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UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo

EPPEN – Escola Paulista de Política, Economia e Negócios


Direito e Legislação Trabalhista

Na década de 1970 os computadores foram introduzidos nas atividades laborais, gerando


ganhos de eficiência e tornando o trabalho menos custoso e que se aperfeiçoou no
decorrer dos anos, entendemos esse fato hoje como o início da inserção de tecnologias de
automação do trabalho. Na atualidade, o uso dessas ferramentas faz parte do cotidiano e,
por sua vez, mudaram a maneira que enxergamos as relações de emprego. A chamada
“uberização do trabalho” foi um conceito criado para definir a nova tendência mundial,
onde empresas, por intermédio de aplicativos, fazem a intermediação entre prestador de
serviços e clientes, que em geral são utilizados para serviços de natureza laboral simples,
como entregas, transporte e afins, onde a prestador trabalha por demanda. A possibilidade
de ser autônomo despertou interesse em inúmeras pessoas que viram nesses aplicativos
sua forma de sustento, porém, por se tratar de um trabalho autônomo, não existe vínculo
empregatício entre a empresa responsável pelo aplicativo e os trabalhadores, pois a
natureza desta relação de trabalho não assume tal vínculo. Dessa forma, o trabalhador fica
responsável pelos riscos e custos da atividade, não usufruindo de direitos trabalhistas ou
jornada de trabalhado definida, tais fatos que geram consequências maléficas e reflete a
precarização do trabalho.

A partir disso, esta classe trabalhadora tem ganhado atenção da sociedade em decorrência
da pandemia global do Covid-19, que aumentou a demanda por estes serviços
exponencialmente. De tal maneira, serviços como Ifood, uber ou Rappi se tornaram parte
do cotidiano de grandes centros urbanos pela comodidade deste tipo de serviço oferece.
É evidente que trabalhadores associados a estes aplicativos não se assemelham a
“trabalhadores comuns”, esses regidos pela CLT, tal fato fica evidente se nos atentarmos
a alguns aspectos básicos do dia a dia de um entregador, por exemplo. Primeiramente,
como qualquer autônomo, não possuem jornada de trabalho definida, o que a princípio
seria sinônimo de flexibilidade, gera um desgaste a mais por parte da pessoa, por se tratar
de um trabalho sob demanda, mais horas desempenhando a atividade geram maiores
rendimentos, com o adendo que, atualmente nem todos os aplicativos possuem controle
de jornada e, se possuírem, podem ser burlados com o uso híbrido de duas ou mais
plataformas. Segundo os próprios trabalhadores, a média diária de horas trabalhadas é 10
horas, podendo se exceder em finais de semana, onde a demanda é maior. De acordo com
Marlon Farias da Luz, ex-motorista de aplicativo e atual vereador da cidade de São Paulo,
as condições impostas pelos aplicativos incentivam jornadas extensas e contínuas, nem
sempre com a contrapartida de maiores rendimentos, sendo que o mesmo acionou o
Ministério Público propondo o fim do “uber promo” e “99poupa”, que são condições
especiais em que a remuneração do motorista é menor, em prol da baixa demanda em
certos horários. Além disso, o fato de não auferir rendimentos fixos no fim do mês gera
certa insegurança e, por consequência, gera uma pressão para que a pessoa sempre esteja
disponível para o aplicativo. Portanto, tendo ciência de todos os fatos, existe um desgaste
que afeta na saúde física e mental desses profissionais, que sem amparo recorrem a
rotinas desgastantes o que demonstra uma precarização do trabalho.

A partir disto, podemos afirmar que a uberização do trabalho é consequência da


precarização do trabalho, não ao contrário! Podemos compreender isso como o resultado
de mudanças sociais, a principal diferença comparado com o passado é que hoje mudamos
com mais velocidade, ou seja, o uso da tecnologia no trabalho, a globalização e a evolução
nos meios de comunicação fizeram com que nosso mundo evoluísse em menores espaços
de tempo, tal argumento fica mais nítido se pensarmos que até o ano de 2017, o
teletrabalho não era amparado pela legislação trabalhista brasileira. Mediante isso,
chegamos a um ponto em que as leis não conseguem acompanhar as mudanças na
sociedade, seja porque a legislação é engessada ou é necessário analisar cada caso
minuciosamente, o que requer tempo. Como no ano de 2019, em que o Supremo Tribunal
de Justiça (STJ) determinou que motoristas que trabalham para serviços de transporte por
aplicativo não possuem qualquer tipo de vínculo trabalhista com as empresas, todavia,
essa decisão não tem aplicação automática em outros processos, o tribunal julgou um
conflito de competência ao analisar se o caso seria de responsabilidade da justiça comum
ou da justiça do trabalho. Ficou decidido que é de competência da justiça comum julgar
o processo, pois não há relação de emprego no caso, pois os motoristas não mantêm nível
hierárquico com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sendo
este tipificado como uma atividade autônoma. Este caso em específico chegou à instância
superior pois a justiça comum e a justiça do trabalho se declararam incompetentes para
julgá-lo, o que demonstra a necessidade de mudanças na legislação vigente, pois até o
dado momento, cada caso é tratado individualmente, o que resulta em processo
demorados e que sobrecarregam o sistema judiciário. É sempre importante lembrar que o
direito tem que adaptar as necessidades humanas, por isso ele está em constante evolução.
Além disso, muitas pessoas aderem a argumento de que a lei 13467/2017 (lei da reforma
trabalhista) auxiliou e incentivou de forma determinante a precarização das relações de
trabalho, em especial com a introdução do trabalho intermitente e algumas mudanças nas
diretrizes de trabalho autônomo. De maneira geral, saindo da esfera dos aplicativos por
demanda, notamos no art. 442-B da CLT um ponto importante, o trabalhador autônomo
que preste serviço contínuo e com exclusividade ou não, não possuí vínculo empregatício
com a instituição tomadora do serviço. Em termos práticos, autônomos em certas
condições não terão o vínculo, o que aparenta ser uma contradição, pois a exclusividade
restringe a liberdade do trabalhador, não sendo muito condizente tal relação de trabalho,
mas vale ressaltar que o direito do trabalho adere a primazia da realidade como fator
determinante em análises desta natureza. A título de exemplo, a categoria dos
caminhoneiros autônomos tem visto os efeitos deste artigo no seu cotidiano, onde muitas
vezes motoristas de se agregam a uma transportadora, com celebração contratual, para
prestar serviços como autônomo, porém na prática ele é tratado como empregado, tendo
os requisitos para caracterizar um vínculo empregatício. Um método para burlar esta regra
é a entidade tomadora de serviço solicitar aos prestadores a abertura de uma empresa,
para assim haver uma prestação de serviços entre empresas, caso o contrário, haveria
rompimento contratual. Podemos afirmar que, a “uberização” se aproveitou dessas
lacunas para se expandir, em especialmente da relativização do trabalho autônomo no
Brasil e como ele é encarado.

Depois de analisar os pontos aqui abordados, fica nítido o quão a economia


compartilhada é presente na sociedade contemporânea e seus impactos nas relações de
trabalho. O mundo está em constante mudança e por vezes isso parece independer da
vontade da maioria. A precarização do trabalho acarretou a fragilidade das relações e
mudou a lógica do trabalho em certos aspectos, pois apesar de relevantes, os métodos de
produção importantes nas revoluções industriais anteriores não parecem ser tão habituais
atualmente, vide fordismo. Estamos a caminho da quinta revolução industrial, é melhor
começarmos a pensar desde agora como lidaremos com as relações de trabalho em um
mundo automatizado. Todavia, focando no agora, é possível repensar como a legislação
atual atende as necessidades referentes ao trabalho, em especial no âmbito das relações
de trabalho, por exemplo trabalho parassubordinado, que não é admitido pela
jurisprudência da legislação trabalhista brasileira. de acordo com o jurista Amauri
Mascaro Nascimento, “a parassubordinação se concretiza nas relações de natureza
contínua, nas quais os trabalhadores desenvolvem atividades que se enquadram nas
necessidades organizacionais dos tomadores de seus serviços, contribuindo para atingir o
objeto social do empreendimento, quando o trabalho pessoal deles seja colocado, de
maneira predominante, à disposição do contratante, de forma contínua”. Essa forma de
trabalho se originou no direito italiano, onde este tipo de trabalhador, apesar de ter menos
direitos do que trabalhadores com vínculos empregatício, possuem direitos básicos como:
liberdade sindical, direito de greve e cobertura previdenciária para aposentadoria, licença
maternidade e afins. O direito espanhol também regulou essa relação de trabalho,
frisando que a lei atribuiu centralidade à dependência econômica na criação da nova
figura jurídica não havendo a subordinação jurídica. Portanto, a “uberização do trabalho”
é um resultado de causa e efeito, mas para a alegria de muitos, não é um problema sem
solução.

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