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Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial

iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_899.html

Carta IEDI
Edição 899
Publicado em: 04/01/2019

As economias emergentes face à indústria 4.0


Sumário
Ao longo de 2018, com base em estudos dos mais importantes organismos
internacionais, o IEDI divulgou uma série de análises sobre as profundas transformações
pelas quais o sistema produtivo, em geral, e as atividades industriais, em específico,
estão passando no mundo todo. Esta Carta IEDI, que dá continuidade à retrospectiva
iniciada semana passada com a Carta n. 898, resgata três desses trabalhos que
explicitam alguns dos desafios a serem enfrentados pelo Brasil e as demais economias
emergentes com a emersão da indústria 4.0.

Ainda que a nova revolução industrial traga implicações importantes sobre vários
aspectos em todo os países, o momento é de muita atenção para os países emergentes,
notadamente para os da América Latina, que nas últimas décadas apresentaram uma
performance inferior a outras regiões em desenvolvimento, sobretudo, em relação ao
Leste Asiático.

Como será discutido a seguir, dois traços que são muito característicos dos países latino-
americanos – a saber, elevada desigualdade social e inserção acanhada nas cadeias
globais de valor, se comparada, por exemplo, às economias asiáticas – correm o risco de
serem aprofundados com o avanço da integração entre o mundo físico e o virtual,
possibilitada pela maior automação e robotização dos processos produtivos e o
desenvolvimento de Internet das Coisas, Big Data, inteligência artificial, além de outras
tecnologias 4.0

No primeiro estudo, a UNCTAD, em “Robots, industrialization and inclusive growth”, do


“Trade and Development Report 2017”, avalia que os impactos do aprofundamento da
automação dos sistemas produtivos por meio de robôs cada vez mais inteligentes devem
ser maiores nas economias desenvolvidas do que nas economias emergentes.

Muitos empregos, sobretudo aqueles associados a atividades rotineiras, devem


desaparecer nos países de renda alta, mas este processo pode ser, em alguma medida,
compensado pela criação de novos postos de trabalho de elevada produtividade. As
economias emergentes, contudo, não ficarão imunes. Seu emprego industrial pode ser
negativamente afetado pelo processo de reshoring de empresas transnacionais dos
países ricos.

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Esse movimento reforçaria a tendência à concentração de produto e emprego industrial
em um pequeno número de países, tornando a trajetória de upgrading industrial em
direção a atividades intensivas em conhecimento mais árdua e dificultando as trajetórias
de catching-up de produtividade e renda per capita dos emergentes.

O crescente uso de robôs, portanto, poderia ampliar desigualdades entre as nações e


dificultar a inclusão em nível internacional. Tais impactos dependeriam, contudo, do
estágio de transformação estrutural em que um determinado país se encontra, de sua
posição na divisão internacional do trabalho, de fatores demográficos e também de suas
políticas econômicas e sociais.

No segundo estudo, a OCDE, em “The Future of Global Value Chains: business as usual
or ‘a new normal’?”, trata da reestruturação das cadeias globais de valor (CGV),
fenômeno que passa pelo questionamento político nos países desenvolvidos sobre os
benefícios da globalização e pela reorientação dos modelos de desenvolvimento de
alguns países emergentes (sobretudo a China) em direção ao mercado interno, mas que
também decorre das transformações tecnológicas da indústria 4.0.

Koen de Backer e Dorothée Flaig, pesquisadores da OCDE e autores do estudo,


estimam que na próxima década o comércio internacional como % do PIB mundial caia
4,1 pontos percentuais em decorrência da dramática reestruturação das CGV, passando
de 27% em 2011 para 23% em 2030.

Quem seriam os maiores perdedores se este cenário vier a se confirmar? Como a


competitividade dos países desenvolvidos seria incrementada pelas novas formas de
produção, os impactos negativos da reestruturação das CGV se dariam mais
intensamente sobre os países emergentes.

Potenciais perdas de emprego industriais, sabidamente de melhor qualidade e maior


rendimento, e menores oportunidades de inserção no comércio internacionais por meio
de cadeias de valor significam desafios importantes que o futuro pode estar reservando
aos países latino-americanos. Por essa razão, o estudo da CEPAL, intitulado “La política
industrial 4.0 en América Latina”, de autoria de Mario Castillo, Nicolo Gligo e Sebastián
Rovira, busca propor desenhos de política de desenvolvimento industrial compatíveis à
realidade da região para potencializar as oportunidades e reduzir os desafios criados
pela indústria 4.0.

Constatando que as principais economias latino-americanas, tal como o Brasil, ainda não
alcançaram as capacidades mínimas em tecnologias habilitadoras da indústria 4.0
(conectividade, infraestrutura de armazenamento de dados, computação em nuvem, Big
Data e Internet das Coisas etc.), os pesquisadores da CEPAL defendem que propostas
de política industrial devem compreender três dimensões principais:

• inserção tecnológica internacional: conectar a região às redes tecnológicas


internacionais e transferir aos países conhecimentos e capacidades tecnológicas em
novas áreas

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• infraestrutura e regulação: elevar os níveis de investimento em infraestrutura,
particularmente em banda larga fixa e móvel de alta velocidade, assegurando a
conectividade e a velocidade requeridas pela Indústria 4.0, ao mesmo tempo em que se
avance nos marcos regulatórios e segurança para as redes virtuais

• políticas de oferta e demanda: coordenar as políticas para fortalecer capacidades


tecnológicas e promover inovações digitais nos setores produtivos, lançando mão de:
linhas de financiamento e aportes de capital às novas empresas, fomento à inovação
tecnológica, estabelecimento de centros de pesquisa e execução de programas de
compras públicas.

Industrialização e crescimento inclusivo em meio à robotização


Ainda são muitas as dúvidas acerca dos impactos da revolução digital, particularmente
da robotização, sobre as formas de organização industrial, o crescimento econômico
inclusivo, os ganhos de produtividade, a geração, destruição ou transformação de
empregos, entre outros temas. Apontar possíveis desdobramentos da robotização, parte
integrante da revolução digital em curso, é tema do capítulo III, “Robots, industrialization
and inclusive growth”, do Trade and Development Report 2017, da United Nations
Conference on Trade and Development (UNCTAD).

Todo conjunto de novas tecnologias disruptivas que marcaram as revoluções industriais


precedentes, desde a máquina a vapor até a eletricidade, o automóvel e a linha de
produção, resultou em perda de empregos e rendas menores para alguns setores e
segmentos da sociedade, ao menos no curto prazo. Todavia, no longo prazo, os frutos
das inovações se difundiram e os benefícios das novas tecnologias mais do que
compensaram seus custos. Diversos estudos atualmente se indagam a respeito dos
efeitos da nova revolução digital, particularmente sobre os processos produtivos,
decorrentes da crescente robotização.

O debate apresenta diferentes visões sobre o fenômeno e seus possíveis


desdobramentos. Alguns especialistas acreditam que os ganhos de produtividade
associados à robotização serão logo difundidos. Outros, mais pessimistas, argumentam
que os avanços em inteligência artificial e robótica desta revolução tecnológica, que
permitem a substituição em ritmo acelerado de tarefas não apenas manuais e rotineiras,
mas também cognitivas, implicam uma perda de empregos maior do que a criação de
novos empregos ao longo do tempo. Mais do que isso, aponta-se o risco de perda de
empregos de qualidade. Neste cenário, o crescimento de produtividade apenas
beneficiaria os proprietários dos robôs e da propriedade intelectual envolvida bem como
trabalhadores altamente especializados em atividades complementares à inteligência
artificial, enquanto os demais seriam forçados a empregos precários e de menor
qualificação.

Os robôs, em geral, ainda apresentam dificuldades em executar tarefas mais abstratas


ou criativas. Do ponto de vista técnico, tendem a desempenhar atividades rotineiras com
maior facilidade, o que colocaria em risco os empregos de tal natureza. Entretanto, uma
questão a se considerar acerca da substituição de trabalho por capital refere-se ao fato

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de que o que é tecnicamente viável apenas se concretizará se também apresentar
benefícios econômicos. Em outras palavras, é preciso comparar os custos da automação
com os custos da mão de obra nas atividades mais rotineiras em que os robôs podem
operar.

O setor automotivo é o que apresenta maior potencial para utilização de robôs, uma vez
que combina elevada viabilidade tanto técnica como econômica para automação de suas
atividades rotineiras. Outros setores manufatureiros, como o de eletrônicos, também
poderiam apresentar tal viabilidade. Já setores com custos de mão de obra menores,
como o de vestuário, poderiam permanecer menos robotizados, ainda que suas
atividades fossem, em grande medida, rotineiras e passíveis de robotização. Logo, a
implementação de robôs no processo produtivo varia conforme o setor, o que implica que
a distribuição dos efeitos do uso de robôs dependerá da composição estrutural de cada
economia.

Industrialização e divisão internacional do trabalho. O processo de industrialização


tem apresentado caráter assimétrico ao redor do mundo nas últimas décadas. O
aumento de atividades industriais, refletidas em maior produto e emprego industrial na
economia como um todo, tem se concentrado no Leste Asiático, sobretudo na China. Em
contrapartida, em outras economias em desenvolvimento, observa-se um processo de
estagnação da industrialização ou mesmo de desindustrialização prematura, como na
América Latina e na África.

A questão, portanto, que se coloca é quais os desdobramentos que a robótica


ocasionará. Se o uso de robôs se concentrar naqueles países em que as atividades
industriais também passaram a se concentrar, então os ganhos de produtividade e
competitividade internacional associados à robotização lhes permitirão evitar um declínio,
ou mesmo ampliar, suas próprias atividades industriais. Em decorrência disso, outros
países encontrarão dificuldades em se mover ao longo do tradicional caminho de
industrialização. Nestes países, a geração de empregos industriais tenderá a se limitar
àqueles setores em que o uso de robôs tenha permanecido restringido por razões
técnicas ou econômicas.

Segundo os autores do estudo, apesar do relativo exagero sobre o potencial da


automação baseada em robôs, o uso atual de robôs industriais ainda permanece
pequeno globalmente. Em 2015, o total estimado era de apenas 1,6 milhão de unidades.
No entanto, seu uso tem crescido rapidamente desde 2010, e estima-se que deva
exceder 2,5 milhões de unidades em 2019. A grande maioria dos robôs industriais em
operação está localizada em economias desenvolvidas, que responderam por 60% do
estoque total em 2015, com Alemanha, Japão e Estados Unidos somando 43%.

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Cabe ressaltar o rápido crescimento recente no uso de robôs industriais em economias
em desenvolvimento, notadamente na China. Entre 2010 e 2015, o estoque de robôs
industriais na China quadruplicou e, em 2015, sua parcela no estoque global (15,7%) já
superava a de Alemanha (11,2%) e a dos Estados Unidos (14,4%), permanecendo
apenas um pouco inferior à do Japão (17,6%). A participação das demais economias em
desenvolvimento não localizadas no Leste Asiático era muito baixa. Na América Latina e
Caribe, por exemplo, totalizava apenas 2%.

O uso de robôs industriais não é somente concentrado em alguns países, mas também
em alguns setores. A indústria automotiva respondeu por 40% a 45% do uso anual de
robôs entre 2010 e 2015, seguida pelos setores de computadores e equipamentos
eletrônicos (cerca de 15%), equipamentos elétricos, eletrodomésticos e componentes
(entre 5% e 10%), além do grupo de produtos químicos, de plástico e de borracha, e do
setor de máquinas industriais.

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A ampla base industrial chinesa é, em parte, responsável pela elevada parcela do país
no estoque global de robôs industriais. Todavia, a densidade de robôs, isto é, o número
de robôs industriais por empregado na indústria, é maior em países desenvolvidos e
antigos países em desenvolvimento que agora se encontram em estágios mais maduros
de industrialização, como a Coreia do Sul. Conforme este indicador, as economias em
desenvolvimento melhor classificadas são Tailândia (25ª posição), México (27ª posição),
Malásia (31ª posição) e China (35ª posição).

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A concentração de robôs em setores como o automotivo e o de eletrônicos sugere que a
automação baseada na robotização não tem afetado, até o momento, os estágios iniciais
de industrialização, isto é, atividades manufatureiras intensivas em trabalho e baseadas
nas tradicionais vantagens de custo da mão de obra. Em contrapartida, tem dificultado o
upgrading industrial posterior. Logo, os países desenvolvidos e em desenvolvimento com
ampla base industrial estão mais expostos à automação com uso de robôs do que os
países menos desenvolvidos. Argumentam os autores do estudo que, ao mesmo tempo
em que isso não invalida o papel tradicional desempenhado pela industrialização
enquanto estratégia de desenvolvimento para países de mais baixa renda, limita o
escopo destes países, assentados em setores industriais menos dinâmicos e de
menores salários, na trajetória de catching-up da produtividade e da renda per capita
com países mais avançados, sobretudo em um contexto de arrefecimento da demanda
global.

Cabe destacar que, mesmo nos países em que o uso de robôs é limitado, isto é, em que
prevalecem setores industriais intensivos em trabalho e de baixos salários, as
oportunidades de emprego e renda podem ser impactadas com o retorno das atividades
industriais para países desenvolvidos. Tal movimento, quando ocorre, tem sido

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acompanhado predominantemente por investimentos intensivos em capital, sendo a
pouca geração de emprego resultante desse processo concentrada em atividades
altamente especializadas, perfil este bastante distinto das atividades intensivas em
trabalho outrora externalizadas para economias menos desenvolvidas.

Produtividade e emprego em nível nacional. A utilização de robôs na produção está


associada com o crescimento da produtividade do trabalho. Essa correlação positiva é
observada tanto em países com maior densidade de robôs, a exemplo de Alemanha,
Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos, como em países com densidade modesta,
porém com crescentes estoques de robôs, a exemplo de China e Taiwan.

Há também indícios de uma correlação positiva entre maior utilização de robôs na


produção e maior participação da indústria no valor adicionado total da economia. Essa
relação é mais significativa para as economias cuja densidade de robôs é relativamente
maior do que para as economias cuja densidade é pequena. Vale ressaltar, porém, que
muitos países em que a utilização de robôs industriais é baixa experimentaram um
processo de desindustrialização em termos de redução da participação da indústria no
valor adicionado total. Isso reforça o argumento de que o uso de robôs tende a promover
uma concentração das atividades industriais em um pequeno número de países.

Conforme esperado, dada a relação positiva entre o uso de robôs e a produtividade do


trabalho, observa-se uma relação negativa, embora tênue, entre a variação no uso de
robôs e a variação da indústria no emprego total. Em alguns países cuja densidade de
robôs é elevada, como Alemanha e Coreia do Sul, bem como países em que o estoque
de robôs tem sido crescente, como China, houve aumento, ou apenas uma pequena
redução, da participação da indústria no emprego total. China e Alemanha, inclusive,
experimentaram um aumento no número absoluto de empregos industriais, enquanto a
Coreia do Sul registrou um leve declínio.

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Em termos de salários reais, o trabalho da UNCTAD não verificou uma relação muito
clara entre variações no uso de robôs industriais e variações de salários reais na
indústria para o grupo de países considerados. Maior utilização de robôs esteve
associada com crescimento de salário real em todas as economias, exceto México,
Portugal e Cingapura, que registraram pequenas reduções. O crescimento de ambos –
salários reais e uso de robôs industriais – foi particularmente significativo para a China
(cerca de 150% e 55%, respectivamente). É sempre válido lembrar, no entanto, que
correlação não implica causalidade entre as variáveis.

Os resultados anteriores indicam que os impactos de um processo de automação


baseado na utilização de robôs sobre diversos aspectos da indústria variam
enormemente entre os países. Tais impactos, de acordo com a UNCTAD, dependem
claramente de condições específicas a cada país, incluindo arranjos institucionais,
condições macroeconômicas e iniciativas específicas de cada um em relação à robótica.
As políticas econômicas, por exemplo, afetam o impacto da automação sobre a demanda
agregada. Se os ganhos de produtividade são distribuídos e os salários reais crescem
em linha com o crescimento da produtividade, a automação tenderá a aumentar o
consumo privado, a demanda agregada e o emprego total da economia.

Mesmo se este não for o caso, para alguns países o emprego pode ainda se manter
estável ou mesmo aumentar se a oferta adicional resultante do crescimento da
produtividade baseado na automação for absorvida por acréscimos na demanda externa
via exportações. Neste caso, no entanto, quaisquer efeitos adversos da automação
sobre emprego e renda seriam transferidos a outros países por meio do comércio, como
parece ser, em parte, os casos de Alemanha e México.

Os efeitos que o uso de robôs industriais pode causar e como lidar com tais efeitos ainda
dividem a opinião de estudiosos sobre o tema. Alguns especialistas sugerem que reduzir
a automação ao taxar robôs daria à economia mais tempo para se ajustar, ao mesmo
tempo em que geraria receitas fiscais para financiar o ajuste. Porém, tal imposto
dificultaria os usos mais benéficos dos robôs: aqueles em que robôs e trabalhadores são
complementares, e aqueles que poderiam levar à criação de novos produtos e empregos
baseados na robótica.

Outros especialistas sugerem, com base na preocupação de que os robôs venham a


dominar as atividades de maior produtividade e salário comparativamente às atividades
em geral a serem realizadas pelos trabalhadores, promover por meio de políticas uma
distribuição mais equitativa dos benefícios advindos com o uso crescente dos robôs.
Caso contrário, uma vez não controlado o uso dos robôs, seus efeitos distributivos iriam
no sentido de aumentar a parcela da renda destinada aos proprietários dos robôs e de
sua propriedade intelectual, exacerbando, assim, as desigualdades já existentes.

A robotização também poderia criar novas oportunidades de desenvolvimento. O avanço


de robôs colaborativos, os chamados cobots, poderia ser eventualmente benéfico a
pequenas empresas, uma vez se adaptando rapidamente a novos processos e
requerimentos de produção. A combinação entre robôs e impressão tridimensional (3D)
poderia criar possibilidades adicionais para empresas industriais pequenas a fim de

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superar limitações de tamanho na produção e, assim, conduzir negócios em escala
ampliada. Ao mesmo tempo, a robotização poderia levar à fragmentação da oferta global
e do comércio internacional de serviços, abrindo novas oportunidades de estratégias de
desenvolvimento para economias menos desenvolvidas, embora permaneçam incertos
os efetivos ganhos em termos de emprego, renda e produtividade que os serviços
digitais podem ocasionar, sobretudo se comparados aos tradicionalmente gerados pelas
atividades industriais. Cabe ao conjunto de políticas a serem adotadas ponderar os
riscos e benefícios da robotização a fim de escolher qual caminho trilhar.

Indústria 4.0 e o Futuro das Cadeias Globais de Valor


O crescimento das cadeias globais de valor (CGV) tem sido um importante motor da
globalização desde as últimas décadas. No entanto, desde a segunda metade dos anos
2000, tem-se observado diversos sinais de estagnação do comércio internacional.

A fim de compreender quais são as mudanças por que passam as cadeias de produção
organizadas em âmbito mundial e quais serão seus efeitos sobre o comércio
internacional nos próximos 10 a 15 anos, o trabalho da OCDE intitulado “O futuro das
cadeias globais de valor” e realizado por Koen de Backer e Dorothée Flaig, identifica as
forças a favor da importância crescente das CGV, preservando um quadro de business
as usual” bem como as forças que atuarão na direção oposta, pressionando para a
formação de um “novo normal”.

Segundo os autores, os motivos para essa relativa estagnação do comércio internacional


podem ser organizados em três blocos.

1. O primeiro deles relaciona-se com o crescente questionamento político dos


impactos positivos da globalização e de sua relação com o aumento da produtividade, o
crescimento econômico e a geração de emprego tanto em países desenvolvidos como
em emergentes. Como resultado deste questionamento, observa-se a proliferação no
cenário pós crise de 2008, de medidas de protecionismo em inúmeros países.

2. O segundo motivo diz respeito aos impactos que as transformações tecnológicas


em curso (subjacentes, grosso modo, à Indústria 4.0) na reconfiguração dos
determinantes da competitividade relativa entre países e regiões. Segundo esta
interpretação, tecnologias como digitalização, robotização, manufatura aditiva,
inteligência artificial, entre outras, seriam responsáveis por diminuir as vantagens de
custo (principalmente de mão de obra) dos países emergentes, o que teria impactos nas
estratégias de outsourcing global da produção.

3. Já o terceiro motivo que pode contribuir para a recente redução da importância


relativa das CGV são as próprias transformações estruturais nos modelos de
desenvolvimento de alguns países emergentes, com especial destaque para a China. De
maneira geral e com diferentes graus de aprofundamento, pode-se dizer que estes
países têm reorientado seu modelo de crescimento cada vez mais para a construção de
um mercado interno de massas, em detrimento de um modelo baseado apenas na
exportação de produtos de baixo custo.

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Assim, em virtude das transformações das configurações nas CGV, os pesquisadores da
OCDE esperam que nos próximos 10 a 15 anos a economia mundial sinta importantes
impactos na relação entre comércio internacional, crescimento da produtividade, geração
de emprego e crescimento do PIB. É neste sentido que o trabalho da OCDE procura
analisar os impactos de um conjunto de potenciais transformações na economia mundial
(tecnológicas, produtivas, de estrutura de demanda, de custos etc.) no futuro das CGV.
Inicialmente, são analisadas as influências de fatores favoráveis ao avanço das cadeias
globais, formando um quadro de “business as usual”. Já no cenário denominado “novo
normal”, são analisados fatores que tendem a contribuir para a redução da importância
relativa das CGV.

“Business as usual”. Apesar das tendências gerais de modificações das CGV nos
últimos anos e da consequente redução da importância relativa do comércio
internacional como motor do crescimento global, inúmeros fatores de natureza
tecnológica e econômica podem contribuir positivamente para o crescimento a o
aumento da complexidade destas cadeias nos próximos 10 a 15 anos.

Dentre destes fatores, mais importante é o crescimento exponencial de acordos


internacionais de comércio exterior e de investimento bilaterais e regionais, que se
multiplicaram desde a década de 1990. Em decorrência das dificuldades de avanços nas
negociações multilaterais na Rodada de Doha, as estratégias comerciais de diversos
países, desde então, têm concentrado esforços no sentido de promover acordos
bilaterais e regionais. Dentre eles, cabe citar as inúmeras iniciativas envolvendo
fundamentalmente países da região do Pacífico, com especial destaque para os
asiáticos. Vale destacar ainda que tais acordos têm proliferado mesmo em um cenário de
crescente questionamento político nos países desenvolvidos sobre os benefícios da
globalização e do aumento generalizado de alguns expedientes protecionistas no
período pós crise de 2008.

Assim como a proliferação de acordos comerciais, o desenvolvimento e a difusão de


novas tecnologias de comunicação tendem a contribuir positivamente para o incremento
da importância das CGV. De maneira geral tecnologias como big data, rastreamento via
RFID, melhores tecnologias de comunicação, entre outras tendem a otimizar a
capacidade de gestão de diversas etapas de cadeias complexas (como produção, gestão
de estoque, logística, vendas etc.) e geograficamente bastante dispersas.

Outro elemento de natureza tecnológica que pode contribuir positivamente para o


incremento da importância das CGV é o processo de desenvolvimento dos serviços. Isso
porque na medida em que o avanço tecnológico torna as fronteiras entre indústria
manufatureira e de serviços (de TI, financeiros, de entretenimento etc.) cada vez mais
fluídas, observa-se que a oferta de soluções completas, ao invés de apenas produtos
físicos, se configura como importante elemento de agregação de valor e fonte de
diferencial competitivo. Neste quadro, dada a crescente capacidade de digitalização dos
serviços, estes são crescentemente passíveis de terem seu processo produtivo
fragmentado e serem organizados em CGV. Como caso precursor desta tendência pode-
se destacar a terceirização de atividades de geração de linhas de código para as
empresas indianas de TI.

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Duas mudanças importantes nos países emergentes também podem contribuir para o
crescimento das CGV nos próximos 10 a 15 anos: o surgimento de novos produtores de
baixo custo e o crescimento da demanda interna nestes países.

Com o avanço da industrialização e do desenvolvimento tecnológico em alguns países


emergentes (notadamente a China), observa-se um movimento recente de terceirização
de atividades de produção e montagem de produtos intensivos em trabalho para novas
localidades como Vietnã e Camboja. Tais países, utilizando-se de uma abundante oferta
de mão de obra, inserem-se em elos das CGV cujo custo do trabalho se configura como
principal diferencial competitivo.

Igualmente como resultado dos impactos positivos derivados da integração dos países
asiáticos nas CGV durante as últimas décadas, vislumbra-se desde então um
crescimento exponencial de seus mercados consumidores domésticos. Com a
emergência de uma nova classe média principalmente na China e na Índia, espera-se
que a participação da Ásia (excluindo o Japão) no total dos gastos mundiais da classe
média aumente de 10% em 2000 para algo em torno de 40% em 2040 e 60% no longo
prazo. Apesar do impacto que tal crescimento possa ter na demanda por produtos
importados oriundos de CGV, espera-se também que parcela importante desta demanda
seja atendida pela produção local.

Outro resultado deste processo de desenvolvimento econômico nos emergentes é a


proliferação de empresas multinacionais com sedes nestes países. Segundo estimativas
do McKinsey Global Institute, em 2025 os emergentes concentrarão cerca de metade do
total de empresas multinacionais. Como decorrência deste crescimento, as
multinacionais de países emergentes têm ampliado substancialmente seus investimentos
globalmente, contribuindo para o fortalecimento das CGV.

Um “novo normal” das CGV. De maneira oposta aos fatores apresentados


anteriormente, incertezas acerca dos futuros custos da participação nas CGV têm levado
empresas multinacionais a reavaliarem suas estratégias de sourcing. É neste sentido
que se destacam movimentos de incentivo à produção local e busca pela concentração
regional da produção em sites próximos dos mercados consumidores.

Um primeiro elemento que pode contribuir para estabelecimento de um “novo normal”


nas CGV é a mudança das condições nos países emergentes, principalmente no que diz
respeito à redução do diferencial de custos destes em relação aos desenvolvidos. Tal
fato é explicado pelo crescimento exponencial dos custos salariais por hora,
principalmente na China - cerca de 15% a 20% ao ano na região leste chinesa. No
entanto, vale destacar que em inúmeros setores ainda se observa um crescimento da
produtividade por hora acima do crescimento dos salários e que estes ainda se situam
em patamares bastante baixos quando comparados aos dos países desenvolvidos –
representando cerca de 9% do custo salarial dos EUA.

Adicionalmente, cumpre lembrar que uma eventual erosão da competividade dos atuais
países integrantes das CGV em setores intensivos em mão de obra não implicaria
necessariamente em uma estratégia de deslocamento das atividades produtivas para os

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países desenvolvidos. Isso porque, conforme já fora mencionado, atualmente está em
curso um processo de reorganização destas CGV intra continente asiático, com o
deslocamento de atividades intensivas em mão de obra de baixo custo para novos
integrantes das CGV como Vietnã e Camboja.

Apesar deste movimento reforçar a competitividade das CGV, é crescente o número de


empresas que tem reavaliado os custos extras e dificilmente mensuráveis associados ao
processo de fragmentação internacional da produção. Dentre estes destacam-se custos
associados à necessidade de manutenção de estoques (dada a complexidade e
amplitude das CGV e as flutuações de demanda), alguns problemas de qualidade, a
baixa garantia de direitos de propriedade intelectual nos países emergentes, o risco de
transferência de tecnologia para potenciais futuros concorrentes, além daqueles riscos
relacionados a uma variedade de choques externos como desastres naturais. É
exatamente com o intuito de minimizar estes riscos que se situam estratégias inclusive
de multiplicar o número de fornecedores nas CGV para o mesmo conjunto de atividades.

De maneira adicional algumas empresas, principalmente em setores ligados à


engenharia, têm mostrado preocupação crescente com o potencial impacto negativo que
o distanciamento geográfico entre a realização de atividades manufatureiras e inovativas
pode ter nas últimas. Uma vez que a maior parte das atividades de maior intensidade
tecnológica é realizada nas matrizes, em alguns setores admite-se que o descolamento
entre estas e a produção tende a reduzir a capacidade de inovação da empresa no longo
prazo.

No que diz respeito à dimensão tecnológica, o desenvolvimento de algumas áreas


associadas à emergência da Indústria 4.0 parece ser um dos principais fatores a
contribuir decisivamente para o estabelecimento de um “novo normal” nas CGV.

Assim, a novas tecnologias de informação como internet das coisas, computação em


nuvem e big data, também podem contribuir para a redução das CGV. Isso porque a
combinação destas tecnologias permite a ampliação substancial da robotização do
processo produtivo. Com a utilização de robôs cada vez mais complexos dotados de
inteligência artificial, a gama de atividades passíveis de serem realizadas por estes
amplia-se para além daquelas tradicionalmente rotineiras e repetitivas. Deste modo, a
adoção destas tecnologias contribui para a redução do diferencial competitivo de países
emergentes com oferta abundante de mão de obra barata.

É exatamente neste cenário que devem ser compreendidas as estratégias de países


desenvolvidos no sentido de incrementar a competitividade manufatureira doméstica e,
assim, incentivar indiretamente o fortalecimento das atividades produtivas locais. A
despeito dessa reação dos países desenvolvidos, também cabe destacar a estratégia de
política industrial chinesa de incentivar a ampla e massiva implementação da robotização
em seu parque produtivo com o intuito de assegurar sua competitividade em escala
internacional.

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Ainda na dimensão tecnológica, a emergência de técnicas produtivas que permitem a
migração da produção em massa para a customização em massa pode contribuir
decisivamente para a reorganização das CGV em alguns segmentos – principalmente
aqueles de alto valor agregado, baixo volume de produção, baixas economias de escala
e baixa capacidade de automação utilizando tecnologias tradicionais. A partir da
utilização de ferramentas como impressão 3D, tais transformações poderiam viabilizar,
no longo prazo, a aproximação geográfica entre consumo e produção, reduzindo os
custos inerentes à gestão de uma CGV e permitindo o aumento exponencial das
possibilidades de agregação de valor aos produtos via customização.

Por fim, potencializando este cenário de tendências de diminuição da importância relativa


das CGV, ainda se pode destacar a tendência de aumento dos custos de transporte
dadas as políticas de desestímulo de uso de combustíveis fósseis.

Um cenário combinado. Depois de analisar qualitativamente os fatores que tendem a


fortalecer as CGVs (“business as usual”) e aqueles que atuam em direção contrária
(“novo normal”) o trabalho da OCDE procura mensurar empiricamente quais seriam os
impactos da combinação destes dois grupos de fatores nas CGV nos próximos 10 a 15
anos.

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De maneira geral o trabalho conclui que os impactos negativos, aqueles do cenário “novo
normal”, são dominantes, o que implicaria em uma dramática reestruturação das CGVs.
Como resultado seria verificada uma redução das exportações totais, do sourcing de
bens intermediários e uma queda de 4,1 pontos percentuais da relação comércio exterior
/ PIB mundial em 2030.

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Os impactos desta reestruturação, por sua vez, seriam mais intensos nos países
emergentes, com o incremento da competitividade relativa dos países desenvolvidos,
particularmente dos EUA (que aumentariam sua participação na produção global).

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Ainda segundo as estimativas dos pesquisadores da OCDE, os principais fatores
responsáveis por esta restauração da competitividade dos países desenvolvidos
decorreriam da adoção de tecnologias como robotização, digitalização, inteligência
artificial, impressão 3D, entre outras. De maneira adicional, porém bem menos intensa, o
aumento dos salários nos emergentes também contribuiria para este processo. Já o
crescimento exponencial da classe média em países emergentes favoreceria o
fortalecimento do comércio regional (principalmente na Ásia). Mas, de maneira geral,
pode-se esperar que parcela importante do crescimento da demanda viabilizada pelo
surgimento desta classe média seja atendida por produtores locais, com impacto
relativamente menor nas CGV.

América Latina entre riscos e oportunidades da Indústria 4.0


A Indústria 4.0 se caracteriza por integração físico-virtual possibilitada pelos avanços
tanto em tecnologias de operação, responsáveis por maior automação e robotização dos
processos produtivos, como tecnologias de informação, incluindo Internet das Coisas,
análise de Big Data e sistemas de inteligência artificial. Seus impactos têm se traduzido
em transformações dos modelos manufatureiros tradicionais, desde robotização nas
fábricas até processos mais complexos e autônomos ao longo da cadeia de valor.

O trabalho “La política industrial 4.0 en América Latina”, de autoria de Mario Castillo,
Nicolo Gligo e Sebastián Rovira, um dos capítulos de “Políticas industriales y
tecnológicas en América Latina”, publicado pela Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (CEPAL) em 2017, discute os avanços que vêm ocorrendo nos países
desenvolvidos e, de maneira ainda incipiente, na América Latina sobre o fenômeno da
Indústria 4.0 para, diante disso, propor desenhos de política industrial compatíveis à
realidade da região.

A análise da Indústria 4.0 em nível internacional envolve cinco dimensões: (i) o impacto
econômico da Indústria 4.0; (ii) a velocidade da mudança tecnológica; (iii) os desafios
para o desenvolvimento da Indústria 4.0; (iv) a liderança da Indústria 4.0; e (v) a relação
entre automação e desemprego.

Os avanços de cada uma das tecnologias associadas à Indústria 4.0, bem como a
interação entre elas, produzem mudanças disruptivas nos processos produtivos, com
impactos diretos em termos de produtividade, custos e emprego. Também possibilitam
maior flexibilidade na produção e surgimento de novos produtos, serviços e modelos de
negócios. Há diversas estimativas de empresas de consultoria sobre esses impactos,
apontando para importantes ganhos de produtividade e redução de custos de produção,
sobretudo em países como Alemanha, mas também Estados Unidos e Japão, a partir da
implementação das tecnologias digitais nos processos produtivos.

A inter-relação entre as novas tecnologias, característica da Indústria 4.0, facilita sua


rápida difusão, cuja evolução cresce a taxas exponenciais e mais rapidamente que
ondas tecnológicas anteriores. As projeções indicam que a consolidação da quarta
revolução industrial ocorrerá em torno de uma década. Cinco fatores, considerados
chaves para a consolidação da Indústria 4.0, têm apresentado evolução positiva. São

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eles: (i) maior viabilidade técnica das soluções tecnológicas para automação interativa de
processos, atividades e tarefas; (ii) menores custos econômicos das plataformas e
soluções de hardware e software; (iii) melhora na rentabilidade econômica de
alternativas de automação como consequência de restrições de oferta e maiores custos
trabalhistas; (iv) obtenção de benefícios econômicos associados a uma maior eficiência,
melhor qualidade e redução de custos; e (v) contexto regulatório favorável.

Há, no entanto, elementos que ainda se apresentam como desafios bastante relevantes
ao desenvolvimento da Indústria 4.0. Destacam-se quatro: (i) definição de padrões de
comunicação e garantia de segurança das redes frente à transmissão de dados e
interoperabilidade entre sistemas; (ii) capacidade analítica de elevado volume de dados,
por meio de algoritmos, aplicações e soluções que permitam analisar e administrar os
dados coletados por milhares de sensores conectados a máquinas e sistemas; (iii)
infraestrutura das redes de comunicação dentro das empresas e das empresas com o
ambiente externo, melhorando as condições de conexão e acesso em termos de largura
de banda, velocidade e latência; e (iv) disponibilidade de recursos humanos qualificados,
com conhecimentos específicos para desenvolvimento, implementação e uso das novas
tecnologias digitais.

A Indústria 4.0 tem sido liderada por consórcios de empresas internacionais


especializadas em automação industrial, hardware e software, e seu desenvolvimento
tem se concentrado em países que apresentam um ecossistema digital sofisticado e
fortes alianças público-privadas. Encabeçam o desenvolvimento das novas tecnologias
Estados Unidos, Alemanha, Japão e China, nos quais há importantes iniciativas de
políticas públicas relacionadas à Indústria 4.0.

Em diversas economias avançadas, observa-se clara redução de empregos industriais,


tendência que deve se acentuar com o rápido desenvolvimento das tecnologias
associadas à Indústria 4.0. Com a queda dos custos de processamento e
armazenamento computacional e o extraordinário avanço alcançado pelas tecnologias
de inteligência artificial e robótica, é crescente a automação de tarefas cognitivas antes
realizadas apenas por pessoal qualificado. Os impactos negativos da automação sobre o
mercado de trabalho em termos da quantidade de empregos, sobretudo rotineiros, já são
esperados. Ao mesmo tempo, contudo, argumenta-se que as inovações têm o potencial
de aumentar a produtividade e promover a criação de novos postos de trabalho com
características distintas às das ocupações tradicionais, de modo que novas habilidades
profissionais para manejar e administrar as novas tecnologias sejam requeridas.

A Indústria 4.0 na América Latina. A Indústria 4.0 nos países latino-americanos se


encontra em fase incipiente. Ainda é baixa a adoção de tecnologias digitais nos
processos produtivos. As atividades digitais na região estão mais associadas ao
consumo – por meio do uso da Internet para jogos, redes sociais e comércio eletrônico –
do que à produção, cuja automação é baixa. Coloca-se inclusive o risco de que o
diferencial tecnológico entre países latino-americanos e países avançados se amplie nos
próximos anos, uma vez que os países da região não alcançaram, simultaneamente, as
capacidades mínimas requeridas por cinco das principais tecnologias habilitadoras da
Indústria 4.0. Tais tecnologias incluem: conectividade, infraestrutura de armazenamento

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de dados, computação em nuvem, análise de Big Data e Internet das Coisas. A
velocidade de conexão e a densidade de sensores e robôs na região, por exemplo,
encontram-se bastante aquém do observado em países avançados.

Este atraso tecnológico se traduz em baixo nível de digitalização dos setores industriais
na América Latina. A Indústria 4.0 apresenta, todavia, elevado potencial de mudança
estrutural dos setores. Seu uso por parte de empresas na região, embora limitado,
encontra-se em setores, tais como a indústria automotiva no México e no Brasil, a
indústria florestal e extrativa mineral no Chile, a agroindústria na Argentina, além dos
setores de energia elétrica, comércio varejista e serviços de logística em diversos países.
A região também carece de mais iniciativas públicas relacionadas à implementação e
difusão da Indústria 4.0.

A Indústria 4.0, aliás, consiste em importante aliado para enfrentar os desafios de


produtividade e competitividade das economias da região, considerando a necessidade
de diversificação produtiva, a crescente urbanização e o envelhecimento da população.
Identifica-se, porém, a baixa qualidade do sistema educacional como principal obstáculo
para que a região se adapte às mudanças tecnológicas. Há fortes restrições de oferta de
recursos humanos qualificados e, portanto, a necessidade de formação de trabalhadores
adaptados às novas demandas tecnológicas. É necessário que, em paralelo à maior
oferta de trabalhadores com nível educacional mais elevado, também ocorra um
incremento das atividades que demandem essas capacidades. Logo, educação e
capacitação, por um lado, e mudança estrutural da base tecnológica, por outro, devem
caminhar juntas para que se produzam efeitos significativos sobre a economia.

A Política Industrial. Neste contexto, cabe se perguntar sobre qual o melhor momento
de intervir com uma política industrial 4.0. Ao se esperar para apoiar a transferência
tecnológica somente de inovações consolidadas, pode-se perder as vantagens
associadas ao líder de uma determinada tecnologia e mesmo ampliar o atraso
tecnológico em relação aos países desenvolvidos e demais competidores. Por outro
lado, ao se fomentar a rápida adoção de novas tecnologias, pode-se incorrer no risco e
nos custos de promover tecnologias que não se transformem na trajetória tecnológica
dominante. Sob incerteza tecnológica, cabe avançar em uma política industrial 4.0 mais
flexível e inovadora, preparando as empresas para avaliar as tecnologias, fazer bom uso
delas, inserir-se na discussão mundial e acelerar os processos de difusão e adoção de
novas tecnologias.

Também cabe se perguntar sobre o enfoque da política industrial, se concentrado em


esforços para se adotar as tecnologias estrangeiras ou para aproveitar as oportunidades
abertas pelas novas tecnologias e pular esta etapa promovendo o desenvolvimento de
tecnologias próprias. Esta última possibilidade depende das características dos países,
setores, empresas e tecnologias em um contexto de trajetória tecnológica ainda incerto.
Vale ressaltar que as diferenças entre países e entre setores de um mesmo país na
América Latina são grandes em relação à adoção das tecnologias da Indústria 4.0.
Recomenda-se, portanto, desenhar uma política de apoio que contemple tanto a

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transferência e catching-up tecnológico como também mecanismos para desenvolver
inovações em setores estratégicos, atentando-se às distintas realidades dos países da
região.

Para o desenho de política, é importante distinguir três categorias de empresas que


participam da Indústria 4.0:

1. Pelo lado da oferta, encontram-se as empresas provedoras de automação


industrial, sobretudo estrangeiras, com elevada taxa de inovação de produtos, embora
com incerteza acerca dos padrões de desenho dominantes.

2. Pelo lado da demanda, estão as empresas industriais locais usuárias que se


aproveitam das novas aplicações tecnológicas para melhorar processos e sua operação
na cadeia de valor.

3. Pelo lado da infraestrutura, identificam-se empresas locais e estrangeiras de


hardware, software e redes de comunicação que oferecem as plataformas de integração
de sistemas e comunicação.

A participação de empresas latino-americanas em consórcios internacionais referentes a


temas da Indústria 4.0, como segurança e interoperabilidade, assim como a construção
de espaços de colaboração público-privados na região com o objetivo de promover
inovações industriais por meio da interação entre empresas provedoras e usuárias de
tecnologias se configuram em importantes iniciativas de política.

Proposta de Política Industrial 4.0. Os impactos de uma política industrial 4.0,


notadamente sobre produtividade, diversificação produtiva e sustentabilidade ambiental,
dependerão de seu desenho, alcance e implementação, bem como da evolução e
maturidade de cada componente do ecossistema – leia-se, cadeia de valor – da Indústria
4.0. Tal ecossistema é constituído por três componentes principais, a saber,
infraestrutura, plataformas e usuários, cujo grau de desenvolvimento determinará o tipo
de políticas públicas necessárias em cada país.

A infraestrutura fornece as bases para a conectividade local e internacional a partir de


redes de banda larga. As plataformas da Indústria 4.0 abrangem indústrias e serviços,
como eletrônica, software e análise de Big Data, que permitem a implementação das
aplicações digitais em âmbito industrial. Os usuários se referem às empresas e
comunidades que, mediante sua demanda por serviços e aplicações, definirão o grau de
absorção das tecnologias digitais. Permeia esse ecossistema da Indústria 4.0 a base
institucional da economia, isto é, fatores comuns a distintos mercados e atividades.
Diante disso, os investimentos na Indústria 4.0 terão impacto maior na medida em que
sejam acompanhados por políticas que assegurem o desenvolvimento de fatores
institucionais complementares, por exemplo, nas esferas macroeconômica, de recursos
humanos e de inovação.

As propostas de política industrial devem atuar sobre fatores críticos à implementação do


ecossistema da Indústria 4.0, reunidos em três dimensões principais. São elas:

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1. inserção tecnológica internacional: conectar a região às redes tecnológicas
internacionais e transferir aos países conhecimentos e capacidades tecnológicas em
novas áreas

2. infraestrutura e regulação: elevar os níveis de investimento em infraestrutura,


particularmente em banda larga fixa e móvel de alta velocidade, que permita a
conectividade e transferência de dados no montante e na velocidade requeridos pela
Indústria 4.0 ao mesmo tempo em que se avance na garantia de marcos regulatórios e
segurança para as redes virtuais

3. políticas de oferta e demanda: coordenar as políticas para fortalecer capacidades


tecnológicas e promover inovações digitais nos setores produtivos por meio de um
conjunto de instrumentos governamentais de apoio, dentre os quais se destacam linhas
de financiamento e aportes de capital às novas empresas, fomento à inovação
tecnológica, estabelecimento de centros de pesquisa e execução de programas de
compras públicas.

Por fim, dado o atraso tecnológico e a elevada heterogeneidade digital entre os países
latino-americanos, torna-se imprescindível uma maior cooperação e coordenação
regional. Uma iniciativa inédita na região para abordar este desafio consiste na agenda
digital para a América Latina e o Caribe (eLAC 2018), que fomenta o uso de tecnologias
digitais como instrumentos para o desenvolvimento sustentável. Aos fatores críticos ao
desenvolvimento da Indústria 4.0 na América Latina, relacionados a questões de
infraestrutura, capacidades tecnológicas e governança, cabem respostas conjuntas e
articuladas em âmbito regional, envolvendo todas as partes interessadas na Indústria
4.0, como governo, setor privado e academia.

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