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Sentidos do educar.

É curiosa, para não dizer trágica, a frequente opinião que


sugere que, nestes tempos, as escolas perderam seu sentido mais
fundador, secular e decisório: o de educar a todos, a cada um,
de acordo com o comum,para o bem comum. Essa opinião
conserva uma tonalidade sombria, tosca, um encolhimento de
ombros, certo olhar perdido que abandona a si mesmo. E, o
curioso dessa expressão, o trágico dessa afirmação, é que em
boa medida nasce e se reproduz entre aquelas e aqueles que
sempre foram considerados por seu caráter imprescindível, sua
inestimável possibilidade de criar vidas distintas, sua aplausível-
batalha por um mundodiferente, talvez uma das últimas fron-
teiras por meio da qual poderíamos pensar em ir mais além do
que está dado, contra o que está dado.
Também é curioso que a suspeita sobre a não educação
provenha sistematicamente de certo espírito midiático que: o
tempo todo acredita que não tem responsabilidade alguma ha
educação, que não ensina, que não instrui, nem constrói, e que
se omite diariamente de sua própria prática des-educadora.
A pergunta aqui bem poderia ser: qual é a defesa das
escolas? Qual a solução?
Embora as escolas tenham perdido certo rumo — não
apenas devido às transformações vertiginosas e caóticas desses
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tempos, mas também pela crescente precariedade dos objetos


e do hábitat educativo e pelos constantes ataques daqueles que
prefeririam deixar tudo nas mãos da natureza — não é me-
nos certo que tentam fazer de tudo para reconciliar-se com
Educares
Coção “EDUCAÇÃO: EXPERIÊNCIA E SENTIDO”

com a insistência por conteúdos, mas sim com a presença de


os múltiplos sentidos do ato de educar. À crise educativa é, so-
quem inaugura o ato de ensinar; não setrata tanto de elaborar
bretudo, um padecimento que concerne a uma imagem sobre
um discurso sobre os alunos presentes ou ausentes, mas de uma
o mundo e não só a uma imagem do mundo escolar: padece
ética a propósito de suas existências; não tem a ver tanto com
da falta de conversa entre gerações, sofre de iniquidade, sofre
de promessas politicamente insossas feitas a la carte, padece da uma pretendida e esquiva homogeneidade ou com a diversi-
ausência de experiências sentidas e pensadas. dade, mas com “abrir um espaço dentro da norma para que
A acusação de que a educação perdeu sua fisionomia é surja o outro” (BÁRCENA, 2009,p. 8).
falsa e injusta. Tudo remete a um paradoxo de difícil solução: Educar é comover. Educar é doar. Educaré sentir e pensar,
o mundo — certa porção do mundo — pede às escolas que não apenas a própria identidade, mas também outras formas
cumpram com sua estirpe civilizadora, que cidadanizem, que possíveis de viver e conviver. Se isso não acontecesse nas esco-
abram é garantam o horizonte do trabalho, que sejam inclusi- las, provavelmente o deserto, o ermo, a seca ocupariam toda
vas, que gerem valores de aceitação e pacificação, que criem a paisagem dos tempos porvir.
uma atmosfera de harmonia e convivência. A questão é que o Por isso a defesa das escolas não deveria assumir um tom
mesmo mundo, que exige tudo isso da educação, é um mun- altissonante, semelhante ao do charlatão que esgrime razões e
do incapaz de realizá-lo. Enquanto as escolas tentam. afirmar argumentos hipermorais ou hiperjurídicos. Não se trata do di-
a vitalidade da diferença e o estar-juntos como um modo de reito à educação ou da razão jurídica que somente expressa, com
convivência álgido e complexo, o mundo — grosseiramente certa indolência, o inexorável da educação. Existe algo a mais: O
representado por seus mecanismos de midiatização informativa temor ao comum, o ódio a igualdade em primeiro lugar, o medo
— só contribui com uma estética da violência, da estranheza de que o mundoseja algo mais que um dispositivo de mercado-
infausta do humano, do folclore do bizarro e da espetaculari- rias e consumidores, o não rebelar-se contra o que se considera
zação de corpos desenhados porbisturis cegos. a natureza imutável da infância e da juventude, a insuportável
Ainda assim, em meio à batalha pela sobrevivência, em sensação de um tempode alteridade. Como dizem Masschelein e
“meioaos perversos números de mortes, sequestros e indolências, Simon (2013, p. 23): “Muitas das alegações contraa escola estão
“em meio aos apelativos — falsos ou fictícios — sobre à necessida- motivadas por um antiquíssimo temor (ou,inclusive, pelo ódio)
de de diálogo e consenso, emmeio à desolação planejada em a uma de suas características mais radicais, mas que a definem
sequências de imagens hiperatuadas, aindaé possível pensar na essencialmente: a escola oferece tempo livre”, que transforma Os
transparência do gesto educativo. Umgesto que não é heroico, conhecimentos e destrezas em “bens comunse, portanto, tem
que não deve ser demasiado enfático, que não pode ser apenas o potencial para proporcionar a cada qual, independentemente
um modo indireto para definir nossas virtudes, mas um gesto de seus antecedentes, de sua aptidão ou de seu talento natural, o
diário, mínimo,relacionado com uma responsabilidade única: tempo e o espaço para abandonarseu entorno conhecido, para
a responsabilidade pela vida de qualquer outro e a doação do alçar-se sobre si mesmoe para renovar o mundo”.
mundo. Hoje a educação poderia reivindicar uma necessária
inauguração de outro tempo e deoutro espaço, à respeito do
mundo midiático e hipertecnologizado que a rodeia. INão se Políticas fraternas.
trata tanto de um ensino a propósito de como se deveria viver,
Apesar das agendas e das aparências — e das aparências das
mas de como colocar em jogo a transmissão da experiência é
agendas — na educação atual, o dilema não se reduz apenas à
do mundo de um tempo a outro tempo; não tem a ver tanto

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