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Congressos | 1974

Resolução do I Congresso dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema

Introdução

Ante as taxas de crescimento econômico apresentada pelas autoridades econômicas do País nos últimos anos, poderá
parecer estranho que os trabalhadores metalúrgicos de S.B.C., analisem esses resultados. Todavia, temos fundados
motivos para emitir considerações sobre a forma como a economia brasileira vem se comportando, pois não somos
considerados à margem deste processo. Pelo contrário, somos dele partes integrantes, e sabemos que sem a nossa
participação ativa – corporificada pelo nosso trabalho diuturno nas fábricas - aquela taxas de crescimento jamais seria
alcançadas. A isso se acrescente que sobre nós , os trabalhadores, invariavelmente vêm recaindo, ao longo dos tempos,
os sacrifícios maiores que um processo de desenvolvimento inevitavelmente acarreta, seja pagando o alto preço de uma
política inflacionista, seja arcando com os ônus de uma política de deflação. E, como se isso não bastasse, além das
consequências negativas na vida dos trabalhadores, este processo se reflete, de forma cada vez mais intensa e nefasta,
na nossa organização sindical de base.

Temos consciência que a presença das empresas modernas, nacionais e em maior grau multinacionais ou estrangeiras,
não é fato recente. Sua expansão se iniciou na década de 50, e com maior intensidade, em nosso setor, a partir de 57
com a implantação das indústrias automobilísticas.

Não nos cabe verificar qual a contribuição dessas empresas para o desenvolvimento nacional, mas entendemos do nosso
dever tomar posição ante o seu comportamento frente a nós trabalhadores.

Sabemos que as principais empresas do nosso setor se inserem no polo moderno da economia. Conhecemos suas
características e suas implicações quando multinacionais. Reconhecemos que trouxeram elas valiosas contribuição no
sentido de ampliarem numericamente o mercado de trabalho, bem como admitimos que o operário das indústrias
automobilísticas e afins conseguem obter nominalmente uma remuneração mensal superior e percebida pelos
trabalhadores de outros setores. Contudo, não ignoramos que a alta produtividade do nosso trabalho tem garantido a
essas empresas os mais altos índices de crescimento do País, com elevadíssimas taxas de lucros. Aliás, isto está
claramente explicado no depoimento prestado por um representante de grande indústria, quando diz que “A disciplina, a
dedicação ao trabalho, o entusiasmo dos trabalhadores brasileiros contrastam profundamente com as agitações e
convulsões que afligem atualmente todos os países desenvolvidos da área capitalista, com graves problemas de
absentismo contínuo dos custos e redução vertical dos lucros. Nossos técnicos acreditam não existir hoje, em nenhuma
parte do mundo, rendimentos tão elevados como os da indústria automobilística brasileira”. (Franco Urani,
superintendente-geral da Fiat no Brasil, em julho de 1972, na Fed. das Ind. de Minas Gerais).

O nosso propalado salário mais alto, segundo estamos cientes, é apenas aparente, se confrontado com os salários
percebidos pelos trabalhadores das mesmas empresas localizadas em outros países, e quando visto em função da nossa
produtividade, do aumento de ritmo de trabalho, e da extensão da jornada diária, que é uma constante dentro do
sistema.

É bem verdade que essas mesmas empresas dispensam algumas regalias a pequeno número de técnico ultra-
especializados, porém aos demais trabalhadores, que se constituem na esmagadora maioria oferecem um tratamento
equivalente àqueles usado pelas empresas tradicionais, com o beneplácito de uma legislação que é, nosso modo de ver,
totalmente inadequada às condições atuais. A alta rotatividade da mão-de-obra, fraudando a aplicação dos
reajustamentos salariais, a instabilidade no emprego, trazendo, com a exploração máxima da capacidade do operário, a
deliberada compressão dos salários, como prática concertada entre os departamentos de pessoal das indústrias, a aberta
oposição às atividades sindicais e à sindicalização, são apenas alguns dos problemas enfrentados pela classe.

Alguns desses aspectos passam a ser objeto de especial análise.

POLÍTICA SALARIAL
A atual Política Salarial é uniforme para todas as regiões, todas as categorias e todos os trabalhadores, apesar da
extrema heterogeneidade entre eles. Há vários anos o nosso Sindicato vem discutindo notadamente os percentuais

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utilizados na reconstituição dos salários, como taxa de produtividade e previsão de resíduo inflacionário. Não há dúvida
que a produtividade das indústrias automobilísticas, de material elétrico, da mecânica, metalúrgica, e auto-peças, são
maiores que os percentuais decretados pelo Ministério do Planejamento para efeito de política salarial. Isto pode ser
constatado analisando-se as taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), da Produção Industrial e da Produção
Automobilística.

Ano : 1968
PIB 9,3 – Produção Industrial 15,5 – Produção Automobilística 24,6

Ano : 1969
PIB 9,0 – Produção Industrial 10,8 – Produção Automobilística 25,2

Ano : 1970
PIB 9,5 – Produção Industrial 11,1 – Produção Automobilística 18,4

Ano : 1971
PIB 11,3 – Produção Industrial 11,2 – Produção Automobilística 25,1

Ano : 1972
PIB 10,4 – Produção Industrial 13,1 – Produção Automobilística 18,8

Ano : 1973
PIB 11,4 – Produção Industrial 15,0 – Produção Automobilística 20,1
Fonte: Fundação Getúlio Vargas – ANFAVEA

Numa tentativa de inovar as discussões sobre reajustes salariais, nosso Sindicato, em 1972, propôs que o aumento fosse
concedido segundo uma importância única em cruzeiros, para todos os trabalhadores, e não mais o resultado de um
percentual uniforme aplicado sobre os mais diferentes salários. Esta pretensão se justifica, porque o reajustamento
obtido segundo a fórmula legal, acarretaria para empregados em nível de gerência, executivos administradores, etc.,
aumentos efetivos muito mais do que os salários reajustados de vários operários. Visando, pois a criar uma fórmula mais
justa de distribuição de renda, ao menos entre os assalariados, foi proposta a remodelação dos critérios de
reajustamento salarial, reivindicando-se uma quantia fixa e igual para todos os empregados, independente do valor dos
seus salários.

Para decepção nossa, o modelo que propusemos foi objeto de frontal oposição da parte do patronato, malograram
nossas tentativas da celebração de uma convenção coletiva, e nossas reivindicações, sequer foram consideradas pela
Justiça do Trabalho, quando do julgamento do Dissídio Coletivo.

POLÍTICA SALARIAL
As grandes empresas possuem uma política salarial própria que se sobrepõe à política oficial. Os aumentos decorrentes
desse regime particular não são submetidos a nenhum organismo de representação dos trabalhadores. São catalogados
como mera liberalidade, e a empresa os atribui a quem quer, quando e como quer, dando ensejo a favoritismo e à
inevitável animosidade entre os beneficiados e os preteridos. Sobretudo grave é que a determinação dos salários está
condicionada ao controle oligopolista dos chamados “grupos informais” de administradores de pessoal tipo GRUPISTA
que se organizam para estabelecer normas de contratação e remuneração uniforme para as empresas deles
participantes, caracterizando evidente abuso de poder econômico. Essa trama visa a fechar todas as possibilidades aos
trabalhadores, que nem mesmo nas esporádicas e excepcionais ocasiões de escassez de mão-de-obra conseguem elevar
os seus salários.

CONDIÇÕES DE TRABALHO
A exploração do trabalho não se manifesta somente mediante o pagamento de baixos salários. Ela também se apresenta
por outras formas. Assim, no que diz respeito às horas extras, a maior conquista dos trabalhadores, comemorada em
quase todo o mundo no 1º de Maio, foi a jornada de 8 horas. Seria uma marco para as classes operárias, a partir do qual
dever-se-ia caminhar para outros objetivos como, por exemplo, a redução da jornada semanal, como se tem feito nas
matrizes das empresas estrangeiras que atuam em nossa base territorial. Todavia, a insuficiência salarial força os
trabalhadores a se submeterem às exigências de prestação de horas extraordinárias de serviço convertendo a primeira
das grandes conquistas do proletariado em mera letra morta, pois qualquer operário sabe que a recusa em trabalhá-las

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provocará represálias que podem chegar até à sumária dispensa.

Para tornar mais imperativo o cumprimento dessa abusiva exigência, as empresas estabelecem turnos de trabalhos que
findam quando vai alta madrugada, coagindo indiretamente o assalariado a permanecer no recinto da indústria.

Essas práticas fraudam a legislação, que supõe a existência do trabalho extra esporádico e voluntariamente, ao tempo
em que prejudicam a classe trabalhadora no seu conjunto, pois dificultam a ampliação do volume de emprego, medida
evitada pelas empresas pois traz consigo maiores despesas ou encargos sociais.

SEGURANÇA NO TRABALHO
O salário, o ritmo de trabalho, o número de horas que serão prestadas, o horário, as folgas, as férias, tudo é
determinado pela empresa, sem nenhuma participação do trabalhador ou suas organizações. Quando é aceito pelo
empregador, o trabalhador adere a um contrato de trabalho e a um regulamento onde estão previstas suas obrigações,
recebendo em troca o único direito ao salário, que, por sinal, também lhe é imposto, pois individualmente o operário não
tem nenhuma capacidade de negociação.

O ambiente em que é desempenhado o trabalho, faz parte, igualmente, de um sistema global de exploração. Uma das
provas do que afirmamos está no elevadíssimo índice de acidentes e na gravidade de que se revestem. As medidas de
prevenção se restringem a controles mecânicos e protetores individuais como luvas, capacetes, aventais e botas.
Conquanto se dizendo empenhadas em reduzir o número de acidentes, as empresas nunca se preocupam em realizar a
correlação que sabemos existir entre baixos salários, jornadas excessivas, tensão nervosa, e os infortúnios.

ROTATIVIDADE DA MÃO-DE-OBRA
A prática da dispensa provocando uma elevada rotatividade de mão-de-obra tem sido denunciada por nós. Este fato tem
o nosso ver a sua causa principal na existência do F.G.T.S., que não possibilita a manutenção do emprego pelo
trabalhador, facultando às empresas várias espécies de manobras, garantindo-lhes lucros adicionais, pois desta forma, os
salários são pressionados para baixo uma vez que existe uma massa razoavelmente grande de trabalhadores à disposição
da empresa.

Por outro lado, como as indústrias sofrem periodicamente crises de produção, os primeiros a serem atingidos são os
trabalhadores. Como primeiro passo, diante da crise, as empresas reduzem sua produção e, frente à inexistência de
garantia de emprego, despedem grande número de trabalhadores, transferindo a estes os efeitos das crises inerentes ao
processo de produção.

SITUAÇÃO DAS EMPRESAS


A grande produtividade do trabalhador não se refletindo nos salários, logicamente, concorre para elevar ainda mais os
lucros das empresas. De fato, em 1973, o lucro líquido de um grupo de empresas sediadas em São Bernardo e Diadema,
apresentou a elevada taxa de 39% de crescimento em seus lucros. A simples menção dos lucros não representa tudo em
análise de balanços. É preciso saber quanto representam em termos de capital investindo. Demonstrando a alta
rentabilidade das empresas, o lucro líquido significou, no ano de 1972, 48% do capital investido em 1973, passou a
representar 59% do capital. Para atestar este fato, vejamos os dados abaixo:

LUCRO LÍQUIDO (72+73) - Cr$ 2.663.066.170

CAPITAL SOCIAL (73) - Cr$ 2.642.032.796

Podemos ver que, ao somarmos o lucro líquido de dois exercícios chegamos ao capital empregado pelas empresas. Em
outras palavras, em dois anos, as empresas recuperaram (e com sobras) todo o capital aplicado em São Bernardo e
Diadema.

Esse padrão de rentabilidade é excelente, contrastando profundamente com a situação dos trabalhadores.

CONCLUSÃO
É em função dessas especificidades que sustentamos a inadequação entre o processo produtivo das empresas modernas,
aqui predominantes, e a estrutura sindical vigente desde 1943, anacrônica particularmente para esta região, uma vez que
foi imaginada e criada para outra realidade. Afirmamos, paralelamente, que sofremos enormes dificuldades para
solucionar os novos problemas gerados pelo rápido processo de desenvolvimento de nossa economia, no que diz respeito

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à classe trabalhadora e sua organização sindical.

Para enfrentarmos com algumas possibilidades de sucesso a realidade que vivemos, deveremos dispor de outros
instrumentais, capazes de proporcionarem ao Sindicato condições de lutar com eficiência maior na defesa das justas
reivindicações das categorias que congrega.

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