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Uberização e Plataformização do Trabalho

Chapter · September 2023

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Andrea Poleto Oltramari João Areosa


Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto Politécnico de Setúbal
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Uberização e Plataformização
do Trabalho
Andrea Oltramari - UFRGS
João Areosa - Instituto Politécnico de Setúbal, (Portugal)

O primeiro exercício para entender a para uma das formas mais emblemáticas
uberização do trabalho nos dias atuais en- de organização do trabalho na contempora-
faticamente é compreender como se deram neidade. Sua origem data de março de 2009
as relações e histórico do trabalho, tanto e foi uma precursora no que diz respeito
no Brasil quanto no mundo. A proposta ao desenvolvimento de uma plataforma
do presente verbete seguirá a seguinte or- digital disponível para smartphones que
dem: a) contextualizaremos como nasce a conectava os clientes aos prestadores de
uberização, realizando um enquadramento serviços (Franco; Ferraz, 2019). Esse tipo
temporal; b) Partiremos, então, para um de trabalho também já foi designado por
conceito sobre a uberização; c) em seguida, capitalismo de plataforma (Srnicek, 2017). A
apresentaremos em qual momento social, uberização é entendida como um novo tipo
político e econômico a uberização do traba- de gestão e controle da força de trabalho,
lho se insere; d) Após tal contextualização, com sua consolidação sob demanda de
passaremos para um debate sobre os algo- clientes e o uso das plataformas digitais
ritmos no mundo do trabalho e que regem como meio necessário para a realização de
a uberização; e) e enfim, apresentaremos atividades laborais geralmente precárias
as formas de precarização contidas nesse (Campos, Ricardo, Soeiro, 2021).
tipo de trabalho.
É notório que a uberização do trabalho
A uberização do trabalho nasce da pos- gera nômades urbanos, ou seja, trabalha-
sibilidade de se usar plataformas digitais dores e consumidores em deslocamento
de intermediação de mão-de-obra. O pri- constante no meio urbano, que sobrevivem
meiro modelo que se tornou conhecido através de um subemprego e que estão
mundialmente foi a empresa Uber, e que despossuídos dos seus principais direitos
acaba por extrapolar uma nomenclatura de cidadania e dignidade. Os trabalhadores

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uberizados podem ser vistos como uma um único vigilante poderia observar todos
espécie de sub-cidadãos, que estão rele- os prisioneiros, sem que esses soubessem
gados para a ultra-periferia da existência quando e onde estavam sendo vigiados
(Standing, 2014; Areosa, 2022). Na litera- (Benthan, 1980).
tura recente alguns estudos vêm apresen-
tando as consequências dessa forma de Como formas de precarização contidas
organização do trabalho, quais sejam: a) nesse tipo de trabalho, Allegretti (2021) nos
empresariamento da informalidade (Vacla- alerta, por exemplo, a alguns impactos que
vik; Oltramari; Rocha-de-Oliveira, 2022); b) a digitalização do trabalho e sua plataforma
uberização do trabalho e acumulação capi- trouxeram para o cotidiano dos trabalha-
talista (Franco; Ferraz, 2019); c) abordagens dores. Entre eles, podemos identificar a
críticas ao espírito empreendedor (Ferraz; maior instabilidade profissional, o aumento
Ferraz, 2022) e, d) emancipação do sujeito do trabalho a tempo parcial permanente,
na era digital (Festi, 2020). o aumento dos falsos independentes, o
aumento do subemprego e a maior indi-
Fato é, que tais novas formas de organi- vidualização do mercado de trabalho com
zação do trabalho estão sobretudo inseridas uma diminuição significativa do viés de
em um modelo neoliberal de exploração das representação sindical. Por exemplo, no
relações de trabalho, que preconizam uma caso específico dos entregadores, as con-
série de danos ao sujeito, como aponta a dições de trabalho são sub-humanas: 1)
reflexão de Dalbosco, Santos Filho e Cezar estão expostos a todo o tipo de intempéries
(2022): apagamento do outro, indiferença extremas (frio, chuva, calor, humidade); 2)
ao sofrimento alheio, não reconhecimento em certos casos, têm de efetuar um esfor-
de nossos semelhantes e desmantelando ço físico intenso (por exemplo, no Brasil
as possibilidades de afeto e construção co- podem pedalar diariamente cerca de 80
letiva. Km) e isso traduz-se numa autoexploração
do corpo; 3) estão sujeitos a todo o tipo
A vida laboral passa a ser regrada por de acidentes, particularmente no trânsito,
algoritmos ao invés do compasso humano. cujas consequências podem ser fatais; 4)
As plataformas digitais se tornam os novos não têm direito a qualquer tipo de proteção
reguladores do século XXI e o algoritmo uma organizacional (porque “ninguém” é o seu
espécie de sistema panóptico que permite empregador); 5) estão particularmente pro-
a vigilância e o controle dos trabalhadores pensos a ser vítimas de insultos, assédio e/
(Franco, 2020; Areosa, 2021). A algoritmocra- ou assaltos, incluindo com violência; 6) não
cia é um poderoso sistema de sentinela que têm direito a folgas, férias ou descanso de
permanentemente fiscaliza as ações dos fim-de-semana; 7) o salário auferido pode
trabalhadores e, por isso, se transformou ficar abaixo do salário mínimo, dependendo
numa espécie de Big Brother. Importante da eventual aleatoriedade do algoritmo, que
mencionar que o panóptico, referência ao comanda o seu fluxo do trabalho); 8) tendo
big brother original, é um termo utilizado em conta a fraca visibilidade social do seu
para designar uma penitenciária ideal, onde trabalho, as fontes de reconhecimento são

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relativamente ténues (Oltramari; Areosa, (orgs), Os Sujeitos do Neoliberalismo. Lisboa:
Ferraz, Franco, 2022). Tigre de Papel.

Em resumo, é urgente repensar o uni- Dalbosco, Claudio; Santos Filho, Francisco;


verso do trabalho atual, afastando o flagelo Cezar, Luciana. (2022). Desamparo humano
que assola um grande número de trabalha- e solidariedade formativa: crítica à perver-
dores, dado que o trabalho se transformou sidade neoliberal. Educação e Sociedade, 43,
num verdadeiro palco de sofrimento, explo- https://doi.org/10.1590/ES.244449
ração e alienação. Para tanto, apontamos
como possibilidades para futuros trabalhos, Ferraz, J. de M., & Ferraz, D. L. da S. (2022).
seguir desvendando como tal modo de or- Do espírito do capitalismo ao espírito em-
ganização do trabalho vem se apresentando preendedor: a consolidação das ideias
nos diferentes arranjos produtivos ao redor acerca da prática empreendedora numa
do mundo. abordagem histórico-materialista. Cader-
nos EBAPE.BR, 20(1), 105–117. https://doi.
org/10.1590/1679-395120200246
Referências
Festi, Ricardo. (2020). O trabalho na era digi-
Allegretti, Giovanni. (2021). O trabalho na era tal e os desafios da emancipação. Revista de
das plataformas digitais. In: IV International Politica Públicas da UFMA, v. 24, p. 111-128.
Meeting of Industrial Sociology, Sociology of
Organisations and Work. Lisboa. Franco, D. S., & Ferraz, D. L. da S. (2019).
Uberização do trabalho e acumulação ca-
Areosa, J. (2021), O meu chefe é um al- pitalista. Cadernos EBAPE.BR, 17 (Especial),
goritmo - Reflexões preliminares sobre a 844–856. Recuperado de https://biblioteca-
uberização do trabalho. Revista Segurança digital.fgv.br/ojs/index.php/cadernosebape/
Comportamental, 14, 51-56. article/view/76936.

Areosa, J. (2022). Os efeitos iatrogênicos das Franco, D.S. (2020) Uberização do trabalho - A
técnicas de gestão. Cadernos de Psicologia materialização do valor entre plataformas
Social do Trabalho, 25, 1-17. digitais, gestão algorítmica e trabalhadores
nas redes do capital. Tese (Doutorado em
Benthan, J. El Panóptico. Barcelona: Ediciones Administração), Universidade Federal de
de la Piqueta, 1980. Minas Gerais. p.266.

Campos, A., Ricardo, J.M. e Soeiro, J. (2021), Oltramari, Andrea; Aerosa, João; Ferraz,
Estafetas, Influencers, Microinvestidores e Deise; Franco, David. (2022). Sociedades
Emprecários: Contradições do empreende- do trabalho uberizado: o sonho do migrante
dorismo no Capitalismo Tardio. In Fernan- permanece um pesadelo. In: I Congresso
do Ampudia de Haro e José Nuno Matos Internacional sobre Migração e Diáspora
Acadêmica Brasileira, 2022, Guimarães. I

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Congresso Internacional sobre Migração e
Diáspora Acadêmica Brasileira. Guimarães:
Universidade do Minho, 2022.

Srnicek, N. (2017). Platform capitalism. Cam-


bridge: Polity Press.

Standing, G (2014). O precariado – a nova


classe perigosa. Lisboa: Editorial Presença.

Vaclavik, M. C., Oltramari, A. P., & Oliveira,


S. R. de. (2022). Empresariando a informa-
lidade: um debate teórico à luz da gig eco-
nomy. Cadernos EBAPE.BR, 20(2), 247–258.
https://doi.org/10.1590/1679-395120210065

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