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As grandes empresas que os oferecem não os inventaram, por óbvio. Mas inauguraram,
de certa forma, um modo de exploração ainda mais radical da força de trabalho, a ponto
de legitimarem o uso do neologismo uberização do trabalho como sinônimo de
precarização. A exploração fora dos parâmetros constitucionais se dá sob o disfarce do
empreendedorismo, com um discurso a tal ponto sedutor que muitas trabalhadoras e
muitos trabalhadores nessas atividades acabam, sinceramente, aderindo à falsa ideia de
que seu trabalho é autônomo.
Os artigos aqui reunidos revelam a face nada oculta dessa exploração: jornadas extensas,
baixas remunerações, adoecimento, precariedade das condições de trabalho e, por
consequência, de vida. Convocam a pensar criticamente a necessidade de reconhecer direitos
trabalhistas. O mínimo de proteção social a essa parcela importante da classe trabalhadora.
Falar do trabalho uberizado é tratar da forma atual de exploração do trabalho pelo capital,
dessa quadra perversa da história. É simbólico que tal modo de exploração seja realizado
por grandes empresas e que tenha revolucionado a forma como tais serviços são oferecidos.
Mais simbólico, ainda, é o uso da tecnologia para acentuar a extração de mais-valia, em
lugar de tornar a vida melhor para quem depende do trabalho para sobreviver.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 3-6. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
DOI: https://doi.org/10.33637/10.33637/2595-847x.2023-202
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Editorial: Trabalho mediado por plataforma: autonomia ou precariedade?
Que haja tanta discussão acerca de algo simples: a necessidade de reconhecer o vínculo
de emprego e, portanto, a integralidade dos direitos trabalhistas e previdenciários a
motoristas e entregadores, é sintoma de alienação. E, em certa medida, da insistência no
uso do direito para manter formas cada vez mais agudas de opressão. Mas o Direito é
também instrumento para tensionar e alterar condições de existência que promovem
sofrimento, como acontece com o trabalho uberizado. Os artigos aqui reunidos
demonstram essa potência.
Abrimos esta edição com dois artigos sobre segurança e saúde no trabalho. O primeiro,
assinado pelo trio de auditores-fiscais do trabalho Ana Luiza Horcades, Larissa Abreu e
Felipe Wittich, trata das questões formais e técnicas exigidas dos empregadores no
contexto da pandemia da Covid-19. Em análise técnica e legal, defendem a
obrigatoriedade da inclusão das medidas de prevenção relativas ao novo coronavírus nos
programas de saúde e segurança no trabalho desenvolvidos nas organizações, em especial
no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e no Programa de Controle Médico e
Saúde Ocupacional (PCMSO).
O segundo, que promove uma análise ergonômica da pintura de fachadas com o uso do
balancim individual elétrico, é de autoria de Matheus Caetano, Alessandra Tessaro,
Liliane Gomes, Flávia de Mattos, Jorge Nunes e Jorge Bandeira. A partir da
demonstração dos pontos que requerem atenção e medidas diferentes dos equipamentos
em termos de Ergonomia, listam propostas de melhorias e diminuição do risco ao
trabalhador da construção.
No texto que inaugura o dossiê, Ricardo Festi entrevista a liderança Abel Santos, que
discorre sobre a luta dos entregadores de aplicativos no Distrito Federal, em diferentes
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Editorial: Trabalho mediado por plataforma: autonomia ou precariedade?
Em seguida, a pesquisa desenvolvida por Helena Martins, Jonas Valente, Marina Polo,
Mirele Rodrigues e Raissa Pacheco aponta que a mediação das plataformas viabiliza
aprofundamento da subsunção do trabalho intelectual e reduz a autonomia do trabalhador
mesmo que sob um discurso de independência destes na execução das tarefas.
Sob a perspectiva do salário por peça, Laura Gontijo estuda o trabalho em plataformas digitais.
A autora ressalta a importância da forma de remuneração para compreender a disposição dos
trabalhadores em perfazer longas jornadas e suportar precárias condições laborais.
Ao realizar uma “entrega destinada ao Poder Legislativo”, Aline Soares observa de que
modo o pleito da categoria dos entregadores por aplicativo e as respectivas condições de
trabalho foram tratadas durante a pandemia de Covid-19, em termos normativos. Entende
que a organização coletiva exerce importante papel de pressionar o poder público por
direitos e garantias básicas.
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Editorial: Trabalho mediado por plataforma: autonomia ou precariedade?
Mais do que saber, é preciso pensar criticamente o tema e enfrentá-lo na prática da atividade
social, acadêmica e jurídica, criando discursos que honrem toda a história de construção dos
direitos sociais. Esse é o convite que a mais nova edição da Laborare nos faz.
Boa leitura!
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SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
Larissa Abreu
Auditora-Fiscal do Trabalho. Ministério do Trabalho e Emprego.
Graduada em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília
e Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Felipe Wittich
Auditor-Fiscal do Trabalho. Ministério do Trabalho e Emprego.
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-RJ).
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Questões formais e técnicas a serem observadas na Nota Técnica SEI 14127/2021-ME no contexto da
pandemia da COVID-19
ABSTRACT: The challenges arising from the COVID-19 pandemic required several
adaptations in all spheres, to reduce the impacts of the spread of the new coronavirus.
Many regulations were created, with the aim of complementing the current provisions
and facilitating the performance of both the public and the administrated machines. The
basic structure of health and safety at work legislation is found in the regulatory
standards, which already provide for risk analysis methodology and taking measures in
relation to the most diverse risks arising from work activity. However, among the
numerous normative provisions edited to combat the pandemic, the technical note SEI
14127/2021 was published in March 2021, generating a great conflict of
understandings about the risk of occupational exposure to this biological agent, under
the allegation of counteracting devices present in regulatory standards. Such conflicts
were verified both among the administrators and among the legal operators, especially
about the point that there would be no legal obligation that imposes the inclusion of
measures for the prevention of COVID-19 in the Occupational Health Medical Control
Program (PCMSO). In this field, numerous diametrically distinct manifestations were
published, by different organs and vehicles, which is why this technical and legal
analysis of the mandatory inclusion of prevention measures related to the new
coronavirus in the health and safety at work programs developed in organizations is
carried out, especially about the Risk Management Program (RMP) and the Medical
Control and Occupational Health Program (PCMSO).
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Ana Luiza Horcades / Larissa Abreu / Felipe Wittich
1. ANÁLISE DO CONTEXTO
Após mais de dois anos de circulação do vírus SARS CoV-2, a comunidade científica
já acumula evidências de que este agente pode se espalhar principalmente por meio
do contato direto ou por via aérea, através de gotículas respiratórias ou aerossóis que
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2. EMBASAMENTO JURÍDICO
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Explica-nos o administrativista que, “no mundo direito, cabe à lei o primeiro lugar
dentre as várias ordens emanadas do Estado. A lei é o rochedo de bronze contra o
qual se quebra qualquer outra disposição que lhe seja contrária” (CRETELLA
JUNIOR, 1974, p. 447). “Não existe um só ato administrativo que se sobreponha à
lei” (CRETELLA JUNIOR, 1974, p. 459). Quando o jurista fala em lei, ele está se
referindo aos atos emanados do poder legislativo e do poder constituinte. Inclusive,
esclarece que “entre os vários tipos de leis ocupa lugar de realce a lei das leis, a
Constituição, detentora do mais alto posto no escalonamento da pirâmide
mandamental” (CRETELLA JUNIOR, 1974, p. 447).
E o que uma portaria pode fazer? “Em primeiro lugar, a portaria atua secundum
legem. Interpreta o texto legal com fins executivos. Desce a minúcias não explicitadas
em lei” (CRETELLA JUNIOR, 1974, p. 454). E o mais importante (grifos nossos):
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De forma análoga4, a nota técnica não pode expedir orientações que contrariem
princípios gerais de direito, que conduzam à ab-rogação ou modificação de normas
contidas no texto básico, ou à criação de direitos ou obrigações novas, ou à facultação
ou proibição diversa do que o texto básico da portaria estabelece. No entanto, a Nota
Técnica n. 14.127/2021/ME apresenta dispositivos que vão de encontro a este
entendimento, o que compromete o próprio sistema normativo pelo desrespeito à
hierarquia das normas.
A portaria preocupa-se em fixar em seu artigo 2º, inciso I, que não autoriza o
descumprimento das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho.
Como não poderia deixar de ser, a importância da Portaria Conjunta n. 20 é
observada pela Nota Técnica n. 14.127/2021/ME logo em sua introdução ao afirmar
que “No Brasil, a aplicação das medidas para prevenção e controle da transmissão da
COVID-19 nos ambientes laborais encontra-se estabelecida na Portaria Conjunta
SEPRT/MS n. 20, de 18 de junho de 2020”. E que:
4 O autor lança o questionamento: “Que vale mais? A portaria ou o aviso? A resolução ou a portaria? Decreto
ou portaria? Instrução ou circular? Poderá estabelecer-se uma graduação entre os vários atos administrativos?”
(p. 448). E deixa para a doutrina definir, mas, em síntese, valem as regras gerais de aplicação dos princípios da
especialidade, anterioridade, além da análise de forma e competência em função da matéria ( ratione
materiae) ou da pessoa, da “autoridade” que edita (ratione personae).
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(…) não havendo obrigação legal que imponha a inclusão das medidas
para prevenção da COVID-19 no Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional (PCMSO)
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Em seus itens 4 a 12, a Nota Técnica procura fixar a competência do órgão emissor
do ato administrativo de modo a comprovar sua autoridade na regulamentação das
matérias referentes à saúde e segurança ocupacional, o que, por si só, não é suficiente
para fundamentar as conclusões propostas ao longo do documento, visto que estas
conclusões confrontam o ordenamento jurídico vigente. Não atentaram os signatários
do referido documento para necessidade de “harmonia com a configuração global do
delineamento, na letra e no espírito”.
De acordo com o item 7.3.2.1, o PCMSO deve incluir ações de vigilância passiva da
saúde ocupacional, a partir de informações sobre a demanda espontânea de empregados
que procurem serviços médicos e também de vigilância ativa da saúde ocupacional, por
meio de exames médicos dirigidos que incluam, além dos exames previstos naquela
NR, a coleta de dados sobre sinais e sintomas de agravos à saúde relacionados aos
riscos ocupacionais, sendo esta fundamental para que se evite a entrada de pessoas
possivelmente contaminadas no ambiente de trabalho, por meio da identificação de
possíveis contactantes de pessoas doentes, de forma sistematizada pela organização.
Por fim, devemos destacar que o item 7.5.1 determina, com toda clareza, que o
PCMSO deve ser elaborado considerando os riscos ocupacionais identificados e
classificados pelo PGR, o que faz total sentido quando compreendemos que as ações
em saúde e segurança no trabalho devem ser coerentes e harmonizadas, objetivo do
disposto no item 1.5.3.1.3 da NR-01, que frisa que “O PGR deve contemplar ou estar
integrado com planos, programas e outros documentos previstos na legislação de
segurança e saúde no trabalho.”.
Relembramos que o caput do artigo 7º da Constituição Federal estabelece que “são direitos
dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social”, os direitos listados nos incisos subsequentes. A melhor doutrina entende que o
dispositivo transcrito contém o princípio da norma mais favorável ao trabalhador5.
O inciso XXII do mesmo artigo, a seu turno, estabelece o direito à “redução dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” e
institui o princípio do risco mínimo regressivo, cunhado por Sebastião Geraldo de
Oliveira, que FELICIANO (2020, p. 199) denomina princípio jurídico-ambiental da
melhoria contínua.
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Em seu item 22, assevera que inexiste obrigação legal que imponha a inclusão das
medidas de prevenção da COVID-19 no PCMSO. Na realidade, inexiste disposição
legal que dispense a inclusão dessas medidas de prevenção no PCMSO. O raciocínio
deve ser justamente o inverso. A lógica que deve prevalecer quando o que está em
análise é a proteção do meio ambiente, no qual está incluído o do trabalho 6, é a lógica
da precaução-prevenção, ou prevenção-precaução.
Essa inflexão, por sua vez, decorre da percepção de que, para que a dignidade da
pessoa humana e o valor social do trabalho (artigo 1º, III e IV, CF), fundamentos da
República, sejam preservados, “o trabalhador deve estar colocado em ordem de
prioridade, acima e antes, dos meios de produção” (PADILHA, 2011, p. 236).
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A medida de maior prioridade é a que visa eliminar o risco. Não sendo possível eliminar,
deve-se minimizar e controlar o risco, prioritariamente com medidas de proteção coletiva
e subsidiariamente com a adoção de medidas administrativas e de organização do
trabalho. Em último lugar, é que se deve adotar medidas de proteção individual. Portanto,
a lógica subjacente ao texto normativo é a de não permitir que o risco alcance o
trabalhador. Idealmente, ele deve ser controlado na fonte. Apenas em último caso,
quando o risco alcançar o trabalhador é que este deverá receber proteção individual.
Cada ambiente de trabalho tem suas especificidades e, por isso, a exposição efetiva
laboral será distinta da exposição comunitária a que se submete o trabalhador e
dependerá das medidas de prevenção adotadas pela organização. Discutiremos essa
questão mais detalhadamente em tópico específico, mais adiante.
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Pelo princípio da juridicidade, não pode o agente público agir sob a tradicional estrita
legalidade, cumprindo ordens imediatas, notas técnicas, portarias, ofícios-circulares,
quaisquer atos administrativos ou legislativos, sem examinar a consonância destes ao
ordenamento jurídico, à Constituição Federal e aos direitos fundamentais. Esse
mesmo dever recai sobre chefes e gestores que emitem ordens e atos administrativos,
quando da elaboração desses atos. “Deve ser a Constituição, seus princípios e
especialmente seu sistema de direitos fundamentais, o elo de unidade a costurar todo
o arcabouço normativo que compõe o regime jurídico administrativo”
(BINENBOJM, 2014, p. 147).
7 Neste sentido, também Medauar (2018, p. 118): “O terceiro significado – somente são permitidos atos cujo
conteúdo seja conforme a uma hipótese abstrata fixada explicitamente por norma legislativa – traduz uma
concepção rígida do princípio da legalidade e corresponde à ideia de Administração somente executora da lei.
Hoje não mais se pode conceber que a Administração tenha só esse encargo. Esse significado do princípio da
legalidade não predomina na maioria das atividades administrativas, embora no exercício do poder vinculado
possa haver decisões similares a atos concretizadores de hipóteses normativas abstratas”.
8 “O último significado – a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena –, se
predominasse como significado geral do princípio da legalidade, paralisaria a Administração, porque seria
necessário um comando legal específico para cada ato ou medida editados pela Administração, o que é
inviável” (MEDAUAR, 2018, p. 118).
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Portanto, uma vez que a nota técnica em comento além de ter sido emanada com
propósito incompatível com tal dispositivo, apresenta evidentes elementos
antijurídicos, as orientações nela constantes, no que confrontarem o ordenamento
jurídico, em especial o sistema de direitos fundamentais, não devem ser observadas
pelos operadores de direito. Outrossim, pelo princípio da autotutela, a Secretaria de
Inspeção do Trabalho tem o dever de rever de ofício qualquer ato ilegal (artigo 63, §
2º, Lei n. 9.784/1999).
9 Segurança do trabalho e gestão ambiental / Safety and environmental management. Barbosa Filho, Antonio
Nunes. São Paulo; Atlas; 2001. 158 p. ilus, tab, graf.
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Esta norma, em seu item 1.5, aborda as obrigações da organização para fins de
prevenção e gerenciamento dos riscos ocupacionais, e determina que este seja
implementado por estabelecimento, constituindo o Programa de Gerenciamento de
Riscos. O item 1.5.3.2 determina as obrigações da organização em matéria de
gerenciamento dos riscos, conforme transcrito a seguir, com grifos nossos:
Da leitura dos referidos itens, fica claro que a organização tem a obrigação de
identificar os perigos e possíveis lesões ou agravos à saúde, e uma vez que o item não
restringe quais perigos deveriam ser identificados, resta determinada a obrigação de
que todos os perigos, independentemente de suas “espécies”, sejam identificados para
fins de gerenciamento. Para melhor compreensão do dispositivo, cabe a avaliação da
definição de alguns vocábulos ou conceitos, a partir da seção de “Termos e
Definições” da mesma norma regulamentadora:
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Mais uma vez, cabe destacar que pela própria definição de perigo, o item 1.5.3.2, em
sua alínea “b” deixa claro que devem ser identificados quaisquer agentes que
possuam o potencial intrínseco de causar agravos à saúde do trabalhador. E, apesar de
óbvio, cabe destacar que o vírus SARS CoV-2 trata-se de um agente biológico que
pode causar um agravo à saúde do trabalhador (a doença COVID-19), devendo-se
compreender a necessidade de identificação do mesmo para o sucesso dos processos
de gerenciamento de riscos ocupacionais.
A virulência do agente biológico para o homem e para os animais é um dos critérios de maior
importância. Uma das formas de mensurá-la é a taxa de fatalidade do agravo causado pelo
agente patogênico, que pode vir a causar morte ou incapacidade em longo prazo.
13 Classificação de risco dos agentes biológicos - 3a edição. Ministério da Saúde, 2017. Disponível em
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/classificacao_risco_agentes_biologicos_3ed.pdf.
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14 Nota Técnica DIVS N° 002/2020: Orienta sobre as boas práticas no gerenciamento dos resíduos de serviço de
saúde na atenção à saúde de indivíduos suspeitos ou confirmados pelo novo coronavírus (COVID-19).
Disponível em https://www.saude.sc.gov.br/coronavirus/arquivos/Nota-Tecnica-DIVS-N_002_2020.pdf.
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Fartas evidências científicas, conforme indicado por BOWE 2022, sugerem que
infecções por SARS-CoV-2 estão associadas a um elevado risco de morte aguda e
pós aguda, sequelas pulmonares e a uma ampla gama de lesões em órgãos e sistemas
extrapulmonares. Enquanto inicialmente eram estudados os agravos à saúde a curto,
médio e longo prazo ocasionados pela infecção pelo agente citado, os estudos
científicos vêm agora se voltando aos efeitos decorrentes de reinfecções e seus
impactos para a saúde pública, sendo necessárias maiores informações científicas
para que tal impacto seja conhecido.
Desta forma, fica claro que o documento não se trata de um pedaço de papel inerte,
mas de um programa de gestão dinâmico cujo objetivo principal é o resguardo da
integridade física do obreiro, e que deve acompanhar a dinâmica da realidade do meio
ambiente de trabalho, sendo prevista a possibilidade de inserção de novos riscos.
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Aqueles perigos que não são identificados nesta fundamental etapa do gerenciamento
de riscos são excluídos das demais etapas do gerenciamento de riscos, e por este
motivo seguem causando seus efeitos deletérios aos trabalhadores expostos e,
consequentemente, a toda a sociedade.
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Da leitura do item transcrito, depreende-se que o PCMSO precisa contar com ações tanto
de vigilância médica ativa quanto passiva, o que demanda o conhecimento dos agravos à
saúde que impactam os expostos na organização, devendo ser coletados dados sobre
sinais e sintomas de acordo com os riscos ocupacionais característicos da atividade
desenvolvida, não cabendo aqui a exclusão de um ou outro agente por haver transmissão
comunitária ou qualquer outro critério de julgamento pessoal do médico do trabalho.
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Questões formais e técnicas a serem observadas na Nota Técnica SEI 14127/2021-ME no contexto da
pandemia da COVID-19
Já a Consolidação das Leis do Trabalho determina o que se segue em seu artigo 169:
Daí se depreende que, uma vez que a prestação da atividade laboral concorreu para o
adoecimento do trabalhador (mesmo não sendo a exposição exclusiva decorrente da
atividade), é preciso buscar a reparação da saúde do mesmo, além de avaliar as
medidas de controle existentes com a finalidade de conquistar o refinamento da
gestão e a melhoria de desempenho em saúde e segurança no trabalho na organização.
E ainda que, independentemente da transmissão comunitária, quando a exposição se
dá em virtude das condições de desenvolvimento da atividade, mesmo quando há
apenas a suspeita (ou seja, quando não é possível excluir a existência de nexo com a
atividade desenvolvida), torna-se obrigatória a notificação do agravo. No caso da
COVID-19, cabe mais uma vez ressaltar que a carga viral é decisiva à contaminação
e desenvolvimento de sintomas, assim como da gravidade da COVID-19, e que o fato
de serem desenvolvidas atividades que favorecem o aumento da carga viral a que o
indivíduo é exposto pode ser determinante para a manifestação clínica da doença.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 11-40. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Com a COVID-19 não poderia ser diferente. Uma vez que é identificada exposição ao
agente em função das características da atividade, não há qualquer aspecto técnico ou
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Questões formais e técnicas a serem observadas na Nota Técnica SEI 14127/2021-ME no contexto da
pandemia da COVID-19
legal que permita a exclusão deste agente da etapa de identificação de perigos, o que
implica nas obrigações subsequentes.
4. CONCLUSÃO
A Nota Técnica n. 14.127, emitida em abril de 2021, trouxe grandes prejuízos para a
saúde do trabalhador brasileiro, pois sinaliza a não obrigatoriedade do programa de
controle médico e saúde ocupacional abordar as questões referentes à COVID-19,
subtraindo conteúdo obrigatório e dificultando a integração entre os programas de
saúde do trabalhador; prejudica a gestão de saúde e segurança no trabalho nas
organizações, e impõe barreiras à fiscalização para o cumprimento de seu dever legal.
Desta forma, a existência da referida nota técnica no ordenamento jurídico brasileiro
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REFERÊNCIAS
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Questões formais e técnicas a serem observadas na Nota Técnica SEI 14127/2021-ME no contexto da
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SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
ABSTRACT: The chosen activity for the ergonomic analysis was the external painting
carried out on building facades, due to the work at height. The prevention and reduction
of ergonomic risk can be achieved by raising awareness among construction
companies, but also by applying management measures and diagnosing risk situations
in the workplace. The present work used as an ergonomic analysis method, the on-site
visit and interview with the workers. Data collection took place in a vertical building
located in the city of Rio Grande / RS. This research has as general objective to analyze
the risk factors of biomechanical overload in the external painting activity in building
facades. The demand analysis showed the points that require attention and measures
different from the equipment. The proposals for improvements and risk reduction will
allow a better quality of life for the worker, as well as a better understanding of the
importance of Ergonomics for the construction sector.
1. INTRODUÇÃO
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Por ser uma prestação de serviço que demanda equipamentos específicos e mão de obra
especializada, requer atenção em termos de segurança, saúde, conforto e produtividade
no desenvolver das atividades. O balancim individual elétrico zela por esses quatro
princípios, visto que possui todo um sistema de segurança, não traz problemas a saúde
do profissional, em termos gerais é confortável (com pequenos pontos que poderiam
ser um pouco mais desenvolvidos em termo ergonômicos) e é um equipamento de
permite o operário produzir em uma escala muito maior comparando com a produção
sem a existência desse equipamento (BARBOSA, 2000).
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Análise ergonômica da pintura de fachadas com o uso do balancim individual elétrico
Créditos: Autor.
O balancim individual elétrico possui uma trava de segurança e ainda uma central de
comandos que o movimenta. Paralelamente à trava de segurança, o operário também
está preso por trava queda em linha de vida própria, fixada no topo do edifício, assim
como exposto na Figura 2, onde é possível verificar essa linha de vida (cabo
individual e paralelo, sem relação com o balancim, com o único objetivo de dar a
segurança ao profissional).
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Flávia Costa de Mattos / Jorge Luiz Oleinik Nunes / Jorge Luiz Saes Bandeira
2. METODOLOGIA
O estudo foi realizado com dados coletados por meio de pesquisa de campo em uma
obra vertical na cidade de Rio Grande/RS e entrevistas com os funcionários.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Análise ergonômica da pintura de fachadas com o uso do balancim individual elétrico
as partes do corpo que terão influência, bem como suas medidas, visto que o
equipamento possui dimensões que devem ser levadas em consideração (AÑES,
2009). Dessas medidas, precisam-se definir as máximas, médias e mínimas. Será
preciso traçar um perfil baseado no sexo.
Não tem como excluir alguma parte do corpo no desenvolver da tarefa, visto que,
mesmo sem movimento, compõe a estabilidade geral do corpo. As principais partes
corpóreas envolvidas são os membros superiores, inferiores, quadril, pescoço e cabeça.
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Mulheres Homens
Medidas (cm)
5,0% 50,0% 95,0% 5,0% 50,0% 95,0%
1.7. Comprimento do braço, na
61,6 69,0 76,2 66,2 72,2 78,7
horizontal, até o centro da mão.
2.4. Altura do cotovelo, a partir
19,1 23,3 27,8 19,3 23,0 28,0
do assento, tronco ereto.
2.8. Comprimento nádega-
42,6 48,4 53,2 45,2 50,0 55,2
poplítea.
2.13. Largura dos quadris,
34,0 38,7 45,1 32,5 36,2 39,1
sentado.
Fonte: Iida (2005), p.118.
Tendo como base os dados apresentados por Iida (IIDA, 2005), fica mais fácil
determinar as medidas do corpo quando se analisa no uso do balancim individual
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Análise ergonômica da pintura de fachadas com o uso do balancim individual elétrico
A distância do encosto à central de comandos (57,0 cm) está própria, tanto para
homens quanto para mulheres. A menor medida apresentada é de 61,6 cm; ou
seja, o profissional não precisa esticar para acionar a central de comandos, visto
que está dentro da sua área de movimentação.
A altura do encosto (31,0 cm) está própria, tanto para homens quanto para
mulheres, visto que é superior a todas as medidas; isto é, independentemente do
tamanho da pessoa, o encosto chegará, no mínimo, na posição mostrada na
Figura 2.
A profundidade do assento (41,0 cm) não está apropriada. Para que a perna e o
pé do profissional não fiquem “caindo”, a profundidade do assento deveria ser
próxima da medida da nádega-poplítea. Apenas para primeira classificação das
mulheres que se encontra apropriada.
A largura do assento (38,5 cm) não está própria, visto que alguns homens e uma
grande parte das mulheres, especialmente por terem mais volume nos membros
inferiores, não poderiam utilizar, visto que o equipamento seria pequeno.
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Precisa-se ponderar sobre a largura do assento, que poderia ser maior (cerca de 6,0
cm), quando analisado para que mulheres usufruam desse equipamento. Em termos
gerais, segundo eles mesmos, o equipamento é bom e confortável, ergonômico,
podendo melhorar em nesses aspectos apresentados.
Outro aspecto que pode ser otimizado, a fim de tornar o balancim individual mais
ergonômico, é que o encosto poderia ser para todas as costas, não somente para a
parte inferior da lombar, feito de esponja revestida de material impermeável.
3.1.3 Sexo
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Análise ergonômica da pintura de fachadas com o uso do balancim individual elétrico
um senso empírico, mesmo que básico. A análise feita para expor os detalhes da
operação foi em termos biomecânicos, visando apenas os movimentos do corpo
humano. Como citado anteriormente, tais movimentos do corpo humano são
mínimos, visto que o operário trabalha sentado e que o manuseio do equipamento é
elétrico. Os únicos movimentos executados são as ações de pintar.
Ombro: peso do EPI (cinto de amarração), que possui partes de metal, com
peso aproximado de 1kg. Recebe uma pequena vibração, decorrente da ação do
motor do equipamento. Parte fundamental na gesticulação do ato de pintar.
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Para cada partes do corpo será definido a intensidade, frequência e tempo. Seguem as
devidas classificações:
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Análise ergonômica da pintura de fachadas com o uso do balancim individual elétrico
Quadril: estática (apesar de ser bastante solicitada através das cargas, não
executa nenhum movimento no desenvolvimento das tarefas).
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3.2.5 Postura
A postura é algo que deve ser considerado em todos os aspectos, tanto no uso do
equipamento em questão, como no serviço a ser executado, devido a sua importância
e as consequências que a ausência dela pode trazer ao corpo do operário. A postura
não é ditada apenas pela coluna vertebral. Ela também influencia a posição dos
braços, pernas e cabeça durante as atividades diárias. Dormir, trabalhar, caminhar,
assistir televisão, ler, dirigir, usar o computador e limpar a casa movimentando-se de
forma errada leva a desvios nas articulações e desequilíbrios entre os músculos,
causando tendinites, bursites, lombalgias e outras alterações crônicas no corpo
(GONÇALVES, 2020).
A seguir serão expostas as partes do corpo, para que possam ser feitas as devidas
ponderações no quesito postura:
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Análise ergonômica da pintura de fachadas com o uso do balancim individual elétrico
Por envolver serviço de pintura, com movimentos repetitivos, não é prudente para
pessoas com idade avançada (mais de 45 - 50 anos de idade), considerando que as
articulações estão mais gastas, podendo a execução do serviço trazer à tona problemas
de saúde, não por conta do equipamento utilizado, mas sim pelo serviço executado.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Construção Civil difere dos demais setores da indústria pela variabilidade das
condições de trabalho. A execução de serviços externos em fachada de prédios, além
dos riscos normais de um trabalho em altura, também apresenta os danos à saúde
atribuídos ao setor da construção civil, como lesões na coluna e no pescoço e em
membros inferiores.
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REFERÊNCIAS
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 41-56. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL
Ricardo Festi
Professor do Departamento de Sociologia (SOL) e do Programa de
Pós-graduação em Sociologia (PPGSOL) da Universidade de
Brasília (UnB). http://lattes.cnpq.br/2554127568377372 /
https://orcid.org/0000-0001-6360-2875
Em meio a uma das piores crises sanitárias da história moderna, os entregadores por
aplicativos emergiram como um emblema do cuidado e do sacrifício, trabalhando em
sua linha de frente. Concomitantemente, porém, tornam-se um expoente do trabalho
precarizado, perigoso e incerto, sobretudo após o clímax da pandemia de COVID-19,
a divulgação das precárias condições laborais e a exígua remuneração, que, somados
à vulnerabilidade e ao desamparo, foram o mote para as grandes manifestações que
promoveram a partir de 2020 no Brasil e fora dele.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 57-78. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
DOI: https://doi.org/10.33637/2595-847x.2023-195
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Entrevista com Abel Santos: a luta dos entregadores de aplicativos no DF
É nesse âmbito que o presente artigo veicula excertos de duas entrevistas realizadas em
distintas ocasiões pelo Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e Teoria Social da UnB:
a primeira, em 20 de novembro de 2020, perfaz uma breve apresentação sobre a vida
pessoal de Abel, a estruturação da AMAE-DF, a organização dos Breques dos Apps e a
articulação da categoria para a ação coletiva. Já a segunda, realizada em 16 de agosto
de 2021, percorre os meandros da elaboração e fundação da ATAM-DF. Ambas
lançam luz sobre a trajetória do trabalho e dos trabalhadores mediados por plataformas
digitais no Distrito Federal e no Brasil, enriquecendo a compreensão e munindo o
debate crítico acerca da evolução do emblemático ofício de entregador por aplicativo1.
***
Entrevistadores: Abel, você poderia nos contar um pouco sobre a sua trajetória de
vida. Onde você nasceu, onde cresceu, quem foram seus pais, sua formação
educacional, trabalhos...
1 As entrevistas duraram, respectivamente, 1h18’ e 47’, sendo que esta publicação é uma seleção das partes
consideradas as mais relevantes para os/as leitores/as.
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Ricardo Festi / Pedro Burity Borges / Nicolas Eyck van Dyck Araújo de Oliveira
saúde, moradia, transporte público. Então, a gente tá sempre na luta, tanto aqui pela
cidade quanto pela categoria. Eu vim me tornar motoboy há 10 anos, em 2010 pra
2011. Quando eu fiz meus 18 anos, tirei minha habilitação e iniciei a minha faculdade.
Aí, pra pagar minha faculdade, eu já trabalhava de carteira assinada como motoboy,
entregador. Aí a gente fazia entrega de ofício, recolhimento de documento, entrega de
cartão, de convite, tudo aquilo que envolvesse com papel era o trabalho que a empresa
prestava na época. Desde então, eu nunca saí desse segmento. Quando não era
motoboy, fui motorista de Uber. Quando o Uber precarizou de forma extrema, surgiu o
iFood, e aí a gente já foi migrando, porque pagava mais. E, hoje, a gente vive a
precarização nas duas vertentes, tanto motorista quanto entregador. Aí hoje trabalho só
no iFood, no caso, tô lutando pra terminar essa segunda graduação, bacharel em
Administração, pra poder tentar seguir essa linha, de administrar, gerir pessoas,
planejamento estratégico, plano e projeto. Aqui, no Recanto, também tem um instituto,
Instituto Rueira, que a gente cuida de crianças e jovens dos 9 até os 21 anos, e aí com o
instituto a gente tenta cobrar o Estado dessas questões básicas, né? Então eu tô sempre
envolvido em alguma luta, né? Se não é pela cidade, é pelos entregadores. E esse é o
resumo da vida, né?
Entrevistadores: E você sempre trabalhou aí no Recanto das Emas? Como entregador, ou...
Abel Santos: Não, no caso, aqui em Brasília onde dá dinheiro é o Plano Piloto. Asa
Sul, [Asa] Norte, Sudoeste, Cruzeiro, Plano Piloto, ali do centro do que é Brasília. E
Águas Claras, que é uma cidade que tem um poder econômico muito alto. Então
sempre que, tanto como motorista, quanto como entregador de aplicativo, a gente
sempre busca trabalhar nessas mediações, sempre ali no centro de Brasília. As
“satélites”, como a gente chama aqui, que são as cidades periféricas, elas não são
boas de trabalhar nem com a vertente motorista, [pois a] insegurança [é] muito alta e
[há o] risco de assalto – tanto que eu sofri um e, por isso que eu saí dessa parte de
motorista de aplicativo –, nem como entregador, que não tem demanda. Nas cidades
satélites é mais lucrativo pro restaurante ter o seu entregador fixo do que trabalhar
com os entregadores do aplicativo. Porque ali ele vai pagar só aquela demanda dele, e
se fosse pra ter o aplicativo, como o aplicativo cobra de 25% a 33% da parte bruta
que o restaurante vende, não compensa pro restaurante. Usando o entregador do
aplicativo fica mais caro do que ele pagar um entregador ali na diária pra ele pagar as
taxas das entregas que ele for fazendo. Porque ele é micro, né? Ele é uma pequena
empresa, então ele não dá conta de sustentar um aplicativo da forma que lá no Plano,
uma Asa Norte da vida, que tem um poder econômico muito maior. Eles conseguem
pagar tranquilamente e ter um retorno de forma que eles conseguem obter lucro, né?
Entrevistadores: Então como você trabalha nas partes mais centrais, você leva quanto
tempo pra chegar ao trabalho?
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 57-78. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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59
Entrevista com Abel Santos: a luta dos entregadores de aplicativos no DF
Abel Santos: Aqui, no Recanto, como eu tive a minha infância aqui, né? Estudei toda
a parte do meu Ensino Fundamental, Médio, infelizmente 80% dos meus colegas que
eu tive esse contato na época de escola ou estão mortos ou estão presos, devido ao
envolvimento com o tráfico de drogas, com a criminalidade da região... E aqui teve
uma guerra muito sangrenta na minha adolescência que era uma quadra versus a
outra, e eu morei numa dessas quadras, a 804, que tinha uma guerra muito grande
com a 802, 803. E aí eu vi muitos amigos morrerem no meio dessa guerra e, às vezes,
sem ter feito nada, né? Não por ser vítima, mas porque se envolveram com a pessoa
errada. E aí, tava na hora, um lado veio matar aquela pessoa, e ele tava junto e morreu
ali simplesmente por estar do lado daquela pessoa. E aí eu vi que o Recanto das
Emas, infelizmente, é esquecido pelas autoridades competentes, que poderiam estar
resolvendo muitos desses problemas, e, na medida que eu fui crescendo, fui me
envolvendo aos poucos com pessoas, lideranças dentro do Recanto que cuidavam de
reivindicar algumas melhorias. Ano passado, no final do ano, eu resolvi montar esse
instituto. Os amigos vizinhos de quadra que a gente jogava futsal, golzinho, a gente já
tinha esse nome, Rueira, que era o nome do nosso time. Então eu sentei com eles e
conversei sobre o instituto que eu queria montar para amparar as crianças, e todo
mundo concordou, e acabamos montando. Nessa trajetória de um ano, diversas
pessoas com competências acadêmicas que conhecemos resolveram somar, dando seu
trabalho voluntário a isso. E desde que eu comecei nisso, a gente já teve muitos
resultados dentro do Recanto das Emas, de amparo a mulheres que sofreram
violências domésticas, de amparo às próprias crianças com professores que estão
disponíveis a dar reforço escolar, pra inserir ali os direitos básicos, antropologia,
filosofia pra essas crianças, a parte da cultura, que nós já temos duas grandes pessoas
que estão desenvolvendo projetos pra combater o racismo, a homofobia, a questão de
promover o respeito entre essas crianças. E o objetivo do Instituto hoje é poder
construir nessas crianças um cidadão crítico pensante, respeitador e tolerante, em
questão dele viver dentro da sociedade. Eu acho que, como a gente ajudou muito
nessa parte da pandemia em ajudar as famílias dessas crianças, que muitas dessas
passam fome, a gente tem um reconhecimento grande, um agradecimento, as famílias
procuram para parabenizar e isso é um retorno muito satisfatório. Com os
entregadores não foi muito diferente. Eu sempre tava envolvido nas manifestações, eu
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 57-78. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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sempre quis tá ali, sabendo o que tava acontecendo em relação às leis que regem o
trabalho. Quando os aplicativos chegaram, cercando o mercado, a gente viu que tinha
uma necessidade de regulamentação, mas a primeiro momento, como eles estavam
pagando muito bem, fazendo aquele chamariz financeiro muito forte, não se teve
nenhum tipo de atenção em relação a isso, mas já era visto que se iria precisar num
futuro bem próximo. E aí chegou antes do que qualquer entregador esperava, porque
a Uber começou a precarizar, se tornar inviável em 5 anos, no caso de motorista de
aplicativo. Já os entregadores não, foi coisa de 2 anos. [Em] 2 anos a precarização já
começou, e nesse último ano que foi onde ela se intensificou e demonstrou que não
tem nenhum tipo de condição de você trabalhar por essa nova relação de trabalho.
Então só veio se intensificando essa necessidade de regulamentação, de
reconhecimento trabalhista, de a gente ter algum tipo de lei que traga um seguro pra
pelo menos as necessidades básicas do trabalhador que tem essa relação de trabalho.
Me envolvi nisso há 3 anos atrás com alguns amigos, mas não teve um desencadeio
forte como teve agora. No ano passado, mais ou menos no meio do ano, se teve dois
fatos atípicos no DF. Um fato foi a discriminação racial e questão de classe de um
entregador com uma cliente em Águas Claras, onde a gente foi pras ruas reivindicar,
e o outro foi uma agressão de um Policial Militar a um entregador em Taguatinga, e
nós também fomos pras ruas reivindicar. E essas duas foram um marco. Eu realmente
vi que queria estar lá dentro, brigando pela categoria. Desde então, veio a ideia de
formar associação, teve a parceria com outros entregadores que também tinham a
mesma finalidade, então nós nos unimos e criamos a AMAE-DF, que hoje estamos
engajados pra poder lutar por esses direitos básicos pra categoria.
Abel Santos: Foi no início de 2019 no caso, né? E aí esses dois ocorridos marcaram
pra mim: aquele grupo de entregadores estavam no momento da presença, como eu
me destaquei pra cobrar ali, aquele grupo meio que me reconheceu como liderança, e
teve o início. Daquela trajetória pra cá, no início desse ano, em janeiro, nós tivemos
uma manifestação em frente ao Palácio do Buriti, que é a casa do governador, pra
reivindicar algumas questões em relação à representatividade dos entregadores, e nós
fomos recebidos pelo Secretário de Comunicações dele, o Cajazeiras, e no que foi
discutido dentro da pauta, nós vimos a necessidade da AMAE-DF, porque o sindicato
e a cooperativa não estavam tendo representatividade, eles não estavam buscando
pelos anseios da categoria de entregadores em si. Eles estavam ali tentando trazer pra
eles o direito de representar essa nova categoria pra que eles pudessem crescer em
cima dessa nova vertente. Então não era isso que a gente queria. Nós, daquele grupo
que estava nessa manifestação no início desse ano, vimos a necessidade dessa
associação. Aí pouco tempo depois, no início de fevereiro, foi uma manifestação mais
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Entrevista com Abel Santos: a luta dos entregadores de aplicativos no DF
Abel Santos: Foi mais assim: foi uma época que os aplicativos não tinham tanta
disseminação, que foi antes da pandemia, né? Realmente o aplicativo cresceu e
disseminou entre os restaurantes na pandemia, porque eles tinham a necessidade de
vender à distância, mas, na época, não. Eram mais restaurantes de grande porte,
McDonald’s, os shoppings, que tinham aquela concentração de lanchonete, alguns
restaurantes como a gente tem aqui, Potiguar Caldos, Rei do Camarão, Xique Xique.
São restaurantes já grandes e que viram que essa oportunidade era boa pra se ter um
ganho, né? E aí a gente meio que se concentrava sempre próximos desses
restaurantes. O próprio trabalhador, nós firmamos alguns pontos pra que pudéssemos
esperar aquela chamada [demanda do aplicativo] ali em conjunto, até mesmo pra
fazer a prevenção de um possível roubo. Às vezes, porque um levava um café, o outro
levava um pão de queijo, aí um levava uma garrafa d’água, entendeu? Era próximo de
algum restaurante que deixava a gente usar o banheiro, tomar uma água. E aí tinham
aquelas concentrações, né? Que eram os pontos que nós mesmos determinávamos na
cidade, que era pra fazer aquela espera mediante onde você estivesse pra trabalhar. E
ali a gente começava a conversar um com o outro, trocar aquela ideia, passar pra ele o
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que era necessário. Formavam-se grupos que até hoje existem. Tem um grupo de
Whatsapp que é o “Acelerados da 405”, porque o pessoal se reunia na 405 Sul. Tem o
pessoal que se reúne no Terraço (Shopping), aí tem o grupo lá do Terraço. Então,
tanto que quando sai pra trabalhar, a gente manda no grupo “Como é que tá hoje?”, aí
o pessoal acaba respondendo: “Hoje tá fraco, só fiz dois pedidos”, “hoje tá bom,
corre”, e tal. E aí foi se formando esses grupos, e na medida do tempo, eu me via em
80% dos grupos de Brasília. Pessoal me colocava nos grupos e acabava direcionando
essa responsabilidade de organizar manifestação, ponto de encontro, conversar com
Secretaria de Segurança Pública, fazer os pedidos informativos pra mim. E aí a gente
começou a fazer essas manifestações dessa forma. Aquele grupo que era mais cabeça
falava: “vamos fazer tal dia, tal hora em tal lugar”. E aí a gente mandava nos grupos.
Na hora que ia trabalhar, saía falando pro pessoal “tal dia, tal hora e tal lugar vai ter
manifestação, a gente vai tentar reivindicar isso, isso e aquilo, então vamos pra luta”.
Então, quando o Sorriso chegou, que ele também fazia parte de mais de 80% dos
grupos do DF, só se intensificou mais. [Por]Que aí eu divulgava, ele divulgava, o
pessoal que me seguia já estava divulgando, o pessoal que seguia ele já estava
divulgando, e, quando a gente via, já tinha uma grande massa mobilizada pra fazer as
manifestações. A princípio foi bem espontâneo mesmo. Às vezes, vinha um anseio da
própria categoria em pedir manifestação, em pedir uma luta por determinada causa, e
aí de acordo com o que foi desenvolvendo, passando o tempo, que a gente foi
realmente estruturando essa entidade pra poder estar sempre à frente e começar a
criar conteúdo pra que os entregadores acordem, pra que os entregadores vejam que
[a realidade] não é dessa forma que os aplicativos divulgam, e tudo mais. Então a
gente conseguiu fazer uma referência pro pessoal na hora de buscar orientação e até
mesmo na hora de a gente fazer algum tipo de reivindicação.
Abel Santos: É, a gente fala “segue” porque é aquele cara que tem mais ou menos o
mesmo pensamento, mas tudo iniciou no Whastapp mesmo, né? Que tinha ali uma
capacidade de alcance maior. O Instagram só surgiu quando veio a AMAE-DF, né?
Que aí a gente dissemina algumas coisas no Instagram. Mas nós vimos que, se eu
quiser atingir o entregador, é o Whatsapp. O Instagram não tem o efeito de atingir o
entregador, né? Agora, o Instagram dá uma visibilidade pra UnB, que acaba
conhecendo, pra desembargadores, pro pessoal do MP, pra político, pra parlamentar,
essas coisas assim. E aí a gente consegue uma visibilidade, e eles acabam procurando
quem tem interesse de ajudar na luta, né? Agora, pra você conversar com os
entregadores, tem que ser Whatsapp, é só Whatsapp.
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Entrevista com Abel Santos: a luta dos entregadores de aplicativos no DF
Entrevistadores: Abel, pelo que tu falaste, eu entendi que foi pra você um processo
muito natural de ir se colocando como uma liderança nesse processo. E aí, sobre o
que tu estavas falando agora, eu queria perguntar se para os outros entregadores foi
um processo de adesão fácil, foi um processo rápido. Como é que foi esse processo
dos outros para aderir à AMAE-DF?
Abel Santos: No caso, quando era só a minha pessoa, vamos dizer, né? Quando eu
mesmo usava só a minha cara, só o meu nome, e a gente estava ali no meio do bolo
doido gritando, era uma coisa mais fácil de adesão, porque a gente tinha aqueles
grupos, né? Como se fossem aquelas panelas que tivessem mais ou menos o mesmo
pensamento. E fazia aquela união daquelas panelinhas ali e ia reivindicar. E aí o Sorriso
veio. Ele alinhou ali os pensamentos, ele tinha a panela dele. Só que não tem só a gente
nesse meio, nesse cenário, e nós, eu mesmo junto com o Sorriso, nosso objetivo com a
AMAE sempre foi ajudar os entregadores, porque meu irmão é entregador, eu tenho
amigos que são entregadores, amigos que cresceram comigo de infância, então eu
quero ver as pessoas bem, tendo ali um retorno bacana. Da parte dele, [é] da mesma
forma. Só que, infelizmente, quando se cria uma associação, essa parte política ela
meio que vem obrigatória, meio que vem junto. A colocação política dentro da
sociedade em relação àquela categoria em específico, ela surge naturalmente. E aí nós
nos tornamos inimigos das outras entidades dentro do Distrito Federal que buscam
mais a questão política. O Sindicato dos Motoboys, a cooperativa, que é a
Coopermotos. Hoje eles têm mais essa atuação no Distrito Federal, que eles querem
fazer política. Nós não entramos com esse intuito. E aí nós começamos a ter inimigos, e
esses inimigos começaram... Por terem mais tempo, por ter contatos, uma base muito
mais sólida, do que a gente, [que] tá iniciando, esses inimigos se levantaram, eles
falaram contra a associação. Até hoje é assim. Se a gente divulga alguma coisa, eles
divulgam o contrário, eles batem contra. E os entregadores, querendo ou não, tem o
pessoal que é das antiga, né? Que é o pessoal que era motoboy, que tinha salário fixo,
que tinha ali o aluguel, que era CTPS, que hoje teve que passar pros aplicativos, mas
eles não gostam dessa nova dinâmica de aplicativo porque não tem segurança. E aí eles
querem que voltem ao que era antes, em relação à relação de trabalho. E aí eles apoiam
o sindicato, a Coopermotos, porque quem fundou o sindicato e a Coopermotos já são
50 anos, 40 anos dentro do DF, brigando por essa questão do motoboy. E aí nós
estamos com uma dificuldade de adesão muito grande em relação a isso, por mais que
nós estivéssemos alí, liderando o DF frente ao Breque, que foi uma movimentação
nacional. Hoje, eu, em particular, tenho reuniões periódicas com o IWGB [The
Independent Workers' Union of Great Britain], que é o sindicato dos entregadores em
Londres, e a gente fez ponte com a Guatemala, México, Argentina, Itália, e sempre
tamos aí à frente de buscar melhorias pra categoria. A AMAE-DF já tem uma Lei
Distrital aí, que é dos pontos de apoio, que foi pensada e construída junto com o
[deputado distrital] Fábio Félix, nós temos alguns outros pontos de reivindicação dentro
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Abel Santos: Então, a dinâmica se limitou muito por conta da pandemia. Nós não
conseguimos fazer reuniões onde tivesse uma participação maior dos entregadores
por conta de aglomeração, mas nós tentamos fazer reuniões periódicas. Nós tentamos
fazer ali um corpo a corpo com os entregadores, até mesmo não só pra apresentar o
trabalho da AMAE-DF, mas também pra chamar os entregadores pra fazer parte
dessa luta, pra tá junto. Também buscamos tá demonstrando que não é só o motoboy,
mas também o bikeboy, que é o cara que entrega com bicicleta, o cara que entrega
com carro, independente do meio que ele usa pra fazer a entrega, ele é entregador. A
AMAE-DF tá pelos entregadores, não só pelo motoboy. Nós tentamos buscar, nós
buscamos que eles entendam isso e nós tentamos fazer com que eles tenham esse
pensamento e de virem somar, de fazer uma união. E aí nós temos as reuniões do
pessoal que é da diretoria, alguma coisa mais periódica para pensar estratégias de se
comunicar com todos os entregadores de forma geral, de como vamos apresentar
algum projeto ou alguma possível, que venha virar alguma possível PL pra ajudar os
entregadores, de uma forma que leve realmente a voz do entregador ao poder público.
Nós buscamos fazer essas reuniões estratégicas pra tentar dar a voz pro entregador. E
nós buscamos tá sempre ali, no meio dos entregadores, falando da AMAE-DF,
pedindo apoio, pedindo pra que eles venham somar na luta e tudo mais. Por mais que
seja difícil, a gente sabe que é o trabalho de formiguinha: se conquistou um, esse cara
conquista mais um, que conquista mais um, e assim a gente vai crescendo aos poucos.
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Entrevista com Abel Santos: a luta dos entregadores de aplicativos no DF
Abel Santos: É, nós criamos, mas, meio que, dentro dos [núcleos dos] próprios
entregadores, essa palavra “sindicato” já cria uma aversão dos entregadores e,
principalmente, os que estão entrando agora. Aqui, no DF, o Sindimotos, quando
começou, que era outro presidente na época que chegou aqui em Brasília, teve uma
adesão muito grande. E aí o presidente responsável, na época, que eu não lembro o
nome agora, ele fez meio que uma campanha, que era para arrecadar fundos no meio
dos motoboys. E no final ele voltou para São Paulo com o dinheiro de todo mundo e
não teve respaldo algum pelo dinheiro empregado. Aí começou uma aversão. Depois,
esse novo presidente assumiu e tentou levantar. Aí o Sindimotos ajudou algumas
pessoas, mas não faz o trabalho que os entregadores esperam pra categoria em si. E aí
a gente viu que se a gente fosse constituir o sindicato para ter carta sindical, nós não
teríamos a mesma força nem contra as empresas, nem no meio dos entregadores que
nós temos hoje. Então nós [nos] desvinculamos [d]essa questão de sindicato. O que a
gente quer é ter uma central de organização desses trabalhadores, que eles possam ter
voz através da associação, mas que não seja algo que venha a prender o entregador,
que venha a cobrar o entregador, que queira alguma coisa em relação monetária do
entregador. A gente sabe que o reconhecimento por parte da categoria e essas
questões monetárias vêm com o bom trabalho. Querendo ou não, quando você é
associação, se nós desenvolvemos um bom trabalho com a categoria, vai ter empresa
querendo fazer parceria, vai vir órgão público querendo patrocinar projeto, pode vir
emenda parlamentar para patrocinar projeto que seja destinado aos entregadores, e
nisso o corpo que tem lá na frente tem algum tipo de ganho. Mas colocar esse ganho
nas costas do entregador nem é justo, porque muitos deles nem almoçam, nem tomam
café pra economizar e levar pra casa. Aí se for cobrar alguma coisa do entregador é
algo sem capacidade, porque a gente sabe que não tem como eu exigir que ele tire ali
50, 100 reais no mês pra destinar pra associação, sabendo que esses 50, 100 reais vão
fazer falta na alimentação da casa dele, pra pagar o aluguel, pra ele comer um café da
manhã, pra ele almoçar. Então a gente faz o trabalho buscando o reconhecimento da
categoria pra que a gente possa retornar ao entregador mais benefícios com as
empresas privadas, mais qualidade de vida com as parceiras públicas, que venham
trazer algum tipo de benefício em ação pra eles, e que isso vai acabar remunerando o
pessoal que tá à frente, de uma forma ou outra, entendeu?
Entrevistadores: Entendi. E nesse caso, você falou das atitudes dos sindicatos que
organizam os motoboys, os motofretistas. Mas também falou que têm constituído
uma relação com sindicatos internacionais. Como é que se dá isso? Há relação com
outros sindicatos aqui no Brasil? Vocês buscam partidos políticos, buscam
estabelecer essas parcerias?
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Ricardo Festi / Pedro Burity Borges / Nicolas Eyck van Dyck Araújo de Oliveira
Abel Santos: Bom, com partidos políticos não, porque a associação é apartidária. Nós
buscamos, no caso, estabelecer parcerias com o parlamentar em si, com o político em si.
Igual foi com o Fábio Félix [deputado distrital pelo PSOL]. Nós não abraçamos o PSOL
em si, como partido, mas nós abraçamos o deputado [distrital] Fábio Félix, como pessoa
física mesmo. Ele contribuiu, ele apresentou projeto, ele lutou pelo projeto. A AMAE-
DF deu o reconhecimento dessa luta para ele, porque foi mais que merecido, o cara
realmente é excelente. A AMAE-DF leva o nome dele com muito orgulho, porque nós
vemos nele um bom profissional no que ele faz, mas nós não abraçamos o partido
político em si. Em relação ao sindicato, no início, nós tivemos bem abertos, sempre
escutávamos a todos. Nós tivemos contato do sindicato de São Paulo [...]. Quando passou
a primeira luta, que foi o [dia] primeiro de julho, eles [sindicato de São Paulo] decidiram
se desvincular, até mesmo pra matar o movimento, e fizeram um movimento ali voltado
somente pra eles, usando o nome do movimento nacional, e não colou. Não se teve uma
adesão muito forte, eles não tiveram nenhum tipo de conquista em relação ao
movimento, ele [o presidente do sindicato de São Paulo] conseguiu uma reunião no TRT,
que não teve nenhum resultado. Enquanto isso, nós mesmos, que estávamos à frente do
movimento, nós tivemos reunião com o Rodrigo Maia, com frentes parlamentares dentro
da Câmara como o PSOL, o PT, o DEM, o MDB, o PP e outras bancadas pra mostrar o
que nós precisávamos, e tivemos a origem do PL 1665/2020 2, que hoje ainda tá na
Câmara lá em tramitação, mas a gente crê que vai ter um êxito pelo menos em alguns
pontos, que vão trazer benefício pra categoria. Essa luta ele [sindicato de São Paulo]
continuou do lado dele sozinho, e nós continuamos de forma conjunta até hoje, que nós
buscamos e brigamos até hoje. O sindicato de Londres, pelo que eu entendi, [pelo] que
foi explicado, eles funcionam mais como uma associação, que é aqui no Brasil, do que
com o sindicato brasileiro. Só que lá, eles têm que se formar como sindicato. E aí eles
têm uma representatividade, mas os pensamentos são bem alinhados com a AMAE-DF.
São mais ou menos as mesmas coisas. E, lá em Londres, 60% dos entregadores são
brasileiros. Eles têm uma dificuldade de comunicação com os brasileiros em Londres
porque a maioria desses brasileiros estão lá de uma forma irregular, sem o aval do país
para poder exercer uma atividade econômica e tudo mais. Então eles querem se
comunicar com esses entregadores para que eles ajudem com a luta deles lá, mas não
indo pra manifestação, e sim desligando o aplicativo, porque lá eles têm uma
conversação mais direta com a plataforma. O Estado, ele não intervém tanto. Eles não
têm como procurar o Estado pra poder brigar com as plataformas ou chegar a um meio
comum entre plataforma e entregador, como é aqui, como é o que a gente busca no
Brasil, né? Aqui é totalmente o contrário, nós não temos nenhum tipo de diálogo com as
empresas, nós buscamos o poder público para poder intervir nessa injustiça que está
acontecendo para que se tenha um equilíbrio entre entregador e empresa. Acaba que a
gente aprende muito com eles em relação de diálogo, em como fazer boicotes e atingir a
2 O Projeto de Lei nº 1.665/2020, de autoria do Deputado Federal Ivan Valente, foi aprovado como Lei nº
14.297/2022.
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Entrevista com Abel Santos: a luta dos entregadores de aplicativos no DF
empresa, de como se organizar pra dar prejuízo, pra que a empresa veja que os
entregadores não estão satisfeitos com a maneira atual. E nós passamos pra eles essa
questão de relação com o entregador pra tentar buscar que o entregador venha amparar a
luta, que, aqui no Brasil, é uma coisa mais fácil, [por] que a gente busca o poder público.
E aí a gente vai trocando essas experiências pra tentar alinhar os dois lados em relação
aos objetivos e tudo mais, pra tá conseguindo trilhar o caminho pra se alcançar o
objetivo, que é o mesmo: melhoria pra categoria.
Entrevistadores: Como vocês chegaram até eles? Como foi o contato com eles?
Abel Santos: Cara, eu tive um convite pessoal para participar de uma reunião com o
presidente e o vice-presidente do IWGB, que são os dois representantes. E através
dessa reunião que eu participei, tivemos uma troca de contatos onde ele entrou em
contato comigo e se colocou... Se demonstrou muito interessado no trabalho que
fizemos, que acabou tendo repercussão internacional. Daí a gente começou a ter
conversas periódicas pra trocar essas experiências, né? E aí até hoje a gente está com
essas conversas. Já saíram alguns projetos em comum, principalmente [o] de colocar
a AMAE-DF como uma representação dos entregadores brasileiros em Londres e [de]
trazer a IWGB pra dentro do Brasil, pra que eles possam mostrar que não é só o
Brasil que tem essas injustiças, mas pra que o entregador daqui entenda que isso é
uma questão mundial e que nós não estamos sozinhos, né? Nós podemos contar com
mais pessoas, mais personagens nessa história pra poder lutar pelos entregadores.
Entrevistadores: Interessante. E agora deixa eu mudar o assunto, né? A gente tem uma
curiosidade de saber como é que foi essa aproximação de vocês com o Fábio Félix.
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Ricardo Festi / Pedro Burity Borges / Nicolas Eyck van Dyck Araújo de Oliveira
Abel Santos: Lá eles estão tentando fazer a mesma luta, a mesma reivindicação em
conseguir pontos de apoio. Só que lá eles têm uma relação mais tranquila com os
restaurantes. Eles têm até um canal mais tranquilo com os restaurantes em relação a
brigar com os aplicativos e tudo mais. E eu creio que eles tenham mais facilidade em
usar um banheiro, tomar uma água e tudo mais, né? E aqui no Brasil a gente não estava
tendo isso. Muitas das vezes os restaurantes não queriam permitir a entrada do
entregador com a bag, porque é entregador e tudo mais. Por mais que a gente tenha
feito algumas alianças com o Sindicato dos Bares e Restaurantes, a Associação dos
Bares e Restaurantes e tudo mais, só um minutinho [...]. Mesmo tendo esse
alinhamento com o sindicato e a associação, nós não tínhamos essa liberdade de estar
usando o banheiro, tomando uma água e tudo mais. E, quando o Fábio [Félix] falou –
foi ele quem deu essa ideia da questão do ponto de apoio-, nós da AMAE-DF tivemos
o primeiro pensamento em relação ao pessoal que era das bicicletas, os bikeboys.
Porque aqui, no DF, a gente fez um corpo-a-corpo com os entregadores, e nós vimos
que os entregadores que moram no entorno têm que pegar entre 40 e 50 km pra chegar
no centro, lá em Brasília. Eles têm que chegar pedalando, porque o motorista de ônibus
não aceita que ele leva a bicicleta dentro do ônibus, ele vai pedalando, chega lá e tem
que passar o dia inteiro pedalando, trabalhando, e depois ele tem que voltar pra casa
pedalando os 40, 50 km de novo pra chegar em casa. Ele não tem um espaço pra sentar,
pra descansar, e quantas e quantas vezes essas ações de corpo-a-corpo nós vimos os
entregadores almoçar sentado em meio-fio, estacionamento, embaixo de árvores, né? E
sem condições de poder usar banheiro, tomar água, porque às vezes ele leva a água,
mas a garrafa de água esquenta, não tem onde trocar essa água, tem que beber água
quente. Aí se viu essa necessidade. E a ideia do Fábio Félix era fazer esses pontos de
apoio, e a AMAE-DF trouxe pra dentro da realidade, aí foi onde [a AMAE-DF
registrou que] o ponto de apoio precisa de uma área de descanso, de uma copa pra que
ele possa esquentar o alimento dele, com água potável, banheiro, chuveiro, pontos de
tomada pra carregar o celular, porque a gente não tem onde carregar e, se tiver uma
pane, se acontecer alguma coisa, tem que voltar pra casa pra poder resolver esse
problema, e depois voltar novamente pra pista pra trabalhar. E aí ter um wi-fi, no caso
de você ficar sem internet, você ter que contratar um novo pacote, contatar alguém,
conversar com alguém pra pegar um dinheiro, colocar um crédito, alguma coisa do
tipo, com wi-fi você tem essa possibilidade. Aí foram discutidos esses pontos, e foi pra
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Entrevista com Abel Santos: a luta dos entregadores de aplicativos no DF
parte da regulamentação, onde também foi chamada a AMAE-DF pra discutir a parte
da regulamentação. Por parte da GDF, quem regulamentou foi a Secretaria da Casa
Civil. Então a gente participou de diversas reuniões lá pra discutir qual a melhor forma,
e tudo mais, pra que venha amparar o entregador. Teve mais participação do Fábio, que
ajudou conversando com o Secretário, fazendo pressão e tudo mais. E tivemos essa
conquista, que é inédita, né? Só no DF que tem essa lei. Nós esperamos que essa lei se
torne federal valha pra todo o país.
Abel Santos: Nós chegamos a procurar outros, mas quem se colocou mais solícito
em relação a isso foi o Fábio Félix, né? Mas a gente só teve um deputado que foi
contra a nossa votação do PL 937, que foi a Júlia Lucy, do NOVO. A gente sabe
como é que é, né? Eles querem que seja novo só pras empresas, pra quem é
trabalhador se fica o velho, né? Infelizmente essa é a realidade. Os outros partidos
todos tiveram adesão, com votos muito bem vencido dentro da câmara, dentro do
parlamento distrital, e nós temos alguns outros parlamentares que se identificam com
a luta, que é o Leandro Grass, do REDE, a Arlete Sampaio, do PT, o pessoal que é
mais centro-esquerda, esquerda, que solidariza e se sensibiliza em relação aos
trabalhadores, né? Tão sempre aí lutando pela classe social que é menor, né? Os mais
injustiçados e desfavorecidos. O pessoal que é mais pró-empresa prefere ficar mais aí
adepto ao lobby, fazendo o que as empresas querem, e não amparar o trabalhador.
Mas, nessa mesmo, foi uma questão dos entregadores, o [PL] 937, no dia de votação
só teve um voto contra. E quando a gente precisa de alguma demanda a gente sempre
vai tá buscando, sempre busca o apoio, pra ligar e entrar em contato com os
parlamentares que são de esquerda, centro-esquerda, que sempre amparam, dão boas
ideias, buscam conversar com outros parlamentares, lutam, pressionam pra que saia
alguma coisa em benefício dos entregadores e dos trabalhadores em geral.
Geralmente o pessoal de direita, eles não são muito fã não.
Entrevistadores: E como é que foi? Como é que surgiu a ideia dos Breques e como foi
a organização nacional disso? Porque os dois primeiros breques foram organizados
nacionalmente, né?
Abel Santos: O Breque foi o seguinte: na realidade, [em] Brasília ia fazer uma
manifestação no final de maio, estava previsto ali pro dia 12 a 14 de maio. Nós
organizamos aqui em Brasília que ia ser uma manifestação pra gente pressionar o
governador a dar alguma resposta em relação ao que a gente precisava. Só que aí nós
tivemos alguns contatos de liderança de outros estados, como São Paulo, Rio de
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Janeiro, Espírito Santo, Bahia e alguns outros entraram em contato pra perguntar
como foi as manifestações passadas. Teve a de janeiro, que teve uma repercussão
bacana, e como estava sendo criado um movimento maior aqui em Brasília. E aí nós
começamos a conversar com essas lideranças e a propor essa questão de uma
manifestação nacional, nós possamos parar as principais capitais. E alguns grupos
entraram em contato com alguns grupos, o Tretas [no Trampo], o Nossas, que a gente
tem muito a agradecer, que ajudaram bastante, outros grupos que sempre foram
consolidados na internet, nós conseguimos atingir os entregadores dos outros estados.
Aí se foi feito uma enquete no Whatsapp mesmo, pra essas lideranças estarem
divulgando em seus estados de dia e hora de manifestação, e foi decidido dia primeiro
de julho e começou às 9h da manhã. E aí esse primeiro de julho foi histórico, porque
o pessoal da Argentina entrou em contato dando apoio, Guatemala, Itália, a própria
Inglaterra, México, e eles também meio que paralisaram, fizeram algum tipo de
boicote, alguma ação pra tá apoiando o Brasil no dia primeiro de julho. E aí os jornais
cobriram, os parlamentares entraram em contato, e tudo mais. E o primeiro de julho
foi pra rua muito forte, muito forte. E aí despertou, né, os olhares dos parlamentares
federais, e foi aonde a gente entrou através do PSOL, da bancada do PSOL, com o
pedido da [PL] 1665. Aí, [n]o dia 25, já tinha aquelas lideranças, mas alguns já
tinham desistido, ou saído por alguma coisa, por algum benefício que fosse somente a
eles, igual o Sindicato de São Paulo, fez dia 14. Alguns outros movimentos que
estavam juntos que acabaram saindo, mas em compensação entraram outros
movimentos pra apoiar, entraram outras lideranças do Rio, Curitiba, pra apoiar, e aí a
gente fez o 25 [a paralisação do dia 25]. Não teve o retorno esperado porque, na
minha opinião, eu vi que foi algo muito prematuro, foi uma coisa que o pessoal
queria já pressionar, fazer uma cobrança de resultados, sendo que não tinha dado um
tempo hábil pro resultado, mas teve o 25 [a paralisação do dia 25]. Aí quando foi [o
dia] 15 de setembro, quando a gente viu que teve tempo hábil, não teve uma resposta
do Estado em relação às reivindicações, nós trouxemos as principais lideranças de
vários estados, inclusive de Curitiba, Rio Grande do Sul e Acre, que faz ali os pontos
mais distantes de Brasília. Teve aqui [as lideranças] em Brasília, em reuniões
parlamentares onde algumas bancadas receberam as lideranças pra escutar as
demandas. Aí nós tivemos um manifesto na frente da casa do Rodrigo Maia. Nós
fomos escutados no dia lá dentro pelo interino, que tava no lugar do Rodrigo,
enquanto ele não estava ali em exercício, e aí se teve alguns resultados. Foi
determinado o relator do [PL] 1665, que foi o... Agora não vou lembrar o nome dele,
mas se teve reunião com ele, a gente expôs o que precisava. Foi o Trad, né? Fábio
Trad. E aí nós tivemos reunião com ele. Nós colocamos pra ele o que era necessário,
a forma que nós achávamos o que iria amparar melhor o entregador nas ruas, e, desde
então, tá nas mãos dele lá e a gente tá esperando ir pra votação pra que a gente possa
ter essas melhorias aí o mais rápido possível.
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Entrevista com Abel Santos: a luta dos entregadores de aplicativos no DF
Entrevistador: Vocês deram um salto fazendo essas articulações, fazendo contato com
o Congresso Nacional etc. E agora nós temos várias PLs tramitando no parlamento
em relação aos entregadores. Como é que está essa relação com o Congresso, os
partidos, os deputados?
Abel Santos: Eles querem amarrar, sabe? Os pró-Bolsonaro querem apoiar, mas com
interesse dentro do movimento em reeleição do próprio presidente. Quem é contra o
Bolsonaro quer apoiar pra ter mais um braço pra ir contra, e os entregadores, nós,
estamos à parte dessa polarização. Se a gente não lutar pelas necessidades da
categoria em si, da categoria, e ficar abraçando outras bandeiras, desvirtua o
movimento e a gente quer que ele fique o mais puro possível em relação aos
trabalhadores. Então, foram poucos parlamentares que realmente abraçaram a causa
ali, de acordo com a fonte, de buscar a melhoria para a classe dos entregadores. Então
hoje se tem muitas coisas, em boa parte [...]. Eu pessoalmente não concordo com o
que está sendo proposto, mas tem alguns pontos que a gente pode aproveitar pra
trazer benefício real pro entregador na rua, e têm alguns textos que são realmente
bons, que vai trazer benefício, que vai amparar esse entregador na rua. Porque eu não
concordo muito com aquela política “somente pra você ver”, pra falar assim: “Eu,
como parlamentar, tô fazendo alguma coisa, olha aqui ó”, sabe? Eu concordo com
aquela política que é feita, que vai dar o resultado real, o cara vai falar “Poxa, tô
tendo esse benefício graças a fulano, que colocou o projeto, que brigou e que
passou”. Eu sou a favor disso. Tanto que, pra mim, foi um pouco frustrante essa
questão de ir para ponto federal, que eu me afastei um pouco mais. Hoje eu brigo
mais dentro do DF, mais com a Câmara Distrital, dentro da Câmara Distrital, que é
onde a gente tem um retorno maior. E aí a gente espera que esses retornos que nós
temos dentro da Câmara Distrital possa virar exemplo para outros estados, e esses
estados começarem a brigar, e o poder federal se sentir obrigado a fazer algo em
relação a isso, e tornar isso federal. Eu vejo que isso aqui é mais fácil do que você
querer brigar lá dentro da Câmara Federal. Lá é briga pra cachorro grande. Não tem
como a gente, que é pequeno, que tá iniciando, que não tem tanta força, querer
disputar rinha lá dentro. Eu pelo menos, particularmente, vi isso. Não deixamos de
atuar, atuamos no que é preciso, mas eu deixei de empregar tanto esforço, energia e
tempo dentro do âmbito federal, e empregar mais no âmbito distrital porque tá tendo
muito mais retorno. E esse âmbito federal a gente vai lá e alfineta quando tem que
alfinetar e conversa e tenta pressionar quando realmente vai dar um retorno pro
entregador na rua. A política no Brasil, infelizmente, ainda é uma política que é em
benefício próprio ou partidário, e não da população que realmente necessita.
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Entrevistadores: E qual que você acha que é a principal resistência dos entregadores
para participar e se mobilizar?
sessenta e cinco centavos por quilômetro rodado e não ter nenhuma taxa a mais pelo
pacote que está sendo entregue, você ganha menos do que um salário mínimo hoje,
que é de mil e quarenta e cinco reais. Isso é o que você põe no bolso, depois que você
tira todos os custos da operação que é do entregador, principalmente a desvalorização
do bem, no caso a motocicleta ou até mesmo bicicleta. Então, quando você joga a
desvalorização daquele bem que ele tá pagando, financia, paga juros em cima daquele
bem… Ele tá tirando menos do que um salário mínimo.
Entrevistadores: Entendi. Estamos terminando, Abel... Tem uma questão que apareceu
muito nos breques que é uma certa, parecia uma certa polarização, da bandeira dos...
sobre a CLT ou da autonomia. Como é que você vê isso? Como é que tá isso na
categoria? Me parece que essa discussão foi feita. Como é que você vê pós-breques?
Abel Santos: Essa discussão pós-breque se esfriou porque aqui em Brasília... Devido
a uma questão judicial que teve. Uma decisão judicial [em que] as OLs, que é o iFood
terceirizando o serviço do iFood, que já terceirizado pelo restaurante, eles [as OLs]
tinham que fazer a contratação via CLT. Aí [os entregadores] tão contra muito grande
por conta da carga horária obrigatória. Aí acabou que essa decisão caiu e, agora, estão
investindo na questão do MEI. E agora ele [entregador] tem que ser MEI pra virar
OL. Mas ele vai ter as mesmas obrigações: vai ter que trabalhar nos dias que a OL
mandar, ele vai ter a subordinação, ele vai ter que cumprir aquelas metas e vai tá
ganhando menos do mesmo jeito. Então a galera faz essa briga por falta de
conhecimento em si do que cada formalização é. Você é autônomo: você tem
obrigações com o Estado, tem que pagar ISS, tem que [ter] cadernetinha ali que vem
da previdência social, você tem alguns encargos. Se você é MEI, vai pagar encargo
pro Estado da mesma forma, por mais que seja um valor menor, mas você tá pagando.
Se você é celetista, você não paga isso, mas a empresa vai ter pagar esses impostos, e
você meio que compartilha de uma porcentagem desses impostos, mas você tem um
ganho maior. Você ganha o aluguel da moto, você ganha periculosidade, que hoje não
é pago nem pra autônomo e nem pra MEI, você tem o salário de acordo com a
categoria, que é maior que o salário-mínimo. Então, na minha visão hoje, o melhor
seria enquadrar todo mundo na CLT, existe um ganho maior. Se a galera não quer, a
minha visão é que seja feita um contrato de prestação de serviço de PJ para PJ, que
seria o MEI, dando real autonomia, principalmente na cobrança das taxas. Eu, que
sou entregador, e eu que sei o custo da operação, então eu vou colocar o preço que
vai cobrir o custo e traga retorno pro meu bolso. Isso não acontece hoje e o retorno só
tá sendo para as plataformas. Os entregadores são explorados e continuam sendo
explorados por falta dessa informação, e quando a gente tenta propagar essa
informação, o marketing da plataforma, como eles têm poder econômico para isso,
vem de contra essas informações, e o entregador acaba acreditado na plataforma, no
lobo, invés de acreditar no pastor, que somos nós, que estamos tentando fazer com
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Ricardo Festi / Pedro Burity Borges / Nicolas Eyck van Dyck Araújo de Oliveira
que ele tenha um reconhecimento, uma valorização maior. Então é muito difícil,
muito difícil. Uma coisa que a gente não tem muito poder em relação a isso. A gente
tenta da forma que a gente consegue e, aos poucos, aquele trabalho de formiguinha, a
gente vai tentando ganhar espaço na categoria pra que um dia a gente consiga vitórias
expressivas no reconhecimento e na valorização desses entregadores. Mas eu falo pra
você, eu não sou religioso, mas tem uma palavra dentro da bíblia que ela se
concretiza: “por falta de informação, meus filhos vão perecer”. Isso é pra tudo, por
falta de informação e por falta de conhecimento, muitas pessoas perecem e acabam
não tendo êxito naquilo que tá lutando.
Entrevistadores: Essa rejeição à CLT, a ser contratado como CLT, me parece que é muito
grande na categoria, o essencial é só a falta de informação ou teriam outros elementos?
Abel Santos: Cara, a meu ver, é só a falta de informação, porque o que ele vai está
perdendo? Hoje se você não trabalhar de 10 a 15 horas, você não traz o mínimo pra
dentro de casa. Na CLT, é previsto oito horas diárias, então ele estaria ganhando.
Hoje se você não trabalhar todos os dias, inclusive feriados, sábados e domingos, e
não ter férias, você não tem ganho nem pra pagar suas contas, moto, manutenção de
moto e gasolina e tudo mais. Na CLT, ele teria pelo menos uma folga, que seria
remunerada na semana, ele teria direito a férias e o 13º dele. No final do ano, se o
cara realmente não dobrar a carga de trabalho, ele não consegue juntar um dinheiro
pra que ele pague as contas de dezembro e de janeiro, pra que em janeiro ele
possivelmente venha trabalhar menos ou não trabalhar, o que é muito difícil. No
máximo o que ele vai fazer é trabalhar menos, mas vai continuar trabalhando. Na
CLT, ele teria as férias dele garantida, passaria aquele mês mais tranquilo, pelo
menos descansando em casa ele estaria. Então, assim, eu não vejo um prejuízo. O
prejuízo maior da CLT seria pra empresa, que teria que pagar esses impostos, que são
os oito por cento pro FGTS, fazer as informações pro Estado, né? Para aquela questão
do INSS, que deveria ser pago, e tudo mais. Então, eu vejo as plataformas, elas
realizaram o sonho dos restaurantes, que era o quê? Ter funcionários sem ter vínculo
e responsabilidade. Aí eles entram no mercado burlando a própria lei que se dizem
empresas de tecnologia, e não de prestação de serviço. E tira o vínculo delas com os
entregadores. Os empresários, felizes, explorando a classe trabalhadora. É isso que eu
vejo, porque se eu faço um contrato de prestação de serviço com você em qualquer
outra categoria, marcenaria, serralheria ou qualquer coisa que eu preste um serviço
pra você, eu vou cobrar um valor que vai cobrir o meu custo e que vá trazer um
retorno pro meu bolso. E, hoje, eu não consigo fazer isso como entregador. Eu não
posso chegar pra você e ligar “Olha cidadão, eu vou entregar seu lanche aí, mas a
entrega ao invés de ser seis reais que você vai pagar pro aplicativo, você vai ter que
me pagar 15, porque eu tenho um custo de manutenção de moto e gasolina e os outro
50 por cima eu vou ter que colocar no bolso”. Não tem como eu fazer isso, eu tenho
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Entrevista com Abel Santos: a luta dos entregadores de aplicativos no DF
que rodar, ganhar o que o aplicativo dá e me virar pra pagar os custos da operação e
sobrar pra comer dentro de casa. Eu vejo que, hoje, se fosse pra quebrar essa relação
de emprego, teria que ser uma CLT, que aí esses aplicativos teriam que desistir do
mercado e realmente se extinguir ou se enquadrar. Em [que] pelo menos ele [o
entregador] estaria garantido com o mínimo, que hoje não se tem, e é ludibriado [com
a informação falsa de] que põe cinco mil no bolso, e essa não é a realidade.
Entrevistadores: Na sua opinião, quais são as próximas perspectivas das lutas dos
entregadores e, em particular, da AMAE-DF?
Abel Santos: É uma pergunta muito difícil, viu? Porque, ao longo desse tempo, que a
gente vem lutando, a gente viu que a dificuldade aumentou a cada dia. A resistência,
os aplicativos investiram muito para os encontros dos movimentos, e a gente pouco
reforço, pouco braço pra fazer esse trabalho. Mas, assim, na minha visão, é de muita
luta. E isso sempre vai ser. É de poucas vitórias, mas que serão vitórias importantes,
que vá pelo menos trazer uma certa visão diferenciada. E eu acho que uma arma que
AMAE-DF vai tá usando nos seguintes é capacitar esses entregadores, usando a
educação em si. Então, a gente tá tentando firmar parcerias para fazer canal no
YouTube para propagar essas informações, páginas no Insta pra propagar essas
informações, pra mostrar pro entregador na ponta do lápis pra ele ver que não é uma
ilusão, que não é esse conto de fadas que o aplicativo passa pra ele, de fazer cursos,
realmente cursos, que ele vá ganhar o e-book dele pra ler, que ele vai ter os vídeos
baseado em cima do e-book, para que ele [tenha] ali um conhecimento. A gente tá
tentando conscientizar e apostando nessa conscientização pra ter mais retorno de luta,
pra ter mais amparo, pra ter mais adesão pro entregador acordar e ver que esse mar de
rosas que contam pra ele é só conto de fadas, só ficção cientifica, só dá certo nos
filmes que é essa nova relação de trabalho só tá vindo realmente somente pra
explorar, qualquer categoria, não é só a parte entrega e motorista de aplicativo então
assim a próxima linha que nós vamos tentar fazer é essa. Agora se vai ter êxito ou não
é só com o tempo e ver o resultado do trabalho que vai ser feito.
***
Entrevistadores: A ideia desta nova entrevista é que você possa nos atualizar sobre o
que aconteceu desde a nossa última conversa na luta dos entregadores4.
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mesmo que o motorista, e olha que estamos fazendo um trabalho próximo, mas
completamente diferente do enfermeiro, assim como o do turismo... Então a ideia é
que a gente possa unificar este trabalhadores em busca de uma regulamentação que
garanta os seus direitos trabalhistas. A ideia secundária é um trabalho voltado para
Brasília, é fazer com que a ATAM-DF se torne um instituto que permita trazer
projetos que vão amparar estes trabalhadores e dar resultados de forma mais direta.
Então, podemos trazer projetos de capacitação, projetos como a Oficina Mecânica
Social, para tirar aquele peso financeiro da operação, que é a manutenção da moto.
Então, assim, vamos começar a articular meios para dar resultados para esta
categoria, enquanto o Estado anda em ritmo lento. Temos um grande exemplo nesta
lei dos pontos de apoio. Foi uma lei que saiu de dentro da Associação. Eu ajudei a
escrever, com mais nove entregadores. Aí entregamos para o Deputado Fábio [Félix].
Eles fizeram os tramites. Subiu a Plenário. Passou no primeiro turno, apenas com um
voto contra. Passou em segundo turno, com este mesmo voto contrário, que é de uma
deputada do Novo, a Júlia Lucia. E aí foi para a regulamentação. A associação atuou
ali bem perto, fizemos articulação, conversamos com o Gustavo, que é o Secretário
da Casa Civil, e o Ricardo, que é o Vice-Secretário, que foi onde sancionou a lei dos
pontos de apoio. Mas hoje, ela não se tornou realidade. E quando um aplicativo
procurou a gente, a Brasil Delivery, que está chegando agora em Brasília, eles são de
São Paulo, eles nos disseram que queriam chegar podendo promover esta lei: “para
que os entregadores vejam que estamos do lado deles”. Mas, o que aconteceu? A lei
colocou como exclusividade de sua aplicação para os aplicativos. E, quando foi
proposto, na regulamentação da lei, para que o GDF destinasse áreas para efetivar os
pontos de apoio com mobiliário urbano que estão desativados ou abandonados e áreas
para poder fazer a construção, o próprio governador Ibaneis Rocha assinalou positivo.
E aí passou para a SEMOB5. Mas quando chegou aí, o Secretário disse que
deveríamos buscar as administrações das RAs6 para viabilizar o projeto. Mas, ao
buscá-los, encontramos uma gigantesca burocracia e pessoas que não estão
interessadas em fazer. Porque a gente vai já com projeto montado, com a área que
precisaria e a indicação desta área, pois nó sabemos que são áreas que estão lá, ou
paradas ou abandonadas, que pode colocar uma estrutura para o entregador.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-
NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 57-78. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL
Helena Martins
Professora da Universidade Federal do Ceará. Doutora em
Comunicação Social. https://orcid.org/0000-0002-3210-4969
Jonas C. L. Valente
Pesquisador de pós-doutorado, Oxford Internet Institute.
https://orcid.org/0000-0002-2201-6930
Marina Polo
Doutora em Estudos de Comunicação: Tecnologia, Cultura e
Sociedade, Universidade do Minho. https://orcid.org/0000-0003-
4536-0539
Mirele Rodrigues
Graduanda em Sociologia na Universidade Federal do Ceará.
Raissa Pacheco
Graduada em Comunicação Social-Publicidade e Propaganda na
Universidade Federal do Ceará.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 79-102. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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A mediação do trabalho por plataformas digitais e seus impactos para a autonomia dos trabalhadores
ABSTRACT: The text analyzes the multiple mediations of work by digital platforms,
questioning the impacts of these mediation dynamics on the autonomy of workers in
these spaces. The research focused on ten digital platforms for freelance work:
Workana, Freelaweb.com.br, 99 Freelas, Get Ninjas, Freelas, Comunica Freelancer,
Wedologos, Vintepila, Vinteconto and Rockcontent Talent Network. The multiple
mediations of work by digital platforms are examined, which occur in relation to
capital in general, in the employment of work to enable social activities and in the
specific agency of hiring the workforce. The work analyses the strategies of control
of workers by the platforms and the ways in which their autonomy is limited. These
restrictions are imposed in various ways. In the case of platforms, they include
platform rules on access to jobs, remuneration mechanisms and procedures for the
selection, execution and evaluation of tasks performed. Some of them provide for
pre-established formats and contents. Another dimension of control and limitation of
autonomies occurs by the contractors, who establish contents, parameters, and
deadlines, as well as control the intellectual production process. The analysis points
to how the mediation of the platforms makes it possible to deepen the subsumption of
intellectual labour and reduce the autonomy of the worker, even if under a discourse
of "independence" in the execution of tasks.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo analisar as dinâmicas de mediação operadas por
plataformas digitais de trabalho. O trabalho tem como foco os impactos dessas
mediações sobre a autonomia dos trabalhadores, o que inclui os graus de liberdade
para escolher que tarefas realizar e o conteúdo do trabalho, traduzido nos resultados
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Nos últimos anos, a possibilidade de trabalhar por meio de uma plataforma online
cresceu, acompanhando o maior acesso à internet banda larga e a disseminação de
1 A OIT define esse tipo de plataforma como “plataforma de trabalho baseada na web, que fornece às
empresas e a outros clientes acesso a uma mão-de-obra vasta e flexível” (2018, p. XV). Difere, assim, das
aplicações baseadas numa localização específica, como a partir de aplicativos de corridas e entregas. A
discussão sobre a tipologia será feita ao longo deste texto.
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2. MÉTODOS
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Ainda que este seja um fenômeno em processo, aberto, portanto, às lutas em torno de
sua configuração, é possível apontar que a relação entre tecnologia digital e trabalho
consiste em uma tendência. Esta resulta da reestruturação produtiva, que transformou
as tecnologias da informação e da comunicação em base técnica do sistema na etapa
atual, e foi viabilizada pelo aumento do acesso à internet banda larga, pelas
possibilidades de captura e tratamento de dados e pelo desenvolvimento de outras
tecnologias, como sistemas de aprendizagem de máquina.
Ursula Huws (2016) argumenta que, a partir da crise 2007-2008, um novo padrão de
organização do trabalho foi forjado, o qual ela intitula como “logged labour”. A
codificação das atividades, o acúmulo de tarefas burocráticas e a subordinação ao
produtivismo são marcas do impacto do neoliberalismo que, por uma combinação de
fatores tecnológicos, políticos e econômicos, conformam esse padrão, que se reflete,
segundo a autora, na corrosão do padrão de contrato entre empregador e empregado.
Conforme Louçã (2018, p. 95), “o que assistimos é a uma luta de classes para
reconfigurar o mundo, de modo que as tecnologias possam ser o centro de um
relançamento da acumulação de capital, com uma exploração mais intensa”.
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É preciso, pois, situar essa relação entre capitalismo e tecnologia para compreender o
mundo do trabalho hoje. Nas últimas décadas do século XX, uma interpretação de
que o centro dinâmico do capitalismo se deslocou para além da produção e do
trabalho na indústria ganhou lastro. Financeirização, redução do número de
trabalhadores formais, fechamento de fábricas e crescimento dos chamados serviços
seriam indícios disso. As explicações partiram da ideia da “economia do
conhecimento” como uma nova forma de produção e de sociabilidade. Essa visão
animou o pensamento autonomista italiano e ganhou ampla repercussão a partir do
trabalho de Hardt e Negri (2005), para os quais a possibilidade de circulação na
sociedade traria contradições profundas para o capitalismo, libertando os
trabalhadores. Se acertaram na percepção da importância das tecnologias, deixaram
de ver que, na verdade, o conhecimento estava sendo mais absorvido pelo capital, em
uma radicalização de um largo processo histórico, pois:
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A mediação do trabalho por plataformas digitais e seus impactos para a autonomia dos trabalhadores
Assim, de um ponto de vista sociológico, pode ter sentido promover esse tipo de
qualificação, mas ao tomar o “digital” ou mesmo a “plataforma” como qualificadores
centrais, ainda que em visões mais críticas como no caso do “capitalismo digital”, de
Schiller (1999), e “capitalismo de plataforma”, de Snircek (2017), coopera-se com
uma visão que pode derivar em uma abordagem fetichista, invertendo a relação
causal entre tecnologia e sociedade. Aqui, buscamos, no sentido de Marx, enfatizar as
relações sociais que ocorrem no capitalismo e que são incorporadas na tecnologia.
Trata-se, afinal, de um sistema revolucionário, que promove mudanças para aplacar
suas contradições, mas que se mantém sobre os processos identificados
essencialmente pela crítica da economia política.
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Abílio (2020, online) usa o termo “uberização”, referência à empresa Uber, embora
se refira “a processos que não se restringem a essa empresa nem se iniciam com ela, e
que culminam em uma nova forma de controle, gerenciamento e organização do
trabalho”. O fenômeno consistiria na ascensão de uma massa de trabalhadores
“autogerenciada subordinada disponível” desprovida de direitos, um trabalhador
“just-in-time”. A autora cita frágeis fronteiras entre o que é e o que não é tempo de
trabalho e entre o espaço doméstico e o do labor como suas características.
2 Entre as características dessas plataformas, estão, segundo Valente (2020): a operação sobre uma base
tecnológica digital conectada, o provimento de serviços calcados nessas conexões e lastreados na coleta e
processamento de dados, bem como de efeitos de rede, características que se apresentam nas relações de
trabalho constituídas por e em associação com elas.
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Helena Martins / Jonas C. L. Valente / Marina Polo / Mirele Rodrigues / Raissa Pacheco
Wood, Graham, Lehdonvirta and Hjorth (2019, p. 57) adotam uma tipologia baseada
na vinculação territorial das tarefas desenvolvidas. A especificidade que conformaria
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A mediação do trabalho por plataformas digitais e seus impactos para a autonomia dos trabalhadores
Grohmann (2020, p. 113), por sua vez, divide-as em: i) plataformas que requerem o
trabalhador em uma localização específica; ii) plataformas de microtrabalho ou
crowdwork; e iii) plataformas freelance, de cloudwork ou macrotrabalho. Ocorre que
a distinção baseada em localização é pouco explicativa, bem como as diferenças entre
micro e macro. Isto porque trata-se de uma forma de parcialização do trabalho. A
linha de montagem não é visível, mas o que ocorre é a fragmentação do trabalho em
tarefas, ampliando a divisão do trabalho e a alienação. Há, a nosso ver, plataformas
que operam a produção de mercadoria ou serviço diretamente (caso dos aplicativos de
transporte ou limpeza) e outras que medeiam a venda da força de trabalho (a exemplo
das plataformas de “freelas”). O foco desta pesquisa é este segundo tipo.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
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A mediação do trabalho por plataformas digitais e seus impactos para a autonomia dos trabalhadores
pode ser sempre iniciado pelo cliente – para o trabalhador, é um recurso exclusivo
para aqueles que compram o plano de assinatura. As plataformas expõem a avaliação
e ranqueamento dos profissionais, adotando mecanismos de gamificação. São
estratégias que visam tornar as atividades dentro das plataformas mais estimulantes
para os usuários e que podem ir além dos rankings e premiações. Ficam em evidência
nos selos que são atribuídos pela Wedologos, como o de “coruja” que procura
estimular o trabalhador a ser produtivo entre o período de 0h às 06h. Ao coletar estes
e outros selos, o trabalhador ganha reconhecimento e destaque na plataforma.
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Helena Martins / Jonas C. L. Valente / Marina Polo / Mirele Rodrigues / Raissa Pacheco
Interessante notar que Marx antecipa que o salário por peça facilita “a interposição de
parasitas entre o capitalista e o trabalhador assalariado, o subarrendamento do
trabalho. O ganho dos intermediários decorre exclusivamente da diferença entre o
preço do trabalho que o capitalista paga e a parte desse preço que eles realmente
deixam chegar ao trabalhador.”. O trabalhador, por sua vez, como depende de cada
produção para receber o salário, acaba por “aplicar sua força de trabalho o mais
intensamente possível, o que facilita ao capitalista elevar o grau normal de
intensidade. Do mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada
de trabalho, pois com isso sobe seu salário diário ou semanal” (Marx, 1996, p. 184).
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A mediação do trabalho por plataformas digitais e seus impactos para a autonomia dos trabalhadores
Em que pese o caráter esquemático dessa categorização, entendemos que ela organiza
diversas condutas das plataformas analisadas ao longo do trabalho e, ao mesmo
tempo, pode servir como elementos a serem desenvolvidos em trabalhos posteriores
para seu exame em outros casos e para a qualificação do quadro.
5. CONCLUSÃO
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Helena Martins / Jonas C. L. Valente / Marina Polo / Mirele Rodrigues / Raissa Pacheco
A costura entre as premissas teóricas e a análise empírica nos permite, pois, verificar
e descrever formas contemporâneas de amplificação da precarização do trabalho. Um
processo acelerado na pandemia, que facilitou a introdução de tecnologias devido ao
isolamento social e estimulou a demanda pelo desenvolvimento de microtarefas
remuneradas. Em um contexto de precarização das relações laborais e de fragilização
da legislação trabalhista no Sul global, é possível vislumbrar uma maior abertura para
a adoção de tais plataformas, como forma de ampliar o processo de exploração.
REFERÊNCIAS
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 79-102. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL
Diogo Torres
Graduado no Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades (UFBA),
Graduando em Direito (UFBA), bolsista PIBIC/CNPQ do projeto de
pesquisa: Plataformas digitais de trabalho: análise crítica e comparada
sobre a regulação legislativa e negociada - UFBA. Participante no
grupo de pesquisa Transformações do Trabalho, Direito e Proteção
Social (TTDPS/UFBA). https://orcid.org/0000-0002-7766-4329
ABSTRACT: The article aims to analyze the working conditions of Rappi's delivery
workers at a national level by investigating the legal nature of the service provided by
the deliverers of the platform. The paper examines 102 interviews with workers
collected during the PIBIC project at UFBA, about working conditions on the Rappi
platform. In order to carry out such an examination, this paper presents a theoretical
background on the platformization of work, which will serve as a basis for the
analysis of the observed reality. Based on that, it investigates the contradictions found
between the platform's terms of use and the delivery drivers' reports about their work.
In this way, the paper conducts a study of Rappi as a digital platform, analyzes the
terms of use and the platform's operation, presents the data from the empirical
research and, lastly, analyzes the labor regulation framework that better suits the
delivery drivers. The partial results of these interviews indicates that the majority
profile of the delivery drivers corresponds to the courier who works more than 44
(forty-four) hours a week, earns approximately two minimum wages/hour, does not
calculate deductions of costs for the development of the activity, has suffered some
kind of blocking or punishment and recognizes that there is control by the platform,
but does not consider himself an employee.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Diogo Torres / João Pedro Oliveira Magalhães / Silvia Helena Coelho Gomes / Vanessa Cunha de
Souza
1. INTRODUÇÃO
1 No “Item 1” dos termos de uso, de título “Considerações Iniciais”, a alínea “e” estabelece que “o contrato será
firmado exclusivamente entre o ENTREGADOR e o CONSUMIDOR, sem qualquer responsabilidade da
OPERADORA inclusive pela inexecução ou execução defeituosa do serviço de frete”. O “Item 2”, por sua vez,
estabelece as definições e afirma que entende por entregador “a pessoa física (maior de idade e com capacidade
civil) ou eventualmente jurídica que se cadastra na PLATAFORMA e tendo seu cadastro aprovado se habilita a
realizar entregas dos FORNECEDORES aos CONSUMIDORES conforme a sua disponibilidade, viabilidade ou
desejo, de forma completamente autônoma, acessando um dispositivo específico da PLATAFORMA. O
Entregador pode realizar a entrega por moto ou bicicleta, dependendo da logística da operação.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
Dessa forma, este artigo se destina a apresentar os dados coletados a partir de uma
pesquisa empírica realizada com entregadores da plataforma Rappi através do projeto
de pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC-
UFBA, financiado pelo CNPq, intitulado “O trabalho na plataforma Rappi”, que se
desenvolveu sob orientação do Professor Murilo Carvalho Sampaio Oliveira e por
uma das autoras do presente trabalho.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Diogo Torres / João Pedro Oliveira Magalhães / Silvia Helena Coelho Gomes / Vanessa Cunha de
Souza
prestar qualquer serviço; e, por fim, são apresentados os dados da pesquisa realizada,
que demonstram as condições de serviço desses trabalhadores a partir da análise dos
eixos de enfoque.
Uma plataforma digital pode ser definida, em seu aspecto mais essencial, enquanto
uma infraestrutura digital que permite a interação entre diferentes grupos (SRNICEK,
2018, p, 45). Assim as define Srnicek, ao apresentar aquilo que ele chama de
capitalismo de plataformas. Este fenômeno nada mais é do que a gradativa adoção,
por empresas dos mais variados ramos econômicos, do modelo de plataformas
digitais para a gestão de seus negócios.
Esse é o fenômeno que permite o modelo de empresa enxuta que pode ser observado
nas autodenominadas startups de sucesso. Também, é nesse momento em que se
evidencia a passagem da figura do trabalhador empregado para a do “homem
empresarial”, apontado por Dardot e Laval (2016), sujeito moldado pela lógica
neoliberal e que concebe o empreendedorismo como uma nova dimensão do homem.
O homem empresarial é o sujeito visto como uma empresa, se responsabilizando pelo
seu próprio gerenciamento, e como um capital que deve ser capaz de se frutificar
(DARDOT; LAVAL, 2016).
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
Dentre tantas empresas que empregam o modelo de plataformas digitais, muito se debate
sobre como classificar tais plataformas. O próprio Srnicek apresenta em seu livro cinco
categorias, baseadas majoritariamente na observação de como os dados são utilizados
para alcançar os fins de cada atividade econômica. Contudo, o debate sobre tipologias de
plataformas é amplo e diversas são as propostas de classificação. (SCHMIDT, 2017;
SCHOR, 2014; CODAGNONE et. al, 2016; ALOISI, STEFANO, 2018).
Por diferentes caminhos, surge no debate acerca de uma taxonomia das plataformas
digitais a possibilidade de classificá-las, também, a partir de um critério que avalia a
participação do trabalho no fornecimento do serviço prestado. Assim, Aloisi e De
Stefano (2018), Codagnone et. al (2016), a Eurofound (DE GROEN, et. al, 2018)
apresentam também suas propostas de critérios específicos para a classificação das
plataformas digitais de trabalho.
Um panorama de toda essa produção, assim como um debate acerca de seus limites e
seus potenciais, é feito por Carelli e Oliveira (2021). Após a análise desse debate,
propõe-se uma síntese tanto conceitual quanto de proposição de critérios a partir dos
quais se pode classificar as plataformas digitais de trabalho. Em razão de sua
capacidade de sistematizar os eixos centrais para o direito do trabalho presentes nas
outras proposições, compreendendo seus limites, este artigo se valerá desse aporte
teórico para classificar a empresa Rappi.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Diogo Torres / João Pedro Oliveira Magalhães / Silvia Helena Coelho Gomes / Vanessa Cunha de
Souza
Por outro lado, nas plataformas dirigentes, é maior o grau de interferência na relação
entre tomador e prestador de serviço, exercendo-se controle sobre a atividade
negocial. Esse controle se constata, sobretudo, na precificação, disposição acerca das
regras e condições de trabalho e avaliação deste. Logo, o objeto da atividade
empresarial consiste apenas em propiciar uma plataforma que promova uma interação
negocial. Ao contrário, plataforma é meio de organização e gerência para a prestação
de um serviço personalizado que, no caso da Uber, é serviço de transporte de
passageiros, no caso da Ifood é o delivery de comida e, no caso da Rappi, o “delivery
de qualquer coisa”, em utilização a própria expressão que a empresa faz referência.
Nestas plataformas, a relação negocial não ocorre entre as partes conectadas, mas sim
de cada uma individualmente com a plataforma.
Após a análise dos dados de pesquisa empírica, termos de uso do aplicativo e leituras
do blog e sítio oficiais da própria empresa, não se pode chegar a outra conclusão
contrária à de que a Rappi tem modelo de negócio dirigente.
Nela, se verifica a precificação, uma série de diretivas nos termos de uso acerca do
trabalho que são de observância obrigatória, sob pena de desligamento do
trabalhador, além do controle do tempo de entrega. Ademais, a própria empresa
assume, em seu sítio eletrônico oficial que indica a localidade onde o serviço deve ser
prestado e que isso interfere na quantidade de demandas que o trabalhador irá
receber. Verificou-se, também, no relato dos entregadores, a existência de punições
como bloqueios temporários para dias não logados ou para o caso de extrapolar o
tempo de entrega2. Os entregadores relataram, ainda, que a empresa exige envio de
2 Ao ser indagado porque se considera empregado da empresa, o entregador Jean respondeu o seguinte “vai
ficar sem logar no final de semana, ou por dois ou três dias seguidos para ver o que acontece. A pontuação
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
Além disso, a Rappi atua em um ramo particular, em que o serviço típico de entregas é
conjugado com a prestação de pequenos serviços variados. De toda maneira, o resultado
do serviço é entregue localmente com base em tarefas completas que são entregues
individualmente a cada trabalhador - tendo em vista que o entregador recebe a tarefa
através de um aplicativo vinculado à plataforma, mas ela se consuma presencialmente4.
Por outro lado, um aspecto que pouco se distingue nessas plataformas a depender da
sua localidade é o fato de que em qualquer localidade elas criaram um mercado de
serviços que podem ser ofertados 24h por dia, 7 dias por semana, como identifica
Kalil (2019). A viabilidade desse modelo, evidentemente, depende fortemente da
conexão possibilitada pela internet, mas também da permanência online de uma onda
de trabalhadores em contratos precários movidos pela expectativa de garantirem mais
trabalhos. As jornadas semanais de trabalho, que ultrapassam as 70h, relatadas por
diversos entregadores5, evidenciam essa realidade.
abaixa logo, aparece bloqueio do nada, fica um tempão sem aparecer pedido”. Também afirmou que a
empresa exerce controle do trajeto que o entregador faz. Segundo ele, sempre que o entregador toma outro
caminho que não o indicado pelo “aplicativo”, a Rappi envia mensagem indicando que não está seguindo a
Rota orientada pela empresa. Afirmou, ainda, que a empresa controla o tempo de entrega e os aceites,
porque se negar muitos pedidos ou extrapolar o tempo de entrega, recebe bloqueios curtos que variam entre
15 min a 2h. Se negar pedidos for uma conduta constante, os bloqueios podem ser definitivos.
3 Danilo esclareceu que sofreu bloqueio definitivo após passar 15 dias consecutivos sem logar, por conta de um
acidente com sua motocicleta durante seu trabalho com entregador. Ao comparecer na Central física da
empresa em Salvador - que fica na Igreja Batista Filadélfia, no bairro da Caixa d’Água, Danilo foi orientado
pelo representante da Rappi a enviar e-mail para a empresa com toda documentação comprobatória de que
esteve acidentado e que sua moto estava danificada, para que tivesse seu cadastro reativado (CUNHA, 2022).
4 A descrição do funcionamento da plataforma apresentada se baseia na leitura dos termos de uso e dos
relatos dos trabalhadores.
5 Relatos colhidos no relatório de observação, no campo pesquisado.
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Na prática, percebeu-se, através dos relatos dos entregadores6, que o trabalho precisa
ser previamente agendado, com local e horário, indicados pela plataforma, tendo em
vista que essas vagas são limitadas e, caso o obreiro não permaneça o tempo mínimo
de 70% da carga horária previamente agendada, ou iniciar as atividades fora do local
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
Embora nos termos de uso a empresa afirme que não há hierarquia, no blog Sou
Rappi (2021), destinado a esclarecimento de dúvidas aos entregadores, a Rappi
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Conforme a própria Rappi explica em seu blog, voltado para entregadores (SOU
RAPPI, 2021), além de prioridade na reserva e mais vagas, o entregador diamante
recebe incentivos financeiros diferenciados, tem maior facilidade para entrar no
programa Rappi Goleada, prioridade no acesso a cursos e novos benefícios.
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
Por outro lado, a análise dos termos de uso no tópico supra, evidenciou que o trabalho
deve ser desenvolvido por pessoa física e que a obrigação contratual é de natureza
personalíssima, satisfazendo os requisitos do trabalho prestado por pessoa física e da
pessoalidade. Ademais, verificou-se nos termos de uso uma série de comandos sobre
o trabalho dos entregadores, como atividades diretivas, regulamentadoras,
fiscalizatórias, investigativas e disciplinares do serviço, situações que comportam as
8 Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou
por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.
[...]
§ 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com
subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de
inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do
empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
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No que tange a jornada, esclarece-se que o elemento “até 25h e 44h” abarcou todas as
faixas de tempo superiores a 10h até o limite de 44h. A ausência de uma faixa que
avaliasse quantos entregadores trabalham até 30h prejudicou a análise de quantos
entregadores trabalham em tempo parcial, nos termos do art. 58-A da Consolidação
das Leis de Trabalho (CLT).
9 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
Elaboração: Própria.
Elaboração: Própria.
A pesquisa constatou que 54,6% (somando 20,8%, 9,1% e 24,7%) dos entregadores
no questionário presencial declararam que laboram na Rappi por período superior ao
limite legal de 44h semanais, considerando a jornada normal de 8h diárias, conforme
art. 58 da CLT.
No questionário online, 52% dos inquiridos (somando 20%, 20% e 12%) laboram por
mais de 44h semanais.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Diogo Torres / João Pedro Oliveira Magalhães / Silvia Helena Coelho Gomes / Vanessa Cunha de
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Desta forma, é legítimo concluir que 53,46% dos profissionais laboram por mais de
quarenta e quatro horas semanais. Isso significa que mais da metade destes
entregadores não apenas trabalham por quantidade de horas semanais suficientes para
seu enquadramento como trabalhador integral, como também ultrapassam o limite
legal, inclusive atingindo jornadas superiores a 70 horas semanais.
Aliás, essa é a condição da maior parte dos entregadores. A maioria dos pontos que
agregam entregadores em Salvador não possui qualquer estrutura para acomodação
destes. A descrição dos relatos dos entregadores nos apresenta uma jornada que
exorbita o limite de 44h semanais, que varia em períodos jogado ao relento à espera
de um toque do aplicativo e períodos de alta rotatividade sobre uma moto, com uma
mochila, por vezes com sobrepeso, que traz instabilidade e dificulta o equilíbrio,
correndo riscos no trânsito.
Nos dias de alta rotatividade, é possível que o entregador passe o período integral do
dia de trabalho sobre duas rodas, se expondo a lombalgias e outros riscos ergonômicos
(DINIZ, 2003). Com a viseira do capacete aberta, o sol incide diretamente sobre o rosto
e arde a pele como brasa. Conforme relatado pelo entregador Diogo, o conjunto
capacete e viseira, se fechados, aquecidos pelo sol, funcionam como uma estufa e
causam sensação de falta de ar após algumas horas de trabalho.
Vários entregadores disseram que nos dias de alta rotatividade sequer chegam a fazer
refeições e evitam o máximo possível ir ao banheiro. Isto porque é preciso aproveitar
quando se tem muitas demandas, pois, segundo os relatos, aquele pode ser o dia
definitivo para compor sua renda semanal. Usualmente, não se sabe se no dia
seguinte haverá a mesma oferta de pedidos10.
10 Um exemplo desse relato nesse sentido, foi o do entregador Jean afirmou que no dia da aplicação do
questionário ele teve sorte, pois recebeu uma quantidade razoável de demandas, mas que tem dias que fica
horas à espera de algum dos aplicativos tocar. Explica que acredita que isso é alternado entre os entregadores,
pois naquele dia em que ele recebia muitos pedidos, era seu colega que estava sem demandas. Ele chamou
um colega entregador e perguntou “tá aqui desde que horas?” Ele responde que desde 10h. Era 15h 45 min
quando a pesquisa estava sendo aplicada. Então o Jean perguntou para seu amigo quantas entregas ele fez o
dia todo e ele respondeu que apenas uma, nesse intervalo de 5h e 45 min em que esteve sentado no chão da
calçada esperando por uma demanda.
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Elaboração: Própria.
Elaboração: Própria.
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DOI: https://doi.org/10.33637/2595-847x.2023-177
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Diogo Torres / João Pedro Oliveira Magalhães / Silvia Helena Coelho Gomes / Vanessa Cunha de
Souza
Assim, a maior parte dos colaboradores optou por indicar o valor aproximado que
ganha por horas, com base na quantidade de entregas que conseguiam fazer em uma
hora, nos dias em que havia pedidos. Grande parte dos que responderam as faixas
“até R$ 10,00” e “entre R$ 11,00 e R$ 20,00” declararam que fazem de duas a quatro
entregas por hora, com valor aproximado de R$ 3,50 a R$ 5,00 por entrega.
Esse foi o único quesito em que os questionários trabalharam com faixas diferentes.
Inicialmente ambos os questionários tinham as mesmas faixas de valores. Contudo,
ao ir a campo, percebeu-se que uma parcela relevante de entregadores relatava
receber valores na faixa de R$600,00 e R$700,00, o que culminaria na percepção de
dois salários mínimos por mês em termos brutos.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
Elaboração: Própria.
Elaboração: Própria.
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DOI: https://doi.org/10.33637/2595-847x.2023-177
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Diogo Torres / João Pedro Oliveira Magalhães / Silvia Helena Coelho Gomes / Vanessa Cunha de
Souza
A pergunta “você já sofreu alguma punição ou teve sua conta bloqueada?” também foi
de resposta dualista, em campo afirmativo ou negativo, sem abrir margem para
indecisões. A maior parte dos entregadores – 76,6% no questionário presencial e 87,5%
na online responderam ter sofrido alguma punição ou que tiveram a conta bloqueada.
A pergunta “você já sofreu punição por” conteve as opções infra relacionadas. Dentre
os motivos das punições, os entregadores apontam o fato de:
11 Por conta da pandemia - que acentuou a crise de desemprego e intensificou o serviço delivery em
consequência do distanciamento social - desde 2020, o entregador precisa agendar previamente o turno em
que ele escolhe trabalhar. Nessa alternativa, o entregador entende que sofreu punição por ter desligado o
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
4. Ficar desconectado por dias seguidos, inclusive aos finais de semana (18
respostas presenciais e 04 online) – refere-se à hipótese de o entregador manter o
aplicativo desligado por dias seguidos ou durante os finais de semana e julgar que
sofreu punição por isso;
Embora não tivesse esses itens na pergunta, os entregadores também pontuaram como
motivo de punição o fato de ser identificado como liderança do movimento “breque dos
apps” ou de não trabalhar no dia de paralisação de entregadores. Também foi pontuado
pelos trabalhadores o bloqueio e total apagamento do histórico da plataforma após
informar a ocorrência de acidente de trânsito durante o trajeto de entrega.
A maior parte dos entregadores permanece nos locais indicados pela plataforma –
66,2% no questionário presencial e 66,7% no online. Alguns deles relataram não
existir um significativo aumento de entregas em relação a outras localidades, mas que
preferem ficar à espera de um pedido onde a empresa indica para manter boa
pontuação. Outros alegaram que há aumento expressivo de demandas por ficar nos
locais que a empresa indica.
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Diogo Torres / João Pedro Oliveira Magalhães / Silvia Helena Coelho Gomes / Vanessa Cunha de
Souza
local é feita pelo “aplicativo” de forma meramente sugestiva e a não observância a essa
sugestão não gera qualquer prejuízo.
Nenhum obreiro negou o fato de que a plataforma indica o local onde o entregador
deve ficar, mesmo aqueles que afirmaram ficar no local de sua livre escolha.
Os quesitos “você considera que o seu trabalho é controlado pela RAPPI?” e “VOCÊ
SE CONSIDERA: empregado da Plataforma Rappi [ou] Trabalhador autônomo”
tiveram por objetivo analisar a percepção dos entregadores sobre o fenômeno da
subordinação jurídica e ao fato de se verem ou não como empregados.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
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REFERÊNCIAS
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
DOI: https://doi.org/10.33637/2595-847x.2023-177
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Autônomos ou empregados? Exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Diogo Torres / João Pedro Oliveira Magalhães / Silvia Helena Coelho Gomes / Vanessa Cunha de
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SCHOR, Juliet et al. Debating the sharing economy. Journal of self-governance and
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RAPPI. História da Companhia. 2022a. Disponível em:
<https://about.rappi.com/br/quem-somos>. Acesso em: 15 de mai. de 2022.
RAPPI. Nos primeiros tempos. 2022b. Disponível em:
<https://about.rappi.com/br/quem-somos/nossa-historia>. Acesso em: 07 de mai. de
2022.
RAPPI. Termos e condições de uso de plataforma virtual. 2022c. Disponível em:
<https://legal.rappi.com/brazil/termos-e-condicoes-de-uso-de-plataforma-virtual-
entregador-rappi/>. Acesso em 20 mai.2022.
REVISTA PEQUENAS EMPRESAS GRANDES NEGÓCIOS. Rappi recebe
aporte de mais de US$ 500 milhões e passa a valer US$ 5,25 bilhões. Disponível
em < https://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2021/07/rappi-recebe-aporte-de-
mais-de-us-500-milhoes-e-passa-valer-us-525-bilhoes.html>. Acesso em: 07 mai.
2022.
SLEE, Tom. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. Editora Elefante,
2019.
SRNICEK, Nick. Capitalismo de Plataformas. 1. ed. Ciudad Autónoma de Buenos
Aires: Caja Negra Editora, 2018.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-
NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 103-127. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 128-149. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
of Karl Marx's “Capital” was made. Some categories were constructed from the
characteristics of piece rate pay identified in the literature review and a survey was
applied with 87 workers on digital platforms, in 19 States in Brazil, between May and
July 2021. This outcome was discussed in the light of the theory of value of Marx.
The findings supported the hypothesis that platform work promotes a return of piece
rate pay. These results highlighted the importance of how workers are paid in
platform work to understanding the willingness to work long hours in poor working
conditions in a non-regulation job. More research is needed to better understand the
relationship between piece rate pay and platform work.
1. INTRODUÇÃO
No que diz respeito à forma de remuneração predominante nesses três tipos de trabalho,
Casilli (2019) observa que o microtrabalho, ou cloudwork, inequivocamente adota o salário
por peça como forma de remuneração. Apesar de não afirmar o mesmo com relação aos
demais, o autor defende a hipótese de que há uma tendência de generalização do salário por
peça como forma ideal de remuneração do trabalho em plataformas digitais.
Úrsula Huws (2017), uma das primeiras teóricas a estudar o tema, afirma que “apesar de
algumas formas de pagamento por resultados (ou por peça) serem aplicadas quando esses
trabalhos são casuais, geralmente (esses trabalhadores) são remunerados por hora”
(HUWS, 2017, p. 186). Alkhatib, Bernstein e Levi (2017), Dubal (2020) e Pires (2020)
afirmam categoricamente que o trabalho em plataformas digitais é uma forma de
remuneração por peça. Segundo Alkhatib, Bernstein e Levi (2017, p. 4.606), “o trabalho
sob demanda não é novo, mas uma aplicação contemporânea do salário por peça”.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 128-149. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Laura Valle Gontijo
Para corroborar com as análises que partem da mesma hipótese deste trabalho, fez-se um
paralelo entre o trabalho em plataformas digitais e o salário por peça e por hora, descritos
por Marx no volume I, de “O Capital”. Marx (1984) afirma que o salário é parte do
capital variável, ou seja, a parte do capital convertida em força de trabalho e, portanto,
base do processo de produção de mais-valia. O autor afirma que o trabalhador precisa
trabalhar uma média de horas por dia para receber um salário diário que corresponda ao
valor da sua força de trabalho ou aos meios de subsistência necessários para sua
reprodução. Como a força de trabalho é vendida por determinado espaço de tempo, a
forma em que se apresenta o seu valor diário ou semanal é a de salário por tempo.
No entanto, Marx esclarece que há uma forma de remuneração na qual o salário por
tempo é praticado sem considerar uma jornada de trabalho: o salário por hora. Essa
forma de remuneração permite que seu valor seja fixado de modo que o capitalista
pague apenas as horas em que lhe foi conveniente empregar o trabalhador, podendo
extrair trabalho excedente ou mais valia sem proporcionar o tempo necessário à
própria reprodução do trabalhador. Essa forma de remuneração permite destruir a
regularidade da ocupação e fazer alternarem-se “o mais monstruoso trabalho
excessivo com a desocupação relativa ou absoluta” (MARX, 1984, p. 630).
Enquanto no regime de salário por tempo, com exceção do salário por hora conforme
dito acima, a remuneração é igual para todos os trabalhadores, com poucas exceções,
no salário por peça, esta pode variar com as diferenças individuais dos trabalhadores,
sua habilidade, força, energia e persistência. Assim explica Marx (1984):
[...] a maior margem de ação proporcionada pelo salário por peça influi no sentido de
desenvolver, de um lado, a individualidade dos trabalhadores e com ela o sentimento
de liberdade, a independência e o autocontrole, e, do outro, a concorrência e a
emulação entre eles. Por isso o salário por peça tende a baixar o nível médio dos
salários, elevando salários individuais [...] (MARX, 1984, p. 641-642).
A hipótese que norteou esse estudo é a de que a crise do capital a partir dos anos 1970
(FRANK, 1979) impeliu os capitalistas a promover um retorno do salário por peça e
por hora, como forma de aumentar a produtividade do trabalho, utilizar a mão de obra
apenas nos momentos convenientes e reduzir os salários, em uma tentativa de conter
a queda da taxa de lucro. O trabalho em plataformas digitais surge e promove um
retorno da forma de remuneração por peça, expressando de forma mais nítida essa
tendência. Trata-se de um retorno, porque a limitação da jornada de trabalho, no
século XIX, pôs fim a esse abuso dos capitalistas, qual seja, o de utilizar o salário por
peça e por hora como forma de remuneração predominante dos trabalhadores
(MARX, 1984), tendo se restringido, no século XX, a algumas categorias. Os
cortadores de cana, os trabalhadores têxteis e da construção civil são as categorias
que historicamente sempre receberam por peça, com destaque para os dois primeiros.
Professores e profissionais de saúde da rede privada também usualmente têm seus
salários calculados por hora (ALVES, 2006; DUBAL, 2020; DAL ROSSO, 2017;
GUASNAIS, 2018). No entanto, a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros
sempre receberam e recebem um salário por tempo, ou seja, por jornada de trabalho.
Essas formas de remuneração mencionadas acima são apropriadas para o contexto de
crise econômica, uma vez que permite o uso da força de trabalho apenas e
estritamente nos momentos que convém ao capitalista.
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Laura Valle Gontijo
Apesar de fazer parte da mesma tendência, o salário por hora, qual seja, aquele que
pode ser pago sem se considerar para tanto uma jornada de trabalho, mas apenas as
horas nas quais apraz ao capitalista utilizar a força de trabalho, não possui as mesmas
características do salário por peça. Características estas que tornam esta forma de
remuneração mais propícia à ocorrência de acidentes de trabalho e de problemas de
saúde devido ao desgaste físico que promove nos trabalhadores. A partir das
características do salário por peça descritas acima, foi elaborado um questionário com
entregadores em plataformas digitais no intuito de confirmar ou refutar a hipótese.
2. MÉTODO
Para a realização desta pesquisa foi feita uma revisão na literatura contemporânea sobre
salário por peça e trabalho em plataformas digitais, bem como foram construídas categorias
para análise do salário por peça a partir da leitura do volume I de “O Capital”, de Marx
(1984). As categorias construídas para identificação dessa forma de remuneração foram:
sentimentos de liberdade, autossuficiência, autonomia e concorrência; falta de
transparência; fraudes e descontos salariais; indeterminação de renda; sensação de
vigilância; existência de intermediários; disposição em intensificar e prolongar o trabalho.
1 Optou-se por não exigir nenhuma forma de identificação dos entregadores, sequer e-mail foi exigido para
preenchimento do formulário. Essa precaução foi adotada como forma de garantir o total anonimato dos
respondentes. Foi possível perceber na conversa com alguns entregadores, durante a realização do pré-teste do
questionário, uma extrema desconfiança e medo de algum tipo de retaliação por parte das plataformas.
2 O informante-chave é uma pessoa que faz parte do grupo que se deseja pesquisar e age como facilitador
para aproximação do pesquisador aos demais membros do grupo.
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Laura Valle Gontijo
Elaboração: Própria.
iFood 75
Rappi 30
Uber Eats 33
Loggi 14
99 Food 20
Outros 29
Elaboração: Própria.
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
Segundo demonstra o Gráfico 3, 60% (52 entregadores) declararam ser Nuvem, 36% (31
entregadores) OL e 5% (4 entregadores) responderam a opção “Outros”. Nenhum Chefe OL
respondeu ao questionário. Entre aqueles que responderam “Outros”, as respostas variaram
entre dois que responderam que não trabalhavam para o iFood, um que respondeu que estava
bloqueado e outro que simplesmente não respondeu à pergunta. Dessa forma, nas perguntas
que diferenciam OL e Nuvem foram considerados 83 questionários.
No iFood, você é
5%
36%
60%
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Laura Valle Gontijo
Gráfico 4 – Os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são claros
45%
Os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são cla-
ros 38%
40% 37%
34%
35%
30% 28%
24%
25%
20%
15% 13%
10% 7% 8% 7%
5% 4%
0%
e rdo tro do nte
ent co Neu cor lme
totalm Dis Con egra
o int
co rd do
Dis o ncor
C
OL Nuvem
Elaboração: Própria.
Com relação a este aspecto apontado pela literatura, os dados confirmam, conforme
Gráfico 4 acima, que, para os entregadores, os critérios que definem sua pontuação
não são claros. A pontuação faz parte do sistema de gamificação, que permite “criar
rankings, classificações e níveis de engajamento dos entregadores” (FESTI et al,
2021, p. 44). Quanto maior a pontuação, mais chances de receber mais e melhores
entregas. As regras que estabelecem, no entanto, as perdas e ganhos dos trabalhadores
não são compartilhadas com eles (FESTI et al, 2021). Entre os Nuvem, 38% e outros
37% responderam que concordam integralmente ou simplesmente concordam com a
afirmação de que os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são
claros. Entre os OL, esse percentual foi de 28% e 34%.
É possível supor a existência de descontos salariais por parte das plataformas digitais.
Marx (1984) afirma que a grande vantagem desse tipo de remuneração é permitir a
possibilidade de descontos nos salários dos trabalhadores sem que eles percebam ou o
que ele chama de “trapaça capitalista”. Na literatura sobre o trabalho dos cortadores
de cana, categoria por excelência do trabalho por peça, a principal causa da
sobrecarga de trabalho está no fato de que os trabalhadores não controlam nem a
medida do seu trabalho nem o valor do seu trabalho (GUANAIS, 2018; ALVES,
2006; SILVA, 1999). A indeterminação da renda aparece também nas entrevistas
com trabalhadores “cloudwork” (DUBAL, 2020).
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
70%
Eu recebo por entrega concluída
60%
60%
50%
40%
40%
30%
30% 27%
20%
13%
10% 12%
10% 7%
2% 0%
0%
e do tro o nte
ent cor Neu cor
d
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talm Dis Con ra
o to teg
co rd d o in
Dis cor
Con
OL Nuvem
Elaboração: Própria.
Conforme Gráfico 5 acima, 60% e 27% dos trabalhadores classificados como Nuvem
responderam que concordam integralmente ou simplesmente concordam que recebem
por entrega concluída, enquanto, entre os OL, esse percentual foi respectivamente de
30% e 40%. Ou seja, a maioria dos entregadores sente que seu salário é determinado
pela quantidade de entregas realizadas, ou seja, pela tarefa executada. Trata-se de um
pagamento por produção, uma modalidade do salário por peça, assim como o salário
por empreita ou tarefa (GUANAIS, 2018; SILVA, 1999).
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Gráfico 6 – Sinto que tenho liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu quiser
Sinto que tenho liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu
50% 47% quiser
45%
40%
35%
30% 27%
25% 23% 23%
21%
20%
15%
15% 13% 13%
10%
10% 7%
5%
0%
e rdo tro o e
ent co Neu cor
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Dis cor
Con
OL Nuvem
Elaboração: Própria.
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
O Gráfico 8 teve como objetivo mensurar mais uma característica do salário por peça, a
indeterminação da remuneração mensal (DUBAL, 2020; ALVES, 2006; GUANAIS,
2018). 46% entre os OL concordaram e concordaram totalmente com essa afirmação,
outros 30% discordaram totalmente e discordaram da afirmação e outros 23% ficaram
neutros. Entre os Nuvem, 62% concordaram integralmente e concordaram com a
afirmação e 19% discordaram ou discordaram totalmente. Ambas as categorias OL e
Nuvem tiveram uma tendência maior a concordar que a discordar da afirmação. Observa-
se, no entanto, que entre os OL há uma divergência grande de opiniões entre os
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Laura Valle Gontijo
trabalhadores. Uma possível explicação é o fato de que esta categoria possui horários e
dias fixos de trabalho e um chefe que supervisiona seu trabalho, o que pode implicar em
uma maior regularidade na jornada de trabalho e na sua remuneração ao final do mês.
40%
Não consigo determinar quanto vou receber no final do mês
35%
35% 33%
30% 27%
25% 23% 23%
19%
20%
15%
15% 13%
10%
7%
5% 4%
0%
e o tro do e
ent cor
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Neu cor ent
o talm Dis Con gralm
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Dis
Con
OL Nuvem
Elaboração: Própria.
A dificuldade em calcular o valor do salário por parte dos entregadores foi abordada pela
literatura especializada sobre trabalho em plataformas digitais (FESTI et al, 2021;
DUBAL, 2020). De Stefano e Aloisi (2018) afirmam também que as plataformas digitais
oscilam a todo o momento o valor das tarifas. Uma vez que partimos na hipótese de ser a
forma de remuneração um aspecto importante para entender esse tipo de trabalho, é
possível fazer um paralelo com as usinas de cana de açúcar que estabelecem uma forma
de medição da cana que dificulta seu controle por parte do trabalhador obrigando-o a
manter um ritmo alucinante de trabalho (ALVES, 2006; GUASNAIS, 2018).
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
extremos, é possível concluir que a maioria dos entregadores concorda que se sente
vigiado o tempo todo pela plataforma. 57% entre os OL concordaram e concordaram
integralmente com a afirmação, enquanto, entre os Nuvem, esse percentual foi de 50%.
Observa-se que mesmo o trabalhador Nuvem não possuindo a figura física de um chefe
que supervisiona seu trabalho a maioria se sente vigiado.
45%
Me sinto vigiado o tempo todo
40%
40%
35%
30%
25% 25%
25% 23%
19%
20% 17% 17%
15% 13%
10% 10%
10%
5%
0%
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ent co Neu cor
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Conforme Gráfico 10, a maioria dos entregadores (84% entre os OL e 69% entre os
Nuvem) declarou que trabalhou entre 6 e 7 dias na semana anterior ao preenchimento
do questionário. 37% entre os OL e 42% entre os Nuvem declararam que trabalharam
os 7 dias da semana, ou seja, não tiveram nenhum dia de folga. Aqui fica evidente que
mesmo os OL tendo horários fixos de trabalho, eles também realizam longas jornadas.
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DOI: https://doi.org/10.33637/2595-847x.2023-165
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
30% 29%
27%
25% 23%
20% 20%
20%
15%
15%
10%
10% 8% 8%
5% 3% 4%
0% 0%
0%
Até 14 horas 15 a 39 horas 40 a 44 horas 45 a 48 horas 49 a 53 horas 54 horas ou Não sei
mais responder
OL Nuvem
Elaboração: Própria.
De acordo com o Gráfico 11, é bastante expressivo o número daqueles que não
souberam responder à pergunta sobre as horas trabalhadas (20% entre os OL e 29%
entre os Nuvem). É bastante expressivo também o percentual daqueles que afirmaram
ter trabalhado 54 horas ou mais (33% entre os OL e 27% entre os Nuvem), seguidos
pelos que afirmaram ter trabalhado na semana anterior entre 49 e 53 horas (23% entre
os OL e 8% entre os Nuvem). Considerando uma jornada de cinco dias na semana é o
equivalente a 9 e 10 horas diárias. Observa-se uma tendência à prevalência de jornadas
excessivas de trabalho, muito superior às 44 horas semanais previstas na legislação
trabalhista brasileira. Outras pesquisas corroboram com esse achado. Em Abílio et al
(2020), constatou-se que 54,1% trabalhavam entre nove e quatorze horas diárias e 7,8%
mais que quinze horas diárias. Em Festi et al (2021), a média da jornada semanal dos
entregadores da amostra foi de 65,72 horas. No trabalho por peça, as jornadas são
excessivas devido à própria forma de remuneração que torna “interesse pessoal do
trabalhador prolongar a jornada de trabalho” (MARX, 1984, p. 624, grifo nosso).
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Laura Valle Gontijo
Gráfico 12 – Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da
semana, sem nenhum dia de folga?
OL Nuvem
Elaboração: Própria.
Segundo consta no Gráfico 12, 77% entre os OL e 79% entre os Nuvem responderam
que já trabalharam todos os dias da semana em um determinado mês. Esse dado
demonstra o grau de superexploração a que estão expostos esses trabalhadores e o
quão prejudicial é essa forma de remuneração, que incentiva o trabalhador a trabalhar
até o limite da sua capacidade física. Nesse item, um trabalhador acrescentou: “teve
sim, por opção minha, já que não tinha alcançado minha meta nos dias anteriores e
precisava cobrir essa falha” (José3), confirmando a incidência do tipo de salário na
subjetividade, no sentido de o próprio trabalhador se responsabilizar por ter realizado
uma jornada tão longa de trabalho.
3 Os nomes dos entregadores utilizados neste artigo são fictícios, uma vez que o questionário foi aplicado de
forma anônima.
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
Gráfico 13 – Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você faz?
50,00%
40,00%
31,08%
30,00%
20,00%
OL Nuvem
Elaboração: Própria.
Eu sou entregador OL, meu aplicativo até tem a função de pausa, mas
raramente consigo acioná-la quando quero. (...) Aparece a mensagem:
‘estamos com alta demanda no momento, deixa a pausa para mais tarde e
aproveite para fazer mais entregas agora’...só falta um termo pejorativo
como escravo ou otário no final da frase, pois, às vezes, mesmo após sete
horas trabalhadas sem pausa, quando tento acionar a pausa, a tal
mensagem aparece (João).
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Laura Valle Gontijo
Gráfico 14 – Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada?
OL Nuvem
Elaboração: Própria.
Como é possível observar no Gráfico 14, a maioria declarou ter recebido entre R$
101,00 e R$ 600,00 semanais, entre os Nuvem (61%), e entre R$ 201,00 e R$ 800,00,
entre os OL (60%). Estamos falando de uma renda mensal estimada entre R$ 454,50 e
R$ 2.700,00 (média de R$ 1.804,50) entre os Nuvem e entre R$ 900,00 e R$ 3.600,00
(média de R$ 2.700,00) entre os OL. Outras pesquisas realizadas com entregadores
brasileiros chegaram a resultados semelhantes com relação à renda mensal, como R$
2.400 em FESTI et al (2021) e R$ 2.925,00 em ABILIO et al (2020).
4. CONCLUSÃO
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
Sugere-se que o tipo de salário seja utilizado pelas plataformas digitais como uma maneira
de evitar que o trabalhador tenha controle sobre o seu pagamento. As tarifas oscilam muito
e os critérios que definem a pontuação dos trabalhadores não são claros. Dessa forma, há
uma dificuldade entre os entregadores de calcular sua remuneração mensal. Essas duas
características são bastante presentes no trabalho dos cortadores de cana de açúcar,
trabalhadores por peça por excelência (ALVES, 2006; GUASNAIS, 2018).
REFERÊNCIAS
4 Utilizou-se como referência o salário mínimo de janeiro de 2022, no valor de R$ 1.212,00 (BRASIL, 2022).
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Laura Valle Gontijo
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O trabalho em plataformas digitais e o salário por peça
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O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo verificar quais são as condições
laborais dos entregadores por aplicativos na capital do país e, também, refletir sobre a
precarização do trabalho na era digital. Para conhecer o perfil e compreender as
especificidades da categoria, realizou-se entrevistas através de questionário
semiestruturado. Neste sentido, a conclusão da pesquisa aponta para a predominância
masculina, jovem e periférica em ocupações precárias e indica a persistência das
desigualdades sociais e raciais no Distrito Federal.
ABSTRACT: The present study aims to verify the working conditions of app
delivery workers in the country's capital and to reflect on the precariousness of work
in the digital age. To know the profile and understand the specifics of this category,
through semi-structured questionnaires-based interviews were carried out. So, the
conclusion of the search shows the predominance of young, males and peripheral in
precarious occupations and indicates the persistence of social and racial inequalities
in the Federal District.
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“O nosso sofrimento é maior do que a gente expressa”: As condições laborais dos entregadores por
aplicativo no Distrito Federal
1. INTRODUÇÃO
Há uma escassez de dados que permitam delinear com exatidão o perfil destes
trabalhadores. A PNAD-Covid-19 oferece alguns indícios: segundo uma análise mais
recente elaborada por Lapa (2021) sobre o perfil dos trabalhadores por meio de
plataformas digitais no Brasil, 94,94% dos respondentes se declararam homens, e
apenas 5,06% se declararam mulheres. Quanto ao nível de instrução, 30,22% tem
nível fundamental completo; 8,93% não concluiu o ensino médio; 39,39% concluiu o
ensino médio; 16,87 possui nível superior incompleto e inexistem índices sobre os
concluintes dos estudos no ensino superior.
Neste trabalho, pretendo voltar minha atenção para a investigação dos perfis dos que
compõem a categoria no Distrito Federal, levando em consideração o fato de que a maior
parte dos estudos sobre o trabalho em plataformas têm se concentrado nas grandes
cidades do Brasil e há poucos trabalhos produzidos sobre o tema na capital. E ainda, me
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Kethury Magalhães dos Santos
2. MÉTODOS
Quanto ao acesso aos interlocutores, foi possível expandir a rede de atores por meio do
método snowball sampling (amostragem “bola de neve”). Este pode ser definido como
um método amostragem não probabilístico, que consiste na indicação sucessiva de novos
participantes por participantes antigos da pesquisa (MUNHOZ e BALDIN, 2011: p.
332). Este método pode ser combinado com a abordagem netnográfica para alcançar os
trabalhadores por meio do ambiente virtual, evitando, assim, o contato face-a-face para
preservar a saúde das partes envolvidas, por restrições ligadas à pandemia do Covid-19.
3. PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO
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“O nosso sofrimento é maior do que a gente expressa”: As condições laborais dos entregadores por
aplicativo no Distrito Federal
O fechamento dos bares e restaurantes abriu margem para o encaixe das entregas de
alimentos como uma atividade essencial. Com efeito, houve aumento significativo
nos pedidos para as residências realizados por motoboys e bikers, principalmente.
A pesquisa possibilitou conhecer o perfil dos que predominam uma das profissões
que se tornaram atividades essenciais durante a pandemia da Covid-19 a nível
nacional e regional. Foi graças ao trabalho realizado pelos entregadores por aplicativo
que muitas pessoas puderam manter-se isoladas em seus domicílios.
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Kethury Magalhães dos Santos
Ah, eu sento numa calçada, se tiver uma praça eu sento no banco da praça.
Se tiver uma árvore, eu sento debaixo da árvore. Não tem um local
específico, sempre é onde eu conseguir fazer uma pausa eu vou procurar
um lugar mais aconchegante que eu possa está ficando mais à vontade para
almoçar. (E14, homem)
A vida social e a vida familiar se anulam por completo. Você não tem
mais aquele almoço de domingo com a sogra, com os cunhados...Essa
relação social, essa interação familiar acaba. Nem é por má vontade, é
físico mesmo porque está exausto. Você passa 14h em uma moto
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 150-163. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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“O nosso sofrimento é maior do que a gente expressa”: As condições laborais dos entregadores por
aplicativo no Distrito Federal
[...] É muito comum no Lago Sul, principalmente por mulheres que fazem o pedido
e recebem, te observar dos pés à cabeça, te pedir para aguardar...A discriminação
social é maior que a religiosa, maior que a ideológica, é maior do que qualquer
outro grupo. A discriminação social é a maior de todas. (E29, homem)
[...] Teve um comentário maior chato, porque a minha moto é bem grande e eu
tenho 1,50/1,55m. E a minha moto é alta. Então, nem os motoboys nem os
entregadores tem uma moto igual a minha, sempre as motos deles são pequenas, são
menores... CG na verdade. Aí eles falam: “Ah, mas você é mulher e pequenininha,
por que você tem uma moto desse tamanho?”, aí eu falo: “Uai, porque eu tenho
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Kethury Magalhães dos Santos
dinheiro pra comprar” (risos). Eu dou uma resposta bem grossa logo, no tom de
grosseria mesmo pra não prolongar. Geralmente, é isso. Eles comentam muito da
minha moto. Pelo fato de ser mulher, mesmo. Até os donos de restaurante
comentam: “nossa essa moto não é muito grande pra você não?” É mais por eu ser
mulher mesmo, pois se fosse um homem ninguém ia falar isso. (E41, mulher)
Você não pode entrar na loja. Você tem que esperar num canto, do lado de
fora, na chuva. Não tem uma cadeira para você sentar, que o motoboy é lixo,
que o motoboy é aquilo [...] todo dia a gente escuta isso. (E27, mulher).
Nos relatos acima, destaca-se a concatenação das mais diversas opressões. Fica nítido
que a experiência dos trabalhadores nesta modalidade laboral é atravessada,
fundamentalmente, por preconceitos e estereótipos de classe, raça e gênero.
Eu costumo falar que o entregador é a profissão que mais corre risco. Mais
do que policial, mais do que bombeiro, mais do que enfermeiro, mais do
que médico. Por que entregador? Primeiro, o estresse emocional que ele
tem no trânsito. Ele está sujeito a várias intempéries ele pode cometer um
acidente por erro, por estresse. Ele pode ter um desmaio, está sujeito a ser
atropelado por terceiros. Ele está sujeito a pegar uma infecção. É uma
profissão que deveria ter insalubridade e ter periculosidade. É a categoria,
hoje, mais suscetível a ter problemas físicos e emocionais. São 13h20min
num banco de uma moto” (E29, homem)
[...] Tá com dois meses que eu caí aí fiquei uns dias... uns dias não,
continuei trabalhando, meu joelho infeccionou, aí eu tive que ir pro
médico fazer uma drenagem. Porque eu caí e achei que não era nada, mas
aí infeccionou e eu tive que fazer uma drenagem. [...] Eu continuei
trabalhando e o joelho ficou ruim mesmo. Aí foi o tempo que eu saí de
férias, tirei o mês de férias, aí sarou. [...] Eu fiquei foi 20 dias trabalhando
com esse joelho, mas aí é o risco: cair. Se você não quebrar nada você tem
que continuar trabalhando, senão você não ganha. (E41, mulher)
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 150-163. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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“O nosso sofrimento é maior do que a gente expressa”: As condições laborais dos entregadores por
aplicativo no Distrito Federal
Já peguei Covid. Já peguei alguns vírus... né... de água. Às vezes a gente pede
em um estabelecimento a água e eles colocam da própria torneira, não tem
aquele cuidado, a gente não sabe a procedência. Já tive infecção estomacal...
Ah, tanta coisa [risos]... Já sofri acidente, também... (E48, homem)
[...] Eles dão a opção de você não pegar uma corrida para um lugar que é
área de risco, mas se você for e tiver algum problema eles não acionam
automaticamente a polícia. Porque eles têm acesso a nossa localização
(E27, mulher)
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 150-163. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Kethury Magalhães dos Santos
(dor na coluna?) Sim, tive. Bastante dor no joelho e nas costas. (E10,
homem)
Entrevistador: Para algum desses que você citou (dor na coluna, dor no
joelho, estresse, ansiedade) você teve diagnóstico médico?
E10: Eu fui na doutora né, expliquei pra ela o que tava acontecendo (sobre
ansiedade né) e ela falou que eu tava com transtorno depressivo
persistente. E ela falou que para esse caso eu deveria é tomar remédio,
então hoje eu faço uso de um remédio para ansiedade e é isso. Mas assim
pra joelho e pras costas não, pra essas dores assim não. (E10, homem).
Como vimos, existem os riscos que a categoria reconhece como comuns à profissão e
há aqueles que são potencializados pelo gerenciamento algorítmico. Os acidentes
fatais, lesões físicas e roubos são os mais frequentes, porém eles podem se
intensificar no trabalho para as plataformas, haja vista que as entregas possuem prazo
para serem efetivadas, e a não realização dentro do período proposto normalmente
implica em baixa avaliação por parte dos clientes e restaurantes, bloqueios e
banimentos. O tempo de trabalho despendido diariamente e semanalmente sem
pausas em locais de descanso adequados, culmina na exaustão e compromete o tempo
dedicado ao lazer, à família e ao autocuidado do trabalhador. Isto, sem contar com os
danos à saúde física e psíquica, a curto e médio prazo, que já fazem parte de suas
realidades cotidianas como foi relatado.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 150-163. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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“O nosso sofrimento é maior do que a gente expressa”: As condições laborais dos entregadores por
aplicativo no Distrito Federal
4. DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo descreveram o perfil de pessoas que integram a categoria dos
entregadores por meio de plataformas digitais na região do Distrito Federal. Apesar de a
pesquisa ter traçado o perfil demográfico dos atores, optamos por não acrescentar a
variável idade à pesquisa, uma vez que as variáveis “estado civil” e “nível de instrução”
são capazes de sugerir a faixa etária dos participantes. Pela análise dos resultados, é
possível perceber uma prevalência maior dos indivíduos do sexo masculino, 92,3%, o
que corrobora com o padrão encontrado no estudo de Abílio et al. (2020).
Os níveis educacionais na capital, que foram 35,6% para concluintes do ensino médio
e 10,3% para concluintes do ensino superior, destoam dos achados pela Associação
Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike, 2019), já que eles apontam as taxas
de 53% e 4%, respetivamente. Outro fator que merece destaque, é a identificação
étnico-racial dos entrevistados. No DF, a maior parte dos entrevistados, 68%, se
identifica como negro ou pardo, e 23,7% como sendo brancos, indo de encontro com
a relação dos resultados da pesquisa anteriormente citada, com cerca de 71% dos
entregadores negros ou pardos, e 26% sendo brancos.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 150-163. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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“O nosso sofrimento é maior do que a gente expressa”: As condições laborais dos entregadores por
aplicativo no Distrito Federal
5. CONCLUSÃO
Em síntese, foi possível concluir que a crise econômica, política, sanitária e social que
acometeu o Brasil nos últimos anos, concatenada com uma miríade de ataques aos
direitos trabalhistas fertilizou o terreno para o avanço e efetivação da plataformização
do trabalho como regra no país. A falta de amparo do Estado, combinada com os novos
padrões de exploração do trabalho se propagam através de um discurso empreendedor
que seduz os trabalhadores com uma falsa promessa de autonomia e controle sobre o
tempo de trabalho. Trabalhadores estes que, historicamente, desconhecem uma forma
de ocupação remunerada que não seja informal e insegura.
Dito isso, o trabalho por meio das plataformas acaba por se firmar como mais um
campo reprodutor de desigualdades sociais, raciais e de gênero no mundo do trabalho.
Há certo desencantamento em relação às promessas de controle sobre o tempo e do
falacioso discurso empreendedor que permeia o trabalho mediado por plataformas. A
prova disso é a conscientização dos entregadores sobre as suas condições de trabalho
e a tentativa de reverter esse cenário através da luta que estes vêm travando por meio
de organizações coletivas e paralisações desde o ano de 2020, reivindicando melhores
condições de trabalho e direitos mínimos para a categoria.
REFERÊNCIAS
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 150-163. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
DOI: https://doi.org/10.33637/2595-847x.2023-189
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Kethury Magalhães dos Santos
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163
O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL
ABSTRACT: While many categories of work have reinvented themselves during the
Covid-19 pandemic, app delivery work has increased considerably their demands due
to commercial restrictions and social isolation. The state of public calamity, added to
the precariousness of work by platform and the absence of a regulation of the
profession, triggered the so-called “Breque dos Apps”. The collective organization of
delivery workers played an important role in putting pressure on the public sphere for
basic guarantees and rights for those workers who during the pandemic have further
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 164-177. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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164
Entregadores por aplicativo e a Covid-19: Uma entrega destinada ao Poder Legislativo
1. INTRODUÇÃO
Diante desse cenário, ocorreram, de maneira inédita em todo o país, no dia 1º de julho
de 2020, as manifestações denominadas “Breque dos Apps”, que demonstrou a
organização coletiva dos trabalhadores e denunciou a insustentabilidade das
condições de trabalho a que vinham sendo expostos, bem como o agravamento da
precariedade do trabalho em razão da pandemia.
Este trabalho investiga de que forma o pleito da categoria foi contemplado durante o
período de pandemia no Poder Legislativo a nível federal e distrital. Para alcançar tal
finalidade, foi realizada uma pesquisa documental, no período entre 18 de março de
2020 e 13 agosto de 2021, a fim de mapear todos os projetos de lei que apresentavam
relação com a categoria aqui analisada no Senado Federal, na Câmara dos Deputados
e na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Além da pesquisa documental, também
foram realizadas entrevistas semiestruturadas com stakeholders identificados como
relevantes na articulação do pleito dos entregadores com o poder público, no âmbito
do Distrito Federal, sendo eles o deputado distrital Fábio Félix (PSOL/DF) e a
liderança da Organização Associativa de Profissionais por Plataforma Digital.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 164-177. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Aline Gil Pereira Soares
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Entregadores por aplicativo e a Covid-19: Uma entrega destinada ao Poder Legislativo
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3. METODOLOGIA
8. Saúde - inclusão dos entregadores entre os grupos prioritários na vacinação contra a gripe;
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Entregadores por aplicativo e a Covid-19: Uma entrega destinada ao Poder Legislativo
Vale destacar que dos 61 projetos monitorados, cerca de 26% foram apresentados apenas
na semana do primeiro Breque dos Apps, realizado no dia 1º de julho de 2020. A partir
disso, é possível observar a repercussão da manifestação e da pressão popular sobre o
Congresso Nacional. Nota-se também, a partir dos temas de maior percentual, como
Covid-19, Trabalhista e Regulação, as tentativas de contemplar as reivindicações
apresentadas pelos entregadores no âmbito legislativo federal. Contudo, é importante se
atentar à íntegra do que está sendo apresentado para não cair em armadilhas que
aparentam, pela curta ementa mostrada, atender aos interesses do trabalhador. Nesse
sentido, três projetos merecem destaque: PL 3748/2020, PL 3754/2020 e PL 1665/2020.
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Fonte: Elaborado pela autora a partir do levantamento de novas proposições apresentadas na Câmara
dos Deputados e no Senado Federal no período compreendido entre março de 2020 e agosto de 2021.
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Entregadores por aplicativo e a Covid-19: Uma entrega destinada ao Poder Legislativo
propostas citadas também foram pontuados por Ricardo Festi e Renata Dutra em artigo
publicado no jornal Correio Braziliense, tais como a construção de uma legislação
pautada na agenda neoliberal, que não se alinha com as demandas dos trabalhadores e a
institucionalização de situações precárias (DUTRA; FESTI, 2020). O PL, em suma,
mantém o sistema de uberização do trabalho, porém, fornecendo alguns direitos.
A matéria foi apresentada em abril de 2020 e teve sua urgência aprovada em agosto
do mesmo ano. No dia 22 de dezembro, foi realizado acordo entre o PSOL e o
presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), durante a última sessão
deliberativa do ano de 2020, para aprovar o texto-base deste PL e deixar os destaques
em 2021. Assim, a matéria entrou como extra pauta na sessão plenária, mas após
mobilização entre os partidos do centrão, o governo e o Partido Novo, a deliberação
da matéria foi obstruída. O projeto ainda entrou em pauta de Plenário três outras
vezes em 2021, durante o período da realização da pesquisa, em agosto e em
setembro, contudo, não foi apreciado.
Em janeiro de 2022 o projeto foi sancionado pelo Poder Executivo, com dois vetos,
resultando na publicação da Lei 14.297/2022. O primeiro veto se refere ao
fornecimento de alimentação aos entregadores pelas plataformas e o segundo diz
respeito ao contato físico na entrega. Isto é, por instrução do Ministério da Economia
o primeiro veto foi realizado por entender que as plataformas digitais de entrega
funcionam à base de programas que permitem dedução do lucro tributável das
empresas. Nesse sentido, ao providenciar alimentação para seus colaboradores, ficaria
caracterizada renúncia de receita, sem que haja estimativa e compensação do impacto
financeiro, de modo a contrariar a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (RAMOS, 2022).
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Sobretudo, nota-se que projeto, entre outros da categoria “Covid-19”, por possuir
caráter emergencial, possuem um prazo de validade para as garantias e direitos
previstos bem delimitados: o fim do período de calamidade pública, conforme
decretado por meio da Portaria GM/MS nº 913 de 22 de abril de 2022. Nesse sentido,
embora o tema “Regulação” também tenha sido amplamente discutido para mudanças a
longo prazo, não chegou a representar um volume tão expressivo de matérias
direcionadas à Covid-19. Isto leva a refletir sobre o caráter populista que determinadas
políticas assumiram durante o cenário de calamidade pública em detrimento aos
debates profundos necessários a uma regulação que proponha soluções a longo prazo.
Fonte: Elaborado pela autora a partir do levantamento de novas proposições apresentadas na Câmara
Legislativa do Distrital Federal no período compreendido entre março de 2020 e agosto de 2021.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 164-177. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Entregadores por aplicativo e a Covid-19: Uma entrega destinada ao Poder Legislativo
Entre eles, vale destacar o PL 937/2020 1, de autoria do deputado Fábio Félix, único
projeto de interesse sancionado no período do monitoramento. O projeto prevê a
criação de pontos de apoio no Distrito Federal contendo banheiros, acesso à internet,
espaço para descanso e para refeições, entre outros. A matéria foi transformada na Lei
n° 6.677/2020, porém, teve o artigo 5º vetado, que dispunha sobre as dotações
orçamentárias. Atualmente a criação dos pontos de apoio ainda não foi de fato
implementada e enfrenta longos debates na Secretaria de Transporte e Mobilidade do
Distrito Federal (SEMOB-DF), tendo sido inaugurado, oficialmente, apenas um ponto
em 2022 no Distrito Federal, pela própria Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Sobretudo, vale ressaltar que o projeto além de sair em defesa dos entregadores por
aplicativo também foi construído em conjunto com a categoria, conforme mencionado
nas seguintes entrevistas realizadas pelo professor Ricardo Festi e participantes do
Grupo Pesquisa Mundo do Trabalho e Teoria Social (GPMTTS- UnB).
1 O projeto foi apresentado em período anterior ao monitoramento aqui delimitado, porém, devido à sua
repercussão e sua relevância, foi acrescentado à planilha e acompanhado nos meses subsequentes entre março
de 2020 e agosto de 2021.
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Nota-se, portanto, que, a nível legislativo distrital, as pautas dos entregadores são
apresentadas com a forte presença de um stakeholder, que promove articulação e
construção das matérias em conjunto com porta-vozes da categoria. Observa-se,
ainda, na fala do deputado Fábio Félix em entrevista, uma sensibilidade maior devido
ao caráter local da temática, que tende a chegar nos parlamentares que os representam
através de relatos e até mesmo conversas íntimas dos próprios trabalhadores.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Entregadores por aplicativo e a Covid-19: Uma entrega destinada ao Poder Legislativo
REFERÊNCIAS
ABÍLIO, L., ALMEIDA, P., AMORIM, H., CARDOSO, A. C., FONSECA V.,
KALIL, R. and MACHADO, S. (2020) Condições de trabalho de entregadores via
plataforma digital durante a covid-19. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano. Vol 3, pp. 1-21; doi: 10.33239/rjtdh.v.74
ALVES, R. Tudo sobre o coronavírus - Covid-19: da origem à chegada ao Brasil. Estado de
Minas, 27 fev. 2020. Disponível em:
<https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/02/27/interna_nacional,1124795/tudo-sobre-
o-coronavirus-covid-19-da-origem-a-chegada-ao-brasil.shtml>. Acesso em: 19 out. 2021.
AMORIM, H.; MODA, F. B. (2020) Trabalho por aplicativo: gerenciamento
algorítmico e condições de trabalho dos motoristas da Uber. Revista Fronteiras -
estudos midiáticos, vol 22, no. 1; doi: 10.4013/fem.2020.221.06
BRASIL. Decreto Legislativo Nº 6, de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da
Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de
calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República
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O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL
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Quilômetros da fome: As debilidades da uberização do trabalho e a subordinação do novo sujeito
neoliberal
Finally, this article considers the need for policies that introduce security and rights
for the couriers in the parameters of the app companies.
1. INTRODUÇÃO
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Thayuany de Jesus Rodrigues
3. A UBERIZAÇÃO
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Quilômetros da fome: As debilidades da uberização do trabalho e a subordinação do novo sujeito
neoliberal
propiciava ao patrão o lucro que seu escravo recebesse nas diferentes categorias
como: lavadeira, carregadores, faxineiras. Em todos esses serviços, os patrões não
pagavam os instrumentos que eram utilizados e tampouco se importavam que se
tirasse esse custo dos 30% que os ganhadores recebiam (Reis, 2019). Apesar de
contextos diferentes, essa analogia faz transparecer que não há nada de novo, a não
ser um novo nome, a Uberização. Os entregadores por aplicativo continuam sendo
responsáveis pela subsistência do seu trabalho, além de sua vida, enquanto os donos
das instituições recebem o maior lucro.
pequenos, do envelope de carta a pesadas caixas de açúcar e barris de aguardente, tinas de água potável e
de gasto para abastecer as casas, tonéis de fezes a serem lançadas ao mar; e transportavam gente em saveiros,
alvarengas, canoas e cadeiras de arruar. Os negros também circulavam pelas ruas em demanda a seus
empregos como oficiais mecânicos (pedreiro, ferreiro, tanoeiro, sapateiro, alfaiate etc.)”. Ibidem, p. 19.
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4 O grupo Mundo do Trabalho e Teoria Social - (UnB) optou por identificar os entrevistados com a letra E,
seguida de numeração.
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Quilômetros da fome: As debilidades da uberização do trabalho e a subordinação do novo sujeito
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Iguais eu acredito que não, né! São muitas, de gênero, né, é uma profissão
predominantemente masculina, né? Você vê que chega em um lugar assim,
cara, são 15 motoboys em média para 1 mulher que é entregadora também.
15 entregadores para uma 1 entregadora, vamos colocar assim, mais ou
menos (E10, homem, negro, 24 anos).
Olha... eu não acredito nisso não. Eles falam que tem, mas eu não acredito
não, porque você tem pouca mulher trabalhando em aplicativo. Eu já vi, e
a gente conversa muito e já conversei com mulheres que trabalham em
aplicativo, e a diferença de um homem que fez um cadastro no aplicativo e
de uma mulher que fez o cadastro no aplicativo pra aprovação, pro homem
foi bem mais rápido do que a aprovação pra mulher. Eu não vejo essa
igualdade não (E14, homem, pardo, 34 anos).
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exclusão direta e não direta, objetificação da mulher, assédio, medo e riscos de assalto,
que, consequentemente, afastam as mulheres do trabalho por aplicativo.
Ainda sobre o perfil dos(as) entregadores(as), acerca da religião: 33% católica, 28%
evangélica, 26% sem religião, 5% outra, 5% é agnóstico/ ateu e 3% espírita. Sobre raça
e cor: 52% parda, 24% branca, 16% negra, 5% amarela e 3% indígena. Ao analisar
esses últimos dados, 68% dos entrevistados se definem como pardos e negros, sendo o
maior número de entregadores e, sobre a religião, a maioria se considera católico.
A partir do momento que eles alegam que não somos entregadores, mas
sim colaboradores, a gente está ali para colaborar, para ser parceiros, mas
que parceria é essa que só eles ganham dinheiro? Que parceria é essa que a
gente não tem um banheiro para usar, não temos um lugar para carregar
nosso celular? E eles bloqueiam a gente, se a gente tiver com 15% do
celular eles não mandam mais entrega para a gente. Então porque que eles
bloqueiam a gente se eles não dão um suporte para a gente carregar o
celular? Não tem uma tenda com um espaço para recarregar o celular dele
(E27, mulher, amarela, 29 anos).
Para além dos dados apresentados, alguns relatos expressam de fato, as experiências
de discriminação e/ou ofensa aos motoboys/girls e Bike boys/ girls:
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neoliberal
Não, porque a gente sempre é culpado. O culpado pode ser qualquer um,
pode ser o cara que traz a entrega pra gente lá de dentro do restaurante, o
cliente, pode ser o porteiro. Mas a culpa é sempre do entregador. O único
culpado é sempre o entregador. E as vias, os canais de e-mail pra você
relatar o que de fato aconteceu na entrega é limitada, e é um processo
burocrático. Então pra falar com suporte de aplicativo eu não tenho
paciência (E08, homem, negro, 35 anos).
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Cara, eu posso nunca mais ver a minha família quando eu vou trabalhar. Eu
posso nunca mais andar. Eu posso não ter mais a minha mente quando eu
vou trabalhar [...] Entre os entregadores não tem conflito. A gente é uma
família. Os perigos são mais com assalto e trânsito. Por exemplo, eu tenho o
meu pé direito fraturado, a mão fraturada, eu tenho um problema na cabeça,
no nervo do pescoço, que foi fruto de uma pancada. Tenho problema no
tórax. Eu já tive uns 10 acidentes (E52, homem, indígena, 41 anos).
Além dos riscos com trânsito e assaltos, o atual contexto de crise sanitária (pandemia
do Coronavírus) trouxe novas problematizações as questões de saúde:
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neoliberal
[com relação ao auxílio], eles pegam a base dos últimos trinta dias
trabalhados. Se nos últimos trinta dias eu tiver feito cinco mil, eu recebo
cinco mil. Então, a base deles é a dos últimos trinta dias. Aí, vamos dizer:
se eu trabalhei quinze dias e deu cinco mil, eles vão dividir aqueles quinze
dias por trinta, então, no caso, ao invés de cinco, vou receber só dois [mil]
e quinhentos. Então é uma média dos últimos trinta dias. Aí é todo um
processo, porque quando você contrai a doença, você reporta lá no
aplicativo; quando você reporta lá no aplicativo, automaticamente você já
é bloqueado, você não pode fazer entregas (E48, homem, branco, 23 anos).
Cara, eu não cheguei a calcular, mas assim, ele chega a ser alto né? E a
gente tenta economizar o máximo, por exemplo: eu compro uma marmita no
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Thayuany de Jesus Rodrigues
Quando se retira uma pausa, ao menos de vinte minutos, existe um receio em “perder
entregas”. Assim, as alimentações são feitas da maneira que for possível, ou seja, de
forma “parcelada” nos períodos de espera dos pedidos:
Não, pois não compensa. 20 minutos apenas, você não faz nada. Se você tirar
pausa, você irá diminuir as suas entregas. Não é que eu não queira tirar
pausas, eu gostaria de almoçar tranquilo, sabe? Mas, se eu fizer isso, eu
receberei menos entregas. Aí eu prefiro comprar a minha marmita, botar no
baú e, quando vou pegar um pedido que demora para fazer, aí eu almoço. Ou
então, esperando pedido eu vou almoçando ali. Eu como a minha marmita o
dia todo, digamos assim, eu como por prestação: umas 10 gramas agora,
depois duas colheradas e assim vai.... (E52, homem, indígena, 41 anos).
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL
RESUMO: O artigo faz uma análise dos espaços coletivos de descanso e espera de
entregadores por aplicativos, conhecidos como points, observando se há neles um
processo de construção de uma consciência de classe por parte da categoria. Para
isso, foram analisadas as rotinas dos entregadores nesses locais, através de
entrevistas, notícias de jornais e dos dados e reflexões da pesquisa de campo que
originaram o relatório “Condições de trabalho, direitos e diálogo social para
trabalhadoras/es do setor de entrega por apps em Brasília e Recife”, organizado pela
CUT-OIT, que investigou os entregadores por aplicativo no Distrito Federal, durante
o primeiro semestre de 2021. Através de um enfoque lukacsiano e de uma análise
descritiva das paralisações, conhecidas como Breque dos Apps, foi possível
identificar a relevância dos points para a mobilização e para a construção de
consciência de classe entre entregadores por aplicativo.
ABSTRACT: The article makes an analysis of collective spaces of rest and waiting
for delivery app workers, known as points, observing whether there is a construction
of class consciousness in the category. For this, the routines of delivery workers in
these places were analyzed through interviews, news, and reflections of the field
research that originated the report "Working conditions, rights and social dialogue for
workers in the delivery sector by apps in Brasília and Recife”, organized by Central
Única dos Trabalhadores (CUT), which investigated app couriers in the Federal
District, during the first half of 2021. Through a lukacsian approach and a descriptive
analysis of the stoppages known as “Breque dos Apps”, it was possible to identify the
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A relação entre points e consciência de classe para os entregadores por aplicativo
relevance of these points for the mobilization and for the construction of class
consciousness among delivery app workers.
1. INTRODUÇÃO
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Pedro Burity Borges
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A relação entre points e consciência de classe para os entregadores por aplicativo
Como fruto desse processo, surge o fenômeno conhecido por “trabalho subordinado por
plataformas digitais” (ABÍLIO, 2020). Uma das possíveis definições de plataformas
digitais faz referência a “empresas que controlam infraestruturas digitais alimentadas por
dados e organizadas por algoritmos” (ABÍLIO, AMORIM e GROHMANN, 2021),
também conhecidas como empresas-aplicativo, que utilizam dessas ferramentas para
gerir um enorme contingente de trabalhadores sem vínculos formais através de um
modelo just-in-time de trabalho (ABÍLIO, 2020). Um dos exemplos mais populares em
nossos cotidianos dessas plataformas são os aplicativos de entrega.
4 Segundo a multinacional de tecnologia de computação Oracle, Big data é o termo utilizado para se
referenciar a volumosos conjuntos de dados complexos, alimentados em grande velocidade, não sendo
processados por softwares tradicionais ou convencionais.
5 Segundo a multinacional de tecnologia de computação Oracle, inteligência artificial se refere a sistemas que
mimetizam a inteligência humana para realizar tarefas.
6 A Uber encerrou as atividades do aplicativo Uber Eats, de intermédio de entregas de comidas, em março de
2022. No entanto, a empresa lançou o substituto Cornershop, utilizado para pedidos de compras em
supermercados e similares.
7 Segundo a iFood, a empresa realiza eventos especiais para a distribuição gratuita de jaquetas e bags,
estrategicamente estampadas com sua logomarca, e convida entregadores para receberem os produtos. Sem
critério específico para o convite, afirma que os “parceiros” receberão um aviso nos canais oficiais do aplicativo
e recomenda a utilização frequente do iFood para Entregador (app diferenciado para utilização dos
trabalhadores) para aumentar as chances de ser chamado. A empresa ressalta que o entregador deverá
possuir o próprio equipamento para começar a trabalhar com entregas pelo aplicativo.
Informações disponíveis em <https://entregador.ifood.com.br/quero-fazer-parte/conheca-o-ifood/como-
conseguir-o-kit-ifood/>. Acesso em 22 de maio de 2022.
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 191-211. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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Essa nova modalidade de trabalho por aplicativo é oriunda de uma expansão significativa
do processo de precarização estrutural do trabalho (ANTUNES, 2018), que se desenha
desde os princípios da década de 1970 e que se agravou com a crise de 2008. Com isso,
houve o crescimento da superexploração do trabalho, com uma ampliação global da
informalidade, da terceirização e da flexibilização dela. Através das mais diversas
formas, garantias e direitos trabalhistas foram precarizados, junto a crescentes taxas de
desemprego, subemprego e da população excedente de trabalhadores e trabalhadoras, a
qual Marx denominava “exército de reserva” ou “superpopulação relativa” (ibid.).
Surge desse contexto a classe do precariado: criada por Guy Standing para definir uma classe
de proletários distinta do operariado europeu tradicional, representando trabalhadores mais
jovens, predominantemente do setor de serviços, realizando trabalhos muitas vezes
temporários e intermitentes, sob regimes flexíveis e abusivos (ANTUNES, 2018).
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A relação entre points e consciência de classe para os entregadores por aplicativo
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único responsável pelos riscos e pelos fracassos, muitas vezes consequência das
condições de trabalho dadas pelo aplicativo. Assim, ele é instado a agir como uma
empresa em meio a uma vasta concorrência: o sujeito deve ter capacidade de
adaptação às flutuações do mercado, gestão de crises e espírito empreendedor, ou
então, encontrará a falência. O homem bem-sucedido, na visão neoliberal, é aquele
que conquista seus objetivos por si próprio, mesmo que isso signifique passar por
cima de seus próximos ou trabalhar incansavelmente (ibid.).
Logo, é possível identificar no discurso e nas práticas por trás dos aplicativos a
tentativa da imposição da subjetividade neoliberal ao entregador, a partir da sua
responsabilização exclusiva sobre o equipamento, do isolamento perante outros
trabalhadores, do discurso de autonomia, entre outras ações características da ideologia
neoliberal. No entanto, ao contrário do que é pregado pelos aplicativos, a rotina dos
entregadores apresenta alguns aspectos de coletividade e cooperação entre a categoria.
Nesse sentido, há diversos casos e relatos de entregadores que tiveram acesso negado
a shoppings e restaurantes, espaços de uso comum ao público, mesmo durante suas
corridas, ou então foram constrangidos, no exercício de suas funções nesses
estabelecimentos, por donos de restaurantes, seguranças ou clientes. 10 Em
contraposição a essa situação, esses trabalhadores costumam se reunir em volta de
10 Entre os casos de maior repercussão, em julho de 2021, o sócio de um restaurante localizado no Park
Shopping, um dos maiores do Distrito Federal, destratou um entregador que aguardava um pedido sentado
nas dependências do shopping enquanto carregava seu celular. O empresário chegou a pedir aos seguranças
do local que impedissem o homem de permanecer onde estava e proibiu seu retorno ao estabelecimento. A
ação, gravada e publicada nas mídias sociais, gerou protestos dos entregadores em frente ao restaurante e
repercutiu em jornais e outros espaços, inclusive na Câmara Distrital.
<https://www.opovo.com.br/noticias/brasil/2021/07/19/dono-de-restaurante-no-df-humilha-motoboy-que-
carregava-celular-em-shopping.html>
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A relação entre points e consciência de classe para os entregadores por aplicativo
lugares com bastante fluxo de pedidos, mas de forma improvisada e precária. Esses
espaços adotados pela categoria são popularmente conhecidos como points.
Figura 1: Point ao lado do Metrópoles Shopping, Figura 2: Point em quiosque ao lado do Boulevard
Águas Claras – Distrito Federal. Shopping, na Asa Norte, Brasília – Distrito Federal.
11 Os algoritmos não são, necessariamente, o único fator responsável pelo fluxo de pedidos, que também
depende da disponibilidade dos restaurantes e dos entregadores, dos horários de pico, entre outros.
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Os locais improvisados para descanso e espera são bastante variados. São calçadas e
estacionamentos de restaurantes e shoppings (quando os estabelecimentos permitem),
sombras de árvores em gramados, praças e outros espaços que contenham
equipamentos públicos. Os entregadores costumam tirar de 10 a 20 minutos de pausa
fora dos horários de pico, momento em que comem um lanche ou uma marmita fria
trazida na mochila. Outras vezes, comem durante os poucos minutos entre entregas
ou na espera de um pedido. Há no relatório produzido pela CUT-OIT trecho de relato
de entregadora, amarela, de 29 anos, que diz que:
Os relatos dos entregadores coletados no relatório (ibid.) foram quase unânimes na não
disponibilização de pontos de apoio oficiais por parte das empresas. Na grande maioria dos
locais de descanso dos entregadores, não há nenhum tipo de estrutura oferecida que
contenha as demandas e reivindicações básicas da categoria: espaço para descanso,
banheiro e vestiário, conexão com a internet, copa com água e microondas, estacionamento
e bicicletário. Alguns poucos restaurantes oferecem algumas cadeiras e acesso a sanitários
para os motoboys, mas ainda não atendem às exigências mínimas (ibid, p. 84).
Com o tempo, alguns desses espaços que possuem maior fluxo e estrutura se
consolidam como points, na medida em que ficam mais conhecidos - e frequentados.
Logo, viram palco de interações, construções de laços e recebem maior atenção dos
entregadores. Nestes espaços, iniciam amizades, conversam sobre os restaurantes,
locais com maior movimento de pedidos ou mesmo questões da vida pessoal. Parte
desses points ainda possuem grupos nas redes sociais, especialmente no WhatsApp,
criados e vinculados aos espaços físicos.
de entrega das regiões, acompanhar blitz e acidentes nas pistas, comentar sobre
atualizações e taxas dos aplicativos e outros conteúdos não necessariamente ligados ao
trabalho. Compartilham também memes, correntes, mensagens sobre política, futebol e
religião, entre outros assuntos que também fazem parte do cotidiano. Frutos das
interações físicas, os grupos nas redes sociais se mostraram importantes para a
propagação das mobilizações da categoria, como será mostrado posteriormente.
Para além dos relatos sobre points e pontos de apoio, os dados e análises apresentados
pela Central Única dos Trabalhadores (2021) ajudam a ilustrar a rotina dos
entregadores no Distrito Federal e a visão que a categoria tem sobre o trabalho
exercido. Para a construção do relatório, foram entrevistados 39 entregadores entre
janeiro e março de 2021, engajados para a pesquisa através de grupos de Whatsapp,
Telegram e Facebook, estes divulgados com o auxílio de dirigentes sindicais e dos
próprios entregadores participantes, através da técnica “bola de neve” (CENTRAL
ÚNICA DOS TRABALHADORES, 2021, pp. 250-252). A amostra escolhida para a
entrevista foi pensada numa tentativa de se aproximar com o perfil sociodemográfico
dos entregadores segundo a PNAD COVID-19.
Assim, a CUT (2021) aponta que 92% dos entrevistados são homens e 68% se
autodeclararam pretos (negros ou pardos). O nível de escolaridade dos participantes
também foi próximo à pesquisa nacional, mas o alto número de entrevistados que
declarou possuir superior completo e incompleto (respectivamente, 10% e 31% no
DF comparado a 3,24% e 7,99% no Brasil) evidenciou as dificuldades de os
trabalhadores conseguirem oportunidade de trabalho em suas respectivas áreas,
característica marcante do trabalho por aplicativo (ibid., pp. 63-65).
Quanto aos locais de residência, 90% disseram morar dentro do Distrito Federal,
sendo que 57% deles habitavam Regiões Administrativas com renda domiciliar
inferior a R$1.329,00. Já em relação aos locais de trabalho, 84% responderam que
realizam entregas no Plano Piloto, seguida de Regiões Administrativas de maior
renda per capita, Águas Claras e Guará (ibid., p. 66).
Questionados sobre o nível de satisfação com o trabalho dos aplicativos, 40% dos
entrevistados consideraram “regular” e outros 40% responderam “boa”. Em relação às
desvantagens dessa forma de trabalho, as opções mais escolhidas foram a respeito dos riscos
sofridos pelo entregador (87% dos entrevistados), a falta de direitos (77%) e a humilhação
passada no trabalho (59%). As vantagens com maior número de seleções foram a respeito da
liberdade e autonomia no trabalho e da complementação de renda (62% cada). A grande
maioria trabalha em mais de um aplicativo de entrega, sendo o iFood o mais mencionado,
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em 90% dos casos. A respeito da utilização das redes sociais para realização do trabalho,
51% afirmaram utilizar sempre, 13% às vezes e 36% disseram não utilizar.
Não tem valor. A gente é tratado como um lixo. Por exemplo, a gente sempre
pega uma chuva danada e não tem um abrigo para ficar embaixo. Tem que
ficar no meio da rua, muita chuva pegando em vocês. E o teu guarda-chuva é
o capacete. Tem que ficar preso dentro de um capacete (ibid., p. 90).
Entre outras críticas em diversos aspectos. A maior parte (69%) também reconheceu
a necessidade de algum tipo de regulamentação do trabalho e a existência de vínculo
entre o entregador e o aplicativo através da CLT (CUT, 2021). As críticas aos
aplicativos foram mais intensas por parte dos entrevistados que mencionaram
trabalhar na profissão anteriormente:
Eu falo para os caras que eu tenho saudade daquela época em que não
tinha aplicativo, porque era os clientes que ligavam na loja e pedia a pizza,
falava o endereço certinho. Aí você pega uma entrega de aplicativo e os
caras mandam o endereço pela metade faltando o bloco, faltando a quadra.
Aí a gente chega atrasado no cliente, o cliente acha ruim e bota nota ruim,
aí a gente é bloqueado, sem nem saber o porquê (ibid., p. 86).
Um dos pontos de maior destaque na relação entre entregadores, points e grupos de WhatsApp
diz respeito às formas de engendramento de uma certa “tomada de consciência” acerca de suas
condições de trabalho e, por conseguinte, das relações de trabalho às quais estão sujeitos. Nesse
sentido, a partir de uma perspectiva lukacsiana (LUKACS, 2018), nos debruçaremos agora
sobre a questão da classe e da consciência de classe entre os entregadores.
Podemos considerar, grosso modo, o conceito de classe em dois diferentes aspectos: classe
em si, onde a condição material que determina o posicionamento de um indivíduo ou um
grupo na sociedade (proletariado ou burguesia, por ex.), e classe para si, que considera
classe intrinsecamente ligada à consciência da luta entre grupos dominantes e dominados
em seus mais variados períodos históricos, contextos e subjetividades (LUKÁCS, 2018).
Nessa mesma perspectiva, a classe como posição (classe em si), representa um ponto
comum entre os trabalhadores: a submissão ao modo de produção e às relações de
trabalho capitalistas. É uma perspectiva objetiva que engloba e reúne as mais amplas
categorias, todos aqueles que vendem sua força de trabalho (ANDRADE, 2018).
Inclui o motofretista celetista, o motoboy do iFood e o bikeboy da Rappi,
considerando o fato de eles compartilharem o mesmo papel na sociedade de classes.
Já a classe como movimento (classe para si), tem como critério a indissociável relação
com a luta de classes e o reconhecimento de sua existência. Na figura do proletariado, é
representado pelo reconhecimento da relação de dominação com o capital e seus
representantes e o inevitável conflito consequente dessa relação (ANDRADE, 2018).
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material, está pressuposta à luta de classes. Tal interpretação dialoga com a ideia
lukacsiana de Andrade (2018) ao afirmar que, na medida em que surgem classes
sociais com interesses antagônicos, as circunstâncias levam as pessoas inseridas na
sociedade de classes a agir de determinado modo e, reconhecidos os conflitos de
classes manifestados por suas contradições, essas pessoas tornam-se conscientes de
sua posição na luta. Ainda, “[...] no caso da ideologia dominante, produzir a
mistificação da realidade e manutenção da dominação'' (ANDRADE, 2018, p. 112).
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A relação entre points e consciência de classe para os entregadores por aplicativo
Ainda, a coesão de classe que surge com o fenômeno dos points colabora com a negação
do ideal liberal da conquista de riqueza individual através do trabalho. O argumento do
empreendedorismo pode ser derrubado quando, no compartilhamento de histórias do
cotidiano, percebem que o padrão de exploração e a limitação dos rendimentos são
semelhantes para todos. No entanto, vale ressaltar que o compartilhamento ideologizado
de experiências, impregnado de uma perspectiva neoliberal do trabalho por aplicativo,
pode também influenciar pares à lógica pregada pelas empresas.
Para falar sobre a luta dos entregadores por aplicativo, é essencial ressaltar que a
categoria dos motofretistas é muito anterior aos aplicativos. A atividade do motoboy no
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A relação entre points e consciência de classe para os entregadores por aplicativo
15 Motoboys alegam perseguição da PMDF após briga em condomínio. Metrópoles. Disponível em:
<https://www.metropoles.com/distrito-federal/motoboys-alegam-perseguicao-da-pmdf-apos-briga-em-
condominio>. Acesso em: 22 set. 2022.
16 Segundo entrevista de Abel Santos, um dos principais articuladores da organização, realizada em 28/11/20 e
mediada pelo professor Ricardo Colturato Festi.
17 Manifestação dos Mensageiros da Loggi!! Brasília DF. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?
v=gsLlnKQlDdI>. Acesso em 11 de setembro de 2022.
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Dentro desses espaços e das conexões nas redes sociais que estes propiciaram, a
categoria de entregadores por aplicativo começou a se fortalecer. A pandemia fez
com que o número de trabalhadores nas ruas crescesse consideravelmente e assim os
points se consolidavam cada vez mais como locais de referência para a categoria,
agora mais dispersos e em maior número, já que grande parte dos restaurantes
precisaram aderir às plataformas para se adequar à realidade do isolamento social.
Mesmo com essa dispersão, os grupos de WhatsApp, a AMAE-DF, YouTubers
entregadores e a categoria como um todo já haviam estabelecido canais concretos de
comunicação e de solidariedade (SANTOS, 2020).
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A relação entre points e consciência de classe para os entregadores por aplicativo
Seguindo a linha dos points, há outros exemplos internacionais que mostram a importância
de espaços físicos para a mobilização da categoria. Na Espanha, onde atua a empresa
Deliveroo, os centroids, galpões onde as entregas eram organizadas e os entregadores se
encontravam foram fechados. O fechamento ocorreu após as primeiras manifestações de
motoboys e bikeboys contra o aplicativo, organizadas nesses espaços. A porta-voz do
coletivo de entregadores espanhol RidersxDerechos, um dos principais grupos contra a
precarização do trabalho no país, alegou que os centroids foram locais chave para a
construção do coletivo e de outras mobilizações, e que sem eles há uma maior dificuldade
de manter contato com a categoria (FERNANDEZ; BARREIRO, 2020).
Seja nos Breques dos App, seja em manifestações menores, exemplos nacionais e
internacionais de mobilizações de entregadores por aplicativo evidenciam a importância
dos encontros em espaços físicos para a articulação da categoria. São destes espaços que
surgem convocações de luta e até mesmo organizações, contrariando o discurso
individualista pregado aos trabalhadores. E as empresas estão cientes dessa
potencialidade: a decisão da Deliveroo contra os centroids, o descumprimento das
plataformas à Lei Distrital 6.677/2020 e as tentativas de desmobilização denunciadas
pela reportagem da Agência Pública são alguns dos exemplos que mostram a posição
real dos aplicativos quanto aos points, pontos de apoio e iniciativas semelhantes.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os points possuem grande relevância para a rotina dos entregadores, como espaços de
descanso e intervalo entre corridas. Aqueles mais estruturados, que contam com
algum tipo de ação da categoria para promoção de um maior conforto, são uma
espécie de refúgio, ainda que por um curto período, de uma jornada de trabalho
intensa, em constante trânsito. Não obstante, a construção e manutenção de pontos de
apoio, onde os entregadores possam efetivamente descansar, comer, carregar seus
aparelhos eletrônicos e suprir necessidades básicas, foram e são uma das principais
demandas da categoria, conforme expressaram os Breques dos Apps. Ainda, é
possível afirmar que uma parte considerável das interações presenciais da categoria
ocorrem nos points, visto que durante a maior parte da jornada os entregadores estão
em trânsito, tendo muitas vezes esses espaços como opção de parada.
Nesta trilha, vimos que esses espaços contrariam a lógica individualista construída
pelas plataformas, que isola os entregadores dos demais e os coloca na posição de
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Por fim, fica evidente a necessidade da consolidação de pontos de apoio estruturados conforme
as necessidades materiais da categoria, reivindicação tão presente em suas mobilizações, como
uma forma de melhoria robusta das condições de trabalho. A consolidação destes espaços
significa também um contraponto à lógica individualista do trabalho plataformizado, criando
um espaço de identificação e interação para a categoria crucial para o desenvolvimento de uma
consciência de classe, da forma como foi evidenciada neste artigo.
REFERÊNCIAS
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de novembro de 2016 – Fortaleza/CE.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-
NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.
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O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL
Laborare. Ano VI, Número 10, Jan-Jun/2023, pp. 212-229. ISSN 2595-847X. https://revistalaborare.org/
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A desmistificação do autogerenciamento no trabalho em plataformas digitais
1. INTRODUÇÃO
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Sara Nogueira de Araujo
Essa investigação está baseada na perspectiva crítica de Dardot e Laval (2016) sobre
a racionalidade neoliberal e ao debate sobre o fenômeno de uberização no mundo do
trabalho de Abílio (2019) e Antunes (2020). Busca-se analisar, a partir desses
processos históricos, a construção da gestão de domínio e controle sobre os
trabalhadores/as nas plataformas digitais. Esse estudo foi desenvolvido a partir de
uma abordagem qualitativa baseada em pesquisa bibliográfica e aplicação de
questionários survey, por meio de entrevistas.
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A desmistificação do autogerenciamento no trabalho em plataformas digitais
Com essas transformações, a “rigidez fordista” foi dando lugar a uma experiência
tempo-espaço que toma novos rumos, tornando-se mais dispersas e de maneira que o
controle sobre o trabalho flua com mais facilidade. No que tange às relações de
trabalho, a subcontratação acabou levando à flexibilização contratual, e essa, por sua
vez, levou à inviabilidade de vínculo direto com os(as) trabalhadores(as), facilitando,
desse modo, a dispensação dos(as) trabalhadores(as) conforme é interpretado por
Harvey (2013). A flexibilidade, nesse sentido, funciona como um meio de satisfazer as
necessidades específicas da empresa voltadas ao distanciamento da imagem patronal.
7 A Acumulação flexível caracteriza um conjunto de práticas que tem como objetivo confrontar e desconstruir
a rigidez relacionada ao fordismo. Tem como base a flexibilização dos processos voltados ao consumo,
produtos, mercado e trabalho. “Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos,
novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional” (HARVEY, 2013, p.140).
8 O Estado de Bem-Estar Social surge na Europa Ocidental e passa a ser adotado significativamente por outras
regiões na década de 1960. Torna-se responsável por assegurar a minimização das desigualdades sociais como
direito político para além da ideologia de liberdade e igualdade do liberalismo (BUFFON; COSTA, 2014).
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Sara Nogueira de Araujo
Busca-se refinadamente tomar domínio da subjetividade desse sujeito, para que ele se
envolva inteiramente ao que lhe for atribuído cumprir. É, portanto, um sujeito do
“envolvimento total de si mesmo”, com condutas direcionadas a fim de que passe a
trabalhar para empresa como se fosse trabalhar para si. Marx (2004) traz que a
intenção nesse caso é substituir a alienação com o trabalho pelo envolvimento com o
trabalho, ou seja, o engajamento aqui é a tentativa de suprimir a própria alienação
através de técnicas que envolvem motivação, estímulo e incentivo. Cada indivíduo
deve aprender a ser “ativo” e “autônomo”, operando a si mesmo para desenvolver
estratégias que aumentem seu próprio capital humano.
9 “O neoliberalismo pode ser definido como o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um
novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência” (DARDOT; LAVAL, 2016, P.17)
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A desmistificação do autogerenciamento no trabalho em plataformas digitais
3. AS PLATAFORMAS DIGITAIS
D’andrea (2020) traz que as plataformas digitais são constituídas a partir de uma
arquitetura computacional, por meio da conexão e trocas de dados. Na definição de
Srnicek (2016, p.91), “são estruturas digitais que possibilitam a interação entre dois ou
mais grupos” e que permitem, por meio de dispositivos, uma interação entre usuários,
elaborando, a partir delas, seus produtos e serviços. Assim, é defendido que o modelo
10 O empreendedor de si mesmo deriva da concepção foucaultiana do HOMO ECONOMICUS. Sujeito que tem
sua subjetivação atravessada por valores empresariais. “A empresa é promovida como modelo de
subjetivação: cada indivíduo é uma empresa que deve se gerir e um capital que se deve fazer frutificar”
(DARDOT; LAVAL, 2016, p. 378).
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de negócio das plataformas digitais é ser essa estrutura responsável por intermediar a
prestação de serviços e a demanda dos clientes supostamente de forma neutra.
Por serem estruturas que carregam em suas arquiteturas normas inscritas, não há
neutralidade, pois, as plataformas se sustentam por meio de trocas de dados e são
organizadas através de algoritmos. Além de serem formalizadas como propriedade, as
plataformas são “guiadas por modelos de negócios e governadas por meio de termos de
acordo dos usuários” (GROHMANN, 2020, p. 95). Os principais componentes dessas
plataformas estão envolvidos em capturar e selecionar dados (dataficação) e personalizar
seus conteúdos com base na vigilância e no controle sobre os trabalhadores(as).
Sabe-se que por um longo período o indivíduo esteve ligado diretamente ao seu local
de trabalho. O que exigia, por seu turno, que suas atividades, objetos de trabalho e
resultados que também estivessem ligados a este local. Inclusive, no período
taylorista, havia uma obsessão e toda uma mensuração mais sistemática do trabalho,
cabendo ao gestor assumir a função de reunir todo conhecimento, antes detido pelos
trabalhadores, o que, segundo Woodcock (2020, p. 25), tinha por objetivo “classificá-
lo, tabulá-lo e reduzi-lo a regras, leis e fórmula”.
Com as plataformas digitais, o trabalho pode ser realizado fora do espaço físico das
empresas e suas ferramentas passam a ser dispositivos tecnológicos, como um
smartphone. Os(As) trabalhadores(as) podem exercer sua atividade a qualquer tempo
e de qualquer lugar, e, consequentemente, nesse fluxo a ligação entre os(as)
trabalhadores(as) e o objeto de trabalho é rompida. Como alternativa de superar a
dificuldade em estabelecer objetivos e avaliar as performances dos(as)
trabalhadores(as) de plataformas digitais foram aplicadas tecnologias no processo
prático dessa categoria de trabalho.
Nas plataformas digitais, o(a) gestor(a) é substituído(a) pelos algoritmos 11. A gestão
algorítmica é responsável por vigiar, premiar, cronometrar a execução da tarefa,
mensurar desempenho e até mesmo demitir os trabalhadores(as), como será exposto na
terceira seção deste artigo. As informações coletadas por meio desse novo modelo de
gestão possui uma motivação que até então não é explícita aos(às) trabalhadores(as).
Ao contrário de períodos e modelos anteriores, aqui há mais opacidade e ausência de
informação na relação gerencia-trabalhador. É dessa maneira que essas grandes
corporações mantêm sob controle toda uma multidão de trabalhadores(as).
Os(as) trabalhadores(as), por exemplo, não têm acesso aos algoritmos, que ainda se
modificam – ou são modificados – conforme a necessidade das plataformas digitais.
11 De acordo com Bhargava (2017, p. 19), “Algoritmo é um conjunto de instruções que realizam uma tarefa”.
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Além disso, eles também servem como ferramenta de controle e avaliação dessa
categoria de trabalhadores(as), principalmente quando calculam a mensuração de
produtividade dos(as) entregadores(as). Destaca-se, assim, que os algoritmos surgem
como elemento central para pensar a gestão nesse modelo de negócio.
Para melhor compreender o que foi exposto até aqui, analisaremos uma empresa de
plataforma digital que conseguiu pôr em prática os elementos da ideologia da
subjetividade neoliberal em compasso à gestão algorítmica. Essa fusão entre
tecnologia e neoliberalismo, no mundo do trabalho, resultou na concretização do
processo de precarização do trabalho que já ocorria ao longo dos anos, um fenômeno
conhecido como uberização.
4. A UBERIZAÇÃO
Segundo Bhargava (2017, p.19), a Uber12 é uma empresa fundada em 2010, no estado
da Califórnia, Estados Unidos, por Garrett Camp e Travis Kalanick. A empresa
surgiu em 2009, a partir da necessidade de facilitar as solicitações de serviço de
viagem. Ela é responsável por administrar a plataforma digital de mesmo nome que
faz a conexão entre motoristas parceiros da empresa e passageiros consumidores.
Nesse fluxo, os(as) passageiros(as) são atraídos(as) pela possibilidade de uma
prestação de serviços confortável e de fácil acesso, enquanto os(as) motoristas
parceiros(as) já se voltam pelas oportunidades de maior ganho e flexibilidade de
horário de trabalho. Em cenários com alto índice de desemprego, o trabalho de
entregas também se torna uma possibilidade para complementação de renda.
Moda (2020) coloca que para que os motoristas possam atuar, é necessário que os
países adotem políticas de flexibilidade. Enquanto a flexibilidade para o motorista
12 UBER. Fatos e dados sobre a Uber. 2020. Disponível em:< https://www.uber.com/pt- BR/newsroom/fatos-e-
dados-sobre-uber/>. Acesso em 17 jan..2021.
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está relacionada à autonomia no horário que vai exercer suas atividades de trabalho,
para a empresa a flexibilidade diz respeito diretamente a interferência nas legislações
de Estado. Para Abílio (2019) e Antunes (2020), a Uber é, nesse sentido, uma das
principais representantes desse movimento de desregulação de legislações, sobretudo
trabalhistas, que vem ocorrendo ao longo dos últimos anos.
Por outro lado, Grohmann (2020) defende o uso do termo “plataformização do trabalho”
ao invés de “uberização”, por acreditar que seja mais heterogêneo e complexo para se
compreender a financeirização, a dataficação e a racionalidade neoliberal.
Como critérios de seleção dos entrevistados, a técnica usada foi a de amostragem bola
de neve (Dewes, 2021). Essa técnica se baseia nos primeiros indivíduos que
compõem a amostra, chamados de sementes, indicarem novos indivíduos que
possuem as características similares e necessárias para análise do estudo. Geralmente,
é aplicada em grupos de difícil acesso e demonstra resultados positivos
principalmente em pesquisas qualitativas.
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Devido aos desafios de pesquisa referentes ao acesso aos dados sobre trabalho e
gestão das empresas de plataformas, essas informações serão mobilizadas a partir dos
depoimentos dos(as) trabalhadores(as) de aplicativos entrevistados, aqui apresentados
sob a forma de trechos transcritos. Ressalta-se que outros estudos mobilizaram
semelhantes aportes metodológicos, como Moda (2020) e Castro (2020).
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fazer entregas de moto na Uber Eats, por exemplo, é necessário anexar fotos da carteira
nacional de habilitação (CNH) e certificado de registro e veículo (CVL).
O Ifood oferece ao entregador duas opções de categoria para elaborar seu perfil: a nuvem
e o fixo. Na primeira, o operador não está vinculado a nenhum Operador Logístico (OL)
e não trabalha com horários ou local estabelecidos, enquanto na segunda o entregador
fixo está vinculado a um operador logístico (OL). Segundo IFOOD (2021), “O OL é uma
empresa contratada pelo Ifood para administrar grupos de entregadores disponíveis em
dias e horários pré-estabelecidos”. Diante do apontado, percebe-se assim que cada
plataforma possui uma política e burocracia mínima de exercício:
Outro ponto a ser observado é que nessas empresas, no caso do delivery, em sua
maioria, a prestação de serviço de entregas de alimentos comporta a maior demanda
dos clientes. O aplicativo seleciona, através de algoritmos, quem vai fazer a entrega,
onde será a entrega, e decidem o valor da taxa a ser recebida pelo serviço, além de
pressionarem os(as) entregadores(as) a não negarem as demandas que são
constantemente atribuídas pela plataforma:
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recusando é porque você não está disponível para eles. Às vezes a pessoa
acha o valor que pegou um pouco abaixo, fala esse valor não compensa
pra eu fazer, aí acaba recusando. É aí que a pessoa acaba se prejudicando
porque o próprio aplicativo te prejudica com isso. Dá meio que uma
punição ali (E22, homem, 23 anos)
Comigo não aconteceu não de acidente essas coisas, mas com colega ele
teve que pagar até o pedido porque para correr atrás foi canseira, para
procurar o aplicativo porque lá vai ficar como se você não se entregasse. O
cara preferiu que descontar dele do que correr atrás porque era mixaria
(E49, homem, 37 anos).
Apesar de não ter uma imagem patronal explícita, essas empresas mantêm controle
sobre os(as) trabalhadores(as). Vale pontuar ainda que, toda a execução da rotina de
atividades dos entregadores comprova uma relação de subordinação, onerosidade e
habitualidade, mesmo sem necessariamente ter um espaço físico. Assim, em alguns
casos, foi possível reconhecer legalmente o vínculo entre empresa de plataforma e o
trabalhador(a) como ocorreu no TRT-15, em Campinas, e no TRT-3 em Minas
Gerais. No caso que ocorreu em Campinas, a magistrada reconheceu vínculo
trabalhista entre o Ifood e o entregador ao identificar a relação de pessoalidade,
subordinação, fiscalização e controle da atividade, onerosidade e transferência ilícita
de riscos do negócio. Pontos que também podem ser identificados nas falas dos 04
entregadores anteriormente apresentados.
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vale o ressalvo que o intuito dessa pesquisa não foi trazer uma perspectiva tecnofóbica
em relação ao trabalho em plataformas digitais, mas dar ênfase aos fenômenos que
colaboram para o controle pelo capital sobre o trabalhador/a nesse contexto de gestão
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REFERÊNCIAS
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