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DO FORDISMO AO "UBERISMO'':
PARCEIROS EMPREENDEDORES OU TRABALHADORES
Macaé
2019
MICHEL LEMOS DE QUEIRÓZ TAVARES
DO FORDISMO AO "UBERISMO'':
PARCEIROS EMPREENDEDORES OU TRABALHADORES
Macaé
2019
Ficha catalográfica automática - SDC/BMAC
Gerada com informações fornecidas pelo autor
CDD -
DO FORDISMO AO "UBERISMO'':
PARCEIROS EMPREENDEDORES OU TRABALHADORES
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Profª. Drª. Clarisse Inês d Oliveira – Orientadora
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________
Profª. Drª. Priscila Petereit de Paola Gonçalves
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________
Bacharel em Direito. Advogado. Iamon Oliveira Machado
Universidade Federal Fluminense
Macaé
2019
RESUMO
Este estudo objetiva relatar e analisar, à luz de uma singela revisão bibliográfica acerca das
estruturas produtivas da sociedade capitalista e suas implicações à classe trabalhadora, da
relação entre capital e trabalho e sua transmutação ao longo do tempo, mais precisamente do
final do século XX até o tormentoso presente, e da jurisprudência na seara trabalhista, a
relação entre motorista parceiro e Uber. A observação dos diversos aspectos em que se
constituiu o modo de produção fordista-taylorista, o qual inaugurou um novo paradigma na
sociedade industrial e que fez gerar das suas cinzas o seu avesso, o modelo de produção
toyotista, que por sua vez, soube engolir aquilo que lhe importava do seu antecessor somadas
às suas inovações deu espaço para uma radicalização dos seus princípios. A velha forma de
intensificar a produção por meio do aumento da exploração nunca se mostrou algo tão novo
que para alguns olhares pode passar despercebida. Sugere-se a presença de velhas e novas
formas de capturar a subjetividade do trabalhador no contínuo processo de racionalização do
trabalho, diante disso, vislumbra-se uma desproteção social e jurídica sobre o trabalho
desempenhado pelo motorista parceiro, ainda que não se reconheça a relação de emprego
com a Uber.
This study aims to report and analyze, in the light of a simple literature review about the
productive structures of capitalist society and its implications for the working class, the
relationship between capital and labor and its transmutation over time, more precisely from
the late twentieth century until the stormy present, and the jurisprudence in the labor field,
the relationship between partner driver and Uber. The observation of the various aspects that
formed the Fordist-Taylorist mode of production, which inaugurated a new paradigm in
industrial society and which generated from its ashes its inside out, the Toyotist model of
production, which in turn knew how to swallow. What mattered to him from his predecessor
and his innovations gave way to a radicalization of his principles. The old way of intensifying
production through increased exploitation has never been so new that it may go unnoticed by
some eyes. It is suggested the presence of old and new ways of capturing the subjectivity of
the worker in the continuous process of rationalization of the work. In view of this, a social
and legal deprotection about the work performed by the partner driver is glimpsed, although
the relationship is not recognized. of employment with Uber. Keywords: Employment
relationship. Self-employment. Uber Partner driver.
Art. Artigo
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO 8
2 AS ESTRUTURAS PRODUTIVAS E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO 10
2.1 Do Fordismo-Taylorismo 10
2.2 Do Fordismo-Taylorismo ao Toyotismo 12
2.3 Do Toyotismo 15
3 A CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL E A "UBERIZAÇÃO" DO TRABALHO: PARCEIROS
EMPREENDORES OU TRABALHADORES? 22
3.1 Quem é a Uber? 22
3.2 A estrutura produtiva da Uber 26
3.3 Empreendedores ou Trabalhadores? 33
4 UM OLHAR DO DIREITO DO TRABALHO 35
4.1 O motorista parceiro é um empregado? 35
4.2 O motorista parceiro é um trabalhador autônomo? 41
4.3 Desproteção ou proteção dos motoristas parceiros e a razão de ser do direito do trabalho 44
CONCLUSÃO 48
REFERÊNCIAS 49
9
1. INTRODUÇÃO
Diante disso, faz-se mister a análise de algumas decisões judiciais em que definem o
embate jurídico entre o motorista parceiro e a Uber, o primeiro buscando a incidência dos
direitos trabalhistas decorrentes da relação de emprego e a segunda, pela não aplicação dos
mesmos, e até de proteções constitucionais sobre o trabalho humano.
11
2.1 Do Fordismo-Taylorismo
Por fim, mas não menos importante, era imprescindível à vigência da filosofia
fordista, difundir o espírito do capitalismo o qual serve metaforicamente também como
engrenagem da linha de produção do fordismo-taylorismo. Diante disso, a acumulação de
capital busca por intermédio do funcionamento desse modelo de produção, forjar uma
justificação moral para que o senso comum não seja capaz de compreender que a
acumulação de capital não é um fim em si mesmo, mas, um instrumento para atender os
anseios, desejos e necessidades humanas. Somente a fome como necessidade primária do
ser humano não é capaz de justificar moralmente a exacerbada exploração da força de
trabalho.
a crise do Welfare State e a ofensiva neoliberal nas instâncias político ideológicas deram
ao capital a maior liberdade possível (...)". Observa-se, assim, o movimento do sistema
capitalista a caminho de um novo modo de produção, ou melhor, uma nova forma do sistema
capitalista continuar a incessante acumulação de capital, usando de um antigo mecanismo,
qual seja, dirigir-se à potencialização da exploração, só que agora em novas formas.
O capitalismo ocidental enfrentou, à época, o que Souza (2010, p. 36.) mencionou ser
"o maior desafio da reestruturação do capitalismo financeiro e flexível foi, como não podia
deixar de ser, uma completa redefinição das relações entre o capital e o trabalho". Assim,
a organização secular dos trabalhadores com sindicatos conduzida pela rebeldia com
consciência de classe começa gradativamente a ser enfraquecida, pois, se no tempo do
fordismo o capital estava focado na dominação do corpo do trabalhador, agora, com o
toyotismo, a dominação vai além do corpo.
Mais precisamente nas últimas décadas do século XX, surge o que Alves (2011, p.
34) classifica como "(...) o novo complexo de reestruturação produtiva, cujo momento
predominante é o toyotismo, é mais um elemento compositivo do longo processo de
racionalização do trabalho vivo que teve origem com o fordismo-taylorismo".
Diante das inovações tecnológicas o modelo de produção que tomou espaço do
fordismo-taylorismo, reestrutura-se a cada dia, mas sem perder a essência do seu antecessor,
usando da tecnologia para aprimorar a gestão do trabalho vivo e, assim, melhor explorá-lo.
Com isso, a figura do trabalhador coletivo do capital, aparece com maior relevância já que
agora potencializado pelas novas tecnologias.
Segundo Alves (2011, p. 37) "Marx salientava que a cooperação permite estender
(e estreitar) o tempo-espaço, constituindo pelo trabalhador coletivo uma nova força
produtiva social do trabalho ou força produtiva do trabalho social (Marx, 1996a)". A
cooperação observada por Marx, que constituía uma nova força produtiva, previa uma
conjugação física dos trabalhadores para permitir a extensão ou estreitamento do tempo-
espaço. No entanto, o aparato tecnológico presente na linha de produção toyotista não
implica a conjugação entre trabalhadores fisicamente, pois que é possível conjugar de forma
digital, na rede.
A potencialidade do trabalhador coletivo do capital se expande à medida em que
novas formas organizacionais do modo de produção aparecem. Desse modo, o capitalista
14
busca atingir maior produtividade por meio de uma maior exploração da força de trabalho.
Enquanto no fordismo-taylorismo a produtividade de uma equipe de trabalhadores junto às
máquinas que usam no desempenho das tarefas laborais depende consideravelmente da
produtividade individual de cada trabalhador, sendo de certa forma estática sua
produtividade, no toyotismo, o engajamento do trabalhador, não só no aspecto físico, mas
também moral e intelectual, é capaz modificar o tempo-espaço para aumentar a
produtividade.
É como num esporte coletivo, por exemplo, na corrida com revezamento, o tempo
que leva a equipe para finalizar a corrida deve ser menor que o tempo individual dos
corredores da mesma equipe. Esta analogia feita por Ohno (1997) é deveras sugestiva,
tendo em vista que expõe uma dimensão essencial do espírito do toyotismo (que não havia
no fordismo-taylorismo): a imprescindibilidade do “engajamento” moral-intelectual dos
operários e empregados na produção do capital. Esse engajamento traduz-se na necessidade
da “captura” da subjetividade do trabalho vivo pelos ditames da produção de mercadorias.
O toyotismo mobiliza, portanto, a subjetividade, isto é, corpo e mente.
Mister ressaltar, que a filosofia do Sistema Toyota de Produção, idealizado no livro,
Toyota seisan hôshik, por Ohno (1997), não é o toyotismo em si, mas sim a filosofia que
forneceu a base principiológica que foi adaptada nas diversas economias dos países
capitalistas. O modo de produção toyotista, surge em meio a crise de superprodução
decorrente do fordismo-taylorismo, assim, embora tenha como inspiração o modelo
imediatamente anterior, a gestão do trabalho vivo, ou racionalização do trabalho, estrutura-
se em novos pilares capazes de superar a crise da época.
A fábrica fordista consistia num imenso conglomerado industrial no qual fica
evidente a verticalização e centralização de sua linha de produção. Toda a cadeia produtiva
estava presente na fábrica, de forma a concentrar todos os procedimentos necessários da
produção até a comercialização. A borracha do pneu usado no veículo era produzida na
mesma fábrica em que o aço usado na estrutura do veículo e, até a entrega do veículo ao
consumidor final. O modus operandi à época foi por certo tempo eficiente para diminuir os
custos da produção, já que todo o processo estaria sob controle, concentrado em um só local,
sendo possível vender por preços mais baixos e pagar melhores salários. Ocorre que, pelos
diversos fatos já explanados, tornou-se insustentável.
Diante disso, a fábrica toyotista rompe totalmente com o paradigma da centralização
e verticalização da produção a partir da introdução da produção difusa, ou lean production.
Aquela centralização ou concentração do fordismo de todos os processos da cadeia de
15
produção em uma única indústria perde o seu prestígio para a desconcentração desses
processos. Assim, em comparação com o exemplo acima, a indústria que montava
veículos, mas também o pneu e o aço, terceiriza grande parte da linha de produção e, com
isso, o conglomerado industrial torna-se uma fábrica enxuta. A terceirização ou
subcontratação é construída por meio de uma teia de colaboração, que em nada reduz o
controle necessário à atividade empresarial, em verdade, reduz os custos da enorme grande
linha de produção. Ainda, com isso, o desperdício decorrente da verticalização diminui e,
consequentemente, aumenta-se a produtividade.
2.3 Do Toyotismo
Durante a década de 80 e 90 houve a universalização do sistema o que fez com que o mesmo
sofresse alterações em sua gênese de forma a adaptar-se a cada lugar que chegasse.
A sua mundialização atendeu a crise do capitalismo, pois o antigo modelo de
produção já não era mais capaz de fazer frente à nova estrutura que o capitalismo a partir de
então moldava. Isso ocorreu, tendo em vista uma nova forma de acumulação de capital, a
acumulação flexível, que em decorrência de inúmeros fatores, dentre eles, a crise da produção
em massa, elevou a concorrência o que ocasionou uma crise do monopólio e uma a nova
configuração da luta de classes.
De acordo com Alves (2011, p. 58) "a partir da crise estrutural do capital e da sua
mundialização, o que veio a ser denominado “toyotismo” tornou-se o “momento
predominante” do que David Harvey denomina de regime de acumulação flexível". A
origem desse sistema se deu para driblar o desaceleramento econômico ante a
impossibilidade de expansão do mercado japonês em meados de 1950. Tais foram as
condições em que se originou o sistema, que após 3 décadas já era realidade nas grandes
potências capitalistas.
Ademais, as revoluções tecnológicas do período colocaram em xeque as tecnologias
antigas empregadas no processo produtivo vigente, adequando-se perfeitamente ao novo
modelo de produção de maneira a moldar uma novo formato de trabalhador para atender os
novos arranjos organizacionais na produção. Diante disso, não há como reduzir o toyotismo
a sua origem, assim pontua Alves:
(...) Foi o desenvolvimento (da crise) capitalista que constituiu, portanto, os novos
padrões de gestão da produção de mercadoria, tal como o toyotismo, e não o
contrário".
Do famoso termo just in time depreende-se de seu significado literal os termos, “na
hora certa” ou “momento certo”, contudo, ajustado a filosofia toyotista, vai muito além de
sua literalidade. Trata-se, em verdade, de um método de produção do toyotismo, que almeja
o desaparecimento do desperdício e, consequentemente, a redução dos custos de produção.
No entanto, ainda que esse princípio da filosofia toyotista esteja focado em gerir a produção,
não há como se desligar da gestão do trabalho vivo.
Como pontua Alves (2011, p. 53) "aliás, nas entrelinhas, ao descrever o novo método
18
Ademais, o toyotismo faz frente com a sua produção flexível, a qual se estrutura a
partir de máquinas automatizadas ou autônomas perante o toque humano. Soma-se a isto, a
funcionalidade das máquinas de reconhecer quando se está diante de algum erro ou
anormalidade no processo produtivo, assim, a máquina trabalha sem o acompanhamento
direto por um trabalhador, deixando-o livre para outras tarefas.
Dessa forma, é possível vislumbrar como esse novo arranjo organizacional de
multitarefas concorre para a formação de um novo trabalhador, polivalente,
desespecializado, que não fica em um posto fixo de trabalho. Além disso, ante as novas
funcionalidades das máquinas, uma interrupção automática leva a todos trabalhadores a
buscar compreender a falha no sistema e, assim, fornecer o saber-fazer para contribuir com
a produção. É possível, com isso, prevenir as falhas no processo produtivo e aperfeiçoa-lo
de maneira ininterrupta. A esse respeito, Alves (2011, p.56) dirá que "é a ideia da “melhoria
contínua” (kaizen), que exige dos operadores um savoir-faire que só eles têm"
O olhar do avesso, diante dessa realidade, fica evidente, pois a diminuição da força
de trabalho não implica na queda da produção ou em ineficiência, pelo contrário, o método
de produção em questão, diminui o número de trabalhadores e potencializa a eficiência da
produção, o que seria um paradoxo para o fordismo-taylorismo. Diante disso, depreende-se
que não se trata somente de um método de produção, mas, em verdade, de uma nova forma
de racionalização do trabalho ou gestão do trabalho vivo. Em outros termos, temos o
seguinte sentido:
O que significa [dizer] não apenas máquinas inteligentes, mas sim operadores
“inteligentes”, trabalhando em equipe, com habilidade e talento para dar palpites
que aprimore a inteligência do autônomo espiritual (a utilização de aspas em
“inteligência” significa que a inteligência requerida pelo toyotismo é inteligência
meramente instrumental) (ALVES, 2011, p. 57)
A produção difusa, por sua vez, que traz a característica da fábrica enxuta, não
corresponde diretamente a ideia de menos trabalhadores em si, como se ficassem isolados
na fábrica em sua área de atuação tal qual era na fábrica fordista-taylorista. Ao contrário,
para potencializar a eficiência do trabalhador coletivo do capital, é imprescindível a
presença de uma equipe de trabalho, mas não uma equipe na qual cada trabalhador fica
responsável somente por sua tarefa.
20
isso, confunde-se o tempo de trabalho com o tempo de vida, de modo que, o trabalho toma
todo o espaço da vida, pois qualquer necessidade humana é negócio.
a mobilidade das pessoas (UBER, 2019). Apesar da empresa buscar soluções para os
problemas de mobilidade e da narrativa de sua própria origem estar intrinsecamente ligada
ao táxi, afirma categoricamente que não se considera uma empresa de transporte, tampouco
um aplicativo de táxi, para negar quaisquer considerações a respeito de sua atividade que
não sejam aquelas divulgadas pela própria empresa.
Diante disso, tais afirmações categóricas se encontram numa espécie de quadro
informativo em seu site em que se determina o que a empresa não faz. Logo após afirmar
não ser uma empresa de transporte tampouco aplicativo de táxi, ressalta que é uma empresa
de tecnologia a qual desenvolve um aplicativo para conectar prestadores de serviços de
transporte individual e usuários que querem se movimentar nas cidades, (UBER, 2019),
salienta ainda que nenhum motorista parceiro é empregado da empresa e o carro que ele
dirige também não é de propriedade da Uber, que o aplicativo tem o fito de aumentar o
rendimento dos motoristas parceiros e ao mesmo tempo para que o usuário encontre um
motorista em que pode confiar e assim viajar confortavelmente.
A referida empresa, ainda no mesmo portal de notícias, faz questão de trazer um
tópico a respeito do marco regulatório, no qual é demonstrado por diversas razões que a
Uber respeita a legislação pertinente do país em que funciona, no caso o Brasil, e deixa claro
que a empresa defende uma nova legislação que regule a economia colaborativa e também
o transporte individual privado. Primeiro, a empresa ampara-se na Constituição Federal e
na Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal n° 12.587/12) para declarar que o
transporte individual privado que prevê a lei em questão é o serviço prestado por seus
motoristas parceiros. Compara-se o aplicativo com as redes sociais que só foram reguladas
em 2013 pelo Marco Civil da internet sem que isso significasse a ilegalidade, tendo em vista
a tímida regulação municipal da referida lei. Outrossim, ancora-se em dois estudos
divulgados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica e numa decisão da
Superinterdência-Geral da mesma autarquia que arquivou um inquérito administrativo a
respeito de concorrência desleal (UBER, 2019), para afastar qualquer ideia de que a Uber
opera em concorrência desleal.
Depreende-se do posicionamento da empresa, que a mesma faz parte do que
estudiosos denominam de share economy, economia colaborativa ou do compartilhamento,
ou ainda gig economy, economia dos “bicos”, embora até então não há uma uniformidade
na definição dos conceitos. Portanto, é preciso partir de bases sólidas para entender como a
empresa usa de tais conceitos e como ela se encaixa nessa nova configuração econômica. O
que é possível observar, são duas vertentes de formas de trabalho nessa grande massa
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sendo certo que a exigência de uma pontuação mínima é um requisito para permanência do
motorista parceiro, já que “(…) se a média de suas avaliações ficar abaixo de 4,6, a empresa
pode descredenciá-lo do aplicativo” (CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 20).
A seleção dos motoristas e o gerenciamento sobre a prestação do serviço é um dos
mecanismos da empresa que garante um padrão mínimo de qualidade na prestação do
serviço.
Segundo informações no site oficial da empresa, o serviço é dotado de diversos
mecanismos de segurança, dentre eles, destacam-se os seguintes (UBER, 2019): verifica-se
os antecedentes criminais do motorista parceiro; em parceria com seguradoras, a Uber
estabelece cobertura de acidentes pessoais tanto para motorista quanto para usuário; o
contato entre motorista parceiro e usuário é restrito ao aplicativo, de forma que nenhuma
das partes tem acesso ao número de telefone da outra; todo o percurso da viagem é registrado
em tempo real podendo ser compartilhado; ao final da viagem o usuário possui recibo com
todas as informações pertinentes a viagem para eventual contestação. Assim, a segurança
realizada seja pelo monitoramento dos motoristas parceiros ou pelo seguro-viagem, sistema
de avaliação mútua, recibo, entre outros, nada mais é do que um controle de qualidade, uma
garantia de um padrão mínimo na prestação do serviço através de diversos meios, tais como
gerenciamento e seleção dos motoristas parceiros e do serviço realizado por eles.
O indivíduo que queira tornar-se um motorista parceiro da Uber não precisa passar
por um processo seletivo. No entanto, é conferido se o mesmo atende os requisitos objetivos
para se cadastrar como motorista no aplicativo, sendo tudo realizado de forma digital.
Embora seja um trabalho pouco qualificado, o slogan que aparece nos outdoors, redes
sociais e aparelhos televisivos, para atrair motoristas parceiros, é "seja seu próprio chefe".
Segundo o site da empresa, o motorista parceiro possui “ (...) total flexibilidade para
trabalhar como, quando e onde quiser” (UBER, 2019), no entanto, logo em seguida,
demonstra-se como se determina o preço da viagem e como se inicia e encerra uma viagem.
Até meados de 2018, no Brasil, cada corrida realizada pelo motorista parceiro, a Uber
retinha de 20 a 25% do valor da viagem previamente estipulado pela própria empresa,
segundo os critérios já vistos, no entanto, a Uber não mais estabelece um percentual fixo
sobre o valor da viagem, mas variável sobre o tempo, distância percorrida e imprevistos
(FOLHA, 2018), de toda sorte, a remuneração do motorista parceiro continua sendo
determinada pela empresa e dentro dos limites do valor fixado sobre a viagem, embora mais
variável.
Ainda no site oficial da Uber, precisamente na área reservada para o cadastro de
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motoristas parceiros, existem mensagens espetaculosas como ganhar muito dinheiro, quanto
mais você dirige mais pode ganhar, dirija quando quiser, defina sua programação, quando
começar e quando terminar, você comanda, não há escritório tampouco chefe, a nossa
tecnologia está focada em sua segurança (UBER, 2019). Já nos termos de uso da Uber,
disponível no site oficial da empresa, o qual precisa ser aceito pelo motorista parceiro para
se cadastrar, é possível visualizar diversos posicionamentos da plataforma sobre sua relação
com seus motoristas parceiros. Diante disso, destacam-se dois (UBER, 2019), "a Uber
poderá imediatamente encerrar estes Termos ou quaisquer Serviços em relação a você ou,
de modo geral, deixar de oferecer ou negar acesso aos Serviços ou a qualquer parte deles,
a qualquer momento e por qualquer motivo", em caixa alta ainda se coloca o seguinte:
para a captura da subjetividade do trabalho, nunca foram tão potencializados como se pode
observar no modus operandi da Uber.
Como já observado, o motorista parceiro não possui chefe tampouco escritório, a Uber
não determina qual horário o motorista deve trabalhar, quando começar ou terminar. A
propaganda da Uber oferecida aos motoristas parceiros se liga intimamente com a ideia de
liberdade e autonomia do trabalhador. Ainda assim, a Uber não perde o controle sobre a
massa de trabalhadores que coordena, posto que, segundo seu site oficial, são mais de 600
mil motoristas parceiros no Brasil e mais de 3 milhões no mundo. Embora a Uber não se
considere uma empresa de transporte, é fato que ela se apropria de parte do trabalho do
motorista parceiro, logo, para aumentar a produtividade da empresa é necessário estimular
a produtividade do motorista parceiro, o que significa ao cabo, posicionar o mesmo nos
melhores locais e intensificar o seu trabalho. A desconcentração/descentralização do
processo produtivo que reclama a lean production ou produção difusa que reside nos
mecanismos da empresa em posicionar a produção junto à demanda.
A Uber somente tem o custo desse manejo, posto que o parte do custo de produção da
mercadoria - a viagem demandada pelo consumidor - é todo repassado ao motorista
parceiro, assim como parte do risco do negócio, com isso, o custo da empresa se resume a
construção e manutenção da rede de produção. O posicionamento da produção junto à
demanda depende da sistemática stick and carrots, que traduz-se num controle exercido
sobre o motorista parceiro por meio das premiações para que ele atenda perfeitamente a
demanda pois, se o serviço não é realizado ou é realizado com imperfeições haverá punição.
No funcionamento da plataforma, verifica-se que, "(…) conforme a necessidade, a empresa
concede incentivos para que trabalhadores peguem clientes de determinados lugares,
deslocando os motoristas para aqueles locais" (CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE,
2018, p. 37), de outro lado, o sistema de avaliação mútua e o limite da taxa de cancelamento
já garante em parte a devida punição.
Diante disso, não há escritório para os motoristas parceiros, somente há escritório para
manter a rede - o espaço da cibernética em que são realizadas as conexões entre motoristas
parceiros e usuários do aplicativo, esse é o local de trabalho - em pleno funcionamento para
garantir a fluidez da produção, é a fábrica enxuta. Tendo em vista que a plataforma funciona
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Assim, com uma tarifa – e, obviamente, uma remuneração – baixa, mais horas de
trabalho são, de fato, necessárias para a sobrevivência do motorista parceiro.
Como é essencial à empresa para sua ‘confiabilidade’ que haja a maior
disponibilidade de carros a todo momento para seus clientes. Se com poucas horas
à disposição o “parceiro” já conseguisse reunir remuneração suficiente para seu
sustento, ele poderia trabalhar menos.
“Além disso, como ressalta Alain Bihr, o novo empreendimento capitalista implica a
produção flexível pela utilização de meios de trabalho aptos a ajustar a capacidade
produtiva a uma demanda variável em volume e composição” (ALVES, 2011, p. 49/50). A
Uber radicaliza a flexibilidade da produção e, por consequência, da forma de contratação e
do salário ao estabelecer a figura do motorista parceiro posto que ela subordina esse
trabalhador mesmo sem manter formalmente um vínculo empregatício com ele, pois “(…)
a partir do envio de mensagens sobre aumento de preço e de demanda, que estimula a
disponibilidade dos trabalhadores em determinados horários em que a empresa projeta a
existência de maior número de chamados por meio do aplicativo" (CORBAL, CARELLI,
CASAGRANDE, 2018, p. 19). A Uber consegue por meio da tecnologia, ou melhor, pelo
uso do algoritmo, prever o local e o horário em que a demanda será maior e também até a
composição da demanda. Diante disso, a empresa logra êxito em ajustar sua capacidade
produtiva - que é o deslocamento dos motoristas parceiros aos locais onde a demanda estará
maior - para atender a demanda que ela prevê ao enviar mensagens digitais ou comandos
algorítmicos que estabelecem o sistema de punições e premiações - stick and carrots.
A flexibilidade de trabalho oferecida pela Uber aos motoristas parceiros é colocada
como um benefício frente aos trabalhos com horário determinado e isso é um apelo na
propaganda da empresa. Busca-se caracterizar o motorista parceiro como um
empreendedor, que por seus próprios meios desenvolve seu capital humano, o que revela
propagação retórica do vida é business e business é vida. O motorista parceiro deve se ver
como uma empresa e por isso deve internalizar os valores de mercado como já visto. No
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entanto, “em grande parte dos trabalhos em que se coloca a flexibilidade como um elemento
benéfico, verifica-se a precarização e intensificação do trabalho" (CORBAL, CARELLI,
CASAGRANDE, 2018, p. 26).
Como já visto, embora o trabalhador toyotista em relação ao fordista, ganhou certa
autonomia do desempenho do seu trabalho. Por outro lado, ao motorista parceiro ou
trabalhador uberizado foi concedida uma maior autonomia em relação ao trabalhador
toyotista, no entanto, da mesma maneira que a liberdade e autonomia do segundo foi
totalmente instrumentalizada pela atividade produtiva, assim acontece com o primeiro. Em
outras palavras, “(…) ao mesmo tempo em que acena para a entrega de parcela de
autonomia ao trabalhador, essa liberdade é impedida pela programação, pela exclusiva e
mera existência do algoritmo” (CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 32).
A filosofia do just in time enquanto método de produção para buscar eliminação do
desperdício interessa-se também em eliminar o desperdício na contratação e no
desligamento do trabalhador, significa tornar esses procedimentos céleres e menos custosos,
é o que faz a Uber, mas de maneira radical, é o próprio algoritmo que demonstra se
determinado motorista parceiro deve ser aceito ou não ou ainda se deve ser desligado da
plataforma.
Ademais, a captura da subjetividade desses trabalhadores é algo intrínseco desse
método que se preocupa também na gestão do trabalho vivo, pois para atender a
variabilidade da demanda, a Uber realiza diversas promoções - pelo sistema stick and
carrots - para conduzir o motorista parceiro ao atendimento da demanda, o que se busca, é
que o veículo esteja o mais próximo possível do consumidor, tendo em vista que a viagem
até a busca pelo passageiro é por conta do motorista parceiro, não é remunerada, para com
isso também reduzir o tempo de espera para que a demanda do consumidor seja atendida de
forma mais veloz. A plataforma, sendo totalmente dependente da rede, que não desliga, faz
com que o trabalho esteja sempre disponível ao trabalhador e, assim, os ganhos do motorista
parceiro só dependem dele ficar online na rede e atender as chamadas, em outras palavras,
"É como se a flexibilização finalmente chegasse ao resultado almejado que está em
processo há décadas: o de transformar o trabalhador em trabalhador just-in-time, ou seja,
um trabalhador disponível ao trabalho e que pode ser utilizado na exata medida das
demandas do capital" (ABÍLIO, 2017, p. 21).
Outrossim, Moda (2019), identifica três práticas gerenciais da Uber as quais
consistem em diferentes mecanismos de controle obscuros que se demonstram capazes de
manter a plataforma funcionando sem interrupções. É o controle pela remuneração variável,
31
“(…) baseada no salário por peça, tornando necessário para o trabalhador a realização
de jornadas de trabalho o mais extensas possíveis para garantir a sua reprodução social”
(p. 11), o “(…) controle ideológico existente na relação estudada, compreendendo como as
ideias mobilizadas pela empresa trazem consequências concretas na forma pela qual os
motoristas vivenciam o seu trabalho” (p. 11) e o controle algorítmico que “(…) diz respeito
ao grau de autonomia existente para os motoristas por aplicativo organizarem o 'como
trabalhar'” (p. 13). O controle pela remuneração compreende a forma pela qual se dá a
remuneração oferecida pela Uber ao motorista parceiro, que é “(...)composta apenas por
uma parte variável, com ausência de salário fixo mensal, salários indiretos ou auxílios para
manutenção do veículo” (p. 9) e após o cálculo do valor, “(...) cerca de 25% é retido pela
Uber e 75% é repassado ao seus ‘parceiros’” (p. 9). Se o referido autor já identificava a
composição da remuneração do motorista parceiro somente por uma parcela variável, que
diz respeito variação de acordo com o número de viagens realizadas sobre as quais incidia
um percentual fixo sobre o valor de cada uma delas, agora, a partir de meados de 2018,
conforme visto, não há mais percentual fixo, o percentual também é variável dentro de
critérios estabelecidos pela própria empresa.
No entanto, segundo a Uber, ela simplesmente realiza a intermediação entre o
motorista parceiro/prestador de serviço e o usuário/consumidor, de forma que a
remuneração é paga totalmente pelo consumidor e a Uber recebe um percentual do valor do
motorista parceiro devido a intermediação organizada pela plataforma digital da empresa.
Por este entendimento, que a Uber afasta-se de qualquer dúvida a respeito de uma possível
relação de emprego entre ela e o motorista parceiro. De outro lado, da mesma forma que o
toyotismo ensina os capitalistas a olharem do avesso, propõe-se neste presente estudo, olhar
o avesso do avesso e, assim, restabelecer a forma original do que se pretende observar. Em
outras palavras, salienta-se que, “para nós, é a Uber quem paga aos seus motoristas cerca
de 75% do valor total recebido pela prestação do serviço, configurando uma relação
salarial entre a empresa e os motoristas, em vez de considerarmos a Uber como uma mera
intermediadora” (MODA, 2019, p. 10). Tal inversão é realizada tendo em vista que a Uber
é quem realiza o chamado para o motorista parceiro e determina o valor a ser pago, a forma
de pagamento, sendo impossível qualquer negociação entre motorista e passageiro (MODA,
2019).
A forma de gerenciamento identificada em questão que se traduz numa forma de
controle da produção ou “(...) que busca garantir a contínua prestação do serviço’’
(MODA, 2019, p. 11), nada mais é que, como observado, um resultado da produção flexível
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que implica uma flexibilidade salarial - no caso, a remuneração por tarefa - já que é possível
a individualização máxima da produtividade do trabalhador, sendo uma forma de controlar
a produtividade, busca-se ainda aumentar a produção por um clássico mecanismo do capital,
a intensificação do trabalho operado em conjunto com a precarização das relações de
trabalho.
De outro lado, identifica-se o controle ideológico na mobilização da ideologia pela
Uber para definir a forma como o trabalho desempenhado pelo motorista parceiro é
vivenciado, o que se verifica na dificuldade dos motoristas identificarem a classificação do
trabalho realizado por eles e na variedade das respostas quando questionados, se: é um
trabalhador autônomo; um parceiro da Uber; trabalha para a empresa; a Uber trabalha para
o motorista (MODA, 2019). É a lógica do Você/S.A em que os trabalhadores incorporam os
valores de mercado e a partir disso é aceitável assumir todos os riscos inerentes da atividade
empresarial para enfrentar a concorrência e manter competitividade em prol da sua
reprodução social, em que ou supera os desafios impostos ou será descartado, o único
responsável pelos ganhos e perdas é o próprio motorista, que é um nano-empreendedor.
Assim reflete Moda (2019, p. 12):
Como apontado por Lima (2010, p. 188) muito dos trabalhadores submetidos a
vínculos precários de trabalho, ameaçados cotidianamente pela instabilidade em
seu emprego, absorvem a lógica empreendedora como explicativa e justificadora
da sua condição, se auto-responsabilizando por se manter em sua função. São
pessoas que se veem em eterna necessidade de aumentar o seu “capital humano”,
como se eles fossem uma empresa com capacidade de autovalorização constante.
A não realização desta valorização é compreendida como de responsabilidade de
si-próprios, uma noção que pode ser encarada como cínica por ocultar as relações
sociais existentes (Bihr, 2007).
Esse ocultamento das relações existentes traduz-se no movimento que se tem visto
de denominar aquele trabalho que antes era tido como informal ou “bico”, como fruto de
um empreendedorismo, ou seja, o trabalhador informal tornou-se um empreendedor.
Ocorre que, não são os motoristas parceiros que detém os meios de produção, o carro e as
despesas decorrentes de seu uso são meros instrumentos de trabalhos, não fosse a
plataforma digital, os advogados, o lobby da Uber, não seria possível a prestação de serviço
pelo motorista parceiro (CARELLI, 2019). Dessa forma, os motoristas parceiros não são
empreendedores mas, “(...) trabalhadores submetidos a um alto grau de exploração e de
riscos em sua atividade” (MODA, 2019, p. 13). Mais uma vez, percebe-se a radicalização
da ideologia propagada pelo toyotismo, em outras palavras: “A gig economy implica a
“captura” da subjetividade do trabalho vivo pela nova lógica do capital. O novo e
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No entanto, tal mecanismo nada mais é que um componente da sistemática stick and
carrots, posto que, o motorista parceiro é obrigado a manter um alto percentual de taxa de
aceitação ou baixo percentual de taxa de cancelamento para sua permanência na
plataforma, aquele que obedece o chamado da empresa é premiado pelo percentual na
referida taxa já aquele que não obedece é punido pelo mesmo percentual, o que ao cabo,
pode acarretar no desligamento do motorista parceiro. Diante do aceito cego de
passageiros, os próprios motoristas percebem que são obrigados a aceitar a realização de
viagens não rentáveis, conforme identifica Moda (2019, p. 14) em suas entrevistas que
“(...)a omissão do local de destino faz com que eles aceitem algumas corridas nas quais a
distância percorrida para chegar até o passageiro é maior que o trajeto transportando-
o".
O controle algorítmico pela tarifa dinâmica, que significa maiores ganhos ao
motorista e empresa, possui o condão de atrair os motoristas para os locais onde se tem
maior demanda e assim reduzir o tempo de espera do passageiro (MODA, 2019). Há a
aparência de um sistema operado com base na famosa lei da oferta e da procura, o que
levaria a uma auto-regulação do preço, no entanto, ressalta Moda (2019, p. 15):
(...) a análise realizada por Diakopoulos (2015) indica que a tarifa dinâmica não
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faz um maior número de motoristas ficar on-line e sim uma redistribuição dos que
já estavam trabalhando pelas ruas das cidades, diminuindo o tempo de espera em
algumas regiões e aumentando em outras. Assim, este mecanismo não atua como
mero equilibrador entre oferta e demanda, mas como uma ação da empresa
visando o direcionamento dos motoristas levando-os a trabalharem nos locais
indicados por ela.
O que se verifica, mais uma vez, é que os motoristas parceiros que atendem a
notificação do preço dinâmica são beneficiados/premiados com a melhor tarifa/melhores
ganhos, enquanto aqueles que não se posicionam nos locais indicados resta - punição -
uma pior tarifa/piores ganhos, apresentando-se o mecanismo da tarifa dinâmica como outra
face da sistemática stick and carrots, pois, “assim, a precificação, como forma de
organização do trabalho por comandos, dirige o trabalho sem que os trabalhadores, na
maior parte das vezes, percebam”(CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 36).
Ademais, as promoções realizadas, consistem na própria expressão da sistemática stick
and carrots pois o contraponto da promoção oferecida pela empresa é senão uma forma
de punição, pois, ao cabo, priva aquele trabalhador que não obedece o regramento da
promoção - esta que oferece melhor remuneração. Segundo Moda (2019, p. 15):
Desse modo, o motorista parceiro sem perceber é dirigido pelas promoções que
surgem na plataforma, sendo um instrumento eficaz para o comando e direcionamento da
força de trabalho usado pela empresa. De outro lado, o sistema de avaliação mútua, aquela
pontuação sigilosa de uma a cinco estrelas entre passageiro e motorista, o qual a Uber
salienta ser mais um de seus diversos mecanismos que, teoricamente, oferecem segurança
para ambas as partes, é também um controle de qualidade e, não só, pois demonstra ser
também um eficiente mecanismo de controle sobre os motoristas e sobre como executam
o serviço sem a necessidade de um superior hierárquico da empresa fisicamente presente
durante a prestação do serviço.
Essa nova classe trabalhadora labuta entre 8 e 14 horas por dia e imagina, em
muitos casos, que é o patrão de si mesmo. O real patrão, o capital tornado
impessoal e despersonalizado, é invisível agora, o que contribui imensamente
para que todo o processo de exploração do trabalho seja ocultado e tornado
imperceptível.
O que pretende a Uber é ocultar essa realidade, de que o motorista parceiro jamais
36
Art. 3°: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
O trabalho realizado por pessoa física aparece como requisito primordial para o
reconhecimento do vínculo de emprego, ou seja, a pessoa jurídica jamais poderá ser
reconhecida como empregada, salvo na hipótese de fraude. Na presente relação entre
motorista parceiro e Uber, não pairam dúvidas de que o trabalho é realizado por pessoa
física embora seja possível o cadastro de pessoa jurídica é certo que a empresa de outro
lado obriga a identificação do motorista que presta o serviço, o qual deve ser aprovado no
cadastro individualizado. Outrossim, um dos mecanismos de segurança da empresa
oferecida ao passageiro é justamente a avaliação do motorista parceiro, que é pessoal.
De outro lado, intimamente ligado ao requisito anterior, é a presença da pessoalidade
em relação ao empregado, como característica imprescindível à caracterização da relação
de emprego. A pessoalidade se traduz na obrigação do empregado em prestar pessoalmente
o serviço para que fora contratado, tal requisito corresponde a natureza intuitu personae,
relativa ao empregado e jamais ao empregador. Nesse sentido, ensina Cassar:
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O autor prestava seus serviços de forma pessoal sem poder se substituir por um
terceiro o que não é autorizado pela UBER que exige de todos os motoristas um
cadastro próprio e individualizado. (…) Assim, o fato de um motorista poder
vincular o cadastro de outros ao mesmo veículo, não se exclui a personalidade,
pois cada motorista deve efetuar seu próprio cadastro. Trata-se de exigência,
como vimos anteriormente, que consta das Condições Gerais. Tribunal Regional
do Trabalho (1° Região). Sentença. Processo n°. 0100351-05.2017.5.01.0075.
Juíza do Trabalho: Cissa de Almeida Biasoli. 75° Vara do Trabalho. Rio de
Janeiro, 31 de maio de 2018.
Ademais, para que uma pessoa seja considerada empregada, ela deve prestar seus
serviços de forma não eventual a empregador, acorde com o art. 3° da CLT. O serviço
prestado de forma não eventual a empregador não implica um trabalho pontual, numa
jornada de trabalho definida e rígida. São diversas as teorias que buscam elucidar esse
requisito do vínculo de emprego, qual seja a não eventualidade, denominada também como
permanência ou habitualidade. Com isso, ao invés de tratar de todas as teorias, revela-se
como opção segura, observar o que seria o contraponto desse requisito, a eventualidade,
como demonstra Delgado.
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(…) O que ficou evidente no Termo de Condições Gerais que a UBER autoriza
que o motorista permaneça desconectado; o que não é aconselhável, inclusive,
com redução na sua pontuação, recusar corridas quando está conectado. Entendo
que essa nova plataforma de trabalho criou uma situação diferente. O motorista
se ativa quando faz a conexão no sistema. A partir desse momento, ele está
submetido às regras da UBER. Não se trata de um trabalho pontual para atender
uma demanda excepcional. A demanda é infinita pois a todo momento o
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trabalhador pode se ativar. O trabalho está para ele o tempo todo disponível (…).
Tribunal Regional do Trabalho ( 1° Região). Sentença. Processo n° 0100351-
05.2017.5.01.0075. Juíza do Trabalho: Cissa de Almeida Biasoli. 75° Vara do
Trabalho. Rio de Janeiro, 31 de maio de 2018.
Desse modo, depreende-se que para se chegar na mesma conclusão, qual seja a
existência de onerosidade para fins de reconhecimento do vínculo de emprego, não é preciso
reconhecer, embora condizente com a realidade, que a Uber explora atividade empresarial
de transporte de passageiro, porquanto basta desconstruir, ao fundo, a imagem de que o
motorista parceiro é um empreendedor e reconhecer que o meio de produção é a plataforma
digital explorada pela empresa mas não o veículo e o aparelho telefônico com conexão à
rede mundial de computadores/smartphones que são meros instrumentos de trabalho,
trabalho este prestado na forma de serviço que é remunerado pela empresa mesmo que pago
por terceiros, no caso os usuários da plataforma, serviço tal que quem coloca a disposição
dos usuários/consumidores é a Uber.
Por fim, o requisito da subordinação para fins de caracterização da relação de emprego
revela-se a pedra de toque para a verificação de sua presença na relação jurídica estabelecida
entre motorista parceiro e Uber. Em resumo, a subordinação jurídica consiste na forma que
se dá o trabalho, se é de forma subordinada, em que o trabalhador trabalha por conta alheia
obedecendo o poder diretivo do empregador, ou autônoma quando o trabalho é realizado
por conta própria. Mais profundamente, preleciona Delgado:
(…) Subordinação deriva de sub (baixo) e ordinare (ordenar), traduzindo a noção
etimológica de estado de dependência ou obediência em relação a uma hierarquia
de posição ou de valores. Nessa mesma linha etimológica, transparece na
subordinação uma ideia básica de “submetimento, sujeição ao poder de outros, às
ordens de terceiros, uma posição de dependência” (…) (2017, p. 325)
(…) Por isso, o exame das demandas judiciais que envolvem os novos modelos
de organização do trabalho deve se dar à luz das novas concepções do chamado
trabalho subordinado(…). Tribunal Regional do Trabalho (2° Região). Recurso
Ordinário. Processo n° 1000123-89.2017.5.02.0038. Relatora: Desembargadora
Beatriz de Lima Pereira. 15° Turma. São Paulo, 16 de agosto de 2018.
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De outro lado, assim como existem motoristas parceiros aguerridos na luta pelo
reconhecimento do vínculo empregatício com a Uber, para a empresa não há que falar em
vínculo de emprego. Ela afirma categoricamente que não é uma empresa de transporte ou
logística e que os serviços são prestados por terceiros os quais não correspondem aos seus
empregados tampouco prepostos.
Alguns dos requisitos da relação de emprego pretendida pelo motorista parceiro em
ações trabalhistas julgadas por Juízes e Desembargadores da Justiça do Tabalho que negam
o reconhecimento de tal relação revelam uma controvertida análise que, em parte pode-se
justificar pelo conjunto fático-probatório durante a instrução processual - tendo em vista
que ora reconhecem algum dos requisitos preenchidos ora não - pois de outra parte "(...)
apresentam uma visão estrita e antiquada dos elementos da relação de
emprego"(CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 51).
Depreende-se inquestionável que o trabalho prestado pelo motorista parceiro é por
pessoa física, independentemente da conclusão que se chegue. De outro lado, é possível
verificar o não reconhecimento da pessoalidade e a presença desse requisito em decisões
judiciais em que ambas julgam improcedentes o pedido de reconhecimento de vínculo, da
mesma forma acontece com outros requisitos, com exceção da pedra de toque da
subordinação.
Diante disso, visualiza-se que enquanto o primeiro julgado reconheceu sem delongas
a presença de pessoalidade na prestação do serviço colocando ainda como elemento
inquestionável, os outros dois julgados não verificaram o requisito da pessoalidade visto
que a possibilidade de um motorista cadastrar outros motoristas como uma espécie de
auxiliares, ou mesmo o fato do reclamante em um dos casos ser um desses motoristas
auxiliares, não trataram o cadastramento pessoal como elemento de prova para reconhecer
a pessoalidade na prestação do serviço.
No tocante a onerosidade, igualmente como o requisito da pessoalidade, em primeiro
plano, há divergência em sua verificação, embora, em segundo, também conclui-se pelo não
reconhecimento do vínculo empregatício. Verifica-se que mesmo buscando negar a
existência de onerosidade na relação contratual estabelecida entre a Uber e o motorista
parceiro, há julgados que trazem uma espécie de justificativa final para não concluir pela
existência da relação de emprego já que existem outros elementos não presentes.
(…)De todo modo, a onerosidade, por si só, não é o bastante para caracterizar a
relação empregatícia, devendo estar presente em concomitância com os demais
supostos do artigo 3º da CLT. Contudo, o valor auferido, admitido na inicial
(variável entre R$4.000,00 e R$7.000,00) e o percentual de cada parte na divisão
do preço cabendo à ré 20%, não se coadunam com o labor em atividades
semelhantes desempenhadas por empregados. Tribunal Regional do Trabalho (3°
Região). Recurso Ordinário. Processo n° 0011359-34.2016.5.03.0112. Relatora:
Desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos. 9° Turma. Belo
Horizonte, 23 de maio de 2017.
Enquanto que de outro lado negou a existência da onerosidade posto que o motorista
parceiro que reclamava o reconhecimento de vínculo era um motorista parceiro auxiliar
juntamente com a ideia de que o empregador seria obrigado a prometer uma remuneração
padronizada.
45
(…) Não eventualidade seria, mais uma vez em singelas linhas, a forma de
contratar pela qual o empregado se obriga a aguardar ou executar ordens do seu
empregador, com certa regularidade temporal (uma vez por semana, uma vez por
mês, todos os dias da semana, apenas nos finais de semana, etc. Tribunal Regional
do Trabalho (3° Região). Sentença. Processo n° 0010044-43.2017.5.03.0012. Juiz
do Trabalho: Marcos Vinicius Barroso. 12° Vara do Trabalho. Belo Horizonte,
30 de maio de 2017.
Por fim, a base elementar da relação de emprego que por traduzir-se pela
contraposição do trabalho autônomo, que é o trabalho subordinado, corresponde a presença
da subordinação jurídica em qualquer figura de relação de trabalho. É a visualização do
requisito da subordinação que se sobressai na análise geral dos requisitos, tanto na
conclusão que se reconhece o vínculo empregatício quanto naquela qual não verifica o
vínculo.
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4.3 Desproteção ou proteção dos motoristas parceiros e a razão de ser do direito do trabalho
Em resumo, a regulação entre nações revela-se nas políticas nacionais que buscam
impedir, ao cabo, a precarização do trabalho e assim da própria vida, garantir a dignidade
humana, enquanto nas empresas segue-se tal concepção, na medida de que devem estar em
condições de igualdade com outras empresas relativa à obediência aos mesmos deveres e
obrigações legais.(OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE, 2018)
Viu-se que essa nova forma de trabalho nada mais é do que velhas formas de trabalho
combinadas com as novas estruturas produtivas em andamento na economia capitalista, o
que resulta em formas de trabalhos desconhecidas até então aos olhares antigos do direito
do trabalho. Ocorre que, identifica-se nessas novas formas de trabalho espalhadas por
empresas detentoras de plataformas digitais uma característica em comum, a fuga da
proteção trabalhista.
O que se observa é que os motoristas parceiros precisam trabalhar mais de dez horas
diárias para alcançar esse patamar mínimo civilizatório, ademais, não se remunera o período
de descanso, não há direito à desconexão do trabalho. Sempre que os motoristas parceiros
buscam se desconectar da plataforma são chamados a trabalhar mais para melhorar os seus
ganhos ou que estão próximos de ganhar uma recompensa caso continuem trabalhando.
Outrossim, a concorrência entre os próprios trabalhadores é latente, verifica-se isso no
documentário “GIG - A uberização do trabalho” em que um motofretista de aplicativo
percebe que no início do funcionamento dessas plataformas digitais o mesmo trabalhava
menos e recebia mais do que atualmente em decorrência o número de trabalhadores que
aumentou, ou seja, da concorrência entre os trabalhadores, verificou que, agora, mesmo
trabalhando exatamente o dobro do que alguns anos atrás não consegue chegar na mesma
remuneração antes alcançada, ainda no decorrer do referido longa-metragem, denomina-se
esse processo de concorrência como gamificação do trabalho, em que o os trabalhadores
são verdadeiros players lutando pela sua sobrevivência/reprodução social.
De todo o exposto, o limbo jurídico em que se encontram os motoristas parceiros ante
a jurisprudência que não se firma num breve espaço tempo, a realidade é que a depender
dos rumos das decisões judiciais no Brasil (…) podem levar a uma exclusão até hoje nunca
vista de trabalhadores da proteção social (OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE, 2018,
p. 45)
A desproteção do trabalho ofertada pela Uber, no entanto, não deve prevalecer, tendo
em vista a atuação dos próprios trabalhadores em busca de condições dignas de trabalho,
seja por meio da organização dos trabalhadores em sindicatos e associações que além das
lutas encampadas na arena jurídica, oferecem serviços para melhorar a situação econômica
desses trabalhadores, e da própria máquina estatal em dar uma resposta que atenue as
condições impostas aos motoristas parceiros.
Nesse sentido, uma associação de trabalhadores da categoria em ação do Estado de
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Nova Iorque, ajuizada na Justiça Federal, conseguiu uma decisão judicial para reconhecer
todos os motoristas no referido Estado a condição de empregados da Uber para que os
trabalhadores tenham acesso ao seguro-desemprego e no Estado da Florida o Departament
de Oportunidade Econômica também reconheceu o vínculo de emprego para garantir o
seguro-desemprego de um motorista da Uber. (OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE,
2018)
Verifica-se que apesar da desproteção trabalhista experimentada pelos motoristas
parceiros não os impedem de avaliar positivamente a Uber, é o que conclui Bianchi,
Machado (2017, p. 13):
Mas longe de ser positivo o trabalho do motorista parceiro, o cotidiano do seu trabalho
revela que a flexibilidade relativa ao horário de trabalho oferecida pela na Uber resta
totalmente tolida pelo sistema da plataforma. Não há um patamar mínimo remuneratório, o
que faz o motorista trabalhar até atingir sua meta diária, e caso não seja atingida, o
trabalhador se sente o único responsável por isso, já que é colocado como empreendedor de
si. A realidade é que para conseguir boas pontuações e se manter vivo no aplicativo o
motorista passa por diversos constrangimentos para agradar os passageiros. As inúmeras
horas dedicadas no trânsito das cidades impedem até o gozo de um intervalo intrajornada
que não será remunerado, além dos riscos dada a alta criminalidade dos centros urbanos,
ou seja, são diversos os fatores que contribuem para a estafante jornada de trabalho realizada
pelos motoristas. Outrossim, os altos custos decorrentes da prestação do serviço reduz os
ganhos dos motoristas.
De toda sorte, ainda que não se reconheça o vínculo empregatício, não se pode afastar
proteções constitucionais pela justificativa de trabalho autônomo, como o salário mínimo,
a duração normal de oito horas diárias de trabalho e sua remuneração superior em caso de
hora extraordinária, o repouso semanal remunerado, entre outros. No entanto, a Uber parece
estar fadada à revisão de seu modelo de negócio, haja vista que em Nova Iorque já respeita
o salário mínimo (EXAME, 2018).
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
SOUZA, J. A ralé brasileira quem é e como vive. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2011.
DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho 16ª. São Paulo. Ed. Ltr, 2017.
BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho (1° Região). Sentença. Processo n°. 0100351-
05.2017.5.01.0075. Juíza do Trabalho: Cissa de Almeida Biasoli. 75° Vara do Trabalho.
Rio de Janeiro, 31 de maio de 2018.
empregaticio-com-plataformas-digitais-de-servicos-de-transporte-uma-questao-de-direito/.
Acesso em: 15 nov/19.
EXAME. Motoristas de Uber terão “salário mínimo” em Nova York. Disponível em:
https://exame.abril.com.br/tecnologia/motoristas-de-uber-terao-salario-minimo-em-nova-
york/. Acesso em: 01 nov/2019.