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Considerando as questões propostas na aula mais recente sobre educação especial, nos
ocorreu por bem elaborar e deixar claro algumas percepções sobre as problemáticas postas em
voga. Torna-se mister explanar algumas nuances, visto que os pormenores são muitos e gerais
para qualquer situação, apesar de simples de serem percebidos. O que se dirá aqui não vale
somente como causas das problemáticas da educação especial em si, mas também de alguns
pontos do comportamento humano e muitos outros reflexos fenomênicos, que levam à
problemáticas na educação especial e em vários outros setores.
As causas que fazem os projetos e iniciativas na educação especial trazerem
resultados muito lentos ou de pouco retorno, são muito simples, porém ignoradas (ou
negadas, quando percebidas) pela maioria das pessoas. A principal causa é a sutil diferença
entre a teoria e a prática. A teoria está para a mente consciente, assim como a prática. Mas a
prática em si, apesar de poder ser manifestada através da mente consciente, em ações
conscientes, é nas ações inconscientes que ela encontra seu pomar mais frutífero. Vejamos:
todas as terças-feiras, por exemplo, nos encontramos para debater sobre as problemáticas na
educação especial, nas diversas realidades e “necessidades” pelas quais o “deficiente” passa.
Nesses momentos, enquanto nossa atenção foca um tema, estamos no plano teórico,
metafísico, concentrados naquele momento na temática, seja qual for. Mas logo que se passem
algumas horas, já nos esquecemos quase que por completo das posturas a serem tomadas. Já
isso se dá devido ao inconsciente, às ações inconscientes, reflexivas. Vejamos outro exemplo:
muitas pessoas vão até a Igreja, e naquele momento de culto, concentradas na temática e
envolvidas no presente, mudam momentaneamente seu comportamento, e logo passam a amar
os colegas de culto, a Deus, a se abraçarem e a se apoiarem amavelmente. Vistos por outros
nessa situação, esses diriam se tratar de cristãos exemplares. Mas bastam algumas horas
passarem, após o culto terminar, que os crentes começam a agir de forma totalmente
inconsciente, no seu padrão normal, mudando a freqüência mental em que até então estavam
envolvidos no culto, coletivamente, concentrando-se em outra problemática ou situação
qualquer. Logo acabe a missa e os cultos, o crente passa a cometer vários pecados e ações
contrárias ao cristianismo, falando até mal do próprio irmão de culto que há poucas horas
estava ao seu lado. Essa é a causa das contradições de comportamento, o envolvimento do
consciente apenas com o presente curto e factual. Pela mesma raiz, todos concordam que não
se deve jogar lixo no chão, quando se fala sobre isso, e logo depois jogam um papel de bala
no chão, displicentes, caminhando pelas ruas em inconsciência, na falta de atenção sobre a
ação. Totalmente compreensível, uma vez que não se pensa em agir assim, apenas se reage
assim.
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A atenção humana, por natureza, concentra-se em poucos elementos de uma única vez.
Nesse quesito, somos muito “deficientes”.Um ponto importante a ser ressaltado, aliás, é que
somos todos deficientes, todos nós, em algum ponto. A deficiência, assim dita, vêm a tona
somente com a comparação com outro indivíduo, com a maioria. Se o contrário ocorresse, se
a grande maioria fosse assim dita deficiente, e a minoria fosse composta por nós, os ditos
normalizados, teríamos agora uma classe de aula formada totalmente por deficientes,
elaborando questões de como incluir os normais (nós) ao ensino, à normalidade deles. Nesse
caso, seríamos superdotados de altas habilidades (embora eu prefira o termo altas potências).
Ser deficiente ou não, é algo muito relativo ao objetivo a ser alcançado, e às comparações
com outros indivíduos.
Logo, partindo de pressupostos como esse, fica fácil notar a diferença quase gritante
entre a teoria e as ações inconscientes de um indivíduo. Para citar um exemplo, vejamos o
próprio texto recomendado da aula. Nele, há uma passagem que diz que termos pejorativos do
tipo “ceguinho, manquinho, aleijadinho” (como o famoso escultor Aleijadinho) e afins,
carregam um profundo preconceito e um sentimento de pena e piedade. Mas na mesma aula
de discussão do texto, os integrantes do debate e dos discursos ficavam citando frases como
“eu sempre fui gordinho...”, “não há problema em ser gordinho ou magrinho...”, etc. Nota-se,
no mínimo, um receio de magoar o “deficiente” físico, excluído e notado somente por não se
adequar aos padrões simétricos de beleza, incurtidos pelo sistema capitalista com seus
modelos e suas modas. Não há porque não usar os termos “gordo, manco, cego, perneta”.
Sobre o ser “gordinho”, ver isso como um problema também é muito relativo. A Vênus da
“pré-história”, assim como a de Boticceli, por exemplo, era a gorda, cobiçada e idealizada por
ser rara naquele período. Gordo, manco, magro, cego, não há problemas nesses termos. Mas a
piedade, vinda da sensação inconsciente de superioridade, e de que se está numa melhor
situação (como a origem de todo sentimento de pena e piedade), permanece latente, é o filtro
tão humanitário que nos impele a chamarmos os deficientes de “deficientes”, e de usar o
termo “necessidades” especiais. Então vem a pergunta: será que são realmente necessidades,
ou serão necessidades impostas ao “deficiente”? Não será essa necessidade a de moldar esse
indivíduo ao sistema, e de alcançar o nível e capacidade de trabalho da maioria? Há uma
pressão de mercado, gritando “você tem que saber e se moldar” aos deficientes.
Sobre as limitações mentais, sinceramente, não há razões para um deficiente mental,
ou um indivíduo, por exemplo, com a Síndrome de Down (baixo, menor – mais um estigma),
ser coagido e forçado a aprender esmeradamente elementos que não lhe chamem a atenção.
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Alguém já perguntou, por acaso, a essas ditas criaturas com “necessidades especiais”,
o que elas desejam aprender? Será que a noção de ajuda às vezes não vem a atrapalhar o
bem-estar desses indivíduos? Utilizando novamente os paradigmas conceituais, temos vários
“necessitados” mentais e físicos com “Altas Habilidades”. Isso sim deveria ser estimulado, da
forma mais saudável, nesse indivíduos. Grandes artistas são “deficientes”, como o próprio
Aleijadinho (termo horrível), assim como uma certa garota portadora da Síndrome de Down,
da qual não me recordo o nome, no Japão: a garota, além da síndrome, possui os artelhos
atrofiados, e não possui os membros inferiores. Apesar disso, mostrou “altas habilidades” com
o piano, e hoje toca sinfonias completas e dificílimas de Beethoven. Outro caso deveras
perturbador é perceber uma criança portadora da Síndrome de Down em uma dramaturgia na
televisão. Cabe-nos questionar: essa criança conseguirá diferenciar a dramaturgia em que está
inserida das relações sociais reais? Não confundirá ela o fictício com o real, talvez até mesmo
acreditando no fictício como realidade? E após a novela, não sentirá ela saudade e dor com a
separação do núcleo dos artistas, sem compreender muito bem o que houve? Voltamos a
enfatizar que se trata de uma criança com síndrome de Down, sendo assim, muito maior as
possibilidades dessas problemáticas acontecerem, visto que as crianças, por natureza, são
seres iniciando sua percepção de mundo. Além do mais, vemos nas dramaturgias televisivas
uma séria contradição: não é proibido, por constituição, que crianças trabalhem, a não ser em
estágios das áreas onde estudam?
O ponto crucial é que não se deve tratar esses indivíduos como um grupo à parte,
excluído. São seres como nós. São nós. Enquanto se achar que se deve pensar em algo
para incluí-los, continuará a se pensar neles como um grupo à parte, coisa que não são, a
não ser que queiramos. Assim como as medidas que buscam incluir o negro na sociedade,
exacerbando e fomentando a mentalidade de que o negro é excluído, necessitando sempre de
medidas. Assim como os padres que negam o sexo, dessa forma pensando em sexo 24 horas
por dia.
Sobre a superdotação, a situação na educação se mostra ainda mais desastrosa e
incoerente. Pensemos: como um indivíduo superdotado de altas potências se mostra dessa
forma? Com certeza, assim como todas as crianças que não são “deficientes”, ele será
colocado a priori numa escola convencional. Logo, começará a demonstrar tédio e
superatividade na sala de aula. Posto que domina as disciplinas facilmente, sem quase nenhum
esforço, sem precisar prender a atenção no objeto de estudo, não verá sentido em copiar a
matéria, e ficará buscando distrair-se na sala de aula, conversando com os colegas,
desenhando ou fazendo qualquer outra atividade, buscando livrar-se do tédio sufocante do
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ambiente. O professor, analisando o quadro, logo conclui que a criança é problemática,


incorrigível e desobediente. Virão represálias e cogitações sobre o aluno-problema, que
prejudica o rendimento dos outros alunos. Ao invés de tratar ou observar esse aluno como
superdotado, com facilidades múltiplas, o professor logo trata de chamar os pais da criança ou
levá-lo à diretoria. Enfim, o professor, ofendido por não conseguir controlar o aluno, começa
a tentar coagi-lo ao seu sistema de ensino, ao invés de valorizá-lo e falar bem das suas
capacidades aos pais. Já no ambiente familiar, o pequeno gênio começa a ser repreendido e
podado pelos pais, devido ao constrangimento provocado pelo professor. Um quadro todo se
forma, impedindo que as altas potências desse “aluno” venham a se tornar altas habilidades
de fato. Deve-se considerar o sufoco pelo qual essa criança começa a passar nesse contexto.
Devemos ter a humildade em perceber que um indivíduo possui altas potências, e buscar levá-
lo aos meios em que poderá manifestar, de forma adequada e sem constrangimentos, as suas
potências e capacidades, talvez vindo a serem utilíssimas à sociedade. Escolas especiais nas
áreas que as crianças (ou os adultos) demonstram superdotação, devem ser construídas, vindo
esses alunos, talvez, até mesmo a serem professores dessas próprias áreas nas quais têm
facilidade e criação, para os próprios superdotados, futuramente. Não é de se negar,
entretanto, que um bom acompanhamento psicológico deva ser feito concomitantemente a
isso, explicando ao superdotado a sua situação, e os porquês dela, e que é algo comum. A
justificativa disso reside no fato de que o aluno possa desenvolver algum tipo de transtorno
narcisista, julgando-se superior aos demais, por comparações analíticas (coisa que ele não terá
dificuldade em fazer).
Além disso, mostram-se obscuras e não manifestas as medidas que a educação especial
têm com a questão dos superdotados. Enfatizam-se mais os ditos “deficientes”, devido a já
demonstrada piedade inconsciente com eles.
Concluindo, as problemáticas são muitas e as permanências mentais também. Por
maior que seja a boa vontade com os casos especiais, é através dessa mesma boa-vontade
mal-abordada que os problemas persistem. Cabe à Pedagogia rever os seus conceitos, tanto
didáticos quanto etimológicos, antes de pensar na ação em si de buscar a prática educacional e
inclusiva dos casos especiais.

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