificar a inteligência, mas pode-se chegar a uma Por fim, é relevante observar o ajustamen-
compreensão de aspectos intelectuais, a partir to global da criança à situação do teste: capa-
da escolha das palavras nas verbalizações, da cidade de adaptação, produção adequada à
formulação coerente das idéias. O uso de refe- idade cronológica, controle pertinente. São
rências pessoais, com freqüência, descrições indicadores desses itens: “desfechos felizes,
simples e banais, histórias com elaboração realísticos, exitosos; ações responsáveis, lógi-
pobre é compatível com pobreza intelectual. cas; consciência de que o sonho era somente
Por outro lado, descrições minuciosas e histó- sonho; temas concentrados em atividades do
rias articuladas demonstram bom nível intelec- cotidiano familiares, identificações predomi-
tual. nantes com figuras adultas e/ou infantis do
Contato com a realidade: Produção de ma- mesmo sexo” (p.161).
terial não adequado aos estímulos da lâmina, Pode-se seguir o que Haworth (1966) reco-
com distorções, denota prejuízo no contato menda para a síntese final integrativa. Mas,
com a realidade. sugere-se ainda:
Relações interpessoais: As lâminas do CAT a) a observação dos temas, heróis e suas
permitem o acesso às atitudes da criança para necessidades, que permitem a descrição da es-
com seus pais, irmãos e outros personagens. trutura psíquica e das necessidades do sujeito;
Tais atitudes podem mostrar dependência, b) a concepção do ambiente e das figuras
medo, solidão. que são significativas para o sujeito;
Padrões afetivos: É necessário, na síntese c) os conflitos, as ansiedades, os mecanis-
final, retomar os sentimentos manifestos nas mos de defesa e a severidade do superego, que
verbalizações: alegria, tristeza, pesar e outros. permitem a formulação da psicodinâmica do
É importante verificar quem oferece apoio ao sujeito;
personagem da história, em momentos de es- d) os desfechos das histórias, que são reve-
tresse. Importa avaliar, também, o manejo da ladores de como o sujeito lida com as diferen-
agressividade, quem agride, quem é agredido; tes situações; se necessita de tratamento e qual
se há presença de culpa ou não. o tratamento mais recomendado.
PSICODIAGNÓSTICO – V 421
rinho voa para outra. O que vai fazer o filhote ça, pela identificação com o herói, fornecesse
passarinho? Ele já sabe voar um pouco...” elementos para que se pudesse inferir sua fi-
(Düss, 1986, p.18). xação no pai ou na mãe ou, pelo contrário, sua
Em crianças pré-escolares, a resposta po- independência. Na realidade, o material que
pular (que aparece numa freqüência de um em se obtém é muito mais produtivo, podendo-se
cada cinco sujeitos) é “Vai para outra árvore”; extrair elementos sobre o processo de separa-
já, entre escolares, as respostas populares (que ção-individuação. Por outro lado, por estudos
se apresentam em um de cada quatro sujeitos) realizados com psicóticos (Cunha, Werlang,
são “Vai para uma árvore, para um galho, um Oliveira et alii, 1999; Rossi, 1965) e pelo exa-
lugar abrigado” (Cunha & Nunes, 1993, p.241- me de protocolos infantis, vê-se que é possível
243). inferir, muitas vezes, qual a atitude básica do
Entretanto, a situação proposta também sujeito frente ao mundo.
tem aspectos críticos, emergenciais que podem Vejamos o exemplo de um menino de 6 anos
ser interpretados em função de experiências e 4 meses, que é apresentado no manual: “Mor-
particulares e pessoais. Antes, vimos que era reu... Caiu da árvore e se machucou muito...
possível captar, no problema, dados reais, que Morreu...” (Cunha & Nunes, 1993, p.99).
poderiam ser trabalhados para resolvê-lo. Ago- A situação de separação suscita uma fanta-
ra, chamamos a atenção para os seus dados sia de perda do objeto real. A ansiedade de
potencialmente estressantes, conforme o Qua- abandono é absolutamente esmagadora, já
dro 28-1. que o herói não faz uma opção possível para a
autonomia (o passarinho sabia voar um pou-
co), e o ego se deixa morrer. Não consegue
QUADRO 28.1 Dados potencialmente enfrentar as exigências da situação de separa-
estressantes da F1 ção-individuação, ingressando num processo
a) veio um vento muito forte (presença de um ele- regressivo sem retorno.
mento potencialmente destruidor); Outro exemplo, também de um menino de
b) o ninho caiu (ameaça da perda de proteção e esta-
6 anos e 7 meses: “O pequeno se perdeu... Ele
bilidade);
c) os pais passarinhos voaram cada um para uma ár- não tinha muita força e o vento levou ele. O
vore diferente (ameaça de separação dos pais); pai e a mãe foram procurá-lo. A mãe foi por
d) o filhote passarinho sabe voar um pouco. um lado e o pai por outro. E o encontraram. O
Fonte: Cunha e Nunes, 1993, p.7. ninho se espalhou todo. Os pais procuraram
mais palha para fazer o ninho. Quando aca-
bou o ninho, botaram o filhote dentro” (Cunha
Todavia, é exatamente a ênfase nos aspec- & Nunes, 1993, p.99).
tos estressantes que torna as fábulas sensíveis Esta criança também não enfrenta bem a
a interpretações extremamente particulariza- situação, já que também não usa os recursos
das, que se associam com problemas circuns- autônomos de que dispõe, talvez porque o
tanciais da vida diária e com conflitos tanto mundo pareça demasiadamente ameaçador. Há
conscientes como inconscientes. Tal fato de- um trauma de separação passageiro, mas ru-
monstra que, apesar dos esforços de Düss para dimentarmente há um vestígio de confiança
“eliminar situações familiares ou escolares, ex- numa fonte externa de ajuda.
cessivamente particularizadas” (Düss, 1986, Vejamos, agora, um outro caso de um me-
p.18), isso não foi possível, o que torna o ins- nino de 12 anos e 5 meses, que já apresenta-
trumento mais rico e promissor. mos em outro trabalho: “Ele vai tentar subir
Então, como já mencionamos, do ponto de até a arvore onde estão os pais; só que não vai
vista de Anzieu (1981), “a criança se identifica conseguir. Fica esperando os pais virem bus-
naturalmente com o herói” (p.69), e, sem dú- car, até que a mãe vem buscar. Os três se reú-
vida, esta era a intenção de Düss. Dessa ma- nem novamente e constroem um novo ninho”
neira, na F1, criou uma situação em que a crian- (Cunha & Werlang, 1997, p.289).
PSICODIAGNÓSTICO – V 423
de, sem agredir a mãe ou o irmão. Já o adoles- com as de adolescentes. Primeiramente, vamos
cente sente-se ferido em seu narcisismo e so- apresentar a resposta de um pré-escolar à F2:
fre com a perda de seu papel de criança e com “Ele não gostou da festa. (Por quê?) Por-
a sua dificuldade em aceitar mudanças que fra- que está o pai... (E daí?) O pai não deixa ele
gilizam o seu ego. Por outro lado, deve-se con- falar. (O que a criança faz?) Vai embora e fica
siderar que, em adolescentes, o alargamento sentada aqui. (Como a criança se sente?) Tris-
da rede social, com a participação em grupos te. (O que vai acontecer?) Ele vai ficar sem mãe?
cada vez maiores, favorece a reedição de emo- (O que tu achas?) A mãe ficou com o pai... (E
ções originárias das primeiras rivalidades infan- daí?) Não sei...”
tis com irmãos, agora, sob nova roupagem. Conteúdos edípicos invadem a história de
Considerando os resultados de uma amos- forma tão intensa, que há um bloqueio. Va-
tra de um estudo de 48 adolescentes, os da- mos ver, então, a resposta de uma menina de
dos de categorização de estados emocionais e 12 anos e 5 meses para os mesmos estímulos:
das fábulas e, a partir da tabela de contingên- “Porque ela tá achando muito... tá muito
cia, utilizando a técnica de análise de corres- desenturmada, pois só tem gente adulta e ela
pondência, pode-se visualizar, na Figura 28.1, está sozinha, sem ninguém para conversar ou
como ciúme se associa mais com a F3, assim brincar...”.
como dependência se associa mais com a F1, Comparando os dois exemplos, fica eviden-
nesta, em função do conflito de impotência te a presença de vínculos afetivos de natureza
versus onipotência, como já foi discutido. diversa. No primeiro caso, os pais, sem dúvida,
Na Figura 28.1, também se verifica que so- ocupam a primazia no mundo objetal infantil
lidão se associa mais com a F2, a Fábula do e, no segundo, eles são percebidos como pes-
Aniversário de Casamento. soas que fazem parte do mundo social do su-
Os estímulos da F2 e da F8, a Fábula do jeito, não existindo apenas em função de seu
Passeio, envolvem uma situação de triangula- self. Nesta última alternativa, entende-se que
ridade, muito mobilizadora na fase edípica. deve ter havido a resolução completa do con-
Neste caso, também se torna sumamente inte- flito edípico ou os aspectos dinâmicos associa-
ressante comparar respostas de pré-escolares dos com o conflito não emergem, pela ação
Solidão
F2
Ciúme
F3
Defesas
Fábulas
F2 Repressão
F8
F3
Racionalização
Introjeção
F7 F5
F4
PSICODIAGNÓSTICO – V 425
poder de mobilização afetiva, indicando a pre- ção catártica e de controle” (Cunha & Nunes,
sença de alguma vulnerabilidade ao conflito, 1993, p.14).
as fábulas correspondentes associam-se mais Foi possível observar que o primeiro sub-
com defesas típicas da fase de dissolução do conjunto, com exceção da F3, foi afetivamente
Édipo. Mas, por que dizemos que, na amostra, mais mobilizador na terceira idade, constatan-
tais fábulas mobilizam estados emocionais que do-se que, na F4 e na F5, se concentrou a gran-
podem se relacionar com conteúdos dessa na- de maioria das ocorrências de fenômenos es-
tureza? Na Figura 28.3, temos os resultados pecíficos. Lembrando que os temas das duas
da análise de correspondência entre catego- fábulas são a morte e o medo, respectivamen-
rias de fantasias e de fábulas. te, parece que, por certo, a reação observada
Pode-se ver, então, que a F2 e a F8 se asso- é sintônica com a fase.
ciam mais com rejeição que, envolvendo senti- Num levantamento de indícios de estados
mentos de exclusão, aponta para um tema emocionais, nas respostas às fábulas, em su-
básico do conflito edípico, relacionado com a jeitos da terceira idade, muitos destes institu-
vivência da impossibilidade de união com o cionalizados, predominam estados emocionais
progenitor do sexo oposto. Não devemos es- de tonalidade depressiva, como tristeza e soli-
quecer, porém, que a adolescência oferece uma dão, chamando a atenção, também, para aque-
segunda chance de reelaboração de conflitos les ligados ao manejo de afetos, como depen-
infantis. dência. Então, nos enredos produzidos, há fre-
Já, na terceira idade, a situação é outra. qüente solicitação de ajuda, não atendida, com
Lembramos que, em termos de estrutura do indícios de manifestações de ansiedade e medo.
instrumento, as fábulas se caracterizam por Aliás, as referências são a medos abstratos, que
dois subconjuntos de historietas, constituídas possivelmente se associam com uma ansieda-
pelas Fábulas 1, 2 e 3 e 6, 7 e 8, “que são en- de frente à morte.
tremeadas por duas fábulas (F4 e F5) e com- Salienta-se que, enquanto na Fábula 1 a
plementadas por outras (F9 e F10)”, que, na resposta popular entre crianças é de solução
infância, “freqüentemente assumem uma fun- independente, para o enredo criado, não se
Fantasias
Privação Fábulas
F3
F10
F5 Agressão
F6
Rejeição
F8 F2
PSICODIAGNÓSTICO – V 427
Desenvolvimentos do Procedimento de
Desenhos-Estórias (D-E)
Walter Trinca, Leila S.L.P. Cury Tardivo
29
INTRODUÇÃO de investigação psicanaliticamente fundamen-
tadas, como a Hora de Jogo Diagnóstica (Abe-
O Procedimento de Desenhos-Estórias (abrevi- rastury, 1982) e o Jogo de Rabiscos (Winnicott,
adamente, D-E) é uma técnica de investigação 1984), ajudou a consolidar uma nova maneira
da personalidade que emprega, basicamente, de se conceber e realizar o diagnóstico psico-
desenhos livres associados a estórias*, no con- lógico. Importante, acreditamos, é sublinhar
texto do diagnóstico psicológico. Foi introdu- que o D-E veio se inserir no processo diagnós-
zido por Walter Trinca, em 1972, para se pres- tico de tipo compreensivo (Trinca, W., 1984),
tar à exploração da dinâmica inconsciente da que trouxe uma abordagem clínica renovado-
personalidade, em setores que outros meios ra e uma visão humanística integradora dos
utilizados na época deixavam muito a desejar. propósitos do diagnóstico psicológico. Não
Ou seja, necessitava-se de instrumento com somente a psicanálise, como também a psico-
sensibilidade bastante para uma exploração logia fenomenológico-existencial, a psicologia
inconsciente de tipo vertical e focal, relaciona- da Gestalt, o behaviorismo, os estudos sobre a
da especialmente às queixas e outras angús- dinâmica familiar, a análise dos processos de
tias emergentes em dada situação. Nessa épo- desenvolvimento da criança e outras áreas da
ca, o exame psicológico, como um todo, ocu- psicologia lançaram luz sobre o foco da pro-
pava-se, na clínica psicológica, prioritariamen- blemática humana que foi incorporada no diag-
te com a horizontalidade e a extensão da per- nóstico compreensivo.
sonalidade em seus múltiplos aspectos. Havia Foi, inicialmente, apresentado como tese de
predominância do uso de testes objetivos, e doutorado no Instituto de Psicologia da USP
os psicólogos afiliavam-se, preferencialmente, (Trinca, W., 1972). Algum tempo depois, essa
a modelos médicos e psicométricos. tese foi transformada em livro (Trinca, W.,
Nesse contexto, o Procedimento de Dese- 1976). Encontram-se hoje, referidos ao D-E,
nhos-Estórias, juntamente com outras técnicas mais de 100 trabalhos publicados, dentre os
quais mais de 30 teses de doutorado e disser-
tações de mestrado, feitas a seu respeito ou
* N. dos A. Apesar de alguns autores recomendarem a com o seu emprego. Um resumo, ainda que
grafia história, quando se trata de narrativa de ficção,
pálido, dessa produção encontra-se em Trinca,
o uso consolidou e justifica a forma estória, já incorpo-
rada à língua portuguesa. W. (1997).
PSICODIAGNÓSTICO – V 429
ção e de elaboração da estória, pode-se intro- uso se estendeu a crianças de três e quatro
duzir recursos auxiliares, dizendo-lhe, por anos, bem como a adultos de todas as idades.
exemplo: “Você pode começar falando a res- Os examinandos podem pertencer a quaisquer
peito do desenho que fez”. níveis mental, socioeconômico e cultural (Trin-
Concluída, no primeiro desenho, a fase de ca, A., 1997).
contar estórias, passa-se ao “inquérito”. Nes-
te, podem-se solicitar quaisquer esclarecimen-
tos necessários à compreensão e interpretação FINALIDADES
do material, produzido tanto no desenho quan-
to na estória. O “inquérito” tem, também, o O D-E foi proposto, inicialmente, para o estu-
propósito de obtenção de novas associações. do dos conteúdos psicodinâmicos da persona-
Ainda com o desenho diante do sujeito, pede- lidade, que abrangem especialmente os pro-
se o título da estória. Chegando a esse ponto, cessos de natureza inconsciente. Ele é de gran-
retira-se o desenho da vista do examinando. de valor na detecção de componentes das ex-
Com isso, temos concluída a primeira unidade periências subjetivas. Ultimamente, contudo,
de produção, composta de desenho livre, es- tem se enfatizado que se presta, também, ao
tória, “inquérito”, título e demais elementos reconhecimento das características formais e
relatados. estruturais da personalidade. A produção grá-
O examinador tomará nota detalhada da fica revela, como afirma Grassano (1996), a
estória, da verbalização do sujeito enquanto concepção e os conflitos inerentes ao manejo
desenha, da ordem de realização, dos recur- espacial, às funções e ao interior do próprio
sos auxiliares empregados, das perguntas e corpo, bem como as angústias e fantasias do-
respostas da fase de “inquérito”, do título, bem minantes com relação ao corpo de outras pes-
como de todas as reações expressivas, verbali- soas, construídas desde as primitivas relações
zações paralelas e outros comportamentos de objeto. Como, no D-E, os desenhos livres
observados durante a aplicação. Pretende-se não são somente substitutivos de pranchas
conseguir uma série de cinco unidades de pro- destinadas a provocar estórias, mas constituem
dução. Assim, concluída a primeira unidade, importantes fatores a serem avaliados de for-
repetem-se os mesmos procedimentos para as ma integrada com os demais elementos pre-
demais. Na eventualidade de não se obterem sentes, podemos dizer que tal produção gráfi-
cinco unidades em uma única sessão de 60 ca é reveladora de características formais e es-
minutos, é recomendável combinar o retorno truturais. Hammer (1991), Van Kolck (1981) e
do sujeito a nova sessão de aplicação. Não se a própria Grassano (1996) oferecem indicado-
alcançando o número de unidades igual a cin- res para interpretá-los desse modo. Tardivo
co, ainda que utilizado o tempo de duas ses- (1985; 1997) enfoca os aspectos formais da
sões, será considerado e avaliado o material produção gráfica no D-E e sua coerência den-
que nelas o examinando produziu. Se as asso- tro do conjunto da produção global.
ciações verbais forem pobres, convém reapli- De início, essa técnica de investigação da
car o processo, a partir da fase de contar estó- personalidade foi concebida para avaliar sujei-
rias. Não é aconselhável o uso de borracha. Para tos normais, neuróticos e psicóticos em situa-
outros esclarecimentos quanto à aplicação, vide ção eminentemente clínica. Com o passar do
Trinca, W. (1976). tempo, verificou-se que, em função de sua ex-
O D-E foi introduzido como técnica de ava- trema adaptabilidade, se prestava a diversas
liação psicológica individual. Alguns estudos outras situações, como, por exemplo, aos con-
atuais, contudo, consideram a possibilidade de textos da psicologia escolar, da saúde pública,
ser aplicado coletivamente (Aiello-Vaisberg, da psicologia forense, das instituições de aten-
1997; Gavião & Pinto, 1999). Originalmente, dimento a pessoas carentes, deficientes, etc.
foi apresentado para sujeitos de ambos os se- Temos encontrado uma ampla utilização do D-
xos, de cinco a 15 anos de idade. Hoje, esse E na pesquisa, seja dentro, seja fora da clínica
PSICODIAGNÓSTICO – V 431
cas, como o raciocínio, a memória, a lógica, a timentos de autovalorização, auto-imagem e
estruturação espacial, temporal, etc. Tardivo autoconceito reais e positivos; busca de iden-
(1985; 1997) propôs itens para a análise dos tidade e identificação com o próprio sexo); 5.
aspectos formais. Focalizou, de modo especial, Identificação Negativa (este traço se opõe ao
a produção gráfica e a coerência entre os as- traço 4 e se refere aos sentimentos de menor
pectos que compõem o D-E. Christofi (1995) valia, menor capacidade, menor importância e
utilizou esse esquema, comparando os dados identificação com o outro sexo).
de Tardivo (numa amostra de crianças normais) Grupo II – Figuras Significativas (traços de
com crianças que apresentavam problemas de 6 a 11): 6. Figura Materna Positiva (mãe senti-
aprendizagem. O estudo revelou a utilidade do da como presente, gratificante, boa, afetiva,
D-E no diagnóstico psicopedagógico, de acor- protetora, facilitadora – objeto bom); 7. Figu-
do com as características formais. As crianças ra Materna Negativa (mãe vivida como ausen-
com dificuldades de aprendizagem apresenta- te, omissa, rejeitadora, ameaçadora, controla-
ram maior imaturidade emocional, incapacida- dora, exploradora – objeto mau); 8. Figura Pa-
de de adequação ao meio e baixa tolerância à terna Positiva (sentida como próxima, presen-
frustração. Acreditamos ser interessante usar te, gratificante, afetiva e protetora); 9. Figura
esse tipo de análise em combinação com a Paterna Negativa (semelhante ao traço 7, aqui
análise de conteúdo, pois ambas se comple- em relação ao pai); 10. Figura Fraterna Positiva
mentam. e/ou Outras Figuras (aspectos de relacionamen-
Passemos, agora, aos referenciais de análi- to com irmãos e/ou com outros iguais, compa-
se de conteúdo. Mencionamos, inicialmente, nheiros, amigos, etc., ou seja, cooperação, co-
o trabalho de Trinca, W. (1972). Ele propôs um laboração, etc.); 11. Figura Fraterna Negativa
referencial de análise elaborado desde as res- e/ou Outras Figuras (aspectos negativos do re-
postas de 53 sujeitos que compunham a amos- lacionamento: competição, rivalidade, confli-
tra de sua pesquisa. Esse referencial é composto to, inveja).
por dez áreas, ou categorias: Atitude Básica, Grupo III – Sentimentos Expressos (traços
Figuras Significativas, Sentimentos Expressos, 12 a 14): 12. Sentimentos Derivados do Instin-
Tendências e Desejos, Impulsos, Ansiedades, to de Vida (ou de tipo construtivo: alegria,
Mecanismos de Defesa, Sintomas Expressos, amor, energia instintiva e sexual); 13. Sentimen-
Simbolismos e Outras Áreas da Experiência. tos Derivados do Instinto de Morte (ou de tipo
Tomando por base esse referencial, Tardivo destrutivo: ódio, raiva, inveja, ciúme persecu-
(1985) analisou 80 protocolos de crianças nor- tório); 14. Sentimentos Derivados do Conflito
mais, criando um outro referencial de análise. (sentimentos ambivalentes, que surgem da luta
Das dez áreas apresentadas, as sete primeiras entre os Instintos de Vida e de Morte, ou seja,
foram consideradas relevantes por Tardivo e sentimentos de culpa, medos de perda, de
denominadas Grupos. Estes foram numerados abandono, sentimentos de solidão, de triste-
de I a VII, reunindo cada qual certo número de za, de desproteção, ciúme depressivo e outros).
traços, num total de 33. Resumimos, em se- Grupo IV – Tendências e Desejos (traços 15
guida, esse referencial de análise. a 17): 15. Necessidades de Suprir Faltas Bási-
Grupo I – Atitude Básica (traços de 1 a 5): cas (as mais primárias, como desejo de prote-
1. Aceitação (estão incluídas, neste traço, as ção e abrigo, necessidades de compreensão,
necessidades e preocupações com aceitação, de ser contido, de ser cuidado com afeto, ne-
êxito, crescimento e as atitudes de segurança); cessidades orais, etc.); 16. Tendências Destru-
2. Oposição (atitudes de oposição, desprezo, tivas (as mais hostis, como desejo de vingan-
hostilidade, competição, negativismo, etc.); 3. ça, de atacar, de destruir, de separar os pais);
Insegurança (inclui as necessidades de prote- 17. Tendências Construtivas (as mais evoluídas,
ção, abrigo e ajuda, as atitudes de submissão, como necessidades de cura, de aquisição, de
inibição, isolamento e bloqueio e as atitudes realização e autonomia, de liberdade e cresci-
de insegurança); 4. Identificação Positiva (sen- mento).
PSICODIAGNÓSTICO – V 433
passeando nos matos, tropeçou na pedra e a de sol quente’. Eu coleciono borboletas”. (Psi-
cobra mordeu. Ela deu um grito, o pai dela veio, cólogo: Por que queriam ser gente?) “Porque
já tinha mordido, foi na esquina pegou um táxi, quando chovia elas não tinham lugar, elas caí-
foi para o Pronto-Socorro.” (Psicólogo: E de- am com as asas pesadas e os meninos que co-
pois?) “Vai dar uma tempestade, a casa dela lecionavam pegavam elas. Eu tenho uma bor-
vai cair, a mãe dela e ela vão morrer, menos o boleta tão bonita, mas por trás tá toda feia.
pai dela, porque a casa tá um pouco torta, por Quando tiver muitas eu jogo essa fora, vou fa-
isso que eu fiz torta.” (Psicólogo: E com o cas- zer umas árvores e colo as borboletas com cola
telo, o que aconteceu?) “Caiu os tijolos, o rei tenaz.” (Psicólogo: Como termina?) “Um dia
morreu, ficou o príncipe e o filho dele. O prín- as pedras começaram a rolar, mataram todas
cipe foi ser o rei, ele tinha muito dinheiro, as plantas, a semente caiu e nasceram outras.”
moravam cinco pessoas, o dinheiro era dele. O (Psicólogo: Vai acontecer mais alguma coisa?)
pai dele falava que quando ele morresse podia “Vai dar uma grande chuva, vai passar aqueles
fazer o que quisesse com o castelo, podia pe- ratos, e as plantas, as borboletas vão morrer,
gar empregada. Cinco empregadas. Aí ele pe- as águas vão levar as sementes para outro jar-
gou, fez outro castelo.” dim, vai ficar florido e esse vai ficar seco, me-
Título: A casa pequenina. nos a flor amarela porque ela tem semente.”
Interpretação: Oposição entre uma situação Título: Jardim florido.
favorável e outra desfavorável. Angústia de que Interpretação: Receios de perdas e de trans-
tenha de se haver com restrições e frustrações. formações ameaçadoras, destruidoras dos vín-
Mais ainda: angústia de ficar só. Receia passar culos amorosos. Por detrás da aparente segu-
por mudanças e sofrimentos traumáticos, com rança, esconde-se a angústia de abandono e o
perdas relacionadas à figura materna. medo de uma grande catástrofe. Insegurança
quanto à manutenção da própria identidade.
Figura 29.2.
Figura 29.3.
co. Tinha muitos animais, mas os animais foi cer mais alguma coisa?) “Vai dar uma chuva
jogado pela chuva. Tinha onça, tinha mais ca- bem forte e as plantas vão sair bem bonitas.”
melo, tinha jacaré, tinha patos, tinha mais pei- Título: Jardim horroroso. Deu uma risada,
xe, tinha um monte de jaula maior, assim com olhou para o psicólogo e disse: “Não tá feio
tubarão. Tinha tigre, tinha serpente, tinha mesmo? Não é melhor o título buquê horroro-
águia, tinha rinoceronte e tinha hipopótamo. so? Eu tou com uma preguiça de fazer dese-
Eu tenho um jogo de zoológico, com vários nho, não quero mais!”
bichos. Acabou. Só ficou esses bichos. Esse Interpretação: Apesar da angústia e da re-
zoológico era numa ilha que ninguém sabia sistência que a situação provoca, pela reitera-
onde ficava. Quando eu crescer, eu vou achar ção do tema principal da iminência de uma
ossos antigos nas cavernas. Assim, vou estu- catástrofe afetiva, ainda resta uma vaga espe-
dar muito, vou ser isso, vou viajar para Paris, rança de recomposição (“as plantas vão sair
para achar bichos antigos, ir no espaço.” (Psi- bem bonitas”).
cólogo: Vai acontecer alguma coisa?) “Não vai
acontecer, a tempestade já aconteceu. Eu vejo Discussões: A queixa escolar em relação a
muitos monstros em desenhos. Gosto do fil- Fabiano representa apenas o aspecto visível de
me de trem fantasma, assisto ‘Sexto Sentido’. um drama vivido inconscientemente por ele,
Eu queria ter 18 anos para assistir filmes de quando o ambiente familiar lhe esconde a
fantasma, de mistério.” ameaça de abandono e de subtração de víncu-
Interpretação: A reviravolta, que ele teme, los essenciais. Ele capta essa situação e a ex-
pode atingir as bases de sustentação de sua pressa claramente no Procedimento de De-
personalidade. Uma poderosa força destruido- senhos-Estórias. Permanece, porém, a ques-
ra ameaça levar tudo de roldão. Ele tem de tão de saber se a situação atual não corres-
buscar forças no fundo de si próprio para en- ponderia à reativação de um conflito primi-
frentar os males, que já aconteceram. Em face tivo, de natureza mais profunda, relacionado
dos medos pelos quais passa, gostaria de ser ao abandono.
adulto a fim de desvendar os mistérios que são
dele escondidos.
Verbalização: “O que eu vou desenhar?” Avaliação segundo o referencial de Tardivo
(Psicólogo: O que você quiser.) “Pode ser algo
simples?” (Psicólogo: Como quiser.) “Não te- Como Atitude Básica, há o predomínio da In-
nho mais vontade de desenhar.” Desenha ra- segurança, já que se evidencia a percepção que
pidamente. “Esse daqui não tem estória. Nes- Fabiano tem do mundo e de sua realidade atual
se jardim deu uma seca muito forte. As folhas como desproteção. Encontramos conteúdos de
entortaram todas. Só.” (Psicólogo: Vai aconte- abandono e perda em quatro unidades de pro-
PSICODIAGNÓSTICO – V 435
dução. Na terceira (que ele não conseguiu con- suas angústias primitivas. Poderá ser devolvi-
cluir), há um “trem que não pôde andar”. Pai e do a um pai que ele não conhece direito. A
Mãe surgem como Figuras Significativas, mas mãe que ele conhece, e que o criou, deverá se
não são capazes de oferecer contenção às an- casar, não pretendendo levá-lo consigo. Pelo
gústias de Fabiano. Ele sente que perde essas D-E, nota-se que Fabiano percebe, inconsci-
figuras, sendo abandonado por elas (na ter- entemente, essa situação e se vê muito amea-
ceira unidade, o dono abandona os animais). çado. São claros, também, seus pedidos de
Outras figuras (borboletas, na segunda unida- ajuda e proteção.
de) perdem-se e morrem. Em relação aos Sen-
timentos Expressos, temos a presença domi-
nante de sentimentos derivados do conflito, PROCEDIMENTO DE DESENHOS DE FAMÍLIA
embora estejam presentes, também, os deri- COM ESTÓRIAS (DF-E)
vados do Instinto de Vida. Há tentativas de rea-
lizar a construtividade (chuva para o jardim, o Desde 1978, tem sido divulgada uma técnica
castelo para morar), mas elas se mostram in- de investigação psicológica introduzida, tam-
suficientes e ineficazes. O que prevalece é a bém, por Trinca, W. (1989) e denominada Pro-
sensação geral de perda dos bons objetos: sen- cedimento de Desenhos de Família com Estó-
timentos de abandono e extrema desproteção. rias (abreviadamente, DF-E). Esse instrumento
O menino torna-se muito ameaçado por esses de avaliação se origina, igualmente, das técni-
sentimentos, mas vem se equilibrando. Pode cas gráficas e temáticas, sendo um desdobra-
não suportar e, então, corre o risco de desmo- mento relativamente recente da técnica de
ronamentos no self. Assim, no Grupo IV (Ten- desenhos de família (Trinca, W., et alii, 1991).
dências e Desejos), notamos o predomínio de Consiste na realização de uma série de quatro
Necessidades de Suprir Faltas Básicas. São cla- desenhos de família, na ordem corresponden-
ros seus pedidos de abrigo, proteção e a ne- te às seguintes instruções: 1) “Desenhe uma
cessidade de ser acolhido. Estão presentes os família qualquer”; 2) “Desenhe uma família que
Impulsos amorosos (nos pedidos de ajuda e você gostaria de ter”; 3) “Desenhe uma família
proteção), mas também os destrutivos (nas em que alguém não está bem”; 4) “Desenhe a
casas que caem, nos incêndios que queimam sua família”. Após a realização de cada dese-
os jardins e matam as borboletas). Parece que nho, é solicitado ao examinado que conte li-
sobressaem as Ansiedades Depressivas, mas vremente uma estória, tomando por base o
não se descartam, de modo algum, as Para- desenho. Faz-se, a seguir, o “inquérito” e, fi-
nóides. Fabiano refere-se aos monstros que nalmente, pede-se o título da produção. As-
gosta de ver, aos filmes de terror, aos trens fan- sim como o D-E, o DF-E é composto por unida-
tasmas, provavelmente como projeções de fi- des de produção gráfico-verbais, cada qual
guras ameaçadoras. Mas o que predomina, contendo desenho, estória, “inquérito” e títu-
acreditamos, são as intensas ansiedades de lo. A reiteração seqüencial de quatro unidades
perda, portanto, de natureza depressiva. Nos de produção, com a anotação completa das
Mecanismos de Defesa, há a dificuldade de reações do examinado, constitui a base da téc-
Fabiano poder utilizá-los eficazmente. Tenta se nica. Esse conjunto passa a ter características
controlar, mas está presente, sempre, o perigo unitárias e indivisas.
de cair, de ruir, de se desmoronar; e assim, fa- A administração é individual, podendo ser
lhando as defesas, o próprio self pode se des- aplicado indistintamente a ambos os sexos e a
moronar. todas as idades, quando o examinando conse-
O D-E foi bastante eficaz para fazer ressal- gue desenhar e verbalizar. As condições de
tar angústias que Fabiano vivencia nesse mo- aplicação e o material necessário são os mes-
mento de sua vida. Tendo sido já abandonado mos descritos para o Procedimento de Dese-
numa primeira vez, vê-se novamente ameaça- nhos-Estórias. Ou seja, há oferecimento de lá-
do de perder laços afetivos, sendo reeditadas pis preto e coloridos, livre utilização das cores,
PSICODIAGNÓSTICO – V 437
a vantagem de poder ser facilmente aplicado, diagnóstico breve, pode ser comodamente
também de modo coletivo. Aiello-Vaisberg associada às entrevistas não-estruturadas. No
(1997) diz que o D-E com Tema é uma alterna- caso do exame epidemiológico das popula-
tiva fecunda para pesquisa da representação ções carentes, seu valor é inestimável. Além
social. Ela costuma fazer a aplicação em gru- disso, trata-se de um tipo de exame que tem
po, pedindo aos sujeitos para criar uma estó- sido descrito como altamente motivador para
ria, que eles mesmos registram no verso da os seus participantes. Pela liberdade e espon-
folha desenhada. A técnica permite, assim, o taneidade de sua penetração psíquica, opõe-
estudo de temas, como o doente mental, o se aos métodos invasivos e insere-se no espí-
deficiente físico, a situação escolar, a pessoa rito de uma nova forma de se conceber a ciên-
gorda, o hospital, a casa, a velhice, a equipe cia (por contraste com a ciência dita “clássi-
de trabalho, etc. ca”).
A validação dessa técnica tem sido perse-
guida com afinco, seja pelo método estatístico
CONSIDERAÇÕES FINAIS (vide Mestriner, 1982), seja pelo método clíni-
co (vide Amiralian, 1997). Como não dispomos
Temos, assim, uma técnica de investigação de espaço suficiente para descrever os estudos
da personalidade que permite um amplo le- de validação já realizados, remetemos o leitor
que de possibilidades de uso. Em relação a aos trabalhos dessas autoras, que fizeram re-
muitas outras técnicas, é de fácil manejo, e sumos detalhados dos mesmos, bem como à
os custos são baixos. Para a realização do bibliografia sobre o assunto.
PSICODIAGNÓSTICO – V 439
mente, todos os editoriais dos jornais”, persis- jovens podem ser encorajados a responder
te no mesmo raciocínio – “Eu não leio, diaria- como se a referência fosse ao presente.
mente, todos os editoriais dos jornais, está er- No caso de o sujeito ter passado recente-
rado, não se aplica a mim” – e assinala uma mente por uma situação estressante ou ter sido
resposta incorreta. Por um problema talvez de internado num hospital, surge a pergunta sobre
atenção, como que persevera no mesmo ra- se a resposta deve se referir a como se sentia
ciocínio dos itens anteriores. Convém, então, antes ou depois do acontecimento. Em tal caso,
depois de acompanhar seu raciocínio nos pri- a recomendação é de que responda de acordo
meiros itens, tomar uns dois exemplos, inicia- com suas reações e sentimentos atuais. Porém,
dos pela palavra “Não” ou “Nunca” e ver como em casos em que não é referido um fator bas-
responde. É quase desnecessário dizer que, tante estressante, mas simplesmente circuns-
para tal fim, devem ser usados itens sem ne- tâncias de vida, o sujeito deve responder de
nhum conteúdo perturbador, ou, melhor ain- acordo com o que a ele se aplica na maior par-
da, exemplos inócuos não constantes no ca- te do tempo ou na maioria das vezes.
derno. Uma vez que há interesse em manter num
Groth-Marnat (1999) aconselha que, além mínimo os itens não respondidos, recomenda-
das instruções-padrão, sejam fornecidos alguns se que, antes de o sujeito sair, o examinador
esclarecimentos sobre o motivo da testagem e examine a folha de respostas, e, quando há
o uso previsto dos dados. Lembra que parece muitos itens cuja resposta foi omitida, deve-se
conveniente informar que o instrumento per- solicitar-lhe que reconsidere tais itens e tente
mite “determinar se a pessoa está se apresen- respondê-los. Em nossa experiência, preferimos
tando de uma maneira irrealisticamente posi- salientar a importância de dar alguma respos-
tiva ou exageradamente perturbada” (p.270), ta a cada item, mas sugerindo que, no caso de
sugerindo ao examinando que procure ser sin- parecer difícil responder, assinale o item na
cero e claro. Além disso, convém acrescentar folha de respostas com uma cruz ou círculo em
que certos itens parecerão um tanto inusita- torno do número, seguindo adiante. Após o
dos, porque o teste foi feito para avaliar sujei- término, pede-se ao sujeito que diga quais fo-
tos com personalidade e problemáticas muito ram as dificuldades. Geralmente, essas não são
variadas. Conseqüentemente, havendo itens diversas das já citadas anteriormente, de ma-
que não se aplicam, é só assinalar a alternativa neira que facilmente o sujeito é levado a re-
adequada. Tais considerações, em sua opinião, considerar os itens e a respondê-los. Este pro-
geralmente deixam a pessoa mais à vontade e cedimento oferece a oportunidade de o exa-
pronta para colaborar, embora, às vezes, sur- minador indicar tais itens que, muitas vezes,
jam perguntas. Mas, geralmente, quando os não são respondidos, pelo seu conteúdo
sujeitos são de inteligência aproximadamente perturbador. Naturalmente, o número de itens
média, não aparecem dificuldades, e, se há deixados para posterior reconsideração será
dúvidas sobre certos termos, eles devem ser menor, se previamente se disser ao sujeito que
estimulados a interpretá-los. não necessita ponderar sobre uma possível res-
Em nossa própria experiência, e também posta e que é desejável que responda confor-
conforme observação dos autores citados, sur- me sua primeira impressão. Apesar disso, sem-
gem às vezes perguntas sobre itens formula- pre é conveniente que se forneça ao sujeito um
dos no passado (p.ex.: “Meu pai foi um bom lápis, e não uma caneta, para que possa modi-
homem”), especialmente entre sujeitos jovens, ficar uma resposta, no caso de desejar fazê-lo
que se confundem, por acharem que a afirma- ou de se enganar. Ao se fornecer uma borra-
ção no passado implica a falta de continuida- cha, deve-se recomendar que apague bem a
de até o presente. Os autores sugerem que se resposta não desejada, salientando que, como
responda que o teste foi elaborado para todos o levantamento das respostas é feito através
os tipos de pessoas e que tal formulação seria de chaves ou crivos, as marcas que podem fi-
adequada para a maioria delas, mas os mais car podem alterar os resultados. Tal observa-
PSICODIAGNÓSTICO – V 441
que ainda seja sanável (caso não o tenha feito K a ser acrescentada às escalas Hs, Pd, Pt, Sc e
no fim da sessão de testagem), como itens não- Ma. A escala K é composta de itens com base
respondidos (para verificar a importância da na comparação entre respostas de sujeitos
questão, consulte o item sobre a Escala “Não normais, mas cujos perfis se apresentaram
posso dizer” ou “?”). menos desviantes do que seria esperado, em
Prossiga, agora, realizando a atribuição de vista de uma atitude defensiva. Serve, pois, para
escores e transformação em escores T, através a correção estatística das escalas clínicas, res-
das seguintes etapas: saltando os indícios diagnósticos do perfil. To-
1 – No caso de aplicação coletiva, o primei- davia, apesar de considerável justificativa exis-
ro passo é separar os protocolos por sexo, já tente na literatura para o uso das correções K,
que a escala Mf (5) tem chaves diferentes para as características que representa (defensividade
homens e mulheres, e, também, para facilitar e exibicionismo psicológico) podem estar pre-
a consulta posterior às tabelas, ao transformar sentes em diferentes graus e freqüências em
os escores brutos em escores T. grupos diferentes, pelo que se recomenda le-
2 – A contagem de pontos das escalas é feita vantar o perfil com e sem correções K
por meio de chaves, exceto no caso das esca- (Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972, p.65-
las “?” e “L”, em que a contagem é direta. 66).
2.1 – Para a contagem de pontos da escala Para efetuar a correção K, veja qual o es-
“?”, marque com um lápis vermelho todas as core bruto de K e consulte a Tabela III do
respostas omitidas ou duplas, cuja soma cons- Manual (Hathaway & McKinley, 1971, p.15),
titui o escore bruto nesta escala e deve ser re- para ver as frações correspondentes de K a
gistrado, no lugar correspondente. A marca serem acrescentadas na escala Hs (0,5), na
em vermelho deve cobrir os dois espaços do Pd (0,4), na Ma (0,2), sendo que, para as es-
item (Certo e Errado), para ficarem identifica- calas Pt e Sc, acrescenta-se o total do escore
das principalmente as respostas duplas, que bruto de K. Registre abaixo do resultado bru-
não devem ser contadas quando forem usa- to, na folha de apuração, as correções de K
das as chaves. (K a acrescentar), efetuando a soma (Resul-
2.2 – A seguir, obtém-se o escore de “L”. O tado com K).
escore bruto de “L” é constituído simplesmen- 3 – Consulte, agora, a Tabela XII do Manual
te pela soma dos itens marcados como “Erra- (p.42-65), para transformar os escores brutos
do”, entre os seguintes: 15, 45, 75, 105, 135, com K em escores T. Na Tabela XIII do mesmo
165, 195, 225, 255, 285, 30, 60, 90,120 e 150. Manual (p.46-67), encontram-se os escores T
Observe onde estão colocados na folha de res- para as escalas Hs, Pd, Pt, Sc e Ma, sem o acrés-
postas. cimo de K. Observe que as escalas clínicas apre-
3 – Para todos os outros escores brutos, as sentam escores T diferentes para os sexos mas-
chaves devem ser colocadas adequadamente culino e feminino. Registre os escores T, na fo-
sobre a folha de respostas, e os espaços que lha de apuração, como resultado ponderado
aparecem, assinalados a lápis pelo examinan- (com K e sem K).
do, devem ser contados. Some os totais, e, 4 – Localize onde deve marcar os escores T
como nas escalas anteriores, o escore bruto na folha de apuração. Una, com uma linha, os
deve ser registrado no lugar adequado. No caso pontos referentes às escalas de validade (?, L,
de aplicação individual, lembre que, na escala K e F) e una, com uma linha, os pontos refe-
Mf (5), há chaves diferentes para cada sexo. rentes às escalas clínicas (Hs, D, Hy, Pd, Mf, Pa,
A seguir, para levantar o perfil, observe os Pt, Sc, Ma, Si). Está traçado o perfil. Se desejar,
seguintes passos: também, traçar o perfil sem K, faça-o com uma
1 – Transporte os escores brutos ou resulta- linha interrompida.
dos brutos para a folha de apuração. Dependendo da história clínica e do qua-
2 – Transcritos os escores brutos, o próxi- dro sintomático, atribua escore também a ou-
mo passo é verificar a quantidade de correção tras escalas (sutis, de conteúdo, suplementa-
40
de 70 (dois DP acima da média) foram consi-
30
derados como indicativos de patologia, en-
20
10
? L F K Hs D Hy Pd Mf Pa Pt Sc Ma Si
*A abrangência deste livro permite incluir apenas algu-
mas escalas mais comumente usadas, dentre a imensa
Fonte: Pope & Scott, 1967, p.102
variedade existente. Caso seja de seu interesse, procu-
re em outras obras, dentre as quais indicamos a de Levitt Figura 30.1 Perfil do MMPI com elevação em spike (his-
e Gotts, constante nas referências bibliográficas. teria).
PSICODIAGNÓSTICO – V 443
1 2 3 4 5 6 7 8 9 0
120 ou três dígitos, que representam configurações
110 clínicas do perfil.
100
Por outro lado, há configurações que são
90
consideradas típicas, como o “V da conversão”,
80
que se observa do lado esquerdo da Figura 30.3
70
(escala 2 com uma diferença de 10 pontos das
60
50
escalas 1 e 3), melhor descrito no código 13
40
ou 31.
30
20
10 Codificação
? L F K Hs D Hy Pd Mf Pa Pt Sc Ma Si
10
Dahlstrom, 1972, p.70).
O procedimento para codificação, confor-
? L F K Hs D Hy Pd Mf Pa Pt Sc Ma Si
me os autores do MMPI, o chamado Código
Figura 30.3 Perfil do MMPI com elevação psicótica. Hathaway, envolve os seguintes passos:
Código 89.
1 – Em primeiro lugar, atribua um número
a cada escala clínica, tal como foram identifi-
cadas, acima do diagrama, nas Figuras 30.1,
extremamente importantes no sentido 30.2 e 30.3. Assim, a escala Hs fica designada
psicopatológico, constituindo a tétrade como 1, a D se torna 2, a Hy, 3 e assim por
psicótica, freqüentemente associada, ainda, diante, até a Ma, como 9. A escala Si, quando
com uma elevação na escala 2 (D). Aliás, “na incluída, é identificada como 0. A numeração
interpretação do MMPI, os dois atributos bási- das escalas, além de fundamental para a codi-
cos do perfil, elevação e características da fase, ficação, é usada rotineiramente por muitos
interagem” (Pope & Scott, 1967, p.97). profissionais, para evitar falsas implicações
No desenvolvimento de estudos com o psiquiátricas da identificação tradicional das
MMPI, houve uma tendência para facilitar o escalas, já que elas correspondem apenas a
manejo dos dados através de uma codificação “conjuntos de variáveis de personalidade”
do perfil. Justamente a idéia da existência de (Groth-Marnat, 1999, p.207).
uma inter-relação entre as escalas e, conse- 2 – Escreva o número da escala com escore
qüentemente, de uma inter-relação entre os T mais elevado e, em ordem decrescente, os
atributos do perfil, parece estar subjacente ao seguintes, cujo escore T esteja acima de 54.
sistema de codificação. Alguns são extensos e 3 – Coloque um ! ou ‘ (plica) após o último
complexos, enquanto outros usam apenas dois número, na codificação, cujo T seja igual ou
PSICODIAGNÓSTICO – V 445
QUADRO 30.1 Sumário e comparação do método de codificação original (Hathaway) e o método de
codificação ampliado (Welsh)
Item Método de Hathaway Método de Welsh
Comprimento do Variável: desde nenhum, até dez dígitos. Constante: Sempre dez dígitos (se todas
código as escalas são usadas).
Código sem todas as Pode ser impossível dizer se uma certa Se uma escala (como a 5, que não foi
escalas escala foi usada ou se simplesmente está usada no Atlas, ou a 0, que não tem escore
no intervalo não codificado, do escore atribuído rotineiramente por todos) não
T 46 a 54. está no perfil, isto fica imediatamente
aparente no código.
Ordem do código Variável e inconsistente: Constante: Sempre do mais alto ao mais
1. Do mais alto ao mais baixo, acima do baixo, numa seqüência natural, por toda a
T=54. série de escores.
2. Escores entre T=46 e T=54 não
codificados.
3. Do mais baixo ao mais alto para escores
abaixo do T = 46.
Posição da escala Variável ou indeterminada: Constante: Sempre o primeiro dígito do
mais alta 1. Será o primeiro dígito, se o escore T está código.
acima de 54.
2. Se recai no intervalo de escore T, entre
46 e 54, e todas as outras escalas também
recaem nesse intervalo, a escala alta não
pode ser determinada.
3. Se a escala mais alta está abaixo de 46,
será o último dígito no código.
Posição da escala Variável ou indeterminada: Constante: Sempre o último dígito no
mais baixa 1. Será o último dígito, se todos os escores código (cada vez mais importante, desde
T no perfil estão acima de 54. que foi iniciado o trabalho com pontos
2. Será o primeiro dígito, se todas as baixos, p.ex., Cantor, 1952, e Sulton, 1952).
escalas do perfil estão abaixo de 46.
3. Se recai no intervalo de escore T, entre
46 e 54, e todas as outras escalas também
recaem neste intervalo, a escala baixa não
pode ser determinada.
4. Será o último dígito, se duas escalas
estão abaixo de 46, etc.
Indicação da Quatro classes originais:
elevação 1. ≥ 70 Oito classes-padrão:
2. 55-69 1. ≥ 90
3. 46-54 2. 8-89
4. < 46 3. 70-79
4. 60-69
5. 50-59
6. 40-49
7. 30-49
8. < 30
Reprodutibilidade É possível apenas a reconstrução grosseira Todos os perfis com escores entre 20 e 29
do perfil a partir do da maioria dos perfis; alguns não podem podem ser reproduzidos absolutamente,
código ser reproduzidos absolutamente. com uma precisão de cinco pontos de
escore T; habitualmente, é obtida uma
precisão de dois pontos.
Fonte: Welsh, 1963, p.131-132.
PSICODIAGNÓSTICO – V 447
consideradas com significação clínica, porém, go, pode haver vantagem em produzir uma boa
no MMPI-2, após ser normatizado de forma impressão, que se reflete em determinadas
diferente do MMPI (Groth-Marnat, 1999). configurações do perfil. Por outro lado, pode
ocorrer o caso oposto, que pode ser identifica-
do por uma elevação isolada da escala F, com
Passo 4: Determine a validade do perfil escores baixos na L e K (e, eventualmente, a
elevação das escalas óbvias). Afastadas algu-
Este é um passo extremamente importante, em mas alternativas, como as associadas a limita-
que se analisam os indicadores de validade ções especiais do sujeito, pode ser considera-
(vide Escalas de Validade) para definir se o pro- da a hipótese de que a situação de teste seja
tocolo é válido ou não. percebida como uma oportunidade de um pe-
São vários os aspectos a serem considera- dido de ajuda, com base na fantasia de que, se
dos, sendo essencial procurar identificar se o a sintomatologia não for ressaltada ou exage-
examinando procurou dar respostas honestas rada dramaticamente, não haverá atenção ou
ou, por alguma razão, adotou um estilo de- assistência. Tal atitude pode provocar a eleva-
fensivo – minimizando ou exagerando a sinto- ção exagerada das escalas óbvias (Peterson,
matologia – ou, ainda, se mostrou inconsisten- Clark & Bennett, 1989) ou da escala 2, neste
te em sua maneira de responder (vide também caso, “quando o indivíduo está experiencian-
Nível global de ajustamento, no Passo 5). do perturbação e deseja comunicar isto ao exa-
minador” (Trimboli & Kilgore, 1983, p.614).
90
pouco mais, é preciso que o T de quatro esca-
80
las de sintomas seja igual ou maior que 70,
70
para ser reforçada a hipótese de patologia gra-
60
ve, por exemplo, num episódio psicótico agu- 50
do (que raramente é encaminhado à avaliação). 40
Entretanto, trata-se apenas de uma impres- 30
metimento no funcionamento aumenta à me- Figura 30.4 Enviesamento da direita para a esquerda
dida que cresce o número de escalas acima do no MMPI.
escore T=70 e à medida que a elevação das
escalas se torna maior” (p.614-615).
Assim, consideremos o diagrama da folha 120
1 2 3 4 5 6 7 8 9 0
60
paciente esteja procurando transmitir uma boa
50
imagem de si mesmo (confirme a presença de
40
elevação de L e K) ou, ainda, de que o perfil 30
esteja atenuado, porque o paciente se habi- 20
tuou às suas dificuldades. 10
Ao examinar um perfil, com escalas eleva- ? L F K Hs D Hy Pd Mf Pa Pt Sc Ma Si
das acima dos limites normais, é importante
Figura 30.5 Enviesamento da esquerda para a direita
considerar a presença ou não de um enviesa- no MMPI.
mento e a direção em que se configura. O en-
viesamento do perfil ajuda a determinar o pos-
sível nível de funcionamento do paciente.
Examinemos o perfil da Figura 30-4. A dire- (Trimboli & Kilgore, 1983, p.624). Numa consi-
ção do enviesamento é nitidamente da direita deração mais precisa, há elevação das escalas
para a esquerda, havendo elevação significati- 4 e 6, predominando sobre K e 3, e em menor
va apenas da “tríade neurótica”, que é compa- grau, sobre a escala 5, que sugere atuação.
tível com um funcionamento em nível neuróti- Examinemos, agora, um quarto tipo de per-
co. Comparemos agora este perfil com o apre- fil, também sem enviesamento definido, que
sentado na Figura 30-5. Temos um enviesamen- eventualmente apresenta: uma ou mais eleva-
to da esquerda para a direita, que é sugestivo ções em nível neurótico (uma ou mais escalas
de um funcionamento em nível psicótico. da “tríade neurótica”), uma característica de
Comparemos, agora, os dois perfis com o “patologia do caráter” e, pelo menos, uma ou
apresentado na Figura 30.6. Não existe envie- duas elevações, típicas de funcionamento psi-
samento, tal como parece delineado nas ou- cótico. Tal perfil é mais característico de trans-
tras figuras. Esse tipo de perfil foi especialmente torno de personalidade e, conforme Gustin e
destacado por uma elevação central, associa- colegas (1983), apresenta maior elevação no
da especialmente com “patologia do caráter”, transtorno de personalidade borderline (vide
cuja “marca distintiva é a elevação da escala 4 Figura 30.7).
PSICODIAGNÓSTICO – V 449
1 2 3 4 5 6 7 8 9 0
120 a elevação nessa escala representa uma con-
110 tra-indicação de comportamento psicótico. Na
100
presença de uma configuração que sugere o
90
funcionamento em tal nível, a simultânea ele-
80
vação da escala 3 representaria um efeito ate-
70
nuante e modificador do quadro. Na mesma
60
50
direção, pode ser interpretada a elevação da
40
escala K e 5. “Desta maneira, elevações nas
30 escalas K, 3 e 5, mesmo na presença de eleva-
20 ções em outras escalas no mesmo perfil, ten-
10 deriam a diminuir o potencial para o compor-
? L F K Hs D Hy Pd Mf Pa Pt Sc Ma Si tamento atuador ou psicótico”, uma vez que a
Figura 30.6 Ausência de enviesamento definido. Ele-
tendência de tais escalas é de se elevarem em
vação nas escalas 4, 6 e 5 (MMPI). quadros clínicos mais em nível neurótico, re-
fletindo inibição da expressão de impulsos,
possivelmente associada com ambivalência e
1 2 3 4 5 6 7 8 9 0
120 culpa (p.624).
110
Já a elevação da escala 6 tem um efeito que
100
pode ser considerado oposto. Ao se falar no
90
desvio ou enviesamento da esquerda para a
80
direita, bem como quando nos referimos an-
70
60
teriormente à tétrade psicótica, ficou claro que
50
a gravidade da patologia costuma se associar
40 com elevações à direita do perfil. “Isto reflete
30 a negação (escala 9) e distorções da realidade
20 (escala 8), características deste nível de funcio-
10 namento.” Nessa configuração, a elevação da
? L F K Hs D Hy Pd Mf Pa Pt Sc Ma Si escala 6 tem um efeito potencializador das im-
Fonte: Gustin, Goodpaster, Sajadi et alii, 1983, p.52. plicações patológicas das outras escalas. “Por-
tanto, quando uma elevação na escala 6 se
Figura 30.7 Escores médios (com K) das elevações de
pacientes com transtorno de personalidade borderline combina com elevações na escala 7 e 9, a psi-
(–) e de pacientes com outros transtornos de persona- copatologia é caracteristicamente manifesta-
lidade (–). da em suas manifestações mais floridas”
(p.625).
Dahlstrom e Welsh (1962) examinaram uma
Não obstante, há fatores modificadores, série de escalas, para avaliar a gravidade do
que devem ser considerados, ao se tentar infe- quadro, mas acabaram por concluir que se fa-
rir o nível de patologia, através da configura- ria necessária uma definição mais explícita de
ção geral do perfil. Por exemplo, em relação à severidade do transtorno, antes de se poder
atuação, devem ser levadas em conta também chegar a uma medida escalar mais precisa. Fi-
as elevações das demais escalas. Segundo nalmente, consideraram que, no caso de pa-
Graham, citado por Trimboli e Kilgore (1983), cientes colaboradores e sem limitações defini-
uma vez que as escalas 1, 2, 3, 5, 7 e 0 se asso- das, que comprometem o escore, a elevação
ciam com controle e inibição de impulsos, o da escala F constitui a medida mais adequada
comportamento de atuação é mais provável da gravidade da doença.
quando há elevação das escalas 4, 6, 8 e 9, do Rogers e colegas (1983), revisando a litera-
que quando aquelas predominam no perfil. tura, afirmaram que as escalas clínicas marcan-
Por outro lado, como a escala 3 se associa temente elevadas, com uma elevação extrema
com a utilização de defesas de nível mais alto, na F, superior a T=80 e um índice de F-K médio
PSICODIAGNÓSTICO – V 451
QUADRO 30.2 Escala de força do ego (Es)*
Certo
2 36 51 95 109 153 174 181 187 192 208
221 231 234 253 270 355 367 380 410 421 430
458 513 515
Errado
14 22 32 33 34 43 48 58 62 82 94
100 132 140 189 209 217 236 241 244 251 261
341 344 349 359 378 384 389 420 483 488 489
494 510 525 541 544 548 554 555 559 561
Fonte: Barron, apud Dahlstrom & Welsh, 1962, p.454.
*As tabelas para transformação de escores brutos em notas T podem ser encontradas no Anexo C.
Nota: O escore bruto de 50 corresponde ao escore T de 59. Espera-se um escore bruto de 51 ou mais, como aceitável. O escore T
de 30 corresponde ao escore bruto de 32. (2) A escala é de Barron, apud Dahlstrom & Welsh, 1963, p.454.
7. Em segundo lugar, a escala K mostra-se num mostravam elevações das escalas 6, 8 e, às ve-
nível considerado pelos autores como mode- zes, da 0, mostra uma atenuação dessas eleva-
radamente baixo, isto é, entre um escore T de ções. Segundo Trimboli e Kilgore (1983), “indi-
45 a 55, que corresponderia aproximadamen- víduos psicóticos crônicos muitas vezes produ-
te à zona média de Dahlstrom e colegas (1972). zem perfis em que as elevações das escalas 6 e
Em terceiro lugar, enquanto nos casos agudos 8 caem para elevações entre 70 e 80. As esca-
a elevação da escala F se situa freqüentemente las 2 e F também caem para níveis moderados,
acima de um escore T de 70, tal elevação dimi- enquanto a escala 0 freqüentemente sobe até
nui, ficando seu escore T ao redor de 60, refle- um escore T de aproximadamente 70, com o
tindo o fato de o sujeito ir se habituando com passar do tempo” (p.619-620).
suas dificuldades. Da mesma forma e no mes-
mo sentido, devem ser interpretados os esco-
res T da escala Es, que podem subir para o ní- Passo 6: Descreva sintomas,
vel de 35 a 40. comportamentos e/ou características da
Ainda que, de um modo geral, os casos personalidade
agudos apresentem maiores elevações e os crô-
nicos elevações mais moderadas, deve ser con- Este é um passo nuclear da interpretação, que
siderado também o nível de funcionamento, se baseia tanto nas elevações e baixas escala-
pois “parece haver uma interação entre o nível res, como nas inter-relações entre as escalas.
da elevação e a natureza da síndrome clínica. O objetivo é o de descrever e predizer sinto-
Isto é, pacientes neuróticos mais crônicos po- mas, correlatos comportamentais e outras ca-
dem apresentar elevações aumentadas, en- racterísticas – em função da freqüência com
quanto pacientes psicóticos freqüentemente que costumam se associar com dados presen-
obtêm elevações mais moderadas” (p.619). Por tes no perfil – “e/ou os meios característicos
exemplo, em pacientes com código 13, que pelos quais [o sujeito] lida com o mundo” (Trim-
tendem a somatizar ou negar seus problemas boli & Kilgore, 1983, p.614), na medida em que
emocionais, à medida que se encontram em fazem sentido no contexto de informações
fase mais avançada do quadro, freqüentemente sobre o examinando.
acentua-se a elevação nas escalas 1 e 3, que se Via de regra, as elevações caracterizadas por
acompanha por queda simultânea da escala 2, um T de 70, ou mais, tendem a ser mais carac-
que, por sua vez, passa a se constituir como terísticas da personalidade do sujeito. Não
um indicador da cristalização de tal tipo de obstante, uma elevação idêntica da mesma
adaptação específica. Por outro lado, a evolu- escala deverá ser interpretada diversamente,
ção de quadros psicóticos, que na fase aguda se o perfil for de um paciente psicótico ou de
PSICODIAGNÓSTICO – V 453
MMPI: Escalas de validade e
escalas clínicas
Jurema Alcides Cunha
31
ESCALAS OU INDICADORES DE VALIDADE nifica que tanto o escore bruto de 15, como os
inferiores a ele, são registrados na folha de
Os indicadores de validade são fornecidos pe- apuração como T=50, entendendo que tais
las chamadas escalas de validade: “Não posso omissões não enfraquecem ou afetam o valor
dizer” ou escala “?”, a escala L, a escala F e a das outras escalas, desde que sua distribuição
escala K. Segundo Trimboli & Kilgore (1983), seja aleatória. A hipótese, relacionada com um
os indicadores de validade fornecem dados escore bruto que ultrapassa 15, é de que o su-
para o primeiro nível de interpretação do MMPI, jeito omitiu itens, como uma forma de defesa
de auto-relato, que “é freqüentemente útil para contra o medo de admitir problemas pessoais,
compreender a atitude do paciente ante o tes- e, dessa maneira, as interpretações devem ser
te e a impressão que deseja nos transmitir feitas com cautela (Vincent, 1987). Não obs-
com base no MMPI” (p.614). Tal atitude, bem tante, escores moderados (T entre 50 e 70)
como a competência em responder, podem podem ser explicados, muitas vezes, por difi-
levar a uma distorção das respostas, à de- culdade na leitura, retardamento psicomotor
fensividade, etc. ou por dúvidas obsessivas. A indecisão pode
A validade também pode ser avaliada pelo se associar ao uso conspícuo de intelectualiza-
Índice TR e pela escala CRL (vide adiante). ção, à interpretação pouco usual dos itens ou
a uma superprecaução relacionada com aspec-
tos paranóides (Groth-Marnat, 1999). Depres-
Escala “Não posso dizer” ou “?” sivos também podem apresentar a tendência
a omitir itens, por uma atitude de desesperan-
Segundo Groth-Marnat (1999), o indicador “?” ça: a idéia de que não podem ser ajudados faz
não chega a ser uma escala formal, uma vez com que achem que não vale a pena o esforço
que não representa qualquer medida de per- de responder (Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom,
sonalidade. Simplesmente corresponde ao nú- 1972).
mero de omissões, que pode ou não afetar o Na realidade, quanto mais o escore ultra-
protocolo. passar o T=50, mais probabilidade existe de o
Na tabela oriunda da padronização brasi- perfil ser inválido, e, atingindo o escore de
leira, um escore bruto de 15 corresponde ao T=100, o perfil não comporta qualquer inter-
T=50 (Hathaway & McKinley, 1971). Isso sig- pretação clínica (Groth-Marnat, 1984).
80
esse estado de coisas. Parece que procedimen-
70
to mais defensável é tentar dar ao sujeito nova
60
oportunidade de responder aos itens omitidos,
50
entrevistando-o para tentar saber as razões das 40
omissões. Todavia, o sujeito deve entender as 30
razões do examinador, para não aumentar uma 20
90
dos como positivos, de um ponto de vista so-
80
ciocultural. Por exemplo, responder como er-
70
rado a um item como “Às vezes, fico zanga-
60 do” “sugere uma autopercepção irrealistica-
50 mente positiva” (Groth-Marnat,1984, p.270).
40 Então, se o sujeito não admite que é capaz de
30 determinadas fraquezas, essa atitude tende a
20 se manter no restante dos itens, havendo um
10
efeito supressor nas demais escalas. Assim,
? L F K Hs D Hy Pd Mf Pa Pt Sc Ma Si quanto mais se eleva a escala L, menores ten-
Figura 31.1 Primeiro perfil (com 110 omissões). dem a ser as elevações nas outras escalas. Des-
PSICODIAGNÓSTICO – V 455
ta forma, se o escore bruto de L for igual ou Escala F
maior do que 10, há possibilidade de os de-
mais resultados não serem válidos. A escala F “não mede qualquer traço específi-
Diferentes níveis na escala L sugerem dife- co, mas, antes, uma diversidade de respostas
rentes alternativas de interpretação: inusitadas” (Groth-Marnat, 1984, p.271). As-
T = 36-43. É um escore baixo e atípico. En- sim, um spike na escala F pode subentender
contra-se em sujeitos que tentam dar uma ima- uma forma de pensamento confuso ou auto-
gem extremamente patológica de si mesmo, depreciação (Gilberstadt & Duker, 1965). Pon-
bem como em pessoas normais, pouco con- tos altos podem corresponder a um sujeito
vencionais e independentes, que se sentem à descrito como inquieto, instável, mutável, con-
vontade para admitir seus pontos fracos. fuso, insatisfeito, mal-humorado, opiniático, e
T = 46-53. É um escore médio, típico e nor- pontos baixos, como simples (DeMendonça,
mal. Os sujeitos seletivamente admitem certas Elliot, Goldstein et alii, 1983).
falhas, mas tendem a se defender em relação A escala F, também chamada de Freqüência
a outras, que lhes parecem mais criticáveis, de (ou infreqüência), foi criada para detectar res-
um ponto de vista social ou moral. postas atípicas, inusitadas, incluindo “desde
T = 56-63. É um escore moderado. Os su- sensações bizarras, idéias estranhas, experiên-
jeitos querem passar uma imagem favorável de cias peculiares, até sentimentos de alienação”
si mesmos, e “pode indicar uma rigidez psico- e “atitudes atípicas” em relação a instituições
lógica ou simulação consciente” (Groth-Mar- sociais, bem como “certo número de crenças,
nat, 1984, p.270). Tal escore pode ser encon- expectativas e autodescrições improváveis e
trado em pessoas extremamente religiosas ou contraditórias” (Dahlstrom, Welsh & Dahls-
moralistas, refletindo convencionalismo, con- trom, 1972, p.114-115). Portanto, o escore
formismo com valores e normas socioculturais baixo representa conformidade com os padrões
ou uma tendência a responder em função da do grupo normal, que serviu para a padroniza-
desejabilidade social. ção do teste. Isso corresponderia a um escore
T = 64-69. É um escore alto. Pressupõe bruto de 9 ou menos (T=50). Um escore alto
“uma visão ingênua, irrealística do mundo” e significa um exagero da sintomatologia ou uma
se associa com negação, repressão e, às vezes, indicação de psicopatologia. Porém, isso nem
com simulação consciente. Esses sujeitos “exa- sempre é verdadeiro. Muitas vezes, respostas
geram suas qualidades morais e escrúpulos na direção desviante refletem importantes pro-
positivos, de forma rígida, autocentrada e não blemas na vida da pessoa (como perdas signi-
compromissada”, mas, “subjacentemente, ten- ficativas), tanto que muitos dos itens são in-
dem a ser ‘autocríticos e frustrados’ ” (p.270). cluídos também na lista dos chamados itens
Seu prognóstico em terapia não é bom, por- críticos, a ser examinada mais adiante, neste
que carecem de um insight suficiente. livro.
T – 70 ou mais. É um escore marcante e Diferentes níveis na escala F sugerem diver-
raro. Pode se associar com: a) intensificação sas alternativas de interpretação. Via de regra,
dos traços correspondentes aos níveis ante- considera-se que um escore bruto de 16 assi-
riores; b) os mecanismos citados, especial- nala uma probabilidade de que o protocolo não
mente negação da psicopatologia; c) tendên- seja válido. Não obstante, não existe um pon-
cias ruminativas e introspectivas, que se re- to de corte exato. Dessa maneira, mesmo es-
fletem nas relações sociais, com aspectos cores de 70 a 90 nem sempre indicam um pro-
paranóides; ou d) simulação consciente tocolo inválido, especialmente entre pacientes
(Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972; Gro- psiquiátricos internados ou, até mesmo, entre
th-Marnat, 1984). detentos. Elevações moderadas muitas vezes
Nota-se que o escore cresce inversamente sugerem “abertura para experiências inusita-
ao nível socioeconômico e a antecedentes edu- das e possível psicopatologia, mas só se sus-
cacionais do sujeito (Groth-Marnat, 1999). peita de um protocolo inválido ante elevações
PSICODIAGNÓSTICO – V 457
possibilita a identificação de fatores sutis, mulação ingênua, mas deliberada, para a ob-
mas eficazes, aumentando a sensibilidade do tenção de ganhos secundários, ou como pedi-
instrumento e “proporcionando um meio de do de socorro. Pode também se associar com
correção estatística” das escalas clínicas pânico ou confusão. De qualquer modo, pode
(Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972, revelar um sistema de defesas precário, de-
p.120). “Enquanto somente indivíduos ingê- sorientação, confusão, insatisfação, cinismo
nuos, moralistas e não-refinados têm escore e baixo nível de insight (Groth-Marnat, 1999).
elevado em L, pessoas mais inteligentes e Não obstante, tais problemas são menores,
psicologicamente mais refinadas têm esco- à medida que os escores são maiores, neste
res mais altos em K e, ainda assim, não apre- nível. Nota-se, porém, que as pessoas de bai-
sentam qualquer probabilidade de uma ele- xo nível socioeconômico podem ter escores
vação importante em L” (Groth-Marnat, 1999, altos, sem evidenciarem essas características,
p.236). já que suas respostas refletem a maneira
A construção da escala foi bastante com- como percebem a si mesmas, seu mau auto-
plexa e seguida por muitas pesquisas para ava- conceito. De forma idêntica, encontram-se
liar se haveria vantagem real com a introdu- escores baixos em adolescentes, o que pode
ção do sistema de correção. indicar mais abertura e “maior grau de sen-
Escores altos na escala K revelam defensivi- sibilidade a seus problemas” (Groth-Marnat,
dade ou inibição (DeMendonça, Elliot, Golds- 1999, p.237).
tein et alii, 1984; Gilberstadt & Duker, 1965). T = 56-64. É um escore moderado. Corres-
Em outras palavras, embora se possam suben- ponde a um sistema de defesas adequado, com
tender conflitos subjacentes, em sujeitos com aceitação de si mesmo e boa força de ego (Gro-
tais escores, eles “não estão dispostos a discu- th-Marnat, 1999). Há certa exposição de pro-
tir essas dificuldades e fazem esforços para blemas, mas também certa preservação de al-
defensivamente disfarçar seus verdadeiros pen- guns conflitos. As respostas refletem ajusta-
samentos e sentimentos” (Groth-Marnat, 1984, mento, equilíbrio e competência em lidar com
p.272). Essa defensividade tem um efeito su- problemas.
pressor da psicopatologia, manifestando-se em T = 65-70. Trata-se de sujeitos que, tendo
menores elevações do perfil, enquanto esco- problemas psicológicos, fazem um esforço para
res baixos em K se acompanham de acentua- manter uma imagem positiva para os demais,
das elevações das escalas clínicas. Por tal ra- inclusive negando seus problemas. A defensi-
zão, o escore de K permite a correção estatísti- vidade aumenta com a elevação dos escores,
ca do perfil, procedimento geralmente aceito. observando-se falta de insight e “resistência à
Todavia, os autores recomendam que os servi- avaliação psicológica”, não se apercebendo tais
ços examinem a propriedade de sua utilização sujeitos das impressões que as outras pessoas
para fins clínicos (Dahlstrom, Welsh & Dahls- podem ter deles. Todavia, conforme Groth-
trom, 1972). Marnat (1984), “percebem os problemas psi-
Diferentes níveis da escala K sugerem di- cológicos dos outros como fraquezas e relu-
versas alternativas de interpretação, ainda que, tam em ser colocados no papel de pacientes”
na realidade, se possa dizer que “não existe (p.272). Esse autor coloca o T = 65 como um
um ponto de vista nítido para diferenciar força marco significativo em termos de prognóstico
do ego positiva (ajustamento), defensividade para a psicoterapia, de forma que os sujeitos
do ego ou simulação positiva” (Groth-Marnat, com um T menor que 65 poderiam se benefi-
1999, p.236). ciar com o tratamento, enquanto aqueles com
T menor que 56. É um escore baixo e, quan- um T maior que 65 encontrariam dificuldades
to menor, maior a probabilidade de que as res- nesse sentido. Se o protocolo é válido, passam
postas tenham sido assinaladas por patologia a impressão de controle e funcionamento efi-
aguda ou para dar a impressão de psicopato- caz, mas deixando de observar os próprios pro-
logia, o que pode ocorrer por exagero ou si- blemas (Groth-Marnat, 1999).
PSICODIAGNÓSTICO – V 459
QUADRO 31.1 Hipóteses de Vincent (1987)*, só aplicáveis em ambiente clínico
Elevação das escalas de validade Perfil Características dos pacientes
L: T=70 ou maior Provavelmente inválido Admitem a patologia; apresentam grande
F: T=70 ou maior e menor que T=95 estresse; mostram-se defensivos.
K: T=70 ou maior
L: T=70 ou maior Provavelmente válido Admitem a patologia e grande estresse;
F: T=70 ou maior e menor que T=95 mostram-se defensivos e ingênuos.
K: T menor que 70
L: T menor que Validade questionável Admitem a patologia; procuram dar a
F: T=70 ou maior e menor que T=95 imagem de bom ajustamento (provável
K: T=70 ou maior ajustamento a uma psicopatologia
duradoura ou presença de transtorno
grave, com defensividade sem sucesso).
L: T=70 ou maior Infreqüente Possível defensividade ingênua, com
F: T menor que 70 rebaixamento indevido das escalas clínicas;
K: T menor que 70 comum em “neuróticos”, com pouco
insight, repressão e negação.
L: T menor que 70 Validade questionável Defensividade extrema, com rebaixamento
F: T menor que 70 indevido das escalas clínicas; procuram dar
K: T=70 ou maior impressão de adequação e normalidade;
resistência à psicoterapia; freqüentemente,
problemas psicológicos afetando a
condição física.
L: T menor que 70 Válido Sentimentos negativistas em relação a si
F: T entre 80 e 94 mesmos; acentuada perturbação emocional;
K: T menor que 70 aceitam psicoterapia; pode haver
“superdramatização” e/ou reação a aguda
crise emocional.
L: T menor que 70 Válido Presença de importante perturbação
F: T entre 70 e 89 emocional.
K: T menor que 70
L: T entre 60 e 69 Válido Acentuada defensividade e evasividade;
F: T menor que 70 insight escasso; comum em “neuróticos”.
K: T entre 60 e 69
L: T menor que 60 Válido Defensividade, inibição, pouco insight;
F: T menor que 70 relações interpessoais difíceis; comum em
K: T entre 60 e 69 “neuróticos”.
L: T entre 60 e 69 Válido Ingenuidade e defensividade; procuram dar
F: T menor que 70 boa imagem de si mesmos; convenciona-
K: T menor que 60 lismo e certa rigidez; pouca tolerância ao
estresse.
L: T menor que 60 Válido Apresentam atitude honesta na testagem.
F: T menor que 70
K: T menor que 60
*Resumidas e adaptadas.
ciar sujeitos que respondem de forma randô- do, em combinação com a escala de Descuido
mica ou não (Rogers, Dolmetsh & Cavanaugh, (CLS), cujos itens são apresentados no Quadro
1983), hoje em dia, seu uso está incrementa- 31.2.
Índice F-K
O escore da escala de Descuido (CLS) cor-
responde ao número de pares em que a res-
Os estudos a respeito de simulação ou da ten-
posta foi desviante.
dência a distorcer as respostas, no sentido de criar
uma melhor ou pior imagem de si mesmo, leva-
ram ao desenvolvimento de um índice especial,
Hipóteses de validade de Levitt e Gotts
F-K, que resulta da diferença entre escores bru-
tos de F e K, chamado de índice de dissimulação
Segundo Levitt e Gotts (1995), a validade de um
(Gough, 1963), que pretende avaliar “a probabi-
protocolo pode ser avaliada pela fórmula
lidade de uma pessoa estar produzindo um per-
TR + CLS. fil inválido” (Groth-Marnat, 1999, p.238).
F-K = +12 (mulheres normais) ou +17 (ho-
• Se o total é inferior a 7, isso significa que
mens normais)/+25 (pacientes psiquiátricos do
o sujeito respondeu com honestidade, sendo
sexo feminino) ou +27 (pacientes psiquiátri-
possível considerar o protocolo como válido.
cos do sexo masculino)**. Para indicar simula-
• Se a soma recai entre 7 e 9, a validade é
ção entre pacientes psiquiátricos, os valores são
questionável, devendo-se ter muito cuidado
bem mais altos do que para a população nor-
para fazer alguma interpretação, com base nas
mal, em vista da correlação existente entre a
escalas de sintomas (1, 2, 7 e 8) e das escalas
escala F e algumas escalas clínicas.
sutis (vide em Escalas clínicas, mais adiante).
Via de regra, pode-se afirmar que quanto
• Se o total é maior que 9, isso pode ocor-
mais elevado esse índice, maior é a probabili-
rer por várias razões:
dade de simulação, porém, sem esquecer que,
a) confusão mental (podendo ser atribuível
às vezes, F-K cresce, seja por uma intenção de
a estresse ou a ingestão de drogas);
pedir ajuda, seja como uma reação temporária
b) escassa compreensão verbal ou limita-
a uma situação estressante. Ainda, observa-se
ção intelectual;
que pode haver uma tendência à elevação deste
c) falta de cooperação.
escore em pessoas que dramatizam exagera-
• Se o total é inferior a 7, mas se cumpre
damente suas dificuldades, para obter atenção
uma das duas condições seguintes:
ou para manipular os demais. Conseqüente-
a) ME (média dos escores T das escalas clí-
mente, o índice F-K pode ser alto em persona-
nicas*) ≥ 75 e
lidades narcisistas ou histriônicas.
PSICODIAGNÓSTICO – V 461
F-K = -11 ou menos. Este nível de escore tão grande como no caso de preocupações hi-
costuma indicar minimização ou negação de pocondríacas (Brozek & Kjenaas, 1963). Não
dificuldades, bem como uma tendência a dar obstante, nem sempre as queixas são simples-
uma impressão favorável de si mesmo. Em con- mente funcionais, principalmente em idosos.
seqüência, qualquer interpretação sobre outros Mas, quando pode ser documentada uma
dados do perfil deve ser feita com muita cau- doença física, é possível reconhecer um forte
tela. componente psicológico, com exagero da sin-
F-K = -20 ou menos. Tal índice se associa tomatologia, sem que os sujeitos demonstrem
com extrema defensividade. Pode ser atribuí- insight sobre as implicações emocionais de suas
do “a fraude consciente ou a uma incapacida- queixas. Então, passam de médico a médico,
de das pessoas de admitirem qualquer inade- já que os problemas são duradouros, não se
quação pessoal” (Groth-Marnat, 1999, p.238). associando com estresse imediato (Vincent,
Este nível de escore pode sugerir negativismo, 1987). Entretanto, os sujeitos apresentam a
recusa em cooperar e pouco insight, sendo mau habilidade de frustrar os médicos, pois “solici-
o prognóstico para a psicoterapia. tam cuidado e atenção e, contudo, criticam e
rejeitam a ajuda que lhes é oferecida” (Groth-
Marnat, 1984, p.274). Conseqüentemente, pro-
ESCALAS CLÍNICAS cedimentos cirúrgicos, em casos de lombalgia,
com elevação na 1, envolvem um mau prog-
No desenvolvimento deste item, procuraremos nóstico. Por outro lado, psicoterapia com tais
dar uma idéia do conteúdo e da significação pacientes é um processo difícil. São pessoas
de cada escala clínica. Serão apresentadas tam- pessimistas, queixosas, inseguras, defensivas,
bém as descrições mais comuns de indivíduos imaturas, egocêntricas e manipuladoras.
que se caracterizam por escores baixos, mode- A escala 1 é considerada uma escala de sin-
rados ou altos. Convém salientar, porém, que toma, assim como a 2, a 7 e a 8 (Trimboli &
tais características podem vir a ser bastante Kilgore, 1983).
diferentes, quando interagem com outras es- A elevação da escala 1, muitas vezes, pode
calas, constituindo determinados padrões (ti- ser concomitante a elevações das escalas 2, 3
pos de códigos), que serão discutidos mais e 7, refletindo “graus correspondentes de de-
adiante. Por outro lado, a menos que haja re- pressão, conversão ou de estados de ansieda-
ferência explícita a adolescentes, as descrições de” (Groth-Marnat, 1999, p.240). Uma confi-
aplicam-se mais especificamente a adultos. guração típica é caracterizada pela elevação da
Eventualmente, serão sugeridas algumas hipó- 1 e da 3, acompanhada por baixa significante,
teses diagnósticas a serem consideradas no de 10 pontos ou mais, da escala D. Trata-se do
contexto clínico do caso em questão. “V conversivo”, que será analisado no item
sobre o código 13/31.
Escores altos. De um modo geral, aplicam-
Escala 1 (Hs) se as descrições referentes à significação clíni-
ca da escala 1, do início deste item, isto é, são
A escala 1 compreende basicamente queixas, indivíduos imaturos, autocentrados, lamurien-
preocupações e sintomas relacionados com a tos, queixosos, exigentes, pessimistas, teimo-
saúde corporal. Em casos típicos, essa série de sos, cínicos (DeMendonça, Elliot, Goldstein et
queixas persiste, mesmo na ausência de acha- alii, 1983), narcisisticamente egocêntricos e
dos médicos que as justifiquem, restringindo manipuladores (Groth-Marnat, 1999). Entre as
a extensão das atividades e relações interpes- últimas, registram-se queixas que envolvem o
soais do sujeito. Na realidade, queixas genuí- aparelho digestivo, de fadiga e cefaléia, mas
nas, sem complicações neuróticas, embora ele- raramente chegam a ser incapacitantes. Esco-
vem um pouco os escores, em comparação com res muito elevados relacionam-se com uma
os de sujeitos normais, não causam elevação variedade muito grande de sintomas. Isso pode
PSICODIAGNÓSTICO – V 463
QUADRO 31.4 Escala D-O (Depressão Óbvia) e escala D-S (Depressão Sutil)
Depressão óbvia Depressão sutil
Certo Certo
23 32 41 43 52 67 86 104 138 142 158 159 5 130 193
182 189 236 259 290
Errado Errado
2 8 9 18 36 46 51 57 88 95 107 122 30 39 58 64 80 89 98 145 155 160 191 208
131 152 153 154 178 207 242 270 271 272 285 233 241 248 263 296
Sexo masculino:* Sexo masculino:*
Média: 7,84 Desvio padrão: 4,43 Média: 10,36 Desvio padrão: 2,77
Sexo feminino: Sexo feminino:
Média: 9,64 Desvio padrão: 4,92 Média: 11,03 Desvio padrão: 2,71
*As escalas e os dados estatísticos são de Wiener & Harmon (1946), apud Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972, p.405.
nem sempre os dados do MMPI são adequa- trom & Welsh, 1962). Contudo, não significa
dos para o levantamento de uma hipótese diag- essencialmente um sinal de mau prognóstico.
nóstica, porque é necessário levar em conta Enquanto envolve um descontentamento “em
diversos aspectos do perfil para verificar a com- relação ao autoconceito pessoal e uma dispo-
patibilidade com um determinado transtorno. sição para mudar, ou tentar mudar, pode ser
Contudo, a relação entre a 2 e a 9 permite, um sinal prognosticamente promissor” (Marks
muitas vezes, a identificação de um estado & Seeman, 1963, p.51). Para melhor avaliar a
emocional que, embora transitório, pode ser motivação para mudar, é importante observar
motivo para uma internação ou constituir o se existem elevações moderadas da 2 e da 7,
foco de uma terapia. As regras do estado de- que subentendem a presença de uma orienta-
pressivo, apresentadas por Gilberstadt e Du- ção introspectiva, associada com tensão, a
ker (1965), são as seguintes: a) D entre 70 e consciência da problemática pessoal, que cons-
79, Ma < 40; b) D entre 80 e 89, Ma < 50; c) D tituem uma indicação para o êxito de uma psi-
> 100, Ma < 60. coterapia (Groth-Marnat, 1999).
Escores altos. Se os escores são mais mode- A elevação na escala e suas combinações
rados, pode-se tratar de uma resposta a uma com algumas outras escalas podem se asso-
crise situacional. Na realidade, é possível que ciar com comportamento auto-agressivo. A ele-
traços pessoais se acentuem frente aos proble- vação da 2 não se relaciona só com depressão,
mas, observando-se mais pessimismo, desam- mas é uma indicação de que as defesas contra
paro e desesperança, o que pode suscitar sen- a ansiedade não são suficientes (particularmen-
timentos de inadequação, com reflexos na área te com escores altos). Ao atingir o escore 80,
de trabalho e na vida em geral (Groth-Marnat, há um quadro de depressão clínica, podendo,
1999). À medida que os escores crescem, pa- a partir daí, estar presente um potencial suici-
recem maiores os problemas, aumentam as da, cujo risco é maior se há elevação de outras
dificuldades, tornando-se o sujeito sensível, ir- escalas, especialmente da 4 e da 9 (Trimboli &
ritável e, eventualmente, distraído, com refle- Kilgore, 1983) ou, segundo Groth-Marnat
xos nas relações interpessoais. “Seu sentimen- (1999), da 4, 7, 8 e/ou 9. Se isso ocorrer, reco-
to de desencorajamento pode resultar em re- menda-se uma avaliação nesse sentido, princi-
tardamento psicomotor, letargia e isolamen- palmente se tendências suicidas são confirma-
to” (p.242). Aumentam as queixas somáticas, das pelos itens críticos (ver adiante). Tal avalia-
podendo surgir idéias de morte ou de suicídio. ção se torna extremamente importante para
Implicações terapêuticas. É a elevação mais avaliar se, no caso, seria recomendável uma
freqüente na população psiquiátrica (Dahls- internação psiquiátrica.
PSICODIAGNÓSTICO – V 465
QUADRO 31.5 Subescalas Ad e Dn da escala 3
2 3 7 8 9 55 103 107 128 137 153 160 6 12 26 30 71 89 93 109 124 129 136 141
163 174 175 188 190 192 230 243 147 162 170 172 180 201 213 234 265 267 279
289 292
Sexo masculino:* Sexo masculino:*
Média: 4,91 Desvio padrão: 4,23 Média: 12,13 Desvio padrão: 4,52
Sexo feminino: Sexo feminino:
Média: 6,84 Desvio padrão: 4,91 Média: 12,45 Desvio padrão: 4,26
*As escalas e os dados estatísticos são de Little & Fischer (1958), apud Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972, p.408.
Hy-O – Histeria óbvia (32 itens) Hy-S – Histeria sutil (28 itens)
Certo Certo
Errado Errado
2 3 7 8 9 51 55 103 107 128 137 153 6 12 26 30 71 89 93 109 124 129 136 141 163
174 175 188 192 230 243 274 147 160 162 170
172 180 190 201 213 234 265 267 279 289 292
PSICODIAGNÓSTICO – V 467
trom, Welsh & Dahlstrom, 1972). Mas, se as to escolar, profissional, marital e envolvimen-
elevações da 4 e da 9 são apenas relativamen- to com álcool, drogas e Justiça.
te altas, tais tendências, embora presentes, são Implicações terapêuticas. Indivíduos com
canalizadas por meios e limites socialmente escores elevados na escala 4 aparentam ser
aceitáveis, enquanto, se a combinação é com bons candidatos à psicoterapia, porque geral-
a 2, o comportamento anti-social aparece de mente se mostram “fluentes, vigorosos e inte-
forma menos manifesta e disfarçada. Já sua ligentes”. Não obstante, “sua hostilidade sub-
elevação concomitante com a 8 ainda se asso- jacente, impulsividade e seus sentimentos de
cia com comportamento anti-social, porém, alienação eventualmente vêm à tona” (Groth-
num nível sugestivo de psicose (Groth-Marnat, Marnat, 1999, p.246). Isso ocorre tanto por não
1984; Groth-Marnat, 1999). assumirem as conseqüências de seus atos, ten-
Escores altos. Os sujeitos são descritos como tando projetar a culpa nos outros, por não se
levianos, rebeldes, ressentidos, impulsivos, comprometerem numa relação, como porque
autocentrados, agressivos, hostis, irresponsá- dificilmente aceitam a terapia voluntariamen-
veis, sociáveis (DeMendonça, Elliot, Goldstein te. Conseqüentemente, o término do tratamen-
et alii, 1984), hedonistas, anti-sociais (Butcher to é breve, a menos que apresentem algum
& Pancheri, apud Trimboli & Kilgore, 1983), ira- desconforto (vide escalas 2 e 7) e desejem
dos, impulsivos, alienados, alheios a leis e re- mudar. Intervenções terapêuticas breves, com
gulamentos, com dificuldade de planejamen- objetivos bem definidos de mudanças ou
to, superficiais em suas interações sociais, des- motivações externas (continuidade no empre-
leais, com descaso pelas conseqüências de seus go, por exemplo) podem ser mais eficazes.
atos e dificuldade de aprender com a experiên- Escores baixos. Os sujeitos são descritos
cia, mesmo em psicoterapia (Groth-Marnat, como convencionais e rígidos (DeMendonça,
1984). Se confrontados com as conseqüências Elliot, Goldstein et alii, 1984), submissos, com-
dos seus atos, podem apresentar remorso ge- placentes, conformistas, bonachões, alegres,
nuíno, mas de curta duração (Groth-Marnat, confiáveis, despretensiosos (Dahlstrom, Welsh
1999). Suas características negativas geralmen- & Dahlstrom, 1972). Se confrontados com as
te se tornam manifestas em períodos de es- conseqüências dos seus atos, podem apresen-
tresse, já que, inicialmente, causam boa impres- tar remorso genuíno, mas de curta duração
são. Da mesma forma, embora aparentemen- (Groth-Marnat, 1999). Apesar disso, parece
te livres de conflitos e de ansiedade, os demons- haver uma diferença entre homens e mulhe-
tram numa situação de dificuldade mais séria. res, possivelmente sendo estas mais coopera-
Muitas vezes, têm histórias de mau ajustamen- doras e agradáveis.
Errado Errado
8 20 37 91 107 137 287 294 82 96 134 141 155 170 171 173 180 183 201 231
235 237 248 267 289 296
Sexo masculino:* Sexo masculino:*
Média: 5,88 Desvio padrão: 3,62 Média: 8,89 Desvio padrão: 2,51
Sexo feminino: Sexo feminino:
Média: 5,30 Desvio padrão: 3,48 Média: 8,68 Desvio padrão: 2,41
*As escalas e os dados estatísticos são de Wiener & Harmon (1946), apud Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972, p.409.
PSICODIAGNÓSTICO – V 469
Níveis de escore para o sexo masculino dos são mais freqüentes no nível socioeconô-
mico baixo, de instrução baixa ou média-infe-
Escores altos. Os sujeitos são descritos como rior, sendo sujeitos com interesses práticos e
espertos, curiosos, espalhafatosos, idealistas, pragmáticos e com capacidade para apresen-
submissos, preocupados, sensíveis, efemina- tar um comportamento dogmático.
dos, imaginativos, inteligentes (DeMendonça,
Elliot, Goldstein et alii, 1984), pacíficos, sociá-
veis (Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972), Níveis de escore para o sexo feminino
passivos, com interesses artísticos, muitas ve-
zes, com conflito relacionado com a identida- Escores altos. Uma vez que, na escala 5, para
de sexual, com possíveis tendências homosse- as mulheres, os escores são atribuídos em di-
xuais ou história de problemas matrimoniais. reção oposta do que para os homens, as mu-
Às vezes, observa-se o desenvolvimento de “for- lheres, neste nível de escore, são descritas como
mação reativa contra a passividade, em que “agressivas, dominantes, desconfiadas, hostis”
pode se manifestar uma expressão exagerada (DeMendonça, Elliot, Goldstein et alii, 1984,
de masculinidade, como no escore 5 baixo” p.484), confiantes, espontâneas, desinibidas,
(Groth-Marnat, 1999, p.249). com atividades e ocupações tradicionalmente
Porém, os indivíduos com elevação mode- masculinas, desconformes com estereótipos
rada caraterizam-se por possuírem interesses femininos, “desconfortáveis em muitas situa-
estéticos, artísticos e literários, sendo um es- ções heterossexuais” (Groth-Marnat, 1999,
core freqüente entre estudantes de college. São p.250), quando a expectativa é de que se colo-
pessoas sensíveis, introspectivas, imaginativas, quem num papel feminino (Vincent, 1987). Em
psicologicamente sofisticadas, idealistas, com comparação com as mulheres de escore baixo,
amplo campo de interesses e facilidade de co- apresentam melhores condições de saúde (Gro-
municação. th-Marnat, 1999).
Implicações terapêuticas. Homens com es- Implicações terapêuticas. As mulheres com
cores moderadamente elevados são bons can- escores altos podem demonstrar problemas
didatos à psicoterapia, e é importante frisar que para se ajustar a um programa psicoterápico
a elevação na 5 diminui a probabilidade de atu- mais tradicional, por não valorizarem a intros-
ação de aspectos patológicos. Não obstante, peção e o insight, bem como terem dificulda-
crescendo os escores, podem surgir questões des para expressar verbalmente problemas e
importantes, associadas com traços passivos, emoções, em contraste com as que têm esco-
dependentes, bem como dificuldades de lidar res baixos, exceto quando têm escassa educa-
com agressão e de se relacionar com o sexo ção formal.
oposto. Por outro lado, o homem com escores Escores baixos. Atualmente, sabe-se que os
baixos terá dificuldade de se ajustar a um pro- descritores de mulheres com escores baixos se
grama psicoterápico, pela série de dificulda- diferenciam conforme o nível de escolaridade.
des que o distinguem (Groth-Marnat, 1999). Por exemplo, a mulher com uma escolaridade
Escores baixos. Os sujeitos podem ser des- equivalente ao college é descrita como “terna,
critos como afoitos, à vontade, masculinos, emotiva, tendo uma visão equilibrada sobre o
grosseiros (DeMendonça, Elliot, Goldstein et comportamento típico do papel feminino”.
alii, 1984), práticos, alegres, autoconfiantes, Demonstra interesses estéticos e assume pa-
equilibrados, independentes (conforme Hatha- péis femininos tradicionais, mostrando-se “ca-
way & Meehl, apud Wong, 1984), narcisistas, paz, competente e conscienciosa” (Groth-Mar-
com interesses estreitos, pouco insight e ênfa- nat, 1999, p.250), enquanto as que têm baixo
se “em expressões tradicionais de masculini- nível de instrução podem ser descritas como
dade” no comportamento manifesto (Groth- “caricaturas do papel feminino tradicional”,
Marnat, 1984, p.281). Conforme Trimboli e Kil- tendo probabilidade de serem “modestas, pas-
gore (1984), os escores de baixos a modera- sivas, constritas e submissas”, mas também
PSICODIAGNÓSTICO – V 471
QUADRO 31.8 Subescalas Pa-O e Pa-S da escala 6
Pa-O – Paranóia óbvia (23 itens) Pa-S – Paranóia sutil (17 itens)
Certo Certo
16 24 27 35 110 121 123 151 158 202 275 284 15 127 157 299 365
291 293 305 317 326 338 341 364
Errado Errado
281 294 347 93 107 109 111 117 124 268 313 316 319 327 348
Sexo masculino:* Sexo masculino:*
Média: 2,68 Desvio padrão: 2,88 Média: 6,05 Desvio padrão: 2,33
Sexo feminino: Sexo feminino:
Média: 2,87 Desvio padrão: 2,48 Média: 5,54 Desvio padrão: 2,13
*As escalas e os dados estatísticos são de Wiener & Harmon (1946), apud Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972, p.412.
elevações no perfil, bem como o esclarecimen- do sujeito, sua dificuldade de lidar com temas
to, junto ao paciente, do motivo para o assina- afetivos, escasso insight e tendência a projetar
lamento de certas respostas. É possível que se nos outros a culpa. Dificilmente o paciente re-
trate de “uma pessoa paranóide, que é cismá- torna após a primeira sessão, exceto quando
tica e suspeitosa, rumina com rancor e sente sente que foi realmente entendido. Mas, mes-
que não conseguiu da vida a melhor fatia” (Gro- mo assim, tentará manipular a situação, man-
th-Marnat, 1984, p.284). Com escores muito tendo-se em tratamento com dificuldade, em
altos, pode-se registrar desorganização do pen- vista de suas características pessoais. Caso se
samento, idéias de referência, pensamento mostre por demais ressentido, é preciso ava-
delirante, além de obsessões, compulsões e liar o potencial de sua heteroagressão (Groth-
fobias. A suspeição é acentuada, e as pessoas Marnat, 1999).
podem ser descritas como rígidas, irritadas, Escores baixos. Os sujeitos são descritos
ressentidas, vingativas e cismáticas (Groth- como confiáveis e alegres (DeMendonça, Elli-
Marnat, 1999). ot, Goldstein et alii, 1984). Já Dahlstrom e co-
Escores moderados associam-se com maior legas (1972), com base em alguns estudos, re-
probabilidade de tendências psicóticas, mas ferem o termo equilibrado como a caracterís-
ainda é possível haver suscetibilidade e senti- tica mais comum para ambos os sexos. Os ho-
mentos de os sujeitos se acharem de alguma mens são alegres, decididos, mas, constante-
forma prejudicados, com possibilidade de su- mente, descrentes de si mesmos, sem escrú-
gerir suspeição, ressentimento, com base real pulos, pacíficos, autocentrados, cautelosos e
ou imaginária. Os sujeitos projetam a culpa e a com interesses estreitos. As mulheres são con-
hostilidade, expressando os conteúdos agres- vencionais, sérias, maduras, pacíficas, razoá-
sivos de formas indiretas, que envolvem ou- veis, confiáveis ou, ainda, de ajustamento rá-
tras pessoas, enquanto assumem uma atitude pido, firmes, à vontade com os outros, mas não
aparentemente intrapunitiva (Groth-Marnat, confiáveis. Nota-se, pois, que as característi-
1999). cas das pessoas deste nível são muito variá-
Implicações terapêuticas. Uma vez que es- veis, quando não contraditórias. Groth-Marnat
cores muito elevados comumente ocorrem (1984) assinala, então, a importância de dis-
quando está presente um processo psicótico cernir pessoas normais das pessoas paranói-
(a ser confirmado por outros subsídios), é im- des, que conseguem ocultar as manifestações
portante avaliar a possibilidade de o paciente mais flagrantes de patologia. Na realidade,
necessitar medicação. Além disso, as condições estas devem compartilhar das características
para psicoterapia não são boas, dada a rigidez dos escores altos, no que se refere à suscetibi-
PSICODIAGNÓSTICO – V 473
ser indicados, inclusive, em certos casos, com zarros e inusitados e, muito comumente, pela
o uso de medicamentos. Notam-se dificulda- qualidade específica do afeto, enquanto ou-
des no desenvolvimento da terapia de insight, tros, por sua inacessibilidade. Assim, é consi-
em virtude de tendência à intelectualização e derada uma escala fraca, apesar de ser a mais
ruminação, que interferem no processo, em numerosa, pelos itens que inclui e pelo tempo
especial, na adoção de uma atitude voltada devotado a seu desenvolvimento, porque a sin-
para a solução de problemas. Assim, muitas tomatologia é muito heterogênea e complexa
vezes, devem ser considerados outros tipos de para ser avaliada por uma medida escalar. Não
intervenção. Observa-se que, entre pessoas que obstante a melhora operacional obtida com a
procuram terapia, são raros os casos com es- correção K, é preciso muita cautela no diag-
cores baixos na escala 7 (Groth-Marnat, 1999). nóstico, mesmo ante a presença de elevações
Escores baixos. Os indivíduos são descritos importantes.
como autoconfiantes, calmos, capazes, relaxa- Classificada como uma escala de sintoma,
dos e eficientes (DeMendonça, Elliot, Goldstein reflete distorções da realidade (Trimboli & Kil-
et alii, 1984). Em pesquisa citada por Dahls- gore, 1983) ou pensamento confuso, esquizói-
trom e colegas (1972), os homens são equili- de e bizarro (Gilberstadt & Duker, 1965). Além
brados, controlados, independentes e, ainda, disso, inclui temas relacionados com alienação
são descritos como eficientes, capazes, orga- social (e familiar), sentimento de perseguição,
nizados, adaptáveis, polidos, embora tímidos ausência de interesses profundos, dificuldades
e cautelosos. de concentração e de controle, dificuldades na
Tanto homens como mulheres têm menor área sexual, sensações peculiares, medos, preo-
probabilidade de serem críticos e, em geral, têm cupações, etc. Em conseqüência, têm havido
poucos temores. Apesar de as mulheres não numerosos estudos introduzindo refinamentos
costumarem parecer “nervosas”, apresentam para medir aspectos sintomatológicos especí-
tendência a terem pesadelos e se preocupam ficos ou para facilitar o diagnóstico diferencial.
com pequenas coisas. Já em 1965, Harris e Lingoes (apud Dahlstrom,
Welsh & Dahlstrom, 1972) identificaram três
conjuntos de itens, a partir da escala 8: a) a
Escala 8 (Sc) escala de perda do objeto (com a subescala de
alienação social e a de alienação emocional);
O desenvolvimento da escala 8, construída para b) de ausência de domínio do ego (com as su-
diferenciar sujeitos esquizofrênicos de normais, bescalas de funcionamento cognitivo, de fun-
não foi fácil, em parte, pela heterogeneidade cionamento conativo e de defeito de inibição
da própria sintomatologia e por abranger ca- e controle); c) uma escala que compreendeu a
racterísticas contrastantes e, em parte, pela dissociação sensório-motora ou experiências
contaminação com outros quadros que as pri- sensoriais bizarras.
meiras escalas refletiam. Na situação atual, a De um modo geral, as elevações associam-
questão coloca-se de forma mais complexa, se com dificuldades nas interações sociais, afas-
porque, embora esquizofrenia ainda seja uma tamento das mesmas, até a alienação, com uma
classificação utilizada largamente, em certos ênfase na fantasia interior. Há dificuldades de
ambientes psiquiátricos, em outros, os crité- comunicação, que se relacionam com proble-
rios são usados de forma mais precisa, e trans- mas de concentração e de pensamento, che-
tornos que antes se enquadravam na catego- gando ao comprometimento dos processos de
ria esquizofrênica, como o transtorno esqui- pensamento. Os sujeitos não se sentem com-
zotípico e borderline, agora passaram a ser preendidos e enfrentam importantes questões,
abrangidos pelos transtornos de personalida- que têm que ver com valor pessoal e auto-iden-
de (Vincent, 1987). De qualquer modo, a esca- tidade.
la identifica indivíduos que se caracterizam pela Idade, nível de instrução e outras variáveis
presença de idéias e de comportamentos bi- podem contribuir para a determinação do ní-
PSICODIAGNÓSTICO – V 475
za, uma vez que o prejuízo acentuado que en- plosões agressivas” (p.661-617). Porém, quan-
volve (Gaviria & Flaherty, 1990) compromete a do os dados do MMPI não se prestam para
testagem. Assim, quando o paciente melhora, caracterizar determinadas síndromes ou “cons-
a elevação da escala não é tão pronunciada. tructos diagnósticos”, segundo Gilberstadt e
Conseqüentemente, uma elevação moderada Duker (1965), ainda é possível identificar o es-
não exclui aquela possibilidade diagnóstica. tado maníaco, a partir das seguintes regras: a)
Por outro lado, é preciso levar em conta a Ma > 70; b) D < 55.
natureza transitória do estado hipomaníaco. Os itens da escala 9 envolvem sentimentos
As flutuações do humor e, naturalmente, o ní- de grandiosidade, grau de excitação e nível de
vel de energia são fatores que influem na tes- atividade, abrangendo sintomas do estado hi-
tagem. Uma vez que a escala reflete o nível de pomaníaco e, também, questões morais, inte-
energia, tende a se elevar entre jovens, enquan- rações sociais e familiares, bem como temas
to há uma baixa, entre idosos. Além disso, exa- somáticos.
tamente por tal razão, muitas vezes se encon- A discriminação dos itens das subescalas
tram elevações entre sujeitos não-psiquiátricos, Ma-O e Ma-S é apresentada no Quadro 31.9.
que se caracterizam pelo grau de energia que É importante, também, considerar combi-
demonstram e que se reflete em característi- nações com a escala 9.
cas de personalidade. Não obstante, as eleva- Sua combinação com a escala 2 pode ocor-
ções na escala 9, segundo McKinley e Hatha- rer em determinados quadros nosológicos,
way (1980), citados por Trimboli e Kilgore como lesões orgânico-cerebrais, ou em ado-
(1983), dependendo do perfil, podem ser en- lescentes perturbados e que enfrentam proble-
contradas na “personalidade psicopática”, na mas relacionados com identidade, mas, em
forma agitada de depressão, em síndromes geral, se associa com um estado agitado, em
orgânico-cerebrais, bem como em estados hi- que a pessoa está tentando manejar defensi-
pomaníacos. Conforme a experiência desses vamente impulsos hostis (Groth-Marnat, 1999).
autores, mesmo elevações moderadas tendem Também muitas vezes se combina com K. A ele-
a se associar com superatividade ineficaz, uti- vação simultânea de 9 e K (com a 2 e a 7 bai-
lização de negação como defesa e autoconcei- xas) se encontra numa personalidade autocrá-
to grandioso, além de tais sujeitos demonstra- tica, que procura compulsivamente exercer li-
rem “nítidas dificuldades nas áreas de contro- derança.
le dos impulsos, tolerância à frustração e re- Já a elevação de 9 com um K baixo se asso-
gulação afetiva, muitas vezes, com uma pro- cia com competitividade, narcisismo e medo
pensão para episódios de irritabilidade e ex- do sujeito de se sentir submisso ou dependen-
Certo Certo
13 22 59 73 97 100 156 157 167 194 212 226 11 21 64 109 127 134 181 222 228 232 233 240
238 250 251 263 266 277 279 298 268 171
Errado Errado
111 119 120 101 105 148 166 171 180 267 289
Sexo masculino:* Sexo masculino:*
Média: 5,88 Desvio padrão: 2,92 Média: 9,27 Desvio padrão: 2,60
Sexo feminino: Sexo feminino:
Média: 5,22 Desvio padrão: 3,02 Média: 9,04 Desvio padrão: 2,55
*As escalas e os dados estatísticos são de Wiener & Harmon (1946), apud Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972, p.415.
PSICODIAGNÓSTICO – V 477
escalas capazes de refletir mecanismos de de- to pelas elevações de outras escalas”, enquan-
fesa caracteristicamente utilizados (Trimboli & to um escore elevado “sugere uma exageração
Kilgore, 1984), em geral não é incluída como das dificuldades indicadas pelas outras esca-
uma escala clínica, num sentido estrito, sendo las” (Groth-Marnat, 1999, p.260). É necessário
qualificada como mais útil em ambientes não observar, especialmente, se a elevação da es-
hospitalares, tais como serviços de aconselha- cala 0 se acompanha por alta das escalas 2 e 8,
mento e orientação (Hathaway & McKinley, configuração que pode pressupor alienação
1951). Dessa maneira, foi excluída de conside- social, retraimento, autocrítica e pensamentos
rável número de estudos e pesquisas, de modo inusitados, com apoio social inadequado. To-
que não se tem uma apreciação de sua ocor- davia, é preciso considerar que, se um aumen-
rência em várias populações, nem dados em- to na escala 0, por um lado, se associa com um
píricos substanciais sobre seus correlatos de incremento de dificuldades pessoais, por ou-
personalidade importantes. tro lado, diminui a possibilidade de atuação,
Os itens envolvem a “falta de comodidade especialmente se tal dado foi corroborado pe-
da pessoa em situações sociais e ao lidar com los escores das escalas 2 e 5 (elevados, para o
os outros”, sensibilidade, sentimentos de inse- masculino, e baixos, para o sexo feminino). Por
gurança e preocupações (Dahlstrom, Welsh & tal razão, as escalas 0 e 5 são freqüentemente
Dahlstrom, 1972, p.225). classificadas como escalas inibitórias (Groth-
Portanto, de um modo geral, a elevação na Marnat, 1999).
escala 0 se associa com desconforto nas situa- Escores altos. As dificuldades característi-
ções sociais. Os sujeitos com tal elevação, se- cas de pessoas com escores altos na Si podem
gundo Trimboli & Kilgore (1983), podem até ser resumidas em presença de sentimentos de
parecer sensíveis, porém, são frios e distantes, desconforto no relacionamento social e escas-
evitando enfrentar determinadas situações, sas habilidades sociais. Tais pessoas podem ser
“seja fazendo concessões ou, passivamente, descritas como socialmente apagadas, caren-
resistindo a pressões através do não-envolvi- tes de autoconfiança e tímidas, podendo ser
mento”. Conforme tais autores, quando o es- percebidas como distantes, frias e rígidas. Es-
core é alto (T ao redor de 70), os indivíduos, de sas características são tanto mais evidentes
um ponto de vista dinâmico, “parecem lidar com quanto mais elevados forem os escores, po-
sua vida interna e com as dificuldades externas, dendo-se observar retraimento, insegurança,
através de evitação e retraimento, que podem suscetibilidade à opinião alheia, especialmen-
ser acompanhados de suspeição” (p.617). te quando a pessoa não dispõe de uma rede
Pode-se dizer que a escala 0, como a escala de apoio social, que a auxilie em relação a seus
5, em sentido estrito, não é uma escala clínica. problemas. Já se os escores forem moderados,
Apenas, deve ser considerada pela tonalidade as características também serão moderadas,
que empresta aos subsídios oferecidos pelo sendo os sujeitos descritos como supercontro-
restante do perfil. Portanto, este deve ser ana- lados, sérios, cautelosos, conservadores, etc.
lisado de forma independente, para, depois, (Groth-Marnat, 1999).
se levar em conta as implicações resultantes Implicações terapêuticas. Segundo Groth-
do nível de elevação da escala 0 e da 5. Pode- Marnat (1999), a elevação relativa da escala 0
se dizer que a escala 0 fornece informações pode fornecer uma indicação extremamente
sobre “quão confortáveis as pessoas estão em útil no planejamento terapêutico, porque cons-
suas interações, sobre seu grau de envolvimen- titui “um indicador do grau de conforto social,
to manifesto com os outros, sobre a eficácia da inibição e do controle do indivíduo nos re-
de suas habilidades sociais e a probabilidade lacionamentos”, podendo se pressupor “o grau
de que tenham um sistema de apoio social bem em que a pessoa é capaz de ficar envolvida em
desenvolvido”. Portanto, um escore baixo, na relações interpessoais” (p.261).
escala 0, apresentará um efeito de “redução Em razão de seus problemas específicos,
do grau de patologia, que possa estar implíci- tanto pacientes com escores altos como aque-
PSICODIAGNÓSTICO – V 479
Códigos de dois pontos e outras
abordagens do MMPI
Jurema Alcides Cunha
32
N o desenvolvimento deste capítulo, serão
consideradas as combinações das eleva-
ções de duas escalas. Serão apresentados os
referências somente podem ser utilizadas de
forma muito criteriosa, e, sob um ponto de vista
psicopatológico, “as descrições mais extrema-
códigos de dois pontos, cuja ocorrência é fre- das devem ser consideravelmente modificadas
qüente, têm relevância clínica e sobre os quais ou, até, excluídas” (Groth-Marnat, 1999,
existem subsídios adequados na literatura. Por- p.262).
tanto, certos códigos deste tipo não serão in- Ainda, é importante observar que a inter-
cluídos, por falta de referencial adequado. pretação se aplica às duas escalas mais altas,
Embora, na literatura específica, algumas com elevações mais ou menos similares. As-
vezes sejam apresentados códigos de três ou sim, não importa a ordem com que se apre-
quatro pontos, aqui serão fornecidas apenas sentam no perfil individual. Por exemplo, a in-
descrições relativas às duas elevações mais al- terpretação do código 12 é a mesma do códi-
tas, fazendo-se alguma menção a elevações go 21, a menos que haja uma diferença de 10
subsidiárias, quando isso parecer pertinente. ou mais pontos do escore T entre as escalas.
Não obstante, às vezes, quatro escalas apre- Nesse caso, os dados devem procurar ser inte-
sentam elevações aproximadamente similares, grados, considerando as características asso-
como 2468. Neste caso, é preciso consultar os ciadas à escala predominante, que deve ser
códigos, 24, 26, 28, 46 e 48 e o código 68, mais enfatizada na interpretação.
procurando integrar os dados da maneira mais Por outro lado, a menos que expressamen-
acurada possível, isto é, dando mais ênfase às te especificado, as interpretações são pertinen-
implicações do código mais elevado e às ca- tes a pacientes adultos e não a adolescentes.
racterísticas descritivas comuns entre os vários Não obstante, nem todas as hipóteses são ade-
códigos. quadas a um caso individual. É necessário con-
A interpretação dos códigos de dois pon- siderá-las em função da história do paciente e
tos aplica-se a casos clínicos, em que as eleva- de outras fontes de informação disponíveis.
ções características se elevam ou ultrapassam Os códigos de dois pontos são particular-
um T = 70, e as características visam à descri- mente úteis para o desenvolvimento de hipó-
ção da psicopatologia. Deste modo, se as ele- teses interpretativas, recomendando-se, po-
vações se situarem numa área moderada (T = rém, que sejam continuamente consideradas
65 a 70), conforme Groth-Marnat (1984), as as significações específicas de cada escala, in-
PSICODIAGNÓSTICO – V 481
mum com a escala 9, mantém-se a sintoma- dade emocional, na realidade este padrão en-
tologia do padrão 12, que é manejada pela volve uma negação da possibilidade de pertur-
negação, observando-se aspectos hipomanía- bações mentais (Dahlstrom, Welsh & Dahls-
cos. trom, 1972). Mas tais pacientes, sob estresse,
Em termos de personalidade, os sujeitos demonstram um incremento de dificuldades
mostram-se introvertidos, passivos e depen- somáticas.
dentes das pessoas, em relação às quais se res- De um modo geral, pacientes com esse có-
sentem, por se sentirem carentes em suas ne- digo caracterizam-se por queixas de dor crôni-
cessidades de afeto. Conseqüentemente, nas ca, não tratável, que se acentua com o decor-
interações, não só tentam manipular os outros rer do tempo. Suas dificuldades físicas “se tor-
para atender suas exigências de afeto, aten- nam recrutadas a serviço de conflitos psicoló-
ção e apoio, mas também para a obtenção de gicos”, e, à medida que tal adaptação vai se
ganhos secundários, para eles justificáveis em cristalizando, maior parece ser a discrepância
função de suas queixas e sintomas. entre as escalas 1 e 3, que se elevam, e a escala
Implicações terapêuticas. Os sujeitos com 2, que baixa (Trimboli & Kilgore, 1983, p.620),
este código não são bons candidatos à psico- “aumentando a possibilidade de um transtor-
terapia, principalmente, orientada para o insi- no conversivo” (Groth-Marnat, 1984, p.294),
ght, em virtude de não admitirem, nem de lon- com escassa manifestação de ansiedade, que
ge, que sua problemática possa pressupor qual- se converte em sintomas funcionais (confirmar
quer explicação psicológica. Além disso, em a ausência de elevação das escalas 2 e 7). Já
vista de suas necessidades de dependência, é quando a 2 e a 7 estão elevadas, isso significa
quase inviável aceitarem se comprometer em que a repressão não está sendo eficaz para o
assumir a responsabilidade por seu comporta- manejo dos conflitos, verificando-se sintomas
mento pessoal. Por outro lado, como tendem de depressão e ansiedade. Porém, principal-
a somatizar a ansiedade, estão pouco moti- mente entre pacientes de mais idade, pode
vados para mudança, já que aprendem a to- haver documentação física para alguns proble-
lerar o desconforto. Na realidade, o que de- mas (Vincent, 1987), ainda que com forte com-
sejam é atendimento médico (Groth-Marnat, ponente psicológico. Pesquisas de Lair e Tratt,
1999). de 1962, e de Caldwell e Chase, de 1977, cita-
dos por Levitt e Garron (1982), mostraram que
doenças orgânicas podem elevar as escalas
13/31 1 e 3 e, também, a 2, acima dos escores mé-
dios, inclusive em casos de lombalgia. Esses
Sintomas, comportamentos e características da autores também referem resultados de pes-
personalidade. O padrão 13/31, com elevações quisa mais recente, em que foi apurado que
características das escalas Hs e Hy, em relação tais elevações também podem ocorrer com a
à escala D (com diferença de 10 pontos ou crescente duração da dor, da mesma forma
mais), é a combinação mais comum entre pa- que quando há compensação financeira, por
cientes psiquiátricos e é freqüentemente refe- ganho secundário.
rida como “vale conversivo”, “V conversivo” ou, O V conversivo tornou-se, numa época,
ainda, como “V psicossomático”. muito usado como critério para diferenciar a
Não obstante, é interessante notar que, lombalgia funcional da lombalgia orgânica,
muitas vezes, o tipo 13/31 é compatível com sendo desenvolvida a subescala Lb (Hanvick,
uma elevação em nível moderado ou normal, 1963). Entretanto, a partir de estudos poste-
abrangendo seletivamente itens somáticos, riores, observou-se que, embora entre tais pa-
combinados com negação da ansiedade, sem cientes seja comum o perfil sugestivo de “neu-
elevação na 2 e na 7. Ainda que exista certa rose de conversão” (Elkins & Barrett, 1984),
contradição psicológica na concomitância da indicando a presença de distúrbio psicológico,
admissão de sintomas e protesto de estabili- mas não necessariamente conversivo (Leavitt
PSICODIAGNÓSTICO – V 483
com a hipótese de história de comportamento temperadas pelas conotações da escala 8, re-
aditivo, associado ao uso ou abuso de subs- presentadas por confusão mental, desorienta-
tâncias, com possíveis problemas de ajusta- ção e pouca concentração. Desta combinação,
mento ao trabalho e nas interações sociais. resultam crenças de caráter delirante sobre os
Não obstante, é necessário examinar a ele- sintomas físicos. Por outro lado, há uma mar-
vação relativa das duas escalas, para estabele- ca de alienação e de distanciamento nas rela-
cer o diagnóstico diferencial. Quando predo- ções pessoais, uma vez que há sentimentos de
mina a escala 1 (possivelmente acompanhada hostilidade que não são expressos, pois, no
de escores altos na 2 e/ou na 3), o quadro clí- caso de o serem, isso ocorre de forma inapro-
nico caracteriza-se especialmente por traços priada e belicosa. Dessa maneira, há escassa
neuróticos (como transtornos de ansiedade, confiança, e a desconfiança dos outros pode
transtorno somatoforme, dissociativo e distí- levar ao rompimento de relações. Isso vale di-
mico). Por outro lado, se a elevação mais acen- zer que pode existir um tipo de ideação para-
tuada ocorre na escala 4, é possível a presença nóide, que pode se refletir (ainda que não ne-
de algum transtorno de personalidade, sendo cessariamente) numa elevação adicional da
mais freqüente a hipótese de personalidade escala 6.
anti-social (Groth-Marnat, 1999). Outras elevações concomitantes, que cos-
Características que chamam a atenção são tumam se apresentar com este código, são da
o comportamento atuador e o comprometi- 2, 3 e 7, acrescentando novas dimensões à
mento na função do juízo, que se refletem prin- interpretação, como um toque de pessimis-
cipalmente nas interações com os demais. O mo pelo efeito da 2, de temores e ansieda-
sujeito utiliza manobras manipulativas, embo- des expressos pela 7 e de aspectos conversi-
ra raramente seja anti-social por demais. Tem vos ou de delírios somáticos, sugeridos pela
má adaptação no trabalho e ao sexo oposto. elevação da 3.
Apresenta problemas em relação a regras e li- O diagnóstico mais freqüentemente encon-
mites, que transparecem por uma atitude de trado é o de esquizofrenia, quando há eleva-
rebeldia no lar. Entretanto, uma vez que é ca- ção também da escala F. Porém, se esta escala
paz de controlar os impulsos, tal rebeldia não se encontra dentro dos limites normais, uma
se expressa diretamente, mas, sim, mostran- hipótese provável é de hipocondria, ou, se há
do-se amargo, ressentido, insatisfeito e exi- elevação também da 7, é importante conside-
gente. rar a possibilidade de um transtorno de ansie-
Implicações terapêuticas. Dadas as carac- dade.
terísticas, as pessoas com este código demons- Em nível de personalidade, será provavel-
tram resistência no contexto terapêutico e di- mente possível confirmar, pela história clínica,
ficuldade de se manterem num processo de que os problemas são de longa duração.
tratamento longo, sendo pouco assíduas, ten- Implicações terapêuticas. Com essas ca-
sas, com manifestações de hostilidade e res- racterísticas de personalidade, esses sujeitos
sentimento contra o terapeuta. Não obstante, têm más condições de se envolver ativamen-
pode haver êxito através de intervenções tera- te, num processo terapêutico, mesmo por-
pêuticas breves, com foco específico na sinto- que carecem do necessário insight (Groth-
matologia (Groth-Marnat, 1999). Marnat, 1999).
18/81 19/91
PSICODIAGNÓSTICO – V 485
melhoram durante um processo terapêutico, O abuso de álcool e drogas, bastante co-
que se baseia no insight, porque contraria seu mum, poderia se associar com sua depressão,
estilo de vida. Porém, conseguem se beneficiar como uma forma de automedicação (Groth-
de uma terapia de apoio. Por outro lado, como Marnat, 1999). Aliás, em um estudo, este có-
fazem também uso de somatização, para lidar digo se relacionou com o nível mais alto de
com alguns conflitos, tendem a aceitar “solu- uso do álcool (Vincent, 1987), e outras pesqui-
ções” médicas, usando tranqüilizantes e medi- sas registraram a presença da 2 e da 4 entre as
camentos para a dor. Em muitos casos, entre- maiores elevações do perfil, em alcoolistas (Bar-
tanto, são recomendados antidepressivos (Gro- nes, 1979).
th-Marnat, 1999). A hostilidade (que pode ser expressa direta
ou indiretamente) pressuposta pelo código 24/
42 deve ser considerada em relação às escalas
24/42 6 e 9. A elevação concomitante da 6 sugere
que os impulsos hostis podem ser expressos
Sintomas, comportamentos e características da de forma direta contra pessoas. Ao contrário,
personalidade. Este código é encontrado em quando a 6 é baixa, “pode refletir a supressão
pacientes com tendências anti-sociais e insta- ou negação inconsciente da hostilidade” (Gro-
bilidade emocional. Sua dificuldade de controle th-Marnat, 1999, p.270). Já a combinação com
dos impulsos os leva à atuação, com subse- a elevação da escala 9 pode se associar a com-
qüente depressão e culpa, mas que parecem portamento violento.
ter mais um sentido situacional face às conse- O código 24/42 é encontrado mais comu-
qüências de seus atos, do que constituir um mente em pacientes com transtorno de perso-
efeito da ação coercitiva do superego. Embora nalidade, especialmente passivo-agressiva e
tais elevações teoricamente possam se asso- anti-social, mais provável ainda se há uma ele-
ciar com incremento do risco de suicídio, se a vação concomitante da escala 6. Outra alter-
escala D se eleva a um T = 80 ou mais (Trimbo- nativa diagnóstica seria transtorno de ajusta-
li & Kilgore, 1984), este não constitui o padrão mento, com humor depressivo.
predominante nos grupos de pacientes que Parece importante, também, procurar dis-
Farberow (1963) utilizou para estudo do com- cernir se a depressão é crônica ou reativa. A
portamento suicida. Suas tentativas de suicí- depressão crônica associa-se com aspectos
dio, então, teriam um caráter manipulativo neuróticos e fica evidenciada pela presença da
(Vincent, 1987), ainda que, no caso de eleva- “tríade neurótica” (1, 2 e 3 elevações). A de-
ção extremada das escalas, associada com fun- pressão reativa é mais típica da personalidade
cionamento psicótico ou pré-psicótico, o sui- anti-social.
cídio possa ser considerado um risco sério Quando, no código 24/42, a escala 4 ultra-
(Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom, 1972). passa um T = 90, a hipótese de funcionamen-
As dificuldades desses pacientes preverem to pré-psicótico ou psicótico deve ser conside-
as conseqüências de seus atos os levam a no- rada, principalmente se estão presentes eleva-
vas atuações. Desta maneira, “embora essas ções da F e da 8.
pessoas possam prometer mudar, e sua culpa À primeira vista, são personalidades que
seja geralmente autêntica, suas atuações são parecem amistosas e sociáveis. Com o passar
resistentes à mudança” (Groth-Marnat, 1984, do tempo, em ambiente clínico, tentam mani-
p.297). Conseqüentemente, têm problemas em pular a equipe. Socialmente, suas atitudes ten-
sua vida familiar, acadêmica, profissional, che- dem a provocar ressentimento. Da mesma for-
gando a envolvimentos com a Justiça. Já Vin- ma, ainda que possam parecer competentes,
cent (1987) não acredita que esses sujeitos se- sentem-se insatisfeitas, pessimistas e autocrí-
jam sinceros em sua culpa e remorso, a não ticas. Procurando manejar tais sentimentos,
ser quando estes se relacionam com sua frus- “muitas vezes desenvolvem relação passivo-
tração. dependente” (Groth-Marnat, 1999, p.270).
26/62 27/72
PSICODIAGNÓSTICO – V 487
ansiedade” (Vincent, 1987, p.125). Dessa ma- quados e inseguros. Muitas vezes, apresentam,
neira, “as escalas 2 e 7 refletem o grau relativo também, medos e fobias.
de perturbação subjetiva que a pessoa está Implicações terapêuticas. Ainda que não
experienciando, e, portanto, são muitas vezes considerem com confiança nem a perspectiva
referidas como ‘escalas de aflição’ ” (Groth- de um tratamento, nem do futuro, com o de-
Marnat, 1999, p.272). correr de uma terapia, essas pessoas acabam
Em pacientes com este código, é especial- melhorando. Entretanto, quando as escalas
mente importante a história clínica. Além dis- estão muito elevadas, há pouca concentração
so, quando há também a elevação da escala 8 para que os sujeitos possam participar de pro-
(código 278), é necessário o diferencial com gramas psicoterápicos, sendo necessária me-
esquizofrenia. Roy (1984) utilizou o cálculo do dicação, para relaxarem e reduzirem o nível de
Índice de Goldberg (IG), com esta finalidade, depressão e de ansiedade e terem motivação
isto é, L+6+8-7-3, chegando às seguintes re- para um tratamento, que passa a ter um bom
gras: “a) se IG<40, qualifique como ‘não-es- prognóstico, quando as elevações recaem
quizofrênico’; b) se GI>100, qualifique como numa zona moderada. Aliás, embora esses su-
‘esquizofrênico’; c) se GI = 41-49, qualifique jeitos possam ter alguma dificuldade nas rela-
como ‘indeterminado’ ” (p.401). ções interpessoais, são capazes de estabelecer
Diagnósticos mais prováveis são de trans- um vínculo emocional, pelo que podem apre-
tornos depressivos, especialmente depressão sentar um ajustamento estável no casamento
maior, embora haja outras possibilidades, como e na área profissional. Quando as escalas es-
de transtorno de ajustamento com humor de- tão elevadas, cresce a probabilidade de idea-
pressivo, de transtorno de ansiedade (princi- ção suicida ou de tentativas de suicídio (Vin-
palmente, transtorno obsessivo-compulsivo) ou cent, 1987), e, assim, o potencial suicida des-
de transtorno de personalidade (esquiva, com- ses sujeitos deve ser cuidadosamente exami-
pulsiva ou passivo-agressiva). nado, especialmente quando as escalas 6 e 8
Este código, de forma moderada, também também estão elevadas (Groth-Marnat, 1999).
ocorre entre não-pacientes, entre pessoas nor- Ainda que pessoas com o código 27/72
mais “que estão fatigadas e exaustas, com um possam se beneficiar com uma terapia de insi-
alto grau de rigidez e excessiva preocupação” ght, se a escala 4 também está elevada, tal in-
(Groth-Marnat, 1999. p.272). tervenção não tem probabilidade de ser muito
Não obstante, o código 42 também pode produtiva. Em pacientes com os códigos 247/
ser encontrado com elevação concomitante da 427/724, deve se investigar, inicialmente, se há
escala 4. Tal configuração reflete ansiedade e um envolvimento com álcool que, possivelmen-
depressão, associadas a dificuldades na fun- te, é de longa duração. Tal fato complicaria os
ção do juízo e, talvez, relacionadas com com- planos de tratamento, porque, ainda que com
portamento aditivo. Por essa e várias outras uma melhora inicial, pode se registrar compor-
razões, a personalidade dos indivíduos, com o tamento atuador, em períodos de estresse.
código 27/72, caracteriza-se por traços obses- Nesses casos, terapia de grupo, com objetivos
sivo-compulsivos, tanto no que se refere ao bem definidos, é uma opção melhor (Groth-
pensamento, como na maneira perfeccionista Marnat, 1999).
e meticulosa de lidar com as coisas da vida.
Freqüentemente, são bastante rígidos, em suas
normas e padrões, e quase sempre são muito 28/82
religiosos. Sentem certo desconforto nas suas
relações sociais, apesar de serem dóceis, pas- Sintomas, comportamentos e características da
sivos, dependentes da família e amigos, rara- personalidade. O código 28/82, embora infre-
mente sendo provocadores, já que lidam com qüente, parece muito importante, porque pode
seus sentimentos agressivos de forma intrapu- indicar perturbação séria no contato com a
nitiva, percebendo a si mesmos como inade- realidade, inclusive com a ocorrência de frag-
PSICODIAGNÓSTICO – V 489
e desvalia, que procuram ser negados através lecer relações com outras pessoas, por vezes, com
de intensa atividade (Groth-Marnat, 1999). um indivíduo anti-social, e “atuam através de-
Implicações terapêuticas. Uma vez que o qua- las” (Vincent, 1987, p.128), isto é, estimulam
dro sintomático tende a se alterar de forma cícli- nelas manifestações hostis, embora, aparente-
ca, um problema nuclear da terapia é a tentativa mente, pareçam discordar de tal comportamen-
de estabilização do humor. Isto pode se tornar to e apresentando pouco insight sobre o seu
complicado em vista de possível comportamen- papel na interação, especialmente com elevação
to aditivo e por causa do potencial suicida, em também da escala 6.
razão do que o paciente precisa ser monitorado. A atuação é comum e de vários tipos. As
Dadas as características do quadro, os as- dificuldades na vida matrimonial são crônicas,
pectos depressivos podem não ser aparentes, e, freqüentemente, há história de abuso do
mas a história clínica possivelmente oferece álcool e de drogas. “Tentativas impulsivas de
subsídios sobre diferentes fases com alterações suicídio usualmente são subseqüentes a perío-
de humor (Groth-Marnat, 1999). dos de atuação ou de bebida excessiva” (Vin-
Como vimos, a dinâmica da personalidade cent, 1987, p.127-128), e podem ocorrer fe-
centraliza-se em sentimentos de inadequação nômenos dissociativos.
e desvalia, que procuram ser negados por meio A descrição é compatível com uma perso-
de intensa atividade (Groth-Marnat, 1999). nalidade passivo-agressiva. Quando as eleva-
Implicações terapêuticas. Uma vez que o ções ultrapassam um T = 85, são possíveis es-
quadro sintomático tende a se alterar de for- tados de fuga, em que “impulsos agressivos
ma cíclica, um problema nuclear da terapia é a ou sexuais são atuados” (Groth-Marnat, 1999,
tentativa de estabilização do humor. Isso pode p.278). Numa pesquisa entre pacientes psiquiá-
se tornar complicado em vista de possível com- tricos de clínica privada, o diagnóstico modal
portamento aditivo e por causa do potencial foi de transtorno de ajustamento, e os tipos de
suicida, em razão do que o paciente precisa personalidade mais comuns foram histriônica,
ser monitorado. borderline ou passivo-agressiva (Vincent, 1987).
Dadas as características do quadro, os as- Há conflitos subjacentes de dependência
pectos depressivos podem não ser aparentes, versus independência. Tais necessidades são
mas a história clínica possivelmente oferece intensas e podem caracterizar períodos em que
subsídios sobre diferentes fases com alterações os indivíduos buscam afeto e proteção, mas,
de humor (Groth-Marnat, 1999). também, fortes sentimentos de hostilidade
podem ser suscitados, uma vez que podem ser
ativados facilmente por críticas. “Superficial-
34/43 mente, eles podem parecer conformistas, mas,
subjacentemente, têm fortes sentimentos de
Sintomas, comportamentos e características da rebeldia” (Groth-Marnat, 1999, p.275).
personalidade. Sendo a elevação 3 atenuante de Implicações terapêuticas. A imaturidade, as
outras variáveis no perfil e estando a 4 associada dificuldades de controle e o estilo passivo-
com mau controle dos impulsos, é fácil entender agressivo, que marcam os relacionamentos
que, no caso de elevações marcantes de ambas desses indivíduos, têm probabilidades de tu-
as escalas, principalmente se a 3 ultrapassa a 4, multuar o processo terapêutico. Por outro lado,
se encontre um estilo passivo-agressivo de ma- seu escasso insight faz com que tenham difi-
nejo da hostilidade, em que “o indivíduo expres- culdade de assumir a responsabilidade pelos
sa a ira de uma maneira encoberta ou oculta’ seus atos, projetando a culpa nos demais. As-
(Trimboli & Kilgore, 1983, p.621). Observa-se que sim, a tendência é de que a resistência à tera-
tais sujeitos procuram agradar superficialmente pia, bem como seus sentimentos de raiva, os
as outras pessoas, mas “ainda experienciam con- levem à interrupção do processo que, muitas
siderável grau de raiva e necessitam encontrar vezes, teve início por pressão externa. Entre-
meios para controlá-la ou descarregá-la” (Gro- tanto, parece que a terapia de grupo é uma
th-Marnat, 1999, p.275). Podem, então, estabe- opção mais adequada, especialmente se hou-
PSICODIAGNÓSTICO – V 491
45/54 46/64
PSICODIAGNÓSTICO – V 493
dêmica e profissional. Apresentam, freqüente- a atuação direta dos impulsos agressivos, sem
mente, disfunções sexuais de vários tipos, são consideração pelas conseqüências de seus atos,
capazes de atos anti-sociais, com envolvimen- já que a elevação 9 é compatível com o uso do
to com a Justiça, sendo que há um cunho bi- mecanismo de negação (Trimboli & Kilgore,
zarro e persistente em muitas de suas atua- 1983).
ções. São comuns as tentativas de suicídio e São indivíduos impulsivos, anti-sociais, ego-
tendência à adição ao álcool ou às drogas. Na cêntricos, hedonistas, sensuais, desejosos de
verdade, é o padrão mais comum entre os usuá- excitação, extrovertidos, irritáveis, violentos,
rios de drogas (Vincent, 1987). alienados, manipulativos, energéticos e atua-
Algumas combinações com outras escalas dores. Apresentam histórias de mau ajustamen-
podem ser dignas de nota. Assim, quando se to familiar, mau aproveitamento escolar, além
observa uma elevação da escala F e uma baixa de dificuldades no trabalho e com a Justiça.
da escala 2, a hipótese é de que os sujeitos Contudo, tais dificuldades, em pessoas mais
tenham tendências agressivas e punitivas, que moças, não são tão intensivas e extensivas. Por
conseguem sanção social, pela função que eles exemplo, ambas as escalas costumam ser ele-
ocupam, mas podendo chegar, eventualmen- vadas em adolescentes normais ou não, pelo
te, a verdadeiro sadismo. “Subjacentemente a que a interpretação deve ser feita com mui-
seus comportamentos manifestos, habitual- to cuidado, uma vez que casos de delinqüên-
mente eles têm um profundo senso de aliena- cia e evasão escolar também comumente
ção, vulnerabilidade e solidão, que podem sus- apresentam este código (Hathaway & Mona-
citar sentimentos de ansiedade e desconforto” chesi, 1965). No entanto, tal tipo de código,
(Groth-Marnat, 1999, p.281). após os 25 ou 30 anos, já tende a se associar
Em homens, quando há combinação com a com um padrão crônico (Vincent, 1987),
elevação 9, comportamento criminoso é uma “muito resistente à mudança” (Groth-Mar-
possibilidade, com atos violentos, bizarros, que nat, 1999, p.282).
podem envolver homicídio e/ou ataque sexual. Se a escala 0 está baixa, parece aumentar a
Em mulheres, tal hipótese é pouco provável, capacidade de manipulação dos demais, de
mas seus problemas se caracterizam por uma forma acentuadamente anti-social. Com a ele-
tendência a escolherem parceiros sexuais de vação da 3, a atuação diminui, e o manejo da
nível inferior. hostilidade é semelhante ao associado ao có-
Groth-Marnat (1999) associa este padrão digo 34/43. Quando a escala 6 se eleva, a atu-
com personalidade esquizóide ou paranóide e, ação pode ser violenta, perigosa e bizarra.
se há elevação também da escala 6, com es- Em termos diagnósticos, a hipótese prová-
quizofrenia paranóide. vel é de personalidade anti-social. Se há eleva-
Implicações terapêuticas. São maus candi- ção da escala 8, deve-se considerar a possibili-
datos à psicoterapia. A multiplicidade de pro- dade de um estado maníaco ou de esquizofre-
blemas torna difícil manter um foco terapêuti- nia (Groth-Marnat, 1999). Contudo, num es-
co, e o processo tende a ser caótico, improdu- tudo de pacientes psiquiátricos de hospitais
tivo, de curta duração e complicado por possí- particulares, abuso de drogas foi encontrado
vel história de álcool ou drogas. em 75% dos sujeitos (como diagnóstico pri-
mário ou secundário), tendo, como hipótese
alternativa, transtorno de ajustamento (Vin-
49/94 cent, 1987).
Ainda que os sujeitos passem inicialmente
Sintomas, comportamentos e características da uma boa imagem, não são capazes de relações
personalidade. As escalas 4 e 9 estão associa- mais profundas, e os problemas tendem a apa-
das com mau controle dos impulsos, e esta recer, muito em função do egocentrismo, ir-
configuração é encontrada em sujeitos em que responsabilidade, hostilidade e tendência a
se observa não só tendências anti-sociais, mas manipular os demais, embora busquem racio-
PSICODIAGNÓSTICO – V 495
mundo de fantasia, quando estão sob estres- sas de nível neurótico, e uma hipótese prová-
se, ou ficando extremamente excitados. Podem vel é de transtorno de ansiedade, em vez de
ter sinais claros ou sutis de transtornos de pen- um quadro psicótico. A predominância da 8
samento, inclusive chegando a apresentar de- (especialmente quando maior que T = 75) as-
lírios, dificuldades de concentração, alucina- socia-se com sintomas mais em nível psicóti-
ções, associações tangenciais, fala incoerente, co, e o prognóstico é pior. Se ambas as escalas
parecendo perplexos e desorientados, e sen- estão bem elevadas, com T maior que 75, é
do, muitas vezes, “obsessivos, ruminativos e provável a presença de esquizofrenia, princi-
sobreideacionais”(Groth-Marnat, 1999, p.284). palmente quando a “tríade neurótica” está
Com fortes características de suspeição e des- baixa. “Mesmo que esquizofrenia possa ser des-
confiança, estabelecem relações de tipo passi- cartada, a condição tende a ser resistente à mu-
vo-dependente, havendo grande diferença en- dança, como, por exemplo, num grave trans-
tre a imagem que têm de si e a percebida pe- torno de personalidade alienada” (Groth-Mar-
los demais. nat, 1999, p.285). Com a elevação da 2, a hi-
Implicações terapêuticas. Este código é mais pótese de um transtorno distímico ou obsessi-
comum entre pacientes, em internação psiquiá- vo-compulsivo deve ser considerada (Groth-
trica. Dadas as suas condições de personalida- Marnat, 1984).
de e, principalmente, a desorganização do pen- Implicações terapêuticas. Este código é en-
samento, a terapia de insight não é tratamen- contrado, mais comumente, entre pacientes
to de opção, dificilmente tendo alguma eficá- psiquiátricos. Dadas as características de per-
cia. Comumente, necessitam de tratamento sonalidade, deve ser levado em conta risco de
psicofarmacológico (Groth-Marnat, 1999). suicídio, especialmente com elevação na 2.
Neste caso, devem ser examinados os itens crí-
ticos e outras fontes de informações (Groth-
78/87 Marnat, 1999).
PSICODIAGNÓSTICO – V 497
correspondentes, das quais derivam. A tabela Como não se torna possível fornecer todas
(americana) para transformar os escores bru- as escalas especiais que pareceriam desejá-
tos em notas T é incluída no Anexo C, e a faixa veis, vamos apresentar, pelo menos, dois
de normalidade situa-se entre T = 40 e T = 60. quadros, que permitem levantar hipóteses
sobre transtornos de personalidade, cujo
diagnóstico, evidentemente, não pode ser
ESCALAS ESPECIAIS feito com base apenas no MMPI (vide Qua-
dros 32.2 e 32.3).
Segundo Levitt e Gotts (1995), já em 1975,
Butcher, falando do desenvolvimento de esca-
las, “sugeriu que havia mais escalas especiais OUTRAS SUBESCALAS E ÍNDICES
do que itens” no MMPI (p.6). É evidente que
algumas escalas metodologicamente são dis- Desde a criação do MMPI, o sucessivo desen-
cutíveis, mas, na realidade, é bem mais seguro volvimento de estudos deu lugar ao apareci-
apoiar as hipóteses diagnósticas de uma ava- mento de considerável número de subescalas.
liação não só nas escalas originais, mas buscar Nos últimos anos, tais esforços foram dirigi-
também subsídios no uso de escalas especiais. dos principalmente para o desenvolvimento de
subescalas destinadas mais especificamente ao (1963) propõe uma relação entre “a soma das
diagnóstico de novas entidades clínicas, incluí- três escalas de queixa, humor ou sentimento –
das no DSM-IV. Não obstante, como não é ob- Hs, D e PT” e “a soma das três escalas de trans-
jetivo deste livro a discussão de tais escalas, tornos do comportamento ou de caráter – Hy,
recomenda-se o uso das referências bibliográfi- Pd e Ma” (p.302), da seguinte forma:
cas do MMPI, inclusas no Catálogo de técni-
cas úteis. A pedido, são incluídas no texto a IR = Hs + D + Pt
escala de Força do Ego e a escala de Dissi- Hy + Pd + Ma
mulação.
AV – Trata-se da antiga identificação para a O valor esperado do IR, para a população
média da elevação do perfil (ME), já apresen- normal, é de 1, sendo que valores mais eleva-
tada no item Nível global de ajustamento do dos são encontrados “em sujeitos que tendem
Passo 5, no Capítulo 30. a ter muitos sintomas somáticos e o sentimen-
AI – Trata-se do índice de ansiedade, de- to subjetivo de estresse”, enquanto valores
senvolvido por Welsh (1963) e que inclui esco- mais baixos são freqüentes em sujeitos que
res de quatro escalas e utiliza três característi- tendem à atuação e “externalizam” seus con-
cas do perfil de ansiedade: um aumento geral flitos (p.300). Valores concomitantemente al-
da “tríade neurótica”, a relação anticlinal de D tos de AI e IR são encontrados em casos carac-
(considerada em relação a Hs e Hy) e uma ele- terizados principalmente por ansiedade e de-
vação secundária de Pt, da seguinte forma: pressão. Já os valores baixos de ambos (ou só
com leve elevação do IR) são mais comuns em
[ ] [
AI = Hs + D + Hy + (D + Pt) – (Hs + Hy)
3
] casos de atuação.
PSICODIAGNÓSTICO – V 499
objeto de inquérito, para explorar a possibili- QUADRO 32.4 Lista de itens críticos de Grayson
dade de envolverem um significado patológi- Item Direção crítica Item Direção crítica
co específico e importante para a identifica- 20 (310) Errado 179 Certo
ção de crises e transtornos, no exame indivi- 27 Certo 182* Certo
dual, em triagem e em descrições computado- 33 (313)* Certo 184* Certo
rizadas. Tal inquérito é feito por meio de en- 37 (342) Errado 200* Certo
trevista individual, com duração de 5 a 20 minu- 44 Certo 202* Certo
48* Certo 205 Certo
tos, após a administração individual ou coletiva. 66* Certo 209* Certo
O inquérito é dirigido de forma que o sujei- 69 Certo 215* Certo
to fale mais a respeito de sua resposta a itens 74 M:Certo; F:Errado 251* Certo
desviantes (Schlanck, 1985). Na realidade, o 85 Certo 275 Certo
inquérito é necessário, porque a interpretação 114 Certo 291 Certo
121* Certo 293* Certo
se baseia “em itens isolados, que são mais vul- 123 Certo 334* Certo
neráveis a marcas errôneas ou a interpretações 133 Errado 337 Certo
erradas pelo paciente do que as escalas” (Gyn- 139* Certo 339* Certo
ther & Gynther, 1983, p.174). Porém, nem sem- 146 Certo 345 Certo
pre é necessária a investigação de todos os 151 Certo 349* Certo
156 Certo 350 Certo
itens, respondidos na direção crítica. Schlanck 168 Certo 354 Certo
(1985) sugere alguns itens específicos, que, na
Observação: Estes itens foram selecionados por Grayson, a partir
lista de Grayson (vide Quadro 32.4), estão de uma lista de Hellman (apud Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom,
marcados por asterisco, mas recomenda que, 1972, p.377-378), que pretendia reunir sintomas, impulsos ou
experiências, considerados sérios, e, portanto, se os itens são
em diferentes clínicas, sejam selecionados os respondidos na direção crítica, podem requerer inquéritos ou
itens que parecem mais importantes. exploração científica na triagem de pacientes, para identifica-
ção de estados de crise.
As listas de itens críticos de Grayson é com- *Itens sugeridos para inquérito (Schlanck, 1985).
posta por 38 itens e foi publicada, originalmen-
te, em 1951 (Dahlstrom, Welsh & Dahlstrom,
1962). Têm sido utilizadas para caracterizar
estados de crise, ainda que, em grande parte,
os itens se relacionem com crises de propor- tas. Como ponto de partida, são apresentadas
ções psicóticas e não com crises situacionais as áreas da lista de Caldwell, conforme são re-
ou de desenvolvimento (Gynther & Gynther, lacionadas por Groth-Marnat (1984), acrescen-
1983). Posteriormente, Caldwell, conforme tando itens ou áreas que constam da lista de
Koss e colegas (1976), procurou melhorar a Grayson. São marcados com asterisco os te-
qualidade dos itens críticos, abrangendo no- mas da lista de Caldwell:
vas áreas de conteúdo (vide lista de Caldwell, a) álcool* e drogas*: 156, 215, 251, 460;
no Quadro 32.5). Apesar disso, ainda há áreas b) atuação: 85, 139, 146, 205, 354;
que estão sub-representadas. Assim, além de c) culpa*, depressão e suicídio*: 88, 139,
dúvidas sobre se os itens representam amostras 202, 209, 339;
do comportamento real do paciente, ainda há d) dificuldades sexuais*: 20, 37 (302), 69,
críticas quanto ao seu uso como uma escala 74, 133, 179, 297;
do estado psiquiátrico do sujeito. Espera-se que e) experiências peculiares* e alucinações*:
pessoas normais dêem, no máximo, três respos- 27, 33 (323), 48, 66, 184, 291, 334, 345, 349,
tas na direção crítica, sendo um escore de 4 ou 350;
mais já sugestivo de patologia. Contudo, as mé- f) idéias de referência*, perseguição* e de-
dias, tanto de grupos normais como clínicos, lírios*: 33 (323), 110, 121, 123, 151, 200, 275,
apresentam certa variabilidade no escore de itens 284, 293, 347, 364;
críticos (Koss, Butcher & Hoffman, 1976). g) perturbação*, ansiedade, tensão e de-
A seguir, serão definidas as áreas de con- pressão*: 5, 27, 44, 86, 142, 152,158, 168, 178,
teúdo especialmente abrangidas pelas duas lis- 182, 259, 337;
PSICODIAGNÓSTICO – V 501
5 com escores T de moderados a elevados, na dos afetos, já descritos no item referente à es-
direção feminina, são considerados como re- cala 9. A hipótese psicodinâmica corresponden-
fletindo passividade marcante... [e] tais esco- te seria de que os sujeitos com escores pelo
res podem servir para inibir a expressão direta menos moderados na escala 9 utilizam o me-
dos impulsos”, isto é, parecem associados com canismo de negação e, também, “tendem a
o uso da supressão, “uma defesa mais cons- descarregar a ansiedade relacionada com o
ciente e relativamente menos eficaz”, embora conflito psíquico, através de canais psicomo-
classificada como madura (Gabbard, 1998). Por tores”. Além disso, conforme Lanyon (1968),
outro lado, as elevações leves e moderadas, na apud Trimboli e Kilgore (1983), tais defesas fre-
direção “masculina” (elevadas nas mulheres e qüentemente se associam com atuações, es-
baixas nos homens), encontram-se mais, se- pecialmente com a elevação simultânea da es-
gundo Lachar (1984), apud Trimboli e Kilgore cala 4 (p.616-617).
(1983), em níveis sociais e educacionais médi- Dada a caracterização de indivíduos com
os e baixos, em indivíduos com interesses mais escores elevados na escala 0, em especial seu
práticos e pragmáticos, e, segundo esses au- desconforto em situações sociais, sua dificul-
tores, associam-se com comportamento dog- dade de enfrentar diretamente situações per-
mático ou insistente, que se acentua quando turbadoras, os autores consideram que, numa
os escores são de moderados a altos, poden- linha psicodinâmica, os sujeitos com escores
do-se classificar mesmo como comportamen- elevados, isto é, com escores T ao redor de 70,
to agressivo, rude e dominador. Então, de um “parecem estar lidando com as dificuldades
ponto de vista psicodinâmico, estas elevações com sua vida interna e com as dificuldades
“parecem refletir uma capacidade defensiva externas, através de evitação e retraimento, que
diminuída para canalizar apropriadamente podem ser acompanhadas por suspeição”
impulsos agressivos” (p.616). (p.617).
Considerando os correlatos de personalida- Além das escalas de caráter, também as es-
de, bem como os sintomas, tais como idéias calas de validade podem proporcionar indícios
de referência, delírios de grandiosidade, asso- sobre mecanismos que o indivíduo utiliza para
ciados com escores elevados na escala 6 e, ain- manejar a ansiedade.
da, sintomas mais sutis, como suspeição, hi- Quando examinamos a escala K, vimos
persensibilidade e rigidez, toda essa variedade que níveis altos da escala K se associam com
de comportamentos sugere que “indivíduos uma relutância em reconhecer seus proble-
com escore T acima de 65 (ou abaixo do esco- mas e fraquezas psicológicas, chegando a
re T de 35, em pessoas que são capazes de ini- usar a racionalização para assinalar respos-
bir expressões mais manifestas de patologia) tas aceitáveis. Segundo Caldwell (1968), apud
tendem a usar várias formas de projeção e va- Trimboli e Kilgore (1983), é possível levantar
riantes de externalização” (p.616). a hipótese de que tais escores elevados indi-
Conforme McKinley e Hathaway (1980), quem uma constrição marcante, com conse-
apud Trimboli e Kilgore (1983), as elevações qüente restrição da responsividade afetiva ou
na escala 9 tendem a se associar com uma va- inibição da mesma. Essas considerações per-
riedade de transtornos, desde a antes denomi- mitem que se pressuponha que a elevação
nada personalidade psicopática, e a síndrome da escala K se associe ao uso de repressão e
orgânico-cerebral, até o tipo agitado de depres- racionalização. Já a configuração represen-
são, algumas formas de esquizofrenia e o es- tada por uma elevação da escala F, acompa-
tado hipomaníaco. Segundo os últimos auto- nhada de escores baixos nas escalas L e K,
res citados, mesmo elevações moderadas, isto “implica uma ausência de funcionamento
é, com escore T acima de 65, já “tendem a evi- defensivo eficaz”, enquanto um escore bai-
denciar uma forma não eficaz de superativida- xo na escala F seria consistente com a repres-
de e um autoconceito bastante grandioso”, são ou negação sugeridas por escores eleva-
além de dificuldades no manejo de impulsos e dos na escala K” (p.617).
PSICODIAGNÓSTICO – V 503
vas auxiliares de dissipar a ansiedade, que 4 se apresenta elevada, acima de um escore T
ameaça dominar o funcionamento do indiví- de 70, associa-se com hostilidade dirigida con-
duo. Nesta categoria de configuração do per- tra figuras parentais e seus substitutos sociais,
fil, as escalas de sintoma permanecem mais principalmente enquanto representativos cul-
proeminentes do que as escalas de caráter”. turais de autoridade. Todavia, a agressão é ra-
Entre estas últimas, as escalas 3 e 7 predomi- cionalizada pelo sujeito e, usualmente, não é
nam sobre as escalas 6 e 9, assegurando que a focalizada especificamente contra determina-
descompensação permanece em nível neuróti- das pessoas, mas é mais difusa. Se a elevação
co (p.618). da escala 4 se combina com a elevação na es-
Para entender a descompensação em nível cala 9, os sujeitos são descritos como hostis,
psicótico, é preciso examinar as interações en- impulsivos, e sua baixa tolerância à frustração
tre as escalas 7 e 9 e as escalas 6, 8 e 0. As os leva à atuação de seus impulsos agressivos
elevações das escalas 7 e 9 envolvem agitação (Gilberstadt & Duker, 1965) de forma mais di-
e desconforto; todavia, enquanto estas esca- reta, contra os demais. Já no caso da elevação
las predominam sobre as escalas 6, 8 e 0, há da escala 6, a agressão também é expressa de
menos distorção da realidade e ainda um bom forma direta, mas “a ira se focaliza em pes-
prognóstico. Contudo, quando o funcionamen- soas específicas” (p.65). Conforme Trimboli &
to defensivo vai se deteriorando, em vista do Kilgore (1983), citando também observações
fracasso nas tentativas de enfrentar a pertur- de Corson (1969), as elevações da escala 6, ao
bação, isso se expressa geralmente por meio redor do escore T de 80, “quase sempre são
de uma inversão da configuração anterior. “Por um indicador de projeção delirante da hostili-
exemplo, as escalas 8 e 0, significativamente dade. Quando a escala 6 é elevada com a esca-
elevadas acima da escala 9, indicam aumento la 4, elas caracteristicamente se potencializam
do isolamento emocional, acompanhado de mutuamente, e podemos observar mau con-
apatia e retraimento. De forma similar, à me- trole dos impulsos, explosividade e uma pro-
dida que a escala 8 se eleva acima da 7 (por pensão à violência”. Trata-se de uma configu-
mais de 10 escores T), vemos a evidência níti- ração característica de violência, especialmen-
da da incapacidade do paciente de evitar a frag- te se estiver associada também à elevação da
mentação cognitiva pelo uso de defesas rumi- escala 9 (Trimboli & Kilgore, 1983, p.621).
nativas. Finalmente, à medida que a escala 6 Como já vimos, a escala 3 associa-se com
se eleva acima da 7, temos a evidência da ten- repressão e tem um efeito atenuante sobre o
tativa do paciente de reconstituir sua percep- comportamento atuador, e, então, a agressão
ção do mundo, através do uso de projeções pode se expressar de forma mais indireta, es-
grosseiras, que se refletem clinicamente na pecialmente se existem elevações nas escalas
formação de delírios elaborados e/ou bizarros” 1 e 2. Segundo Graham (1977), citado por Trim-
(p.618-619). boli e Kilgore (1983), tais configurações apa-
recem em sujeitos que podem usar seus sinto-
mas físicos ou apatia como forma de punição,
MANEJO DA AGRESSÃO E DA HOSTILIDADE que pode se dirigir a familiares, médico ou psi-
coterapeuta, portanto, usando a agressão de
No manejo da agressão, seja dirigida para os forma mais velada e indireta. No entanto, quan-
outros de forma direta ou indireta, seja dirigi- do a elevação da escala 3 se associa com ele-
da contra si mesmo, devemos considerar princi- vações nas escalas 6 ou 4, a expressão ainda
palmente as elevações nas escalas 1, 3, 5, 8 e 9. pode ser considerada indireta, mas se mani-
Ao se considerar a expressão direta da festa de forma menos velada. A combinação
agressão em relação aos outros, assumem das escalas 3 e 6, conforme referência da mes-
importância primordial a elevação das escalas ma fonte, associa-se com expressões de agres-
4 e 6, ainda que o foco da ira se defina de for- são “facilmente observadas pelos outros”, mas
ma diferente, nos dois casos. Quando a escala das quais o indivíduo não está consciente, ma-
PSICODIAGNÓSTICO – V 505
1 2 3 4 5 6 7 8 9 0
sente” (sic). Acha que sabe muitas coisas e 11 0
60
reposição hormonal, no início da adolescên- 50
cia. 40
10
quando se utiliza o MMPI em examinandos cujo
nível de psicopatologia não é significativo. São ? L F K Hs D Hy Pd Mf Pa Pt Sc Ma Si
perfis que devem ser interpretados com muita 50 62 77 50 47 55 50 61 68 50 55 47 46 54
cautela, atribuindo mais peso a indícios que se Figura 32.1 Perfil do MMPI de um rapaz de 21 anos.
confirmam. Código: 5 4 2 7 8:5:22.
Descrição clínica. O protocolo é válido
(1TR+0CLS)<7: os dados indicam que o pacien-
te apresenta um nível de compreensão verbal
adequado. Portanto, é possível pressupor que Também o índice F-K (-17) confirma a pre-
tenha respondido com honestidade. Não obs- sença de muita defensividade, com minimiza-
tante, o perfil é pouco definido, com nenhu- ção das próprias dificuldades, o que recomen-
ma escala ultrapassando um T = 70. Nas esca- da cautela para a interpretação de quaisquer
las de validade, observa-se uma elevação aci- indícios.
ma de um nível moderado na escala L (escore Uma análise, usando a escala de Desajusta-
8/T=62) e uma elevação definidamente alta na mento social (SOC = 15, que se classifica 1DP
escala K (escore 22/T=77). acima da média) e a de Introversão social (TSC/
No primeiro caso, a hipótese é de que o 1 = 17, mais de 2DP acima da média), reforça
sujeito, consciente ou inconscientemente, de- a tendência à timidez, à inibição e à baixa tole-
seja passar uma imagem favorável de si mes- rância ao estresse, especialmente quando a si-
mo ou a imagem que tem de si mesmo não é tuação envolve relações interpessoais. Por ou-
realística. Como conseqüência, deve ter baixa tro lado, considerando o código 54, em que a
tolerância ao estresse e pouca capacidade de escala 5 está pelo menos cerca de 8 pontos de
insight, o que se reflete nas relações com os escores T acima da média esperada para o sexo
demais. e nível de escolaridade do sujeito, combinada
A segunda elevação corrobora a hipótese com uma elevação moderada da escala 4, há
de desconsiderar ou negar suas próprias difi- uma sugestão de que o sujeito possa se opor a
culdades, provavelmente tentando dar uma ou desafiar maneiras convencionais de ser.
idéia de estar com a própria vida sob controle Embora indicadores de problemas mais sé-
e de ter um desempenho eficiente, embora rios, em relação com laços com a realidade,
possa não se dar conta da impressão que cau- estejam ausentes, a forma como o sujeito en-
sa nos outros. Sua maneira de ser limita sua dossou as afirmações sugere que não se trata
interação social, podendo parecer tímido e ini- de um bom candidato à psicoterapia, sendo pou-
bido. co colaborador numa avaliação psicológica.
PSICODIAGNÓSTICO – V 507
A continuidade do uso do DFH, em vários sileiras e americanas. A invariabilidade do estí-
países, até o presente, mostra, porém, seu mulo básico não implica, necessariamente, que
amplo grau de aceitação e demonstra a con- os itens investigados tenham a mesma saliên-
vicção de psicólogos que trabalham com psi- cia ou o mesmo significado psicológico em
codiagnóstico de que o DFH é uma técnica útil ambas as culturas, ou mesmo entre níveis so-
na avaliação de crianças, adolescentes e até cioeconômicos na mesma cultura.
mesmo adultos, não obstante a dificuldade de Porém, psicólogos brasileiros têm aplicado
produzir demonstrações empíricas de valida- o DFH utilizando normas desenvolvidas com
de e utilidade clínica. amostras americanas na década de 60, ou an-
O DFH é uma técnica muito atrativa para teriores. A utilização de um teste psicológico,
psicólogos em várias áreas, devido à sua abran- sem conhecer sua fidedignidade e validade, é
gência, simplicidade e aparente objetividade. um procedimento de alto risco que pode levar
Além de ser uma técnica de baixo custo (re- a erros de diagnóstico, provocando prejuízos
quer apenas lápis e papel), é também uma ta- importantes para os indivíduos avaliados.
refa de fácil execução e de boa aceitação espe- Exceto pelo trabalho sistemático de Van
cialmente por crianças. Não é, portanto, sur- Kolck (Van Kolck, 1966; Van Kolck, 1984), pou-
preendente que o DFH tenha sido rapidamen- co foi publicado no Brasil sobre o DFH até muito
te incorporado ao arsenal de técnicas utiliza- recentemente (Hutz & Bandeira, 1993). Essa
das por psicólogos brasileiros, sem que os es- situação começou a se modificar apenas na
tudos necessários para um uso confiável des- década de 90, com o desenvolvimento de es-
sa técnica tivessem sido realizados (Hutz & tudos de normatização, padronização e vali-
Bandeira, 1995). Além disso, há uma crença dação do DFH realizados pelo Laboratório de
(infundada) de que essa técnica é pouco afe- Mensuração da UFRGS e pelo Laboratório de
tada pela cultura. Argumenta-se que o estí- Avaliação e Medidas Psicológicas da PUCCAMP,
mulo básico – uma pessoa – é essencialmen- culminando com a publicação de normas lo-
te o mesmo em todas as sociedades e em cais atualizadas (vide Anexo D) para os indica-
todas as épocas. dores evolutivos e emocionais de Koppitz (Hutz
Desenhos pré-históricos são, às vezes, apon- & Antoniazzi, 1995) e de um manual para uso
tados como evidência de que pessoas têm re- em crianças brasileiras (Wechsler, 1996).
presentado seres humanos, praticamente, da
mesma forma por muitos milênios. O efeito da
cultura sobre o desenho seria, portanto, mui- DFH: AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
to pequeno e se limitaria, apenas, a alguns INFANTIL
detalhes da figura (por exemplo, vestimenta,
adornos, comprimento do cabelo). Se isso fos- Ao revisar e ampliar a escala de Goodenough,
se realmente verdade, escaparíamos da neces- Harris (1963) já questionava o uso do DFH como
sidade de adaptações e repadronizações one- teste de inteligência, preferindo entendê-lo
rosas e teríamos um instrumento que nos per- como medida de maturidade conceitual, ou
mitiria realizar comparações transculturais. seja, o conceito que a criança tem do corpo
Infelizmente, há evidência de que diversos humano. Introduz-se, então, o enfoque do
tipos de indicadores (evolutivos, emocionais e desenvolvimento infantil no desenho, profun-
outros) não têm, com amostras brasileiras, a damente estudado por Koppitz (1968), que
mesma validade e significado clínico encontra- produziu um sistema de avaliação objetivo
dos em amostras americanas para as quais eles muito utilizado internacionalmente. Para apli-
foram padronizados (Bandeira & Hutz, 1994; car a técnica de Koppitz, solicita-se à criança o
Hutz, 1986; Hutz, 1989a; 1989b; Hutz & Anto- desenho de uma pessoa inteira em uma folha
niazzi, 1995). É possível que isso reflita dife- branca tamanho ofício, lápis número dois e
renças evolutivas na produção de desenhos ou borracha. A avaliação, feita com um único de-
na representação do corpo entre crianças bra- senho, inclui 30 itens evolutivos, pontuados
PSICODIAGNÓSTICO – V 509
de traços ou marcas de padrão recorrente. É soal, e não em dados de pesquisa. A literatura
uma definição mais operacional, mas não se disponível pode, portanto, gerar uma certa in-
pode assegurar, evidentemente, que essa defi- segurança, em especial para aqueles que es-
nição seja a mesma para Koppitz, ou que o tão iniciando sua formação em interpretação
sombreamento realmente expresse problemas de desenhos. Acreditamos que, neste momen-
emocionais se avaliado dessa forma. to, o estudo dos diversos manuais de interpre-
Outra forma de avaliação do DFH, abordan- tação, a leitura da pesquisa na área e a orien-
do a personalidade e seus aspectos estruturais tação ou supervisão por pares com mais expe-
e dinâmicos, teve origem nos estudos de Ma- riência é indispensável. Certamente, não se
chover (1949b). Na aplicação, solicita-se tam- pode pretender, a partir de uma leitura de um
bém o desenho de uma figura do sexo oposto livro, fazer interpretações e diagnósticos.
à primeira desenhada, sempre em folha sepa- É importante também registrar que a visão
rada. Ainda há a possibilidade de se solicitar o geral do desenho, levando em conta aspectos
desenho de uma pessoa na chuva, o que per- de normalidade, traz informações sobre o in-
mitiria investigar as reações do examinando a divíduo que está sendo avaliado, tão válidas
situações de tensão. Recomenda-se, ainda, a quanto os aspectos específicos (Hutz & Ban-
realização de um inquérito ou a construção de deira, 1995). Contudo, há que se tomar cuida-
uma estória sobre a figura. Van Kolck (1984) do com aspectos pessoais do interpretador,
apresenta sugestões de perguntas a serem fei- tendo em vista estudos que mostram a influên-
tas no inquérito (vide no Anexo E). cia de fatores de personalidade na avaliação
Ao desenhar uma pessoa, o indivíduo pro- de desenhos (Burley & Handler, 1997; Hammer
jeta sua imagem corporal no papel, definida & Piotrowsky, 1997). Mais uma vez, aponta-se
por Schilder (1981) como “a figuração de nos- para a necessidade de supervisão, de utiliza-
so corpo formada em nossa mente, ou seja, o ção de outras técnicas complementares ao DFH
modo pelo qual o corpo se apresenta para nós” e, sobretudo, de um conhecimento profundo
(p.11). Essa imagem envolve uma apercepção de psicologia. Nenhum teste substitui a neces-
do corpo, possuindo bases fisiológicas, libidi- sidade de conhecimento atualizado em psico-
nais e sociológicas e está intimamente relacio- logia do desenvolvimento, personalidade e
nada com o conceito que o indivíduo tem de si psicopatologia.
mesmo.
Contudo, segundo Van Kolck (1984), o de-
senho também pode ser a representação de DFH E ANSIEDADE
outros aspectos do indivíduo, tais como aspi-
rações, preferências, pessoas vinculadas a ele, O DFH também pode ser utilizado para avalia-
imagem ideal, padrões de hábitos, atitudes ção de aspectos específicos, tais como ansie-
para com o examinador e a situação de testa- dade. Handler (1967) propôs uma escala com
gem. Essa variedade de possibilidades torna a 20 índices de ansiedade, que, dentre os diver-
técnica muito rica, mas também dificulta a in- sos sistemas de escores, tem recebido muita
terpretação acurada e fidedigna de um DFH. atenção dos pesquisadores na área e gerado
Existe uma ampla literatura que auxilia o um grande número de pesquisas (Sims, Dana
psicólogo a interpretar o Desenho da Figura & Bolton, 1983). A sua base está, em parte,
Humana, desde obras mais esquemáticas e nos trabalhos de Hoyt, de 1955, e de Bolton,
objetivas (p.ex., Campos, 1978; Van Kolck, de 1950 (citados em Handler, 1967). Handler
1984) até aquelas que fornecem uma visão introduziu modificações, preocupando-se em
mais dinâmica e interpretativa do desenho estabelecer critérios de escore para a análise
(p.ex., Di Leo, 1987; Hammer, 1981). Os pri- de maneira formal, que abrangem tanto a an-
meiros pecam por falta de definições claras ou siedade causada por situações externas estres-
exemplos, enquanto os demais passam a idéia santes como por causas intrapsíquicas. Vinte
de interpretações baseadas na experiência pes- índices foram descritos, atribuindo-se escores
PSICODIAGNÓSTICO – V 511
rém, está claro que, por si só, o sexo do DFH não mento seguro sobre a personalidade de uma
é indicador de normalidade ou de patologia. pessoa.
O DFH pode ser um instrumento extrema-
mente útil para o psicólogo que sabe utilizá-lo
CONCLUSÃO e entende suas limitações. As aplicações des-
critas neste capítulo são apenas parte das pos-
Testes psicológicos medem constructos hipo- sibilidades dessa técnica. O DFH, em conjunto
téticos e de forma indireta. A única coisa que com outras técnicas gráficas, tem sido utiliza-
podemos realmente observar é o comporta- do também para diagnóstico e avaliação de
mento do indivíduo face à tarefa, suas respos- vítimas de abuso sexual (p.ex., Kaufman &
tas, seus atos, gestos, verbalizações e outras Wohl, 1992; Wohl & Kaufman, 1985) e para
expressões públicas. Não se pode, portanto, variadas finalidades de pesquisa em muitas
esperar de um teste psicológico, por melhor áreas (por exemplo, Koller, Hutz & Bandeira,
que sejam suas qualidades psicométricas, a 1997). Nota-se uma redução significativa na
objetividade e a precisão que se obtêm em exa- pesquisa internacional com o DFH, principal-
mes laboratoriais que medem a quantidade de mente em função do grande número de ins-
certas substâncias em circulação no sangue, a trumentos que têm surgido nas últimas déca-
presença ou ausência de microrganismos, e das para a avaliação de crianças e adolescen-
assim por diante. A utilização de um teste psi- tes. Porém, na nossa realidade, considerando
cológico pode trazer muita informação para um os custos e as dificuldades de traduzir, adaptar
psicólogo, pode corroborar outras fontes de e validar essas novas técnicas, o DFH deverá
informação, pode apontar hipóteses diagnós- continuar sendo um instrumento importante
ticas que devem ser investigadas. Nenhum tes- para o psicólogo ainda por várias décadas. Sua
te, porém, pode substituir o julgamento clí- utilidade, porém, dependerá de um investimen-
nico, e, isoladamente, fora de um contexto to constante em pesquisa e de bom treinamen-
específico, nenhum teste permite um julga- to de psicólogos em avaliação psicológica.
PSICODIAGNÓSTICO – V 513
importância de se considerar o tamanho de terna sugere uma mãe dominante, enquanto
cada pessoa representada, o tamanho relativo um pai pequeno, apenas maior que o próprio
de alguns membros em relação aos outros, a sujeito, indica que este percebe aquele como
distância das figuras entre si e a sua posição sendo somente um pouco mais importante que
no papel, que são itens também levados em ele. Por outro lado, chama a atenção para a
conta por Hammer (1991). existência ou não de uma relação entre tama-
Conforme Klepsch e Logie (1984), só secun- nho e idade, levantando algumas hipóteses.
dariamente Hulse se detinha na distribuição Tamanhos diversos para representar gêmeos
seqüencial das figuras, nas omissões, nos “exa- podem revelar sentimentos diferenciados para
geros caricaturescos”(p.87), no sombreado e com esses membros da família. A criança que
em outros tipos de ênfase, que são valoriza- desenha um irmão menor (até um bebê) de
dos por outros autores. Não obstante, Cam- igual tamanho ao seu está pressupondo que
pos (1977) relaciona hipóteses interpretativas ele represente uma figura competitiva, ame-
de Hulse associadas com alguns desses itens. açadora para sua posição na família. Mas se
Assim, lembra que há omissão do próprio su- um adulto desenha a si próprio no colo ma-
jeito na representação da família, quando ele terno, está manifestando tendências regres-
não se sente nela incluído, dela não participa, sivas.
não recebe afeto ou se há um problema de re- Outra relação que esse autor estabelece é
jeição. Por outro lado, tanto a distribuição se- entre proximidade ou afastamento das figuras
qüencial, como ênfases especiais no desenho e distância emocional entre as pessoas dese-
de algum membro da família, podem se rela- nhadas. Membros da família distantes uns dos
cionar com a valência afetiva que ele tem para outros configuram um grupo familiar desuni-
o sujeito, seja num sentido positivo como ne- do, como se as pessoas fossem desenhadas
gativo. Se o próprio sujeito se coloca em pri- individualmente e não como família, e sem
meiro lugar, a hipótese é de egocentrismo e, evidência de “troca emocional” (p.296). Ao
se em último, de cerceamento. A representa- contrário, uma criança pode se colocar, no de-
ção de algum membro da família em negrito senho, ao lado de um dos pais, demonstrando
pode identificar um conflito com essa pessoa. suas próprias preferências ou efeitos do con-
Uma figura riscada pode indicar simbolicamen- flito edípico. Por outro lado, o distanciamento
te o desejo de afastá-la da família ou suben- afetivo pode ter uma representação simbólica
tender um desejo de sua morte. Igualmente, pela interposição de elementos extras entre
se um membro da família é circunscrito num membros da família, que denunciam uma in-
círculo, pode ter essa mesma significação ou terferência no canal de comunicação ou no in-
pode denotar uma ênfase especial por razões tercâmbio afetivo. Um exemplo disto seria o
afetivas ou circunstanciais (problema de doen- desenho de uma árvore entre as figuras do pai
ça, por exemplo). A inclusão, na representa- e da mãe, que pode sugerir dificuldades no
ção familiar, de pessoas já falecidas pode su- relacionamento do casal ou o desejo de sepa-
gerir fixação. E se a família é desenhada em rá-los. Aliás, para clarear a significação afetiva
grupos que se distanciam uns dos outros, há das relações mútuas, é importante observar a
uma hipótese de divisão na constelação fa- expressão facial que o sujeito empresta a cada
miliar. figura, que pode apresentar um ar afetuoso,
Hammer (1991), que também considera bondoso ou, pelo contrário, agressivo ou proi-
valioso o desenho da família se o psicólogo está bitivo.
interessado “na percepção que o paciente tem O sujeito que se sente rejeitado, não aten-
de si mesmo na família e/ou na percepção de dido, carente, desenhará a si mesmo (caso se
sua relação com as figuras parentais e dos ir- inclua na representação familiar) de um modo
mãos” (p.297), pondera que, na sua análise, o diferente daquele que se percebe como o filho
tamanho “talvez seja a variável mais importante preferido. A inclusão ou a omissão do próprio
(p.294). Deste modo, uma grande figura ma- sujeito se associa com a presença ou não de
PSICODIAGNÓSTICO – V 515
Neste nível de conteúdo, salienta quatro sentações simbólicas, deve-se tentar analisar a
pontos que devem ser especialmente conside- sua possível significação.
rados: a valorização do personagem principal, Finalmente, observa-se que, neste nível de
a desvalorização de um personagem, a distân- conteúdo, Corman (1967) dá uma ênfase im-
cia entre as figuras e a presença de represen- portante à interpretação dos conflitos infan-
tações simbólicas. tis, principalmente aos que considera mais
O personagem principal é o mais importante notórios, “os conflitos de rivalidade fraterna e
no sentido de que as relações do sujeito com os conflitos edípicos” (p.59).
ele são especialmente significativas, seja por- Groth-Marnat (1999) salienta a forma como
que “o admira, inveja, teme” (p.54), seja por- as figuras são representadas, bem como a or-
que com ele se identifica. Evidencia-se como a dem seqüencial em que aparecem, que permi-
primeira figura a ser desenhada; pela coloca- tiriam explorar as relações interfamiliares e a
ção em primeiro lugar; pelo maior tamanho; maneira como o sujeito se percebe dentro do
por merecer um traçado mais cuidado, mais contexto. Valoriza, especialmente, a primeira
caprichado ou com mais adornos; por sua lo- colocação, que identifica a pessoa com a qual
calização ao lado de uma figura importante (do estão associados os sentimentos mais fortes
pai, por exemplo); por ser desenhado em posi- do sujeito, sejam positivos ou negativos. A
ção mais central, de modo que chame a aten- omissão do sujeito é explicada por ausência de
ção entre as outras figuras ou concentre a aten- poder ou de influência na família. Variações no
ção dessas figuras; por ser aquela mais enfati- traçado, borraduras ou o uso da cor podem
zada, por representar o próprio sujeito, que indicar sentimentos em relação a membros fa-
com ela se identifica. miliares específicos.
A desvalorização implica intentos de nega- Já no desenho cinético da família, a dinâ-
ção, que é indicada, freqüentemente, pela mica das relações familiares é especialmente
omissão total de uma figura ou de detalhes da focalizada, sendo importante identificar a pre-
mesma. Mas pode também ser sugerida pelo sença ou a natureza das interações. As ativida-
tamanho menor que as outras figuras; pela des representadas, às vezes, são estereotipa-
colocação seqüencial em último lugar; por sua das, refletindo papéis do cotidiano da família,
localização distanciada das demais, horizontal- mas, mesmo assim, o fato de a criança selecio-
mente ou em plano inferior; por sua represen- nar uma ação específica pode ter significação.
tação menos caprichada, cuidada ou detalha- Burns e Kaufman (1978) lembram que a ação
da; por ser depreciada de alguma maneira, de cozinhar, por exemplo, aparece freqüente-
como pela omissão do nome; ou, ainda, por mente, porém, simboliza uma figura materna
ser uma figura com que raramente o sujeito se protetora, enquanto a atividade de limpar se
identifica. associa “com mães compulsivas que se preo-
A distância entre as figuras associa-se com cupam mais com a casa do que com a gente
dificuldades no relacionamento e tanto pode que a habita” (p.27). Já o pai, que é represen-
ser indicada pelo afastamento entre as re- tado guiando um carro ou no trabalho, parece
presentações dos personagens quanto por não estar tão integrado na família como aque-
outros indícios, como por um traço de sepa- le que está lendo o jornal, pagando as contas
ração. ou brincando com os filhos, que “são ativida-
Outro ponto importante a ser considerado des freqüentes de pais normais” (p.27).
é a inclusão de animais, domésticos ou selva- Conforme Groth-Marnat (1999) comenta,
gens, no desenho do sujeito, que serviriam para se um membro da família é representado “em
a expressão mais livre de diferentes tendências posição precária” (p.331) ou no verso do pa-
pessoais, que podem, assim, ser mascaradas. pel, pode-se pressupor a existência de tensão
Desta maneira, desenhar irmãos como figuras ou, mesmo, de conflito não resolvido do sujei-
de animais seria uma forma de desvalorizá-los to com essa pessoa. No caso de o sujeito não
como pessoas. Mas, como se trata de repre- bem desenhado, há “insegurança quanto aos
CASO ILUSTRATIVO
PSICODIAGNÓSTICO – V 517
dos irmãos, o que condiz com o fato de ser ter a mesma idade. Identifica-se com o pai (pelo
mais valorizado por ela. Mas, mesmo sendo desenho), mas também não se aproxima dos
mais velho, sua figura é menor que a de César, demais. Permanece de braços abertos, mas não
o que se relaciona, por certo, à competição dá nem recebe. O sentimento de rejeição fica
entre ambos e com o desejo deste de que Rob- evidente, assim como a valorização dos irmãos
son seja inferior a ele. ou, mais especificamente, da irmã, embora
Ellen, a irmã gêmea de César, é desenhada valorize mais o pai, com quem se identifica.
em tamanho maior que ele, inclusive maior que As figuras são pobres, com expressão hu-
todas as figuras do sexo masculino, assim como milde, sem adornos. Falta riqueza expressiva.
a mãe é a maior da família. Evidencia-se a va- Além disso, não há uma percepção integrada
lorização das figuras femininas, talvez em fun- da estrutura familiar (as figuras estão distan-
ção do papel da mãe, que é o mais produtivo tes, flutuando), o que denuncia a distância afe-
da família. tiva, que é real na família.
César sente-se o mais rejeitado, o menor. É Tais dados foram corroborados por outros
o último a ser representado, distante de to- de outras fontes, durante o processo psicodiag-
dos. Desenha-se depois da irmã, apesar de esta nóstico.
ADMINISTRAÇÃO
Neli Klix Freitas, Jurema Alcides Cunha
35
de papel: uma, com linhas incompletas, para o
sujeito completar o desenho, e as demais para
Para a administração do teste, o psicólogo en- que desenhe uma casa, uma árvore, uma pes-
trega ao sujeito três folhas de papel em bran- soa (completa), uma pessoa do sexo oposto
co, lápis e borracha, solicitando-lhe que dese- (completa), ele mesmo (completo) e qualquer
nhe uma casa, uma árvore e uma pessoa. Con- outra coisa que queira. Segue-se um questio-
tudo, Hammer (1991) propõe que se dê uma nário de quinze perguntas, numa base de faz-
folha de cada vez, colocando-a com a dimen- de-conta.
são maior horizontalmente na frente do sujei- Hammer (1991) faz a complementação dos
to, para o desenho da casa, e verticalmente, desenhos acromáticos com uma fase cromáti-
para o desenho da árvore e da pessoa. Já Gro- ca, que constitui um recurso para explorar “ca-
th-Marnat (1999) lembra a versão que foi su- madas mais profundas da personalidade” (p.1),
gerida por Burns e Kaufman, em 1970, em que permitindo obter um quadro “da hierarquia de
é fornecida uma única folha de papel para que conflitos e defesas do paciente” (p.31). Neste
o sujeito nela faça os três desenhos. Essa pro- caso, são fornecidas mais três folhas em bran-
posta é valiosa para se analisar as inter-rela- co, borracha e lápis de cor. As instruções são
ções dos três desenhos. as mesmas, e, após a fase cromática, é feito
Costumeiramente, a fase gráfica é seguida um interrogatório como anteriormente.
por uma fase verbal. Nesta, pode-se utilizar Morris (1976) salienta também a importân-
uma abordagem mais aberta, sugerindo ao cia das observações durante a testagem. De-
sujeito que fale sobre a casa, a árvore e a pes- vem-se registrar as reações do sujeito às ins-
soa que desenhou, que conte uma história truções, que podem envolver indícios de an-
usando os três elementos, ou, ainda, pode ser siedade, resistência, desconfiança ou, pelo con-
usado um procedimento mais estruturado. No trário, de cooperação ou de aceitação passiva
Anexo E, pode ser encontrada uma lista de per- da tarefa. Além disso, devem-se anotar o tem-
guntas utilizada no interrogatório. po de reação e os comportamentos verbais e
Para muitos psicólogos, a administração do não-verbais. Caso o sujeito manifeste ansieda-
HTP resume-se a essas fases. Não obstante, en- de, resistência ou desconforto, recomenda-se
contram-se outras versões. Topper e Boring dizer que não se preocupe em chegar a uma
(1969) propuseram a utilização de sete folhas produção artística, porque não se pretende
PSICODIAGNÓSTICO – V 519
avaliar sua aptidão, mas sim a maneira como outras pessoas significativas, “uma vez que as
desenha. projeções que fazemos em outras pessoas (in-
cluindo nossos pais) são, na verdade, projeções
externas de autopercepções e de sentimentos”
INTERPRETAÇÃO (p.142).
Hammer (1991) acha que os três desenhos
Simbolismo da casa, árvore e pessoa. Para ana- proporcionam simultaneamente informações
lisar os desenhos da casa, árvore e pessoa, é em diferentes níveis de personalidade. O dese-
essencial “considerar as áreas mais amplas da nho da pessoa revela “o grau de ajustamento
personalidade investigadas por esses três con- num nível psicossocial”, enquanto a árvore,
ceitos” (Hammer, 1991, p.125). como investiga os “sentimentos e auto-atitu-
De um modo geral, pensa-se na casa como des mais duradouros e profundos” (p.41), é o
o lar e suas implicações, subentendendo o cli- desenho menos suscetível a mudanças em si-
ma da vida doméstica e as inter-relações fami- tuações de reteste. Por outro lado, consideran-
liares, tanto na época atual como na infância. do a pessoa e a árvore como extremos de um
Em conseqüência, há uma tendência para as continuum, a casa estaria em algum ponto
crianças expressarem suas relações com pais e entre ambas. Já os desenhos cromáticos suple-
irmãos, enquanto as pessoas casadas vão re- mentam os acromáticos, porque atingem ca-
fletir, no desenho, aspectos de suas relações madas mais profundas da personalidade, em
adultas com os demais membros. Contudo, razão do impacto emocional da cor, de sua
quanto mais comprometido estiver o sujeito, associação com aspectos infantis (lápis de cor,
mais existe a probabilidade de projeções de usados na infância) e em decorrência do fato
relações mais regressivas. Nesta linha de pen- de que o sujeito, ao chegar à fase cromática,
samento, entender-se-ia o ponto de vista de está afetivamente mais vulnerável do que no
que, “para algumas pessoas, a casa reflete suas início da tarefa.
relações com a mãe” (Groth-Marnat, 1984, Impressão geral. Na análise do desenho, em
p.141), já que a interação infantil mais carac- primeiro lugar é essencial identificar a impres-
terística é com a figura materna. Assim, a casa são geral que causa. Pressupondo-se que a
envolve a percepção de família, seja numa óti- casa, a árvore e a pessoa especificamente de-
ca atual, passada ou, ainda, num futuro ideali- senhadas tenham sido selecionadas por terem
zado, mas também aspectos do ego que tem uma significação simbólica para o sujeito, como
tal percepção, que podem representar um auto- temas importantes de sua vida passada ou por
retrato (Hammer, 1991). se associarem com aspectos mais profundos
A árvore e a pessoa permitem investigar o de sua personalidade, algo de muito pessoal
que se costuma chamar de auto-imagem e se comunica pela impressão geral transmitida
autoconceito (Hammer, 1991) ou “diferentes pelos conteúdos projetados. Um salgueiro, por
aspectos do self” (Groth-Marnat, 1999, p.525). exemplo, batido pelo vento, sugere sentimen-
Aspectos projetados na árvore associar-se-iam tos e atitudes bem diversos de um carvalho
com conteúdos mais profundos da personali- frondoso, assim como a figura de um príncipe
dade, enquanto, na pessoa, revelariam “a ex- altaneiro provoca uma impressão contrastan-
pressão da visão de si mesmo mais próxima da te com a de um mendigo maltrapilho deitado
consciência e de sua relação com o ambiente” numa calçada. Campos (1977) faz comentários
(Hammer, 1991, p.126). Não obstante, existe sobre a impressão global de vazio, de nudez,
uma hipótese de que a árvore reflete a relação transmitida por alguns desenhos, enquanto
com o pai, assim como o desenho da casa en- outros se caracterizam por harmonia e, ainda
volveria aspectos da relação com a mãe. Gro- outros, por inquietude.
th-Marnat (1984) diz que não é absurda a pres- Interpretação de aspectos projetivos e ex-
suposição de que as três figuras explorariam pressivos globais. Van Kolck (1975) e Campos
sentimentos sobre si mesmo ou em relação a (1977) recomendam o exame de uma série de
PSICODIAGNÓSTICO – V 521
pode ser atribuída à imaturidade. Da mesma modificada se ela se apresenta com uma quan-
maneira, só é adequado fazer interpretações tidade densa de fumaça, o que pode refletir
com enfoque projetivo com base em aspectos tensão ou sugerir conflito nas relações fami-
que podem envolver coordenação visomanual liares (Hammer, 1991).
e organização perceptoespacial, se puderem ser A linha de solo dá indícios sobre o contato
desconsiderados outros fatores etiológicos com a realidade, principalmente no que se re-
para a explicação das dificuldades encontradas. fere à qualidade e à firmeza do traço. Os cami-
O tamanho do telhado relaciona-se com a nhos devem ser examinados com cuidado. Em
medida em que a fantasia distorce ou invade o princípio, significam vias de acesso e de comu-
funcionamento mental. Em casos extremos, o nicação, mas também podem ser usados como
telhado acaba por se constituir na representa- barreiras ou meios de proteção, dificultando
ção total da casa toda, em que são acrescenta- as interações. Os demais acessórios, como cer-
das portas e janelas, tipo de desenho mais fre- cas, arbustos, flores, etc., sempre devem ser
qüentemente encontrado em pacientes esqui- considerados em termos de sua finalidade de
zofrênicos. Num outro extremo de um conti- facilitar o intercâmbio com o mundo externo
nuum, a ausência de telhado verifica-se em ou, pelo contrário, de estabelecer meios de
sujeitos geralmente incapazes de regressão a defesa ou de proteção.
serviço do ego, “em personalidades reprimidas
e com orientação concreta” (Hammer, 1991,
p.128). Já o reforço do telhado denota esfor- INTERPRETAÇÃO DO DESENHO DA ÁRVORE
ços defensivos contra impulsos que buscam
expressão na fantasia. A árvore, além dos aspectos já discutidos sobre
Portas e janelas representam canais de co- simbolismo, de acordo com Buck, conforme
municação ou vias de acesso ao mundo exter- Burns e Kaufman (1978), representa o cresci-
no. Portanto, a sua ausência significa inacessi- mento, e, como Campos (1977) comenta, pode
bilidade, isolamento. Tentativas do ego de per- revelar sentimentos do sujeito em várias fases
manecer inacessível também são indicadas pela de seu desenvolvimento, simbolizado pela pro-
colocação da porta muito acima da linha de gressão da raiz até a copa. Assim, o tronco re-
solo, inclusive sem o acesso por degraus. Já a fletiria sentimentos de poder e a força do ego,
porta de tamanho muito grande sugere fortes a estrutura dos galhos forneceria indícios sobre
necessidades de dependência, e a porta aber- como o sujeito percebe sua capacidade de en-
ta, “intensa necessidade de reforço emocional contrar satisfação no ambiente e a organiza-
de fora” (Hammer, 1991, p.129). Ainda que as ção total teria que ver com seus sentimentos
janelas constituam uma forma de contato se- sobre o próprio equilíbrio emocional. Entretan-
cundária com o ambiente (Hammer, 1991), to, em termos essenciais, conforme o ponto
podem denotar uma diminuição na interação, de vista de vários autores, citados por Groth-
na medida em que aparecem fechadas ou tran- Marnat (1984), a representação de uma árvo-
cadas, pois tal tipo de representação já teria re pressupõe um tronco e, pelo menos, um
um sentido defensivo. Por outro lado, o acrés- galho. “Se esses elementos críticos estão fal-
cimo de cortinas, persianas ou o desenho da tando, deve ser considerada uma deterioração
janela apenas parcialmente aberta, são com- intelectual” (p.139).
patíveis com a existência de interações com o A impressão geral do desenho é, em gran-
ambiente, mas controladas. de parte, determinada pela colocação no pa-
A presença ou não de chaminé pode ser pel e pelo tipo de árvore.
explicada por motivos socioculturais. Mas, ape- A árvore bem centrada relaciona-se com
sar disso, é freqüentemente representada, por equilíbrio e bom relacionamento com ambos
se prestar como um símbolo de “calor psicoló- os sexos. A colocação para a esquerda já não
gico”, conforme Buck, em referência de Gro- sugere equilíbrio emocional e se associa com
th-Marnat (1984). Porém, tal hipótese deve ser forte influência materna, ao passo que, para a
PSICODIAGNÓSTICO – V 523
produções gráficas, eventualmente atribuindo-
a a aspectos emocionais, quando outros fato-
res estão em jogo.
INDICADORES DIAGNÓSTICOS
Traços psicóticos
PSICODIAGNÓSTICO – V 525
c) figura humana frágil, mas organizada,
sugerindo impotência; ênfase na cabeça e no
tronco; semblante triste; figura simétrica rela-
cionada com controle obsessivo;
De um modo geral, os desenhos apresen-
tam tamanho pequeno, sem sugestão de mo-
vimento, com traçado débil, trêmulo, cortado,
inibido. A localização pode variar, mas, habi-
tualmente, são desenhos soltos “no ar”. Nas
Figuras 35.4, 35.5 e 35.6, têm-se as produções
no HTP de uma mulher, de 41 anos, com crise
depressiva, em razão da perda recente de um
filho de 16 anos por leucemia.
Figura 35.7 Desenho da casa de uma mulher, de 43 Figura 35.9 Desenho da pessoa de uma mulher, de 43
anos, com traços hipomaníacos (HTP). anos, com traços hipomaníacos (HTP).
PSICODIAGNÓSTICO – V 527
MÓDULO XIII – Wechsler Intelligence Scales (WIS)
PSICODIAGNÓSTICO – V 529
jam compatíveis. É preciso, então, conhecer as certo ponto semelhantes, mas que podem ob-
escalas e o sujeito. A escala deve corresponder ter escores diversos; em segundo lugar, para
à idade do sujeito. Mas há superposição de al- evitar certa tendenciosidade ou um efeito de
gumas escalas em certas faixas etárias, e é im- halo. Freqüentemente, após uma série de res-
portante considerar qual a mais adequada, postas de boa qualidade (ou, ao contrário, de
conforme os objetivos do exame. Por outro má qualidade), pode ocorrer que o examina-
lado, são importantes certas informações pré- dor não se empenhe muito no inquérito de uma
vias sobre o sujeito, para prevenir fatores que resposta não muito completa, porque parece
podem interferir no desempenho (como pre- que já “sabe” o que o examinando quer dizer.
sença de dificuldades verbais ou motoras, ne- Entretanto, se vai atribuir o escore só mais tar-
cessidade do uso de óculos para a leitura e mão de, procurará reunir o máximo de dados para
preferencial). fundamentá-lo.
A cada escala corresponde um material es- Segundo uma revisão feita por Groth-Mar-
pecífico e pressupõe instruções, que variam de nat (1999), entre os erros mais freqüentes, na
um instrumento para outro. O psicólogo deve administração, estão a omissão do registro de
estar suficientemente familiarizado com este, respostas e do tempo de desempenho do su-
de modo que o sujeito constitua o seu princi- jeito; omissão de inquérito, quando indicado,
pal foco de atenção, e não o material, as nor- bem como inquérito inadequado (em desacor-
mas e as instruções. É evidente que estas de- do com as instruções).
vem ser seguidas, para que o resultado seja Quando o psicólogo não registra a respos-
uma medida válida. Devem ser adequada e in- ta textual, atribuindo logo o escore, ou quan-
teiramente memorizadas. Por outro lado, a fa- do anota apenas lembretes resumidos, com a
miliaridade com o material pressupõe o seu finalidade precípua de manter apenas os da-
manejo prévio, para garantir segurança em sua dos pertinentes e adequados para a atribuição
manipulação. Assim, o psicólogo, antes de ini- posterior do escore, muitas vezes são perdidos
ciar a testagem, deve dispor de todo o mate- indícios clínicos importantes, ainda que às ve-
rial de forma acessível e organizada, de ma- zes sutis, para a compreensão de dificuldades
neira a não usar mais de quinze segundos para em nível de ego.
manipulá-lo, entre um subteste e outro. Assim, a partir do pressuposto de que qual-
Além de memorizar as instruções para a quer das escalas Wechsler, mais do que uma
administração, é importante que o psicólogo medida de inteligência, é um importante auxi-
tenha em mente as normas para a atribuição liar no processo diagnóstico total, pode-se con-
de escores, não com a intenção de quantificar cluir que o psicólogo não deve orientar o in-
imediatamente as respostas, mas para ser ca- quérito apenas para fundamentar o escore, mas
paz de conduzir perguntas adicionais, para para uma compreensão mais ampla e profun-
obtenção das informações necessárias a per- da, que possa revelar não só peculiaridades na
mitir precisão na atribuição posterior do es- organização do pensamento, mas também
core. conteúdos emocionais, que não devem passar
Sendo o sujeito o principal foco de aten- despercebidos. Matarazzo (1976) comenta o
ção, todo o seu comportamento verbal e não- caso de um sujeito ter um bom desempenho
verbal deve ser observado e, tanto quanto pos- nos subtestes de execução do WAIS e, inclusi-
sível, anotado. Desse modo, desaconselhamos, ve, em boa parte do Arranjo de Figuras, mas
na maior parte dos subtestes, a atribuição de demonstrar dificuldade especial no item Táxi,
escores imediata à resposta do sujeito, da mes- podendo-se pressupor que seu conteúdo teve
ma forma que aconselhamos que as respostas um efeito perturbador, pela ansiedade que o
sejam registradas textualmente, a não ser quan- tema de cunho sexual despertou. Trata-se de
do muito objetivas ou estereotipadas. Em pri- um instrumento psicométrico, mas isso não
meiro lugar, porque realmente é difícil evitar constitui impedimento para que certas respos-
uma boa margem de erro ante respostas até tas ou a omissão de respostas assumam uma
PSICODIAGNÓSTICO – V 531
escala verbal, porque a graduação de dificul- tamos desconsiderando normas, uma vez que
dades, nessas provas, é muito menos sujeita a não existem normas brasileiras. Entretanto,
influências socioculturais. ainda que consideremos tal procedimento cli-
Quanto a subtestes essencialmente verbais, nicamente defensável, admitimos que só deva
não padronizados para o nosso meio, a nossa ser usado em caráter precário.
opinião já é diversa. Acontece que os itens de Nas escalas Wechsler mais recentes, foi ado-
subtestes essencialmente verbais são ordena- tado o recurso de entremear subtestes verbais
dos em função do grau de dificuldade crescen- com os de execução, como meio de manter o
te, verificado na padronização americana, e nível de interesse do sujeito. No WISC e no
nada nos autoriza a pensar que seja idêntico WAIS, não consta tal recomendação. Entretan-
no Brasil. Aliás, numa pesquisa em que anali- to, parece viável que, se durante os testes fo-
samos o grau de dificuldade dos itens de al- ram observados sinais de fadiga ou de insatis-
guns subtestes do WPPSI, verificamos que a fação, principalmente porque as tarefas se pa-
ordem encontrada em nosso meio foi bastan- recem muito com atividades escolares, seja
te diversa da original. Assim sendo, enquanto possível utilizar o mesmo procedimento.
não houver pesquisas que nos autorizem a pro- Para concluir, insistimos na necessidade de
ceder de outra forma, nos subtestes de Infor- registrar todo o comportamento verbal e não-
mação, Compreensão e Vocabulário, costuma- verbal do sujeito, bem como as impressões que
mos administrar todos os itens, com exceção nos transmite. Além disso, é importante pro-
dos casos com suspeita de limitações intelec- curar explorar todas as possibilidades de res-
tuais mais severas, em que fazê-lo seria não só posta do sujeito, na escala verbal, a não ser
uma perda indevida de tempo, como poderia em caso de resposta única, como em Aritméti-
representar uma pressão demasiada para o ní- ca. O potencial deve ser examinado não só para
vel de tolerância do sujeito. Contudo, intro- investigar suas implicações clínicas, mas para
dutoriamente, no caso de crianças, costuma- diminuir as probabilidades de que fatores emo-
mos dizer que o teste se aplica a crianças pe- cionais venham a interferir na produtividade.
quenas e até a adolescentes, e que, natural- Por exemplo, a resposta “Não sei” pode indi-
mente, há itens muito fáceis e outros bem mais car desconhecimento, mas também oposição,
difíceis. Tal explicação geralmente é suficiente insegurança ou medo de errar. Subjacentemen-
para que a criança não se sinta por demais te, podem se encontrar fatores cognitivos ou
ansiosa ante possíveis fracassos. Além disso, emocionais, envolvendo um potencial inusita-
quando os fracassos começam a ocorrer mais do ou dados qualitativos. Portanto, o sujeito
amiúde, costumamos comentar que parece que deve ser estimulado a desenvolver sua respos-
“isto” ela ainda “não teve na escola”. ta, mesmo que esta seja dada como “palpite”.
Entre os subtestes de execução, Completar Naturalmente, tais perguntas, no inquérito,
Figuras também parece apresentar o mesmo devem ser devidamente assinaladas, assim
problema quanto ao grau de dificuldade dos como as perguntas que o sujeito faz para es-
itens. Neste, como nos subtestes essencialmen- clarecer uma situação, explorar possibilidades
te verbais, costumamos administrar todos os ou controlá-la e dominá-la (Glasser & Zimmer-
itens, considerando, para o escore, todos os man, 1972).
acertos. Em relação a possíveis críticas referen- Evidentemente, para tal fim, quase sempre
tes à conduta adotada, lembramos apenas que, a folha de registro tradicional é insuficiente,
para a padronização de qualquer teste, são mas vale a pena o trabalho. Não só facilitará a
aplicados todos os itens, e somente a partir do supervisão, quando se tratar de psicólogo ini-
processamento de dados é possível definir nor- ciante, como oferecerá a todos uma riqueza
mas. Neste caso, não se costuma levar em conta de dados clínicos, muito importantes na inter-
as possíveis frustrações ou ansiedades devidas pretação final dos resultados. A folha de regis-
a fracassos inevitáveis. Assim, não cremos que tro tradicional continua indispensável do pon-
estamos exigindo demais do sujeito e não es- to de vista quantitativo. Podem ser acrescen-
PSICODIAGNÓSTICO – V 533
sinônimos, digamos que um é bom, outro, re- erros mais comuns na questão do escore dos
ferente a um uso secundário ou pouco comum itens: a) omissão ou erro no assinalamento do
do vocábulo ou, ainda, que seja vago e impre- escore correspondente, em testes executivos,
ciso e um que pode ser considerado como uma em que a correção e o tempo são critérios para
resposta errada. Neste caso, conduzimos o in- escore e bônus de tempo; b) indulgência ou
quérito, para verificar qual o sentido que a severidade na atribuição do escore; c) cálculo
palavra realmente tem para o sujeito. Às ve- incorreto do escore bruto ou erro por não con-
zes, é suficiente perguntar qual, dentre as vá- versão do escore bruto em ponderado. Enfim,
rias opções, a que o sujeito considera a mais erros de cálculo, no manejo das escalas, são
adequada, tentando ver as razões para tal es- apontados como surpreendentemente eleva-
colha. Se o sujeito consegue optar pela resposta dos.
correta e justifica a sua opção, utilizamos tal
explicação para fins de escore. Se o sujeito in-
siste em que o sinônimo adequado e o vago PROBLEMAS ESPECÍFICOS NA
podem ser usados como alternativas, todavia, ADMINISTRAÇÃO E ESCORE DOS
demonstrando compreensão, ainda concede- SUBTESTES*
mos o escore. Mas se insiste que tanto o si-
nônimo correto como a resposta obviamente in- Informação
correta podem ser usados como alternativas,
consideramos a resposta negativa, pois não de- Informação é bastante satisfatório como sub-
monstrou conhecer a significação da palavra. teste introdutório, porque não contém aspec-
Já nas provas com limite de tempo, parece tos por demais ansiogênicos ou ameaçadores.
ser possível aceitar correções, desde que não Assim, mesmo quando se costuma intercalar
ultrapassem o tempo previsto. Assim, no caso subtestes da escala verbal e de execução, esta
de uma resposta imediata, mas hesitante, ou tarefa, como inicial, parece muito aceitável tan-
obviamente impulsiva, costumamos perguntar to para adultos, como para crianças. Porém,
ao sujeito se está seguro de que esta é a res- certo grau de reserva, falta de espontaneidade
posta e alertar que há tempo disponível. Fre- ou, até mesmo, certa apreensão, constituem
qüentemente, isso ocorre por influência de modos adaptativos frente a uma situação des-
ansiedade, exatamente na primeira prova em conhecida. Entretanto, geralmente tais atitu-
que se começa a marcar o tempo. Uma obser- des não chegam a prejudicar a produtividade.
vação deste tipo, feita em tom casual, por ve- Sinais mais acentuados de timidez, ansiedade
zes leva o sujeito a se recuperar de uma inefici- ou de algum outro comportamento em desa-
ência temporária. cordo com a expectativa devem ser observa-
Como já referimos, muitas vezes parece dos (Glasser & Zimmerman, 1972).
importante que o sujeito complete a tarefa em Os primeiros itens são cruciais para indiví-
que se empenha, apesar de ultrapassar o tem- duos com limitações mais severas, tanto que,
po limite, no caso, por exemplo, de Cubos ou em caso de fracasso completo, é importante
de Armar Objetos. Isso nos permite avaliar se considerar a conveniência de interromper a
o sujeito tem um desempenho eficaz, embora prova, substituindo-a por uma mais discrimi-
lento. Todavia, deve-se ter o máximo cuidado nativa nos níveis mais baixos. As escalas We-
de registrar o que o sujeito conseguiu realizar chsler atualmente cobrem praticamente todas
até o limite do tempo; por exemplo, quais as as faixas etárias em que o sujeito é testável, a
peças do objeto que conseguiu juntar, para que não ser em idades muito precoces. De forma
o escore se baseie exclusivamente em tal de- que, eventualmente, se pode utilizar o mesmo
sempenho.
Quanto ao escore, em geral, as informações
dos manuais são bastante claras. Entretanto, *Subtestes específicos do WISC-III e do WAIS-III são in-
é bom recapitular, com Groth-Marnat (1999), cluídos noutros capítulos.
PSICODIAGNÓSTICO – V 535
subteste, por procurarem dar soluções inusi- estamos lhe dando uma oportunidade para
tadas aos problemas. O inquérito não deve in- chegar à resposta correta, se usa princípios ló-
duzir o sujeito a tal atitude. Neste subteste, o gicos, resposta esta que será considerada, se
inquérito visa primordialmente a verificar o for dada dentro do tempo limite. Se a resposta
grau de compreensão, tentando deslindar o certa ocorre após esse tempo, o escore é zero,
raciocínio subjacente à resposta. sugerindo apenas um indício qualitativo.
A distratibilidade freqüentemente afeta os
escores, em conseqüência da ansiedade. Por-
Aritmética tanto, a presença de indícios a este respeito,
no comportamento do sujeito, deve ser obser-
Este é o subteste mais semelhante à experiên- vada e anotada, pois poderá ser de ajuda na
cia com atividades escolares que o sujeito tem interpretação de flutuações de escore. Por ou-
ou teve. Por um lado, este fato pode influir tro lado, as respostas obviamente estranhas
desfavoravelmente, no caso de o indivíduo ter podem eventualmente ocorrer nos itens mais
alguma atitude negativa ou insegurança, por difíceis, tornando o subteste “uma medida de
fracassos na área escolar ou, ainda, por julgar processos de pensamento desviantes” (Glasser
que sua aptidão para a matemática é escassa. & Zimmerman, 1972, p.5).
Por outro lado, especialmente em crianças e
adolescentes, permite levantar indícios sobre
atitudes a respeito da aprendizagem, aprovei- Semelhanças
tamento escolar e sobre sucessos e fracassos
na área escolar. A administração de Semelhanças geralmente
Exatamente por causa da atitude que os não envolve problemas maiores, mas apenas
sujeitos possam ter sobre a sua capacidade para algumas dificuldades específicas. Estas ocorrem
resolver problemas aritméticos, nas escalas quando o sujeito diz que não existem seme-
para adultos, não se menciona a natureza da lhanças ou começa a assinalar diferenças. Vá-
tarefa ao introduzi-la. rios autores sugerem diferentes recursos para
Outro aspecto que deve ser observado é que se maneje a situação. Tais dificuldades ocor-
que, dentro da escala, Aritmética é o primeiro rem especialmente no WISC e no WAIS, em que
subteste em que o cronômetro é utilizado. As- não havia instruções especiais a respeito. Logi-
sim, eventualmente, o sujeito dá uma respos- camente, tais dificuldades passaram a ser con-
ta errada, de forma insegura, bem antes do sideradas no desenvolvimento das escalas. No
tempo limite. Neste caso, costumamos pergun- WAIS-R, por exemplo, se no item Laranja-ba-
tar ao sujeito se está certo de sua resposta ou nana o sujeito dá uma resposta de nível 1, como
se quer pensar um pouco mais, pois ainda dis- “Você come as duas”, o examinador deve di-
põe de tempo. Pretendemos, pois, que o sujei- zer: “Está certo, você come as duas. Também,
to entenda que não deve ser apenas rápido, ambas são frutas” (Wechsler, 1981a, p.86).
mas também eficiente. Igualmente, os dois tipos de resposta são apre-
Rapaport e colegas (1969), ante um fracas- sentados, se o sujeito fracassa ou dá uma res-
so, consideravam importante determinar o tipo posta errada. Nos itens subseqüentes não se
de raciocínio implícito, já que o pensamento dá qualquer ajuda.
pode ser lógico, mas haver erro de cálculo. Na Zimmerman e colegas (1976) apresentam
realidade, muitas vezes a própria resposta ofe- uma dificuldade extra. Trata-se do caso em que
rece indícios neste sentido. Portanto, aconse- o sujeito responde corretamente o item Laran-
lhamos registrá-la, em vez de simplesmente ja-banana e, ao lhe ser apresentado o item se-
classificá-la como certa ou errada. Por outro guinte, diz: “O mesmo que nas frutas”. Segun-
lado, quando estimulamos o sujeito a pensar, do esses autores, essa resposta deve ter um
sem lhe dizer que a resposta está certa ou er- escore zero, mas, se o sujeito acrescentar
rada, mas sugerindo apenas que tem tempo, “...ambos servem para vestir”, deve-se dar dois
PSICODIAGNÓSTICO – V 537
Vocabulário cure a definição do vocábulo em dicionários
usuais, para verificar a adequabilidade de uma
Vocabulário, geralmente, não apresenta difi- determinada acepção, e, em seguida, que se
culdades maiores em sua aplicação, pois é bem determine o escore, a partir dos critérios cons-
aceito pela maioria dos sujeitos. Se o examina- tantes nos manuais.
dor está bem familiarizado com o sistema de
escore, também não terá dúvidas para decidir
se deve estimular o examinando ou não. Não Código e Casa de Animais
obstante, há alguns aspectos para os quais é
necessário chamar a atenção. É importante que, antes de dar as instruções,
Quando administramos o subteste a sujei- o psicólogo se informe se o sujeito é destro ou
tos inteligentes, às vezes são dadas respostas não. Se o sujeito é canhoto, geralmente cobre
por demais casuais para os itens fáceis. Zim- a chave com a mão, ao copiar os símbolos, e é,
merman e colegas (1976) acham que se deve então, necessário colocar uma segunda folha
explorar respostas lacônicas, mesmo que me- de registro, dobrada, à sua frente, de maneira
reçam escore 2, solicitando explicação mais que uma chave de código extra fique bem visí-
ampla. Por vezes, o que se observa é uma preo- vel. Nas escalas WISC-R mais recentes, as ins-
cupação de que a resposta constitua um sinô- truções prevêem que tal folha seja colocada
nimo perfeito. A solicitação de uma resposta quando, ao iniciar a tarefa, se observar que o
mais ampla não só permitirá verificar se a sig- sujeito está cobrindo o código com a mão.
nificação atribuída é realmente adequada, O subteste não apresenta muitas exigências
como facilitará a resposta do sujeito a itens que para o examinador, exceto no caso de Casa de
não podem ser respondidos com simples sinô- Animais, em que as instruções devem ser se-
nimos. guidas muito cuidadosamente, devendo-se
Muitas vezes, apresentam-se dúvidas e va- anotar, além do tempo, erros e omissões. Nas
cilações através das respostas: “Não sei” ou “Sei demais escalas, os erros e as omissões ficam
o que quer dizer, mas não sei explicar”. Nestes registrados, e o examinador, além do tempo,
casos, o sujeito deve ser estimulado a falar, no deve apenas observar comportamentos espe-
primeiro caso, sugerindo-se que adivinhe, ou, ciais. No entanto, se essas falhas ocorrerem du-
no segundo caso, que procure usar a palavra rante o exercício prévio, devem ser corrigidas
numa frase e, depois, tente defini-la. Rapaport imediatamente, revisando-se o uso do código.
e colegas (1969) observam que a vacilação Estando este bem compreendido, prossegue-
pode ser devida apenas ao temor do fracasso se com o teste, marcando o tempo, exceto que,
ou a uma ineficiência temporária, e a adivinha- no primeiro caso de omissão de um item, deve-
ção não pode resultar numa resposta correta. se dizer que “não pule” nenhum e siga em or-
Por outro lado, a insegurança pode “encobrir dem.
associações extravagantes” (p.141). Às vezes se observa um tipo especial de erro,
Quando a resposta parece não se relacio- em que o sujeito copia corretamente certo
nar com o item proposto, pode ser que o sujei- número de símbolos e, então, deixa um espa-
to haja entendido uma palavra diferente, ou ço vazio e registra, no espaço seguinte, o sím-
pode-se tratar de uma resposta arbitrária, que bolo que corresponderia ao espaço omitido,
pode constituir um indício de patologia. continuando, depois, normalmente, para, em
Em geral, os exemplos e os critérios de es- seguida, persistir com o mesmo procedimen-
core dos manuais são suficientes para avaliar to, mesmo que advertido após a primeira omis-
as respostas e atribuir o escore. Eventualmen- são. Essa recusa tácita de seguir instruções
te, o sujeito dá uma definição que não parece não impede que se atribua escore aos acer-
arbitrária, mas que não consta nos manuais, tos, mas é importante tomar anotações a
ou, ainda, utiliza o termo numa acepção re- respeito da conduta do sujeito, como vere-
gional. Neste caso, recomendamos que se pro- mos mais tarde.
PSICODIAGNÓSTICO – V 539
retamente o que está omitido na figura. Toda- queça de dizer ao examinador” (Wechsler,
via, isso só é admitido se o examinador está 1981a, p.68).
certo de que o sujeito está apontando realmen- Parece que, se o examinador tem bem pre-
te para a parte que falta. sentes os aspectos envolvidos, se torna relati-
O fato de se aceitar a resposta não-verbal vamente fácil observar e, conseqüentemente,
apenas faz com que alguns examinadores ten- anotar o que pode ser significativo. Aliás, o
dam a ser generosos, quando, por exemplo, a primeiro ponto a ser observado é como o su-
criança aponta corretamente e diz: “Falta uma jeito ordena sua seqüência. Na grande maioria
coisinha”. Esta resposta não é admissível. É cla- dos casos, a ordenação é da esquerda para a
ro que, às vezes, a criança não sabe o nome direita. Ocasionalmente, encontramos crianças
exato do que falta. No WISC, fica claro que se que seguem a ordem inversa. Se, na colocação
pode aceitar um sinônimo, o WPPSI especifica das figuras, o sujeito parece começar pela di-
um sinônimo próximo, e o WISC-R aceita tan- reita, pergunta-se: “Onde começa a sua histó-
to um sinônimo como uma explicação com as ria?” Se a seqüência está correta, o item é con-
próprias palavras da criança. No WAIS-R, não siderado. Especialmente em avaliações neurop-
há exigência do nome exato, mas a parte cor- sicológicas, algum paciente pode ordenar suas
reta deve ser adequadamente descrita. Toda- figuras verticalmente. Não o corrija, porque
via, em caso de dúvida, sempre convém solici- pode se tratar de uma estratégia para evitar
tar que o sujeito mostre o lugar onde está fal- erros por dificuldade de atenção relativa a um
tando alguma coisa. Mesmo assim, se a indi- lado do espaço.
cação está correta mas a resposta verbal é in- Alguns examinadores solicitam sempre a
dubitavelmente incorreta, o escore é zero. É verbalização da história correspondente. Ou-
preciso que “o examinador esteja razoavelmen- tros o fazem apenas em face de um desempe-
te seguro de que a resposta verbal seja corre- nho incorreto ou falho (Glasser & Zimmerman,
ta, antes de atribuir-lhe crédito” (Wechsler, 1972; Rapaport et alii, 1965). A não ser em caso
1981a, p.46). de desempenho incorreto, costumamos soli-
citar a verbalização de uma história, mesmo
antes de uma seqüência incorreta, quando a
Arranjo de Figuras história da série anterior pareceu confusa, es-
tranha, extravagante ou, de alguma forma,
Arranjo de Figuras é um subteste em que o significativa. Também solicitamos a verbali-
sujeito, distribuindo figuras em seqüência, zação de todas as histórias quando parece
constrói historietas e, ao fazê-lo, demonstra importante avaliar os aspectos cognitivos do
compreensão de situações que envolvem in- sujeito, ou este, espontaneamente, dispõe-
ter-relações sociais, comuns na cultura atual. se a contá-las.
O sujeito precisa ter uma percepção visual das Como exame dos limites, Glasser e Zimmer-
figuras, antecipar seu seguimento e organizá- man (1972) sugerem a investigação da com-
las, usando relações de causa e efeito. Con- preensão latente, por meio de perguntas sobre
vém não esquecer as instruções para que o aspectos específicos da história. Também su-
sujeito avise quando considera a tarefa termi- gerem que se ordene a seqüência correta para
nada. Observamos muitos casos em que a or- a criança, se misturem imediatamente as figu-
denação está correta, e o sujeito a desmancha ras e se solicite que a reproduza. Já Zimmer-
e dá outra seqüência às figuras. É importante man e colegas (1976) recomendam que, ante
observar, porém, que, no WAIS-R, a recomen- um fracasso, se dê alguma pista ao sujeito,
dação para que o sujeito avise, quando ter- como, no item 8 do WAIS, dizer: “O homem
minar, é feita apenas no item 2. Entretanto, leva um manequim” ou “É a mesma pessoa em
do item 2 ao 10, o examinador deve parar o todos os desenhos”, para, a seguir, se solicitar
cronômetro, quando considera óbvio que a que apresente outra história, porque, então,
tarefa está pronta, mesmo que o sujeito “es- se pode ter “uma informação valiosa acerca de
PSICODIAGNÓSTICO – V 541
Modelo 1a cópia 2a cópia
PSICODIAGNÓSTICO – V 543
larmente nos itens em que há bonificação pelo
tempo despendido. Apenas, cremos que nem
5
sempre se tem segurança completa de que o 1
4
6
sujeito haja realmente ficado satisfeito com sua 3
construção, embora obviamente tenha para-
do de manusear os cubos. Neste caso, parece 2
que devemos anotar o tempo, em vez de parar
o cronômetro, perguntando simplesmente se 7
Armar Objetos
Armar Objetos envolve uma tarefa bem aceita Fonte: Wechsler, 1955, p.53 (A numeração é nossa.)
por crianças e adultos, a qual, como Cubos, Figura 36.2 Peças do item “Mão” no WAIS.
implica a combinação de peças para formar um
conjunto, com duas diferenças: a) não envolve
cópia, e o objeto a ser construído deve ser de-
duzido, e b) representa um objeto simples, fa- Quanto à observação do comportamento
miliar, e não um desenho geométrico (Glasser do sujeito, Rapaport e colegas (1969) recomen-
& Zimmerman, 1972; Zimmerman, Woo-Sam dam que o examinador registre a sucessão de
& Glasser, 1976). todas as manipulações, em justaposições bem
As instruções dos manuais devem ser se- sucedidas ou não. Embora tal procedimento
guidas cuidadosamente. É muito importante pareça difícil, na prática, é possível, sendo um
que o examinador esteja bem treinado na dis- procedimento indicado no WAIS-R NI (Kaplan,
tribuição das peças, em termos de localização, Fein, Morris et alii, 1991). Evidentemente, com
orientação e da distância relativa entre as mes- o auxílio de um diagrama, a seqüência dos su-
mas. Muito cuidado é preciso ter no sentido cessivos ensaios pode ser registrada, com a
de observar se, no manuseio, o sujeito vira uma indicação das peças justapostas e sua respec-
das peças com a parte superior para baixo, caso tiva posição. Não obstante, em tal manuseio,
em que o examinador deve discretamente des- o que parece importante observar é se:
virá-la. Especialmente, no item “Mão” do WAIS, 1 – O sujeito parece claramente compreen-
tal cuidado deve ser redobrado, pois o fato de der as relações parte-todo, prosseguindo em
algumas peças (dedos) serem muito semelhan- movimentos organizados.
tes e não terem traços na superfície faz com 2 – O sujeito hesita, por longo tempo, de-
que, por vezes, se o sujeito vira um deles, ao monstrando falta de compreensão do que re-
manuseá-lo, sem que o examinador se dê con- presenta o todo.
ta, haja prejuízo para o examinando, que não 3 – O sujeito parece compreender do que
consegue justapô-la. Assim, na Figura 36.2, se trata, mas tem dificuldades para conseguir
entre as peças do item “Mão”, as de número 3 construir o todo. (Isto acontece muito comu-
e 6 são muito semelhantes em formato, de mente no item “Elefante”, em que o sujeito
modo que se o sujeito virar uma delas, isto pode conclui tratar-se de um elefante, mas não con-
passar facilmente despercebido pelo examina- segue encaixar determinadas partes para che-
dor. Uma solução seria a de numerar o verso gar a um todo integrado.)
das peças, num procedimento sugerido para 4 – O sujeito prossegue, por ensaio e erro,
facilitar o escore (Zimmerman, Woo-Sam & com altos e baixos, e só tardiamente, às vezes
Glasser, 1976) e que chamariam mais a aten- até após o tempo-limite, descobre do que se
ção do examinador, no caso de ser virada a trata. (Este procedimento é especialmente co-
parte posterior para cima. mum na “Mão”.)
PSICODIAGNÓSTICO – V 545
menina, e o tipo e número de fracassos foi al- las, não é suficiente para que o examinador
terado em conseqüência das modificações nas aplique bem o subteste em outras escalas.
definições de erro (Wechsler, 1981b). As observações a serem realizadas devem
No WISC, é um subteste suplementar, mas se direcionar principalmente para dificuldades
pode ser utilizado como alternativo, no caso quanto à coordenação visomotora, para com-
da invalidação de outro subteste de execução. portamentos atribuíveis à impulsividade ou a
Não obstante, seu uso como teste alternativo outras manifestações do estado emocional in-
é questionável, dada a sua correlação relati- fantil.
vamente baixa com outros subtestes (Wechsler,
1949). Em conseqüência, parece mais adequado
utilizá-lo de forma complementar e, então, pro- Desenhos Geométricos (WPPSI)
porcionalizar a contagem ponderada da escala.
No WISC-R e no WISC-III, pode ser usado Este subteste foi introduzido no WPPSI em vis-
de forma suplementar, quando houver dispo- ta da capacidade da criança de reproduzir fi-
nibilidade de tempo, para obter informações guras geométricas. No WPPSI-R, destina-se à
subsidiárias, embora o seu escore não seja in- criança de mais idade (para crianças de menos
cluído no cômputo para o QI. Contudo, con- idade, é uma tarefa apenas de reconhecimen-
forme as instruções, Labirintos pode substituir to e discriminação visual). Envolve aspectos per-
Código, no WISC-R, se for a preferência do exa- ceptivos, visuais e motores. Assim, todos os
minador, ou pode, ainda, ser usado como al- indícios que surgirem nesse sentido, a partir
ternativo a outro subteste de execução, que da observação do comportamento da criança,
for invalidado. Não obstante, como no caso do podem se tornar importantes na interpretação
WISC, tem sido questionada a sua validade dos resultados. Além disso, seguem-se as con-
como substituto de outro teste, tendo em vis- siderações gerais no sentido da observação do
ta as suas propriedades psicométricas (Boyd & comportamento.
Hooper, 1987), supondo-se que seria preferí- A administração do subteste é relativamente
vel considerá-lo como um subteste suplemen- simples, mas os critérios de escore devem ser
tar, utilizando o procedimento da transforma- seguidos muito cuidadosamente.
ção proporcional da contagem, do que incluí-
lo no cômputo, com mais quatro subtestes, para
a obtenção do QI. No entanto, Silverstein (1989), Sentenças (WPPSI)
com base em resultados de pesquisa, demons-
trou que ambos os procedimentos são viáveis. Sentenças envolve a tarefa de repetir verbali-
No WPPSI, não é considerado como subteste zações e constitui um subteste suplementar no
suplementar e difere do WISC, pela introdu- WPPSI e opcional no WPPSI-R.
ção de três labirintos não quadrangulares, em Não há dificuldades especiais na adminis-
que a criança trabalha na direção horizontal, tração, e os erros de pronúncia não assumem
já que foi observado que a criança menor de 6 importância. Todavia, o examinador deve estar
anos fica confusa quando se lhe exige que co- muito bem treinado para a identificação de
mece a tarefa num centro fechado, o que pode possíveis erros. Podem ocorrer erros por omis-
ser atribuído a um desconforto de “se sentir são, transposição, adição ou substituição, e
‘fechada’ ou a uma capacidade ainda limitada existem exemplos para a orientação do exami-
de orientação espacial” (Wechsler, 1967, p.10). nador (Wechsler, 1967).
A principal recomendação que se pode fa-
zer é que sejam seguidas cuidadosamente as
instruções para a administração e escore dos ESCORES BRUTOS E PONDERADOS
manuais. Estas apresentam variações conside-
ráveis, de uma escala para outra. Assim, a ex- Nas escalas infantis, os escores brutos pressu-
periência, embora apreciável numa das esca- põem uma utilização específica somente quan-
PSICODIAGNÓSTICO – V 547
geralmente associada ao QIT, nas escalas We- a classificação descritiva pertinente ao WISC-
chsler. Estão incluídos os valores percentílicos III e ao WAIS-III, a ser exposta posteriormente,
e o percentual teoricamente esperado em cada nos capítulos 37 e 38.
nível, em termos da população geral. Por outro lado, mesmo considerando as
qualidades psicométricas das escalas Wechs-
ler, sempre existe uma margem de erro. Sem
QUADRO 36.1 Classificação descritiva entrar em particularidades estatísticas, bas-
correspondente aos vários níveis de QI, nas ta dizer que se considera que “o nível de con-
Escalas Wechsler*, e percentual incluído
fiança de 85% a 90% é apropriado para a
QI Percentis Classificação Percentual maioria dos propósitos clínicos”. Em termos
descritiva incluído
práticos, isso significa que, de um modo ge-
130 e mais 98 e mais Muito superior 2,2 ral, o QI total pode variar cerca de 5 pontos,
120 – 129 91 – 87 Superior 6,7 para mais ou para menos. Essa noção, ba-
110 – 119 75 – 90 Médio superior 16,1
90 – 109 25 – 73 Médio 50,0
seada no conceito de erro padrão de medi-
80 – 89 9 – 23 Médio inferior 16,1 da, permite encarar um determinado QI, sem
70 – 79 3–8 Limítrofe 6,7 os riscos de uma “superinterpretação ou ri-
69 e menos 2 e menos Deficiente 2,2 gidez” no uso dos escores (Kaufman & Rey-
cognitivo nolds, 1983, p.121-122). Evidentemente,
Fontes: Kaufman e Reynolds, 1983, p.122; Wechsler, 1981, p.13. para cada escala, existe informação sobre o
*As classificações específicas referentes ao WISC-III e ao WAIS- erro padrão médio, que sempre deve ser in-
III serão apresentadas nos capítulos 37 e 38.
cluído e discutido ao informar os resultados,
num laudo.
No Quadro, a classificação descritiva não é Outro aspecto que deve ser considerado
uma transcrição literal das comumente apre- com o maior cuidado é o resultado obtido no
sentadas nas escalas Wechsler. Usamos a ter- reteste de sujeitos. Sabe-se que, quando trans-
minologia utilizada por Poppovic, quando de corre pouco tempo entre o teste e o reteste, se
sua tradução do WISC (Wechsler, s/d), que é a pode esperar um aumento discreto nos esco-
mais divulgada no Brasil, com exceção de seu res, devido ao efeito da prática (Quereski, Treis
nível mais baixo. Poppovic usou a expressão & Riebe, 1989), principalmente em alguns sub-
“débil mental”. Em várias escalas Wechsler, é testes específicos, como Símbolos, Completar
utilizada a expressão tradicional de “deficien- Figuras e Cubos. Tal diferença dificilmente che-
te mental”, ou “deficiente intelectual”, mas, no ga a ser significativa, exceto em intervalos
WAIS-R, registra-se “retardado mental”. Entre- muito curtos, como de um mês ou menos. Na
tanto, Kaufman & Kaufman, em 1977, ponde- prática, parece que um intervalo de seis meses
raram que, embora esta última possa ser pre- entre teste e reteste é bastante confiável. Tam-
cisa, é muito severa, propondo adaptá-la para bém Lezak (1983) acha que não é comum o
“deficiente cognitivo” (Kaufman & Reynolds, aumento expressivo de escores, no reteste de
1983, p.121). A tendência atual, porém, é de pessoas normais. Inclusive em pacientes com
evitar expressões que possam sugerir a inclu- comprometimento neurológico, os efeitos da
são de uma categoria diagnóstica. Por isso, prática tendem a ser pequenos. Não obstante,
numa apresentação de resultados, deve se ter o examinador deve estar atento para não fazer
certa cautela para evitar interpretações errô- interpretações indevidas, a partir do aumento
neas, deixando bem claro o significado de cer- de escore num subteste isolado.
tas expressões. Por exemplo, quando no WAIS- Na administração individual, a estabilidade
R é utilizada a classificação “retardado men- temporal do QI, entre teste e reteste, é tanto
tal”, deve ficar bem esclarecido que não se tra- mais fidedigna quanto menor for o intervalo
ta de um diagnóstico, pois para isso teria sido entre ambos e quanto maior for a idade do
necessária uma avaliação do comportamento sujeito na época da primeira testagem (Schuer-
adaptativo. Ademais, deixa de ser considerada ger & Witt, 1989).
PSICODIAGNÓSTICO – V 549
PERFIL DE DESEMPENHO
Escala verbal Escore bruto Escore ponderado Escala de execução Escore bruto Escore ponderado
Informação 7 6 Arranjo de Figuras 18 8
Semelhanças 5 8 Completar Figuras 12 14
Aritmética 5 6 Cubos 6 8
Vocabulário 21 8 Armar Objetos 17 10
Compreensão 9 10 Código 25 10
Dígitos 3 3 Labirinto 7 7
PERFIL DE DESEMPENHO
Desvios padrão –1 –2 –1 0 +1 +2 +3
Q.I. 55 65 70 75 81 85 90 96 100 104 110 115 119 125 130 135 145
Escores ponderados 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19
Percentis 1 5 10 16 20 25 40 50 60 75 80 84 90 95 99
WISC-R – Q.I.v 34 80
WISC-R – Q.I.e 48 97
WISC-R – Q.I.t 82 87
Informação 7 6
Compreensão 9 10
Aritmérica 5 6
Semelhanças 5 8
Dígitos 3 3
Vocabulário 21 8
Compl. Figuras 12 14
Arr. de Figuras 18 8
Cubos 6 8
Armar Objetos 17 10
Código 25 10
Labirintos 7 7
INV Perc. 70
KOHS Q.I. 89
Figura 36.3 Perfil de desempenho, no WISC-R, INV e KOHS, de um menino de 8 anos e 5 meses.
Vincent (1987) procura interpretar a sig- dos, sem correspondência exata com os bra-
nificação do QI para a predição do êxito es- sileiros. No Quadro 36.2, apresentamos, a
colar e ocupacional, com referência a cursos título de ilustração, algumas das relações que
e títulos acadêmicos usuais nos Estados Uni- estabelece.
Nível II. QI verbal e de execução, fatores e fortes evidências nas escalas mais recentes),
outras medidas exista um fator mais geral que seria determi-
nante para os escores da escala total, assim
Passo II.a. Diferença entre o QI verbal e o como de que um fator de compreensão verbal
de execução (QIV-QIE) esteja subjacente à escala verbal e um de or-
ganização perceptual, à escala de execução.
Durante os primórdios das investigações com Todavia – salienta Groth-Marnat (1999) – os
as escalas Wechsler, um dos achados que mais clínicos sabem que “um teste puro de compre-
impressionou os pesquisadores foi a diferença ensão verbal ou de organização perceptual não
freqüente entre o QI verbal e o de execução existe” (p.160).
(QIV-QIE), chegando a constituir um dos indi- Neste tipo de enfoque, o primeiro passo a
cadores diagnósticos mais comuns na literatu- ser seguido consiste em examinar a diferença
ra (Portuondo, 1970b; Rapaport et alii, 1965; existente entre o QIV e QIE (QIV-QIE). Como já
Wechsler, 1958). Blatt e Allison, em 1968, cita- se viu antes, se a diferença QIV-QIE é estatisti-
dos por Zimmerman e colegas (1976), chega- camente significante, o QI total “torna-se
ram ao exagero de afirmar que a discrepância inadequado como um sumário estatístico que
entre os QIs “permite ao clínico descrever a represente o nível geral de capacidade do in-
organização dos processos psicológicos do su- divíduo” (Kaufman & Reynolds, 1983, p.123),
jeito”, possibilitando fazer inferências sobre e deve-se procurar o significado de tal dife-
defesas, motivações, impulsos, grau de pato- rença.
logia, assim como sobre “seu potencial e suas Mas, quando tais diferenças podem ser con-
capacidades para enfrentar a realidade e se sideradas estatisticamente significantes? We-
adaptar” (p.21). Após um exame da literatura, chsler apresenta diferenças mínimas requeri-
porém, estes últimos definiram seu ponto de das, em vários grupos etários, para serem sig-
vista de que uma diferença significativa pode nificantes ao nível de confiança de 15% e 5%
ser comparada com a febre, isto é, constitui (Wechsler, 1981b). Kaufman & Reynolds (1983)
apenas uma indicação de uma condição de dão informações em relação a algumas esca-
anormalidade ou de um desvio da normalida- las: a) no WISC-R, “uma diferença entre estes
de, e afirmam que “o significado deste desvio dois escores (QIV-QIE) de 12 pontos é estatisti-
só pode ser estabelecido com a ajuda de ou- camente significante, ao nível de p>5, e de 15
tras indicações mais específicas e diferenciais” pontos, ao nível de p<0,01”; b) no WAIS-R,
(p.24). “os valores comparáveis são de 10 e 13, res-
Existe uma pressuposição básica de que, em pectivamente”; e c) no WPPSI, “os valores cor-
praticamente todas as escalas Wechsler (com respondentes estão mais próximos de 11 e 14”
PSICODIAGNÓSTICO – V 551
(p.123). Em relação ao WPPSI, conforme We- a) déficits sensoriais;
chsler (1967), embora 11 seja de fato o valor b) diferenças na inteligência verbal e não-
para certos grupos de idade (4, 4 ½ e 6 ½ anos), verbal;
a média para todos os seis grupos é de 10,29, c) diferenças da inteligência fluida versus a
ao nível de confiança de 5%, e de 7,56 ao nível inteligência cristalizada;
de confiança de 15%. Quanto ao WAIS, Zim- d) deficiências psicolingüísticas;
merman e colegas (1972) apresentam dados e) bilingüísmo;
de Newland e Smith, que indicam que uma di- f) efeito do dialeto negro;
ferença de 10 pontos é significante, num nível g) problemas de coordenação motora;
de confiança de 5%, nos grupos de idade de h) reação à pressão do tempo na escala de
18-19, 25-34 e 45-54 anos. “Nos dois grupos execução;
de sujeitos mais jovens, basta uma diferença i) diferenças na dependência-independên-
de 13 pontos para alcançar o nível de 1%, en- cia de campo;
quanto que, nos sujeitos de 45-54 anos, este j) diferenças nas operações de avaliação de
valor é só de 12 pontos”(p.21). Ainda, em rela- Guilford, ou
ção ao WAIS, Vincent (1987) afirma que uma k) influências socioeconômicas” (Kaufman
discrepância de 15 pontos entre as escalas é & Reynolds, 1983, p.123-124).
significante ao nível de 0,01 e que, quando os
autores referem que tal diferença, ou até maior, Embora grandes discrepâncias entre os QIs
pode ser encontrada em 25% da população tenham sido sistematicamente associadas com
dita normal, é preciso lembrar que os dados anormalidade, Kaufman e Reynolds (1983) sa-
da população geral incluem indivíduos com lientam que não basta considerar a magnitu-
vários tipos de comprometimentos clínicos e de das diferenças, mas também é preciso levar
portanto, numa distribuição de freqüência, em conta a freqüência com que aparecem.
estariam abaixo do percentil 25. Já em relação Desse modo, “para que uma diferença em QIV-
ao WISC, nem Wechsler (1949), nem Glasser e QIE tenha significação diagnóstica, deveria ser
Zimmerman (1972) apresentam diferenças sig- relativamente infreqüente na população nor-
nificativas. Koppitz (1976), em sua pesquisa, mal” (p.124).
considerou significante uma diferença de 10 Já Field, em 1960, citado por Zimmerman e
pontos entre o QIV e o QIE, no WISC, sem indi- colegas (1976), chamara a atenção para o as-
car a fonte em que se baseou. sunto. No Quadro 36.3, a porcentagem, com
Generalizando, pode-se dizer que, quando
é observada uma diferença entre os QIs ao re-
dor de 12 pontos, em qualquer das escalas QUADRO 36.3 A anormalidade das diferenças
Wechsler, convém que seja melhor investiga- QIV-QIE, no WAIS
da. Isso não quer dizer que tal diferença seja
% da população Grupos de idade (WAIS)*
uma ocorrência rara. Trata-se, apenas, de uma
com uma diferença 18-19 45-54 60-64
informação útil (Groth-Marnat, 1999). Cons- igual ou menor 25-35
tatada uma diferença significante entre os QIs,
50,0 6,8 6,2 6,3
a primeira hipótese que se pode levantar é de
25,0 11,7 10,6 10,9
que “o indivíduo não pensa, raciocina ou se 20,0 13,0 11,8 12,1
expressa num nível equivalente, através da 10,0 16,7 15,2 15,6
modalidade verbal de linguagem e através de 5,0 19,9 18,1 18,6
métodos mais concretos, não-verbais” (Kauf- 2,0 23,7 21,5 22,1
1,0 26,2 23,8 24,5
man & Reynolds, 1983, p.123). Já em relação à
0,1 33,5 30,4 31,2
explicação possível de tais diferenças, Kaufman,
em 1979, sugere que, no WISC-R e, na maioria Fonte: Field, 1960, apud Zimmerman, Woo-Sam & Glas-
ser, 1976, p.35.
dos casos, no WPPSI e no WAIS-R, “possam *Neste quadro não foram incluídos todos os grupos de
refletir: idade constantes do original.
PSICODIAGNÓSTICO – V 553
ser levada em conta, se Dígitos e Aritmética a variância dos escores, permitissem um me-
tiverem escores muito baixos ou muito altos, lhor entendimento dos resultados.
porque esses subtestes estão mais associados Alguns achados se mostraram algo contra-
ao fator de Resistência à Distratibilidade do que ditórios, mas, na maioria dos casos, os estu-
ao de Compreensão Verbal, principalmente se dos permitiram chegar a uma conclusão fato-
for observada baixa também de Código. rial, com três fatores: Compreensão Verbal,
Neste caso, faz mais sentido interpretar os Organização Perceptual e Resistência à Dis-
achados a partir dos subsídios que se têm sobre tratibilidade. Os dois primeiros estão obvia-
a solução fatorial, com três fatores, do que mente relacionados com as duas escalas, ver-
dentro de um modelo dicotômico, verbal/não- bal e de execução, e colaboram tanto para a
verbal. interpretação dos QIs, como para a diferen-
Em segundo lugar, lembra a importância de ça entre eles. O terceiro corresponde a um
se observar se existe uma grande amplitude de atributo comportamental e tem sido objeto
escore na Escala Verbal ou de Execução (como, de muitas pesquisas.
por exemplo, de 9 pontos, na Escala Verbal, e No Quadro 36.6, tem-se a distribuição dos
9, na de Execução do WAIS-R). Este autor ob- subtestes, resultante da análise fatorial, reali-
serva que um grau elevado de discrepância vai zada por Kaufman, em 1975, e apresentada,
contra o constructo implícito no QI, que é uni- posteriormente, por ele e colega.
tário. Quando as diferenças são muito gran- É preciso chamar a atenção, entretanto, de
des, é, então, recomendável lidar com forças e que, no WAIS-R, Arranjo de Figuras não é in-
fraquezas que aparecem no perfil. cluído no fator de Organização Perceptual.
Para se ter uma idéia dessa questão da Da mesma forma, Resistência à Distratibili-
amplitude dos escores ponderados, para jul- dade é um constructo que tem sido extensiva-
gar a discrepância, estamos transcrevendo, no mente examinado em crianças e tem sido me-
Quadro 36-5, um resumo da análise que Kauf- nos estudado em adultos. Também, no WAIS-
man e Reynolds (1983) fizeram para a inter- R, conforme a literatura, só em alguns grupos
pretação de dados, em crianças. específicos (idades 18 e 19 e 45-54), Código
parece se associar com Resistência à Distratibi-
lidade. Apesar do nome específico, este fator
Passo II.b. Fatores envolve uma série de variáveis, além de distra-
tibilidade, como atenção, concentração, me-
Desde a década de 50, isto é, a partir dos tra- mória imediata, ansiedade, etc. Portanto, a
balhos de Cohen, citado por vários autores, baixa desse fator significa fraqueza em certas
começaram a se verificar tentativas no sentido funções, que tendem a influenciar o desempe-
de realizar análises fatoriais das escalas, pro- nho também em outras áreas (Groth-Marnat,
curando isolar fatores que, contribuindo para 1999).
QUADRO 36.5 Grau de anormalidade de um índice de discrepância dos subtestes (amplitude dos escores
ponderados)*
Freqüência de ocorrência Escala verbal Escala de execução Escala total
na população normal 5 subtestes 6 subtestes 5 subtestes 6 subtestes 10 subtestes 12 subtestes
< 15% 7 8 9 9 10 11
< 10% 8 9 10 10 11 12
< 5% 9 10 11 11 12 13
< 2% 10 11 12 13 13 14
< 1% 11 12 13 13 14 14
Fonte: Kaufman & Reynolds, 1983, p.130.
*Amplitude dos escores ponderados igual ao maior escore ponderado menos o menor escore ponderado de uma criança.
PSICODIAGNÓSTICO – V 555
Num caso de um menino com problemas dual, podendo servir como ponto de partida
neurológicos, os escores ponderados foram: para planejamentos educacionais.
Informação = 9; Compreensão = 11; Seme- Apresentamos, até agora, um resumo dos
lhanças = 11; Vocabulário = 11; Completar primeiros estudos que sugerem tais aborda-
Figuras = 6; Arranjo de Figuras = 7; Cubos = gens. As Categorias de Bannatyne, por exem-
8; Armar Objetos = 9. Seu quociente de 1,4 plo, foram inicialmente desenvolvidas para o
seria sugestivo de problemas de ordem percep- melhor entendimento de transtornos de apren-
tual. Não obstante, esse quociente nada infor- dizagem. Porém, atualmente, são usadas para
ma sobre problemas de resistência à distratibi- melhor interpretação do perfil e não, apenas,
lidade, tão comuns nessas crianças. para diagnosticar determinados quadros. Ain-
Alguns estudos chamaram a atenção para da pode se utilizar o método tradicional de
um achado consistente em crianças com inca- calcular as médias de cada categoria e compa-
pacidade para a aprendizagem, o perfil ACID, rá-las. Entretanto, para o WAIS-R, Kaufman, em
que consiste em escores baixos em Aritmética, 1990 e 1994, citado por Groth-Marnat (1999),
Código, Informação e Dígitos. Na realidade, delineou uma fórmula para a obtenção de um
reúne subtestes associados com aproveitamen- escore padrão (M=100; DP=15), nas diferen-
to escolar (Aritmética e Informação), mas que tes categorias:
ficam mesclados com os que envolvem resis-
tência à distratibilidade (Aritmética, Código e
Dígitos), de forma que este último fator (que Categorias Fórmula*
representa 75% do perfil) poderia “ser a chave Espacial 2,0 (Completar Figuras + Cubos +
para a avaliação da incapacidade para a apren- Armar Objetos) + 40
dizagem” (Kaufman & Reynolds, 1983, p.132). Conceitualização 1,9 (Vocabulário + Compreensão
Todavia, as características desse perfil parecem Verbal + Semelhanças) + 43
Seqüencial 2,3 (Dígitos + Aritmética +
adquirir mais significação se consideramos as Símbolos) + 30
categorias, propostas por Bannatyne, segun- Conhecimento 1,9 (Informação + Vocabulário +
do Kaufman e Reynolds (1983), para a classifi- Adquirido Aritmética) + 43
cação dos subtestes: Conceitual (Semelhanças, Fonte: Groth-Marnat, 1999, p.163 (adaptado).
Vocabulário e Compreensão), Espacial (Com- *Devem ser usados escores ponderados corrigidos por idade.
pletar Figuras, Cubos e Armar Objetos), Se-
qüencial (Aritmética, Dígitos e Código) e Co-
nhecimento Adquirido (Informação, Aritméti- Depois de usar as fórmulas, calcula-se a
ca e Vocabulário), que se superpõem, até cer- média dos quatro escores padrão, e, para veri-
to ponto, aos fatores recém-referidos. A partir ficar se o grau de diferença de cada um em
de tal categorização dos subtestes, foi carac- relação à média é significante ao nível de 5%,
terizado um perfil que seria típico de crianças são usados os seguintes valores:
com incapacidade para leitura e aprendizagem:
Espacial > Conceitual > Seqüencial. Se exami-
narmos aquele caso de um menino de 8 anos e Categorias 16 a 19 anos 20 a 74 anos
5 meses, apresentado no item anterior, vemos Espacial 11 10
que o seu perfil é exatamente este: Espacial = Conceitualização Verbal 9 8
32 > Conceitual = 26 > Seqüencial = 19. Seqüencial 11 9
Conhecimento Adquirido 8 7
Entretanto, pesquisas desenvolvidas com
grupos diferenciados apontaram para outros Fonte: Groth-Marnat, 1999, p.165 (adaptado).
PSICODIAGNÓSTICO – V 557
Passo III.a. Determinação da significância Desvios dos escores do subtestes, em termos
das flutuações da média do sujeito e em termos da
população geral, no WAIS e no WISC
Em relação às escalas mais recentes, há mui-
to mais recursos para a determinação da sig- O primeiro passo para analisar se existem ou
nificância das flutuações. Em todo caso, algo não flutuações importantes num perfil é o cál-
que deve ser feito, independentemente da es- culo da média. Calcula-se a média da escala
cala utilizada, é determinar se a comparação verbal, dividindo-se a soma dos escores pon-
do escore (alto ou baixo) será feita em rela- derados pelo número de subtestes verbais apli-
ção à média global, à média da escala verbal cados. Utiliza-se o mesmo procedimento para
ou de execução. Existe uma norma geral que a escala de execução e para a escala total. En-
deve ser seguida: se a diferença QIV-QIE não tretanto, o mínimo crítico de subtestes, para
é significante, utilize a média da escala to- que se possa calcular a média da escala total,
tal. é 8 (Vincent, 1987). Vejamos um exemplo no
Também, obras mais recentes recomendam Quadro 36.7.
que, para realizar tal análise, devam ser utili- A partir da média, são determinados os
zados escores ponderados corrigidos por ida- desvios do perfil. Na literatura específica, en-
de, embora, evidentemente, isto não seja viá- contram-se várias definições do que constitui
vel em todas as escalas. Assim sendo e, a pro- um desvio da média do sujeito. A princípio,
pósito, sabendo que o WAIS e o WISC, embora Wechsler (1958) considerou que um desvio de
considerados por muitos como instrumentos 2 ou mais pontos, a partir da média do sujeito,
ultrapassados, ainda são utilizados no Brasil, seria um “corte” adequado para a maioria dos
vamos recapitular como manejá-los, antes de propósitos. Isto quer dizer que, segundo tal
entrar em discussão sobre escalas usadas ulte- critério, em nosso exemplo, na escala verbal,
riormente. cuja média é de 9,83, os valores de 11,83 e
Quadro 36.7 Levantamento quantitativo dos resultados do WAIS de um sujeito do sexo masculino de 26 anos
Subtestes do WAIS Escore Escore Desvio 2 DP 3 Distribuição Desvio de
bruto ponderado na curva Vincent
Informação 15 10
Compreensão 24 16 (+) (+) (+) (+)
Aritmética 4 4 (-) (-) (-) (-)
Semelhanças 11
Dígitos 9 7 (-)
Vocabulário 59 13 (+) (+) (+)
Soma verbal: 59
Código 29 6 (-) (-) (-)
Completar Figuras 10 8
Cubos 28 9
Arranjo de Figuras 23 10
Armar Objetos 34 11 (+)
Soma de execução: 44
PSICODIAGNÓSTICO – V 559
Desvios dos escores dos subtestes, em termos tes valores são indicados para se considerar a
da média do sujeito e da adequabilidade da existência de uma diferença real, não suscita-
especificidade dos subtestes, no WAIS-R, no da por erro de medida ou resultante de algum
WISC e no WPPSI fator não controlado. Assim, qualquer subtes-
te que apresente um desvio da média que seja
No WAIS-R, no WISC e no WPPSI, as flutuações igual ou maior que o número de pontos citado
de escore devem ser justificadas do ponto de deve ser considerado com “candidato à inter-
vista psicométrico e estatístico, para que possam pretação individual, que pode refletir uma for-
ser consideradas significantes em nível suficien- ça ou uma fraqueza significante no espectro
te para autorizar uma interpretação clínica. da capacidade da criança” (Kaufman & Reynol-
Conforme Kaufman & Reynolds (1983), duas ds, 1983, p.127).
condições devem ser satisfeitas para tal fim: Entretanto, não é suficiente a certeza da
a) o desvio do escore do sujeito, em rela- presença de uma discrepância significativa.
ção à média, deve ser estatisticamente signifi- Deve-se considerar a proporção relativa da va-
cante; riância específica do subteste e julgar a sua
b) o subteste deve ter especificidade pelo adequabilidade, como base da interpretação.
menos adequada. Conforme Kaufman e Reynolds (1983), “a es-
Calculada a média, como já foi exposto, pecificidade do subteste refere-se à quantida-
para cada escala, verifica-se a diferença entre de de variância, num escore, que é tanto fide-
a média e o escore ponderado de cada um dos digna, quanto única para esse subteste”
subtestes de cada escala. O desvio, para ser (p.127). A classificação dos subtestes, nas es-
significante, deve ser de 3,0 a 4,0, para o WISC- calas do WISC-R, WPPSI e WAIS-R, é apresen-
R e para o WAIS-R, e de 3,0, para o WPPSI. Es- tada no Quadro 36.8, num resumo de Kauf-
QUADRO 36.8 Classificação dos subtestes da Escala Wechsler, de acordo com a proporção relativa na
variância específica de cada subteste
Ampla Adequada Inadequada
WPPSI Vocabulário Aritmética Informação
Semelhanças Desenho Geométrico Compreensão
Casa de Animais (exceto aos 4 Casa de Animais (4 anos)
anos)
Completar Figuras
Labirintos
Cubos
WISC-R Informação Vocabulário Semelhanças (de 9 ½ a 16 ½
Semelhanças (de 6 ½ a 8 ½ anos) Compreensão anos)
Aritmética Completar Figuras (de Armar Objetos
Dígitos 9 ½ a 16 ½ anos)
Completar Figuras (de
6 ½ a 8 ½ anos)
Arranjo de Figuras
Cubos
Código
Labirintos
WAIS-R* Dígitos Informação Vocabulário
Aritmética Compreensão (de 25 a 74 anos) Compreensão (de 16 a 24 anos)
Completar Figuras Semelhanças Armar Objetos
Arranjo de Figuras Cubos
Código
Fonte: Kaufman & Reynolds, 1983, p.128.
*Somente observadas as tendências etárias importantes.
PSICODIAGNÓSTICO – V 561
examinar outros dados do perfil, que nos dêem vação” (p.171). Ou poderia ser um efeito da
subsídios para levantar hipóteses num ou nou- ansiedade? O psicólogo deve julgar com inteli-
tro sentido. É preciso, pois, conhecer as impli- gência, temperada por sensibilidade clínica,
cações clínicas de cada subteste, estar familia- para decidir como interpretar uma elevação ou
rizado com as configurações que se apresen- baixa de escore com significação estatística.
tam com freqüência, comparar dados do per- Portanto, não é suficiente a evidência de uma
fil, para poder levantar uma hipótese de que flutuação significativa, para obter uma indica-
uma baixa, por exemplo, em Cubos, significa, ção precisa. É o examinador que deve julgar o
por acaso, um déficit de coordenação ou uma significado clínico de tal dado.
dificuldade de análise e síntese. Por outro lado, este modo de focalizar as
Outra abordagem seria comparar os pa- informações permite às vezes que um peque-
drões de teste com os padrões da sintomato- no indício, mesmo sem significação estatísti-
logia, para decidir se existe base para o desen- ca, adquira sentido clínico dentro do contexto
volvimento de hipóteses. mais geral de observações, durante a testagem,
Esta etapa, portanto, envolve um processo ou de informações sobre o examinando. As-
inteligente de comparar forças e fraquezas sis- sim, no início desta seção (Nível III), lembra-
tematicamente. mos que Wechsler considerava desvios com
base num nível de significância de 15%, que
caracterizamos como desvios discretos (não
Passo III.c. Integração das hipóteses significantes), pois, na verdade, poderiam re-
levantadas com outras informações sultar de um erro de medida, mas poderiam
auxiliar o entendimento do caso.
Em continuação ao passo anterior, aqui é pre- Conforme lembra Groth-Marnat (1999), in-
ciso considerar informações adicionais. Esta é tegrar indícios mesmo sem significação esta-
uma etapa em que a habilidade e sensibilida- tística com outras observações sobre o com-
de clínica do psicólogo é de especial importân- portamento do examinando seria um procedi-
cia, ao apreciar e julgar as hipóteses, dentro mento em harmonia com “a filosofia subjacen-
de um contexto mais amplo, principalmente te da interpretação das escalas e subtestes
cotejando os dados de teste com as observa- Wechsler” (p.171).
ções durante a testagem e com as outras in-
formações que tem sobre o paciente.
Por exemplo, certas quedas de escore po- Nível IV. Variabilidade intrateste
dem se relacionar com determinadas funções
cognitivas, com aspectos afetivos, anteceden- Esta é uma fonte de informação importan-
tes, etc. Por outro lado, um escore baixo em tíssima, que é especificamente explorada no
Aritmética envolve atenção, concentração, mas WAIS-R NI (Kaplan, Fein, Morris et alii, 1991),
também capacidade seqüencial e habilidade em e que se baseia na ordenação crescente da
cálculos ou, mesmo, ansiedade. Como foi o dificuldade dos itens. Como, na maioria das
desempenho em outras tarefas, quanto à sua escalas Wechsler, não houve, no Brasil, uma
atenção? Ou quanto a determinadas séries de análise de item que permitisse uma adapta-
instruções? Suas experiências anteriores fazem ção da ordem de dificuldade dos itens do
com que tenha uma atitude de não aceitação subteste, esta é uma fonte de informação em
de problemas aritméticos? Qual seu resultado parte prejudicada, se quisermos trabalhar
em Dígitos? E mais: Quais seus escores, com- com rigor científico.
parativamente, em Aritmética, Dígitos e Códi- Na verdade, com um pouco de bom senso,
go? Estes subtestes, conforme registra Groth- é possível observar, por exemplo, quando o
Marnat (1999), “têm sido referidos como es- examinando fracassa em itens fáceis e tem êxi-
calas de validade, uma vez que têm probabili- to nos mais difíceis. Apenas, não poderíamos
dade de baixar em conseqüência de má moti- medir, como no WAIS-R NI.
PSICODIAGNÓSTICO – V 563
tos à influência de variáveis socioculturais, en- O subteste de Informação mede basicamen-
quanto as escalas de execução são mais isen- te o fundo de conhecimentos que o sujeito
tas de tal influência. Portanto, por uma série mantém armazenado e é capaz de lembrar.
de razões, muitas pessoas costumam ter esco- Exige informações que um indivíduo comum
res mais elevados na escala verbal do que na pode ter a oportunidade de adquirir, seja pela
de execução. Como já foi referido, uma dife- sua experiência geral, seja por meio da educa-
rença de 12 pontos entre os QIs é considerada ção formal. Particularmente, para crianças mais
significante. velhas, adolescentes e adultos, pode-se dizer
Desempenham-se melhor, nos subtestes que mede a capacidade de inteligência cristali-
verbais, pessoas mais inteligentes, com nível zada, considerando que esta “se refere à ex-
de escolaridade elevado, bem como com ten- pressão e à profundidade do conhecimento
dência para valorizar a auto-realização. Tam- adquirido que uma pessoa tem de uma cultu-
bém terão resultados melhores os sujeitos que, ra e a efetiva aplicação deste conhecimento”
por alguma razão, tendem a se desempenhar (McGrew & Flanagan, 1998, p.14). Trata-se de
pior nos subtestes de execução, por lentifica- informações “baseadas em material habitual,
ção depressiva, ou estilo de trabalho lento, di- superaprendido” (Groth-Marnat, 1999, p.174),
ficuldades visomotoras, ou com tarefas práti- sendo, junto com Vocabulário, um subteste es-
cas, ou, ainda, por impulsividade. O QIV maior pecialmente resistente a comprometimento
que o QIE (5-6 pontos) também é mais comum cerebral ou psicopatológico. Oferecendo, as-
entre grupos psiquiátricos e em pacientes com sim, importantes subsídios sobre conhecimen-
problemas de coordenação motora (Groth- to geral, é incluído em praticamente todas as
Marnat, 1999). Por outro lado, registra-se ape- baterias neuropsicológicas em uso (Lezak,
nas uma tendência para diminuição dos esco- 1995), sendo considerado uma excelente medi-
res verbais, em casos com lesão predominan- da da capacidade geral, apesar de altamente cor-
temente ou unicamente no hemisfério esquer- relacionada com o aproveitamento escolar. Re-
do, porém, isto não ocorre de forma muito re- sultados de Informação e Vocabulário, no
gular (Lezak, 1995). Há referências na literatu- WAIS-R, constituem uma variável preditora do
ra de maior freqüência da ocorrência de QI nove desempenho escolar (Groth-Marnat, 1999).
pontos acima do QIE em casos com lesão no Apresenta, pelo menos, seis áreas de con-
hemisfério direito (Groth-Marnat, 1999). Não teúdo de informações (Kaplan, Fein, Morris et
obstante, Lezak (1995) pensa que tal diferen- alii, 1991). Indivíduos com pouca escolarida-
ça não pode ser considerada um indício diag- de, mas inteligentes, podem ter um escore to-
nóstico, porque há várias razões para baixa nos tal baixo no subteste, mas serem capazes de
subtestes de execução em pacientes com défi- ter particular êxito em uma área específica,
cits muito diferenciados, enquanto o próprio dependendo de seu campo de experiência pro-
Groth-Marnat (1999) salienta que “existe uma fissional (Lezak, 1995). Por outro lado, dificul-
complexa interação de um amplo número de dades marcantes em uma ou outra área – ex-
variáveis” (p.173). ceto se devidas a problemas escolares – e as-
sociadas ao tipo específico de erro podem per-
mitir levantar hipóteses sobre determinados
Informação déficits cognitivos (Kaplan, Fein, Morris et alii,
1991).
Extensão do conhecimento adquirido A elevação ou baixa significativa dos esco-
Qualidade da educação formal e motivação res, quando não se explica por aspectos socio-
para o aproveitamento escolar culturais, pode oferecer indícios sobre como a
Estimulação do ambiente e/ou curiosidade pessoa lida com as coisas de seu ambiente,
intelectual sobre seu maior ou menor interesse no meio
Interesse no meio ambiente circundante, e, qualitativamente, podem ser
Memória remota encontrados subsídios a respeito do seu con-
PSICODIAGNÓSTICO – V 565
com disfunção cerebral sabida ou suspeitada, se, principalmente ou apenas, na maneira su-
torna-se muito importante examinar a diferen- perelaborada de formular respostas, seja pela
ça entre “fracassos devidos à ignorância, à per- riqueza de minúcias, pela prolixidade da lin-
da de informações uma vez armazenadas e à guagem, seja na ostentação de conhecimen-
incapacidade de recordar antigos aprendiza- tos. Estes aspectos podem representar apenas
dos ou verbalizá-los sob ordem” (p.556). Deve- um modo de defesa da personalidade, embo-
se considerar o grau de escolarização e a his- ra, em pacientes obsessivos adultos, o escore
tória social do paciente para julgar se, de um de Informação possa estar acima do de Voca-
ponto de vista probabilístico, algum dia deve- bulário. Todavia, às vezes, as tendências per-
ria conhecer a resposta. Se seu nível de escola- feccionistas podem levar a vacilações, por exi-
ridade for adequado, deve-se inquirir se anti- gências de precisão indevida, baixando o es-
gamente sabia a resposta. Então, o armazena- core (Zimmerman, Woo-Sam & Glasser, 1972).
mento da informação pode ser testado por O escore baixo pode se relacionar, princi-
meio de um recurso de escolha múltipla de res- palmente em crianças, com não-aproveitamen-
postas, como é usado no WAIS-R NI (Kaplan, to escolar, com aspectos culturais, ou com o
Fein, Morris et alii, 1991). Tal estratégia permi- pressuposto de que “conhecimento é uma coi-
te fazer uma estimativa do fundo de conheci- sa perigosa” (Glasser & Zimmerman, 1972,
mento pré-mórbido, comparando-o com o ní- p.45). Isto se associa com uma atitude de “não
vel atual de funcionamento. ver, não ouvir, não falar” em temas que po-
Uma discreta queda em Informação é pos- dem se vincular com conflitos ou suscitar an-
sível em qualquer tipo de disfunção cerebral. siedade. “Depois de um certo tempo, a repres-
Uma baixa marcante pode ser preditora de um são pode deixar de ser dirigida somente para
envolvimento do hemisfério esquerdo, se é conflitos focalizados e se tornar um modo ge-
corroborada por outras diminuições em testes neralizado de adaptação” (Pope & Scott, 1967,
verbais e se outra hipótese não é viável. Por p.73). Assim, os indivíduos que usam repres-
outro lado, pesquisas recentes, ao contrário do são de forma mais generalizada ou maciça
que se pensava, apontam Informação como apresentam escores baixos em Informação. Não
uma medida adequada da gravidade de casos obstante, a ansiedade praticamente não afeta
de demência (Lezak, 1995). os escores (Groth-Marnat, 1999).
Escores elevados podem denotar não só boa Os escores baixos, em crianças, também
memória remota, interesses culturais, interes- podem refletir hostilidade contra aspectos in-
se no meio ambiente, como também uma ati- telectuais ou uma orientação do comportamen-
tude de alerta ou vigilância frente aos estímu- to mais para a ação do que para aspectos cog-
los circundantes. Portuondo (1970b) observou nitivos (Glasser & Zimmerman, 1972). Tal orien-
elevação de escores em indivíduos com traços tação, que subentende a desvalorização de
paranóides, inclusive em casos agudos de es- questões intelectuais, provavelmente justifica
quizofrenia paranóide, que tendiam a baixar o resultado baixo, neste subteste, em adoles-
com a cronicidade. centes com transtornos de conduta.
Os escores elevados também podem se as-
sociar com ambição intelectual ou com uma
forma intelectualizada de lidar com as coisas, Dígitos
uma defesa de caráter obsessivo-compulsivo.
O pressuposto seria de que é necessário co- Extensão da atenção
nhecer tudo, para saber qual a coisa certa a Retenção da memória imediata (dígitos na
ser feita (Pope & Scott, 1967). Em crianças, ordem direta)
ocorre a necessidade exagerada de armazenar Memória e capacidade de reversibilidade
informações, quando o conhecimento signifi- (dígitos na ordem inversa)
ca segurança (Glasser & Zimmerman, 1972). Concentração
Muitas vezes, os aspectos obsessivos refletem- Tolerância ao estresse
PSICODIAGNÓSTICO – V 567
certas funções do ego estão enfraquecidas, há nal. O escore de 4 seria classificado como bor-
problemas na organização do pensamento derline e o de 3, deficiente, em termos da efi-
(Groth-Marnat, 1999) ou quando existem dé- ciência da atenção (Lezak, 1995).
ficits de ordem cognitiva. O escore de dígitos na ordem direta é baixo
Segundo Portuondo (1970b), os psicóticos na disfunção cerebral, especialmente quando
apresentam escores baixos, além de ocorrer é afetado o hemisfério esquerdo, porém não
disparidade de desempenho entre a ordem di- se apresenta vulnerável a lesões difusas, per-
reta e a inversa. Às vezes, os esquizofrênicos manecendo estável em muitos casos de demên-
utilizam recursos mnemônicos arbitrários, cia. Com o tempo, os déficits são reversíveis,
como o de somar os dígitos (Mayman, Schafer após trauma craniano e psicocirurgia. Com a
& Rapaport, 1976). idade, entretanto, o escore tende a baixar dis-
Nas primeiras edições das escalas Wechs- cretamente, principalmente após os 70 anos
ler, o segundo ensaio de cada série era admi- (Lezak, 1995).
nistrado somente no caso de ocorrência de fra- Dígitos na ordem inversa introduzem uma
casso no primeiro ensaio. Todavia, nas edições dificuldade extra para pacientes com pensa-
mais recentes, ambos os ensaios são adminis- mento concreto, que podem ter problemas
trados e recebem escore, independentemente para compreender a tarefa proposta. Neste
da presença de erro ou de acerto no primeiro caso, Lezak (1995) costuma usar como exem-
ensaio. “A mudança no procedimento de esco- plo a série de dois dígitos ou, mesmo, exem-
re serve para aumentar a variabilidade dos es- plificar a tarefa com uma série de 1-2-3, que,
cores no subteste” (Wechsler, 1981a, p.12). sendo um “padrão inerentemente familiar”, é
Contudo, o escore total continua a ser obtido facilmente revertido. O desempenho, avaliado
pela soma da extensão correta dos dígitos na em termos de escores brutos, pode ser assim
ordem direta e inversa. Segundo Lezak (1995), classificado: “4 ou 5, como dentro de limites
esse procedimento envolve perda de informa- normais, 3 como deficiente borderline ou defi-
ções significativas. Esta crítica pode ser consi- ciente, dependendo dos antecedentes educa-
derada pertinente no campo da neuropsicolo- cionais do paciente, e 2 como deficiente”
gia, já que, sob outros pontos de vista, a ino- (p.367).
vação melhora a qualidade psicométrica do Tal capacidade de reverter dígitos apela mais
subteste. para a memória de trabalho do que a tarefa de
Em caso de avaliação neuropsicológica, dí- dígitos na ordem direta, que envolve mais um
gitos na ordem direta e na ordem inversa são tipo de apreensão passiva. Caracteristicamen-
considerados como dois testes, que “envolvem te, dígitos na ordem inversa associam-se com
atividades mentais diferentes e que são afeta- um funcionamento cognitivo sadio, dependen-
dos diversamente por lesão cerebral” (Lezak, do provavelmente de funções do lobo tempo-
1995, p.357). Por outro lado, se o psicólogo ral. Tanto pacientes com lesão cerebral no he-
estiver interessado em examinar a fidedignida- misfério esquerdo, como com déficits visuais,
de da atenção do paciente e não a extensão apresentam escores baixos nesta parte do sub-
dos dígitos reproduzidos, Lezak sugere a apre- teste. É considerado também vulnerável a com-
sentação de mais ensaios em cada série. prometimentos difusos que ocorrem em qua-
Para propósitos neuropsicológicos, em que dros demenciais, exceto na psicose de Korsako-
o QI é um dado de menor valia, o escore bruto ff. Por outro lado, observa-se reversibilidade
é considerado uma medida suficiente. Na or- dos déficits, no decorrer do tempo, após a psi-
dem direta, em pessoas normais, a variação do cocirurgia (Lezak, 1995).
escore bruto é de 6±1, ainda que possa ser O desempenho do paciente pode ser ava-
influenciada pelos antecedentes educacionais liado quanto à extensão da série de dígitos que
do paciente. Assim, a obtenção de um escore repete, ou qualitativamente, em relação ao tipo
de 6 ou mais estaria dentro de limites normais, de erros cometidos, como erros no seqüencia-
enquanto 5 seria tido como um escore margi- mento dos dígitos, omissão ou adição de dígi-
PSICODIAGNÓSTICO – V 569
posta dá ao examinador a oportunidade de te: “Cachorros e leões são semelhantes porque
apreciar tanto a riqueza de idéias da criança, ambos têm células”;
sua qualidade e tipo de linguagem, quanto o c) elipse, verificada pela “omissão de uma
seu grau de pensamento abstrato. Além disso, ou mais palavras (algumas vezes apenas síla-
sucessos e fracassos fornecerão indícios sobre bas) necessárias para completar o significado
o ambiente sociocultural da criança. Esses au- numa frase ou sentença”, como na resposta
tores chamam a atenção, por exemplo, para o ao item “Microscópio”: “Germes’ (omitido ou
fato de crianças de lares de bom nível educa- implícito, um instrumento para aumentar pe-
cional serem capazes de responder a palavras quenos objetos, como germes)” (p.446). Nes-
não comuns, como “dólar” e “espionagem” e te caso, não se inclui a omissão da palavra pro-
fracassar em itens mais fáceis. Por outro lado, posta para definição. Há pacientes com difi-
salientam a importância clínica do “caráter se- culdade de recordar palavras (especialmente
mântico de uma definição, que dá uma com- nomes) e consistentemente deixam de usá-la,
preensão sobre a natureza dos processos de substituindo-a por “alguma coisa” ou “coisa”,
pensamento da criança” (p.67). Do mesmo apesar de conseguirem dar uma definição ade-
modo que Compreensão, Vocabulário oferece quada, podendo-se pensar em anomia (Kaplan,
uma oportunidade de colher indícios bastante Fein, Morris et alii, 1991);
importantes e úteis, do ponto de vista clínico, d) auto-referência, que consiste na “incor-
sobre antecedentes, experiências de vida, to- poração a uma definição de elementos perso-
lerância à frustração, nível e organização do nalizados ou de detalhes que reflitam auto-
pensamento. envolvimento, como para ocultar”, “Esconder-
Lezak (1995) assinala a importância deste se de olhos perspicazes”;
subteste no diagnóstico diferencial, entre ca- e) bizarria, caracterizada por “definições
tegorias que envolvem transtornos nos proces- que implicam associações marcadamente idi-
sos de pensamento e comprometimento cere- ossincrásicas ou justaposição de idéias desco-
bral, dizendo que os pacientes que apresen- nexas”, como, em relação a item “Sentença”*,
tam um transtorno funcional do pensamento “um modo de pensar em gramática” (Matara-
ocasionalmente deixam de lado suas defesas, zzo, 1976, p.446). Pacientes esquizofrênicos,
ante uma prova que “parece um teste inócuo às vezes, dão definições que constituem asso-
de habilidade verbal, revelando um problema ciações retumbantes às palavras-estímulo (Ka-
de pensamento em expressões ‘clangorosas’, plan, Fein, Morris et alii, 1991).
associações idiossincrásicas ou em respostas Entre as categorias citadas, as três últimas
personalizadas ou confabulatórias” (p.541). têm um caráter definidamente desviante e co-
Matarazzo (1976) classifica as verbaliza- mumente se associam com um nível de fun-
ções desviantes, que podem denunciar per- cionamento psicótico. Quanto à primeira, como
turbações no processo do pensamento, em é completamente aceitável para a atribuição
cinco tipos: de escore, pode passar despercebida. Wechs-
a) superelaboração, constituída pela “ten- ler (1958) salienta que a sua interpretação pode
dência a dar significados alternativos e deta- ser variável, já que: a) muitas vezes, constitui
lhes irrelevantes, ou a ser excessiva e desne- apenas um leve indício de uma atitude pedan-
cessariamente descritiva”, que pode ser exem- te; b) noutras, associar-se-ia com sentimentos
plificada pela seguinte resposta ao item “Dia- de insegurança e ambivalência: c) em outros
mante”: “Uma gema; parte da joalheria que casos, assinalaria uma tendência à superinte-
consiste em pedras preciosas; o que se dá a lectualização, que, eventualmente, poderia re-
uma moça quando se está comprometido”; presentar um sinal precoce de esquizofrenia,
b) superinclusão, caracterizada por “uma mesmo que outros sinais estivessem ausentes.
resposta que se refere a um atributo que é
partilhado por tantos objetos que o conceito
perde seu aspecto delimitador”, como a seguin- *No original, consta “Plural, e não “Sentença”.
PSICODIAGNÓSTICO – V 571
Os resultados altos refletem boa inteligên- ção de operações matemáticas fundamentais,
cia geral, principalmente boas condições so- não ultrapassando o que é usualmente apren-
cioculturais e necessidade de auto-realização. dido na escola ou, conforme Wechsler (1958)
Entre os grupos clínicos, escores altos tendem refere em relação ao WAIS, não indo além do
a se associar com mecanismos de intelectuali- que um adulto comum poderia adquirir em
zação e compulsivos (Groth-Marnat, 1999). Já suas transações diárias. Não obstante, esse
escores baixos refletem fundo de informação ponto de vista não reduz a influência da edu-
pobre (que pode se explicar por fracos antece- cação formal ou da ocupação dos indivíduos
dentes escolares, ambiente desprivilegiado ou sobre os escores. Na verdade, tanto as expe-
inteligência geral limitada), mas também po- riências escolares como as atitudes frente a elas
dem denotar imotivação, hipoatividade (pou- podem afetar o desempenho. Todavia, dificil-
ca responsividade aos estímulos) ou problemas mente os sujeitos atribuem fracassos à falta
de linguagem expressiva. de conhecimento, alegando “nervosismo” ou
problemas de atenção. E, por certo, problemas
de concentração, manipulação conceitual e
Aritmética memória imediata podem comprometer o de-
sempenho de pessoas muito habilidosas em
Capacidade computacional e rapidez no ma- problemas matemáticos (Lezak, 1995). Desse
nejo de cálculos modo, espera-se que o adulto que tenha cur-
Memória auditiva sado o equivalente ao ensino fundamental ou
Antecedentes/oportunidades/experiências pouco mais não encontre qualquer dificulda-
escolares de, a não ser por problemas de concentração.
Concentração, resistência, distratibilidade, Entretanto, em comparação com Informação
raciocínio lógico, abstração e Vocabulário, é um subteste mais estressan-
Contato com a realidade te, por impor mais exigências e pelo limite de
tempo. “Assim, pessoas que são suscetíveis aos
O subteste de Aritmética foi incluído nas perturbadores efeitos da ansiedade têm pro-
escalas Wechsler pela existência de um nível babilidade de serem afetadas desfavoravelmen-
satisfatório de correlação entre raciocínio arit- te” (Groth-Marnat, 1999, p.178). Aliás, já Ra-
mético e inteligência geral (Wechsler, 1958). Por paport e colegas (1965) chamaram a atenção
tal razão, esse subteste consta de várias for- para o fato de que o fator concentração fica
mas reduzidas das escalas. Kaufman, citado por reforçado, neste subteste, pela restrição do
Kaufman e Reynolds (1983), compôs a sua for- tempo de que o sujeito dispõe para chegar à
ma reduzida do WISC-R com a díade Aritméti- solução. Mayman e colegas (1976) afirmavam
ca-Vocabulário, considerando as capacidades que esta “é uma prova de concentração, por-
mentais envolvidas, o potencial desses subtes- que requer uma focalização da atenção, uma
tes para a predição do aproveitamento esco- abstração dos aspectos essenciais do proble-
lar, a saturação do fator g em Vocabulário e o ma e uma elaboração das relações implicadas”
fato de que “a inclusão de Aritmética assegura (p.620). Para Glasser e Zimmerman (1972), o
que o fator de Resistência à Distratibilidade seja subteste explora “a capacidade da criança para
representado” (p.113). Já Rapaport e colegas utilizar conceitos abstratos de número e de
(1965), em vista da vulnerabilidade deste sub- operações numéricas, que constituem medidas
teste entre “neuróticos” e, até, entre normais, do desenvolvimento cognitivo” (p.55). Porém,
achavam que não deveria integrar uma díade em crianças, além de concentração, o desem-
que tivesse como objetivo a triagem de trans- penho pode se associar com atitudes frente às
tornos intelectuais. atividades escolares ou em relação à autorida-
Aritmética é um subteste composto por de, bem como pode refletir a resistência à dis-
problemas, cujas soluções têm que ver com tratibilidade, sendo, também, muito vulnerá-
situações cotidianas, que envolvem a utiliza- vel a estados emocionais. Contudo, escores
PSICODIAGNÓSTICO – V 573
mética, obtido em condições-padrão, com su- No mesmo sentido que o subteste de Infor-
jeitos que apresentam disfunção cerebral, mação, o subteste de Compreensão é uma
“pode ser mais confuso do que revelador” medida da capacidade de inteligência cristali-
(p.644), pela exigência de concentração e de zada (McGrew & Flanagan, 1998), já que, para
memória, impostas pela administração oral. realizá-lo, o indivíduo deve demonstrar conhe-
Segundo Lezak (1995), esse tipo de adminis- cimentos práticos adquiridos e aplicá-los a si-
tração baixa os escores de certos pacientes. Por tuações-problema propostas. Na realidade, este
outro lado, o examinador deixa de explorar “os é um ponto crítico do subteste, devendo-se
efeitos do tipo espacial de discalculia, que se primeiramente avaliar se o sujeito está usando
tornam aparentes quando o paciente deve subsídios, aprendidos ao longo de seu desen-
organizar os conceitos aritméticos no papel” e volvimento no meio social, para resolver um
pode deixar de identificar a presença da “ale- problema que lhe é apresentado, de maneira
xia numérica que apareceria se o paciente ti- adaptativa, ou está dando apenas uma de-
vesse de olhar os símbolos aritméticos no pa- monstração de conhecimento superaprendido.
pel” (p.644). Por outro lado, pode não estar utilizando o
Tendem a ser um pouco mais baixos os es- conhecimento de que realmente dispõe de
cores em pacientes com déficits no hemisfério maneira eficiente para resolver o problema.
esquerdo do que no direito. Em alguns casos, Esta é uma hipótese possível, afirma Groth-
também pacientes com lesões no hemisfério Marnat (1999), se o escore de Informação é
direito apresentam queda no escore, em rela- significantemente maior que o de Compreen-
ção aos demais subtestes verbais. Às vezes, o são. Groth-Marnat (1999) sugere também ve-
mau desempenho associa-se com “comprome- rificar se certas respostas, como, por exemplo,
timento na capacidade de organizar os elemen- ao item “Floresta”, “Más companhias” ou aos
tos dos problemas, enquanto em outros casos provérbios soam estereotipadas, como “fala de
pode ser atribuível a “déficits de atenção e papagaio”, ou parecem indicar “uma solução
memória” (p.644). acurada de problema, bom julgamento ou ra-
Em suma, escores altos associam-se com ciocínio abstrato” (p.179). Na realidade, os
boa capacidade computacional associada a itens envolvem temas de interesse comum, isto
uma boa concentração e, conseqüentemen- é, assuntos sobre os quais o sujeito já opinou
te, resistência à distratibilidade, com uma ou já presenciou discussões a respeito, e é ne-
atitude de alerta aos estímulos e bom conta- cessário avaliar como utiliza as informações de
to com o ambiente, além de rapidez no ma- que dispõe sobre normas e regras sociais.
nejo dos números e memória auditiva ime- O contexto do subteste é composto por
diata. Escores baixos, ao contrário, sugerem duas grandes unidades críticas, e é convenien-
pouca capacidade de raciocínio matemático, te analisar as respostas separadamente. A pri-
escassa concentração e, portanto, distratibi- meira é constituída por itens que envolvem
lidade, além de dificuldades de memória au- raciocínio prático, e outra, por provérbios (Le-
ditiva imediata. zak, 1995). Na primeira, como no subteste de
Informação, por exemplo, no WAIS-R, os itens
podem ser agrupados em diferentes áreas de
Compreensão conteúdo: “legal/governamental (itens 4, 8-9,
11 e 16), comportamento pessoal socialmente
Capacidade de senso comum, juízo social, co- aceitável (itens 2, 6-7 e 10) e de conhecimento
nhecimento prático e maturidade social geral (itens 1, 3, 5 e 13)”, sendo possível que o
Conhecimento de normas socioculturais sujeito possa apresentar “um déficit específico
Capacidade para avaliar a experiência pas- de conhecimento ou de juízo em qualquer des-
sada sas áreas” (Kaplan, Fein, Morris et alii, 1991,
Compreensão verbal, memória e atenção p.99). Um déficit na primeira área pode resul-
Pensamento abstrato (provérbios) tar da má qualidade ou falta de aproveitamen-
PSICODIAGNÓSTICO – V 575
QUADRO 36.9 Exemplos de respostas ao subteste de Compreensão no WAIS que podem envolver
indícios clínicos significativos
Item Resposta Hipóteses interpretativas
1. Roupas “Minha mãe disse.”* Auto-referência; dependência
2. Locomotiva “Porque fabricam assim.” Retardamento mental (?) Bloqueio (?)
“Nunca vi um trem.” Auto-referência; pensamento concreto
3. Envelope “Procuraria me informar de quem é e ia levar Infantilidade; ganho secundário
para o dono. Talvez até fosse recompensado,
se fosse coisa importante.”
“Não é assunto meu.” Esquizofrenia.** Delinqüência*
4. Más companhias “A companhia é a gente que escolhe e se Pseudo-sofisticação; moralismo
escolhe pessoas parecidas.”
... o sujeito arqueia as sobrancelhas, discute o Personalidade histriônica
conceito formulado, ri entre dentes ou faz
referências a si mesmo.**
“Eu não creio necessariamente que devamos Pensamento obsessivo
fazê-lo; há possibilidade de levá-los ao bom
caminho.”
5. Cinema “Pegava o extintor e ia apagar o fogo. Depois, Impulsividade; pensamento ilógico.
chamaria os bombeiros.”
“Se eu percebo, alguém vai perceber em Estado de ansiedade, tonalidade
seguida... (?) Depende do lugar em que obsessiva
estivesse sentado... se estivesse na porta,
ia sair. Se fosse o primeiro, avisava o pessoal
de fora... (?) Os bombeiros.”
“Cantar o hino nacional.”** Esquizofrenia
6. Impostos “Tudo teve sua origem na idéia de que, Conformismo; necessidade de
se não houvesse impostos, não existia controles externos
representação”**
“Porque o Governo obriga. Acham que o povo Esquizofrenia
deve pagar; senão, multam.”
7. Ferro “Sim, pela eletricidade... vai aquecendo... Esquizofrenia
vai aquecendo...”
“Não se pode passar, quando o ferro está frio.” Retardamento mental
8. Menores “Quase todos os menores não são responsáveis... Transtorno de conduta
Caso aconteça alguma coisa... erro no trabalho,
roubo, ele não pode responder e, se não quiser,
não precisa...”
“Evitam que consiga trabalho e dinheiro.” Referência pessoal. Projeção
9. Floresta “Ia tentar encontrar alguém que estivesse lá.” Dependência
“Do mesmo modo que entrei, saía. Negação (?) Falta de reflexão; atitude
Não me perco.” de oposição
“Se estivesse perdido na floresta de dia, me Pensamento obsessivo
guiaria pelo sol.. ou, pelo musgo, que cresce
do lado norte das árvores... ou, talvez, seguiria
uma corrente d’água. Teria uma bússola?
Neste caso, eu... (?) Depende de como fosse o
terreno. Se... (etc.).”**
10. Surdos (em tom confidencial) “Algumas pessoas Esquizofrenia paranóide.** Fobia,
querem manter em segredo, mas eu sei que é hipocondria, auto-referência*
porque sofrem dessa doença. (?) Sim, uma
enfermidade venérea.”
“Porque Deus não quis que nascessem assim.” Desatenção histérica
PSICODIAGNÓSTICO – V 577
QUADRO 36.10 (continuação)
Item Tipo possível de resposta emocional Exemplos
8. Naufrágio Temas de diferença sexual e de papel “Mulher vale por muitas pessoas, porque dá para
sexual, papel da criança versus papel ter nenê.”
do adulto, confusão e dificuldade “São mais fracas e têm mais medo.”
“É um ato de cavalheirismo.”
“As crianças têm menos saúde e não sabem nadar,
e as mulheres são fracas, podem estar grávidas e
vão para o fundo.”
9. Cheques Sentimentos de culpa, ênfase no gastar, “No cheque, a gente sempre tem dinheiro.”
orientação de comprar agora e pagar “Não precisa pedir dinheiro a toda hora, para o pai
depois, discussões parentais sobre ou marido.”
dinheiro
10. Caridade Preocupação com dissipação. “O pobre pode comprar algo que faz mal.”
Preocupação com exploração “Quem pede é maloqueiro, muito espertinho.”
11. Empregos Preocupação com comunismo e “Para pegar espiões.”
infiltração.** Preocupação com saúde “Para ver quem tem mais saúde, quem não
provoca desastres.”
12. Algodão Preocupação com gastos. Preocupação “É barato.”*
com asseio** “Para limpar os germes.”*
13. Senadores Preocupação com exploração.** “Assim, se tem um Hitler.”
(Preocupação com necessidade de ajuda) “O Presidente não pode governar sozinho.
Tem de haver pessoas para darem idéias.”
14. Promessa Exploração, culpa. (Tema religioso) “Agradecer o favor, senão, da outra vez, não será
atendido.”
“Porque é um pecado.”
“Se faz e não cumpre, não tem fé no que faz.”
“Se não cumpre, está mentindo.”
*O tipo de respostas e os exemplos marcados com um asterisco foram transcritos de um quadro da obra de Glasser & Zimmer-
man, 1972, p.48-49.
**Estão marcados com dois asteriscos os tipos de preocupações que não parecem comuns em nosso meio.
Observação: Os tipos de respostas registrados entre parênteses, bem como os exemplos sem asterisco, são de material clínico
colhido pela autora sênior.
PSICODIAGNÓSTICO – V 579
que leva a acréscimos e especificações, que rências possíveis do ponto de vista cognitivo,
comprometem a qualidade da resposta; d) pre- parece importante que seja capaz de deter-
sença de idéias fóbicas associadas a temas sus- minar o nível em que o sujeito pode estabe-
citados por alguns itens; e) atitude de oposi- lecer relações de classificação entre duas “coi-
ção à testagem; f) mau controle dos impulsos sas”, como as apresentadas nos itens de Se-
(Glasser & Zimmerman, 1972). melhanças.
Um conceito possui um âmbito ou uma ex-
tensão própria e um conteúdo. No âmbito de
Semelhanças um conceito, pressupõem-se todas as coisas
ou idéias por ele subentendidas. Elas precisam
Raciocínio lógico e formação conceitual verbal apresentar qualidades semelhantes para serem
(pensamento abstrato) abrangidas pelo conceito. A soma dessas coi-
Raciocínio indutivo, com identificação de sas qualitativamente semelhantes é o âmbito
aspectos essenciais de não-essenciais ou extensão. Portanto, o âmbito do conceito
Desenvolvimento da linguagem e fluência “laranja” abrange todas as coisas que apresen-
verbal tam qualidades tais que permitam que sejam
pensadas como “laranjas”. As qualidades pres-
Esta também é uma medida da inteligência supostas num conceito são várias. A soma des-
cristalizada (McGrew & Flanagan, 1998), no sas qualidades, comuns às coisas incluídas no
sentido de que o indivíduo busca subsídios em âmbito de um conceito, denomina-se conteú-
sua memória remota, pelo que é muito impor- do (Mayman, Schafer & Rapaport, 1965; Rapa-
tante a influência de antecedentes ambientais port et alii, 1965). As relações de classificação
e da estimulação da linguagem, mas sem dú- estabelecem-se a partir do conteúdo conside-
vida não é possível o indivíduo prescindir de rado, isto é, com base neste é feita uma rela-
sua capacidade de abstração e de sua fluência ção qualitativa entre as coisas, de forma a clas-
verbal para chegar a obter altos escores (Gro- sificá-las ou colocá-las numa determinada ca-
th-Marnat, 1999). tegoria. Portanto, as relações fundamentam-
O subteste apresenta uma tarefa em que o se em qualidades, que podem ser superficiais,
sujeito tem de explicar o que um par de obje- funcionais ou essenciais. Isso envolve a idéia
tos ou temas têm em comum, proposta em de ordem ou de hierarquia de abstração. Pode-
itens ordenados por dificuldade crescente. Tal se falar também em níveis, nos quais os sujei-
seqüência crescente de dificuldade envolve, tos buscam subsídios para elaborar as suas res-
inicialmente, memória, compreensão e capa- postas.
cidade associativa, passando gradativamente À medida que a criança cresce, vai ampli-
a requerer uma capacidade conceitual, que ando seu campo experiencial e vai sendo cada
exige que o sujeito distinga características es- vez mais capaz de generalizar, isto é, de definir
senciais das não-essenciais. Essa variação gra- o âmbito de um conceito, como também de
dativa de dificuldade pode ser observada prin- verbalizar relações entre as coisas, que vão
cipalmente no WPPSI, no WISC, no WISC-R e denotando um nível mais alto de abstração.
no WISC-III, introduzidos com itens que envol- Da mesma forma, quanto mais inteligente for
vem analogias simples, para passar, posterior- um indivíduo, mais capacidade terá para esta-
mente, a uma formulação que leva a uma com- belecer abstrações de nível mais elevado. Em
paração, que exige que o sujeito estabeleça termos de formação de conceitos, podemos
relações de classificação. Nas escalas para adul- considerar três níveis hierárquicos, exemplifi-
tos, este tipo de comparação está implícito a cados, a seguir, em relação ao item “Em que
partir do primeiro item. são parecidas uma laranja e uma banana?”
No momento em que o examinador não se Uma resposta tipo “As duas têm casca” seria
propõe apenas a reunir elementos para deter- classificada no nível concreto. Isto é, o sujeito,
minar o QI, mas pretende fazer todas as infe- dentre o conteúdo possível a ser explorado,
PSICODIAGNÓSTICO – V 581
que possam ser considerados relativamente 1975a), como no item Cachorro-Leão, “Depen-
satisfatórios, porque ficam numa zona média, de da hereditariedade” ou “O cachorro pode
podem indicar um nível de funcionamento in- ser animal de estimação” (Matarazzo, 1976,
telectual que tende a ser medíocre, porque o p.450). Podem ter sucesso nos itens mais difí-
escore total é constituído predominantemen- ceis e fracassar nas respostas fáceis, contami-
te de respostas cujo escore é um, ainda que a nando-as com incorreções, como “Uma laran-
fase de desenvolvimento da criança deva ser ja e uma banana são frutas cítricas” (Mayman,
considerada. Por outro lado, há casos com pro- Schafer & Rapaport, 1976, p.642), ou produ-
porções variáveis de respostas, que recebem zem respostas superabstratas, por demais am-
créditos de 0, 1, e 2, que, embora possam ter plas e sincréticas, como, para Cachorro-Leão,
um funcionamento irregular, provavelmente “Ambas são formas de vida” (Matarazzo, 1976,
apresentam maior potencialidade e possibili- p.450), “São compostos de células” ou “Caren-
dades (Glasser & Zimmerman, 1972). tes de inteligência humana” (Mayman, Scha-
A capacidade de pensamento conceitual, fer & Rapaport, 1976, p.642). Tais respostas se
exigida pelo subteste, sofre menos a interfe- caracterizam por serem sobreideacionais, mas,
rência de estados emocionais e de problemas às vezes, aparecem respostas concretas (We-
na função do juízo do que Compreensão. chsler, 1958) e confabuladas, como “O ovo e a
Em crianças com traços obsessivos, o esco- semente se parecem, porque se dá semente aos
re pode ser bom, uma vez que se beneficiam pintos, para que cresçam e ponham ovos”
com o fato de respostas múltiplas correspon- (Mayman, Schafer & Rapaport, 1976, p.642).
derem a maior crédito. Já os escores mais bai- É, pois, um subteste indicado para detectar
xos se encontram, às vezes, em crianças mais “formas idiossincrásicas ou patológicas de for-
velhas, caracterizadas por um pensamento mação de conceito” (Groth-Marnat, 1999,
mais concreto, “rigidez nos processos de pen- p.180).
samento (‘Eles não são parecidos’) e distorção As respostas perturbadas, caóticas, desor-
séria dos processos de pensamento”, como ganizadas, que caracterizam a emergência do
também como resultado de “profunda descon- processo de pensamento primário, também são
fiança (‘Você está tentando me lograr; eles não encontradas em pacientes com transtorno de
são parecidos’)” (Glasser & Zimmerman, 1972, personalidade borderline, ainda que, especifi-
p.64). camente neste subteste, os esquizofrênicos
E, em seguida, o subteste é especialmente demonstrem maior comprometimento que
sensível a disfunções cerebrais, independente- eles.
mente de localização, com exceção de algu- No grupo esquizofrênico, quando se obser-
mas categorias muito específicas, nas quais va um escore relativamente elevado, é prová-
pode permitir uma estimativa da capacidade vel a existência de traços paranóides (Mayman,
pré-mórbida. Já quando o déficit cerebral afe- Schafer & Rapaport, 1976). O subteste geral-
ta funções verbais, Semelhanças torna-se gran- mente não é afetado na esquizofrenia para-
demente vulnerável, e a baixa correspondente nóide, a não ser em casos crônicos e deteriora-
“se associa com envolvimento temporal e fron- dos, em que o escore cai abaixo de Vocabulá-
tal esquerdo” (Lezak, 1995, p.606). rio (Rapaport et alii, 1965). Já Portuondo
Tanto pacientes com comprometimento (1970b) acha que, com o aprofundamento do
cerebral como esquizofrênicos tendem a apre- inquérito, se verifica que as “abstrações” dos
sentar escores baixos, mas o estilo das respos- pacientes paranóides representam apenas res-
tas é diferente. Os primeiros têm maus resul- postas estereotipadas, subjacente às quais “só
tados por dificuldades de abstração, produzin- existe um conceito concreto” (p.62).
do mais respostas “Não sei” do que esquizo- Altos escores indicam não apenas alto ní-
frênicos e normais (Lezak, 1983); os segundos, vel de abstração, mas conseqüentemente boas
principalmente pela incursão de idéias bizar- condições para insight, sugerindo um bom
ras e idiossincrásicas nas respostas (Carr, prognóstico em processo psicoterápico (Gro-
PSICODIAGNÓSTICO – V 583
Dinamicamente, este tipo de resposta po- prejuízo lateral, os escores de Completar Figu-
deria ser entendido como uma forma caracte- ras costumam ser mais elevados que os dos
risticamente extrema de projeção, em que algo subtestes especialmente vulneráveis à disfun-
é inserido na figura e, depois, removido. Em ção específica. Assim, se o paciente tem um
crianças, parece sugerir “fluidez excessiva do comprometimento no hemisfério esquerdo, o
pensamento” (Glasser & Zimmerman, 1972, escore deste subteste costuma ser mais eleva-
p.75). do do que nos subtestes de caráter eminente-
No WAIS-R, são principalmente os itens 2, mente verbal. Se é no hemisfério direito, o es-
4, 6, 10-11, 14 e 20 que, por “requererem in- core de Completar Figuras é mais elevado que
ferências cognitivas de nível mais elevado, os demais subtestes de execução. Desta ma-
muitas vezes eliciam respostas concretas, tais neira, pode servir como o “o melhor indicador
como ‘A mão segurando o jarro’, para o item de teste da capacidade prévia”, especialmente
6” (Kaplan, Fein, Morris et alii, 1991, p.77). Tais quando o paciente apresenta dificuldade para
erros de percepção também ocorrem por dis- formulações verbais complexas” (Lezak, 1995,
funções cognitivas, em pacientes com compro- p.636). Observa-se que pacientes com anomia
metimento neurológico. são capazes de localizações corretas, mas sem
A elevada correlação deste subteste com denominá-las. Por exemplo, um paciente res-
Informação, no WAIS, sugere que também pondeu o seguinte ao item 4 do WAIS-R (apon-
memória remota e informação geral sejam as- tando o centro da carta de jogar): “Deveria
pectos implícitos por Completar Figuras (Lezak, haver outra dessas coisas aqui” (Kaplan, Fein,
1995). Morris et alii, 1991, p.77).
No WAIS-R, os itens “que exigem correta Entretanto, algumas disfunções localizadas
identificação da parte omitida e acurada me- se caracterizam por detalhes negligenciados
mória visual” são 1, 5, 7, 8, 15, 18 e 19 (Ka- num dos lados da figura ou por percepções
plan, Fein, Morris et alii, 1991, p.77). falhas em determinado quadrante da figura
Observa-se que uma atitude negativista (Kaplan, Fein, Morris et alii, 1991).
muitas vezes leva a uma queda dos escores, Por outro lado, ainda que pareça que a preo-
por insistência de que nada falta. Mas essa cupação com minúcias da experiência possa
necessidade de negar a omissão pode se asso- favorecer os obsessivos, geralmente este não
ciar a uma preocupação com a integridade é o caso, porque a ansiedade pode compro-
corporal (Glasser & Zimmerman, 1972; Zimmer- meter a sua eficiência, em razão de suas dúvi-
man, Woo-Sam & Glasser, 1976), possivelmen- das e vacilações.
te relacionada com ansiedade de castração. Os esquizofrênicos caracterizam-se por
Entretanto, ao expressar a necessidade de ne- fracassos nos itens fáceis e sucessos nos mais
gar a omissão, o sujeito, criança ou adulto está difíceis. Também a incapacidade de reconhe-
projetando a culpa pela sua dificuldade no cer o objeto, com um nível intelectual médio
material de teste, embora também possa fazê- ou alto, é típica de confusão psicótica, na es-
lo em relação ao examinador. Eventualmente, quizofrenia. Todavia, pacientes paranóides,
quando se critica pela dificuldade, está inter- “manifestamente alertas a discrepâncias e de-
nalizando a culpa. Tais indícios de projeção e talhes menores, podem se sair bem neste sub-
internalização são observados mais freqüente- teste” (Carr, 1975a, p.742). Diríamos que o es-
mente em crianças (Glasser & Zimmerman, quizofrênico (pelo menos, quando deteriora-
1972), mas também são encontrados em adul- do) fracassa neste subteste em função de dis-
tos. Já Groth-Marnat (1999) comenta que tal torções perceptuais e conceituais ou, funda-
tipo de resposta algumas vezes é dado por in- mentalmente, pela natureza de seus laços com
divíduos oposicionistas, negativistas e rígidos. a realidade; o paranóide pode ter escores rela-
Completar Figuras freqüentemente não é tivamente bons ou até elevados, por sua atitu-
um subteste discriminativo para lesões cere- de de vigilância frente ao mundo. Já o depres-
brais, no sentido de que, quando existe um sivo não vai bem, porque o subteste envolve
PSICODIAGNÓSTICO – V 585
QUADRO 36.11 Idéias principais pressupostas dificar o esquema de referência seja “um sinal
pelas séries de figuras dos itens de Arranjo de clássico de problemas perceptuais” (p.80).
Figuras do WAIS-R
Essa abordagem passiva, em que o exami-
Item Ponto principal nando manuseia pouco os cartões (se é que
1. Construção de uma casa do início ao fim. faz algum movimento) é um erro que costuma
2. Rei namorando mulher. aparecer em casos de lesão frontal direita, se-
3. O rapaz confunde o pai da moça com ela, para gundo McFie, em trabalho de 1975, citado por
quem é a serenata.
4. Homem põe fim à briga de meninos por causa
Kaplan e colegas (1991). Mas, evidentemente,
de livro cômico e o toma. devem também ser consideradas hipóteses em
5. Mulher puxa a porta para abri-la, ao invés de nível psicológico, como falta de motivação, por
empurrá-la. exemplo.
6. Prisioneiro rouba as roupas de outro recluso. Outras dificuldades que causam interferên-
7. Mulher termina ajudando o homem que está
tentando ajudá-la.
cias no arranjo seqüencial são “confusão con-
8. Criado esteve pondo peixe na linha de pescar ceitual, distorção perceptual ou problemas de
do rei. juízo e raciocínio” (Lezak, 1995, p.617), mes-
9. Homem, depois de dar a um pedinte uma maçã, mo em sujeitos sem comprometimento neuro-
este o assalta à mão armada para roubar seu lógico.
dinheiro.
10. Homem fica envergonhado, porque, do lado de
A necessidade de compreensão de situações
fora da janela do táxi, o busto parece ser de uma sociais, para a realização do subteste, parece
mulher real. ter três conseqüências imediatas.
Fonte: Kaplan, Fein, Morris et alii, 1991, p.82-84 (adaptado). Em primeiro lugar, a facilidade de estabele-
cer relações sociais genuínas e de participar
mais extensivamente de atividades sociais pa-
rece favorecer o desempenho. Assim, são refe-
ridas pesquisas em que pessoas introvertidas,
associadas com disfunção no hemisfério direi- mas normais, tiveram escores mais baixos nes-
to, segundo os autores citados antes. te subteste, enquanto universitários que desen-
Por outro lado, para arranjar as figuras em volviam muitas atividades extracurriculares ten-
ordem ou para captar a significação da situa- diam a apresentar escores acima de 10 pontos
ção, o sujeito precisa compreendê-la ou ter o (Matarazzo, 1976).
que se costuma chamar de “inteligência social”. Em segundo lugar, a utilização da chama-
As condições essenciais para tal pressupõem da “inteligência social”, em proveito próprio,
um funcionamento cerebral e intelectual satis- desconsiderando direitos alheios, parece levar
fatório. Na realidade, pode-se supor que o con- a um incremento no escore deste subteste.
teúdo seqüencial do subteste só seja acessível Matarazzo (1976) cita uma pesquisa em que
a determinado nível intelectual. Aliás, este sub- foi verificado que indivíduos com escores ele-
teste, junto com Cubos, é considerado como vados eram “mais sensíveis a estímulos sutis”
medida de inteligência não-verbal (Groth-Mar- (p.415) do que aqueles com escores baixos.
nat, 1999). Então, espera-se que os sujeitos Também existem referências de que um escore
com limitações ou problemas cognitivos mui- de 3 pontos acima da média, neste subteste, é
tas vezes tendam meramente a trocar uma fi- encontrado em adolescentes com transtorno
gura de lugar ou apresentem um comporta- de conduta, havendo a sugestão de que a ten-
mento perseverativo, utilizando sempre os dência à atuação, à manipulação de pessoas,
mesmos movimentos. Glasser & Zimmerman com sentido anti-social, pode levar a uma pre-
(1972) explicam que o fato de que, na primei- dominância deste subteste, no perfil (Portuon-
ra série do subteste, no WISC, seja necessário do, 1970b; Zimmerman, Woo-Sam & Glasser,
mudar apenas a primeira figura pode levar à 1976).
manutenção do contexto dessa solução, ainda Em terceiro lugar, dificuldades de estabele-
que considerem que tal incapacidade de mo- cer vínculos afetivos ou problemas no relacio-
PSICODIAGNÓSTICO – V 587
(como nas figuras colocadas “de lado”) ou, até, Além disso, a observação da maneira como o
falha no teste de realidade, como em soluções indivíduo trabalha oferece indícios sobre aspec-
bizarras, que não podem ser explicadas por tos emocionais, atitudes para consigo mesmo,
déficit perceptual (Glasser & Zimmerman, limitações e erros.
1972). Os escores altos devem ser considera- Na escala para pré-escolares, este subteste
dos em função dos aspectos clínicos envolvi- representa basicamente uma tarefa de classifi-
dos no subteste. cação e perceptomotora (Wechsler, 1967). As-
Já Groth-Marnat (1999) diz que os indiví- sim, muitas das hipóteses aqui levantadas a ela
duos com escores altos “são usualmente refi- não se aplicam.
nados, têm alto nível de inteligência social e O sucesso no desempenho de Cubos exige
demonstram uma capacidade de rapidamente que o sujeito seja capaz de decompor o mode-
antecipar as conseqüências de atos iniciais”, lo em partes ou unidades e de escolher, entre
enquanto aqueles com escore baixo “podem os cubos disponíveis, as unidades com que
ter uma pobreza de idéias, dificuldade de pla- pode reconstruir o todo. Basicamente, portan-
nejar, processamento de informações lento, um to, requer que o sujeito utilize a sua capacida-
mau senso de humor, dificuldade nas relações de de análise e síntese, buscando relações en-
interpessoais e mau rapport” (p.184). tre as faces dos cubos e o modelo. A rapidez e
a facilidade com que estabelece tais relações
fornecem indícios quanto ao seu nível de con-
Cubos ceitualização visoespacial, conforme Lezak
(1995). O insight precoce favorece a boa quali-
Capacidade de análise e síntese dade do desempenho. O nível mais alto de con-
Capacidade de conceitualização visoespacial ceitualização é demonstrado pelo paciente que
Coordenação viso-motor-espacial, organiza- percebe a gestalt num relance e constrói o de-
ção e velocidade perceptual senho de forma correta e rápida, raramente
Estratégia de solução de problema precisando olhar novamente o modelo. Num
segundo nível, o paciente demora um pouco
Cubos é um subteste não verbal, bastante mais para compreender o modelo, tenta ma-
isento de influências socioculturais ou da edu- nipular um cubo ou dois e, a seguir, constrói o
cação formal, apresentando uma relação subs- desenho corretamente e sem vacilações, ou,
tancial com a inteligência geral, constituindo, por outro lado, o paciente consulta o modelo
portanto, uma boa medida de inteligência para repetidas vezes durante a sua construção. Num
a avaliação de pessoas provenientes de dife- terceiro nível, o paciente constrói o desenho,
rentes ambientes culturais (Groth-Marnat, através de ensaio ou erro, prosseguindo cubo
1999), sendo afetado quase exclusivamente por a cubo, na busca da coerência entre a sua có-
disfunção cerebral e depressão. Assim, no caso pia e o modelo. Este desempenho é típico do
de estarmos seguros de que os escores não sujeito com capacidade média. Pode não che-
estão rebaixados por problemas de coordena- gar a perceber a gestalt como um todo e até
ção (geralmente fáceis de observar), déficits “nem considerar o formato quadrangular, mas,
perceptocognitivos ou por interferências emo- em virtude de sua percepção acurada e seus
cionais, podemos utilizar o escore deste sub- hábitos de trabalho ordenados, muitos podem
teste como uma boa estimativa do potencial resolver mesmo os problemas de desenho mais
intelectual do sujeito. difíceis” (Lezak, 1995, p.590). Tais indivíduos,
O desempenho neste subteste fornece uma de capacidade média, podem compreender
boa amostra das estratégias que o sujeito tem imediatamente, pelo menos, os problemas dos
para a solução de problemas, uma vez que a cinco itens mais fáceis, passando, a seguir, a
tarefa permite que se observem seus hábitos utilizar ensaio e erro. Conforme Lezak (1995),
de trabalho, se não existe prejuízo maior de “outro indicador do nível de capacidade, nes-
suas capacidades visoespaciais (Lezak, 1995). ta tarefa de organização perceptual, é o nível
PSICODIAGNÓSTICO – V 589
apresentam déficits visoespaciais, “particular- MODELO
mente naqueles com lesão no hemisfério di-
reito” (p.588). A a) rotação
De um modo geral, problemas perceptuais
e a má organização espacial refletem-se nos A b) inversão
escores. Os transtornos de estruturação espa-
cial ficam evidentes, não só pela observação
do desempenho do paciente, mas no próprio B considerado como exato
modelo construído. Podemos ver, na Figura
36.4, modos de reprodução de modelos no sub-
C
teste de Cubos do W-B, de sujeitos com tais
transtornos, apresentados por Moor (1969),
que são muito ilustrativos. Foram observados I
em crianças com problemas de dislexia e dis-
grafia, apresentando as seguintes característi-
II
cas:
a) rotação;
b) inversões; III
c) dificuldade de orientação nos cubos bi-
colores;
d) muitas hesitações, lentidão extrema, com IV
conclusão do modelo após o limite de tempo;
e) fracasso em modelo fácil e êxito em itens
mais difíceis; V
f) construção correta, a seguir desfeita, para
voltar a ser reiniciada;
g) reprodução inexata, da qual a criança não VI
se dá conta, apesar de resultados elevados em
outros subtestes.
Fonte: Moor, 1969, p.201.
Note-se que algumas dessas características
são atribuídas à ansiedade, por Glasser e Zim- Figura 36.4 Modos de reprodução de Cubos, na escala
W-B, apresentados por sujeitos com transtorno de es-
merman (1972).
truturação espacial.
Outras características dos modelos constru-
ídos que envolvem fracassos na reprodução da
gestalt foram classificados por Elizur (1965)
como desconsideração da cor, da forma, da ção elevada entre esses dois subtestes, e que
localização e lentidão, e associados por ele com ambos são sensíveis à patologia cerebral. Mas
problemas orgânico-cerebrais. Na realidade, não é sempre que ambos baixam simultanea-
tais fracassos também são comuns em casos mente. Na discussão sobre o subteste de Ar-
que estritamente não podem se classificar mar Objetos, serão apresentados certos pa-
como “orgânicos”, decorrentes de alterações drões de combinação entre os dois subtestes e
no desenvolvimento neuropsicológico em sua significação específica.
crianças. De um modo geral, nos adultos há baixa
Portuondo (1970b), a partir de sua expe- em Cubos em qualquer comprometimento ce-
riência com o W-B, afirma que o escore muito rebral, especialmente em lesões lateralizadas,
baixo em Cubos, combinado com o escore sendo o desempenho pior quando a localiza-
muito baixo em Armar Objetos, é um sinal pa- ção é parietal, no hemisfério direito. Os esco-
tognômico de “complicação orgânica” (p.66). res não baixam tanto se a lesão é no hemisfé-
Hoje em dia, sabe-se que existe uma correla- rio esquerdo, “exceto quando o lobo parietal
PSICODIAGNÓSTICO – V 591
ficiente com a realidade e à diminuição do pen- Rapaport, 1976; Zimmerman, Woo-Sam & Glas-
samento conceitual em esquizofrênicos. ser, 1976).
Considerando o desempenho de pacientes Exceto os obsessivo-compulsivos, outros
esquizofrênicos, no teste de Cubos de Golds- “neuróticos” apresentam um bom desempe-
tein-Scheerer (Goldstein & Scheerer, 1941), fica nho neste subteste, já que a ansiedade, quase
muito claro que, na medida em que estiver sempre, leva apenas a uma ineficiência tem-
comprometida a sua capacidade de pensamen- porária e só eventualmente a uma queda do
to abstrato, haverá também, neste subteste, escore.
uma série de fracassos, caracterizados por ti- O fator de personalidade especialmente res-
pos concretos de solução aos problemas en- ponsável pela queda dos escores é a depres-
volvidos. são, sendo a sua baixa proporcional à gravida-
Tais soluções concretas, associadas a es- de do quadro (Rapaport et alii, 1965). Os psi-
cores baixos, também podem ocorrer em su- cóticos caracterizam-se por uma diminuição
jeitos com retardamento mental. Por outro acentuada e relativamente parelha em todos
lado, eventualmente pessoas normais e inte- os subtestes de execução, mais evidenciada em
ligentes podem adotar uma atitude concre- Cubos e levemente menor nos subtestes de
ta, quando constroem com cubos, mas que Completar Figuras e Arranjo de Figuras. Em-
é reversível, o que não costuma acontecer bora os “neuróticos” depressivos graves apre-
quando existem certos déficits, seja de etio- sentem uma queda parelha, esta não é tão acen-
logia orgânica, seja funcional. Às vezes, en- tuada como nos psicóticos. Já a co-morbidade
tão, é aconselhável utilizar a demonstração com outro transtorno, como esquizofrenia, as-
com os cubos, num exame de limites, rea- socia-se com a diminuição de Cubos e Código,
presentando um item, em que o sujeito fra- especialmente do primeiro, mas a queda em exe-
cassou, após a conclusão do subteste, para cução não seria parelha (Portuondo, 1970b).
verificar se mantém ou não a solução con- Os escores altos devem ser considerados em
creta anterior. função dos aspectos envolvidos no subteste,
As soluções extravagantes e bizarras (como como capacidade de análise e síntese, nível de
tentar a construção diretamente sobre o mo- pensamento conceitual, rapidez, precisão e fle-
delo impresso ou em posição vertical), em crian- xibilidade na solução de problemas, etc. Cabe
ças ou em adultos, são apontadas como indí- assinalar, porém, que a experiência com este
cios de séria perturbação do teste de realidade tipo de construção na infância ou com outros
(Glasser & Zimmerman, 1972; Zimmerman, instrumentos que envolvem cubos pode me-
Woo-Sam & Glasser, 1976). lhorar o desempenho, até certo ponto (Glas-
O escore baixo também pode ocorrer por ser & Zimmerman, 1972; Zimmerman, Woo-
insegurança e por tendências compulsivas. A Sam & Glasser, 1976). Assim, este é um fator a
atenção a detalhes não essenciais (por exem- ser considerado no reteste, seja no âmbito clí-
plo, a diferenças insignificantes de cor) pode nico, seja em pesquisas.
indicar, em crianças e em adultos, uma neces-
sidade compulsiva de precisão ou, ainda, “uma
rejeição hostil da tarefa, através do uso nega- Armar Objetos
tivo do perfeccionismo” (Zimmerman, Woo-
Sam & Glasser, 1976, p.191), que pode levar a Capacidade de síntese de um conjunto inte-
uma queda nos escores em obsessivos. Esta grado
também pode ser devida a um estilo compulsi- Capacidade de reconhecer configurações
vo que leva a um desempenho vagaroso (Gro- familiares (formação de conceitos visuais) e de
th-Marnat, 1999), a tentativas lentas e suces- antecipar relações parte-todo (organização vi-
sivas de comprovação da coerência entre a soespacial)
cópia e o modelo ou a um estado de tensão, Processamento visual, velocidade percep-
que diminui a eficiência (Mayman, Schafer & tual e manipulativa
PSICODIAGNÓSTICO – V 593
A tentativa de construir, especialmente a na periferia), em esquizofrênicos (em razão de
figura humana, em posição vertical, também alguma disfunção no SNC?).
observada por Moor, só foi por nós encontra- Há casos em que a conceitualização visoes-
da em crianças muito pequenas, e a atribuí- pacial não está tão comprometida como no
mos à falta de experiência com jogos de encai- grupo anterior, porém, fica muito dependente
xe ou de construção, já que não foram encon- da atividade visomotora. Tais sujeitos não são
trados outros indícios significativos. capazes de antecipar o objeto, mas, à medida
As observações feitas durante a testagem que vão manipulando as peças, por ensaio e
são muito úteis para avaliar a falta de destreza erro, vão sendo capazes de identificar relações
motora, a flexibilidade e/ou a agilidade na ex- e “usam os conceitos visuais que (assim) se
ploração de soluções ou, pelo contrário, a rigi- desenvolvem para se orientar” (Lezak, 1995,
dez ou a perseveração (Zimmerman, Woo-Sam p.598). Em Cubos, apresentam o mesmo com-
& Glasser, 1976). portamento e têm um provável comprometi-
Dificuldades verificadas nas estratégias para mento parietal direito.
chegar a uma solução oferecem indícios para Outros, ainda, fixam a sua atenção nos
discriminar pacientes com lesões no hemisfé- contornos globais, mas demonstram incapa-
rio esquerdo – que tendem a juntar as peças cidade para discriminar detalhes, tais como
guiando-se pelo contorno – e aquelas com le- as características internas das peças ou o seu
sões no hemisfério direito – que costumam tamanho relativo, como os dos dedos da
guiar-se pelas linhas internas. Exatamente para Mão. Geralmente, a baixa dos escores, neste
melhor investigar esses tipos de estratégias, o subteste e também em Cubos, associa-se com
WAIS NI incluiu mais dois quebra-cabeças, em comprometimento do hemisfério cerebral
Armar Objetos: o Círculo e a Vaca (Kaplan, Fein, esquerdo.
Morris et alii, 1991). Há pacientes que apresentam muitos pro-
Há pacientes em que se nota um compro- blemas em Armar Objetos, apesar de terem
metimento da manipulação visoespacial, sem bom resultado em Cubos. Seu sucesso na cons-
evidência de problemas na conceitualização e trução dos cubos deve-se ao fato de que, nes-
organização visoperceptual. Observa-se que o se subteste, há um esquema de referência dis-
sujeito identifica o objeto (forma o conceito), ponível (modelo), enquanto, em Armar Obje-
mas é incapaz de construí-lo (Lezak, 1995). tos, têm problemas para antecipar a identifi-
Em outros, a dificuldade é oposta, já que cação do produto final (objeto). A localização
está comprometida a conceitualização visoes- provável de seu comprometimento cerebral é
pacial, ainda que sua coordenação e controle frontal.
visomotor possam ser satisfatórios. Trabalham Por outro lado, sujeitos que têm um tipo
metodicamente na justaposição de contornos de pensamento mais concreto se saem relati-
e linhas, mas não sabem do que se trata, até, vamente bem neste subteste, porque “envolve
eventualmente, terem sucesso na construção. objetos concretos, significativos” (Lezak, 1995,
Às vezes, não chegam à solução e são capazes p.598), apesar de terem mau desempenho em
de aceitar figuras absurdas. Também seu esco- Cubos, em função dos aspectos abstratos im-
re é baixo em Cubos, e seu déficit geralmente plícitos e do tamanho reduzido dos modelos.
se associa com comprometimento do córtex Tal dificuldade é usualmente atribuída a algu-
posterior no hemisfério direito (Lezak, 1995). ma patologia frontal.
É interessante observar que já Portuondo Lentidão pode ser observada também em
(1970b) considerava a tendência para a cons- pacientes com patologia frontal, embora não
trução absurda como um indicador diagnósti- seja um indício específico deste grupo.
co de patologia cerebral. Porém, Mayman e Além disso, pode-se dizer que, em vista do
colegas (1976) encontraram certas construções componente velocidade, Armar Objetos é afe-
absurdas (como colocar a metade da orelha no tado por comprometimento cerebral em geral
lugar adequado, em Rosto, e a outra metade e, mais especificamente, por lesões posterio-
PSICODIAGNÓSTICO – V 595
ficuldades na persistência motora, há autores Aliás, o mau contato com a realidade prejudi-
que sugerem que, num diagrama extra, se ano- ca o desempenho, com a emergência de fre-
te o número de símbolos completados a cada qüentes erros, distorções e muita variabilida-
30 segundos. Pode haver um desempenho ini- de no ritmo de trabalho. Isso parece ser parti-
cial mais vagaroso, que se intensifica, por uma cularmente verdadeiro no caso de esquizofrê-
necessidade de aquecimento, ou o contrário nicos (Mayman, Schafer & Rapaport, 1976),
pode ocorrer, por efeito de fadiga. “O desem- embora sua má eficiência também seja rela-
penho que é uniformemente lento pode suge- cionada com comprometimento na concentra-
rir um defeito na ativação generalizada ou uma ção (Rapaport et alii, 1965).
lentidão generalizada da depressão.” Assim, Um comportamento um pouco menos raro
“pela observação dos movimentos oculares, que o citado se caracteriza pela cópia de ape-
pode-se identificar uma checagem constante nas um tipo de símbolo de cada vez. Mesmo
associada a uma falta de aprendizagem inci- com explicação adicional, o sujeito mantém-
dental dos pares de dígito-símbolo, à rigidez se numa recusa tácita em levar em conta as
(isto é, manutenção do contexto da resposta), instruções dadas pelo examinador. Fica implí-
ou insegurança a respeito da própria aprendiza- cita uma atitude de oposição, de desconformi-
gem” (Kaplan, Fein, Morris et alii, 1991, p.101). dade com a autoridade, que pode ser observa-
Em crianças, também se observam distor- da tanto em crianças como em adultos. Glas-
ções e omissões. Omissões eventuais (que ocor- ser e Zimmerman (1972) associam tal compor-
rem uma ou duas vezes) podem se associar com tamento com rebeldia e, em caso de bom de-
ansiedade e com um impulso para a realiza- sempenho, “com o grau em que a criança acha
ção, mesmo com prejuízo da precisão. Quan- necessário vencer, através de qualquer meio,
do são mais freqüentes, já deve ser considera- apropriado ou não” (p.95).
da a possibilidade de problemas de nível per- Outro comportamento que tivemos ocasião
ceptual, podendo ser mantido o mesmo pres- de observar, que parece também refletir uma
suposto em relação a distorções. Pode também recusa em seguir as instruções, subentenden-
se observar uma perda de orientação da tare- do uma atitude de oposição e desconformida-
fa, quando a criança simplifica os símbolos ou de, mas, talvez, também a necessidade de ado-
os reproduz em seqüência, desconsiderando a ção de um padrão pessoal de realização, foi o
chave oferecida. Pode ser atribuída a proble- de uma criança que, preenchendo todas as
mas perceptomotores, cuja explicação pode ser carreiras e colunas exteriores (apesar de ser
de caráter funcional ou neuropsicológico. En- advertida a respeito), ao ser completado o tem-
tretanto, quando ela apresenta uma boa orien- po, havia formado uma verdadeira moldura,
tação nas tarefas verbais, a última hipótese exceto por apenas uma quadrícula em branco.
parece mais provável (Glasser & Zimmerman, Já vimos que o subteste de Código, junto
1972). com Dígitos e Aritmética, está bastante satu-
Às vezes, a criança, depois de copiar alguns rado pelo fator de Resistência à Distratibilida-
símbolos corretamente, deixa um espaço va- de, sendo especialmente vulnerável à ansieda-
zio e copia, no espaço seguinte, o símbolo que de, variando os escores conforme a forma de
corresponderia ao espaço anterior. Tal fenôme- manejá-la. Em grupos “neuróticos”, os esco-
no parece se associar com problema de per- res tendem a uma queda que, contudo, não é
cepção espacial. Já Moor (1969) observara esse tão acentuada quando a ansiedade costuma
erro em crianças disléxicas e disgráficas, rela- ser liberada por meio de canais somáticos (Por-
cionando-o a um transtorno na estruturação tuondo, 1970b).
espacial. Mayman e colegas (1976) descreve- As tendências depressivas, a minuciosida-
ram o fenômeno, referindo tê-lo encontrado de e a dúvida também ocasionam um desem-
em pacientes esquizofrênicos. Não o interpre- penho lento, e o escore tende a cair. A compa-
taram, mas é de se supor que possa se asso- ração dos escores de Código, Cubos e Armar
ciar com uma distorção de dados da realidade. Objetos pode ajudar no diferencial, porque a
QUADRO 36.12 Resultados de Código do WAIS e de memória incidental de sujeitos normais, depressivos
e com demência leve
Medida Normais Depressivos C/demência leve
(N=18) (N=18)
F
M DP M DP M DP
Código
Escore bruto (90s) 43,7 1,8 27,0* 2,7 25,1* 2,5 21,2***
Tempo total 178,8 6,9 314,5* 32,0 362,8* 42,8 11,7***
Memória incidental
Pares de dígito-símbolo 6,4 0,4 4,3* 0,6 0,7** 0,2 43,7***
Total de símbolos 6,9 0,3 6,1 0,5 1,7** 0,5 39,0***
Fonte: Hart, Kwentus, Wade et alii, 1987, p.237 (tabela resumida).
*p>0,05 comparado com controles (teste de Tukey).
**p<0,05 comparado com controles de depressivos (teste de Tukey).
***p<0,0001.
PSICODIAGNÓSTICO – V 597
Apesar de tais diferenças observadas, Có- marcenaria, mas agora alega ter esquecido.
digo tem sido citado como o subteste com es- Não tem profissão definida. Atualmente, tra-
core mais baixo em alcoolistas (Miller & Orr, balha como office-boy, restringindo-se a tare-
1990), tanto no sexo masculino (Wilkinson & fas simples. Na sua história, há a ocorrência de
Poulos, 1987) como no feminino (Fabian & Par- convulsões por volta de um ano de idade e de
sons, 1983; Silberstein & Parsons, 1978). provável traumatismo craniano entre 4 e 5 anos.
Em investigação com um grupo de alcoo-
listas (Minella, Pereira, Argimon et alii, 1989),
observou-se que os escores deste subteste não Motivo do encaminhamento
permaneceram estáveis durante o primeiro mês
de abstinência. Não obstante, a comparação Avaliação intelectual, por suspeita de retarda-
das médias da primeira e da quarta semana de mento intelectual, e avaliação das condições
abstinência com a média e desvio padrão da mnêmicas.
população geral revelou que, embora com al-
guma melhora dos escores, os de Código per-
maneceram baixos, os mais baixos entre os Técnicas administradas
subtestes utilizados, não sendo possível carac- WAIS-R e WMS-R
terizar a presença de reversibilidade dos défi-
cits (Cunha, Minella, Argimon et alii, 1990).
Aliás, a este respeito os achados na literatura Índices no WMS-R
não são coincidentes. Goldman (1987), por
exemplo, constatou melhora na terceira sema- Verbal: 75 (médio inferior); visual: 50 (deficien-
na de abstinência em alcoolistas com menos te); total: 55 (limítrofe); atenção e concentra-
de 40 anos, enquanto Parsons (1980), após ção: <50 (deficiente); evocação retardada: 62
quatro anos de abstinência, verificou a presen- (limítrofe).
ça de melhora sob vários aspectos, exceto em
Código. Assim, convém lembrar a diversidade
de fatores que podem suscitar diferenças en- Comentário sobre o comportamento
tre os escores. Hesselbrock e colegas (1985) durante a administração do WAIS-R
citam sexo, idade, duração do período de al-
coolismo e quantidade de álcool ingerida no O paciente procurou colaborar, embora, em
mês anterior à hospitalização. Aritmética, não tivesse demonstrado interesse
Escores elevados podem possivelmente se ou empenho em encontrar a resposta correta.
associar com “excelente capacidade visomoto- Em Cubos, seu método de trabalho foi de en-
ra, eficiência mental”, capacidade para tal tipo saio e erro, desistindo da construção dos mo-
de aprendizagem e “reações psicomotoras rá- delos 4 e 7. No modelo 8, substituiu duas pe-
pidas”, enquanto escores baixos podem indi- ças bicolores por branco e inverteu um cubo
car “capacidade reduzida para a aprendizagem com a face bicolor. No item Mão, de Armar
visual associativa, funcionamento visomotor Objetos, foi possível observar que fixou a aten-
prejudicado” (Groth-Marnat, 1999, p.188). ção no contorno global, desconsiderando o
detalhe de tamanho dos dedos, trocando a
posição de duas peças. Em Código, apresen-
CASO ILUSTRATIVO No 1 tou uma omissão e uma troca de símbolos.
QUADRO 36.13 Levantamento quantitativo dos resultados no WAIS-R de um sujeito de 22 anos, do sexo
masculino
Subtestes do WAIS-R Escore Escore Percentual Escore Diferença Valor
bruto por idade ponderado da média crítico
Informação 6 5 5 5 +0,67 2,4
Dígitos 3 1 1 2 -2,33 2,9
Vocabulário 27 7 16 6 +1,67 1,8
Aritmética 4 5 5 4 -0,33 2,8
Compreensão 13 6 9 6 +1,67 2,9
Semelhanças 2 3 1 3 -1,33 3,0
Soma verbal: 26
Completar Figuras 3 3 1 3 -1,40 3,0
Arranjo de Figuras 6 6 9 6 +1,60 3,2
Cubos 7 4 2 4 -0,40 2,5
Armar Objetos 18 5 5 5 -0,60 3,5
Código 24 3 1 4 -0,40 3,0
Soma de execução: 22
PSICODIAGNÓSTICO – V 599
dia do sujeito, não são compatíveis com a iden- laridade do sujeito e pelo seu baixo nível ocu-
tificação da presença de forças e fraquezas es- pacional.
pecíficas, já que a diferença do escore de qual- O escore de Cubos reforça a hipótese da
quer subteste, quanto à média, não ultrapassa presença de déficit no raciocínio abstrato, su-
o valor crítico correspondente, seja para mais gerida pelo escore de Semelhanças. A presen-
ou para menos. ça não só de uma baixa, neste subteste, mas
Examinando as flutuações dos escores en- também de alguma distorção, observada tam-
tre pares de subtestes, verifica-se a existência bém em Armar Objetos, é compatível com a
de uma diferença real (que deve ser de 3 ou possibilidade de problemas na organização
mais) entre Vocabulário e Semelhanças e entre perceptual.
Compreensão e Semelhanças. Esses dados per- O desempenho de Dígitos é digno de nota.
mitem pressupor que o vocabulário do sujeito O sujeito só conseguiu reter uma extensão de
subentende um nível conceitual mais concre- três dígitos na ordem direta, denunciando uma
to, já que o escore em Semelhanças é compa- deficiência da atenção, e uma extensão de dois
tível com déficit do pensamento abstrato. É de dígitos na ordem inversa, que é um nível tam-
se supor que o vocabulário encontre suporte bém classificado como deficiente. Isto é corro-
na memória verbal, já que o índice correspon- borado pelos resultados da WMS-R. Mesmo
dente, no WMS-R, está num nível médio infe- considerando os antecedentes educacionais do
rior. Ademais, a diferença entre Compreensão sujeito e o seu nível intelectual, o resultado é
e Semelhanças sugere a presença de certo grau tão baixo que não é possível afastar uma hipó-
de senso comum e de conformidade com nor- tese da presença de déficit cognitivo, possivel-
mas sociais, ainda que de forma mais estereo- mente associado a problema neurológico.
tipada e não dependente de um juízo social Como tal hipótese também pode ser reforçada
maduro, pelas dificuldades de abstração, jus- por indícios de comprometimento do pensa-
tificadas por um escore em Semelhanças abai- mento abstrato, pela sugestão de problemas
xo de 2 DP da média da população geral. de organização perceptual, pelos índices da
Outro escore extremamente baixo é o de WMS-R e, finalmente, por antecedentes da his-
Completar Figuras, que pode se associar com tória pessoal, sugere-se uma avaliação neurop-
problemas de atenção e concentração, eviden- sicológica mais completa.
ciadas também pela WMS-R. Mas a diferença
entre o escore deste subteste e o de Arranjo de
Figuras exclui transtornos visuais ou visoper- CASO ILUSTRATIVO No 2
ceptivos, porque senão a queda de ambos se-
ria parelha. Informações básicas
O escore de Arranjo de Figuras beirando
menos 1 DP da média da população geral su- D, menino de 6 anos e 11 meses, foi adotado
gere, no sujeito, alguma capacidade de pensa- aos 2 anos e 8 meses (idade constatada radio-
mento seqüencial na compreensão de situações graficamente) por uma família de nível so-
sociais. O fato de este subteste estar no mes- cioeconômico médio. Nesta, a filha mais velha
mo nível de Compreensão, que supõe algum apresentava um retardamento mental profun-
recurso na função do juízo, representa um do e teve poucos anos de vida. Por receio de
indício positivo sobre a adaptabilidade do su- ter outro filho com problema idêntico, os pais
jeito. adotaram uma menina. Pouco mais tarde, fi-
Finalmente, resta considerar outros subtes- cou comprovado que apresentava retardamen-
tes que apresentam escores extremamente to mental moderado, além de problemas de
baixos, levando em conta a média da popula- natureza neurológica. Então, adotaram D, ten-
ção geral. Os escores de Aritmética e Código do, a seguir, dois filhos normais. Não obstan-
não são muito reveladores, já que podem ser te, não existiam informações sobre a família
explicados, em grande parte, pela pouca esco- de origem de D, exceto quanto à precariedade
PSICODIAGNÓSTICO – V 601
ve um escore significativamente elevado. mento escolar fique muito aquém do espera-
Seus problemas, portanto, não parecem se do, em termos de seu nível intelectual. Por
justificar por dificuldades visomotoras, mas outro lado, os dados clínicos associados a seu
sim de organização perceptual, se conside- desempenho no Bender, bem como os indícios
rarmos o desempenho nos subtestes entre si encontrados no WISC, pareceram compatíveis
e no comportamento observado na constru- com a presença de algumas alterações no de-
ção em Cubos e, especialmente, em Armar senvolvimento neuropsicológico, hipótese que
Objetos. ficou corroborada por exame neurológico evo-
A hipótese que é possível levantar é a de lutivo. Além disso, o psicodiagnóstico permi-
que o sujeito apresenta um atraso na dimen- tiu identificar também a presença de dificul-
são específica da linguagem, dificuldades de dades no desenvolvimento de algumas funções
atenção e problemas de organização percep- do ego, que complicavam mais o quadro, o que
tual, que colaboram para que seu aproveita- não cabe discutir no momento.
PSICODIAGNÓSTICO – V 603
pessoais. Kaufman (1994) recomenda aos que a) Subtestes Verbais: Informação, Seme-
se lamentam que, após a sessão de aplicação lhanças, Aritmética, Vocabulário, Compreensão
do WISC-III, dediquem mais alguns minutos e e Dígitos;
administrem estes itens para obter as informa- b) Subtestes de Execução: Completar Figu-
ções clínicas desejadas. ras, Código, Arranjo de Figuras, Cubos, Armar
O WISC-III incluiu, ainda, mudanças no ma- Objetos, Procurar Símbolos e Labirintos;
terial do teste, no conteúdo dos itens e nos c) Subtestes Suplementares: Dígitos, Procu-
procedimentos de administração, proporcio- rar Símbolos e Labirintos;
nando mais interesse e motivação para a crian- d) Escalas de QI: QI Verbal (QIV), QI de Exe-
ça e maior qualidade ao teste. Essas alterações cução (QIE) e QI Total (QIT);
referem-se a: e) Índices Fatoriais: Compreensão Verbal
a) proposta de aplicação do teste numa (CV), Organização Perceptual (OP), Resistência
única sessão, sendo estabelecida uma seqüên- à Distratibilidade (RD) e Velocidade de Proces-
cia determinada para a apresentação dos sub- samento (VP), obtidos a partir da somatória
testes (Completar Figuras, Informação, Códi- dos escores ponderados alcançados nos sub-
go, Semelhanças, Arranjo de Figuras, Aritméti- testes que formam cada fator, conforme arran-
ca, Cubos, Vocabulário, Armar Objetos, Com- jo do Quadro 37.1.
preensão, Procurar Símbolos e Dígitos); Sendo aplicados todos os 13 subtestes, Pro-
b) apresentação de novos itens em vários curar Símbolos, Dígitos e Labirintos não entram
subtestes e introdução de mais itens com nível para o cômputo dos QIs, que são calculados a
de dificuldade pequena e grande, para melhor partir da aplicação de cinco subtestes de cada
discriminação da habilidade intelectual da po- escala. Procurar Símbolos e Dígitos são reque-
pulação extrema da curva normal; ridos para a avaliação dos Índices Fatoriais, e,
c) alteração de itens, visando a minimizar o quando for necessária a aplicação de menos
viés de sexo, etnia e região, principalmente nos de cinco subtestes, Dígitos pode ser usado
subtestes Informação, Vocabulário e Com- como alternativa para a escala verbal e Labi-
preensão; rintos para a escala de execução. Procurar Sím-
d) introdução da cor nos estímulos dos sub- bolos substitui somente o subteste Código para
testes Completar Figuras, Arranjo de Figuras e o cálculo do QI de Execução, e, no caso de ape-
no exemplo de Armar Objetos. nas quatro subtestes estarem disponíveis para
alguma das escalas de QI, o manual do teste
oferece uma tabela (A.8) para as equivalências
A ESTRUTURA GERAL proporcionais.
PSICODIAGNÓSTICO – V 605
situação, o QI Verbal representaria uma visão lisada pela amplitude dos escores ponderados,
grosseira das habilidades, não corresponden- comparando-se o escore ponderado mais alto
do a uma habilidade unitária. Se uma das es- com o mais baixo, dentro de cada um dos dois
calas não representa uma medida unitária, a fatores. Uma amplitude ≥ 7 pontos para CV e ≥
discrepância dos QIs não parece ser uma me- 8 pontos para OP indica presença de dispersão
dida interpretável. significativa, uma vez que os valores ocorrem
Para calcular a amplitude dos subtestes, em somente 15% da amostra de padroniza-
tanto para a escala verbal como para a de exe- ção. Identificada a dispersão, a diferença en-
cução, basta diminuir o escore ponderado mais tre os fatores CV e OP não deve ser interpreta-
baixo do escore mais alto da escala, conside- da, pois indica que a dimensão do fator não é
rando somente os cinco subtestes usados para unitária. Em relação às discrepâncias encontra-
o cômputo do QI. Para analisar as diferenças das nas análises, quando significativas, indi-
significativas entre os escores fatoriais, a esca- cam diferenças de funcionamento nas duas
la verbal é avaliada por (CV-RD) e a de execu- escalas, sendo valiosas para ajudar o profissio-
ção por (OP-VP). Os valores considerados como nal a fazer recomendações importantes e pro-
significativos para interpretação, propostos por por sugestões para o planejamento educacio-
Kaufman (1994), baseados nas tabelas B.1 e nal; quando pequenas e comuns na popula-
B.5 do manual do teste, são os seguintes: ção, não devem ser usadas como diagnóstico
a) Amplitude da dispersão entre os subtes- de anormalidade.
tes, presente em 15% da amostra de padroni-
zação:
Escala Verbal (5 subtestes): ≥ 7 pontos Os índices fatoriais
Escala de Execução (5 subtestes): ≥ 9 pon-
tos Os quatro fatores subjacentes ao WISC-III pro-
b) Diferenças entre escores fatoriais a nível porcionam informações adicionais, refletindo
de 0,05: diferentes aspectos da habilidade cognitiva. Os
Escala Verbal (CV-RD): ≥ 13 pontos escores ponderados têm média = 100 e des-
Escala de Execução (OP-VP): ≥ 15 pontos vio padrão = 15 e apresentam qualidades psi-
Se algum desses critérios for identificado, a cométricas satisfatórias. Os coeficientes de fi-
discrepância entre QIV/QIE não deve ser inter- dedignidade e os erros de medida estão
pretada, e, assim, deve-se tentar analisar a di- apresentados no Quadro 37.2, na ordem cres-
ferença entre os fatores Compreensão Verbal cente de validade e fidedignidade.
e Organização Perceptual, explicada logo a se-
guir. Entretanto, se os critérios não são encon-
trados, a interpretação das diferenças dos QIs QUADRO 37.2 Coeficientes de fidedignidade e erro
procede. Discrepâncias altas entre os QIs indi- padrão de medida dos índices fatoriais
cam diferenças reais entre a inteligência ver- Fatores Fidedignidade EPM
bal e não-verbal; diferenças pequenas mostram Compreensão Verbal 0,94 3,78
que a criança tem habilidades verbais ou não- Organização Perceptual 0,90 4,68
verbais pobremente desenvolvidas. Resistência à Distratibilidade 0,87 5,43
Na análise da discrepância entre Compre- Velocidade de Processamento 0,85 5,83
ensão Verbal e Organização Perceptual, feita
no caso da inadequação da interpretação da
disparidade dos QIs, considera-se uma diferen- Segundo Wechsler (1991), uma vez que
ça de 12 pontos como significativa em nível de envolvem mais de um subteste correlato, a in-
0,05. Segundo Kaufman (1994), deve-se tam- terpretação dos escores fatoriais é mais fide-
bém analisar a unicidade do constructo dos digna que a interpretação individual dos sub-
dois fatores por meio da presença ou não de testes e oferece importantes informações de
dispersão entre seus escores. A dispersão é ana- interesse clínico e educacional. Entretanto, es-
PSICODIAGNÓSTICO – V 607
Os subtestes mínimas consideradas significativas para os
níveis de confiança 0,15 e 0,05. O resultado
Para Sattler (1992), os escores individuais dos ponderado em Informação, por exemplo, pode
subtestes não devem ser usados como um meio ser comparado com a média obtida nos esco-
fidedigno de descrever as habilidades cogniti- res ponderados nos cinco ou seis subtestes
vas específicas. Eles devem ser usados para verbais, com a média dos 10 subtestes que
gerar hipóteses gerais sobre as habilidades da contribuem para o QI geral, com a média de
criança, identificando-se as capacidades defa- todos os subtestes ou, ainda, com a média dos
sadas, as medianas e as dominantes. Geralmen- quatro subtestes que formam o índice Com-
te, os resultados obtidos nos subtestes mos- preensão Verbal. O Quadro 37.3 reproduz as
tram certa variabilidade, e, segundo Groth- diferenças consideradas significativas, em ní-
Marnat (1999), a interpretação da variabilida- vel de 0,05, para os escores ponderados dos
de dos subtestes é procedente, no caso de ha- subteste e a média de escores de diferentes es-
ver dispersão, pois resultados eqüitativos dis- calas.
pensam interpretação do perfil. O autor suge- A amplitude geral dos escores ponderados
re três passos para interpretar a variabilidade proporciona informações sobre a variabilida-
dos subtestes: a) determinar se as flutuações de ou dispersão dos subtestes, e a medida con-
são significativas; b) desenvolver hipóteses re- siste na distância entre dois escores pondera-
lacionadas com o significado da flutuação de dos extremos, subtraindo-se o escore mais bai-
cada subteste; c) integrar essas hipóteses com xo do mais alto. No grupo de padronização, as
informações relevantes referentes ao exami- amplitudes médias encontradas foram de 7,5
nando. pontos para 10 subtestes da escala Total, de
Um procedimento comum para avaliar as 4,6 pontos para cinco subtestes da escala Ver-
discrepâncias dos escores envolve a compara- bal e de 6,0 pontos para cinco subtestes da
ção do escore ponderado de cada subteste com escala de Execução. Se forem escolhidos como
o escore médio de todos os subtestes, ou com pontos de corte, a freqüência de dispersão
o escore médio do grupo de subtestes (escala) ocorrida em 15% da amostra de padronização,
que inclui o subteste em questão. A tabela B.3 os valores aumentam para 7, 8 e 10, conforme
do manual do teste apresenta as diferenças a tabela B.5 do manual do teste.
QUADRO 37.3 Diferenças significativas entre os escores ponderados de cada subteste e o escore médio das
escalas formadas por diferentes números de subtestes
Subtestes Número de subtestes na escala
5 6 7 10 12 13 Compreensão Organização
Verbal Perceptual
Informação 2,88 2,99 - 3,32 3,41 3,45 2,69 -
Semelhanças 3,00 3,12 - 3,48 3,58 3,63 2,79 -
Aritmética 3,19 3,34 - 3,74 3,86 3,91 2,48 -
Vocabulário 2,62 2,70 - 2,97 3,04 3,08 3,01 -
Compreensão 3,26 3,41 - 3,84 3,96 4,01 - -
Dígitos - 2,87 - - 3,26 3,30 - -
Completar Figuras 3,31 3,47 3,60 3,81 3,94 3,99 - 3,11
Código 3,28 3,43 3,56 3,77 3,89 3,94 - 3,17
Arranjo de Figuras 3,38 3,55 3,68 3,91 4,04 4,09 - 2,66
Cubos 2,76 2,85 2,93 3,04 3,12 3,16 - 3,45
Armar Objetos 3,72 3,92 4,08 4,37 4,52 4,58 - -
Procurar Símbolos - 3,55 3,68 - 4,04 4,09 - -
Labirintos - - 4,02 - - 4,50 - -
Nota: p < 0,05; dados parciais da tabela B.3 do manual.
Fonte: Wechsler, 1991, p.263.
PSICODIAGNÓSTICO – V 609
rar Símbolos, Compreensão, Aritmética e Dígi- espaciais aparecem superiores à Conceitualiza-
tos, os quatro subtestes que compõem os fa- ção Verbal, as quais são superiores às habili-
tores Resistência à Distratibilidade e Velocida- dades seqüenciais, e estas, mais elevadas que
de de Processamento. Segundo o autor, o índi- Conhecimento Adquirido, evidenciando o mo-
ce SCAD, além de indicar presença de dificul- delo Espacial > Conceitualização Verbal > Se-
dades de aprendizagem, é adequado também qüencial > Conhecimento Adquirido. Segun-
para identificar crianças com dificuldades neu- do Groth-Marnat (1999), muitos autores já pro-
rológicas ou com excepcionalidades associadas varam que nem todos os indivíduos com pro-
à disfunção cerebral. blemas de aprendizagem apresentam o perfil
A fórmula 1,7 (Si + Cd + A + D) + 32 per- proposto. Atualmente, o modelo tem sido apli-
mite calcular o índice SCAD, que apresenta cado mais para estudar o entendimento do
média 100 e desvio padrão 15 (Groth-Marnat, funcionamento cognitivo do que para diagnos-
1999). O perfil SCAD pode ser comparado com ticar condições específicas. As categorias são
o desempenho da criança em Organização Per- formadas pelos subtestes especificados no
ceptual, considerada a melhor estimativa do Quadro 37.4.
funcionamento cognitivo para a maioria das Os escores ponderados de cada categoria
crianças encaminhadas para avaliação. Uma têm média 100 e desvio padrão 15 e, segundo
diferença (OP – SCAD) de 9 (p<0,05) ou 12 Groth-Marnat (1999), podem ser calculados
pontos (p<0,01) é significativa. Grandes dife- pelas seguintes fórmulas:
renças não indicam presença ou ausência de Espacial: 2,0 (CF + Cb + AO) + 40
determinada excepcionalidade, mas são mais Conceitualização Verbal: 1,9 (V + Co + Se)
prováveis de ocorrerem em amostras de crian- + 43
ças com deficiências na aprendizagem e na Seqüencial: 2,3 (D + A + Cd) + 31
atenção. Em crianças com dificuldades visoper- Aquisição de Conhecimento: 1,9 (I + V +
ceptuais moderadas ou graves, que provavel- A) + 43
mente têm dificuldade nos subtestes Cubos e Após a identificação da magnitude de cada
Arranjo de Figuras, o índice de Compreensão categoria, os escores individuais podem ser
Verbal é mais adequado para ser comparado comparados com o escore médio alcançado nas
com o índice SCAD, e uma diferença de 8 e 11 quatro categorias. As diferenças consideradas
pontos entre os dois índices aponta significân- significativas em nível de 0,05 são: 10 pontos
cia em nível de 0,05 e 0,01, respectivamente. para Espacial, 8,5 para Conceitualização Ver-
bal, 12 pontos para Seqüencial e 8,5 pontos
para Aquisição de Conhecimento.
Categorias de Bannatyne
PSICODIAGNÓSTICO – V 611
WISC-III foram preditivos dos encontrados na escores fatoriais poderiam proporcionar diag-
aplicação completa do teste, entretanto, os nóstico diferencial de dificuldades específicas,
autores salientam que os resultados são preli- num grupo de 476 crianças com dificuldades
minares e recomendam replicações dos dados de aprendizagem, com retardo mental e sem
com outras amostras. diagnóstico de deficiência. Observou-se que,
como no grupo de normatização, as discrepân-
cias estavam presentes, e o QIE apresentou-se,
ESTUDOS DO WISC-III COM GRUPOS na maioria das vezes, superior ao QIV, não sen-
ESPECIAIS do as discrepâncias muito úteis como indica-
doras de anormalidade.
Segundo Hishinuma (1995), o WISC-III apresen- A seguir, apresentam-se algumas das inú-
ta algumas características, tanto nos seus itens meras pesquisas desenvolvidas com o WISC-III
como no procedimento de administração, que em amostras específicas, objetivando a confir-
facilitam a avaliação de crianças com certo grau mação do modelo fatorial do teste e a busca
de comprometimento. O teste não exige habi- de um perfil característico para os grupos es-
lidades para leitura, a não ser para os últimos peciais.
itens de Aritmética, que, no caso de dificulda-
de, podem ser lidos pelo examinador; não re-
quer a expressão escrita, com exceção de dois Superdotação
subtestes, em que um demanda a reprodução
de símbolos (Código) e outro em que seja assi- No manual do teste, é relatada pesquisa com
nalada a resposta “sim” ou “não”, após a um grupo de 38 crianças identificadas como
identificação da inclusão ou não de símbolos- superdotadas, quando foram investigadas as
modelo numa série (Procurar Símbolos). A apli- propriedades psicométricas do teste para essa
cação de cada subteste, de forma individual, população. Os escores médios para as escalas
permite ao psicólogo maior controle sobre as de QI foram 128 (QIV), 124 (QIE) e 128 (QIT),
dificuldades relacionadas a déficit de atenção observando-se rendimento menor e maior va-
(impulsividade, distratibilidade) e a distúrbios riabilidade nos escores de Velocidade de Pro-
de conduta (recusa em responder). O teste fa- cessamento (média = 110, DP = 17,9).
cilita também a avaliação de deficientes sen- Fishkin e colegas (1996) verificaram a es-
soriais, pois os subtestes de execução podem trutura do WISC-III, numa amostra de 42 crian-
ser aplicados a deficientes auditivos ou, mes- ças superdotadas, que apresentaram escores
mo, todo o instrumento, se tiver o auxílio de altos em Semelhanças, Compreensão, Código
um intérprete que domine linguagem de sinais; e Procurar Símbolos. Cubos encontrou-se re-
aos deficientes visuais, podem ser administra- baixado, contradizendo estudos anteriores da
dos somente os subtestes verbais. literatura, que apontavam o subteste como
Segundo Kaufman (1994), os estudos reali- um dos escores máximos no perfil de super-
zados com os diversos grupos clínicos têm en- dotados.
contrado um modelo claro, em que a maioria
dos grupos apresenta escores baixos nos Índi-
ces Fatoriais RD e VP. Nos grupos que envol- Atraso mental
vem prejuízos na aprendizagem ou no desen-
volvimento da linguagem, o fator CV aparece O WISC-III foi aplicado a um grupo de 43 crian-
comprometido direta ou indiretamente, e, con- ças que apresentavam retardo mental, e as
seqüentemente, esse fator não avalia a capa- médias dos escores das escalas de QIV, QIE e
cidade intelectual na maioria destas amostras, QIT foram, respectivamente, 59, 59 e 56. A
sendo OP a melhor estimativa do potencial menor variabilidade dos resultados foi obser-
cognitivo destes grupos. Slate (1995) analisou vada entre os Índices Fatoriais, e VP (70) apa-
se as discrepâncias entre as escalas de QI e os receu com o escore mais alto, formado por
PSICODIAGNÓSTICO – V 613
modificar o constructo avaliado. Memória para tra, evidenciando aplicabilidade de interpreta-
Dígitos, por exemplo, ao ser aplicado pela lin- ção dos quatro Índices Fatoriais, que foram
guagem de sinais, estima a memória visual, e bons preditores do rendimento acadêmico dos
não a auditiva. Maller e Ferron (1997) investi- pacientes estudados.
garam a invariância do modelo fatorial do
WISC-III com crianças surdas (N = 110), sendo
todas as instruções e os itens verbais do teste CONCLUSÃO
também traduzidos para a linguagem de sinais.
Os resultados da análise fatorial confirmatória O WISC-III, assim como as edições anteriores,
indicaram que o modelo se manteve, conclu- continua entre os instrumentos mais popula-
indo-se que o teste pode ser indicado com a res de avaliação psicológica com crianças, in-
população em estudo. dependentemente de exigir um tempo consi-
Sullivan e Montoya (1997), ao administra- derável para sua administração e intensivo trei-
rem o WISC-III a 196 crianças surdas, para in- namento dos examinadores. Apesar dos inú-
vestigar a estrutura do teste, encontraram meros melhoramentos e do substancial núme-
médias de 75 (QIV), 101 (QIE) e 86 (QIT), es- ro de itens alterados, a estrutura básica das
tando o QIV e o QIT em torno de 1 desvio pa- escalas anteriores mantém-se, assim como a
drão abaixo da média dos sujeitos da amostra consistência dos requisitos psicométricos, que
de padronização, que era de ouvintes. Os re- foram amplamente demonstrados pelos estu-
sultados da análise fatorial não confirmaram a dos de fidedignidade e validação, numa amos-
estrutura de quatro fatores da inteligência, mas tra de padronização bastante representativa (N
sim de dois fatores denominados Organização = 2.200). A nova edição oferece, além das in-
Visoespacial (Armar Objetos, Arranjo de Figu- formações referentes às escalas de QI, dados
ras, Cubos, Código, Procurar Símbolos, Com- produzidos pelos quatro escores fatoriais, opor-
pletar Figuras e Labirintos) e Compreensão da tunizando uma ampla interpretação das habi-
Linguagem (Informação, Vocabulário, Seme- lidades cognitivas da criança. Padrões de esco-
lhanças, Compreensão, Aritmética e Dígitos), res rebaixados vêm sendo pesquisados para
já identificados anteriormente por Sullivan e identificar características específicas de deter-
Schulte (1992), com o WISC-R, aplicado a crian- minados grupos clínicos. Entre os mais investi-
ças com o mesmo tipo de dificuldade. gados, encontram-se as categorias de Banna-
tyne e os perfis ACID e/ou SCAD, que, ao se-
rem identificados, levantam a hipótese de de-
Distúrbios psiquiátricos ficiência, mas, quando ausentes, não a elimi-
nam. O WISC-III deve ser utilizado com precau-
Tupa e colegas (1997) investigaram os mode- ção para grupos especiais, considerando que
los de um, dois, três e quatro fatores para o os estudos apresentados por Wechsler (1991)
WISC-III, em 177 pacientes portadores de dis- são baseados em amostras de tamanho redu-
túrbios relacionados ao humor, conduta, hi- zido (25 a 60), e mais estudos são necessários
peratividade e ansiedade. Por meio de análise para investigar as características psicométricas
fatorial confirmatória, o modelo de quatro fa- do WISC-III, quando utilizado com crianças que
tores apresentou o melhor ajuste para a amos- exigem auxílio especial.
PSICODIAGNÓSTICO – V 615
geográfica de residência, de acordo com os (a cópia dos símbolos permite avaliar a veloci-
dados do censo americano de 1995. A variável dade grafomotora e perceptual).
raça/etnia também foi considerada. Com rela- A ênfase no tempo de execução foi reduzi-
ção à idade, a amostra foi dividida em 13 gru- da com o propósito de não prejudicar pessoas
pos etários (16-17, 18-19, 20-24, 25-29, 30- com mais idade. Assim, o número de itens
34, 35-44, 45-54, 55-64, 65-69, 70-74, 75-79, com bônus por tempo de execução foi dimi-
80-84 e 85-89 anos). nuído, e Armar Objetos foi substituído pelo
O aumento da faixa etária de 74 anos para subteste Raciocínio Matricial, que não tem
89 anos, na normatização do WAIS-III, reflete limite de tempo.
o aumento da expectativa de vida da popula- Considerando que o WAIS-R não possui sub-
ção americana e conseqüente aumento da po- testes que meçam adequadamente o raciocí-
pulação de idosos. A extensão da faixa etária nio fluido, e considerando a importância que
gerou a necessidade de proceder modificações esse domínio possui para compreensão do fun-
nos materiais e procedimentos de aplicação dos cionamento cognitivo, foi criado o subteste
subtestes, de forma a torná-los apropriados Raciocínio Matricial. Da mesma forma, em vis-
para a avaliação de pessoas com mais idade. ta da constatação na literatura da importância
As modificações de itens do WAIS-R justifi- da memória de trabalho e da velocidade de
ca-se em função da existência de vários itens processamento no processo de aprendizagem,
que se tornaram obsoletos, tanto no formato foram incluídos dois novos subtestes no WAIS-
quanto no conteúdo. Para a elaboração do III (Seqüência de Números e Letras e Procurar
WAIS-III, os conteúdos de alguns itens verbais Símbolos), de forma a permitir a avaliação des-
foram atualizados, e os estímulos dos subtes- ses componentes.
tes Completar Figuras e Arranjo de Figuras fo- A inclusão desses três novos subtestes ge-
ram redesenhados e modernizados, com a fi- rou a principal mudança estrutural no WAIS-
nalidade de torná-los condizentes com os tem- III. Os resultados das análises fatoriais proce-
pos atuais, tornando-os mais atrativos. Com a didas com os dados de normatização para a
finalidade de não prejudicar pessoas com pro- população americana permitiram identificar a
blemas de acuidade visual, o tamanho da maio- existência de quatro importantes dimensões do
ria dos estímulos foi aumentado. funcionamento intelectual, a saber: Compre-
Em razão da crítica feita ao WAIS-R, de que ensão Verbal, Organização Perceptual, Memó-
não era capaz de discriminar adequadamente ria de Trabalho e Velocidade de Processamen-
pessoas com retardo mental leve e moderado, to. Esses fatores passam a ser sintetizados nu-
foram incluídos itens extremamente fáceis, com mericamente em quatro Índices Fatoriais, for-
o objetivo de ampliar a base para a avaliação talecendo, assim, a utilidade clínica do instru-
do extremo inferior da curva de distribuição. mento.
Para tal, sujeitos diagnosticados com retardo
mental leve ou moderado foram testados. Des-
ta forma, no WAIS-III, o limite inferior dos re- PROPRIEDADES PSICOMÉTRICAS
sultados em QIs foram ampliados, sendo de DO WAIS-III
45 para o QI Total, 48 para o QI Verbal e 47
para o QI de Execução. Para avaliação das propriedades psicométri-
Para aumentar a utilidade clínica, auxilian- cas do WAIS-III, foram realizados estudos
do o examinador a testar os limites do desem- sobre a fidedignidade e validade do referido
penho ou a examinar, mais acuradamente, os instrumento.
tipos de erros cometidos pelos examinandos, As médias dos coeficientes de fidedignida-
foram incluídos dois procedimentos opcionais de para os subtestes na amostra total ameri-
no subteste Códigos, a saber, Aprendizado Es- cana variaram de 0,70 (Armar Objetos) a 0,93
pontâneo (avalia a habilidade do examinando (Vocabulário), enquanto as médias dos coefi-
de recordar os símbolos do Códigos) e Cópia cientes de fidedignidade dos resultados em QI
QUADRO 38.1 Número total de itens em cada subteste do WAIS-III e número de mudanças ocorridas nos
itens em relação ao WAIS-R
Subteste Total de itens Não modi- Substancial- Itens novos Total de itens
no WAIS-R ficados ou mente no WAIS-III
ligeiramente modificados
modificados
Escala Verbal
Vocabulário 35 25 0 8 33
Semelhanças 14 11 0 8 19
Aritmética 14 13 1 6 20
Dígitos 14 14 0 1 15
Informação 29 18 1 9 28
Compreensão 16 12 0 6 18
Seqüência de Números e Letras – – – 7 7
Escala de Execução
Completar Figuras 20 8 2 15 25
Códigos 93 93 9 40 133*
Cubos 9 9 0 5 14
Raciocínio Matricial – – – 26 26
Arranjo de Figuras 10 5 0 6 11
Procurar Símbolos – – – 60 60
Armar Objetos 4 2 1 2 5
Fonte: Wechsler, 1997, p.19.
*Não foram incluídos os itens das tarefas opcionais: Pareamento (18), Recordação Livre (9) e Cópia (133).
PSICODIAGNÓSTICO – V 617
bem como o número de mudanças ocorridas juntos: Verbal e de Execução (com sete subtes-
nos itens em relação ao WAIS-R. tes cada). O Quadro 38.2 apresenta a compo-
Como pode ser observado no Quadro 38.1, sição de cada conjunto, e o número que prece-
no WAIS-III, houve o aumento no número de de cada subteste indica a posição que ele ocu-
itens em nove subtestes e um ligeiro decrésci- pa na ordem padronizada de aplicação.
mo em apenas dois, quando comparado com
o WAIS-R. No entanto, oito subtestes apresen-
tam de três a cinco itens extremamente fáceis SUBTESTES DO WAIS-III
que compõem a seqüência inversa, aplicada
somente quando o examinando fracassa nos Os 14 subtestes do WAIS-III foram elaborados
dois primeiros itens do ponto de início da apli- para avaliar diferentes aspectos do funciona-
cação do subteste. Deste modo, esses itens mento cognitivo. A investigação sobre a espe-
tendem a ser aplicados em uma minoria de cificidade de cada subteste constitui aspecto
examinandos. Os subtestes que apresentam a importante, uma vez que tal avaliação oferece
regra de reversão ou seqüência inversa são: fundamentação para a interpretação dos re-
Vocabulário, Semelhanças, Aritmética, Informa- sultados, no que se refere às habilidades espe-
ção, Compreensão, Completar Figuras, Cubos cíficas atribuídas aos subtestes, evitando inter-
e Raciocínio Matricial. pretações errôneas sobre as forças e fraquezas
Dos três novos subtestes integrados ao do funcionamento cognitivo da pessoa em ava-
WAIS-III, Procurar Símbolos consiste em uma liação. O grau de especificidade pode ser cal-
adaptação do já existente no WISC-III. culado estatisticamente e diz respeito à pro-
Dessa forma, atualmente, o WAIS-III é com- porção da variância que é fidedigna e peculiar
posto de 14 subtestes agrupados em dois con- ao subteste, não sendo compartilhada com
outros subtestes e nem devida ao erro. Os sub-
testes são classificados como tendo ampla,
QUADRO 38.2 Subtestes do WAIS–III que adequada ou inadequada especificidade (vide
compõem os conjuntos Verbal e de Execução e a Quadro 38.3).
ordem de aplicação Os estudos realizados por Kaufman e Li-
Verbal Execução chtenberger (1999) e por Sattler e Ryan (1999)
2. Vocabulário 1. Completar Figuras sobre o grau de especificidade dos subtestes
4. Semelhanças 3. Códigos do WAIS-III, com base na amostra de normati-
6. Aritmética 5. Cubos zação americana, permitiram constatar que
8. Dígitos 7. Raciocínio Mental vários subtestes do WAIS-III possuem suficien-
9. Informação 10. Arranjo de Figuras
te especificidade. Enquanto Sattler e Ryan apre-
11. Compreensão 12. Procurar Símbolos
13. Seqüência de Números (suplementar) sentam a avaliação do grau de especificidade
e Letras (suplementar) 14. Armar Objetos de cada subteste de forma detalhada, consi-
(opcional) derando em que faixas etárias os subtestes
Fonte: Wechsler, 1997, p.3. apresentam algum grau de especificidade, Kau-
PSICODIAGNÓSTICO – V 619
das por esse subteste e compartilhadas com Do ponto de vista psicométrico, o subteste
outros subtestes são: percepção auditiva de Raciocínio Matricial pode ser considerado, jun-
estímulo verbal simples, memória de trabalho, tamente com Cubos, como sendo a melhor
inteligência fluida, visualização, aquisição e medida da capacidade intelectual geral entre
recuperação de curto prazo, memória do estí- os subtestes da Escala de Execução, sendo que,
mulo simbólico, processamento seqüencial, no WAIS-III, 52% de sua variância pode ser atri-
codificação da informação para posterior pro- buída ao fator g. Ele contribui moderadamen-
cessamento cognitivo, facilidade com seqüên- te para o Índice Organização Perceptual, apre-
cias superaprendidas, memória de curto prazo sentando carga média de 0,49, correlacionan-
(auditiva), habilidade de aprender, habilidade do-se mais com os subtestes Cubos (r = 0,60)
de planejamento e verbalização (Kaufman & e Aritmética (r = 0,58). Apresenta coeficientes
Lichtenberger, 1999). de fidedignidade entre 0,84 e 0,94 nos 13 gru-
Dentre os fatores que afetam os resultados pos etários. Esse subteste apresenta ampla es-
no subteste estão: atenção, ansiedade, concen- pecificidade para todos os grupos etários.
tração, distração, flexibilidade, analfabetismo Entre as habilidades investigadas em Racio-
(não sabe as letras e o alfabeto no nível auto- cínio Matricial e compartilhadas com outros
mático) ou dislexia, transtornos de aprendiza- subtestes, estão: percepção visual de estímulo
gem, hiperatividade, negativismo e persistên- abstrato, percepção auditiva do estímulo ver-
cia. As condições ambientais e físicas também bal complexo (seguir as instruções), capacida-
podem prejudicar o desempenho, como por de de distinguir os detalhes essenciais dos não-
exemplo, barulho ou problemas de audição. essenciais, organização perceptual, inteligên-
cia visual, inteligência fluida, produção conver-
gente, processamento holístico, habilidade de
Raciocínio Matricial aprendizado, raciocínio não-verbal, processamen-
to simultâneo, visualização espacial e organiza-
A configuração do subteste Raciocínio Matri- ção visual (Kaufman & Lichtenberger, 1999).
cial é semelhante à de testes como o de Matri- Dentre os fatores que afetam os resultados
zes Progressivas de Raven. O subteste Raciocí- no subteste, estão: habilidade para responder
nio Matricial foi introduzido no WAIS-III com o quando inseguro, estilo cognitivo, cegueira
objetivo de aprimorar a investigação do racio- para cor (em alguns itens, o uso de várias co-
cínio fluido (habilidade geral de raciocínio não- res pode confundir pessoas com cegueira para
verbal). cor), flexibilidade, nível motivacional, negati-
O subteste é composto de 26 itens, além vismo, predomínio do pensamento concreto,
dos três exemplos que servem de treino na ta- persistência e problemas visoperceptuais (Kau-
refa. É composto de quatro tipos de itens: pa- fman & Lichtenberger, 1999).
drões contínuos e discretos, classificação, ra-
ciocínio analógico e raciocínio serial. O fato de
não apresentar limite de tempo tem se mos- Procurar Símbolos
trado favorável para pessoas de mais idade que
apresentam velocidade de resposta mais len- O subteste Procurar Símbolos foi introduzido,
ta. Foi inspirado no teste de Raven, em 1938, inicialmente, no WISC-III. No entanto, algumas
(Kaufman & Lichtenberger, 1999). A tarefa modificações foram efetuadas para a sua in-
consiste em completar uma série de padrões clusão no WAIS-III. A inclusão desse subteste
incompletos, apontando ou dizendo o núme- no WAIS-III permitiu chegar a uma estrutura
ro do estímulo que está faltando entre as cin- fatorial semelhante à do WISC-III, o que se
co alternativas apresentadas. Após quatro mostra relevante para efeitos de comparação
erros consecutivos ou quatro erros em cinco longitudinal dos resultados obtidos com as
itens consecutivos, a aplicação do subteste é duas Escalas, tanto nos contextos clínico quan-
suspensa. to de pesquisa.
PSICODIAGNÓSTICO – V 621
mantido como procedimento opcional à pon- 3) informações sobre a história de vida do
deração dos resultados a partir do grupo de examinando;
referência (20 a 34 anos), no WAIS-III, outra 4) observações diretas do comportamento;
importante inovação foi que os resultados bru- 5) resultados de outras avaliações.
tos passaram a ser ponderados, a partir de to- Com o objetivo de levantar hipóteses sobre
dos os grupos etários contemplados na nor- as capacidades cognitivas do examinando, a
matização, de forma que cada indivíduo possa interpretação dos resultados quantitativos (QI
ser comparado com o grupo etário ao qual Total, QI Verbal, QI de Execução, os quatro Ín-
pertence. dices Fatoriais e os 14 resultados ponderados nos
No que se refere ao cálculo dos Índices Fa- subtestes) serve de referência para a interpreta-
toriais, o procedimento é semelhante ao ado- ção qualitativa. A recomendação é que se parta
tado para obtenção dos resultados em QI. Cada dos resultados globais para os específicos.
índice é obtido a partir da soma dos resulta-
dos ponderados dos respectivos subtestes que
o compõem. As somas dos resultados pon- Passo 1 – Interpretação do QI Total
derados são convertidas para uma escala nor-
malizada, com média de 100 e desvio padrão O primeiro resultado a ser levado em conside-
de 15, a mesma utilizada para os resultados ração é o QI Total, que consiste no resultado
em QI. que expressa o nível de funcionamento global.
No entanto, juntamente com o resultado quan-
titativo, é importante estabelecer o intervalo
INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS de confiança, ou seja, a margem de erro, o
ALCANÇADOS NO WAIS-III percentil e a descrição da categoria intelectual.
As categorias diagnósticas correspondentes
A interpretação do WAIS-III segue basicamen- são apresentadas no Quadro 38.5. É importan-
te os mesmos passos para interpretação das te também verificar se o QI Total se apresenta
outras Escalas Wechsler de Inteligência. A in- consistente com o quadro de pré-morbidade
clusão dos Índices Fatoriais e de procedimen- (quando for o caso), o nível educacional e pro-
tos alternativos possibilita o levantamento de fissional do examinando.
informações que enriquecem a interpretação Como pode ser observado no Quadro 38.5,
do WAIS-III. As discrepâncias entre os resulta- a classificação utilizada no WAIS-III para o li-
dos ponderados nos subtestes, entre os QI e mite extremo inferior do QI foi alterada em re-
entre os Índices Fatoriais, são consideradas lação às versões anteriores, cuja classificação
importantes indicadores diagnósticos para era deficiência mental ou retardo mental. Essa
identificar as forças e fraquezas do funciona- alteração teve como objetivo evitar que o re-
mento intelectual. A análise qualitativa dessas sultado apresentado seja considerado como
discrepâncias tem sido objeto de inúmeros es- uma evidência suficiente para efetuar o diag-
tudos referidos na literatura (Kaufman, 1990; nóstico de retardo mental. O resultado extre-
Kaufman & Lichtenberger, 1999; Matarazzo, mamente baixo no WAIS-III indica que este é
1976; Matarazzo, 1990; Sattler & Ryan, 1999). muito inferior à média, podendo ser indicativo
Em linhas gerais, a análise dos padrões de de presença de um déficit no funcionamento
desempenho no WAIS-III é feita com base nos cognitivo.
seguintes aspectos:
1) discrepâncias significativas do ponto de
vista estatístico e freqüência clinicamente im- Passo 2 – Interpretação da discrepância
portante das diferenças entre os resultados em entre o QI Verbal e o QI de Execução
QI e entre os Índices Fatoriais;
2) análise das variações nos desempenhos O segundo passo consiste em analisar a dis-
nos subtestes; crepância apresentada entre o QI Verbal (QIV)
e o QI de Execução (QIE). Como nas outras cem informações sobre as habilidades do exa-
Escalas Wechsler de Inteligência, o QIV cons- minando, permitindo identificar os pontos for-
titui uma medida do conhecimento adquiri- tes e fracos no desempenho. Embora a identi-
do, raciocínio verbal e facilidade com mate- ficação de diferenças extremas entre os resul-
riais verbais, ao passo que o QIE é uma me- tados permita levantar hipóteses mais seguras
dida do raciocínio fluido, processamento vi- acerca da existência de algum problema cog-
soespacial, atenção para detalhes e integra- nitivo decorrente de transtorno neurológico ou
ção visomotora. psíquico, fatores como classe social, histórico
Esses resultados em QI são analisados, se- educacional e fatores étnicos também podem
paradamente, somente quando apresentam contribuir para tais discrepâncias. A existência
diferenças significativas e relativamente in- de diferenças moderadas ou extremas entre os
freqüentes na amostra de normatização. O QIV e QIE torna inadequada a interpretação
manual americano de aplicação e correção inicial do QIT, uma vez que esse resultado pas-
do WAIS-III (Wechsler, 1997) apresenta as sa a não expressar com clareza as forças e fra-
tabelas B.1 e B.2, necessárias para identifi- quezas cognitivas identificadas (Olin & Keatin-
cação de tais aspectos. Para a maioria dos ge, 1998).
grupos etários, a diferença de 8 a 9 pontos Olin e Keatinge (1998) oferecem algumas
entre o QIV e o QIE são significativas (p < hipóteses possíveis para interpretação das di-
0,05). ferenças entre os QIV e QIE, desde que os re-
Considerando que a diferença significativa sultados nos subtestes sejam homogêneos:
encontrada pode ser comum na população, 1) QIV > QIE sugere, possivelmente, lenti-
refletindo muitas vezes flutuações normais nas dão psicomotora, falta de motivação ou esfor-
habilidades intelectuais dos indivíduos, é ne- ço, reduzida coordenação visomotora e de pro-
cessário identificar se ela é infreqüente na cessamento, estresse ou ansiedade devido à
amostra de normatização para fins de análise. pressão do tempo, dano orgânico, déficit vi-
Para se ter uma idéia, diferenças significativas sual ou de organização perceptual, depressão,
de 15 pontos entre os dois resultados em QI ansiedade, melhores habilidades intelectuais
mostraram-se freqüentes, tendo sido encon- verbais.
tradas em aproximadamente 18% da amostra 1) QIE > QIV sugere, possivelmente, falta
de normatização americana. Em linhas gerais, de educação formal ou fatores culturais, im-
consideram-se as diferenças de 10 a 20 pontos pulsividade, falta de atenção, problemas com
como sendo moderadas, enquanto diferenças o raciocínio verbal, problemas de audição e
maiores que 20 pontos podem ser considera- fala, ou melhores habilidades intelectuais não-
das extremas. As diferenças moderadas ofere- verbais.
PSICODIAGNÓSTICO – V 623
Passo 3 – Análise das discrepâncias entre aqueles que medem outros domínios de habi-
os Índices Fatoriais lidades. No entanto, embora os subtestes Com-
preensão e Arranjo de Figuras apresentem cor-
Os Índices Fatoriais constituem medidas de relações com Compreensão Verbal e Organiza-
domínios mais discretos. Dessa forma, além dos ção Perceptual, respectivamente, não foram
QI tradicionais (Verbal, Execução e Total), o incluídos no cômputo dos respectivos Índices
WAIS-III permite o levantamento de quatro Ín- Fatoriais. O subteste Armar Objetos não foi in-
dices Fatoriais: Compreensão Verbal, Organi- cluído na investigação dos quatro domínios
zação Perceptual, Memória de Trabalho (seme- recém-apresentados, embora esteja correlacio-
lhante ao fator de resistência à distratibilidade nado com a Organização Perceptual.
do WISC–III) e Velocidade de Processamento. A análise dos Índices Fatoriais pode ser fei-
O Índice Compreensão Verbal (ICV) reflete ta com base na discrepância entre os pares de
o conhecimento verbal adquirido e o processo Índices, permitindo, assim, seis possíveis com-
mental necessário para responder às questões, parações (ICV-IOP, ICV-IMT, IOP-IVP, ICV-IMT,
que seria a capacidade de compreensão (ra- IOP-IMT, IMT-IVP). O critério para interpretação
ciocínio verbal). É obtido pela soma dos resul- dos pares de Índices é o mesmo utilizado para
tados ponderados dos subtestes Vocabulário, comparação dos QIV e QIE, ou seja, a análise e
Informação e Semelhanças. interpretação é feita verificando se os valores
O Índice Organização Perceptual (IOP) con- obtidos são significativamente diferentes ou
siste na medida do raciocínio não-verbal, ra- suficientemente grandes para serem conside-
ciocínio fluido, atenção para detalhes e inte- rados anormais ou raros, e se tais diferenças
gração visomotora. É obtido pela soma dos re- são passíveis de interpretação. As tabelas utili-
sultados ponderados dos subtestes Cubos, zadas para identificação de diferenças signifi-
Completar Figuras e Raciocínio Matricial. cativas entre os QIV e QIE e a freqüência em
O terceiro Índice, Memória de Trabalho que aparecem na amostra de normatização em
(IMT), relaciona-se com a capacidade de aten- cada grupo etário também apresentam tais
tar-se para a informação, mantê-la brevemen- valores para os pares de Índices Fatoriais. Em
te e processá-la na memória, para, em segui- linhas gerais, observa-se que diferenças meno-
da, emitir uma resposta. É obtido por meio da res de 15 pontos entre os pares de Índices são
soma dos resultados ponderados dos subtes- esperadas, enquanto diferenças de 15 a 25
tes Aritmética, Dígitos e Seqüência de Núme- pontos são moderadas, e aquelas acima de 25
ros e Letras. pontos podem ser consideradas extremas. As-
O quarto Índice, Velocidade de Processa- sim, as diferenças moderadas oferecem infor-
mento (IVP), está relacionado com a resistên- mações relevantes sobre as forças e fraquezas
cia à distratibilidade, medindo, então, os pro- cognitivas e as diferenças extremas levantam
cessos relacionados à atenção, memória e con- suspeita de algum prejuízo cognitivo (Olin &
centração para processar, rapidamente, a in- Keatinge, 1998).
formação visual. É obtido pela soma dos resul-
tados ponderados dos subtestes Códigos e Pro-
curar Símbolos. Passo 4 – Interpretação dos resultados nos
Embora os dois primeiros Índices meçam subtestes
habilidades semelhantes aos QI Verbal e de
Execução, respectivamente, eles consistem em Após a interpretação dos resultados em QI e
medidas mais refinadas de tais capacidades, dos Índices Fatoriais, é possível proceder a aná-
de vez que não incluem aqueles subtestes que lise dos resultados individuais nos subtestes
estão correlacionados com os outros dois do- aplicados, o que permite a investigação mais
mínios. Os subtestes que contribuem para um acurada de possíveis flutuações no desempe-
Índice apresentam correlações maiores com nho do examinando. Nessa etapa, o grau de
subtestes no mesmo domínio do que com especificidade de cada subteste deve ser con-
PSICODIAGNÓSTICO – V 625
desempenho em dois subtestes, a saber, Códi- porcentagens cumulativas para as maiores sé-
gos e Dígitos. ries alcançadas pela amostra americana, tanto
Considerando que a realização da tarefa na ordem direta quanto na ordem inversa. A
proposta no subteste Códigos envolve diferen- amostra americana foi capaz de recordar, em
tes habilidades, muitas vezes se torna difícil média, seis dígitos na ordem direta e cinco dí-
para o profissional identificar as razões que gitos na ordem inversa. Conforme a tabela B.7,
levaram o examinando a apresentar fraco de- em todos os grupos etários e na amostra total,
sempenho no subteste. Dentre os fatores que ocorreu a recordação de maior número de dí-
contribuem para o fraco desempenho, estão a gitos na ordem direta que inversa, sendo a di-
dificuldade em memorizar o estímulo e a baixa ferença entre os resultados em torno de dois
velocidade de processamento. Assim, dois pro- pontos. A diferença no resultado bruto de três
cedimentos opcionais foram incluídos no sub- pontos ou mais entre a ordem direta e inversa
teste Códigos, com o objetivo de identificar que deve ser alvo de análise (Sattler & Ryan, 1999).
habilidades podem estar comprometidas. Como pode ser observado na tabela B.7, a
O primeiro procedimento, chamado apren- recordação de maior número de dígitos na or-
dizagem espontânea, consiste em uma medi- dem inversa que na direta é relativamente rara
da da habilidade do examinando em recordar de ocorrer, sendo que a porcentagem da amos-
os pares de números e símbolos e de recordar tra de padronização americana que apresen-
os símbolos independentemente dos números. tou tal padrão de desempenho foi de aproxi-
Tal procedimento é utilizado logo após a apli- madamente 4%. Dentre as possíveis explica-
cação-padrão do Códigos e não tem limite de ções para a maior recordação de dígitos na
tempo. No entanto, para aplicação da apren- ordem inversa que na direta está o fato de que,
dizagem espontânea, é necessário que o exa- para algumas pessoas, a ordem inversa apre-
minando complete, no mínimo, quatro linhas senta-se mais estimulante, de vez que exige
de símbolos durante a aplicação do Códigos. maior processamento que a ordem direta.
Caso o examinando necessite de tempo além
do limite estabelecido na aplicação (120 segun-
dos) para completar quatro linhas, os símbo- VANTAGENS E LIMITAÇÕES DO WAIS-III
los completados após o tempo limite não con-
tam no resultado do Códigos. Como todo instrumento psicológico, o WAIS-
O segundo procedimento opcional é apli- III apresenta vantagens e limitações. As publi-
cado no final do WAIS-III, sendo chamado de cações recentes sobre o referido instrumento
Cópia. A tarefa consiste em que o examinando avaliam tais aspectos (Gregory, 1999; Kaufman
copie, no espaço inferior, o símbolo constante & Lichtenberger, 1999; Sattler & Ryan, 1999),
na parte superior de cada um dos quadros apre- que serão apresentados a seguir. As caracterís-
sentados na parte final da folha de registro do ticas do WAIS-III consideradas como vantajo-
WAIS-III. Este procedimento é composto de sete sas foram destacadas ao longo do capítulo.
itens para treino e 133 para execução, dentro Dentre as características do WAIS-III tidas como
do tempo limite de 90 segundos. limitações, destacam-se:
Tendo em vista que a ordem direta e a or- 1) O teste não é aplicável a pessoas grave-
dem inversa do subteste Dígitos avaliam dife- mente retardadas ou extremamente inteligentes.
rentes aspectos da memória, tem-se o proce- 2) Três subtestes apresentam baixa fidedig-
dimento opcional de comparar os resultados nidade, a saber, Arranjo de Figuras, Procurar
obtidos em cada uma das ordens. No manual Símbolos e Armar Objetos.
americano de aplicação e correção do WAIS-III 3) Os subtestes Seqüência de Números e
constam duas tabelas (tabelas B.6 e B.7; We- Letras, Arranjo de Figuras e Armar Objetos não
chsler, 1997), que apresentam o desempenho apresentam excelente estabilidade temporal.
da amostra de padronização na ordem direta 4) Os fatores Organização Perceptual e Ve-
e na ordem inversa. A tabela B.6 apresenta as locidade de Processamento não emergem
PSICODIAGNÓSTICO – V 627
Anexo A
*Reproduzido de MacKinnon, R.A. & Yudofsky, S.C. Nomear. Mostre ao paciente um relógio de
(1988). A avaliação psiquiátrica na prática clínica. Por- pulso e pergunte-lhe o que é. Repita com um
to Alegre: Artes Médicas (com autorização da Editora). lápis. Escore 0-2.
Fonte: MacKinnon & Yudofsky, 1988, p.201 (reproduzido com autorização da Editora).
PSICODIAGNÓSTICO – V 629
Anexo B
PSICODIAGNÓSTICO – V 631
1 o mês 11o ao 12o mês
– Realiza movimentos de sucção ao estimular-lhe os lábios. – Vale-se de gestos e poucas palavras para se comunicar.
– Agarra firmemente o dedo do adulto quando colocado na – Arremessa e rola uma bola.
palma de sua mão. – Permanece sentada longo período.
– Movimenta-se levemente na posição deitada. – Manifesta afeto por beijos e abraços.
– Acalma-se ao ouvir a voz humana. – Explora brinquedinhos por algum tempo.
– Olha brevemente a face dos outros, quando próxima da – Tenta rabiscar pegando o lápis com toda a mão.
sua. 1 ano a 1 ano e 3 meses
– Emite sons guturais. – Brinca de “esconde-esconde”.
2o mês – Diz “mamã” e “papá” e sons semelhantes para designar
– Sustenta a cabeça por momentos, quando de bruços. os pais.
– Segue com movimentos dos olhos e de cabeça um – Anda apoiando-se nos móveis ou segurada por um
estímulo que se move ao alcance de sua vista. adulto.
– Esboça um sorriso como resposta às “brincadeiras” – Manifesta variedade de emoções: possessividade, ciúmes,
que lhe fazem. afeto, ansiedade.
– Emite sons em forma variada. – Vira grosseiramente páginas de um livrinho.
– Segura, com as duas mãos, um pequeno objeto, – Fica atenta por períodos de tempo, demonstrando
no centro de seu corpo. interesse pelo que passa ao seu redor.
3o mês 1 ano e 4 meses a 1 ano e 6 meses
– Mantém com firmeza a cabeça e o tronco, na posição de – Caminha firmemente.
bruços. – Agacha-se e levanta-se com facilidade.
– Leva à boca a mão ou o chocalho. – Empilha ou enfileira vários brinquedinhos.
– Volteia o corpo lateralmente. – Reconhece sua imagem no espelho.
– Segue com o olhar o movimento das pessoas. – Alcança com uma das mãos algum objeto desejado.
– Ri e sorri às “brincadeiras” que lhe fazem. – Balbucia repetindo diferentes sílabas.
– “Brinca” com suas mãos, fixando seu olhar nos 1 ano e 7 meses a 1 ano e 9 meses
movimentos que faz com as mesmas. – Sobe e desce escada alternando os pés.
4o mês – Bebe líquido usando xícara ou copo.
– Apóia-se nas mãos e nos braços para sustentar a cabeça – Começa a tirar sua roupa.
e o tronco, estando de bruços. – Compreende e executa várias ordens.
– Vira-se de posição de bruços para a de costas. – Identifica animais e pessoas por palavras simples.
– Segura e leva à boca um objeto pequeno. – Puxa carrinho por cordinha.
– Começa a sentar-se com apoio. 1 ano e 10 meses a 1 ano e 12 meses
– Murmureja e ri fortemente. – “Nina” boneca ou ursinho de pelúcia.
– Pula quando sustentada na posição de pé, pelas axilas. – Dá e recebe bola.
5o ao 6o mês – Faz vários riscos com lápis.
– Sorri esponteamente às pessoas que lhe são familiares. – Come sozinha, usando colher.
– Agarra seus pés e “brinca” com eles. – Usa palavras-frases.
– Senta-se brevemente, sem apoio. – Encaixa peças simples.
– Reconhece as vozes dos familiares. – Começa a comer alimentos sólidos com as próprias mãos.
7o ao 8o mês – Identifica carrinhos e animais por onomatopéias.
– Tira o pano que lhe cobre o rosto. 2 anos a 2 anos e 5 meses
– Passa um objeto de uma a outra mão. – Acompanha música com movimento rítmico.
– Introduz objetos pequenos em caixinha, utilizando o – Sobe e desce escada alternando os pés.
polegar e o indicador. – Nomeia e identifica partes do corpo.
– Faz barulho, intencionalmente, com objetos nas suas mãos. – Pede para ir ao banheiro.
– Reage negativamente às pessoas estranhas. – Forma frases de duas ou três palavras.
– Engatinha com certa soltura. – Participa de jogos de “casinha”.
9o ao 10o mês 2 anos e 6 meses a 3 anos
– Grita e chora para chamar a atenção. – Corre de maneira desenvolta.
– Fica de pé, apoiando-se ou agarrando-se. – Desabotoa botões em casas grandes.
– Imita sons e movimentos, como estalo de língua ou bater – Faz perguntas “por quê?” e “o quê?”.
palmas. – Participa de jogos de “casinha”.
– Empilha dois objetos. – Diz seu nome e idade.
– Compreende e executa algumas ordens simples. – Veste e desveste peças simples de roupa.
– Repete alguns sons do que lhe “falam”. – Realiza “garatujas” com rabiscos em várias direções.
A seguir, é apresentada a relação do material a ser utilizado para a observação dos diferentes comportamentos contidos na
Escala. Ao lado da indicação dos materiais, são sugeridos os “passos” da Escala para os quais aqueles são recomendados.
Data: ________/________/________
PSICODIAGNÓSTICO – V 633
Anexo C
QUADRO C.1 Tabela para conversão de escores das escalas óbvias e sutis do MMPI em notas T
Escore Sexo masculino
bruto D-O D-S Hy-O Hy-S Pd-O Pd-S Pa-O Pa-S Ma-O Ma-S
40
39 120
38 118
37 116
36 114
35 111
34 109
33 107
32 105 115
31 102 112
30 100 110
29 98 108
28 95 105 84 111
27 93 103 81 118
26 91 101 79 106
25 89 98 77 103
24 86 96 75 100
23 84 93 73 97 121 109 103
22 82 91 70 95 102 117 105 99
21 80 89 68 92 98 114 102 95
20 77 85 86 66 89 94 110 98 91
19 75 81 84 64 86 90 107 95 87
18 73 78 82 62 83 86 103 92 84
17 71 74 79 59 81 82 100 97 88 80
16 68 70 77 57 78 78 96 93 85 76
15 66 67 74 55 75 74 93 88 81 72
14 64 63 72 53 72 70 89 84 78 68
13 62 60 70 51 70 66 86 80 74 64
12 59 56 67 48 67 62 82 76 71 60
11 57 52 65 46 64 58 79 71 68 57
10 55 49 63 44 61 54 75 67 64 53
9 53 45 60 42 59 50 72 63 61 49
8 50 41 58 39 56 46 68 58 57 45
7 48 38 56 37 53 42 65 54 54 41
6 46 34 53 35 50 38 62 50 50 37
5 44 31 51 33 48 34 58 46 47 34
4 41 27 48 31 45 31 55 41 44 30
3 39 23 46 28 42 27 51 37 40 26
(continua)
PSICODIAGNÓSTICO – V 635
QUADRO C.2 Tabela para conversão de escores da escala de Força do Ego (ES) em notas T
Escore Sexo Escore Sexo
bruto Masculino Feminino bruto Masculino Feminino
68 87 94 30 27 34
67 86 92 29 25 32
66 85 91 28 24 31
27 22 29
65 83 89 26 20 28
64 82 87
63 80 86 25 19 26
62 78 84 24 17 24
61 77 83 23 16 23
22 14 21
60 75 81 21 12 20
59 74 80
58 72 78 20 18
57 70 76 19 17
56 69 75 18 15
17 14
55 67 73 16 12
54 66 72
53 64 70 15
52 62 69 14
51 61 67 13
12
50 59 65 11
49 58 64
48 56 62 10
47 54 61 9
46 53 59 8
7
45 51 58 6
44 49 56
43 48 54 5
42 46 53 4
41 45 51 3
2
40 43 50 1
39 41 48 0
38 40 47
37 38 45
36 37 43
35 35 42
34 33 41
33 32 39
32 30 37
31 29 36
Fonte: Hathaway & Briggs (1957), apud Dahlstrom & Welsh, 1962, p.441-442.
PSICODIAGNÓSTICO – V 637
QUADRO D.2 Indicadores emocionais de Koppitz: percentis por faixa etária
Escore Faixa etária
bruto 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
0 99 99 95 90 85 85 80 75 75 70
1 95 95 85 75 70 70 60 50 50 50
2 90 85 70 50 50 50 40 30 30 20
3 80 70 50 45 30 30 20 15 15 10
4 70 50 35 30 15 10 10 5 8 8
5 50 30 20 15 10 1 1 1 5 5
6 40 20 10 10 5 – – – 1 1
7 20 15 5 5 3 – – – – –
8 10 10 3 3 1 – – – – –
9 5 5 1 1 – – – – – –
10 1 1 – – – – – – – –
Fonte: Hutz & Antoniazzi, 1995, p.9.
A15 (Sujeito instruído a desenhar o sol.) Suponhamos que este sol fosse alguma pessoa, que você
conhece, quem seria?
A16 Em que esta árvore lhe faz pensar?
PSICODIAGNÓSTICO – V 639
QUADRO E.1 Lista de perguntas para interrogatório do HTP (continuação)
A17 É uma árvore sadia?
A18 É uma árvore feliz?
A19 De que pessoa, que você conhece, esta árvore lhe lembra?
A20 Alguém ou alguma coisa alguma vez fez mal a esta árvore?
A21 De que esta árvore mais precisa?
QUADRO E.2 Manual de tabulação para os 30 itens evolutivos do teste da figura humana (infantil),
segundo Koppitz
1. Cabeça: qualquer representação; necessário um es- 17. Cotovelo: requer que tenha ângulo definido no bra-
boço claro da cabeça. ço.
2. Olhos: qualquer representação dos mesmos. 18. Mãos: requer definição dos braços e dos dedos, tais
3. Pupilas: círculos ou pontos definidos, dentro dos como alargamento do braço ou uma demarcação
olhos. Um ponto com um risco em cima se compu- relativa ao braço mediante uma manga ou pulsei-
ta como olhos e sobrancelhas. ra.
4. Sobrancelhas ou pestanas: uma ou outra ou am- 19. Dedos: qualquer representação que distinga dos
bas. braços e das mãos.
5. Nariz: qualquer representação. 20. Número correto de dedos: cinco dedos em cada
6. Fossas nasais: pontos acrescentados aos narizes. mão ou braço, a menos que a posição da mão oculte
7. Boca: qualquer representação. alguns dedos.
8. Lábios: dois lábios esboçados e superados por uma 21. Perna: qualquer representação; no caso de figuras
linha: não se computam duas fileiras de dentes. femininas, com saias largas, computa-se só se a dis-
9. Orelhas: qualquer representação. tância entre a cintura e os pés é suficientemente
10. Cabelo: qualquer representação ou chapéu ou gor- larga para permitir a existência de pernas sob as
ro cobrindo a cabeça e ocultando o cabelo. saias.
11. Pescoço: precisa separação nítida entre cabeça e 22. Pernas em duas dimensões: cada uma das pernas
corpo. assinalada por mais de uma linha.
12. Corpo: qualquer representação; requer esboço cla- 23. Joelho: um ângulo nítido em uma ou ambas as per-
ro. nas (perfil) ou desenho da rótula (frente). Não se
13. Braços: qualquer representação. computa quando há só uma curva na perna.
14. Braços em duas dimensões: cada um representado 24. Pés: qualquer representação.
por mais de uma linha. 25. Pés bidimensionais: pés que se estendem numa di-
15. Braços apontando para baixo: um ou ambos, em reção a partir dos calcanhares (perfil) ou pés dese-
um ângulo de 30º ou mais, com relação à posição nhados em perspectiva (frente).
horizontal ou braços erguidos adequadamente para 26. Perfil: cabeça de perfil, embora o resto da figura
a atividade que está realizando a figura. Não se não esteja todo de perfil.
computa quando os braços se estendem horizon- 27. Roupa: uma peça ou nenhuma, nenhuma peça in-
talmente e logo se inclinam para baixo, a certa dis- dicada ou só chapéu, botões, cinto ou esboço de
tância do corpo. vestimenta sem detalhes.
16. Braços corretamente unidos ao ombro: ombro pre- 28. Roupa: duas ou três peças; computam-se como rou-
cisa estar indicado, e os braços devem estar firme- pa: calças ou calção, saias, camisa ou blusa (parte
mente conectados ao tronco. superior de um vestido, separada por um cinto, é
QUADRO E.3 Manual de tabulação para os 30 indicadores emocionais do teste da figura humana
(infantil), segundo Koppitz
Nota: Todos os indicadores emocionais são considerados válidos para meninos e meninas de 5 a 12 anos, a menos que expressa-
mente se indique o contrário.
Fonte: Koppitz, 1976, p.383-385.
PSICODIAGNÓSTICO – V 641
QUADRO E.4 Questionário para crianças (teste da Associações
figura humana de Machover) 1. O que essa pessoa está fazendo? ..........................
Desenho da Figura Humana na Técnica de Machover 2. Que idade tem? ......................................................
Questionário para crianças 3. É casada? ................................................................
4. Tem filhos? ..............................................................
Nome ......................... Idade ................ No................... 5 Com quem vive? .....................................................
Escolaridade ............... Sexo ................ Data................. 6. Está mais ligada ao pai ou à mãe? ........................
Instruções: Conte uma história sobre esta figura como 7. Quantos irmãos tem? .............................................
se ela (ou ele) fosse o personagem de uma novela ou 8. Que trabalho faz? ...................................................
de uma peça, respondendo às seguintes perguntas 9. Vai à escola? ...........................................................
sobre ela (ou ele) da melhor maneira que você puder. 10. O que quer ser? ......................................................
11. É inteligente? ..........................................................
1. O que ela (ele) está fazendo? ................................ 12. É forte? ...................................................................
2. Qual é a idade dela(e)? .......................................... 13. Tem boa saúde? ......................................................
3. Ela (ele) é casada(o)? .............................................. 14. É simpática? ...........................................................
4. Tem filhos? Meninos ou meninas? ......................... 15. Qual é a melhor parte de seu corpo? ....................
5 Que trabalho ela (ele) faz? ..................................... 16. Qual é a parte mais feia do seu corpo? Por quê? ..
6. Em que ano está na escola? ................................... 17. É um tipo nervoso? ................................................
7. O que ela (ele) quer ser? ........................................ 18. O que está pensando? ...........................................
8. Ela (ele) é inteligente? ............................................ 19. Do que tem medo? ................................................
9. Tem boa saúde? ...................................................... 20. É triste ou alegre? ..................................................
10. É bonita(o)? ............................................................ 21. O que a encoleriza? ................................................
11. Qual é a parte mais bonita do seu corpo? ............ 22. O que mais deseja? Quais são seus três maiores
12. Qual é a parte mais feia do seu corpo? ................. desejos? ..................................................................
13. Ela (ele) é muito bonita(o)? ................................... 23. Quais são suas três melhores qualidades? ............
14. O que a(o) preocupa? ............................................ 24. Quais são seus três piores defeitos? ......................
15. Quando ela (ele) se irrita? ...................................... 25. Prefere estar sozinha ou com outras pessoas? ......
16. Que sinais de nervosismo ela (ele) dá? .................. 26. Ela se perturba quando é observada? ...................
17. Quais são os seus três piores hábitos? .................. 27. O que as pessoas dizem dela? ...............................
18. Quais são os seus melhores hábitos? .................... 28. Confia nas pessoas? ...............................................
19. Tem muitos amigos? Mais velhos ou mais novos? .. 29. Tem medo das pessoas? .........................................
20. O que as pessoas dizem dela(e)? ........................... 30. Ela se dá bem com a mulher (ou marido) ou com
21. Quanto ela (ele) gosta de sua família? .................. os pais (se é solteira)? ............................................
22. Quanto ela (ele) gosta da escola? .......................... 31. Ela está sempre junto ou separada do cônjuge?
23. Ela (ele) sai muito com meninos(as)? .................... (se é solteira, pular esta pergunta) .......................
24. Como ela (ele) se diverte? ...................................... 32. Como são as relações sexuais com o marido ou
25. Ela (ele) se casará? ................................................. a mulher? (se é solteira, pular esta pergunta) .......
26. Com que idade? ..................................................... 33. Quando teve sua primeira experiência sexual? .....
27. Com que tipo de rapaz (moça) ela (ele) vai se casar? 34. Tem namorado(a) firme? (para solteiros) ..............
28. Quais são os três maiores desejos? ........................ 35. Espera casar-se? (para solteiros) ............................
29. Quem ela (ele) lembra? .......................................... 36. Que tipo de moço ou moça ela prefere?
30. Você gostaria de ser como ela (ele)? ..................... (para solteiros) .......................................................
Tradução de Van Kolck, de Machover (1956). 37. Já teve relações sexuais com moças? Se for homem,
Fonte: Van Kolck, 1984. com moços? ..........................................................
38. Já foi abordado? (homossexualmente) ..................
39. Ela se masturba freqüentemente? .........................
40. O que pensa sobre isso? ........................................
QUADRO E.5 Questionário para adolescentes e 41. Com quem essa figura se parece? .........................
adultos (teste da figura humana de Machover) 42. Você gostaria de ser parecida com ela? ................
43. Qual é a parte mais bonita do corpo dessa pessoa?
Desenho da Figura Humana na Técnica de Machover
44. Qual é a parte mais feia desse desenho? ...............
Questionário para adolescentes e adultos
Nome ......................... Idade ................ No................... Apreciação de si mesma
Escolaridade ............... Sexo ................ Data................. 45. Qual é a parte melhor do seu corpo? Por quê? .....
46. Qual é a parte pior do seu corpo? Por quê? ..........
Instruções: Conte uma história sobre esta figura como
47. O que você tem de bom? .......................................
se ela (ou ele) fosse o personagem de uma novela ou
48. O que você tem de mau? .......................................
de uma peça, respondendo às seguintes perguntas
sobre ela (ou ele) da melhor maneira que você puder. Tradução e adaptação de Van Kolck, de Machover (1956).
Fonte: Van Kolck, 1984.
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PSICODIAGNÓSTICO – V 661
Índice Onomástico
PSICODIAGNÓSTICO – V 663
Goldberg, D.P., 250 Gynther, M., 224, 225, 247, Hiller, 21, 181, 239 570, 571, 573, 574, 575,
Goldberg, P.A., 218 497, 500 Hillman, 38 576, 578, 579, 584, 585,
Goldeberg, 619 Gynther, R., 224, 225, 247, Hiltman, 265 586, 591, 594, 596, 598
Goldfried, 206, 320 497, 500 Hinshelwood, 54, 96, 97 Kaplan, H., 33, 61
Goldman, 285, 598 Hirsch, 211, 214, 215 Karam, 228, 230
Goldstein, G., 20, 24, 171, Hirst, 264 Karol, 226
261, 288 H Hishinuma, 612 Kaspar, 300
Goldstein, K., 218, 224, 591 Hoffman, 500 Kast, 42
Goldstein, M., 441, 442, 447, Haas, 228 Holt, 262 Kathy, 288
450, 452, 453 Haasiosalo, 269 Honaker, 226 Katon, 21
Gomes, 195 Hagen, 210 Hooper, 281, 537, 545 Kaufman, 314
Goodenough, 221, 222, 507 Hain, 204, 206, 314, 320, Horn, 557 Kaufman, A.S., 211, 216,
Goodpaster, 450 321, 326, 331 Horner, 285 219, 220, 270, 274, 276,
Goodstein, 400, 401 Hair, 162 Horton-Deutsch, 199, 200 281, 284, 289, 547, 548,
Gordon, 92, 93 Hall, 399 Horvath, 52 549, 550, 551, 552, 554,
Gorsuch, 233, 235 Hallikainen, 285 Hotz, 71 555, 556, 559, 560, 561,
Gossop, 93 Halpern, 203, 206, 257, 293 House, 242 572, 603, 605, 606, 608,
Gotts, 136, 448, 451, 452, Halpern, 321 Howarth, 221 609, 611, 612, 618, 620,
461, 497, 498, 499, 500 Hames, 284 Huber, 285 622, 625, 626, 627
Gough, 461, 497 Hammer, 206, 219, 220, 221, Hulse, 218, 220 Kaufman, S.M., 513, 517,
Goulart, 240, 241 223, 224, 232, 322, 507, Hurvich, 214, 215 519, 523
Gould, 199, 200 509, 510, 513, 514, 515, Hutt, 189, 203, 204, 206, Kay, 75
Gouveia, 181 519, 520, 522, 523 293, 295, 296, 312, 315, Kazenstein, 259
Grace Arthur, 243 Hammon, 431 317, 320, 321, 322, 326, Keatinge, 247, 258, 277, 288,
Graham, 247, 449, 450, 452, Hammond, 463 327, 329, 330, 331, 332, 480, 623
503, 505 Handler, 222, 224, 509, 510, 333 Keller, 19, 25, 225, 247
Grassano, 267, 271, 416, 511 Hutz, 22, 221, 507, 508, 509, Kelley, 257, 344, 345, 350,
430, 431 Hankins, 281, 549 510, 512 351, 355, 359
Grassi, 244 Hänniken, 285 Hymowitz, 565 Kelly, 199, 200, 228
Grayson, 500, 501 Hannum, 242 Kendall, 20
Greenbaum, 206 Hanvick, 483 Kent, 269
Greene, 235, 497 Harmon, 46, 463, 464, 466, I Kerner, 253
Gregory, 626, 627 468, 472, 476 Kierman, 77
Greist, 77 Harris, 218, 220, 221, 285, Ibañez, 183 Kilgore, 247, 449, 450, 452,
Grisso, 183, 185, 193 474, 507, 508 Iglesias, 43 454, 462, 463, 464, 465,
Groth-Marnat, 19, 20, 23, 24, Hart, 597 Iguchi, 228 466, 468, 469, 470, 471,
25, 29, 136, 202, 205, 207, Hartlage, 206 Ingling, 206, 320 472, 473, 474, 476, 478,
214, 218, 220, 221, 224, Hartman, 587 Iozzi, 378 482, 487, 488, 489, 490,
232, 247, 256, 257, 261, Hartmann, 400, 421 Isenhart, 89 493, 495, 496, 501, 502,
274, 277, 284, 300, 314, Hathaway, 247, 442, 445, Isometsa, 199, 200 503, 504, 505
315, 316, 317, 320, 321, 446, 454, 463, 466, 467, Ivnik, 561 Kinder, 189, 256, 257
331, 333, 440, 441, 442, 470, 472, 476, 478, 497, Izal, 179 Kinget, 268, 269
445, 452, 454, 455, 456, 502 Kinnersley, 89
457, 458, 459, 461, 462, Hatzenbuehler, 242 Kitay, 296
464, 465, 466, 467, 468, Haworth, 211, 214, 420 J Kjenaas, 462
469, 470, 471, 472, 473, Head, 224 Klein, 96, 97, 99, 199, 200,
474, 475, 477, 478, 479, Heather, 88, 93 Jackson, 211, 242 266
480, 481, 482, 483, 484, Heaton, 175, 284 Jacobs, 199, 200 Klein-Benheim, 199, 200
485, 486, 487, 488, 489, Heikkinen, 199, 200 Jacobson, 51, 219 Kleiner, 99
490, 491, 492, 493, 494, Heilae, 199, 200 Jacquemin, 214, 243, 245, Klepsch, 513
495, 496, 501, 513, 516, Heimann, 54 276 Klepsh, 218, 219, 220, 221,
517, 519, 520, 521, 523, Heineck, 264, 265 Johnson, 321 223, 224, 232
530, 531, 534, 547, 549, Heiss, 265 Jolles, 507, 511 Klerman, 23, 24, 35
550, 551, 552, 553, 555, Hellman, 500 Joseph, 89, 90 Klopfer, B., 254, 255, 256,
556, 557, 558, 562, 563, Helzer, 48, 75, 83 Jung, C., 24, 231, 268 260, 344, 345, 350, 351,
564, 566, 568, 572, 573, Hendrikson, 224 Jung, M., 261 355, 356, 357, 358, 359,
574, 575, 576, 579, 580, Henri, 253 Jungerman, 91, 95 362, 363, 364, 368, 369,
605, 606, 607, 609, 610, Henriksson, 199, 200 372, 389, 394
612 Hens, 254 Klopfer, W. G., 206, 320, 356,
Guarnaccia, 24, 261, 264 Heráclito, 40 K 358, 359, 362, 363
Guazzelli, 289 Herbart, 410 Knehr, 259
Gudjonsson, 185 Hersen, 20, 24, 171, 261 Kabacoff, 226 Knijnik, 261
Guerra, 292, 386, 390 Hertz, 254, 256, 359, 368, Kahill, 224 Knobel, 423
Guilford, 170 372, 389 Kahn, 189 Kohs, 243
Guinzbourg de Brande, 270 Hesselbrock, 276, 591, 598 Kalton, 163 Koivisto, 285
Güntert, 266, 369, 376 Hewes, 211 Kamphaus, 607 Kolko, 199, 200
Gustin, 450 Heyman, 181, 182 Kaplan, C., 289 Koller, W., 285
Guthrie, 208 Heyne, 199, 200 Kaplan, E., 542, 544, 545, Koppitz, 204, 206, 218, 221,
Gutkin, 560 Hildreth, 216 563, 564, 566, 567, 569, 223, 224, 295, 296, 297,
PSICODIAGNÓSTICO – V 665
Oliver, 242 Piotrowski, 19, 368, 389 Rich, 199, 200 Schuerger, 549
Ollendick, 235 Pistori, 151 Riebe, 549 Schuerholtz, 285
Ombredane, 380, 389 Pitcher-Bake, 219 Rinkers-Ovsianka, 258 Schulberg, 326
OMS, 120, 147, 37 Pitrowski, 510 Roberts, 296, 321 Schulte, 613
Opler, 75 Plass, 288 Robiner, 331 Schultz, D., 399
Oren, 285 Platt, 228 Robins, 48, 75, 83 Schultz, S., 399
Orr, 598 Pollyson, 261 Rocha, 269-270 Schwartz, 264, 285
Ortega, 218, 220 Pope, 118, 218, 42, 44, 442, Rodríguez-Sutil, 185, 188, Scott, H., 180
Osterrieth, 230, 232 443, 444, 566, 567, 584 189, 192 Scott, W. H., 42, 44, 118, 218,
Othmer, E., 51, 83 Popovic, 280, 281, 547 Roemer, 254 566, 567, 584
Othmer, S., 51, 83 Popplestone, 206, 293 Rogers, 188, 451, 461 Scott, W.E., 442, 443, 444
Ott, 261 Porot, 218, 219 Roid, 607 Scribner, 224
Oxford, 93 Portuondo, 222, 223, 224, Rollnick, 88, 89, 92 Sechrest, 218
262, 276, 404, 408, 414, Rorschach, 24, 253, 290, 341, Seeman, 455, 464, 471, 472,
420, 551, 566, 568, 573, 345, 358, 368, 377, 379, 483
P 582, 586, 587, 591, 592, 386, 392 Seidman, 171, 172, 173, 175,
594, 597 Rosman, 199, 200 176, 232
Padovani, 285 Post, 242 Ross, 224 Seligman, 416
Paín, 236, 238, 252, 253, Poulos, 571, 591, 595, 598 Rosseli, 285 Semer, 369
569, 589 Poythree, 188, 189 Rossi, 285, 422 Sendin, 368, 376
Paine, 507 Prieb, 241, 242 Rossini, 300 Serebrinski, 392
Palma, 382 Prigatano, 285 Roth, 181 Serralta, 21, 238, 239
Pancheri, 468 Prochaska, 89, 90, 91, 92 Rotter, 216 Setten, 416
Paniak, 285 Pruitt, 261, 507 Rouquayrol, 165 Shaffer, 221, 224
Paolo, 285 Psychological Corporation, Roy, 487 Shaffi, 199, 200
Parkin, 221 279 Roy-Byrne, 21 Shapiro, 206, 316
Parpal, 53 Runeson, 199, 200 Shaw, 32, 33, 228, 230
Parsons, 288 Ruschel, 206 Shearn, 218
Partenen, 285 Q Rush, 228, 230 Shek, 242
Partenio, 314 Russell, 207, 218, 226 Shellemberger, 146, 148,
Pascal, 204, 206, 293, 296, Quast, 295 Ryan, 285, 561, 618, 619, 149, 150
314, 317, 326, 327, 328 Quereski, 549 620, 626, 627 Shentoub, 112, 259, 261,
Pasquali, 158, 242, 243, 250, Quintela, 258, 356, 358, 359 400
271, 272 Sherman, 199, 200
Patterson, 285 S Shum, 288
Patton, 219 R Siegel, 351
Pauker, 326 Sá, 192 Sifneos, 48
Paul, 284 Rabin, 569 Sacks, 216, 217, 218 Sigelman, 356, 358, 359
Payne, 216 Rabinovich, 242 Sadock, 33, 36, 37, 61 Silva Neto, 369
Peçanha, 226, 227, 265 Racker, 54 Safra, 249 Silva, A.A.V., 243, 244, 245
Peck, 295 Ramanaiah, 233, 234, 235 Sajadi, 14 Silveira, 38, 109
Pera, 151, 155 Rammohan, 285 Salomon, 386 Silverstein, 282, 545
Percheux, 204, 206, 293, 302, Randolph, 619 Saltijeral, 199, 200 Simon, 49, 75, 195
303, 304, 305 Rapaport, 254, 256, 276, Sampaio, 142, 143 Simpson, 296, 316
Pereira, D., 238 357, 359, 368, 369, 389, Sanchez, 93 Sims, 224
Pereira, I., 591, 595, 598 392, 401, 402, 404, 406, Sanders, 416 Singelmann, 257
Pérez-Ramos, A., 151, 152, 407, 408, 420, 531, 535, Sanderson, 136 Siqueira, 165
154, 155, 212 536, 537, 538, 539, 540, Santos, 258 Skaf, 190
Pérez-Ramos, J., 151, 154 541, 544, 545, 551, 564, Santucci, 204, 206, 293, 302, Skinner, 89, 90
Perlman, 216, 274, 289 565, 568, 569, 571, 572, 303, 304, 305 Skodol, 48, 83
Perlstein, 324 573, 574, 575, 576, 577, Sattler, 210, 607, 611, 618, Slate, 612
Perper, 199, 200 579, 580, 581 619, 620, 626, 627 Sluske, 225
Perry, 189, 369 Raskin, 219 Satz, 208, 261, 276, 285 Slutske, 247
Person, 505 Raush de Trautenberg, 379, Schachter, 392 Small, 64, 258
Peterson, 355, 357, 448 380, 382 Schafer, 43, 256, 257, 276, Smith, 261, 507, 551
Petrila, 188, 189 Raven, J., 253 300, 359, 364, 389, 391, Snow, 285
Petzel, 241, 242 Raven, J.C., 250, 253 393, 565, 568, 574, 577, Soares, 165
Pfister, 265, 386 Raymundo, 257, 290 579, 580, 581, 582, 583, Someonoff, 386
Phillipson, 265, 267 Reader, 285 592, 596 Sopchak, 224
Piaget, 100, 236, 252 Reed, 276, 591 Schaffer, 199, 200 Soukoup, 208, 276, 285
Piccolo, 215, 222, 224, 267, Resnik, 230 Scheerer, 591 Soukup, 171, 173
271, 420 Rey, 230, 231 Schelini, 284 Soulé, 96
Pichot, 211, 218 Reynolds, 211, 219, 270, 281, Schilder, 206, 510 Spader, 269
Pick, 54 507, 547, 548, 549, 550, Schill, 235 Sparrow, 272, 274
Pietrowski, 254, 256, 257 551, 552, 554, 555, 556, Schilling, 355, 357 Spearman, 271, 529
Pigem, 270 559, 560, 561, 572 Schlanck, 500 Spellman, 199, 200
Pincus, 142 Reznokoff, 218 Schlieper, 257 Spielberger, 233, 234, 235,
Pinheiro, 283 Rhode, 189, 216 Schneidman, 196, 197, 198, 296
Pinto, 430 Rian, 261 199, 200, 230 Spiro, 425
PSICODIAGNÓSTICO – V 667
Índice
PSICODIAGNÓSTICO – V 669
Comunicação de resultados, Contrato de trabalho, 26, 30 cognitivo/s, 177-180, 181, da casa-árvore-pessoa (HTP),
107, 118, 121, 122, 123, Contrato terapêutico, 47 551, 563, 564, 568, 573, 112, 114, 127, 108
124 Contratransferência, 41, 42, 591, 600 da figura humana, 112, 134,
assistemática, 124 43, 47, 54, 115 de atenção, 573, 597, 598 135
sistemática, 124 Controle Mental, subteste de, de memória, 110, 573, 597, de Estória com Tema, 438
Comunicação dos resultados, 286 598 livre, 429, 430
31 Controle, 391, 393, 395, 397, espacial, 591 Desenhos Geométricos, sub-
Conceito/s, 70 398 nas funções executivas, 574 teste de, 288
abstrato, 573 Cópia de Símbolos, subteste perceptual/ais, 588 Desenvolvimento
âmbito do, 580 de, 278 psicológicos, 173 do ego, 418
aritmético, 573 Criatividade, 100, 103, 386, sensoriais, 178, 552 infantil, 416
concreto, 580 392 visoespacial, 590 grafoperceptivo, 304
formação de, 580 Crise/s, 35 visuais, 569, 583 neuropsicológico, 301, 309,
Concentração, 171 depressiva, 526, 527 Definição operacional, 159 311, 312-314
Concepção do meio (Bellak), intervenção/ões em, 76, 199, Delírio/s, 68, 71, 488, 495, Desesperança, 227, 230
414, 415 200 496, 501, 502 Desfecho (Murray), 402, 403-
Concordância com o critério, psicótica, 83 persecutórios, 471 407
83 da adolescência (ou adoles- somático/s, 462 Desintegração, 306, 307, 309
Concordância entre juízes, 509 cente), 65 de grandeza, 487, 496, 502 Deslocamento (mecanismo
Condição/ões médica/s geral/ de desenvolvimento, 64, 65 somático/s, 483, 484 de), 503
ais, 80, 81, 84 edípica, 66 Demência, 68 Desvio/s padrão, 167-170
Condições cognitivas, 177 pré-adolescente, 64, 65 de Alzheimer (ou doença de), Desvios
Conduta suicida, 148, 149 psicossociais, 64 591, 597 Bender, 311
Conduta, 68, 71, 72, 73 Critérios diagnósticos, 76, 79, de Alzheimer. Vide também Clawson, 313, 314
Confabulação (Z), 391-392 82, 83 Doença de Alzheimer, Koppitz, 313, 314
Confabulação, 361 Cubos 178, 180-182 Determinação genética, 176
Confiabilidade, 77 de Goldstein-Scheerer, teste Denominadores comuns, 65, Determinação, 90, 92
Configurações específicas de, 591 117 Determinante/s (Z), 388-398
das escalas de validade, 459- Cubos, subteste de, 272, 276, Dependência de substâncias Determinantes
460 278, 280, 288 (do álcool, de drogas), escore de 349, 356-357
Conflito intrapsíquico, 394 Cultura 486 inquérito de, 351, 354
Conflito/s, 401-403, 405-407, efeito da, 508 Dependência do álcool ou dro- Determinismo psíquico, 411
413, 414, 415, 417, 418, gas, 147 Devolução
420, 421-427, 430-432, Dependência vs. independên- entrevista de, 30
435-437, 45, 47, 49, 53, D cia (conflito de), 467, Devolução, 87
55, 56, 57, 60, 61, 62, 65, 479, 490, 493 Dezesseis PF, 224-226
66, 96, 97, 100, 102, 103 D, escala (MMPI), 462, 463- Dependência, 106, 133, 134, DF-E (Desenhos de Família com
Confusão 465, 469, 475 135, 424, 426 Estórias), 436, 437
conceitual, 534 D, escala 2 (MMPI), 482, 486, Depressão maior, 199, 200 DFH. Vide também Desenho da
Conhecimento semântico, 494, 503, 505 Depressão/ões, 178, 462-465, Figura Humana
569, 571 Dano/s 467, 476, 481-483, 484- Diagnostic Interview Schedule
Consciência, 68, 70 moral, 194, 195 486, 487, 488, 491, 495, (DIS), 48, 75, 83
alterações da, 68 psíquico, 194, 195 500, 501, 502, 505 Diagnóstico, 50, 401, 403,
intra e inter-entrevistador, Declínio dupla, 80, 81, 83, 84, 85, 86, 407, 408
78, 83 associado à idade, 179 87 clínico, 67, 77, 83
turvação da, 70 cognitivo, 177 mascarada, 87 nosológico, 67
Consistência interna, 159-162 associado à idade, 179, recorrentes, 53 diferencial, 49, 76, 80, 81,
Consortium to Establish a Re- 182 Desatenção seletiva, 68 83, 84, 87, 106, 107,
gistry for Alzheimer’s Di- normal, 177 Desejos, 431, 432, 436, 437 108, 118, 119, 121, 125,
sease (CERAD), 181 Defesa/s, 46, 49, 52, 53, 97, Desempenho (maturidade) 126, 137, 174, 178, 179
Construção absurda, 594 98, 100, 107, 111, 120, perceptomotor, 310-311, neuropsicológico, 174
Constructo/s 131, 132, 136, 389, 391, 315 psicodinâmico, 50
teórico/s, 158, 159, 164 393, 403, 405, 406, 409, Desempenho, 390, 396 sindrômico, 51
validade de, 159, 163, 164, 413, 418, 420, 454, 459, Desenho da casa, árvore e pes- Diferenças individuais, 19, 23,
165 465, 471, 473, 476-478, soa. Vide HTP 35
Contaminação (Z), 391-393 484, 485, 493, 495, 496, Desenho da Família, 218-220 Dificuldades cognitivas, 171
Contaminação, 361 501-505 Desenho da Figura Humana Dificuldades
Contemplação, 90-92, 93 mecanismo/s de, 399, 407, (1), 220-221 de cruzamento, 329
Conteúdo 410, 411, 415, 418, 420, Desenho da Figura Humana de fechamento, 330, 331,
escore de, 356, 357 466 (2), 222-224 333, 337
inquérito de, 353 sistema de, 458, 459 Desenho da Figura Humana de superposição, 329, 333,
latente, 402 Defesa/s. Vide também Me- sexo da figura, 511-512 336
manifesto, 402 canismos de defesa, 32, utilidade clínica, 507 na angulação, 333, 337
Conteúdos (Z), 388, 389, 391- 33 validade, 507, 508, 511 na curvatura, 329
399 Deficiência cognitiva, 177 Desenho/s Dígitos, subteste de, 182,
Conteúdos edípicos, 424-426 Déficit/s, 118 cinético, 517 274, 276, 280, 281, 282,
Contexto familiar, 60, 62 auditivo/s, 537, 567 da família, 436, 517 286
Contrato de trabalho, 121, cognitivo, 109, 172, 173 da casa, árvore e pessoa. Dinâmico
122, 123, 125 cerebrais, 543, 582 Vide HTP abordagem, 60, 66
PSICODIAGNÓSTICO – V 671
Pa, 471-473 Estimulação precoce, 154 437, 378, 382, 384, 385, G
Pa-O, 472 guia curricular para, 154 422, 423, 425-427, 430-
Pa-S, 472 programas individuais de, 431 Ganho/s
Pd (escala 4), 484, 485, 154 análise de, 104 primários, 59
486, 487, 488, 492, 495, Estratégias facilitadoras, 156 Fase edípica, 104 secundário/s, 59
501, 502, 504, 505, 506 Estresse, 35, 63, 457, 460, Fator g, 529 Generabilidade, 77
Pd, 467-468 461, 462, 465, 467, 468, Fatores Genetograma, 60, 143, 144,
Pd-O, 468 482, 483, 484, 485, 488, de personalidade, 222, 224- 145, 147-150
Pd-S, 468 495, 500, 503, 506, 497 226, 242-243 construção do, 146
Pt (escala 7), 481, 495, Estressor, 83, 84 G, 237, 250, 251, 271 Gerações, 143, 147-149
496, 503 Estressores, 32, 33 de proteção, 151, 152, 153, Goodenough-Harris, teste de,
Pt, 473-474 Estrutura familiar, 143, 147, 154 221
Sc (escala 8), 484, 487, 150 de risco, 151, 152, 153, 154
491, 495, 503, 504 Estruturação das entrevistas, Fechamento, 295, 298, 299
Sc, 474-475 75 dificuldades de, 329, 331- H
Si (escala 0), 495, 502 Ética/s, 45, 47, 55, 56 333, 336, 329
Si, 477-479 Código de, 121, 122 falta de, 321 Hemisfério
suplementares, 136 implicações, 122 Feedback, 89, 93-94 Cerebral, 543
sutis, 488, 497 profissional, 125 Fenômeno, 115 direito, 563, 573, 573, 578,
Merrill-Palmer, 154 Euforia, 394 transferencial, 41 579, 584, 586, 587, 590,
Weschsler, 172, 175 Evitação fóbica, 78 contratransferencial, 42 591, 594, 595, 598
Escola Wechsler de Memória III Evocação retardada, subteste Fenômeno/s especial/is (Z), esquerdo
(WMS-III), 181 de, 286 388, 391, 397 Herói (Murray), 401-407
Escolha de brinquedos e jogo, Evocação, 69 Fenômenos afetivos, 72 Herói principal (Bellak), 413-
100, 101 Exame do Estado Mental, 181 Fidedignidade, 77, 78, 83, 115, 415
Escore (sistema) Exame psiquiátrico, 74 158-162 Hipocondria, 483-484
da Escala da Maturação, 308 Exame tipos de, 160, 161 Hipótese/s
de Koppitz, 306 criminológico, 192, 192 Figura/s em quadros, 296, 300 diagnóstica/s, 400, 483, 487
de Santucci-Percheux, 302 das funções do ego, 28, 127 Figuras Complexas de Rey, inicial/is, 26, 28, 30, 109,
Escore de atribuição (MMPI), do estado mental, 28, 30, 57, 230-232 118, 126, 134, 135, 136
442 65, 172 Figuras-símbolos, 143 História relacional, 51
Escore/s no Rorschach, 342-344 Fixação, 67, 69 História
bruto/s, 166-168, 170 objetivos do, 27, 28, 30, 31, Flexibilidade mental, 178, 596 clínica, 26, 28, 30, 57, 58, 60,
crítico, 330 60, 66, 105, 106, 107, Fluência verbal, 181, 182, 563, 65, 106, 116-120, 124,
de Lacks, 337 108, 110, 113, 116-118, 580 127, 136, 137, 442, 484,
marginal, 330 121, 122-125 Fobia/s, 73, 473, 487, 495 487, 489
padronizado/s, 166-170 psicológico, 23, 29, 31 Forma/s conjugal, 62, 63
percentílicos, 167 precoce da criança, 151 do conceito, definição da, da doença atual, 57, 58
T, 168-170 subjetivo, 28, 30 359 do caso, 121
Z, 168-170 retrospectivo/s, 196 escore da, 355 do estado mental, 57
Escuta, 52, 53 Expansão, 297, 300, 321 inquérito da, 351 do paciente, 480
Especificações, 343, 348-351, Explicação psicodinâmica, 171 Formas reduzidas (WISC-III), escolar, 62
359, 361-363 Extensão espacial, subteste de, 610-612 ocupacional, 63
Especificidade, 165-166 278, 286 Fragmentação (ou tendência pessoal. Vide também Anam-
Esquizofrenia, 35, 49, 79, 82, Externalização, 410, 411, 472 à), 313, 314, 329, 330, nese, 57, 58, 59, 60, 106
83, 137-138, 142, 199, 333-335, 336 pré-natal e perinatal, 60
200, 474, 479, 481, 484, Fuga de idéias, 71 da primeira infância, 60
487, 488, 491, 495, 496, F Fuld Object Memory Evalua- da infância intermediária,
497, 502, 565, 566, 570, tion (FOME), 181 61
575, 576, 577, 582, 584, Fábula/s Função catártica, 426 da pré-puberdade, puber-
585, 592 de Despert, 262 Função/ões dade e adolescência, 62
paranóide, 471, 472, 487, F1, do Passarinho, 421-427 cognitiva/s, 100, 171, 173, da vida adulta, 63
493, 494, 495 F2, do Aniversário de Casa- 175, 530, 547, 562 pessoal, 26, 28, 30
Estado/s mento, 424-427 do ego, 70, 106, 127, 130, pregressa, 59
de crise, 500 F3, do Cordeirinho, 423, 424, 136, 563, 568, 580, 587, Homicídio, 494
de fuga, 490 426, 427 602 Homossexualidade, 469, 492
de pânico, 496 F4, do Enterro, 426 do juízo, 579, 580, 582, 588, Hora de Jogo Diagnóstica, 428
depressivo, 495 F5, do Medo, 426 600 Hora de jogo. Vide também
hipomaníaco, 502 F8, do Passeio, 424-427 do superego, 391 Entrevista lúdica, 98-100,
maníaco, 484, 495 Teste das, 262-265 executivas, 173, 180 104, 111
paranóide, 495 Fadiga, 113, 125 receptivas, 173 diagnóstica, 98, 99, 102
psiquiátrico, 500 Família, Desenho da, 218-220 defensiva, 503 terapêutica, 98
Estados emocionais, 423, 424, Família/s, 141 psíquica, 71 Hostilidade, 468, 473, 483,
426 de origem, 141 Funcionamento cognitivo, 484, 485, 486, 487, 489,
Estanino/s, 169, 170 disfuncionais, 142 177, 179 490, 495, 504
Estereotipia(Z), 393 organização da, 141 Funcionamento familiar, 142, HTP
Estereotipia, 101 saudável, 142 143, 148, 149, 150 administração, 519
Estimativa do nível formal, Fantasia/s, 39, 41, 43, 46, 51, Funções impressão geral, 520, 523
349, 350, 359-363 52, 52, 53, 97-104, 196, egóicas, 431 interpretação, 519-523
PSICODIAGNÓSTICO – V 673
Média, 167-170 metapsicológico, 20 de funcionamento da perso- P
Mediana, 167 psicométricos, 428 nalidade, 110, 121
Médico legista, 197, 198, 201 psicológico, 23, 29, 30, 31, de inteligência, 105, 130 Pa, escala (MMPI), 471, 473,
Medo/s, 454, 473-474, 477 57, 118 de inferência, 118, 119, 121 484, 486, 489, 494, 495,
Memória de Trabalho (WISC- qualitativo, 172 de projeção, 516 502, 504
III), 607 quantitativo, 172 do conteúdo, 515, 516 Paciente identificado, 143-147
Memória Lógica, subteste de, teórico/s, 20, 21 fantasmático, 379, 380, 380 Padrões
182 Modo da morte, 196, 197, 198 formal, 131 de funcionamento, 148, 149
Memória Motivação, 199, 200 gráfico, 515 de interação, 142, 148, 149
auditiva, 572, 573 ausência de, 89 lúdico, 111 de organização, 148, 149
comprometimento, 113 conceito de, 88, 89 perceptivo, 379 familiares, 143, 146, 150
de Figuras, 286 inconsciente, 399 psicótico, 110 sintomáticos, 150
de Trabalho, índice de, 276, para a mudança, 88, 93 Normas éticas, 121, 154 transacionais, 141
532 Motivational Enhancement Normas, 141 vinculares, 150
déficit, 110 Therapy (MET), 88 Papel do psicólogo, 38, 42, 43,
desorganização, 535 Motivational Interviewing (MI), 99
disfunção, 110 88 O Paranóia, 87
escala de. Vide WMS, WMS- Motivo/s (Murray), 402-403, Parecer/es, 30, 107, 121, 124,
R, WMS-III 405-406 Objetividade, 390, 391, 396 125
Geral, índice de, 286 aparente, 40 Objetivo/s Pares Visuais Associados, sub-
imediata, 555, 567, 572, 573 conscientes, 38 da avaliação, 42, 109, 110 teste de, 292
incidental, 597, 598 defensivos, 60 de entendimento dinâmico, Passos para manejo (MMPI),
Lógica, subteste de, 286 do encaminhamento, 118- 106 441-453
preservação, 567 120, 126, 137 de prevenção, 106 Pátrio poder, 187, 191, 192
psicomotora, 598 explícitos, 40, 58 de prognóstico, 106 Patte Noir, 211
remota, 564, 566, 580, 584 inconscientes, 38 diferencial, 127 Penetração, 322
Verbal, índice de, 286, 600 subjacentes, 63 do psicodiagnóstico, 40, 44, Pensamento, 68, 70, 173
Visual, índice de, 286, 583, Motricidade, 100, 102 106, 107, 110, 111 abstrato, 130, 569, 574, 579,
584 MPAS, 24 forenses, 106 580, 581, 591, 600
Visual, subteste de, 286 Mudança Objetivos do psicodiagnóstico, bizarro, 474
Memória, 68, 69, 171, 173, associadas à idade, 180 23, 26, 30, 64 bloqueio do, 71
175, 178-181 de tamanho, 295, 297, 300, de avaliação compreensiva, concreto, 565, 567, 569,
alterações da, 69 315 27, 28 575, 576, 577, 580, 582,
dimensões da, 69 estágio/s de, 89, 90, 92, 93 de classificação 590, 594, 595
Menu (recaída), 93 motivação para, 88, 93 nosológica, 27, 28 conceitual, 130, 136, 581,
Método na angulação, 295, 298, 299 simples, 27 582, 591, 592
das Fábulas, 262 na curvatura, 295, 298, 299 de descrição, 27, 28 confuso, 474, 488
das formas paralelas, 160, plano de, 93, 94 de entendimento dinâmico, delirante, 472, 491
161 processo de, 88-92, 93 27, 28 desagregação, 71
das metades, 160, 161 prontidão para, 89, 92 de perícia forense, 27, 28 desorganização do, 472,
do teste-reteste, 160, 161 Mutilação, 298, 299 de prevenção, 27, 28 475, 496, 563
Mf, escala (MMPI), 468-471, de prognóstico, 27, 28 esquizóide, 474
492, 501, 506 diferencial, 27, 28 extravagante/s, 535
Mini-Exame do Estado Mental N Obnubilação, 68 fluidez do, 584
(MEEM), 181, 182 Observação inibição do, 71
Minnesota Multiphasic Perso- Não posso dizer, “?”, escala direta, 83 infantil, 104
nality Inventory. Vide (MMPI), 454, 455 participante, 154 lógico, 70, 131, 136, 391,
MMPI National Institute of Mental por meio de vídeo, 83 396, 575, 576
Miocinético, teste. Vide PMK Health (NIMH), 77 por sala de espelho, 83 mágico, 70, 132, 503
Mitos, 141, 142 Necessidade/s (Bellak), 409, sobre o comportamento, 136 obsessivo, 473
MMPI, 22, 24, 112, 113, 125, 411, 413-415 Omissão, 321, 514, 516, 517 organização, 568, 569
127, 131-132, 136, 137, Necessidade/s (Murray), 399, Oposicionismo, 131 patologias do, 70
245-247 402 Organização do ego, 365 perseveração do, 71
MMPI-2, 245 Necessidade/s, 70, 71, 72, 73, Organização grafoperceptiva, primário, 582
MMPI-A, 245 380, 382, 384, 385 302, 303, 305 processos de, 488, 544, 568,
Mobilização afetiva, 421, 426 Negação, 124, 406, 418-420, Organização Perceptual (OP) 569, 570, 582, 588
Modalidade de brinquedo, 427, 456, 459, 460, 461, (WISC-III), 603, 604, 606 rigidez do, 567, 582, 583
100, 101 465-467, 469, 476, 477, fator de, 283 seqüencial, 586, 600
Modelo 481, 482, 485, 486, 495, índice de, 276, 288 tangencial, 496
categórico, 28, 35, 121 497, 501, 502 Organização, 390, 391 transtornos do, 115, 137,
conceitual, 25 Neuropsicologia, 172, 174, afetiva, 131 138, 487, 491, 495, 531,
de avaliação, 23 176 das defesas, 132 565, 570
de avaliação psicológica, 19 Neurose de transferência, 97 espacial, 590 Pequeno Hans, 96
de Murray, 399 Nível/eis perceptual, 551, 554-555, Percepção autista, 410, 411
de psicopatologia, 35 abstrato, 580 587, 589, 593, 600-602 Percepção subjetiva do idoso,
dimensional, 21, 35 conceitual, 580 visoespacial, 592 179
estatístico, 119 concreto, 565, 580 visoperceptual, 594 Percepção visomotora, 306, 308
médico/s, 24, 29, 35, 58, das estruturas formais, 515 visual, 586, 588 Percepção, 131, 132, 133, 379,
118, 121, 428 de ansiedade, 110, 136 Orientação, 68, 69, 70 380, 410, 415
PSICODIAGNÓSTICO – V 675
Combinação fabulada (FA- reflexos, 371 expressos, 431, 432, 436 Situação-problema, 421
BCOM), 373 resposta/s Seqüência de Letras e Núme- SNC, 171, 173, 174
Combinação incongruente classificação das (Exner), ro, subteste de, 276 SOCRATES, 93
(INCOM), 373 370-374 Seqüência de Números e Le- Solidão, 424, 426
Confabulação (CONFAB), de cor (Exner), 371 tras, subteste de (WAIS- Sombreamento, 509, 510
374 de forma-dimensão (Ex- III), 616, 619-620 SSCT (Sacks Sentence Comple-
Contaminação (CONTAM), ner), 371 Seqüência, 329 tion Test). Vide Comple-
373 de movimento (Exner), Setting, 47, 49 tamento de Sentenças
Conteúdo abstrato (AB), 371, 374 Sexualidade infantil, 96 Stanford-Binet, escala. Vide
374 de pares (Exner), 372 Sigilo profissional, 105, 121, Binet IV
Conteúdo mórbido (MOR), de reflexo (Exner), 372 124 Sublimação, 501
374, 376 de sombreado (Exner), 371 Simbolismo, 103 Sucessos da vida, 150
Fenômeno especial de cor desviantes (Exner), 373 Símbolos, subteste de, 143, Suicídio, 196-201, 229, 324,
(Cp), 374, 375 localização das (Exner), 146-149, 274, 276, 280 501
Lógica inadequada (ALOG), 370 Simplificação, 298, 299, 313, avaliação da história, 75
373 número das (Exner), 370, 314, 329, 333, 336 idéias de, 227, 229, 230, 464
Movimento agressivo (AG), 373-375 Simulação, 187, 188, 189 risco de, 124, 131, 136, 228,
374, 376, 377 personalizadas (Exner), 374 “Sinais de alerta”, 151-154, 230, 486, 488, 496, 505
Movimento cooperativo populares (Exner), 370, 372 155, 156 risco de tentativa de, 75
(COP), 374, 376 RIAP, 377 altas habilidades, 151, 155, tentativa/s, 486-488, 490,
Perseveração (PSV), 374, suicídio, 376 156 494
377 sumário estrutural (Exner), deficiência mental, 156 tentativa de, 126, 229, 230
Respostas desviantes (DR), 374-376 Sinal/ais, 32, 33, 34, 45, 50, Suicidologia, 201
373 variável/eis chave (Exner), 51, 68 Superdotação, 151
Respostas personalizadas 377 de alerta, 34 Superego, 65, 409, 411-413,
(PER), 374 verbalizações de Brown, 323 414, 415
Verbalizações desviantes desviantes (Exner), 373 de Hutt-Briskin, 333 desenvolvimento do, 420
(DV), 373 inusuais (Exner), 372, 374 de penetração, 322, 324 forças do, 402
combinações inadequadas, Rorschach, teste de, 24, 110, de perturbação, 62 sanções do, 402
373 112, 114, 115, 117, 127, de Sternberg e Levine, 323, severidade do, 418, 420
confabulação, 374 131, 133, 134-137 326 Superelaboração, 570
conteúdo/s, 372 Rotação, 321, 328, 329, 330, simbólicos de agressão, 326 Superinclusão, 570
abstrato, 374 332, 333, 334, 335 Síndrome/s, 34, 36, 50, 51 Superposição, 298, 299, 321,
idiossincrático, 372 agudas e crônicas, 451-452 322, 329, 330, 333, 336
mórbido, 374 Síntese dinâmica (Murray), 401 Supervisão (prática supervisio-
projetivo, 377 S Síntese interpretativa (CAT), nada), 47, 55, 56
déficit relacional, 376 420 Supressão (mecanismo de),
depressão Saúde Geral. Vide Questioná- Síntese, 68, 70, 71 501
constelação da, 376 rio de Saúde Geral Sintoma/s, 32, 33, 34, 35, 36, Szondi, 24
índice de, 376 Saúde mental, 32, 33, 35, 36, 45, 49, 50, 51, 54, 68, 73,
determinantes (Exner), 371- 75, 76, 77, 78, 83 150
372 Sceno-test, 258-259 admissão de, 58 T
dinâmica aplicação familiar do, 258 aparecimento de, 62
da personalidade, 377 Schedule for Affective Disor- de humor, 83, 84 Tamanho, 513, 514, 516, 518
distorção/ões ders and Schizophrenia demenciais, 171, 182 aumentado, 297, 300, 315,
perceptivas (Exner), 377 (SADS), 75 emergentes, 57, 58 321
esquizofrenia, índice de (Ex- SCID, 75-79, 83-87 especiais, 61 diminuído, 297
ner), 376 SCID-B/C, 78 na adolescência, 65 irregular, 297
estilo obsessivo, 376 SCID-II, 78 obsessivo-compulsivos, 60 pequeno, 300
estresse SCID-NP, 78 psicóticos, 80, 81, 83 redução de, 321
situacional, 375 SCID-P, 78 psiquiátricos, 77 TAT (Thematic Apperception
tolerância ao, 375 Screening, 179, 181 pré-adolescentes, 65 Test), 112, 127, 131-133,
hipervigilância, 376 Segredos, 142 Sistema disfuncional, 143 136, 137, 218, 259-262,
ideação, 373, 375 Segunda tentativa, 295, 297 Sistema legal, 183 378, 380, 385
interpretação (Exner), 376- Self ideal, 523 Sistema nervoso central. Vide TDM, 83, 84, 86
377 Semelhanças, subteste de, também SNC, 68, 71 Técnica/s
mediação, 375 274, 276, 278, 281, 288, Sistema auto-administrada, 112
pares (Exner), 370-372, 376 289 de Koppitz, 221 de associação livre, 378
pensamento, 373, 375 Senescência normal, 178, 180 de Naglieri, 221 de Zulliger, 386
percepção, 372, 375-377 Sensibilidade, 165-166 Sistemas de escore gráficas, 110, 111, 137
perseverações (Exner), 377 Sensibilização, 410 de Billingslea, 326 projetivas, 20, 22, 35, 108,
processamento (Exner), 375 Sensopercepção, 68 de Hain, 331 110-112, 116, 132, 154,
projeção transtornos da, 68 de Hutt, 326, 329 159, 300, 301, 429, 431,
de cor (Exner), 374, 375 Sentenças, subteste de, 288 de Pascal e Suttell, 326, 327, 437
qualidade Sentimentos 328 psicanalítica, 96
evolutiva (Exner), 370, 371, derivados Situação psicológicas, 121
375 do conflito, 432 clínica especial, 114 psicométricas, 109
formal (Exner), 370, 372, do instinto de vida, 432 de testagem, 115, 116 Tema (Murray), 402, 404-407
375-377 do instinto de morte, 432 padronizada, 115 Tema principal (Bellak), 413
PSICODIAGNÓSTICO – V 677
Valores, 141, 142 W WASI, 279, 281 WISC-III, Wechsler Intelligence
Variáveis psicológicas WCST (Wisconsin Card Sor- Scale for Children 3ª edi-
do paciente, 43 WAIS, Wechsler Adult Intelli- ting Test). Vide Wiscon- ção, 282-284
do psicólogo, 43 gence Scale, 119, 127, sin Wisconsin, 284-285
Velocidade de Processamento 136, 137, 274-276 Wechsler, escalas. Vide tam- WISC-R, Wechsler Intelligence
(VP) (WISC-III), 603, 604 WAIS-III, Wechsler Adult Inte- bém Escalas de Inteligên- Scale for Children Revi-
fator de, 283 lligence Scale 3ª edição. cia sed, 279-282
índice de, 276 276-278, 287 de memória, 285-288 WMS, 285-288
Verbalização/ões, 388, 390 WAIS-R NI, 278-279, 542, 544, WIAT, Wechsler Individual WMS-III, 285-288
Vineland, 272-274 547, 563, 565, 569, 571, Achievement Test, 283 WMS-R, 285-288
Visita domiciliar, 154 573 WIS (Wechsler Intelligence Sca- WPPSI, 281, 288, 290
Vocabulário, subteste de, 115, WAIS-R, Wechsler Adult Inte- les), 22, 180 WPPSI-R, 281, 288, 290
274, 275, 276, 278, 281, lligence Scale Revised, WISC, Wechsler Intelligence
288, 289 110, 274-276 Scale for Children, 279-
Vulnerabilidade/s (prévia/s) no Wartegg. teste de. Vide Teste 282 Z
desenvolvimento, 64, 65, de Completamento de WISC-III, em grupos clínicos,
66, 423, 425-427 Desenhos 612-614 Z-teste, 290-292, 386