Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
4
O pós-fordismo e as novas teorias
da firma e da tecnologia
Economias de velocidade
A difusão das TIC permite o que Chandler (1977:281) considera como
fundamental para assegurar o sucesso de qualquer sistema produtivo intensi-
vo em capital: economias de velocidade. A redução do tempo necessário para
completar um processo produtivo permite transformar custos fixos elevados
em baixos custos unitários. A economia de capital de giro, a rapidez de aten-
dimento ao cliente e o aumento da produtividade são os principais benefí-
cios. Ao contrário das economias de escala, que somente grandes empresas
podem capitalizar, as economias de velocidade podem beneficiar também
empresas de pequeno porte. A economia de tempo pode ser obtida aplican-
do TIC em processos comuns a todas as empresas, como compra de supri-
mentos, processamento de vendas, transferência de recursos financeiros,
desenvolvimento e distribuição de produtos e serviços. A redução do tempo
necessário para realizar essas atividades permite diminuir o capital de giro
empregado nos estoques intermediários e finais, tornando o fluxo produti-
vo mais contínuo e mais próximo dos princípios do just in time. Com sistemas
integrados em tempo real, o lead time e o tempo de espera diminuem significa-
tivamente, pois aumenta o nível de sincronismo entre as atividades da organi-
zação. A Internet permite a aceleração dos fluxos comerciais e financeiros ao
permitir a comunicação em tempo real entre agentes econômicos, melhoran-
do sensivelmente a integração produtiva e logística tanto a montante como a
jusante da cadeia produtiva.
Economias externas
Vimos no primeiro capítulo que Marshall reconhecia as economias externas à
empresa como fundamentais para o sucesso dos distritos industriais do século
Capítulo 4: O pós-fordismo e as novas teorias da firma e da tecnologia 57
Neosschumpeterianos e evolucionistas
A origem das teorias econômicas conhecidas como evolucionistas ou
neosschumpeterianas é dupla: por um lado, Freeman (1974) resgata o estu-
do dos ciclos econômicos de Schumpeter, mostrando como a difusão de
inovações está no centro dos movimentos cíclicos da economia mundial. Por
outro lado, Nelson e Winter (1982) iniciaram uma linha de investigações,
apoiada em Schumpeter, Simon, Penrose e Marris e em conceitos transpos-
tos da biologia evolucionista, visando a incorporar a questão tecnológica das
teorias da firma. A partir de então, uma massa crítica de pesquisadores em
todo o mundo vem contribuindo para essa corrente do pensamento conhe-
cida como neosschumpeteriana ou evolucionista.
A transposição de conceitos derivados das “ciências duras”, como a física e
a biologia, para a economia foi inicialmente proposta por Marshall. Apesar
de optar pela mecânica newtoniana, ele acreditava que a analogia mais ade-
quada seria com a biologia, mas considerava esta ciência complexa demais
para ser transposta para a economia.
A linguagem evolucionista ou desenvolvimentista tem sido uma metáfora
muito usada por economistas para descrever como a estrutura de uma econo-
mia muda ao longo do tempo. Indivíduos e organizações são entidades que
“aprendem”. Economistas costumam caracterizar certas indústrias como “jo-
58 Gestão da Inovação
vens” e outras como “maduras”. Mas essas metáforas não derivam propriamen-
te da biologia evolucionista, pois o conceito geral de evolução, adotado pelos
economistas, era conhecido antes mesmo de sua aplicação na biologia.
As teorias evolucionistas distinguem-se das teorias neoclássicas e das teo-
rias da organização industrial por descartarem hipóteses básicas do pensa-
mento econômico convencional. Três princípios podem ser destacados como
chaves para entender as teorias evolucionistas (Coriat e Weinstein, 1995).
O primeiro é que, seguindo Marx e Schumpeter, consideram que a dinâ-
mica econômica é baseada em inovações em produtos, processos e nas formas
de organização da produção. Reforçam a ideia de que as inovações não são
necessariamente graduais, podendo assumir caráter radical. Nesse caso, pro-
vocam grande instabilidade ao sistema econômico, alternando períodos de
crise e de prosperidade. A aplicação do conceito de paradigmas científicos
de Thomas Kuhn no estudo da evolução da ciência à economia assume várias
terminologias, tais como paradigma tecnológico (Dosi, 1982) e paradigma
técnico-econômico de Carlota Perez. Eles querem denotar a essência descon-
tínua atribuída ao crescimento econômico ao longo da história em função da
inovação tecnológica.
Em segundo lugar, os evolucionistas descartam o princípio de racionalidade
invariante (ou substantiva) dos agentes econômicos. Tomando por base as ideias
de Simon, os evolucionistas criticam as hipóteses de racionalidade substantiva
que predefine o comportamento dos agentes econômicos segundo o princí-
pio da maximização. O conceito de maximização não é considerado útil, pois
supõe um perfeito conhecimento do mercado pelos agentes econômicos. Os
evolucionistas apontam para a necessidade de desenvolver uma visão dos agen-
tes constituída de indivíduos e firmas distintas dotadas de características
cognitivas próprias. A diversidade conduz à ideia de racionalidade procedural,
ou seja, que a ação dos agentes se materializa ao longo do processo de negóci-
os e que, portanto, não pode ser predefinida. A capacitação de uma empresa
é resultante do processo de aprendizado ao longo das interações com o mer-
cado e novas tecnologias, permitindo o estabelecimento de rotinas dinâmicas.
Terceiro, rejeita qualquer tipo de equilíbrio de mercado, conforme pro-
posto pela teoria neoclássica, na medida em que não é possível alcançá-lo em
ambiente coletivo de flutuações de agentes individuais com rotinas e capa-
citações distintas. Isso leva à critica da propriedade de auto-organização da
firma, em resposta às flutuações do mercado, uma ideia defendida até hoje
por autores neoclássicos.1 Os mercados, segundo os evolucionistas, não são
Capítulo 4: O pós-fordismo e as novas teorias da firma e da tecnologia 59
Aprendizado cumulativo
A aprendizagem pode ser definida como um processo no qual a repetição
e a experimentação fazem com que, ao longo do tempo, as tarefas sejam
efetuadas de forma mais rápida e melhor e que as novas oportunidades ope-
racionais sejam efetivamente experimentadas. A aprendizagem é cumulativa
e coletiva (no âmbito da firma) e depende fundamentalmente de rotinas
organizacionais codificadas ou tácitas. As rotinas constituem o fator deter-
minante do comportamento das firmas. Uma vez estabelecidas, elas substi-
tuem a necessidade de coordenação hierárquica rígida, permitindo a coerên-
cia das decisões por indivíduos que conhecem seu trabalho, interpretam e
respondem corretamente às mensagens que recebem. Cabe diferenciar as ro-
tinas estáticas, que são simples repetição das práticas anteriores, das rotinas
dinâmicas, que permitem incorporar novos conhecimentos. Os conhecimen-
Capítulo 4: O pós-fordismo e as novas teorias da firma e da tecnologia 61
Caso 4.1
• A bitola das ferrovias (distância entre os dois trilhos) nos Estados Unidos é de 4 pés e
8,5 polegadas.
• Por que esse número “mágico” foi utilizado? Porque essa era a bitola das ferrovias
inglesas e, como as americanas foram construídas pelos ingleses, esta foi a medida
utilizada.
• Por que os ingleses usavam essa medida? Porque as empresas que construíam os
vagões eram as mesmas que construíam as carroças, antes das ferrovias e se utilizavam
dos mesmos ferramentais das carroças.
• Por que essas medidas (4 pés e 8,5 polegadas) para as carroças? Porque a distância
entre as rodas das carroças deveria servir para as estradas antigas da Europa, que
tinham essa medida.
• E por que tinham essa medida? Porque essas estradas foram abertas pelo antigo
Império Romano quando de suas conquistas, e tinham as medidas baseadas nas
antigas bigas romanas.
• E por que as medidas das bigas foram definidas assim? Porque foram feitas para
acomodar dois traseiros de cavalos!
• E, finalmente... O ônibus espacial americano, o Space Shuttle, utiliza dois tanques
de combustível sólido (SRB — Solid Rocket Booster) que são fabricados pela Thiokol,
em Utah. Os engenheiros que os projetaram queriam fazê-los mais largos, porém,
tinham a limitação dos túneis das ferrovias por onde eles seriam transportados,
os quais tinham suas medidas baseadas na bitola da linha.
Tabela 4.1
Ondas longas de mudança tecnológica
Resumo
A partir do último quartil do século XX, observa-se um processo de esgo-
tamento do modelo fordista-taylorista que até então dominava a economia
Capítulo 4: O pós-fordismo e as novas teorias da firma e da tecnologia 67
Leitura complementar
No âmbito da literatura neosschumpeteriana, duas obras são destacadas
por seu caráter seminal e por sua influência marcante sobre os estudos pos-
teriores: a primeira é o livro de Chris Freeman, The Economics of Industrial
Technology, que foi reeditado em 1997 em parceria com Luc Soete. A outra é
68 Gestão da Inovação