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O que resta a quem chega ao porão mais intrínseco das mentes, à matriz das

consistências vorazes de cada um que cruza? O que resta a quem percebe, inerroneamente,
a complexa (pros outros) cadeia de reações comuns em um ser humano? O que resta ao
gênio, além de perceber que percebe e que infelizmente na maioria das analises e casos,
está irrevogavelmente correto?
Resta algo muito mais difícil do que admitir o próprio ponto ao qual chegou, por
vias que outrora não percebeu em momento, mais árduo do que conciliar a vida comum do
formigueiro ao topo da montanha.
Resta a ele tentar resignar-se. algo mais impossível ainda: Fingir que não percebe,
que não chega ao húmus da consciência humana, fingir criar deuses, ídolos e outros seres a
serem dignos de admiração, a qual não perdura, pois não consegue deixar de analisar e
desembocar, como dito, na consistência e comprovação cabal de suas conclusões certeiras.
resta acostumar-se com a dor de ver o devir dizer-lhe como eco: "sim, era isso mesmo,
veja... você estava certo".

Nada mais doloroso ao espírito de gênio que constatar suas cogitações. Teme o
futuro, pois é quase um místico que junta as peças antes mesmo dos fatos. Prevê o tempo, é
um meteorologista... e é sempre tempo de neve e chuva. Vê o sol, mas sabe que este lhe dói
as vistas. Vai além da caverna de Platão, e vai além disso, chega a saber o porquê de Platão
escrever de tal e qual modo... Isso se lhe apetecer de ler cadáveres... Pois já chegou à
culminância que seu recorte temporal lhe permite... Ou talvez além.

Paciência é uma virtude, e a solitude um presente, para os espíritos de gênio. Quais,


coitados, mal podem sequer colher uma fagulha de admissão de seu tal estado, posto que a
moral lhe chamaria, na mínima centelha perceptiva do seu quilate, de prepotente ou algo do
gênero. As palavras, eles também as sabe. Resta combater a palavra tédio. Tudo previsto
como relâmpagos que cruzam a mente, disseca transeuntes e conhecidos num piscar de
olhos, e eles tornam-se lastimavelmente conhecidos até as últimas vísceras. Tal o poder de
autópsia do gênio, que se desilude sem nem ao menos seu pobre alvo saber o porquê de tal.
Tentando explanar seus vislumbres, tal alvo, certamente e com todo direito que lhe cabe,
fica deveras constrangido e ofendido no que tange a sua própria capacidade de perceber a si
mesmo., qual foi superada pela epistemologia do objeto perceber o sujeito. Isso,
obviamente, se tal ser compreender as alusões que o pobre gênio - já desanimado - tentar
lhe perpassar.
Resta ao gênio resignar-se, morrer de desgosto. Morrer sabendo tudo, não no que
diz respeito ao conhecimento, qual tem sua morada no passado e na memória. Mas ao que
lhe rodeia, no presente, nas causas e conseqüências de tudo e todos que lhe rodeiam, coisa
que não é raro sempre possuem causas em comum nos seus fenômenos, no passado, no
presente e conseqüentemente no futuro. É um adivinho. Obviamente, por cada ser julgar-se
muito complexo e diferente dos demais, torna-se o alvo da análise (involuntária até diria)
do espírito de gênio. Ambos, aliás, são vitimas desse processo, processo que o próprio
gênio consegue perceber qual foi e porque que assim o é, mas que nada adianta perceber, se
não pode mudar. E a isso também resta ao gênio lidar com seu crescente sentimento de
impotência. Desgosto, ilusões caindo por terra e sendo cada vez mais pisoteadas pela
percepção genial, qual consegue chegar ao limite da esfera, a conhecer diversos seres que a
muito se assemelham consigo, mas que porém ficam dissecados, aquém, mais cedo ou mais
tarde. Resta ao gênio (não há outro adjetivo melhor e mais científico) resignar-se e tentar,
com todas as forças, combater o vislumbre que essa faculdade quase mediúnica lhe fornece.
É deveras doloroso acabar matando pais, amigos e amores dentro de si... eles continuam lá,
do lado de fora, na convivência... ou do lado de dentro, nas memórias mais doloridas e
póstumas que nenhum ser humano compreenderá. Mas vão tornando-se pigmeus, não por
algum complexo narcisista, é um lamento. Não há orgulho, há uma melancolia muito
profunda nisso. Quem consegue compreender, e quem já pior ainda passou por isso, sabe
bem do que estou falando.
É um absurdo, um joguete da existência, o maior paradoxo existencial. Tenta o
pobre gênio, então, aprender a ver outros valores, e ele os procura, indefinidamente. Tenta
em exaspero desvelar novos significados nas coisas tidas como mais ínfimas e
insignificantes. Aprende com as árvores, com as frases soltas nos romances, com os cães. E
começa a amá-los de uma forma indefinível, a não ser como admiração por uma fração de
dias ao máximo, para logo depois transmutar-se em compaixão. Compreende que os seres,
por mais que digam que não, são os que causam suas próprias dores, e logo a roda se
reinicia (e também isso lhe é bem conhecido): Busca passar esses novos valores das coisas
pra tentar auxiliar o alvo de sua análise involuntária, a parar de sofrer daquela forma, a
compreender a origem das reações, das nódoas, e assim ele próprio, também, parar de
sofrer com a pequenice humana. E nisso, acaba novamente mal compreendido, ofendendo
seu interlocutor nesse diálogo (ou seria um monólogo?) mais que arriscado. Perdem-se
amores, ilusões, oportunidades (todos tão valiosos!). O próximo passo, automático, é
ressentir-se consigo mesmo e achar-se um monstro. Diversas e diversas vezes cumulativas.
A memória é o maior pesadelo do gênio, seguido da consciência do seu carma involuntário
oriundo do ponto cabal no qual culminou sem intenção. Pois juro por Deu, se existisse, que
nenhum deles escolheria ser tal como é.
Resta ao gênio tentar lidar com tudo isso, e também, por vezes, com a inveja que a
consciência geral lhe dá como presente. Aquelas mágoas, aqueles problemas e reações que
lhe mostram todos e tudo, e que ele consegue perceber com um tanto de convivência, e
cada vez mais. Mas a ele também resta inveja: Inveja os amores que duram, as amizades
que duram, os que seguem seus ídolos sem questionamentos e os adorando
progressivamente através da passagem dos anos. E a passagem dos anos... Nada mais
dolorido sem doer do que isso ao espírito de gênio. Anseia, espera por algo novo, espera
que a existência lhe prove que é medíocre, errôneo, paranóico ou o que valha. Ficaria feliz
com isso. Corre atrás, arrisca, aposta contra si mesmo. Ficaria feliz em partilhar do amor
que é admiração, e não compaixão, por mais de alguns meses. E ele ama, ama o gênio mais
quem ele ainda não convive dos que os que já conviveu, por esses trazerem algum tipo de
mistério, e que, queira Deus que alguém entenda, prefere até que fiquem longe, para a
admiração que esses seres platônicos causam não cessem. Arrasta essa situação o quanto
pode, pois sabe que logo venha a convivência, vêm também todos os mares de causalidades
e mentalidades efêmeras que esse ser carrega, consegue vê-los como uma engrenagem,
como aquelas máquinas de fábrica. Sua visão é holística, metafísica em demasiado, e a isso
também resta ao espírito de gênio: tragar que é inapto às coisas práticas, pois elas parecem
tão bobas, diga-se até imbecis e fáceis de perceber, que não lhe instigam em absoluto.
Nisso fica de fora da festa involuntariamente, pois... ora, quem quer ser dissecado, quem
valoriza o ofício de um monstro desses? Quem quer ver o que é? Quem acredita?
Resta também a ele o desanimo, pois... O que lhe causará ânimo, visto os resultados
cabais por antecedência? E o que dizer do medo? O medo de perder o amor, a admiração
pelo outro, o combustível de levantar pela manhã em busca de um ideal? Mas que ideal
perdura numa consciência dessas? Aonde ir, pra quê, com quem? Continuar alimentando-se
pra continuar dissecando pessoas, acumulando mágoas e perdendo suas expectativas, quais
ficam cada vez mais fracas?
Situação mais miserável que a da consciência limitada, mais digna de pena ainda, é
a da consciência do gênio. Resta a ele resignar-se, conformar-se com o que as pessoas são,
e tentar amá-las sem compaixão somente, mas também com admiração, como exemplo...
Mas é uma pena que só sirvam como exemplo e comprovação das suas análises. Comprova
tal bizarrice da existência que está num labirinto, que esse dom é uma maldição.
Queira Deus, se existe, ter pena dos gênios. Queira deus. Pois ainda há os que
conseguem sentir suas fagulhas, e assim invejam o que mal conseguem compreender. Isso
também o gênio sabe muito bem, e até compreende, pois ele próprio também desejaria,
nem que fosse somente por um misero dia, sentir inveja, que durasse, de alguém. Que
alguém fosse um mistério... por mais de alguns meses no máximo.
E consegue, cria idealizações acima dos seres humanos, livros, cadernos, letras,
poemas, árvores que lhe falam segredos em segredo. Mas logo o balão murcha... E se volta
novamente o gênio pra sua cama, para o seu poço, sem saber o que fazer pra continuar com
a sensação de celebração, de êxtase no mistério da vida. Pois esse revelou-se, nas pessoas, e
ele consegue perceber cada uma, em cada tique, em cada piscadela, em cada passo ele se
desmancha e se liquefaz, absorve o mundo todo num segundo feito uma esponja. As causas
ínfimas... e parece tão fácil que julga difícil a própria criatura ainda não ter percebido. Quer
ele ouvir, quer ele saber quais as causas e a pessoa lhe diz, tenta lhe dizer, mas ele sabe
bem que as contradições são latentes, mas... o que dizer? e pra que dizer? resta amar...
tentar amar, tentar amar... morbidamente se arrastar pra amar, implorar pelo amor que nada
mais é do que querer estar perto de alguém, do que admirar alguém. Mas a quem desejar
estar perto que não cause tédio com tamanha predisposição a ser dissecado? Quem não lhe
trará, cedo ou tarde, mágoas e desgosto? Quem, pelo amor do nosso senhor Jesus Cristo
(outro gênio), que lhe poderia causar tamanho presente dos deuses...?

Ninguém.

Resta ao gênio... suas análies. E finalmente a loucura.


E ele próprio, com sua amargura silenciosa e anônima.

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