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UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo

EPPEN – Escola Paulista de Política, Economia e Negócios


Direito e Legislação Trabalhista

TIAGO SOARES DA SILVA – RA: 150.225

Sinopse: O documentário “Indústria Americana”(2017) dirigido por Julia Reichert e


Steven Bognar, foi o vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2020. Sua temática
gira em torno da vinda de uma grande companhia de vidros automotivos para a cidade de
Dayton. As perspectivas da cidade se ampliam, mas conflitos entre mentalidades
divergentes logo começam a surgir. O “método chinês” não parece ser tão amigável.

INDÚSTRIA AMERICANA – RESENHA

Capitalismo e relações de emprego sempre foram intimamente ligados, representando


uma dependência mútua de certo modo. Em momentos de crise, há um abalo sistemático
em toda a cadeia produtiva, acarretando o desequilíbrio econômico, grande maleficio para
um país. Este cenário reflete o que foi a crise de 2008, que influenciou no fechamento de
várias indústrias nos Estados Unidos da América e no mundo. Até hoje, seus efeitos
exercem influência na economia mundial. A partir disso, a dinâmica produtiva se alterou,
indústrias emigraram para os “tigres asiáticos” ou para os “novos tigres asiáticos”,
conjunto de países que proporcionam menores custos de produção. Outras indústrias
simplesmente fecharam, como foi o caso da filial da General Motors em Dayton - Ohio.
Alguns anos depois, a empresa Fuyao glass motors, uma companhia chinesa de vidros
automotivos, assume a antiga planta fabril de Dayton e contrata parte da mão de obra que
pertencia a General. Mediante isso, de início é possível notar uma certa euforia por parte
dos operários, para eles é gratificante ter um emprego novamente, ainda mais sendo no
antigo local em que trabalhavam, agora somente sob nova administração. A Fuyao chegou
ao país com propostas de trabalho árduo e cooperação junto aos colaboradores para fazer
o melhor produto possível. Em tese, nada disso foi errôneo, porém suas práticas
institucionais derivam do “método chinês ”, como citado diversas vezes no documentário
de inúmeras maneiras diferentes, algo nada amistoso para os operários norte americanos,
que com o passar do tempo, ficam descrentes sobre das promessas iniciais feitas pela
companhia. Assim, começam a ser apresentadas as diversas faces da relação entre
empregador e empregado, diferenças culturais e o dinamismo das relações de trabalho
dentro de uma fábrica estadunidense comandada por chineses.
A produção começaria em breve, inicialmente tudo parecia como antes, com exceção de
um pequeno detalhe: trabalhadores chineses. A Fuyao trouxe trabalhadores chineses para
fomentar a produção nos dois primeiros anos, já que eles detinham mais experiência na
fabricação de vidros automotivos. Neste ponto tomamos conhecimento que os operários
chineses não receberam acréscimo salarial pela mudança de país, ainda que o motivo
tenha sido a trabalho. Além disso, a obra não informa, mas se entende que eles também
não exerceram poder de escolha sobre a vinda à América. Tal prática contrasta com
legislações de outros países, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que dita
que quaisquer mudanças do logradouro de trabalho devem respeitar à vontade e
disponibilidade do empregado.
Mas também, duas culturas diferentes em um mesmo ambiente de trabalho resultam em
peculiaridades únicas. A diferença linguística é a principal delas, mesmo não sendo fator
determinante, pois um idioma pode ser aprendido, inibe a plena e saudável comunicação
no ambiente. Em vários momentos, é perceptível notar as expressões sérias e atentas
quando alguém está falando em chinês. A diferença cultural se atenua quando se aborda
como ambos enxergam o trabalho. Em vários momentos é possível flertar com a ideia de
que o trabalhador americano trabalha para ter uma vida boa, já o trabalhador chinês
trabalha para sua vida ter sentido. A maneira na qual cada cultura encara o ofício laboral
gera discordâncias de ideias dentro da companhia, logo, resultando na má otimização do
trabalho e em certos casos, atritos entre funcionários e gerência. Dentre isso, com
significativa frequência trabalhadores estadunidenses são taxados de preguiçosos pelos
gerentes e supervisores chineses, que se manifestam de maneira contrária aos pedidos de
melhores condições de trabalho na linha de produção, sendo este um local insalubre,
podendo ocorrer acidentes de alto graves. Estabelecendo alusão aos princípios do direito
trabalhista brasileiro, falas que ofendam a moral do empregado são inadmissíveis,
independente de posição hierárquica. Todas as advertências feitas ao empregado devem
ser claras e específicas, de forma escrita ou falada, sem denegrir a imagem ou moral do
empregado, isso compete ao poder do empregador, pelo princípio disciplinar que institui
o direito de impor disciplina em seu negócio. Ademais, alguns conseguem se enxergar
simplesmente como pessoas, estereótipos são quebrados e relações são feitas, com um
sutil reconhecimento e respeito mútuo por parte de alguns, o que é admirável, o choque
de culturas tão diferentes não precisa ser um caos afinal.
Dentre isso, os “métodos chineses” não proporcionam algumas condições que pessoas do
ocidente consideram básicas, como pausa para refeições. Falas como: “... não tenho tempo
para comer, então trago bolinhos” refletem uma cultura de trabalho tremendamente
fervorosa, ao ponto de colocar em muitas ocasiões, o trabalho acima de suas necessidades
básicas, o que à longo prazo pode ser prejudicial à saúde do próprio empregado. Também
é válido ressaltar que, este horário de almoço não é válido como horário de trabalho,
assim, incentivando tais práticas, logo, diminuindo o bem estar do empregado.
A partir disso, a questão da jornada de trabalho é alvo de discussão a todo momento. De
acordo com a legislação americana, um trabalhador terá a jornada diária média de oito
horas de trabalho, salvo exceções, como serviços que requerem plantão. Em
contrapartida, a jornada de trabalho habitual na China é de doze horas, fato este que causa
inúmeras discordâncias na companhia. Em dado momento, algumas pessoas da gerência,
que é composta por chineses, dizem querer expediente aos sábados e que os operários
americanos também deveriam vir, não importando o que a lei prescreve sobre. É fato que,
isso caracteriza um abuso de poder por parte do empregador. Novamente em alusão a
legislação brasileira, todos os empregados têm o direito ao descanso semanal remunerado,
preferencialmente dominical. Horas extras necessitam ser discutidas entre empregado e
empregador, não podendo este impor que seus funcionários façam hora extra não
consensual. Em suma, a carga horária de trabalho e salário/hora, são prescritos no contrato
de trabalho. Relatos de operários chineses expõem uma realidade diferente, onde horas
extras ficam a critério da companhia, que segue a flutuação da demanda, sendo assim,
quando há muito trabalho a ser feito não há descanso. Também é mostrado no
documentário que na China muitos trabalhadores não detêm condições de voltar para suas
casas e ver suas famílias mais que duas vezes ao ano, que se mostra uma realidade cruel,
porém típica no país.
Outrossim, uma indústria por natureza é insalubre, isso é um fato indiscutível. Porém,
usando certos métodos de gerenciando risco, é possível evitar ou minimizar os danos. A
Fuyao assumiu a planta industrial da General Motors, mas decidiu não seguir algumas
diretrizes de segurança no trabalho, a justificativa? “segurança não paga as contas”, que
fique claro que não podemos generalizar tal conduta. Relatos de funcionários expressam
um aumento nos acidentes de trabalho, em relação a antiga companhia, desde que a Fuayo
começou suas operações no país. Isso pode ser explicado em decorrência de algumas
práticas dentro da fábrica, como: manuseio incorreto do material cortante descartado
(vidro), sendo este feito manualmente por operários com pouco equipamento de proteção
individual (EPI), assim sujeitos a acidentes leves à gravíssimos; corredores estreitos no
setores de produção, atrapalhando a movimentação de pessoas e insumos, além de ser
improdutivo pode causar acidentes; salas de produção somente com uma saída, em caso
de incêndios ou semelhantes, a evacuação do ambiente fica severamente prejudicada ou
até mesmo impossibilitada, as soluções para este problemas seriam a adequação do local
com mais saídas e saídas de emergência; exposição ao calor intenso sem EPI’s necessários
para o trabalho em fornos industriais; a não observância por parte dos supervisores sobre
o limite de carga de uma empilhadeira, sendo este excedido, podendo resultar em
acidentes graves e mortes. Logo, o capítulo 5 da Consolidação das Leis do Trabalho trata
da segurança e da medicina no trabalho, ela é bem específica em relação aos riscos do
ambiente de trabalho, por conta disso, indústrias de todos os portes precisam do Auto de
Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), que afirma que o ambiente tem condições
favoráveis e corretas ao exercício das atividades industriais naquele local. Este auto segue
critérios rígidos de proteção contra incêndios, rotas de evacuação, manuseio e
armazenagem de materiais e afins. Ainda no mesmo capítulo são descritos temas
relacionados ao uso de equipamento de proteção individual e coletivo, conforto térmico,
manuseio de materiais, normas para trabalhar com fornos e afins. Tais recomendações
devem ser seguidas para assegurar a integridade física dos funcionários da fábrica.
Além disso, a questão salarial também é algo relevante a se notar, pois os salários da
Fuyao são menores do que na época da General Motors, para ser mais exato, uma queda
de aproximadamente 58% em relação ao passado. Apesar de estar acima do salário-
mínimo, não é considerado um pagamento condizente para a categoria, que aliás é muito
forte no país. Seu rendimento era inferior, logo abaixando seu padrão de vida, mas muito
estavam satisfeitos simplesmente por ter a oportunidade de emprego. Trabalhar para ter
uma vida boa, mas isso seria possível? – Uma possível solução seria reivindicar salários
melhores, seria o teto da categoria, como em outros países , entretanto, a fábrica não era
sindicalizada, e a montagem de sindicatos “não é benéfica para a Fuyao” ou “sindicatos
geram ineficiência na produção”. A companhia acredita que o sindicato corta a conexão
entre a empresa e seus funcionários.
O sindicato, historicamente, sempre exerceu um poder significativo nas relações entre
empresas e funcionários, desde seus primórdios em meio ao nascimento das sociedades
industriais, seu papel foi ser a voz da classe operária, que clamava por melhoras nas
condições de trabalho. No decorrer dos séculos tal dinâmica pouco se modificou, todavia,
as corporações sempre viram os sindicatos como um empecilho para auferir determinadas
mudanças. Em tempos de crise, onde as receitas diminuem, os salários são os mesmos,
por isso há a corte de pessoal. Este é um argumento que sempre circundou debates sobre
a sindicalização de empresas, e uma discussão é totalmente válida, o que é abominável
são corporações, como a Fuyao, boicotando o trabalho de sindicatos, excluindo o debate
e rejeitando discussões, como se a poder total fosse da companhia.
De certo modo, é curioso compreender as diferenças entre culturas tão distintas e relações
com o trabalho. A maneira na qual um operário chinês encara o trabalho é diferente
comparado a um norte americano. Os chineses acreditam que o trabalho dignifica o
homem e o completa, logo fazer o melhor pela empresa significa melhorar o seu país. a
questão cultural que baseia esse espírito é muito forte. A China é um país milenar que já
vivenciou inúmeras experiências e fato históricos, em que as mais recentes a marcaram
de maneira significativa, e a fazem ser o que é hoje. Como autor dessa resenha fiquei
tentado a assimilar certas partes do documentário com o livro “A Revolução dos Bichos”
de George Orwell, mas o foco da resenha não me permitiu.
Em dados momentos, o espectador fica instigado com o “método chinês”, que não parece
nada usual para o ocidente, entretanto, fica nítido que aquele país precisa aprimorar suas
leis trabalhistas e diretrizes de trabalho, o que já vem acontecendo gradualmente.
Também é enfatizado a presença do Governo em auxilio as empresas, grandes
cooporações chineses são aliadas do Estado Chinês, em uma análise imparcial, não a nada
de errado, no século XX, após o término da segunda guerra mundial, muitas empresas
americanas só vieram a se tornar transnacionais graças ao Governo Americano, a título
de comparação, tal tese se torna nítida quando observamos a influência norte americana
no Japão no pós guerra.
Podemos concluir que, os sistemas econômicos mundiais estão em constante mudança e,
como o economista Jonh Maynard Keynes já dizia no século XX, crises são inevitáveis e
todos estamos a mercê delas. Neste sentido, o Direito do Trabalho tem a função de
proteger o trabalhador e prezar pelo bom relacionamento entre empregado e empregador.
Pensando de maneira cíclica, crises são constantes e seus efeitos perduram de curto à
longo prazo, como aconteceu nos Estados Unidos pós 2008. O fechamento de indústrias
ligadas ao setor automotivo foi um forte golpe na economia do país, Dayton foi um
exemplo pequeno, já bairros fantasmas em Detroit foram um símbolo dos efeitos da crise.
Porém, tudo é um ciclo, quando a Fuyao se instalou no país junto com ela vieram capital,
máquinas, pessoas e, em especial, ideais estrangeiros. Não encare de forma pejorativa, é
plenamente factível duas culturas diferentes conviverem em harmonia. Com base nisso,
é correto afirmar que a Fuyao não respeitou as leis norte americanas em vários âmbitos.
Ao abusar dos direitos de direção, como ao querer impor a não sindicalização aos
funcionários, mediante ameaças de cortes salariais ou até mesmo retirada do
empreendimento do país, o empregador usa seu poder para benefício próprio ou demitir
funcionários favoráveis a sindicalização para enfraquecer essa ideia. o que são claras
violaçõe. De modo geral, houve uma precarização nas condições de trabalho na fábrica.
Em vista de todos os fatos apresentados, o documentário cumpriu seu papel em passar a
mensagem de reflexão sobre a precarização do trabalho no país. De tal maneira, tem um
caráter quase institucional em algumas cenas, mas ganha alto méritos em não interferir
no que acontecia no ambiente, passando veracidade e autenticidade ao documentário. Ele
só falhou em pequenos detalhes, como não aprofundar a questão da automatização do
trabalho, porque independente dos fatos, estamos a caminho de uma quarta revolução
industrial, será a Era da Automação. Portanto, esta resenha teve o intuito de organizar
ideias e relacionar o documentário com questões advindas do Direto do Trabalho, de
forma mais imparcial possível.

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