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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIA DA SOCIEDADE DE MACAÉ


DIREITO

MICHEL LEMOS DE QUEIRÓZ TAVARES

DO FORDISMO AO "UBERISMO'':
PARCEIROS EMPREENDEDORES OU TRABALHADORES

Macaé
2019
MICHEL LEMOS DE QUEIRÓZ TAVARES

DO FORDISMO AO "UBERISMO'':
PARCEIROS EMPREENDEDORES OU TRABALHADORES

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao curso de Bacharelado em
Direito, como requisito parcial para
conclusão do curso. Área de
concentração: Direito do trabalho.
Orientadora: Prof.a Dr.a Clarisse Inês de
Oliveira

Macaé
2019
Ficha catalográfica automática - SDC/BMAC
Gerada com informações fornecidas pelo autor

T231f Tavares, Michel Lemos de Queiróz


DO FORDISMO AO ''UBERISMO'': : PARCEIROS EMPREENDEDORES OU
TRABALHADORES / Michel Lemos de Queiróz Tavares ; Clarisse
Inês de Oliveira, orientadora. Macaé, 2019.
53 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)-


Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências da
Sociedade, Macaé, 2019.

1. Direito do Trabalho. 2. Produção intelectual.I.


Oliveira, Clarisse Inês de, orientadora. II. Universidade
Federal Fluminense. Instituto de Ciências da Sociedade. III.
Título.

CDD -

Bibliotecária responsável: Fernanda Nascimento Silva - CRB7/6459


MICHEL LEMOS DE QUEIRÓZ TAVARES

DO FORDISMO AO "UBERISMO'':
PARCEIROS EMPREENDEDORES OU TRABALHADORES

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao curso de Bacharelado em
Direito, como requisito parcial para
conclusão do curso. Área de
concentração: Direito do trabalho.
Orientadora: Prof.a Dr.a, Clarisse Inês de
Oliveira

Aprovado em ____de ___________ de _______.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________
Profª. Drª. Clarisse Inês d Oliveira – Orientadora
Universidade Federal Fluminense

_____________________________________________
Profª. Drª. Priscila Petereit de Paola Gonçalves
Universidade Federal Fluminense

_____________________________________________
Bacharel em Direito. Advogado. Iamon Oliveira Machado
Universidade Federal Fluminense
Macaé
2019

RESUMO

Este estudo objetiva relatar e analisar, à luz de uma singela revisão bibliográfica acerca das
estruturas produtivas da sociedade capitalista e suas implicações à classe trabalhadora, da
relação entre capital e trabalho e sua transmutação ao longo do tempo, mais precisamente do
final do século XX até o tormentoso presente, e da jurisprudência na seara trabalhista, a
relação entre motorista parceiro e Uber. A observação dos diversos aspectos em que se
constituiu o modo de produção fordista-taylorista, o qual inaugurou um novo paradigma na
sociedade industrial e que fez gerar das suas cinzas o seu avesso, o modelo de produção
toyotista, que por sua vez, soube engolir aquilo que lhe importava do seu antecessor somadas
às suas inovações deu espaço para uma radicalização dos seus princípios. A velha forma de
intensificar a produção por meio do aumento da exploração nunca se mostrou algo tão novo
que para alguns olhares pode passar despercebida. Sugere-se a presença de velhas e novas
formas de capturar a subjetividade do trabalhador no contínuo processo de racionalização do
trabalho, diante disso, vislumbra-se uma desproteção social e jurídica sobre o trabalho
desempenhado pelo motorista parceiro, ainda que não se reconheça a relação de emprego
com a Uber.

Palavras-chave: Relação de de emprego. Trabalho autônomo. Uber. Motorista parceiro.


ABSTRACT

This study aims to report and analyze, in the light of a simple literature review about the
productive structures of capitalist society and its implications for the working class, the
relationship between capital and labor and its transmutation over time, more precisely from
the late twentieth century until the stormy present, and the jurisprudence in the labor field,
the relationship between partner driver and Uber. The observation of the various aspects that
formed the Fordist-Taylorist mode of production, which inaugurated a new paradigm in
industrial society and which generated from its ashes its inside out, the Toyotist model of
production, which in turn knew how to swallow. What mattered to him from his predecessor
and his innovations gave way to a radicalization of his principles. The old way of intensifying
production through increased exploitation has never been so new that it may go unnoticed by
some eyes. It is suggested the presence of old and new ways of capturing the subjectivity of
the worker in the continuous process of rationalization of the work. In view of this, a social
and legal deprotection about the work performed by the partner driver is glimpsed, although
the relationship is not recognized. of employment with Uber. Keywords: Employment
relationship. Self-employment. Uber Partner driver.

Keywords: Employment relationship. Self-employment. Uber Partner driver.


LISTA DE ABREVIATURAS

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

Art. Artigo
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO 8
2 AS ESTRUTURAS PRODUTIVAS E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO 10
2.1 Do Fordismo-Taylorismo 10
2.2 Do Fordismo-Taylorismo ao Toyotismo 12
2.3 Do Toyotismo 15
3 A CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL E A "UBERIZAÇÃO" DO TRABALHO: PARCEIROS
EMPREENDORES OU TRABALHADORES? 22
3.1 Quem é a Uber? 22
3.2 A estrutura produtiva da Uber 26
3.3 Empreendedores ou Trabalhadores? 33
4 UM OLHAR DO DIREITO DO TRABALHO 35
4.1 O motorista parceiro é um empregado? 35
4.2 O motorista parceiro é um trabalhador autônomo? 41
4.3 Desproteção ou proteção dos motoristas parceiros e a razão de ser do direito do trabalho 44
CONCLUSÃO 48
REFERÊNCIAS 49
9

1. INTRODUÇÃO

Antes de adentrar na observação da relação entre a empresa “Uber” e seus motoristas


humanos, já que existem testes para substituição do trabalho vivo, é mister observar a
floresta, para depois entender a árvore e suas raízes. No caso, a reconstrução histórica do
modo de produção capitalista fordista, que vem perdendo espaço gradativamente para um
outro, além da caracterização da classe social que ocupa o trabalhador em questão e os
pormenores que fazem parte de sua subjetividade, torna-se imprescindível para a elaboração
de uma compreensão profunda do objeto do presente estudo. Não sendo feito tal caminho,
restaria somente aceitar como verdadeiro e justo tudo aquilo o que o capital impõe aos
trabalhadores.
Para tanto, se faz necessário o desenho do mundo do trabalho e da estrutura produtiva
e sua modificação ao longo do tempo para se alcançar os pormenores do que perpassa as
relações sociais do trabalho no tempo hodierno. A gig economy ou economia do bico é o
modelo econômico explorado por diversas empresas por meio de plataformas digitais, dentre
elas a Uber. O número de países em que tal empresa está presente é alto e tende a crescer,
igualmente o número de motoristas parceiros, que ultrapassam 600 mil só no Brasil enquanto
já somam mais de 3 milhões no mundo segundo seu site oficial.
A preocupação do presente estudo gira em torno do que pontua Alves (2018, p.
84):

A Revista Wired referiu-se à gig economy como o novo paradigma salarial do


século XXI. Diz ela que, num estudo feito pela JP Morgan Chase Institute revelou-
se que o número gig workers nos Estados Unidos cresceu 10 vezes desde 2012; e
que 4% de adultos já trabalhou, ao menos uma vez, nesse mercado (MENA, 2016).
Um outro estudo, da Intuit Research, prevê que até 2020 a gig economy
compreenderá 40% dos trabalhadores americanos" (ALBA, 2015). No artigo “Uber
is just the tip of the iceberg: the gig economy is leveraging the human cloud”,
Blikre (2016) observa que a gig economy caracteriza-se pela flexibilidade laboral:
empregadores podem contratar a força de trabalho de acordo com demandas
pontuais; e os trabalhadores assalariados não precisam ficar num local de trabalho
e cumprir horário. As novas tecnologias informacionais permitem a
desterritorialização do local de trabalho (teletrabalho) e a flexibilização da jornada
laboral, reduzindo-se, deste modo, tempo de vida a tempo de trabalho. Altera-se a
forma como os trabalhadores assalariados veem seus trabalhos, tanto em termos
de planos de carreira, como em relação ao que esperam das empresas para as quais
10

prestam serviços. A gig economy implica a “captura” da subjetividade do trabalho


vivo pela nova lógica do capital.

Diante disso, faz-se mister a análise de algumas decisões judiciais em que definem o
embate jurídico entre o motorista parceiro e a Uber, o primeiro buscando a incidência dos
direitos trabalhistas decorrentes da relação de emprego e a segunda, pela não aplicação dos
mesmos, e até de proteções constitucionais sobre o trabalho humano.
11

2 AS ESTRUTURAS PRODUTIVAS E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

2.1 Do Fordismo-Taylorismo

O modo de produção capitalista fordista tem como marco histórico a produção em


massa e estandardizada, tendo como emblema o veículo “Ford T”, idealizado por Henry
Ford. Ocorre que, esta nova forma de produzir, à época, não se resumiu a uma linha de
produção padronizada e em grande escala que reduziu o custo de produção, foi além.
Não bastava somente produzir e não ter demanda que suprisse a quantidade de
produtos, já que até então o poder de consumo na sociedade capitalista não chegava a classe
dos trabalhadores. Foi necessário que, ao menos os setores da grande indústria, mudassem
o padrão na relação entre patrões e empregados, entre capital e trabalho. Com isso, os
trabalhadores desse setor passaram a ter uma jornada de trabalho menos exaustiva, melhores
salários e benefícios, de forma a permitir que tal classe efetivamente tivesse algum poder
de consumo, como sinaliza Souza (2010). Do outro lado, tais benesses não somente serviam
para que os trabalhadores fossem capazes de consumir aquilo que os mesmos produziam,
mas também, para domesticar a força de trabalho.
Nesse sentido, o modelo de produção fordista-taylorista não dirigiu somente os
trabalhadores enquanto estavam a disposição na fábrica, efetivamente, foi parte
indissociável do espírito do capitalismo da época, capaz de moldar, psicologicamente e
esteticamente, o modo de vida dos trabalhadores e seus familiares (SOUZA, 2010).

A nova forma de viver resultou na famosa propaganda do "american way of life" ,


a partir da qual o trabalhador foi ludibriado para ver no consumo exacerbado - necessário
para atender a produção em massa do modelo fordista - de bens e serviços que antes somente
as classes mais abastadas tinham acesso, a própria felicidade é ligada a ideia de progresso
individual. Diante disso, evidencia-se que a filosofia fordista ia muito além do parque fabril.

Por outro lado, para manter a linha de produção fordista-taylorista padronizada e


com alta produtividade, era mister disciplinar a força de trabalho, já que a garantia de
melhores salários, benefícios e jornada de trabalho de oito horas diárias não era suficiente.
A disciplina indispensável ao modelo fordista traduziu-se na perseguição das organizações
dos trabalhadores, seja na forma de repressão aos sindicatos ou dirigida à organizações
autônomas, no controle e vigilância permanente do trabalhador com mecanismos de
punição, ou mesmo na regência da vida do trabalhador ainda que fora da fábrica, já que
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determinado comportamento/hábito/cultura poderia refletir na sua capacidade produtiva, no


caso, é possível exemplificar a Lei Seca nos Estados Unidos (SOUZA, 2010).

A racionalidade do trabalho nessa linha de produção, assim, pressupunha, que o


desempenho do trabalho fosse repetitivo e, não só isso, que o trabalhador fosse
especializado em uma só tarefa, sendo descartado o seu cérebro. Além disso, não interessava
a competição entre as empresas, sendo essa fase do capitalismo marcada por um
monopolização extrema.

Por fim, mas não menos importante, era imprescindível à vigência da filosofia
fordista, difundir o espírito do capitalismo o qual serve metaforicamente também como
engrenagem da linha de produção do fordismo-taylorismo. Diante disso, a acumulação de
capital busca por intermédio do funcionamento desse modelo de produção, forjar uma
justificação moral para que o senso comum não seja capaz de compreender que a
acumulação de capital não é um fim em si mesmo, mas, um instrumento para atender os
anseios, desejos e necessidades humanas. Somente a fome como necessidade primária do
ser humano não é capaz de justificar moralmente a exacerbada exploração da força de
trabalho.

Com isso, a permanência do capitalismo necessita também dessa justificação, a fim


de que os próprios trabalhadores defendam o comprometimento com o trabalho explorado.
Durante a difusão do fordismo, não só o trabalho mas também a empresa que organiza-o,
são objetos de reconhecimento glorioso, estando a religião intrinsecamente ligada ao
espírito do capitalismo, como bem desenhado por Max Weber (SOUZA, 2011).

No entanto, a crise do petróleo em 1973, matriz energética do sistema capitalista,


evidenciou a fragilidade da estrutura que o fordismo sustentava. Soma-se aos fatores
econômicos, conseqüência natural da crise, o aumento do custo da produção, tanto por conta
da matéria prima para se produzir bens de consumo, quanto como pelo custo da força de
trabalho e da política de controle e vigilância, fatores culturais e políticos que
impulsionaram a reorganização do sistema capitalista abrindo espaço à difusão de um novo
modo de produção (SOUZA, 2010).

Entre os elementos que contribuíram para essa reorganização, encontra-se a estrutura


do fordismo-taylorismo ancorada num aparente compromisso entre classes sociais
antagônicas, a crítica ao status quo que vigorava também torna insustentável a manutenção
desse modelo de produção nos moldes da época. Discutindo essas transformações Alves
(2011, p. 36) nos dirá que " as derrotas históricas das forças sociais e políticas do trabalho,
13

a crise do Welfare State e a ofensiva neoliberal nas instâncias político ideológicas deram
ao capital a maior liberdade possível (...)". Observa-se, assim, o movimento do sistema
capitalista a caminho de um novo modo de produção, ou melhor, uma nova forma do sistema
capitalista continuar a incessante acumulação de capital, usando de um antigo mecanismo,
qual seja, dirigir-se à potencialização da exploração, só que agora em novas formas.

O capitalismo ocidental enfrentou, à época, o que Souza (2010, p. 36.) mencionou ser
"o maior desafio da reestruturação do capitalismo financeiro e flexível foi, como não podia
deixar de ser, uma completa redefinição das relações entre o capital e o trabalho". Assim,
a organização secular dos trabalhadores com sindicatos conduzida pela rebeldia com
consciência de classe começa gradativamente a ser enfraquecida, pois, se no tempo do
fordismo o capital estava focado na dominação do corpo do trabalhador, agora, com o
toyotismo, a dominação vai além do corpo.

2.2 Do Fordismo-Taylorismo ao Toyotismo

Mais precisamente nas últimas décadas do século XX, surge o que Alves (2011, p.
34) classifica como "(...) o novo complexo de reestruturação produtiva, cujo momento
predominante é o toyotismo, é mais um elemento compositivo do longo processo de
racionalização do trabalho vivo que teve origem com o fordismo-taylorismo".
Diante das inovações tecnológicas o modelo de produção que tomou espaço do
fordismo-taylorismo, reestrutura-se a cada dia, mas sem perder a essência do seu antecessor,
usando da tecnologia para aprimorar a gestão do trabalho vivo e, assim, melhor explorá-lo.
Com isso, a figura do trabalhador coletivo do capital, aparece com maior relevância já que
agora potencializado pelas novas tecnologias.
Segundo Alves (2011, p. 37) "Marx salientava que a cooperação permite estender
(e estreitar) o tempo-espaço, constituindo pelo trabalhador coletivo uma nova força
produtiva social do trabalho ou força produtiva do trabalho social (Marx, 1996a)". A
cooperação observada por Marx, que constituía uma nova força produtiva, previa uma
conjugação física dos trabalhadores para permitir a extensão ou estreitamento do tempo-
espaço. No entanto, o aparato tecnológico presente na linha de produção toyotista não
implica a conjugação entre trabalhadores fisicamente, pois que é possível conjugar de forma
digital, na rede.
A potencialidade do trabalhador coletivo do capital se expande à medida em que
novas formas organizacionais do modo de produção aparecem. Desse modo, o capitalista
14

busca atingir maior produtividade por meio de uma maior exploração da força de trabalho.
Enquanto no fordismo-taylorismo a produtividade de uma equipe de trabalhadores junto às
máquinas que usam no desempenho das tarefas laborais depende consideravelmente da
produtividade individual de cada trabalhador, sendo de certa forma estática sua
produtividade, no toyotismo, o engajamento do trabalhador, não só no aspecto físico, mas
também moral e intelectual, é capaz modificar o tempo-espaço para aumentar a
produtividade.
É como num esporte coletivo, por exemplo, na corrida com revezamento, o tempo
que leva a equipe para finalizar a corrida deve ser menor que o tempo individual dos
corredores da mesma equipe. Esta analogia feita por Ohno (1997) é deveras sugestiva,
tendo em vista que expõe uma dimensão essencial do espírito do toyotismo (que não havia
no fordismo-taylorismo): a imprescindibilidade do “engajamento” moral-intelectual dos
operários e empregados na produção do capital. Esse engajamento traduz-se na necessidade
da “captura” da subjetividade do trabalho vivo pelos ditames da produção de mercadorias.
O toyotismo mobiliza, portanto, a subjetividade, isto é, corpo e mente.
Mister ressaltar, que a filosofia do Sistema Toyota de Produção, idealizado no livro,
Toyota seisan hôshik, por Ohno (1997), não é o toyotismo em si, mas sim a filosofia que
forneceu a base principiológica que foi adaptada nas diversas economias dos países
capitalistas. O modo de produção toyotista, surge em meio a crise de superprodução
decorrente do fordismo-taylorismo, assim, embora tenha como inspiração o modelo
imediatamente anterior, a gestão do trabalho vivo, ou racionalização do trabalho, estrutura-
se em novos pilares capazes de superar a crise da época.
A fábrica fordista consistia num imenso conglomerado industrial no qual fica
evidente a verticalização e centralização de sua linha de produção. Toda a cadeia produtiva
estava presente na fábrica, de forma a concentrar todos os procedimentos necessários da
produção até a comercialização. A borracha do pneu usado no veículo era produzida na
mesma fábrica em que o aço usado na estrutura do veículo e, até a entrega do veículo ao
consumidor final. O modus operandi à época foi por certo tempo eficiente para diminuir os
custos da produção, já que todo o processo estaria sob controle, concentrado em um só local,
sendo possível vender por preços mais baixos e pagar melhores salários. Ocorre que, pelos
diversos fatos já explanados, tornou-se insustentável.
Diante disso, a fábrica toyotista rompe totalmente com o paradigma da centralização
e verticalização da produção a partir da introdução da produção difusa, ou lean production.
Aquela centralização ou concentração do fordismo de todos os processos da cadeia de
15

produção em uma única indústria perde o seu prestígio para a desconcentração desses
processos. Assim, em comparação com o exemplo acima, a indústria que montava
veículos, mas também o pneu e o aço, terceiriza grande parte da linha de produção e, com
isso, o conglomerado industrial torna-se uma fábrica enxuta. A terceirização ou
subcontratação é construída por meio de uma teia de colaboração, que em nada reduz o
controle necessário à atividade empresarial, em verdade, reduz os custos da enorme grande
linha de produção. Ainda, com isso, o desperdício decorrente da verticalização diminui e,
consequentemente, aumenta-se a produtividade.

A produção estandardizada do fordismo para funcionar em seus termos deve ter em


sua linha de produção postos fixos de trabalho, além disso, o trabalho necessita ser o
máximo especializado, almejando maior produtividade na repetição da tarefa, todos esses
fatores alinhados para atender a alta produção. O trabalhador do fordismo-taylorismo tinha
seu corpo dominado, não se via no processo produtivo, realizava tarefa específica de forma
repetitiva, não estava estimulado ao serviço posto que nenhuma liberdade na produção era
permitida, havia controle e disciplina rígida para atender a produção em massa.
Do outro lado, a filosofia toyotista busca a captura da subjetividade por meio da
produção fluida. Se antes a racionalização do trabalho somente alcançava o domínio do
corpo do trabalhador, agora, empreende a dominação também de sua mente. A
desespecialização do trabalhador é necessária para atender a nova gestão do trabalho vivo
ante o aparecimento de máquinas automatizadas e dos novos arranjos organizacionais, de
forma a progressivamente substituir aquele trabalhador em posto fixo, especializado,
repetitivo e sem conhecimento da cadeia produtiva.
O trabalhador agora é estimulado pelo seu supervisor para operar em diversas tarefas
no seu cotidiano profissional, com isso, detém maior liberdade em comparação ao
trabalhador especializado. É preciso ainda, que o trabalhador tenha conhecimento de
grande parte do processo produtivo, sendo incentivada a pró atividade para que o
trabalhador fique completamente envolvido no desempenho do seu trabalho. Ocorre que,
essa liberdade concedida ao trabalhador, de usar os seus saberes na execução do serviço é
completamente instrumentalizada para elevar a produtividade
A produção em massa do fordismo-taylorismo servia para atender uma demanda
também massificada, no sentido de não ser diversificada. Dessa forma, diante de uma
demanda constante, para a linha de produção funcionar e criar estoques, o trabalhador não
deveria jamais sair do seu posto de trabalho, tendo em vista que isso desaceleraria o ritmo
16

da produção necessário. Tanto em número quanto em espécie, a demanda é permanente.


Portanto, o contrato de trabalho desse trabalhador precisa ser estável posto que ele executa
sempre as mesmas tarefas que corresponde à uma produtividade quase estática,
igualmente, assim, é o seu salário e a manutenção do contrato.
A demanda diversificada tanto em número quanto em espécie coloca em xeque a
sistemática fordista-taylorista. Diante disso, o toyotismo flexibiliza a produção mas sem
que isso afete a produtividade, pois agora, se a produção fordista estava estática em grandes
lotes, a produção flexível reduz o tamanho dos lotes e os diversifica para atender essa nova
demanda. Para tanto, é preciso que os trabalhadores saibam operar diversas máquinas e
processos na cadeia produtiva, de forma que não há mais razão para postos fixos de
trabalho.
Desse modo, Alves (2011, p. 50) sinaliza que " fluidez e flexibilidade se conjugam
para exigir uma força de trabalho polivalente, qualificada, operando em equipes, que
ligam estreitamente operários, técnicos, administradores etc ". Com isso, um contrato de
trabalho estável não atende a relação entre capital e trabalho do toyotismo, como era no
fordismo-taylorismo. Para o toyotismo, é necessário que não só produção seja flexível, mas
também o contrato de trabalho, o salário, de modo a individualizar ao máximo o
trabalhador, posto que é possível medir sua produtividade e, assim, o estímulo à
concorrência entre trabalhadores também é interessante para se produzir mais.

2.3 Do Toyotismo

O modelo de produção toyotista substitui e complementa o paradigma antes


predominante, o fordismo-taylorismo, em decorrência de inúmeros fatores já explanados.
Será possível, com isso, identificar que perquirindo as relações que sustentam nosso objeto
de estudo restará evidente a presença dos princípios do toyotismo no modus operandi da
empresa “Uber”, ou melhor, na sua gestão do trabalho vivo.
Para tanto, não basta entender a transição entre a predominância dos dois modelos
de produção, a perquirição do funcionamento dessa nova forma de racionalização do
trabalho é imprescindível. No entanto, antes, e não menos importante, é preciso identificar
a gênese do toyotismo e sua expansão.
Não é novidade que o Sistema Toyota de Produção teve sua origem no Japão, no
entanto, cumpre salientar, que somente após algumas décadas espalhou-se pelo mundo.
17

Durante a década de 80 e 90 houve a universalização do sistema o que fez com que o mesmo
sofresse alterações em sua gênese de forma a adaptar-se a cada lugar que chegasse.
A sua mundialização atendeu a crise do capitalismo, pois o antigo modelo de
produção já não era mais capaz de fazer frente à nova estrutura que o capitalismo a partir de
então moldava. Isso ocorreu, tendo em vista uma nova forma de acumulação de capital, a
acumulação flexível, que em decorrência de inúmeros fatores, dentre eles, a crise da produção
em massa, elevou a concorrência o que ocasionou uma crise do monopólio e uma a nova
configuração da luta de classes.
De acordo com Alves (2011, p. 58) "a partir da crise estrutural do capital e da sua
mundialização, o que veio a ser denominado “toyotismo” tornou-se o “momento
predominante” do que David Harvey denomina de regime de acumulação flexível". A
origem desse sistema se deu para driblar o desaceleramento econômico ante a
impossibilidade de expansão do mercado japonês em meados de 1950. Tais foram as
condições em que se originou o sistema, que após 3 décadas já era realidade nas grandes
potências capitalistas.
Ademais, as revoluções tecnológicas do período colocaram em xeque as tecnologias
antigas empregadas no processo produtivo vigente, adequando-se perfeitamente ao novo
modelo de produção de maneira a moldar uma novo formato de trabalhador para atender os
novos arranjos organizacionais na produção. Diante disso, não há como reduzir o toyotismo
a sua origem, assim pontua Alves:

(...) Foi o desenvolvimento (da crise) capitalista que constituiu, portanto, os novos
padrões de gestão da produção de mercadoria, tal como o toyotismo, e não o
contrário".

(...) O que queremos salientar, portanto, é que, ao surgir como o “momento


predominante” do complexo de reestruturação produtiva sob a mundialização do
capital, o toyotismo passou a incorporar uma “nova significação”, “para além”
das particularidades de sua gênese sócio-histórica (e cultural), vinculada com o
capitalismo japonês. (2011, p. 59 e 61)

Do famoso termo just in time depreende-se de seu significado literal os termos, “na
hora certa” ou “momento certo”, contudo, ajustado a filosofia toyotista, vai muito além de
sua literalidade. Trata-se, em verdade, de um método de produção do toyotismo, que almeja
o desaparecimento do desperdício e, consequentemente, a redução dos custos de produção.
No entanto, ainda que esse princípio da filosofia toyotista esteja focado em gerir a produção,
não há como se desligar da gestão do trabalho vivo.

Como pontua Alves (2011, p. 53) "aliás, nas entrelinhas, ao descrever o novo método
18

de produção, o que está pressuposto é a necessidade de contornar a resistência (ou


conquistar a anuência) do trabalho vivo, variável essencial para o funcionamento das
novas técnicas organizacionais". O just in time não é usado somente para coordenar a
produção pois a medida que se tem demanda se inicia a produção, o que implica, também,
evitar o desperdício na contratação da força de trabalho. É preciso flexibilizar a admissão e
demissão dos trabalhadores para atender a alta variação da demanda em número e espécie.
Eliminar o desperdício da produção em massa significa, então, não somente reduzir
os custos e aumentar a produtividade. Implica na captura da subjetividade do trabalhador
como estratégia essencial para o aumento da produtividade que, para tanto, o trabalhador
precisa trabalhar ao mesmo tempo em diversas máquinas e processos. Ele agora é
condicionado a operar em multitarefas, sem, contudo, obrigatoriamente ter que trabalhar
por mais horas.
O processo de desespecialização do trabalhador, no entanto, pode ensejar a
resistência dos trabalhadores, pois embora não vejam o aumento das horas de trabalho é
visível a amplificação do trabalho realizado, pelo que deve ser destruída, ou melhor, é
preciso fazer com que os próprios trabalhadores concordem com esse maior nível de
exploração, aqui está o contorno da resistência e a conquista da anuência dos trabalhadores.
Daí a necessidade de se instrumentalizar as inúmeras habilidades antes não exploradas, o
saber-fazer dos trabalhadores e, com isso, intensificar o trabalho. É elevar a produção com
menos trabalhadores e tornar mais eficiente a produção, ou seja, aumentar o nível de
exploração do trabalho, já que a demanda durante a crise diminui e o sistema capitalista se
torna mais concorrente.
O método de produção just in time, que é também um método de gestão do trabalho
vivo, parte essencial da produção, segundo a filosofia toyotista, não pode ser administrado
sem o sistema kanban. Essa forma de administrar o método de produção, em verdade,
refere-se à produção fluida enquanto captura da subjetividade e instrumentalização do
saber-fazer do trabalhador para o desempenho diversificado de tarefas, com o fito de atender
aos novos arranjos organizacionais (ALVES, 2011).
Diante disso, o kanban interliga as etapas do processo produtivo consistente no meio
pelo qual circula a ordem de produção. Com isso, os níveis gerenciais no processos de
produção perdem sua razão de ser, tendo em vista que a circulação fluida da ordem de
produção constrói uma rede conectada e em sincronia que liga "(...) os processos anterior e
posterior em todos os níveis"(ALVES, 2011, p. 54)
Desse modo, para que o kanban seja posto à efeito, é imprescindível a figura do
19

trabalhador coletivo e, portanto, da captura da subjetividade para a instrumentalização de


cada trabalhador. Assim, obtemos a seguinte síntese:
É por isso que se diz que o Sistema Toyota de Produção olha as coisas pelo avesso
ou de um ponto de vista oposto. Como salientamos, o discurso dúplice de Ohno
trata da gestão da produção, mas seu olhar “perscruta” o trabalho vivo (ALVES,
2011, p. 54)

Ademais, o toyotismo faz frente com a sua produção flexível, a qual se estrutura a
partir de máquinas automatizadas ou autônomas perante o toque humano. Soma-se a isto, a
funcionalidade das máquinas de reconhecer quando se está diante de algum erro ou
anormalidade no processo produtivo, assim, a máquina trabalha sem o acompanhamento
direto por um trabalhador, deixando-o livre para outras tarefas.
Dessa forma, é possível vislumbrar como esse novo arranjo organizacional de
multitarefas concorre para a formação de um novo trabalhador, polivalente,
desespecializado, que não fica em um posto fixo de trabalho. Além disso, ante as novas
funcionalidades das máquinas, uma interrupção automática leva a todos trabalhadores a
buscar compreender a falha no sistema e, assim, fornecer o saber-fazer para contribuir com
a produção. É possível, com isso, prevenir as falhas no processo produtivo e aperfeiçoa-lo
de maneira ininterrupta. A esse respeito, Alves (2011, p.56) dirá que "é a ideia da “melhoria
contínua” (kaizen), que exige dos operadores um savoir-faire que só eles têm"
O olhar do avesso, diante dessa realidade, fica evidente, pois a diminuição da força
de trabalho não implica na queda da produção ou em ineficiência, pelo contrário, o método
de produção em questão, diminui o número de trabalhadores e potencializa a eficiência da
produção, o que seria um paradoxo para o fordismo-taylorismo. Diante disso, depreende-se
que não se trata somente de um método de produção, mas, em verdade, de uma nova forma
de racionalização do trabalho ou gestão do trabalho vivo. Em outros termos, temos o
seguinte sentido:
O que significa [dizer] não apenas máquinas inteligentes, mas sim operadores
“inteligentes”, trabalhando em equipe, com habilidade e talento para dar palpites
que aprimore a inteligência do autônomo espiritual (a utilização de aspas em
“inteligência” significa que a inteligência requerida pelo toyotismo é inteligência
meramente instrumental) (ALVES, 2011, p. 57)

A produção difusa, por sua vez, que traz a característica da fábrica enxuta, não
corresponde diretamente a ideia de menos trabalhadores em si, como se ficassem isolados
na fábrica em sua área de atuação tal qual era na fábrica fordista-taylorista. Ao contrário,
para potencializar a eficiência do trabalhador coletivo do capital, é imprescindível a
presença de uma equipe de trabalho, mas não uma equipe na qual cada trabalhador fica
responsável somente por sua tarefa.
20

A cooperação entre os trabalhadores é essencial para a captura da subjetividade do


trabalho tal qual pretende o toyotismo, mesmo que haja trabalho somente para um só
trabalhador, com uma equipe, eleva-se a eficiência, dada a sinergia decorrente da
cooperação. Com a formação de equipes nos termos do toyotismo é possível diminuir
consideravelmente o número de trabalhadores sem que isso implique na diminuição da
produtividade, em verdade, a produtividade deve ser maior.
Além dos novos arranjos organizacionais do toyotismo, o avanço tecnológico no que
tange ao desenvolvimento de tecnologias direcionadas ao mundo do trabalho, concorre para
o desenvolvimento contínuo desse modelo de produção e da gestão do trabalho vivo. É
possível vislumbrar que das novas tecnologias empregadas no toyotismo, a informação se
revelou o principal insumo desse modelo de produção, soma-se a isto, a capacidade de
maximizar os princípios toyotistas pela constituição da rede informacional e interativa.
Por meio da circulação da informação no ciberespaço, das emissões de comando e
controle dentro da rede, da autonomação das máquinas, em que o trabalhador coletivo é
potencializado pois a equipe não necessariamente precisa estar junta fisicamente, não sendo
necessário um posto físico de trabalho, o processo produtivo como um todo flui conforme
seja necessário e onde for mais viável.
A máquina não é mais mediada pelo trabalhador, como acontecia no aparato
tecnológico disponível à época da difusão e expansão do fordismo. A tecnologia do
toyotismo altera substancialmente a relação entre trabalhador e máquina posto que o
trabalhador é mediado pela máquina, ou melhor, pela rede, já que a máquina não consiste
mais numa estrutura fisicamente rígida. Nesse sentido, a nova relação trabalhador e
máquina, instituída pelo toyotismo e seu aparato tecnológico, implica uma nova forma de
uso da força de trabalho, como fica demonstrado na seguinte passagem:

(...) O desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e o surgimento


das novas tecnologias telemáticas e de informação em rede constituíram um novo
espaço de sociabilidade virtual apropriado pelo capital.

(...) O modelo das competências profissionais é o terreno ideológico a partir do


qual se disseminam noções estruturantes de flexibilidade, transferibilidade,
polivalência e empregabilidade que irão determinar o uso, controle, formação e
avaliação do desempenho da força de trabalho. (ALVES, 2011, p. 73 e 76)

A partir desse modelo, a captura da subjetividade do trabalho é intensificada, os


empregados passam a ser denominados colaboradores, a formação contínua do trabalhador
deve ser totalmente instrumentalizada pela empresa, de maneira a servir aos interesses da
produção. Outrossim, diminui-se os custos da gestão, vigilância e controle da força de
21

trabalho, pois os colaboradores internalizam a disciplina e controlam a si e seus pares,


assim, não há razões para um controle formal e centralizado numa relação conflituosa entre
chefes e empregados.
Diante disso, é possível observar que as inovações tecnológicas que acompanham o
toyotismo, até então, deram novos contornos para o trabalhador coletivo, ao passo que
trazem consigo a obscuridade da desregulamentação e da flexibilização das relações de
trabalho operadas pelo capital. O que se revela na flexibilização do salário, posto que é
medido pelo desempenho e produtividade individual, assim, remunera-se quem mais
produzir, cria-se um ambiente de competição individual entre trabalhadores não sendo
mais interessante uma negociação coletiva. O laço de solidariedade dos trabalhadores é
rompido e assim a classe trabalhadora perde seu poder de negociar as condições de
trabalho.
Da mesma maneira que o fordismo-taylorismo buscava dar sentido à acumulação de
capital, é imprescindível ao toyotismo a difusão de seu espírito posto que diante de uma
nova forma de acumulação de capital, a acumulação flexível. Além da questão econômica,
foi decisivo para o desmonte do fordismo o aspecto cultural e político (SOUZA, 2010). A
imagem incontestável do trabalhador do século XX é aquela desenhada pelo filme Tempos
Modernos, na figura do ator Charles Chaplin. O trabalhador completamente alienado, que
a despeito do seu trabalho repetitivo e especializado não era possível vislumbrar o processo
produtivo como um todo, trabalhando dentro da hierarquia do grande parque fabril onde
era constantemente vigiado e controlado. Diante disso, a crítica cultural e política ao
american way of life foi incorporada pelo novo modo de produção capitalista em prol de
sua própria sustentação. Em outras palavras:

O capitalismo não constrói novas ideias, mas, antes de tudo, mobiliza as


construções simbólicas já existentes e que desfrutam de alta penetração social em
cada contexto, conferindo-lhes um sentido novo que permita adaptá-las às
exigências da acumulação de capital. (SOUZA, 2010, p. 30)

O aspecto cultural e político que cita Souza, é o que futuramente se materializou


enquanto inovações sociometabólicas do toyotismo elencadas por Alves (2011, p. 90), as
quais “(...) se disseminam por meio de treinamentos em empresas, políticas
governamentais, currículos escolares, aparatos midiáticos da indústria cultural e,
inclusive, igrejas (...)”. Não só o processo produtivo se constitui em redes, mas a própria
sociedade e a ideologia instrumental que flui nas mentes dos trabalhadores. Assim, os
22

valores de mercado incutidos nos trabalhadores durante o processo de engajamento dos


mesmos em prol do aumento da produtividade acompanham-os também fora do local de
trabalho.
A lógica da adaptação e da competitividade, inerente à sobrevivência da atividade
empresarial no sistema capitalista, passa a acompanhar o trabalhador em todas as
dimensões sua vida. O que se traduz na busca pelo desenvolvimento do seu próprio capital
humano, no empreendedorismo. Com isso, diz Alves (2011, p. 93), “o tempo de vida
tornou-se mera extensão do tempo de trabalho”, e vai além:

Como reação ao avassalamento do tempo de não trabalho pelo capital, juristas


propõem o “direito à desconexão do trabalho” (Souto-Maior, 2003). Entretanto,
não são apenas as dificuldades de se “desconectar” do trabalho que atingem
operários e empregados, mas a presença insistente de valores-fetiche,
expectativas e utopias de mercado que reverberam na vida pessoal e nas instâncias
de sociabilidades daqueles que buscam um tempo livre. (ALVES, 2011, p. 93)

Esse movimento do toyotismo, de " (...) incorporar valores da vida do trabalho na


produção do capital (é a ideia de que business é vida) e estender valores-fetiche da
produção do capital na instância da reprodução social (a ideia de que vida é business)"
(ALVES, 2011, p. 101) consiste em mais uma ferramenta para a "captura" da subjetividade
do trabalho.
Quando se fala que vida é business, significa dizer que os valores que sustentam
ideologicamente o desenvolvimento do modo de produção toyotista são incorporados nas
relações humanas. Assim, os conceitos de lean production, just in time, kaban e kaizen, a
lógica da disputa, da competitividade, da concorrência e da produtividade, todos os valores
de mercado, passam a ser observados nas relações interpessoais e intrapessoal.
A relação entre as pessoas de afeto, sexualidade, amizade, familiar, saúde e outras,
é vista como business, uma forma de se ganhar dinheiro, ou agregar valor à própria imagem
para posterior venda, ainda, tais relações são mensuradas pelos critérios de produtividade
e, por isso, uma determinada relação vale mais que a outra de modo que deve ser descartada
aquela em que não há rentabilidade. Outrossim, a relação intrapessoal imbuída dos valores
de mercado revela-se na questão da cobrança individual, da mudança de hábitos e
comportamentos, para que o próprio indivíduo se transforme em uma empresa competitiva
e produtiva e não perca para a concorrência, o que significaria ser descartado das relações
com outros indivíduos.
De outro lado, diz Alves (2011, p. 105), “se toda atividade vital deve tornar-se um
negócio, todo negócio deve tornar-se atividade vital (…)”, por isso, business é vida. Com
23

isso, confunde-se o tempo de trabalho com o tempo de vida, de modo que, o trabalho toma
todo o espaço da vida, pois qualquer necessidade humana é negócio.

3 A CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL E A "UBERIZAÇÃO" DO


TRABALHO: PARCEIROS EMPREENDORES OU TRABALHADORES?

3.1 Quem é a Uber?

“(...)Criamos oportunidades ao colocar o mundo em movimento(...)”, é o que diz a


Uber em seu site oficial para expressar sua personalidade, a partir disso, tece considerações
sobre os efeitos da mobilidade e sua relevância no mundo atual. Aponta para o início de
tudo que foi a tecnologia capaz de realizar a solicitação de uma viagem com um simples
toque de botão como a origem. E o que logo se segue, é uma carta do seu chief executive
officer. Nesta carta revela-se que a Uber nasceu num momento especial da tecnologia, num
ambiente de trabalho sob demanda, diante de uma nova forma de consumo, mais
conveniente, o que contribuiu para o crescimento da empresa para além da sua origem,
atuando no frete, entrega de refeições, aviação e outros, ressalta ainda a grandeza da
empresa, que entre erros e acertos, é uma empresa única em seu tempo que assume os riscos
de enfrentar os padrões, e que durante a sua década de funcionamento houveram mudanças
para melhor atender as necessidades dos consumidores, tornando-se por isso uma empresa
pública, no sentido de ser de todos (UBER, 2019).
O surgimento da Uber se deu, segundo o seu portal de notícias oficial, após uma
experiência negativa dos empreendedores, Garret Camp e Travis Kalanick, em 2009, que
não conseguiram encontrar um taxi ou qualquer outro transporte público no período noturno
para voltarem ao hotel. A partir disso, pensaram na tecnologia capaz de realizar o que não
conseguiram em tal noite por meio de um simples toque no celular e, assim, inovar e facilitar
24

a mobilidade das pessoas (UBER, 2019). Apesar da empresa buscar soluções para os
problemas de mobilidade e da narrativa de sua própria origem estar intrinsecamente ligada
ao táxi, afirma categoricamente que não se considera uma empresa de transporte, tampouco
um aplicativo de táxi, para negar quaisquer considerações a respeito de sua atividade que
não sejam aquelas divulgadas pela própria empresa.
Diante disso, tais afirmações categóricas se encontram numa espécie de quadro
informativo em seu site em que se determina o que a empresa não faz. Logo após afirmar
não ser uma empresa de transporte tampouco aplicativo de táxi, ressalta que é uma empresa
de tecnologia a qual desenvolve um aplicativo para conectar prestadores de serviços de
transporte individual e usuários que querem se movimentar nas cidades, (UBER, 2019),
salienta ainda que nenhum motorista parceiro é empregado da empresa e o carro que ele
dirige também não é de propriedade da Uber, que o aplicativo tem o fito de aumentar o
rendimento dos motoristas parceiros e ao mesmo tempo para que o usuário encontre um
motorista em que pode confiar e assim viajar confortavelmente.
A referida empresa, ainda no mesmo portal de notícias, faz questão de trazer um
tópico a respeito do marco regulatório, no qual é demonstrado por diversas razões que a
Uber respeita a legislação pertinente do país em que funciona, no caso o Brasil, e deixa claro
que a empresa defende uma nova legislação que regule a economia colaborativa e também
o transporte individual privado. Primeiro, a empresa ampara-se na Constituição Federal e
na Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal n° 12.587/12) para declarar que o
transporte individual privado que prevê a lei em questão é o serviço prestado por seus
motoristas parceiros. Compara-se o aplicativo com as redes sociais que só foram reguladas
em 2013 pelo Marco Civil da internet sem que isso significasse a ilegalidade, tendo em vista
a tímida regulação municipal da referida lei. Outrossim, ancora-se em dois estudos
divulgados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica e numa decisão da
Superinterdência-Geral da mesma autarquia que arquivou um inquérito administrativo a
respeito de concorrência desleal (UBER, 2019), para afastar qualquer ideia de que a Uber
opera em concorrência desleal.
Depreende-se do posicionamento da empresa, que a mesma faz parte do que
estudiosos denominam de share economy, economia colaborativa ou do compartilhamento,
ou ainda gig economy, economia dos “bicos”, embora até então não há uma uniformidade
na definição dos conceitos. Portanto, é preciso partir de bases sólidas para entender como a
empresa usa de tais conceitos e como ela se encaixa nessa nova configuração econômica. O
que é possível observar, são duas vertentes de formas de trabalho nessa grande massa
25

cinzenta que se denomina “economia do bico”, se diferenciam principalmente pela maior


ou menor intervenção da plataforma digital na intermediação, entre prestadores de serviços
e consumidores.
Uma delas é o crowdwork em que a plataforma digital faz a conexão entre
trabalhadores e consumidores para atender uma necessidade específica, que traduz-se
geralmente em um trabalho fragmentado, uma micro tarefa, que prescinde alta qualificação,
em que se remunera somente a tarefa demandada e realizada conforme o consumidor
solicitou e precificou (CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018). O crowdwork ou
“trabalho em multidão” não exclui também a possibilidade de macro tarefas, embora menos
usuais. Um dos maiores exemplos dessa forma de trabalho é vista na plataforma Amazon
Mechanical Turk (MTurk), na qual, segundo Feliciano (2019), existe uma conexão mundial
entre requester e taskers ou turkers, o que corresponde a consumidores - empresas ou
indivíduos - e prestadores de serviços, em que os primeiros organizam a inteligência
humana para realizar tarefas que os computadores ainda não são capazes - Human
Intelligence Tasks (HITs).
A outra forma de trabalho denominada on demand ou trabalho digital por demanda,
que embora tenha origem na conexão entre consumidor e prestador de serviço ou entre
solicitante e solicitado, se diferencia da primeira em alguns aspectos e, com isso, permite
distinguir o funcionamento entre uma plataforma digital e outra. O trabalho on demand
concentra-se em trabalhos tradicionais, por exemplo, transporte, frete, limpeza e tarefas
administrativas, no entanto, o consumidor já busca aquela plataforma ciente de que há uma
segurança na forma como se realiza o trabalho, tanto que, quem define o preço do serviço
não é o solicitante, mas, a própria plataforma digital, posto que é ela quem seleciona os seus
parceiros e exige um padrão de conduta deles justamente para padronizar a qualidade do
serviço e dar essa segurança ao solicitante. Em outras palavras, "os serviços são oferecidos
por meio de aplicativo, que estabelece e garante um padrão de qualidade mínimo na
realização do trabalho, bem como seleciona e gerencia a mão de obra" (CORBAL,
CARELLI, CAGRANDE, 2018, p. 16).
A Uber explica para os seus usuários, no caso, os consumidores do serviço, como
funciona a solicitação da viagem e quais os procedimentos que devem ser adotados para
realizar a viagem. Segundo a empresa, o valor do serviço é composto por um valor inicial
aliado à distância percorrida e o tempo em que se realizará a viagem, que o próprio
aplicativo define o “valor exato da viagem antes mesmo de pedir um carro” (UBER, 2019).
A qualidade da plataforma digital é incrementada pela avaliação entre motoristas e usuários,
26

sendo certo que a exigência de uma pontuação mínima é um requisito para permanência do
motorista parceiro, já que “(…) se a média de suas avaliações ficar abaixo de 4,6, a empresa
pode descredenciá-lo do aplicativo” (CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 20).
A seleção dos motoristas e o gerenciamento sobre a prestação do serviço é um dos
mecanismos da empresa que garante um padrão mínimo de qualidade na prestação do
serviço.
Segundo informações no site oficial da empresa, o serviço é dotado de diversos
mecanismos de segurança, dentre eles, destacam-se os seguintes (UBER, 2019): verifica-se
os antecedentes criminais do motorista parceiro; em parceria com seguradoras, a Uber
estabelece cobertura de acidentes pessoais tanto para motorista quanto para usuário; o
contato entre motorista parceiro e usuário é restrito ao aplicativo, de forma que nenhuma
das partes tem acesso ao número de telefone da outra; todo o percurso da viagem é registrado
em tempo real podendo ser compartilhado; ao final da viagem o usuário possui recibo com
todas as informações pertinentes a viagem para eventual contestação. Assim, a segurança
realizada seja pelo monitoramento dos motoristas parceiros ou pelo seguro-viagem, sistema
de avaliação mútua, recibo, entre outros, nada mais é do que um controle de qualidade, uma
garantia de um padrão mínimo na prestação do serviço através de diversos meios, tais como
gerenciamento e seleção dos motoristas parceiros e do serviço realizado por eles.
O indivíduo que queira tornar-se um motorista parceiro da Uber não precisa passar
por um processo seletivo. No entanto, é conferido se o mesmo atende os requisitos objetivos
para se cadastrar como motorista no aplicativo, sendo tudo realizado de forma digital.
Embora seja um trabalho pouco qualificado, o slogan que aparece nos outdoors, redes
sociais e aparelhos televisivos, para atrair motoristas parceiros, é "seja seu próprio chefe".
Segundo o site da empresa, o motorista parceiro possui “ (...) total flexibilidade para
trabalhar como, quando e onde quiser” (UBER, 2019), no entanto, logo em seguida,
demonstra-se como se determina o preço da viagem e como se inicia e encerra uma viagem.
Até meados de 2018, no Brasil, cada corrida realizada pelo motorista parceiro, a Uber
retinha de 20 a 25% do valor da viagem previamente estipulado pela própria empresa,
segundo os critérios já vistos, no entanto, a Uber não mais estabelece um percentual fixo
sobre o valor da viagem, mas variável sobre o tempo, distância percorrida e imprevistos
(FOLHA, 2018), de toda sorte, a remuneração do motorista parceiro continua sendo
determinada pela empresa e dentro dos limites do valor fixado sobre a viagem, embora mais
variável.
Ainda no site oficial da Uber, precisamente na área reservada para o cadastro de
27

motoristas parceiros, existem mensagens espetaculosas como ganhar muito dinheiro, quanto
mais você dirige mais pode ganhar, dirija quando quiser, defina sua programação, quando
começar e quando terminar, você comanda, não há escritório tampouco chefe, a nossa
tecnologia está focada em sua segurança (UBER, 2019). Já nos termos de uso da Uber,
disponível no site oficial da empresa, o qual precisa ser aceito pelo motorista parceiro para
se cadastrar, é possível visualizar diversos posicionamentos da plataforma sobre sua relação
com seus motoristas parceiros. Diante disso, destacam-se dois (UBER, 2019), "a Uber
poderá imediatamente encerrar estes Termos ou quaisquer Serviços em relação a você ou,
de modo geral, deixar de oferecer ou negar acesso aos Serviços ou a qualquer parte deles,
a qualquer momento e por qualquer motivo", em caixa alta ainda se coloca o seguinte:

VOCÊ RECONHECE QUE A UBER NÃO É FORNECEDORA DE BENS,


NÃO PRESTA SERVIÇOS DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA, NEM
FUNCIONA COMO TRANSPORTADORA, E QUE TODOS ESSES
SERVIÇOS DE TRANSPORTE OU LOGÍSTICA SÃO PRESTADOS POR
PRESTADORES TERCEIROS INDEPENDENTES QUE NÃO SÃO
EMPREGADOS(AS) E NEM REPRESENTANTES DA UBER, NEM DE
QUALQUER DE SUAS AFILIADAS.

Do exposto, não pairam dúvidas de que a Uber é uma plataforma de trabalho on


demand uma vez que se distancia em diversos aspectos, em relação a plataforma direcionada
aos motoristas parceiros, do crowdwork. No entanto, embora a Uber empreste seu nome
para denominar o modo de produção e gestão do trabalho vivo da gig economy, enquanto
modelo uberista, uberização das relações de trabalho e trabalhador uberizado, mais do que
inovações, essa empresa radicalizou um processo racionalização do trabalho já em curso.
Assim como a empresa Toyota continuou o processo de racionalização do trabalho iniciado
pela Ford, a Uber seguiu o mesmo caminho, precisamente, ela aprofundou ao máximo os
princípios toyotistas.
O fordismo deu origem um trabalhador capaz de ser o próprio cliente da empresa, de
outro lado, o toyotismo transformou o operário fordista em colaborador da empresa,
tornando-o responsável por aquilo que produz e por quanto produz, sendo vigilante de si
mesmo ante internalização da disciplina e captura da subjetividade. A Uber ou o uberismo,
por sua vez, instaurou uma rede de prestadores de serviços em torno da empresa,
denominados motoristas parceiros, chefes de si próprios e capazes de consumir aquilo que
produzem, sem perder o controle da produção de capital. Os conceitos do just in time, do
kanban, do kaizen, da produção flexível e difusa, além da flexibilização do contrato de
trabalho e do salário, esses mecanismos do modelo de produção capitalista, que corroboram
28

para a captura da subjetividade do trabalho, nunca foram tão potencializados como se pode
observar no modus operandi da Uber.

3.2 A estrutura produtiva da Uber

Como já observado, o motorista parceiro não possui chefe tampouco escritório, a Uber
não determina qual horário o motorista deve trabalhar, quando começar ou terminar. A
propaganda da Uber oferecida aos motoristas parceiros se liga intimamente com a ideia de
liberdade e autonomia do trabalhador. Ainda assim, a Uber não perde o controle sobre a
massa de trabalhadores que coordena, posto que, segundo seu site oficial, são mais de 600
mil motoristas parceiros no Brasil e mais de 3 milhões no mundo. Embora a Uber não se
considere uma empresa de transporte, é fato que ela se apropria de parte do trabalho do
motorista parceiro, logo, para aumentar a produtividade da empresa é necessário estimular
a produtividade do motorista parceiro, o que significa ao cabo, posicionar o mesmo nos
melhores locais e intensificar o seu trabalho. A desconcentração/descentralização do
processo produtivo que reclama a lean production ou produção difusa que reside nos
mecanismos da empresa em posicionar a produção junto à demanda.
A Uber somente tem o custo desse manejo, posto que o parte do custo de produção da
mercadoria - a viagem demandada pelo consumidor - é todo repassado ao motorista
parceiro, assim como parte do risco do negócio, com isso, o custo da empresa se resume a
construção e manutenção da rede de produção. O posicionamento da produção junto à
demanda depende da sistemática stick and carrots, que traduz-se num controle exercido
sobre o motorista parceiro por meio das premiações para que ele atenda perfeitamente a
demanda pois, se o serviço não é realizado ou é realizado com imperfeições haverá punição.
No funcionamento da plataforma, verifica-se que, "(…) conforme a necessidade, a empresa
concede incentivos para que trabalhadores peguem clientes de determinados lugares,
deslocando os motoristas para aqueles locais" (CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE,
2018, p. 37), de outro lado, o sistema de avaliação mútua e o limite da taxa de cancelamento
já garante em parte a devida punição.
Diante disso, não há escritório para os motoristas parceiros, somente há escritório para
manter a rede - o espaço da cibernética em que são realizadas as conexões entre motoristas
parceiros e usuários do aplicativo, esse é o local de trabalho - em pleno funcionamento para
garantir a fluidez da produção, é a fábrica enxuta. Tendo em vista que a plataforma funciona
29

sem interrupção, existe a necessidade latente da empresa em manter uma multidão de


motoristas parceiros online nos locais em que há demanda. Dessa forma, faz-se necessário
uma remuneração por tarefa que não seja capaz de atender totalmente as necessidades
financeiras do trabalhador, assim o motorista deve ficar o maior tempo possível disponível
para a plataforma, o que se pode observar “a partir do relato dos próprios trabalhadores
por aplicativo, é comum termos uma média de 10 a 12 horas de trabalho diária (...)"
(MODA, 2019, p. 10). É o que sintetiza Corbal, Carelli e Casagrande (2018, p. 36):

Assim, com uma tarifa – e, obviamente, uma remuneração – baixa, mais horas de
trabalho são, de fato, necessárias para a sobrevivência do motorista parceiro.
Como é essencial à empresa para sua ‘confiabilidade’ que haja a maior
disponibilidade de carros a todo momento para seus clientes. Se com poucas horas
à disposição o “parceiro” já conseguisse reunir remuneração suficiente para seu
sustento, ele poderia trabalhar menos.

“Além disso, como ressalta Alain Bihr, o novo empreendimento capitalista implica a
produção flexível pela utilização de meios de trabalho aptos a ajustar a capacidade
produtiva a uma demanda variável em volume e composição” (ALVES, 2011, p. 49/50). A
Uber radicaliza a flexibilidade da produção e, por consequência, da forma de contratação e
do salário ao estabelecer a figura do motorista parceiro posto que ela subordina esse
trabalhador mesmo sem manter formalmente um vínculo empregatício com ele, pois “(…)
a partir do envio de mensagens sobre aumento de preço e de demanda, que estimula a
disponibilidade dos trabalhadores em determinados horários em que a empresa projeta a
existência de maior número de chamados por meio do aplicativo" (CORBAL, CARELLI,
CASAGRANDE, 2018, p. 19). A Uber consegue por meio da tecnologia, ou melhor, pelo
uso do algoritmo, prever o local e o horário em que a demanda será maior e também até a
composição da demanda. Diante disso, a empresa logra êxito em ajustar sua capacidade
produtiva - que é o deslocamento dos motoristas parceiros aos locais onde a demanda estará
maior - para atender a demanda que ela prevê ao enviar mensagens digitais ou comandos
algorítmicos que estabelecem o sistema de punições e premiações - stick and carrots.
A flexibilidade de trabalho oferecida pela Uber aos motoristas parceiros é colocada
como um benefício frente aos trabalhos com horário determinado e isso é um apelo na
propaganda da empresa. Busca-se caracterizar o motorista parceiro como um
empreendedor, que por seus próprios meios desenvolve seu capital humano, o que revela
propagação retórica do vida é business e business é vida. O motorista parceiro deve se ver
como uma empresa e por isso deve internalizar os valores de mercado como já visto. No
30

entanto, “em grande parte dos trabalhos em que se coloca a flexibilidade como um elemento
benéfico, verifica-se a precarização e intensificação do trabalho" (CORBAL, CARELLI,
CASAGRANDE, 2018, p. 26).
Como já visto, embora o trabalhador toyotista em relação ao fordista, ganhou certa
autonomia do desempenho do seu trabalho. Por outro lado, ao motorista parceiro ou
trabalhador uberizado foi concedida uma maior autonomia em relação ao trabalhador
toyotista, no entanto, da mesma maneira que a liberdade e autonomia do segundo foi
totalmente instrumentalizada pela atividade produtiva, assim acontece com o primeiro. Em
outras palavras, “(…) ao mesmo tempo em que acena para a entrega de parcela de
autonomia ao trabalhador, essa liberdade é impedida pela programação, pela exclusiva e
mera existência do algoritmo” (CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 32).
A filosofia do just in time enquanto método de produção para buscar eliminação do
desperdício interessa-se também em eliminar o desperdício na contratação e no
desligamento do trabalhador, significa tornar esses procedimentos céleres e menos custosos,
é o que faz a Uber, mas de maneira radical, é o próprio algoritmo que demonstra se
determinado motorista parceiro deve ser aceito ou não ou ainda se deve ser desligado da
plataforma.
Ademais, a captura da subjetividade desses trabalhadores é algo intrínseco desse
método que se preocupa também na gestão do trabalho vivo, pois para atender a
variabilidade da demanda, a Uber realiza diversas promoções - pelo sistema stick and
carrots - para conduzir o motorista parceiro ao atendimento da demanda, o que se busca, é
que o veículo esteja o mais próximo possível do consumidor, tendo em vista que a viagem
até a busca pelo passageiro é por conta do motorista parceiro, não é remunerada, para com
isso também reduzir o tempo de espera para que a demanda do consumidor seja atendida de
forma mais veloz. A plataforma, sendo totalmente dependente da rede, que não desliga, faz
com que o trabalho esteja sempre disponível ao trabalhador e, assim, os ganhos do motorista
parceiro só dependem dele ficar online na rede e atender as chamadas, em outras palavras,
"É como se a flexibilização finalmente chegasse ao resultado almejado que está em
processo há décadas: o de transformar o trabalhador em trabalhador just-in-time, ou seja,
um trabalhador disponível ao trabalho e que pode ser utilizado na exata medida das
demandas do capital" (ABÍLIO, 2017, p. 21).
Outrossim, Moda (2019), identifica três práticas gerenciais da Uber as quais
consistem em diferentes mecanismos de controle obscuros que se demonstram capazes de
manter a plataforma funcionando sem interrupções. É o controle pela remuneração variável,
31

“(…) baseada no salário por peça, tornando necessário para o trabalhador a realização
de jornadas de trabalho o mais extensas possíveis para garantir a sua reprodução social”
(p. 11), o “(…) controle ideológico existente na relação estudada, compreendendo como as
ideias mobilizadas pela empresa trazem consequências concretas na forma pela qual os
motoristas vivenciam o seu trabalho” (p. 11) e o controle algorítmico que “(…) diz respeito
ao grau de autonomia existente para os motoristas por aplicativo organizarem o 'como
trabalhar'” (p. 13). O controle pela remuneração compreende a forma pela qual se dá a
remuneração oferecida pela Uber ao motorista parceiro, que é “(...)composta apenas por
uma parte variável, com ausência de salário fixo mensal, salários indiretos ou auxílios para
manutenção do veículo” (p. 9) e após o cálculo do valor, “(...) cerca de 25% é retido pela
Uber e 75% é repassado ao seus ‘parceiros’” (p. 9). Se o referido autor já identificava a
composição da remuneração do motorista parceiro somente por uma parcela variável, que
diz respeito variação de acordo com o número de viagens realizadas sobre as quais incidia
um percentual fixo sobre o valor de cada uma delas, agora, a partir de meados de 2018,
conforme visto, não há mais percentual fixo, o percentual também é variável dentro de
critérios estabelecidos pela própria empresa.
No entanto, segundo a Uber, ela simplesmente realiza a intermediação entre o
motorista parceiro/prestador de serviço e o usuário/consumidor, de forma que a
remuneração é paga totalmente pelo consumidor e a Uber recebe um percentual do valor do
motorista parceiro devido a intermediação organizada pela plataforma digital da empresa.
Por este entendimento, que a Uber afasta-se de qualquer dúvida a respeito de uma possível
relação de emprego entre ela e o motorista parceiro. De outro lado, da mesma forma que o
toyotismo ensina os capitalistas a olharem do avesso, propõe-se neste presente estudo, olhar
o avesso do avesso e, assim, restabelecer a forma original do que se pretende observar. Em
outras palavras, salienta-se que, “para nós, é a Uber quem paga aos seus motoristas cerca
de 75% do valor total recebido pela prestação do serviço, configurando uma relação
salarial entre a empresa e os motoristas, em vez de considerarmos a Uber como uma mera
intermediadora” (MODA, 2019, p. 10). Tal inversão é realizada tendo em vista que a Uber
é quem realiza o chamado para o motorista parceiro e determina o valor a ser pago, a forma
de pagamento, sendo impossível qualquer negociação entre motorista e passageiro (MODA,
2019).
A forma de gerenciamento identificada em questão que se traduz numa forma de
controle da produção ou “(...) que busca garantir a contínua prestação do serviço’’
(MODA, 2019, p. 11), nada mais é que, como observado, um resultado da produção flexível
32

que implica uma flexibilidade salarial - no caso, a remuneração por tarefa - já que é possível
a individualização máxima da produtividade do trabalhador, sendo uma forma de controlar
a produtividade, busca-se ainda aumentar a produção por um clássico mecanismo do capital,
a intensificação do trabalho operado em conjunto com a precarização das relações de
trabalho.
De outro lado, identifica-se o controle ideológico na mobilização da ideologia pela
Uber para definir a forma como o trabalho desempenhado pelo motorista parceiro é
vivenciado, o que se verifica na dificuldade dos motoristas identificarem a classificação do
trabalho realizado por eles e na variedade das respostas quando questionados, se: é um
trabalhador autônomo; um parceiro da Uber; trabalha para a empresa; a Uber trabalha para
o motorista (MODA, 2019). É a lógica do Você/S.A em que os trabalhadores incorporam os
valores de mercado e a partir disso é aceitável assumir todos os riscos inerentes da atividade
empresarial para enfrentar a concorrência e manter competitividade em prol da sua
reprodução social, em que ou supera os desafios impostos ou será descartado, o único
responsável pelos ganhos e perdas é o próprio motorista, que é um nano-empreendedor.
Assim reflete Moda (2019, p. 12):

Como apontado por Lima (2010, p. 188) muito dos trabalhadores submetidos a
vínculos precários de trabalho, ameaçados cotidianamente pela instabilidade em
seu emprego, absorvem a lógica empreendedora como explicativa e justificadora
da sua condição, se auto-responsabilizando por se manter em sua função. São
pessoas que se veem em eterna necessidade de aumentar o seu “capital humano”,
como se eles fossem uma empresa com capacidade de autovalorização constante.
A não realização desta valorização é compreendida como de responsabilidade de
si-próprios, uma noção que pode ser encarada como cínica por ocultar as relações
sociais existentes (Bihr, 2007).

Esse ocultamento das relações existentes traduz-se no movimento que se tem visto
de denominar aquele trabalho que antes era tido como informal ou “bico”, como fruto de
um empreendedorismo, ou seja, o trabalhador informal tornou-se um empreendedor.
Ocorre que, não são os motoristas parceiros que detém os meios de produção, o carro e as
despesas decorrentes de seu uso são meros instrumentos de trabalhos, não fosse a
plataforma digital, os advogados, o lobby da Uber, não seria possível a prestação de serviço
pelo motorista parceiro (CARELLI, 2019). Dessa forma, os motoristas parceiros não são
empreendedores mas, “(...) trabalhadores submetidos a um alto grau de exploração e de
riscos em sua atividade” (MODA, 2019, p. 13). Mais uma vez, percebe-se a radicalização
da ideologia propagada pelo toyotismo, em outras palavras: “A gig economy implica a
“captura” da subjetividade do trabalho vivo pela nova lógica do capital. O novo e
33

precário mundo do trabalho lastreado nos aplicativos virtuais e teletrabalho é o


“paraíso” do espirito do toyotismo” (ALVES, 2018, p. 84).
Por fim, compreende-se o controle algorítmico, presente nos procedimentos que
garantem que o serviço seja prestado acorde com os interesses da Uber. Tendo em vista a
reduzida transparência a respeito do processamento de dados pela plataforma, os
procedimentos indicados pela empresa sem obrigatoriedade ao motorista aparecem como
conselhos/sugestões em prol de maiores ganhos para o motorista parceiro, de forma que
há uma naturalização desses procedimentos indicados pela empresa. Por fim, evidencia-se
a relação hierárquica e o direcionamento dos motoristas na forma em que o aplicativo
estabelece o aceite da viagem, que é o aceite cego de passageiros, a tarifa dinâmica e as
promoções (MODA, 2019).
Depreende-se o aceite cego de passageiros da seguinte explanação (MODA, 2019,
p. 14):
Ao receber um pedido de corrida no display do seu aparelho telefônico, o motorista
tem 15 segundos para aceitar ou rejeitar a carona. Para tomar esta decisão, é
recebido apenas a localização, o nome e a pontuação da pessoa solicitante do
serviço, com outras informações importante para a tomada da decisão, como o local
de destino da viagem, sendo disponibilizadas para os motoristas apenas quando
encontram o passageiro e iniciam a viagem.

No entanto, tal mecanismo nada mais é que um componente da sistemática stick and
carrots, posto que, o motorista parceiro é obrigado a manter um alto percentual de taxa de
aceitação ou baixo percentual de taxa de cancelamento para sua permanência na
plataforma, aquele que obedece o chamado da empresa é premiado pelo percentual na
referida taxa já aquele que não obedece é punido pelo mesmo percentual, o que ao cabo,
pode acarretar no desligamento do motorista parceiro. Diante do aceito cego de
passageiros, os próprios motoristas percebem que são obrigados a aceitar a realização de
viagens não rentáveis, conforme identifica Moda (2019, p. 14) em suas entrevistas que
“(...)a omissão do local de destino faz com que eles aceitem algumas corridas nas quais a
distância percorrida para chegar até o passageiro é maior que o trajeto transportando-
o".
O controle algorítmico pela tarifa dinâmica, que significa maiores ganhos ao
motorista e empresa, possui o condão de atrair os motoristas para os locais onde se tem
maior demanda e assim reduzir o tempo de espera do passageiro (MODA, 2019). Há a
aparência de um sistema operado com base na famosa lei da oferta e da procura, o que
levaria a uma auto-regulação do preço, no entanto, ressalta Moda (2019, p. 15):
(...) a análise realizada por Diakopoulos (2015) indica que a tarifa dinâmica não
34

faz um maior número de motoristas ficar on-line e sim uma redistribuição dos que
já estavam trabalhando pelas ruas das cidades, diminuindo o tempo de espera em
algumas regiões e aumentando em outras. Assim, este mecanismo não atua como
mero equilibrador entre oferta e demanda, mas como uma ação da empresa
visando o direcionamento dos motoristas levando-os a trabalharem nos locais
indicados por ela.

O que se verifica, mais uma vez, é que os motoristas parceiros que atendem a
notificação do preço dinâmica são beneficiados/premiados com a melhor tarifa/melhores
ganhos, enquanto aqueles que não se posicionam nos locais indicados resta - punição -
uma pior tarifa/piores ganhos, apresentando-se o mecanismo da tarifa dinâmica como outra
face da sistemática stick and carrots, pois, “assim, a precificação, como forma de
organização do trabalho por comandos, dirige o trabalho sem que os trabalhadores, na
maior parte das vezes, percebam”(CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 36).
Ademais, as promoções realizadas, consistem na própria expressão da sistemática stick
and carrots pois o contraponto da promoção oferecida pela empresa é senão uma forma
de punição, pois, ao cabo, priva aquele trabalhador que não obedece o regramento da
promoção - esta que oferece melhor remuneração. Segundo Moda (2019, p. 15):

É bastante comum a Uber dar incentivos financeiros aos ‘parceiros’, pagando um


valor extra caso ele realize um determinado número de corridas dentro de um
determinado período de tempo ou dando bônus para corridas realizadas em alguns
eventos de grande fluxo de possíveis consumidores, como festivais de música e
partidas de futebol.

Desse modo, o motorista parceiro sem perceber é dirigido pelas promoções que
surgem na plataforma, sendo um instrumento eficaz para o comando e direcionamento da
força de trabalho usado pela empresa. De outro lado, o sistema de avaliação mútua, aquela
pontuação sigilosa de uma a cinco estrelas entre passageiro e motorista, o qual a Uber
salienta ser mais um de seus diversos mecanismos que, teoricamente, oferecem segurança
para ambas as partes, é também um controle de qualidade e, não só, pois demonstra ser
também um eficiente mecanismo de controle sobre os motoristas e sobre como executam
o serviço sem a necessidade de um superior hierárquico da empresa fisicamente presente
durante a prestação do serviço.

3.3 Empreendedores ou Trabalhadores?

Embora a Uber considere expressamente que o motorista parceiro é um trabalhador


autônomo e que é possível encontrar depoimentos dos próprios motoristas no sentido de
que a empresa trabalha para eles, é evidente a ambiguidade da natureza da relação social
35

estabelecida pela empresa com os motoristas parceiros. Ademais, o engajamento do


trabalhador no objeto de perseguição da empresa capitalista não é uma novidade da Uber,
tampouco o processo captura da subjetividade do trabalho, como já visto.
A estrutura produtiva do capitalismo flexível introduz os valores de mercado na vida
cotidiana dos trabalhadores, de forma a não mais existir os espaços de vida que não são
geridos pelo mercado e os que existem serem extremamente pequenos. Isto se dá na forma
como o neoliberalismo, que se manifesta como forma de vida - “(…) Christian Dunker
explica que o neoliberalismo é uma ‘forma de vida’. Sendo assim, não pode ser confundido
com o próprio capitalismo, nem pode ser restringindo a mera política econômica(…)”
(BIANCHI, MACHADO, 2017, p. 20) - ao ponto dos trabalhadores serem tidos como
empreendedores de si.
No entanto, depreende-se que não se pode negar o pertencimento dos motoristas
parceiros à classe-que-vive-do-trabalho ou a classe social dos batalhadores, se é que há
possibilidade dessa separação entre uma classe e outra. Para Ricardo Antunes (2018), a
classe-que-vive-no-trabalho são os indivíduos assalariados que sem possuir os meios de
produção vendem a força de trabalho para viver, em conformidade com o que define Marx.
Enquanto, a classe social dos batalhadores, no caso, brasileiros, conceitua Jessé Souza,
como sendo aqueles indivíduos que acumularam um tipo de capital familiar, tendo como
valor máximo o “(…) trabalho duro e continuado, mesmo em condições sociais muito
adversas’’ (SOUZA, 2010, p. 50) e por isso não podem ser reconhecidos por concepções
reducionistas, seja liberal que vê a classe pela renda ou marxista clássica pelo lugar na
produção do capital, que desprezam os capitais imateriais. Diante disso, é mister buscar
elementos contrapostos aos que são impostos pela empresa a fim de que se verifique a
ocultação da relação estabelecida entre o motorista e ela.
Nesse sentido, ainda que a Uber engaje os motoristas parceiros pela retórica do
trabalho sem chefe, sem horário definido e por isso espalha no imaginário social a ideia de
um trabalho com autonomia e liberdade, a realidade é outra. A realidade que vive a classe
social dos motoristas pode ser vista na concepção de Souza (2010, p. 57):

Essa nova classe trabalhadora labuta entre 8 e 14 horas por dia e imagina, em
muitos casos, que é o patrão de si mesmo. O real patrão, o capital tornado
impessoal e despersonalizado, é invisível agora, o que contribui imensamente
para que todo o processo de exploração do trabalho seja ocultado e tornado
imperceptível.

O que pretende a Uber é ocultar essa realidade, de que o motorista parceiro jamais
36

será um empreendedor enquanto subsumido na estrutura produtiva da empresa, mas sim,


um trabalhador assalariado que pertence a classe trabalhadora. Ocorre que, as palavras
"trabalhador", "exploração’", "luta de classes" foram substituídas por "parceiro",
"empreendedorismo", "competitividade", em decorrência da dispersão do “(…) conteúdo
vocabular-locucional do imperialismo simbólico” (ALVES, 2011, p. 90). Por outro lado,
constata-se que a relação estabelecida entre Uber e o motorista consiste numa verdadeira

(…) aliança neofeudal, na qual chama os trabalhadores de ‘parceiros’. Por ela,


concede-se certa liberdade aos trabalhadores, como ‘você decide a hora e quanto
vai trabalhar’, que é imediatamente negada pelo dever de aliança e de
cumprimento dos objetivos traçados na programação, que é realizada de forma
unilateral pelas empresas. (CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 35)

4 UM OLHAR DO DIREITO DO TRABALHO

4.1 O motorista parceiro é um empregado?

Ante as dimensões alcançadas pela Uber o questionamento sobre a relação de


trabalho entre a empresa e motorista parceiro, se ele é realmente um empregado, está sendo
enfrentado de diversas formas numa variedade de países. Para o ordenamento jurídico
brasileiro a jurisdição sobre a relação de emprego e outras relações de trabalho é de
competência da Justiça do Trabalho ainda que o Superior Tribunal de Justiça recentemente
tenha julgado a inexistência da relação de emprego em um caso concreto com margem
para uma interpretação para todos os outros motoristas parceiros, julgamento este que
37

revelou um “terraplanismo jurídico’’ nas palavras de Carelli, 2019.


Vislumbra-se que mesmo em segunda instância, em que se nega o vínculo
empregatício entre motorista parceiro e a Uber, não se conclui, preliminarmente, pela
incompetência da Justiça do Trabalho:

No aspecto, merece ser mantida a r. decisão recorrida. E isto porque a


competência material da Justiça do Trabalho é fixada pela natureza jurídica do
pedido e da causa de pedir. Em casos como o dos autos, em que a pretensão
formulada é de reconhecimento de vínculo de emprego e de parcelas de natureza
jurídica trabalhista tem amparo na legislação consolidada e constitucional, não
pairam dúvidas sobre a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar
o feito, nos termos do art. 114 da Constituição Federal. Tribunal Regional do
Trabalho (3° Região). Recurso Ordinário. Processo n° 0011359-
34.2016.5.03.0112. Relatora: Desembargadora Maria Stela Álvares da Silva
Campos. 9° Turma. Belo Horizonte, 23 de maio de 2017.

Superada tal questão, é preciso concentrar-se na questão de direito que permeia a


relação jurídica entre motorista parceiro e Uber. A relação de emprego será reconhecida
enquanto dentro dos parâmetros e preenchidos simultaneamente todos requisitos previstos
precipuamente nos artigos 2° e 3° da Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 2°: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,


assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviço.

Art. 3°: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

O trabalho realizado por pessoa física aparece como requisito primordial para o
reconhecimento do vínculo de emprego, ou seja, a pessoa jurídica jamais poderá ser
reconhecida como empregada, salvo na hipótese de fraude. Na presente relação entre
motorista parceiro e Uber, não pairam dúvidas de que o trabalho é realizado por pessoa
física embora seja possível o cadastro de pessoa jurídica é certo que a empresa de outro
lado obriga a identificação do motorista que presta o serviço, o qual deve ser aprovado no
cadastro individualizado. Outrossim, um dos mecanismos de segurança da empresa
oferecida ao passageiro é justamente a avaliação do motorista parceiro, que é pessoal.
De outro lado, intimamente ligado ao requisito anterior, é a presença da pessoalidade
em relação ao empregado, como característica imprescindível à caracterização da relação
de emprego. A pessoalidade se traduz na obrigação do empregado em prestar pessoalmente
o serviço para que fora contratado, tal requisito corresponde a natureza intuitu personae,
relativa ao empregado e jamais ao empregador. Nesse sentido, ensina Cassar:
38

É contratado para prestar pessoalmente os serviços, não podendo ser substituído


por outro qualquer de sua escolha, aleatoriamente. Todavia, pode o empregador
pôr um substituto de sua escolha ou aquiescer com a substituição indicada pelo
trabalhador. Isto quer dizer que o contrato é firmado com certa e determinada
pessoa. (2017, p. 249)

Assim, não há dúvidas a respeito da presença de pessoalidade na prestação do serviço


pelo motorista parceiro à Uber ainda que seja possível um motorista vincular outros
motoristas - que devem igualmente ser cadastrados - à um mesmo veículo. Como já exposto,
a empresa condiciona o cadastro do motorista parceiro na plataforma à apresentação de
diversos documentos pessoais, sendo certo, que o desrespeito à pessoalidade acarreta o
desligamento do motorista, já que é também um requisito de segurança do serviço oferecido
pela Uber aos passageiros.
Verificam-se tais conclusões tanto em primeira instância quanto na segunda, na
Justiça do Trabalho:

O autor prestava seus serviços de forma pessoal sem poder se substituir por um
terceiro o que não é autorizado pela UBER que exige de todos os motoristas um
cadastro próprio e individualizado. (…) Assim, o fato de um motorista poder
vincular o cadastro de outros ao mesmo veículo, não se exclui a personalidade,
pois cada motorista deve efetuar seu próprio cadastro. Trata-se de exigência,
como vimos anteriormente, que consta das Condições Gerais. Tribunal Regional
do Trabalho (1° Região). Sentença. Processo n°. 0100351-05.2017.5.01.0075.
Juíza do Trabalho: Cissa de Almeida Biasoli. 75° Vara do Trabalho. Rio de
Janeiro, 31 de maio de 2018.

A personalidade, por seu turno, é inequívoca e confessada pelas demandadas.


Argumentam que um mesmo veículo pode ser utilizado por vários motoristas, o
que, a seu juízo, descaracterizaria a personalidade. Entretanto, admitem e
confessam que o motorista deve ser sempre cadastrado, do que resulta conclusão
em sentido diametralmente contrário, ou seja, o que importa é quem está
conduzindo o veículo. Tribunal Regional do Trabalho (2° Região). Recurso
Ordinário. Processo n° 1000123-89.2017.5.02.0038. Relatora: Desembargadora
Beatriz de Lima Pereira. 15° Turma. São Paulo, 16 de agosto de 2018.

Ademais, para que uma pessoa seja considerada empregada, ela deve prestar seus
serviços de forma não eventual a empregador, acorde com o art. 3° da CLT. O serviço
prestado de forma não eventual a empregador não implica um trabalho pontual, numa
jornada de trabalho definida e rígida. São diversas as teorias que buscam elucidar esse
requisito do vínculo de emprego, qual seja a não eventualidade, denominada também como
permanência ou habitualidade. Com isso, ao invés de tratar de todas as teorias, revela-se
como opção segura, observar o que seria o contraponto desse requisito, a eventualidade,
como demonstra Delgado.
39

(…) pode-se formular a seguinte caracterização do trabalho de natureza eventual:


a) descontinuidade da prestação do trabalho, entendida como a não permanência
em uma organização com ânimo definitivo; b) não fixação jurídica a uma única
fonte de trabalho, com pluralidade variável de tomadores de serviços; c) curta
duração do trabalho prestado; d) natureza do trabalho tende a ser concernente a
evento certo, determinado e episódico no tocante à regular dinâmica do
empreendimento tomador dos serviços; e) em consequência, a natureza do
trabalho prestado tenderá a não corresponder, também, ao padrão dos fins
normais do empreendimento. (2017, p. 320)

Diante disso, verifica-se que não há possibilidade de enquadrar como eventual o


trabalho do motorista parceiro. A descontinuidade da prestação do trabalho é combatida
pela empresa pois a todo tempo o motorista parceiro é bombardeado por sinais digitais para
que continue a prestação do serviço em troca das recompensas ou atraído pela tarifa
dinâmica.
A tese da fixação jurídica é repreendida pela doutrina e jurisprudência, “(…) porque
a exclusividade não é requisito para formação do vínculo de emprego” (CASSAR, 2017,
p. 270). Outrossim como já visto, ainda que se considere que a Uber não explora atividade
econômica de transporte de passageiros, ela admite que a sua plataforma busca soluções
para a mobilidade urbana, ora, o modo pelo qual ela busca tal solução por si já demonstra
que o sem o motorista parceiro, não há solução, pois ele quem opera a solução determinada.
De toda sorte, a elucidação sobre a estrutura produtiva da Uber evidencia que a tese
de explorar plataforma digital traduz-se em pura retórica, posto que os fins empresariais
correspondem ao transporte de passageiros. É por meio da plataforma digital ela insere o
motorista parceiro na dinâmica regular de seu empreendimento, não prospera a ideia de
motorista empreendedor tampouco que ela explora a própria plataforma, pois da realidade
se verifica que ela explora o excedente produzido pelo trabalho do motorista. Ademais,
restou claro que os motoristas parceiros não trabalham em curta duração, ao contrário,
muitas vezes se encontram submetidos a jornadas estafantes.
A não eventualidade do trabalho do motorista parceiro já é reconhecida na Justiça do
Trabalho ainda que a Uber garanta a flexibilidade de horário, no sentido do motorista
somente ficar online quando quiser trabalhar.

(…) O que ficou evidente no Termo de Condições Gerais que a UBER autoriza
que o motorista permaneça desconectado; o que não é aconselhável, inclusive,
com redução na sua pontuação, recusar corridas quando está conectado. Entendo
que essa nova plataforma de trabalho criou uma situação diferente. O motorista
se ativa quando faz a conexão no sistema. A partir desse momento, ele está
submetido às regras da UBER. Não se trata de um trabalho pontual para atender
uma demanda excepcional. A demanda é infinita pois a todo momento o
40

trabalhador pode se ativar. O trabalho está para ele o tempo todo disponível (…).
Tribunal Regional do Trabalho ( 1° Região). Sentença. Processo n° 0100351-
05.2017.5.01.0075. Juíza do Trabalho: Cissa de Almeida Biasoli. 75° Vara do
Trabalho. Rio de Janeiro, 31 de maio de 2018.

O requisito da onerosidade, pode ser visualizado na forma pela qual se remunera a


prestação de serviço, qual seja “mediante salário” conforme preleciona o art 2° da CLT. É
possível, no entanto, que seja necessária a análise não só no plano objetivo, mas subjetivo,
acorde com o que ensina Delgado :

“(…) em que a pesquisa da dimensão subjetiva da onerosidade será a única via


hábil a permitir aferir-se a existência (ou não) desse elemento fático-jurídico na
relação de trabalho vivenciada pelas partes. Trata-se, por exemplo, de situações
tipificadas como de servidão disfarçada, em que há efetiva prestação de trabalho e
ausência de contraprestação onerosa real pelo tomador dos serviços (…)(2017, p.
322)

Já revelou-se a inversão da perspectiva sobre os ganhos do motorista parceiro no plano


fático, que seja na época de percentual de variável de reduzida amplitude - em que 20% a
25% do valor da viagem pago pelo passageiro era retido do motorista pela Uber - ou
percentual de variável de alta amplitude - em que não é possível encontrar limite da variação
do percentual - é a empresa quem remunera o motorista com parcela do que recebe do
passageiro e nunca o contrário, assim, não interessa se o percentual está sendo maior para
uma ou outra parte tampouco se o valor está sendo pago, em última instância, pelo
passageiro, tendo em vista que isso não altera a natureza da relação estabelecida entre as
partes - motorista parceiro como empregado, Uber como empregadora e passageiro
enquanto consumidor ou tomador dos serviços.
Ainda que, não necessariamente pelos mesmos caminhos, as fundamentações
jurídicas abaixo convergem para o mesmo sentido, como acima exposto.

(...) Como restou reconhecida a atividade empresarial de transporte e afastada a


atividade de fornecimento de uso de plataforma, concluímos que o motorista
trabalha para a ré de modo que a retenção ocorrida pela UBER não se trata de
pagamento do motorista à UBER, mas remuneração da UBER ao motorista pelos
serviços prestados (…). Tribunal Regional do Trabalho (1° Região). Sentença.
Processo n° 0100351-05.2017.5.01.0075. Juíza do Trabalho: Cissa de Almeida
Biasoli. 75° Vara do Trabalho. Rio de Janeiro, 31 de maio de 2018.

A onerosidade, do mesmo modo, é inequívoca, pois pela realização do serviço de


transporte era o demandante remunerado, pouco importando que o seu ganho não
fosse custeado diretamente pelas empresas demandadas. A melhor doutrina e a
jurisprudência predominante dos tribunais trabalhistas há muito já reconhecem que
a remuneração do empregado pode ser paga por terceiros.(…) Na espécie, os
mesmos documentos antes citados revelam que as demandadas concentravam em
41

seu poder, em regra, os valores pagos pelos usuários, realizando posteriormente o


repasse ao demandante. Cumpre assentar também que o fato de ser reservado ao
motorista o equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário não pode
caracterizar, no caso, a existência de parceria, pois conforme indicado no
depoimento pessoal do demandante (fl. 1101/11102), sem contraprova das
empresas, ele arcava com as seguintes despesas: aluguel do veículo, despesas com
manutenção, combustível, telefone celular e provedor de internet. Tribunal
Regional do Trabalho (2° Região). Recurso Ordinário. Processo n° 1000123-
89.2017.5.02.0038. Relatora: Desembargadora Beatriz de Lima Pereira. 15°
Turma. São Paulo, 16 de agosto de 2018.

Desse modo, depreende-se que para se chegar na mesma conclusão, qual seja a
existência de onerosidade para fins de reconhecimento do vínculo de emprego, não é preciso
reconhecer, embora condizente com a realidade, que a Uber explora atividade empresarial
de transporte de passageiro, porquanto basta desconstruir, ao fundo, a imagem de que o
motorista parceiro é um empreendedor e reconhecer que o meio de produção é a plataforma
digital explorada pela empresa mas não o veículo e o aparelho telefônico com conexão à
rede mundial de computadores/smartphones que são meros instrumentos de trabalho,
trabalho este prestado na forma de serviço que é remunerado pela empresa mesmo que pago
por terceiros, no caso os usuários da plataforma, serviço tal que quem coloca a disposição
dos usuários/consumidores é a Uber.
Por fim, o requisito da subordinação para fins de caracterização da relação de emprego
revela-se a pedra de toque para a verificação de sua presença na relação jurídica estabelecida
entre motorista parceiro e Uber. Em resumo, a subordinação jurídica consiste na forma que
se dá o trabalho, se é de forma subordinada, em que o trabalhador trabalha por conta alheia
obedecendo o poder diretivo do empregador, ou autônoma quando o trabalho é realizado
por conta própria. Mais profundamente, preleciona Delgado:
(…) Subordinação deriva de sub (baixo) e ordinare (ordenar), traduzindo a noção
etimológica de estado de dependência ou obediência em relação a uma hierarquia
de posição ou de valores. Nessa mesma linha etimológica, transparece na
subordinação uma ideia básica de “submetimento, sujeição ao poder de outros, às
ordens de terceiros, uma posição de dependência” (…) (2017, p. 325)

Embora seja visualizada uma aparente autonomia na prestação do serviço pelo


motorista parceiro, sendo ainda incorporada pelo trabalhador haja vista a retórica difundida
pela Uber, o fato é que se está diante de uma relação subordinada juridicamente. A origem
da palavra como visto traduz a ideia de uma obediência no interior de uma hierarquia que
se materializa na sujeição ao outro. Viu-se que as formas de controle do força de trabalho
mudaram ao longo do tempo em decorrência de diversos processos.
Com isso, revelou-se mais eficiente a internalização do controle e disciplina e com
máquinas mediando o trabalhador no âmbito da estrutura produtiva toyotista, do que a
42

externalização do controle e disciplina com chefes - trabalhadores gerentes - mediando


trabalhadores visualizada no fordismo. Não é diferente com a Uber, deu-se prosseguimento
ao processo de racionalização do trabalho e captura da subjetividade do trabalhador.
A Uber ainda que afirme categoricamente ao motorista parceiro que ele não tem chefe,
não tem horário, não tem escritório, não é capaz de romper com a subordinação estrutural
que estabelece com o motorista haja vista sua capacidade de manter um padrão de qualidade
do serviço e sua prestação contínua de milhares de motoristas por meio de diversos
mecanismos já vistos, seleção, direcionamento, tarifa dinâmica, avaliação mútua, controle
de geolocalização, sistemática stick and carrots, entre outros. A empresa usa dos meios
telemáticos para operar a subordinação estrutural e por isso não escapa do art. 6° da CLT.

Art. 6° : Os meios telepáticos e informatizados de comando, controle e supervisão


se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de
comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

A subordinação estrutural, assim, se faz presente na relação entre a Uber e o motorista


parceiro, segundo Delgado, ela

(…) se expressa “pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus


serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas
acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”.
Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou
não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das
específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à
dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços. (2017, p. 328)

O que vai de encontro com as decisões jurídicas abaixo.

(…) Percebe-se que a subordinação passa a se configurar pela integração da


atividade do empregado na organização empresarial, não havendo necessidade
que as ordens sejam diretas e dirigidas pessoalmente ao trabalhador. Tribunal
Regional do Trabalho (1° Região). Sentença. Processo n° 0100351-
05.2017.5.01.0075. Juíza do Trabalho: Cissa de Almeida Biasoli. 75° Vara do
Trabalho. Rio de Janeiro, 31 de maio de 2018.

(…) Por isso, o exame das demandas judiciais que envolvem os novos modelos
de organização do trabalho deve se dar à luz das novas concepções do chamado
trabalho subordinado(…). Tribunal Regional do Trabalho (2° Região). Recurso
Ordinário. Processo n° 1000123-89.2017.5.02.0038. Relatora: Desembargadora
Beatriz de Lima Pereira. 15° Turma. São Paulo, 16 de agosto de 2018.
43

4.2 O motorista parceiro é um trabalhador autônomo?

De outro lado, assim como existem motoristas parceiros aguerridos na luta pelo
reconhecimento do vínculo empregatício com a Uber, para a empresa não há que falar em
vínculo de emprego. Ela afirma categoricamente que não é uma empresa de transporte ou
logística e que os serviços são prestados por terceiros os quais não correspondem aos seus
empregados tampouco prepostos.
Alguns dos requisitos da relação de emprego pretendida pelo motorista parceiro em
ações trabalhistas julgadas por Juízes e Desembargadores da Justiça do Tabalho que negam
o reconhecimento de tal relação revelam uma controvertida análise que, em parte pode-se
justificar pelo conjunto fático-probatório durante a instrução processual - tendo em vista
que ora reconhecem algum dos requisitos preenchidos ora não - pois de outra parte "(...)
apresentam uma visão estrita e antiquada dos elementos da relação de
emprego"(CORBAL, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 51).
Depreende-se inquestionável que o trabalho prestado pelo motorista parceiro é por
pessoa física, independentemente da conclusão que se chegue. De outro lado, é possível
verificar o não reconhecimento da pessoalidade e a presença desse requisito em decisões
judiciais em que ambas julgam improcedentes o pedido de reconhecimento de vínculo, da
mesma forma acontece com outros requisitos, com exceção da pedra de toque da
subordinação.

(…) Não há dúvida de que os serviços têm caráter oneroso e se revestem de


pessoalidade. Todavia, ainda que o trabalho desenvolvido pelo autor, como
motorista, fosse realizado com pessoalidade e onerosidade, a prova dos autos não
permite verificar que houvesse com a ré relação de subordinação e controle, ainda
que de forma indireta. Tribunal Regional do Trabalho (3° Região). Sentença.
Processo n° 0010806-62.2017.5.03.0011. Juíza do Trabalho: Erica Martins
Judice. 11° Vara do Trabalho. Belo Horizonte, 9 de abril de 2019.

(…) Trata-se de realidade exatamente oposta ao conceito da pessoalidade, seja o


contido na CLT, seja aquele emergente das diversas doutrinas a respeito, pois em
ambos os processos vi que o reclamado não se importa e não exige a pessoalidade,
não sendo afeto a ele controlar se uma pessoa irá dirigir, ela própria, ou pela
contratação de diversos terceiros. É muito importante não confundir a tomada de
cuidados mínimos do reclamado quanto a quem irá dirigir na plataforma (como
possuir CNH - válida e não vencida, não possuir antecedentes criminais, ter
smartphone para “rodar” a aplicação), com a exigência de que uma pessoa, e
apenas ela, possa prestar os serviços. Referida situação de ausência do elemento
pessoalidade ficou demonstrada nos autos, pois como confessou o reclamante, ele
iniciou no reclamado dirigindo para Fernando, que por sua vez era o “dono da
placa” no reclamado no Uber Black (mesmo caso do citado INVESTIDOR
Gustavo), em troca de um salário mínimo. Logo, concluo que a pessoalidade não
foi elemento exigido do reclamante na relação que manteve com o reclamado e
44

não se fez provada pelo reclamante.(…) Tribunal Regional do Trabalho (3°


Região). Sentença. Processo n° 0010044-43.2017.5.03.0012. Juiz do Trabalho:
Marcos Vinicius Barroso. 12° Vara do Trabalho. Belo Horizonte, 30 de maio de
2017.

(…)Nesse passo, e ao exame dos fundamentos da r. sentença recorrida no que


respeita ao primeiro requisito do artigo 3º da CLT, a pessoalidade (id. 2534b89 -
pág. 12/14, subitem 2.10.1), dissinto da conclusão do julgado. Diversamente do
que se entendeu na origem, não há prova da pessoalidade na prestação de serviços,
na medida em que o reclamante poderia, sim, fazer-se substituir por outro
motorista, que também fosse cadastrado na plataforma. Não se pode ignorar o que
admitiu o próprio reclamante em juízo. Tribunal Regional do Trabalho (3°
Região). Recurso Ordinário. Processo n° 0011359-34.2016.5.03.0112. Relatora:
Desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos. 9° Turma. Belo
Horizonte, 23 de maio de 2017.

Diante disso, visualiza-se que enquanto o primeiro julgado reconheceu sem delongas
a presença de pessoalidade na prestação do serviço colocando ainda como elemento
inquestionável, os outros dois julgados não verificaram o requisito da pessoalidade visto
que a possibilidade de um motorista cadastrar outros motoristas como uma espécie de
auxiliares, ou mesmo o fato do reclamante em um dos casos ser um desses motoristas
auxiliares, não trataram o cadastramento pessoal como elemento de prova para reconhecer
a pessoalidade na prestação do serviço.
No tocante a onerosidade, igualmente como o requisito da pessoalidade, em primeiro
plano, há divergência em sua verificação, embora, em segundo, também conclui-se pelo não
reconhecimento do vínculo empregatício. Verifica-se que mesmo buscando negar a
existência de onerosidade na relação contratual estabelecida entre a Uber e o motorista
parceiro, há julgados que trazem uma espécie de justificativa final para não concluir pela
existência da relação de emprego já que existem outros elementos não presentes.

(…)De todo modo, a onerosidade, por si só, não é o bastante para caracterizar a
relação empregatícia, devendo estar presente em concomitância com os demais
supostos do artigo 3º da CLT. Contudo, o valor auferido, admitido na inicial
(variável entre R$4.000,00 e R$7.000,00) e o percentual de cada parte na divisão
do preço cabendo à ré 20%, não se coadunam com o labor em atividades
semelhantes desempenhadas por empregados. Tribunal Regional do Trabalho (3°
Região). Recurso Ordinário. Processo n° 0011359-34.2016.5.03.0112. Relatora:
Desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos. 9° Turma. Belo
Horizonte, 23 de maio de 2017.

Enquanto que de outro lado negou a existência da onerosidade posto que o motorista
parceiro que reclamava o reconhecimento de vínculo era um motorista parceiro auxiliar
juntamente com a ideia de que o empregador seria obrigado a prometer uma remuneração
padronizada.
45

(…)Nesse caso, quando trabalhou para Fernando, certamente existiu a


onerosidade celetista pois, vencido o mês, Fernando deveria pagar ao reclamante
um salário mínimo, independente do quanto tivesse faturado no período. Mas, no
caso do reclamado, não houve promessa alguma de pagamento, nem de padrão
remuneratório mensal, nem de valor, média ou qualquer conceito que se aproxime
do celetista, razão pela qual entendo não caracterizada a onerosidade da CLT.
Tribunal Regional do Trabalho (3° Região). Sentença. Processo n° 0010044-
43.2017.5.03.0012. Juiz do Trabalho: Marcos Vinicius Barroso. 12° Vara do
Trabalho. Belo Horizonte, 30 de maio de 2017.

Já em relação à presença do elemento da não eventualidade, habitualidade ou


permanência, recorre-se a interpretações antiquadas a respeito de tal requisito, confundindo-
se a caracterização desse elemento com o tipo de jornada de trabalho, há também
obscuramente a negação genérica do direito de um empregado pedir demissão e ser
contratado novamente, in casu, se desligar e ligar da plataforma digital. Outrossim, para
reforçar a tese do não reconhecimento do vínculo empregatício vão em busca de
desconstituir a exclusividade da prestação do serviço como se isso fosse elementar para a
relação de emprego.

(…) Não eventualidade seria, mais uma vez em singelas linhas, a forma de
contratar pela qual o empregado se obriga a aguardar ou executar ordens do seu
empregador, com certa regularidade temporal (uma vez por semana, uma vez por
mês, todos os dias da semana, apenas nos finais de semana, etc. Tribunal Regional
do Trabalho (3° Região). Sentença. Processo n° 0010044-43.2017.5.03.0012. Juiz
do Trabalho: Marcos Vinicius Barroso. 12° Vara do Trabalho. Belo Horizonte,
30 de maio de 2017.

(…)Ora, não se concebe relação empregatícia em que o empregado delibere


permanecer afastado do serviço, sponte propria, por meses, a ele podendo
retornar. Tribunal Regional do Trabalho (3° Região). Recurso Ordinário.
Processo n° 0011359-34.2016.5.03.0112. Relatora: Desembargadora Maria Stela
Álvares da Silva Campos. 9 Turma. Belo Horizonte, 23 de maio de 2017.

(…)A prova produzida demonstra a ausência de exclusividade na prestação do


serviço, pois, conforme declarou a testemunha, é possível ao motorista utilizar o
aplicativo de concorrentes, sem que haja punição. Tribunal Regional do Trabalho
(1° Região). Recurso Ordinário. Processo n° 0100351-05.2017.5.01.0075.
Relatora: Desembargadora Tania da Silva Garcia. 4° Turma. Rio de Janeiro, 16
de outubro de 2018.

Por fim, a base elementar da relação de emprego que por traduzir-se pela
contraposição do trabalho autônomo, que é o trabalho subordinado, corresponde a presença
da subordinação jurídica em qualquer figura de relação de trabalho. É a visualização do
requisito da subordinação que se sobressai na análise geral dos requisitos, tanto na
conclusão que se reconhece o vínculo empregatício quanto naquela qual não verifica o
vínculo.
46

Diante disso, a empresa defende a autonomia do trabalho prestado pelo motorista


parceiro e por isso difunde que ao trabalhar com a sua plataforma digital não será
subordinado à nenhuma chefia tampouco terá horário para iniciar o trabalho e não havendo
local fixo de trabalho. Alinhado com tal discurso, a Uber não se considera empresa de
transporte, mas uma empresa de tecnologia que explora plataforma digital, dessa forma, ao
cabo, os motoristas parceiros seriam seus clientes.
Observa-se julgados buscando ancorar a fundamentação jurídica nessa ideia de que a
Uber não é uma empresa de transporte de passageiros para afastar a presença subordinação
na relação entre motorista parceiro e empresa, de que os motoristas são empreendedores,
trabalhadores autônomos e, com isso, não há subordinação jurídica independente da forma
em que se manifeste e portanto não existe relação de emprego no caso em tela.

(…) Dissinto do r. entendimento primeiro, uma vez que o objeto social da


reclamada refere-se ao fornecimento de serviços de contatos entre pessoas que
necessitam de transporte e pessoas que se dispõem a fazer esse transporte, que o
desenvolvimento da tecnologia possibilitou, e não o transporte de passageiros,
devendo ser ratificados os termos dos documentos apresentados neste sentido -
id. 8cf0bcd, 8377563 e 610307d, afastada a tese de existência de subordinação
estrutural, porque a reclamada se caracteriza como plataforma digital, que
objetiva interligar motoristas cadastrados aos usuários de transporte.Tribunal
Regional do Trabalho (3° Região). Recurso Ordinário. Processo n° 0011359-
34.2016.5.03.0112. Relatora: Desembargadora Maria Stela Álvares da Silva
Campos. 9° Turma. Belo Horizonte, 23 de maio de 2017.

(…) Conclui-se, pois, que as condições de prestação de serviço eram pautadas


pela autonomia e empreendedorismo, sem relação de emprego. Tribunal Regional
do Trabalho (3° Região). Sentença. Processo n. 0010806-62.2017.5.03.0011.
Juíza do Trabalho: Erica Martins Judice. 11° Vara do Trabalho. Belo Horizonte,
9 de abril de 2019.

4.3 Desproteção ou proteção dos motoristas parceiros e a razão de ser do direito do trabalho

A Consolidação das Leis Trabalhistas surge no Brasil no contexto do mundo do


trabalho fordista, o direito do trabalho, por sua vez, surge como conciliador de uma relação
historicamente inimiga, de um lado a classe trabalhadora e do outro o capital, ou melhor, os
patrões donos dos meios de produção. Ocorre que, o direito do trabalho está além disso, se
mostra um “(…) instrumento pelo qual há a civilização - no sentido de afastamento da
barbárie - das relações sociais de trabalho(…)"(OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE,
2018, p. 40).
Em outras palavras, o direito do trabalho, como todos os outros ramos da ciência
jurídica, é dotado de caráter finalístico, teleológico, possui um fim que se revela a partir das
47

funções desempenhadas pela Justiça do Trabalho vista como um todo, incluindo os


advogados trabalhistas, as organizações de trabalhadores, os entes estatais e não
governamentais tais como associações, ministério público do trabalho, juízes do trabalho e
servidores, varas do trabalho, delegacia do trabalho entre outros, todos responsáveis pela
efetividade da legislação trabalhista e ao cabo a própria sociedade, o poder político e
econômico.
Delgado (2017) ensina que o direito do trabalho possui como função central que
consiste na busca de melhores condições de trabalho na ordem socieconômica,
acompanhada da função modernizante e progressista no sentido de espalhar no mercado as
melhores direitos e condutas a todos os trabalhadores. Ademais, também exerce o direito
do trabalho sua função civilizatória e democrática na medida que se mostra como “(…) um
dos principais mecanismos de controle e atenuação das distorções socioeconômicas
inevitáveis do mercado e sistema capitalistas (…)” (DELGADO, 2017, p. 58) e sua função
política conservadora na “(…) elevação do padrão de gestão das relações empregatícias e
do próprio nível econômico conferido à retribuição paga aos trabalhadores por sua
inserção no processo produtivo (…)” (DELGADO, 2017, p. 58).
Verificou-se que desde o trabalho pautado pelo modo de produção fordista até os
tempos atuais houve um processo de racionalização do trabalho e captura da subjetividade
do trabalho que incorreu numa progressiva intensificação e precarização do trabalho.
Ressalta Oitaven, Carelli e Casagrande que:

A regulação do trabalho se dá com o objetivo precípuo de regulação da


concorrência em patamares mínimos de garantia da dignidade da pessoa humana.
Essa regulação da concorrência ocorre em três níveis: entre nações, entre
empresas e entre trabalhadores.(2018, p. 40)

Em resumo, a regulação entre nações revela-se nas políticas nacionais que buscam
impedir, ao cabo, a precarização do trabalho e assim da própria vida, garantir a dignidade
humana, enquanto nas empresas segue-se tal concepção, na medida de que devem estar em
condições de igualdade com outras empresas relativa à obediência aos mesmos deveres e
obrigações legais.(OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE, 2018)

O terceiro nível, pouco comentado, é o da garantia da concorrência leal entre os


trabalhadores. Essa função do direito do trabalho impede que os trabalhadores
concorram entre si impondo níveis cada vez mais baixos de condições de trabalho.
Por isso a imperatividade de direito do trabalho: o dia que esse for disponível –
e, por conseguinte, a condição de empregado – será o fim do direito do trabalho,
pois a competição entre os trabalhadores levará à terra todos os direitos.
48

(OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE, 2018, p. 41)

Viu-se que essa nova forma de trabalho nada mais é do que velhas formas de trabalho
combinadas com as novas estruturas produtivas em andamento na economia capitalista, o
que resulta em formas de trabalhos desconhecidas até então aos olhares antigos do direito
do trabalho. Ocorre que, identifica-se nessas novas formas de trabalho espalhadas por
empresas detentoras de plataformas digitais uma característica em comum, a fuga da
proteção trabalhista.
O que se observa é que os motoristas parceiros precisam trabalhar mais de dez horas
diárias para alcançar esse patamar mínimo civilizatório, ademais, não se remunera o período
de descanso, não há direito à desconexão do trabalho. Sempre que os motoristas parceiros
buscam se desconectar da plataforma são chamados a trabalhar mais para melhorar os seus
ganhos ou que estão próximos de ganhar uma recompensa caso continuem trabalhando.
Outrossim, a concorrência entre os próprios trabalhadores é latente, verifica-se isso no
documentário “GIG - A uberização do trabalho” em que um motofretista de aplicativo
percebe que no início do funcionamento dessas plataformas digitais o mesmo trabalhava
menos e recebia mais do que atualmente em decorrência o número de trabalhadores que
aumentou, ou seja, da concorrência entre os trabalhadores, verificou que, agora, mesmo
trabalhando exatamente o dobro do que alguns anos atrás não consegue chegar na mesma
remuneração antes alcançada, ainda no decorrer do referido longa-metragem, denomina-se
esse processo de concorrência como gamificação do trabalho, em que o os trabalhadores
são verdadeiros players lutando pela sua sobrevivência/reprodução social.
De todo o exposto, o limbo jurídico em que se encontram os motoristas parceiros ante
a jurisprudência que não se firma num breve espaço tempo, a realidade é que a depender
dos rumos das decisões judiciais no Brasil (…) podem levar a uma exclusão até hoje nunca
vista de trabalhadores da proteção social (OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE, 2018,
p. 45)
A desproteção do trabalho ofertada pela Uber, no entanto, não deve prevalecer, tendo
em vista a atuação dos próprios trabalhadores em busca de condições dignas de trabalho,
seja por meio da organização dos trabalhadores em sindicatos e associações que além das
lutas encampadas na arena jurídica, oferecem serviços para melhorar a situação econômica
desses trabalhadores, e da própria máquina estatal em dar uma resposta que atenue as
condições impostas aos motoristas parceiros.
Nesse sentido, uma associação de trabalhadores da categoria em ação do Estado de
49

Nova Iorque, ajuizada na Justiça Federal, conseguiu uma decisão judicial para reconhecer
todos os motoristas no referido Estado a condição de empregados da Uber para que os
trabalhadores tenham acesso ao seguro-desemprego e no Estado da Florida o Departament
de Oportunidade Econômica também reconheceu o vínculo de emprego para garantir o
seguro-desemprego de um motorista da Uber. (OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE,
2018)
Verifica-se que apesar da desproteção trabalhista experimentada pelos motoristas
parceiros não os impedem de avaliar positivamente a Uber, é o que conclui Bianchi,
Machado (2017, p. 13):

A avaliação inicialmente positiva sobre a empresa também é baseada, no caso dos


motoristas entrevistados, em trajetórias profissionais pregressas marcadas por
ocupações de baixa qualificação e condições de trabalho precárias. Mas, apesar
dessa primeira avaliação geral positiva sobre o trabalho com a Uber, quando
estimulados, os motoristas admitiram queixas relativas ao nível de estresse,
controle do trabalho, dificuldades em lidar com o necessário uso da tecnologia
sem a devida qualificação e enormes jornadas de trabalho, além de inseguranças
no tocante aos direitos previdenciários, acidentes de trabalho e violência urbana.

Mas longe de ser positivo o trabalho do motorista parceiro, o cotidiano do seu trabalho
revela que a flexibilidade relativa ao horário de trabalho oferecida pela na Uber resta
totalmente tolida pelo sistema da plataforma. Não há um patamar mínimo remuneratório, o
que faz o motorista trabalhar até atingir sua meta diária, e caso não seja atingida, o
trabalhador se sente o único responsável por isso, já que é colocado como empreendedor de
si. A realidade é que para conseguir boas pontuações e se manter vivo no aplicativo o
motorista passa por diversos constrangimentos para agradar os passageiros. As inúmeras
horas dedicadas no trânsito das cidades impedem até o gozo de um intervalo intrajornada
que não será remunerado, além dos riscos dada a alta criminalidade dos centros urbanos,
ou seja, são diversos os fatores que contribuem para a estafante jornada de trabalho realizada
pelos motoristas. Outrossim, os altos custos decorrentes da prestação do serviço reduz os
ganhos dos motoristas.
De toda sorte, ainda que não se reconheça o vínculo empregatício, não se pode afastar
proteções constitucionais pela justificativa de trabalho autônomo, como o salário mínimo,
a duração normal de oito horas diárias de trabalho e sua remuneração superior em caso de
hora extraordinária, o repouso semanal remunerado, entre outros. No entanto, a Uber parece
estar fadada à revisão de seu modelo de negócio, haja vista que em Nova Iorque já respeita
o salário mínimo (EXAME, 2018).
50

CONCLUSÃO

A observação da estrutura produtiva capitalista que deu início a racionalização


do trabalho e a gestão do trabalho vivo, a captura da subjetividade, tal qual como fez o modelo
de produção fordista-taylorista faz-se necessária para entender as implicações do modelo
produtivo à vida e ao trabalho da classe trabalhadora.
O modelo de produção que surge da ruína do fordismo, rompe com o paradigma
até então estabelecido em grande parte do mundo capitalista e, em cada lugar que se instala
adapta-se plenamente, é o toyotismo, responsável por grande transformação da relação
capital e trabalho e por óbvio a vida dos trabalhadores que apesar de trazer novos princípios
insiste na velha fórmula de intensificação e consequente precarização do trabalho para se
aumentar a produtividade.
A Uber e sua estrutura produtiva embora explore a gig economy e o seu modelo
ainda não tenha alcançado a maioria dos setores da economia mundial, a sua grandeza é
evidente. Ocorre que, a promessa de autonomia, de trabalhar sem chefe e fora do escritório
mais parece retórica do que realidade.
Ainda que não se reconheça a relação de emprego estabelecida entre o motorista
parceiro e a Uber, o fato é que a ideia de empreendedorismo é totalmente abalada pela
realidade constatada. A desproteção social e jurídica é evidente já provoca reações tanto
estatais - em decisões judicias e administrativas reconhecendo a condição de empregado dos
motoristas - quanto da sociedade civil incluída aí a própria categoria(organizações de
motoristas parceiros) que sugerem uma ameaça ao modelo de negócio uberista, marcado pela
fuga da proteção laboral.
51

REFERÊNCIAS

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43.2017.5.03.0012. Juiz do Trabalho: Marcos Vinicius Barroso. 12° Vara do Trabalho.
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