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Política e religião não se discute, certo? Claro! Como eles manteriam você sob controle?

Não pense, não observe, nem converse a respeito, não debata.


Pois eu discuto e questiono sim política e religião (se é que há alguma diferença: ambas
implicam ter fé e crer no desconhecido). Gostaria de debater aqui o espiritismo, deixando claro que
nada tenho contra nenhuma religião. Só sou a favor do esclarecimento, da síntese, da dialética, para
se chegar a uma teoria no mínimo coerente em si mesma.
Tomemos, como base de análise, pontos básicos do espiritismo de Denizard Hipolyte Leon
Rivail. Um discípulo de Pestalozzi, mais conhecido pelo seu pseudônimo Allan Kardec (Quantos
espíritas sabem disso?):

1- O espiritismo cardecista diz que eu não sou eu, que sou uma reencarnação de alguém do passado.
Logo, esse alguém do passado, logicamente, também não era ele, mas outra pessoa reencarnada, e
assim por diante, ad infinitum. Afinal, quem sou eu então? Isso serve como incursão no
inconsciente do espírita de que ele não é um indivíduo, mas sim, um alguém passivo e
desconhecedor de si mesmo e da sua origem, dependente do espiritismo para obter o
"esclarecimento" (termo iluminista) do que ele é. "Eu não sou eu, meus gostos não são meus gostos,
logo não sou nada". Lembremos que Cardec começa a se formar a posteriori do Iluminismo, onde
essas noções de individualidade estavam supinamente em voga, e onde o Positivismo procurava
"sedimentar as massas", sublimando essa noção de individualismo em troca da ordem social. Não
que isso fosse proposital em Kardec, que inegavelmente fez um grande trabalho. Mas essa era a
mentalidade que predominava em seu recorte temporal, inegavelmente influenciando no seu próprio
trabalho.
2- O espiritismo cardecista prega que todas as almas reencarnam, ou seguem para mundos inferiores
ou superiores ao nosso, e que almas não se criam do nada, elas somente transitam. Nisso, se fosse
nessa lógica matemática, de onde vêm tantas novas almas desse grande crescimento populacional
que estamos tendo mundialmente? Do Inferno? Poxa... estão em tratamento intensivo de evolução
lá, não? Aliás, se assim fosse, mesmo se houvesse essa grande demanda de almas inferiores vindo
ao nosso mundo (superior para elas), isso quebraria com outra lógica do Espiritismo: a da presença
massiva e constante dos tais espíritos obsessores, os quais viriam dos planos inferiores. Ora, se o
crescimento populacional é necessariamente oriundo da evolução desses espíritos inferiores, deveria
haver pelo menos um déficit de obsessões, não é mesmo? Os espíritos obsessores ocupam o mesmo
papel que o “diabo” no catolicismo: é através dos espíritos obsessores que o espiritismo legitima
sua necessidade de existir.
3- O espiritismo prega que estamos pagando os erros das vidas passadas, assim como o budismo
ortodoxo. Muito lógico, se soubéssemos quais foram os erros. Sem saber qual foi o erro, não há
redenção no pagamento, não há percepção de que se errou. A Existência não possui essa Lei. É o
mesmo que eu chegar a alguém e dizer: “Beltrano, me pague, você me deve 360 reais”. A pessoa
logo perguntaria: "do que?”, e eu lhe diria "não interessa, você está devendo a mim, pague, você
não tem escolha”. Isso é injusto por natureza. Se pelo menos se soubesse qual a origem do débito, o
pagamento seria justo e de bom grado, ou pelo menos a pessoa saberia, na sua consciência, que tem
um débito por tal motivo, e de qualquer forma evoluiria com seu erro. O que há é a Lei do Retorno,
da Ação e Reação, que está na Física e em tudo, pois Quod superius est sicud quod inferius ("O que
está em cima é como o que está embaixo"). O que há é o carma a ser cumprido aqui, resultado das
nossas próprias ações e escolhas, ou falta delas. Por exemplo, o costume de alguém beber uma
cervejinha pra relaxar, ao invés de usar o dinheiro gasto na cerveja para se alimentar, e com o
hábito, pegar uma anemia e uma úlcera. O que se deve fazer é parar de culpar os outros das coisas, a
culpa é totalmente do ser. Assume-se a responsabilidade sobre isso, pois tudo são escolhas. Se você
me elogia, é escolha minha eu ficar envaidecido. Se você me ofende, é escolha minha eu ficar
ofendido. Por mais inconsciente que isso pareça, são escolhas. O carma se paga aqui e se faz aqui.
Ação - reação, como quando socamos uma parede. Por mais idiota que pareça, a parede também nos
soca. Ou por acaso a sua mão não dói EXATAMENTE na proporção do soco? E por acaso a dor
espera a próxima vida, ou vem rapidamente?
O erro serve para o aprendizado e para a evolução - depois de percebido - e não para ser
simplesmente pago. Isso impõe culpa no espírita, por mais subjacente que seja: "eu tenho erros a
pagar, estou pagando meu débito misterioso". Nisso, com a culpa já implícita, segue-se a resignação
do espírita ao espiritismo e às maledicências que o rodeiam, e temos um domínio das mentalidades
das massas, corroborado pelo "não sei quem sou". Alguém aí lembra de alguma instituição que usa
e usava essa mesma didática? A Igreja Católica, qual o espiritismo de Kardec tanto condena.
Não há próxima vida, não da forma que a maioria imagina. Se realmente há reencarnação da
assim chamada alma, o que vai mudar saber? Mas mesmo assim, se porventura existir a passagem
da essência do ser vivo a outra matéria, essa será de forma quase que instantânea. Lembremos dos
preceitos da física: dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. As leis da Física servem pra
espiritual também, pois na verdade o material é somente reflexo da essência. A gripe é somente
reflexo do vírus, o mundo é somente reflexo da mente, o embrião é somente reflexo da síntese dos
opostos, no micro. Portanto, se dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, não pode haver
espíritos no mesmo plano que o nosso. Sim, Einstein já demonstrou que há a possibilidade frutífera
de haver muitos planos, como diferentes freqüências de um aparelho de rádio. Mas, mesmo que
captemos as ondas, de alguma forma, não será do nosso plano. Bem como quando colocamos um
aparelho de rádio dentro da estação, ou um aparelho de televisão próximo á fonte transmissora:
acontecem vários distúrbios eletromagnéticos. Seria, portanto, impreterivelmente “de longe” que
essa captação se daria. O mesmo rádio pode ser usado, o mesmo aparelho, mas com certeza uma
comunicação proveitosa não seria possível. Podemos detectar com isso que, assim como no nosso
plano não podemos perceber muito bem esses supostos outros planos, mesmo que no mesmo local,
esse outro plano também passaria pela mesma dificuldade de vislumbrar o nosso. Os espíritos
também teriam dificuldades e ficariam confusos com fenômenos extraordinários. O homem
desconhece o plano do peixe, assim como o peixe desconhece o plano do homem, por natureza. O
máximo que um pode fazer é dar uma espiadela no mundo do outro: o peixe sem respirar, e o
homem também. Mas isso é infrutífero. Poderíamos ser nós espíritos, e esse outro plano tão
percebido por nós como mundo dos fantasmas, ser o verdadeiro mundo dos “vivos”!
Outra coisa a ser lembrada é que a mente, incluindo a memória, são orgânicas, fazem parte
da matéria, do cérebro. Assim que morrermos, e um pouco antes até, nosso cérebro ficará sem
oxigênio, bastando apenas alguns segundos para todo o nosso tesouro de conhecimento escorrer por
água abaixo. Zera-se o computador. Logo, a alma não poderia carregar a memória consigo, seria
apenas uma essência, que talvez carregasse consigo alguns estigmas, provenientes de traumas ou
choques grandiosos de emoções quando junta da matéria. A alma também não se prenderia a um
nome, visto que ocupou e vai ocupar vários e vários veículos materiais, de diferentes sexos
inclusive.
Partindo desses dois pressupostos do parágrafo acima, pensemos: como pode uma alma ter
uma identidade, uma personalidade? Isso é impossível, somente pelas suposições já se mostra
inverossímil. Partindo desses pressupostos, fica fácil perceber que não há como uma alma atender
por nomes. Impossível distinguir parentes, inimigos, amigos ou outras coisas do gênero, pois na
qualidade transitória que possuiria, quase todo o planeta Terra já teria sido seu parente, e ela parente
de muitos. Isso se tivesse como carregar a memória consigo, que como dita, é orgânica.
Não há vida sem matéria, nem vida sem espírito. Corpo e espírito são necessários um ao
outro para formar a síntese que é o ser vivo, manifesto. Yin-Yang. A parte não pode ser o todo. O
espírito, sozinho, não pode ser o ser, nem o ser sem espírito, ser um ser vivo. A percepção não diz
respeito à alma, nem o sentimento diz respeito ao corpo. E temos essas duas qualidades, não é
mesmo? Essa relação entre númeno e fenômeno é muito mais elástica e abrangente que a de Kant.
Aliás, já aproveitando esse tema de númeno, é importante enfatizar que não podemos nos prender
na simbologia das palavras. É mais ou menos quando num dias desses cheguei num camelô,
pedindo um CD da Zizi Possi (pra presente! Não me julguem!), quando a Luíza Possi, sua filha, é
quem estava na moda. O camelô rapidamente respondeu: "ah, seu ignorante: não é Zizi Possi, é
Luíza Possi!". O entendimento dele estava certo, porém limitado no seu símbolo. A linguagem nem
sempre quer dizer o mesmo com uma palavra. Comparemos o que é VONTADE para Comenius e
para Schopenhauer, por exemplo.

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