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INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO CIENTÍFICO: A PASSAGEM DO

PENSAMENTO INGÊNUO AO PENSAMENTO CRÍTICO

Juscelino Silva1

Resumo

Neste artigo discute-se a passagem do pensamento ingênuo ao pensamento crítico. Após


expressar a diferença entre ambos, passa-se á natureza do conhecimento e à sua aplicação.

Palavras-chave: pensamento ingênuo, pensamento crítico, especificidade.

Abstract

Thisarticle discussesthe transitionfrom naïveto critical thinkingthought.after expressingthe


differencebetween themgoesupto the natureof knowledgeand its application.

Keywords: naivethinking,critical thinking, specificity.

1. Introdução

Neste artigo discute-se a natureza do pensamento científico. Distingue-se este conhecimento


daquele que é próprio do senso comum. Para tanto, dividiu-se o artigo em duas partes: a
natureza do conhecimento científico, o conhecimento científico nas ciências exatas, humanas
e aplicadas. Três questões para começar: qual é a diferença entre o conhecimento do dia a dia
e o conhecimento científico? Em que eles se aproximam e se distanciam? Qual o diferencial
que este conhecimento oferece para quem o detém?

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Pós-Doutor em Teoria da Justiça: Teoria e Prática na UFMG sob a supervisão do Prof. Dr. Joaquim Carlos
Salgado; Pós-Doutor em Teologia Sistemática na FAJE sob a supervisão do Prof. Dr. João Batista Libânio.
Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), membro da Sociedade de Teologia e
Ciências da Religião (SOTER), Coordenador do Centro de Extensão, Pós-Graduação e Pesquisa da Faculdade
Batista de Minas Gerais e Representante institucional do PIBIC e do PIBIT junto ao CNPQ. Doutor em Teoria
do Direito pela PUC MINAS (2013), Doutor em Teologia Sistemática, com ênfase em hermenêutica filosófica
(2012), pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Mestre em Teologia Sistemática pela FAJE
(2007), Mestre em Teologia Prática pelo Seminário do Sul do Brasil- STBSB (2004). Pós-graduado em
Psicanálise pela UFMG (2002), Pós-graduado em Terapia de Família pela Universidade Cândido Mendes
(1997). Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá (2013), Bacharel em Filosofia pela FAJE (2008),
Bacharel em Psicologia pela Faculdade Maria Teresa (1996), Bacharel em Teologia pelo Seminário Batista de
Niterói (1988), e Bacharel em Música pelo Conservatório de Música de Niterói (1981).

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2. Natureza do conhecimento científico

O conhecimento científico tem sua própria especificidade. Por isso, é diferente do


conhecimento produzido pelo senso comum, isto é, aquele que circula na tradição da
comunidade, mas cuja validação é, de modo geral, intuitiva. A especificidade do
conhecimento científico abarca seis aspectos cruciais: a necessidade, a progressão, a
realidade, a organização, a generalização e a sistematização.

A necessidade é o princípio do qual se afirma que todo fenômeno da natureza, preservada as


condições gerais de sua origem, decorre necessariamente de leis da causa e efeito. Claro que
elas não se apresentam espontaneamente à inteligência humana, é preciso descobri-las. A
descoberta das leis no interior dos fenômenos permite que ele seja conhecido e utilizado. O
domínio do fenômeno, quando orientado pela ética do bem comum, coopera para o bem da
humanidade porque as energias dele, que funcionavam de acordo com o acaso, podem ser
aplicadas inteligentemente para produzir resultados que visem ao bem comum (SCHNEIDER,
1999. p. II-4).

A progressão é o princípio do qual deriva a lei de que o conhecimento científico avança


gradativamente através da contribuição global da inteligência científica. O princípio evidencia
que o conhecimento científico é necessariamente relativo. A sua relatividade decorre do
limite da inteligência humana e da precariedade dos instrumentos disponíveis à investigação.
Portanto, a progressão do conhecimento científico é uma necessidade inerente à condição
humana (SCHNEIDER, 1999. p. II-4).

A realidade é o princípio que aponta para o objeto material e formal da pesquisa. Entende-se
por objeto material a área de incidência da pesquisa e por objeto formal o elemento estudado
dentro da área de incidência. Pode-se exemplificar a questão, como segue: a Teologia
Sistemática tem como objeto material Deus e como objeto formal as doutrinas, por exemplo, a
soteriologia. O mesmo pode-se dizer do Direito, cujo objeto material são as leis e o objeto
formal dependerá do ramo do Direito em questão. Portanto, a realidade é o lugar da pesquisa
porque instiga o pesquisador a indagar-se sobre a natureza dos fenômenos e o modo de
abordá-lo. Este princípio ajuda a evitar que a pesquisa científica seja contaminada com
especulações de ordem exclusivamente subjetivas (SCHNEIDER, 1999. p. II-4).

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A organização é o quarto princípio da pesquisa científica. Planejar a pesquisa significa
primeiro ter uma ideia relevante conectada a um objeto. A isto, segue a teoria, ou seja, o
conjunto de leis sistematizadas e que gozam de aceitação pela comunidade científica. Além
disso, deve-se elaborar hipóteses do tipo “se isto [...] então aquilo”, ou então uma pergunta.
Há quem prefere criar a hipótese através de uma afirmação provisória. A primeira fórmula de
criação de hipótese parece mais adequada do que a segunda porque a hipótese sai da situação
problema. Trata-se de hipóteses praxiológicas porque a construção obedece aos estímulos
oriundos da realidade e que clamam por uma solução. A hipótese que se expressa como
afirmação, geralmente, impõe a perspectiva do pesquisador sobre a situação. Pode-se chama-
la de noética. Este tipo de hipótese, geralmente, é mais difícil de ser abandonada e esta
resistência pode impor a vontade do pesquisador sobre o objeto. Isto o levaria a descobrir o
que ele quer e não o que o problema impõe. À hipótese, segue-se o método. Este é o
caminho que se percorre para realizar a pesquisa. Portanto, o princípio da organização (ideia,
objeto, teoria, hipótese e método), na medida em que visa a realização efetiva da pesquisa, é,
dentre todos os princípios, o mais relevante (SCHNEIDER, 1999. p. II-4).

A generalização é o princípio pelo qual se reivindica as contribuições da pesquisa à ciência


em geral. Este procedimento é feito quando o pesquisador, de posse das conclusões da
pesquisa, sublinha as leis que sua pesquisa formulou. Este processo ocorre através da
aplicação da lógica inferencial, isto é, diante dos dados da pesquisa realiza-se um processo
mental de generalizar os resultados para situações nas quais as condições gerais da pesquisa
feita sejam mantidas (SCHNEIDER, 1999. p. II-4). A expectativa é que se alcance resultados
similares.

A sistematização é o princípio pelo qual os resultados da pesquisa são organizados como


sistema para integrar o conhecimento produzido. Como a produção científica é contínua, o
sistema é necessariamente aberto tanto em relação às pesquisas em torno de seu objeto quanto
às contribuições de outras ciências (SCHNEIDER, 1999. p. II-4).

Há pelo menos seis princípios que ajudam o estudante a reconhecer um texto científico. São
eles: a necessidade, a progressão, a realidade, a organização, a generalização e a
sistematização. A posse deste conhecimento é vital por pelo menos duas razões: primeira-
habilita o discente a discernir o conhecimento científico do não científico. Este discernimento

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é crucial para se fazer a pesquisa científica com sustentação teórica de peso. Segundo-
capacita o discente a produzir textos científicos observando esses princípios. Esta capacitação
é vital para que o discente comece a sua jornada na academia com confiança (SCHNEIDER,
1999. p. II-4).

O conhecimento dos princípios que caracterizam a pesquisa científica deve ser completado
pela identificação da especificidade da pesquisa nas ciências exatas, humanas e aplicadas.
Esta distinção é feita no próximo tópico.

3. O conhecimento científico nas ciências exatas, humanas e aplicadas

As ciências receberam muitas classificações ao longo da história da ciência. O filósofo grego


Aristóteles (384-322 a.C.) classificou a ciência como teórica e prática. Enquanto a primeira
visa à compreensão, por ex., a metafísica cujo objeto de estudo é o Ser, isto é, a realidade
última que dá sentido à natureza; a segunda, a ciência prática, busca resultados específicos e
mensuráveis, por ex., a biologia (SABY, 2010). A classificação aristotélica apoia-se no
critério de dupla realidade: a invisível e a visível na qual a primeira causa a segunda. O limite
desta classificação é a enorme abrangências das duas categorias (CLASSIFICATION DES
SCIENCES, 2013).

Como o pensamento aristotélico dominou a Escolástica, desde Tomás de Aquino, pode-se


saltar para o século XIX sem incomodar muito. Em 1930, Augusto Comte, no “Cours de
philosophie positive” -“Curso de filosofia positiva”- classifica as ciências como matemática,
astronomia, física, química, biologia e sociologia. A palavra “positiva” reafirma o princípio
comteano de que científico é apenas o conhecimento que decorre daquilo que é palpável. Esta
classificação é mais restritiva do que a aristotélica. Porém, deixa transparecer o preconceito de
Comte com a teologia, a filosofia, a psicologia e a lógica. Estas disciplinas por não se
enquadrarem no molde comteano de ciência eram vistas como conhecimento de segunda
classe. Em 1967, Jean Piaget, tendo o objeto de estudo de cada ciência como critério, propôs
uma classificação triádica. 1. Ciências humanas: história, psicologia, sociologia,
antropologia, economia e linguística. Todas têm por objeto os comportamentos humanos. 2.
Ciências da natureza: física, química e biologia, que têm como objeto de estudo a matéria e a
vida. 3. As Ciências formais, que são: matemática, lógica e informática, que têm como objeto
de estudo os entes abstratos (CLASSIFICATION DES SCIENCES, 2013).

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A ciência contemporânea, porém, progride para além dessas fronteiras tradicionais. Isto
parece exigir uma classificação das ciências que não seja mais a partir do objeto, como o fez
Jean Piaget. Elas poderiam ser classificadas de acordo com sua finalidade. A ciência a
serviço da ciência é classificada como teórica e a ciência a serviço de uma técnica é chamada
de aplicada. Esta classificação, desde que conserve a visão não-hierarquizada das ciências,
contribui para que as ciências tenham múltiplas circulações e cooperem na construção de um
mundo mais compreensivo e mais humano. Se a classificação, porém, apoia-se na capacidade
de previsão através de medições específicas, então, pode-se falar de ciências “moles” e
“duras”. “Moles” são aquelas cujas previsões são mais difíceis, por ex., as ciências humanas;
“duras” são aquelas de predições mais fáceis, por ex., as ciências da natureza. Todavia, em
1927, Werner Karl Heisenberg demonstrou, através do princípio da incerteza, que mesmo a
natureza não obedece a um determinismo absoluto, mas somente a um determinismo provável
(ROSENFELD, 2013).

Portanto, a ciência é a visada de um fenômeno para o descrever e o explicar através de


critérios eficazes de validação. Os juízos de valores que aparecem nos adjetivos “exato”,
“duro”, “mole”, “teórico” e “prático” ocultam que todas as ciências concorrem para o mesmo
fim e a querela se elas devem ser ou não engajadas deve basear-se antes na distinção entre
ciência e discurso dogmático e não entre as ciências propriamente ditas.

De acordo com a classificação das ciências, eles podem ser elencados como segue: às
ciências sociais aplicadas vinculam-se os cursos de Direito, Administração e Ciências
Contábeis, na área de ciências exatas estão os cursos de Banco de Dados e Rede de
Computadores e na área de humanas está o curso de Teologia.

Se o Direito estuda as leis, e a Teologia estuda as manifestações de Deus na história, esses


conhecimentos são complementares e decididamente não são antagônicos. O antagonismo
destes saberes advém, geralmente, de uma visão reducionista do Direto, isto é, quando ele é
entendido exclusivamente como ciência pura, nos moldes de Hans Kelsen (1999) ou de uma
visão dogmatista da Teologia, nos moldes da teologia escolástica, que se opunha à ciência, ou
mais recentemente do fundamentalismo americano, que é um retomada mais superficial do
preconceito escolástico à ciência. Por sua vez, a Administração estuda a organização
(CHAVALLIER; LOCHAK, 2013) e as Ciências Contábeis investigam os fenômenos

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relativos ao patrimônio (SÁ, 1999). Ambas estão no campo dos estudos sociais aplicados e
deve-se conhecer bem o objeto de cada uma para poder estudá-los adequadamente. Banco de
Dados estuda as múltiplas formas de armazenamento de informações de uma empresa e Rede
de Computadores estuda o conjunto de módulos processadores capazes de trocar informações
e compartilhar recursos. As ciências cujo objeto é mais abstrato exige uma capacidade mental
intuitiva que se satisfaz com abordagens discursivas; ciências que exigem manuseios exigem
habilidades mentais de soluções de demandas imediatas.

4. Conclusão

O conhecimento científico é aquele produzido dentro de critérios rígidos de controle, de


acordo com uma teoria específica e com um método adequado ao objeto de estudo. Você viu
que as ciências são classificadas em exatas, humanas e aplicadas e que cada área tem sua
própria especificidade e, por isso, exige habilidades cognitivas específicas dos discentes. O
conhecimento construído sob esta moldura teórica difere do conhecimento do common sense
porque enquanto este é intuitivo, aquele é sistemático.

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REFERÊNCIAS

CLASSIFICATION DES SCIENCES. Université de Montreal, 2013. Disponível em:


<http://www.irem.univ-montp2.fr/IMG/pdf/Classification-sciences.pdf> . Acesso em:
01/07/2013

Jacques CHEVALLIER, Danièle LOCHAK, « ADMINISTRATION - La science


administrative », Encyclopædia Universalis [en ligne], consulté le 1 juillet 2013. Disponível
em : <www.universalis.fr/encyclopedie/administration-la-science-administrative/> . Acsso
em : 01/07/2013

Léon ROSENFELD, « HEISENBERG WERNER KARL - (1901-1976) », Encyclopædia


Universalis [en ligne], consulté le 1 juillet 2013. Disponível em:
<www.universalis.fr/encyclopedie/werner-karl-heisenberg/>. Acesso em 01/07/2013.

KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo : Martins Fonrtes, 1999.

SÁ, Antonio Lopes de. Teoria da Contabilidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.

SABY, Jérôme. Aristote (384 Av. J.C). Disponível em:


<http://www.astrofiles.net/astronomie-aristote>. Acesso em: 29/06/2010

SCHNEIDER, Daniel. Balises de méthodologie pour la recherche em sciences sociales.


Genéve: Faculté de Psychologie et des Sciences de l’Education, 1999.

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