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Silva

Tecnologia: novas abordagens,


conceitos, dimensões e gestão

JOSÉ CARLOS TEIXEIRA DA SILVA


Dr. Eng. Produção / Escola Politécnica - USP
Prof. Dr. Depto. Eng. de Produção - Unesp - Bauru - SP
Email: jcteixe@feb.unesp.br

Resumo
Este trabalho discute conceitos e dimensões do termo “tecnologia”, no campo da gestão da tecnologia em empresas
de manufatura. Considerando a tecnologia embutida em produtos/processos, e a capabilidade tecnológica nas
organizações, foi possível desdobrar o “conteúdo da tecnologia”, criando os conceitos de “macrotecnologia” e
“microtecnologia”. Enquanto a macrotecnologia é referente ao conceito sistêmico dentro da organização, a
microtecnologia envolve a tecnologia embutida em um produto/processo. Esses conceitos permitem análises
estratégicas e operacionais no campo da gestão da tecnologia nas organizações. Uma pesquisa de campo preliminar
indicou limitações das organizações com relação aos componentes da microtecnologia e da macrotecnologia.

Palavras-chave
Tecnologia, gestão da tecnologia, desenvolvimento do produto.

Technology: news approaches,


concepts, dimensions and management
Abstract
This paper discusses technology concepts and dimensions, in the field of technology management at the
manufacture sector, with respect to product and process. Considering the embedded technology in products/
process, and the technology capability in the organizations, was possible the deployment of the term “technology”,
creating the concepts of “macrotechnology” and “microtechnology”. While the macrotechnology is referent to the
systemic concept of technology inside the organization, the microtechnology is referent to the technology inside
the product/process. These concepts allow to analyze strategic and operational aspects of technology manage-
ment. A preliminary field research has detected limited capability in organizations with respect the components of
microtecnology and macrotechnology.

Key words
Technology, technology management, product development.

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Tecnologia: novas abordagens, conceitos, dimensões e gestão

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS direcionamento adicional, a partir da década de 1990, para


outra dimensão de competitividade relacionada à inovação
A gestão da tecnologia (“technology management” ou em produtos, em processos e em tecnologia. A inovação em
“management of technology”) é um campo recente de abor- produtos / tecnologia passa a ser então função de aspectos
dagem multidisciplinar, dentro das dimensões atuais de internos e externos à empresa, dentro de um meio ambiente
competitividade das empresas na economia globalizada. externo dinâmico e de transformações. Internos, no que se
Pode-se dizer que os primeiros passos ocorreram a partir da refere a uma forma organizacional que permita comunica-
segunda metade da década de 1980 nos Estados Unidos da ção contínua entre todos os níveis da organização, incluindo
América – EUA, envolvendo governo, empresas e universi- os aspectos de planejamento estratégico, de aprendizagem,
dades. Essa abordagem é decorrente de movimentos no de geração de conhecimentos, e de competência. Externos,
campo da teoria organizacional das empresas. quanto ao seu relacionamento com o mercado e meio ambi-
Um histórico do sistema produtivo de maior escala, com ente, aí incluídos os consumidores, fornecedores, concor-
praticamente dois séculos de maturação, indica diferentes rentes, e a análise constante da evolução tecnológica e do
fases quanto à forma organizacional da empresa, da produ- mercado. As empresas que ainda não se adaptaram a essa
ção e do trabalho, bem como nas relações com o mercado e nova forma de gestão têm uma dupla missão, dentro dessa
o meio ambiente, e sobretudo como são desenvolvidas e complexidade de reformulação organizacional, envolvendo
utilizadas as tecnologias de produto e de processo de produ- simultaneamente a gestão da qualidade e a gestão da tecno-
ção. Na última metade do século XVIII a máquina a vapor logia, como fatores de competitividade e sobrevivência no
constituiu uma inovação tecnológica importante, pois per- mercado.
mitiu mecanizar o siste-
ma produtivo, aumen-
gestão da tecnologia (“technology management”
A
tando a escala de produ-
ção, e agilizar os meios
de transporte, com as ou “management of technology”) é um campo
ferrovias e a navegação,
permitindo a expansão recente de abordagem multidisciplinar, dentro das
dos mercados e o escoa-
mento da produção in-
dimensões atuais de competitividade das empresas
dustrial, agrícola e agro-
industrial. Constata-se o
na economia globalizada.
surgimento das indústrias
ferroviárias e navais, com as novas tecnologias de aciona- As pequenas e médias empresas – PMEs podem ser
mento, e uma série de equipamentos e componentes até consideradas como fundamentais para a atividade econômi-
então nunca utilizados pelos métodos anteriores de trans- ca e representam um instrumento de geração de empregos e
porte. A expansão da produção agroindustrial, ao longo das de inovação, quando bem gerenciadas. Entretanto, as opor-
ferrovias, quer seja no velho mundo ou no novo mundo, tunidades de negócios para essas empresas, em um mercado
abriu fronteiras agrícolas nunca antes exploradas, permitin- globalizado, estão limitadas por uma variedade de fatores,
do o escoamento do excedente da produção dos países para entre eles, as dificuldades de acesso à informação e integra-
outras regiões do globo. ção naquele mercado, além da limitada capabilidade de
O movimento da qualidade empreendido pelas empresas gestão da tecnologia para geração de novas tecnologias de
japonesas, a partir da década de 1960, influenciou o setor produtos/processos que resultem em produção comercial
industrial de todos os países, no campo da abordagem com sucesso. Essas empresas têm motivado a preocupação
organizacional da empresa, da produção e do trabalho, pela governamental em países desenvolvidos e em desenvolvi-
sua diferenciação da teoria da administração científica mento, no que refere ao fator emprego dentro do processo
taylorista do início do século XX. A adaptação das empre- de globalização, diretamente relacionado à manutenção e
sas ocidentais àquela forma organizacional alternativa pas- expansão de seus mercados, e também função dos níveis de
sou a se constituir um paradigma, tendo em vista as diferen- competitividade nos campos da gestão da qualidade e da
ças entre as culturas ocidental e japonesa. Após quase uma gestão da tecnologia de produtos/processos.
década de adaptações, no início da década de 1990 constata- O presente trabalho discute aspectos relacionados aos
se certo equilíbrio do nível de produtividade e de qualidade conceitos da palavra “tecnologia”, bem como o desenvolvi-
entre as chamadas “empresas de classe mundial”, segundo a mento de novas abordagens e dimensões, dentro da configu-
classificação de Merli (1994). Essa situação induziu a um ração da gestão da tecnologia em empresas de manufatura,

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independentemente de sua dimensão, envolvendo princi- gica em pequenas e médias empresas é mais ampla, ou seja,
palmente o campo das tecnologias de produto/processo e a “tecnologia é o conjunto de conhecimentos necessários para
capabilidade tecnológica da organização. Uma pesquisa de se conceber, produzir e distribuir bens e serviços de forma
campo preliminar também foi conduzida, através de entre- competitiva”, o que engloba todos os conhecimentos relaci-
vistas, em pequenas e médias empresas tradicionais do setor onados às atividades da empresa.
de manufaturados, visando detectar o nível de conhecimen- Portanto, o conceito de tecnologia utilizado neste traba-
to dessas organizações nesse campo. lho envolve todos esses conceitos, embora na área específi-
ca de desenvolvimento do produto possa parecer, à primeira
CONCEITOS E NOVAS ABORDAGENS vista, que esteja incorporada somente a conceituação de
DA DIMENSÃO TECNOLOGIA Blaumer (1964) apud Fleury (1978) anteriormente referen-
ciada. Os dados de mercado embutidos nos conceitos envol-
A utilização da palavra “tecnologia” vem sendo amplia- vem todos os aspectos externos à empresa, que interferem
da para muitas áreas do conhecimento, alterando muitas em sua área de atuação, incluindo fornecedores, concorren-
vezes seu significado e distanciando-se da conceituação tes, produtos, clientes, etc., e as idéias significam o ponto de
tradicional. Assim, seria oportuno caracterizar o significa- partida do desenvolvimento, sendo uma dimensão depen-
do da palavra “tecnologia” que será utilizado neste trabalho. dente de vários fatores para sua viabilização.
Os conceitos envolvendo desenvolvimento de novos produ- Tradicionalmente, a tecnologia utilizada por uma organi-
tos, da mesma forma como abordaram Wheelwright; Clark zação, dependendo das condições do meio ambiente, pode-
(1992) e Utterback (1994), devem ser diferenciados do rá ser desenvolvida internamente ou absorvida externamen-
conceito de inovação tecnológica. Vamos considerar o de- te através de contratos de pesquisa, licenciamento, partici-
senvolvimento do produto como o processo de transforma- pação minoritária ou majoritária em outras empresas, e
ção de idéias, dados de mercado e tecnologias, em novos “joint-ventures”. Quando do desenvolvimento interno com
conhecimentos para geração de produtos e serviços em sucesso comercial, tanto para o produto, como para o pro-
produção comercial. A palavra tecnologia nesse contexto cesso, a organização adquire competência naquela tecnolo-
poderá significar tecnologias já conhecidas ou novas tecno- gia. De acordo com Steensma (1996), essa capacitação
logias, uma vez que um novo produto poderá ou não incor- tecnológica está diretamente associada a aspectos organiza-
porar novas tecnologias. O conceito de tecnologia poderá cionais que envolvem comunicação entre as pessoas e
ter maior ou menor abrangência, dependendo do foco em aprendizagem, e indica que “aprendizagem organizacional
análise. Segundo Longo (1984), “tecnologia é o conjunto de é o processo de intermediação entre a interação colaborativa
e a aquisição da competên-
cia técnica”, em nível da
utilização da palavra “tecnologia” vem sendo
A ampliada para muitas áreas do conhecimento,
alterando muitas vezes seu significado e
organização. A aprendiza-
gem individual, segundo
Aegyris; Schom (1978)
apud Steensma (1996), “é
necessária mas não sufici-
distanciando-se da conceituação tradicional. ente para a organização de
aprendizagem (organizati-
onal learning)”, e como as-
conhecimentos científicos ou empíricos empregados na sinala Meyers (1990) apud Steensma (1996), “parece que o
produção e comercialização de bens e serviços”. A concei- aprendizado da organização é diferente da soma dos conhe-
tuação de Blaumer (1964) apud Fleury (1978) se concentra cimentos dos indivíduos que a compõem”. Portanto, quan-
mais na fabricação, ou seja, “se refere ao conjunto de do do desenvolvimento interno de uma tecnologia ou novo
objetos físicos e operações técnicas (mecanizadas ou manu- produto em uma empresa, existe um ambiente de conforma-
ais) empregadas na transformação de produtos em uma ção que leva a organização a adquirir capabilidade para esse
indústria”, similar à proposição de Abetti (1989) apud tipo de atividade, ou seja, uma competência da organização
Steensma(1996), que define tecnologia como “um corpo de no campo daquela tecnologia ou novo produto, extrapolan-
conhecimentos, ferramentas e técnicas, derivados da ciên- do o conhecimento ou a competência individual das pessoas
cia e da experiência prática, que é usado no desenvolvimen- que fazem parte daquele meio ambiente. Essa competência,
to, projeto, produção, e aplicação de produtos, processos, que denominaremos de “capabilidade tecnológica”, é uma
sistemas e serviços”. Já a conceituação utilizada por Krugli- característica implícita daquela organização, tipicamente
anskas (1996), quando analisa a gestão da inovação tecnoló- intangível, naquele escopo de tecnologia e naquele momen-

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to, sendo praticamente impossível sua transferência global versão mais generalizada do conceito de tecnologia poderia
para outras organizações, pois é função daquele meio ambi- ser : “tecnologia é um sistema através do qual a sociedade
ente. Esse aspecto da gestão da tecnologia ou desenvolvi- satisfaz as necessidades e desejos de seus membros”. Esse
mento de novos produtos é fundamental para a empresa, sistema contém equipamentos, programas, pessoas, proces-
porém ainda pouco estudado, uma vez que ele não pode ser sos, organização, e finalidade de propósito. Nesse contexto,
generalizado, ou melhor, sua caracterização é complexa e um produto é o artefato da tecnologia, que pode ser um
inerente à própria organização. Por isso é que a “transferên- equipamento, programa, processo, ou sistema, o qual por
cia de tecnologia” entre organizações constitui um aspecto sua vez pode ser parte do meio ou sistema contendo outra
complexo, pois a organização receptora não tem o mesmo tecnologia.
ambiente da organização
“doadora” daquela tecnolo-
uando falamos em tecnologias de produto e
gia. Essa complexidade varia
em função da característica
da tecnologia a ser absorvi-
da, sendo menor para tecno-
Q processo, quer sejam conhecidas ou novas,
na realidade estamos nos referindo a um conjunto
logias similares à existente
na organização, e maior para de tecnologias inter-relacionadas dentro do
mudanças no escopo da tec-
nologia. Em sua análise so- contexto de um produto ou de um processo,
bre aquisição de competên-
cia técnica através da colabo- ao qual designaremos daqui para a frente pela
ração inter-organizacional,
sob o ponto de vista de apren- terminologia “microtecnologia”.
dizado da organização re-
ceptora, Steensma (1996) relaciona os diversos níveis de Essa abrangência indica o significado da tecnologia na
colaboração (contrato de pesquisa, licenciamento, inves- competitividade. Muitos autores, entre eles Dussauge;
timento minoritário, joint-ventures, aquisição do contro- Hart; Ramantsoa (1992) excluem do conceito de tecnologia
le) com o nível de aprendizado existente (simples, adap- as atividades não envolvidas na produção de objetos mate-
tativo, transição, criativo), e conclui que “quanto maior o riais ou serviços, como por exemplo marketing. Tradicio-
nível de aprendizado existente em uma empresa, maior nalmente, no desenvolvimento integrado de produto e pro-
sua capacidade de assumir um compromisso inter-orga- cesso, as atividades de marketing fornecem um guia do
nizacional de absorção de tecnologia”. Nesse contexto, sistema para produção de objetos materiais de alto valor
quando da pouca capacitação da empresa para a absor- para o consumidor, constituindo-se de um processo de valor
ção, a universidade poderia intermediar esse processo na inerente que fornece um serviço, que na realidade é uma
geração de capacitação, indo além dos contratos de pes- metodologia e não uma tecnologia. Dussauge; Hart; Ra-
quisa tradicionais, resguardados os aspectos de sigilo e mantsoa (1992) indicam que “a inovação tecnológica geral-
ética envolvidos. mente modifica a base da competição em uma dada indús-
A gestão da tecnologia na empresa poderá ter seu espec- tria ou tecnologia, e em muitos casos constitui a principal
tro ampliado em função do conceito adotado para a palavra fonte de vantagem competitiva” e que “uma firma pode usar
“tecnologia”. Uma conceituação ampliada poderá facilitar a a tecnologia para se colocar deliberadamente no meio com-
visualização do estágio tecnológico de uma determinada petitivo, forçando redefinições dos negócios atuais e mu-
organização em um determinado instante, independente- dando as regras do jogo”. Também notam que “as vantagens
mente de sua dimensão, apesar das dificuldades existentes construídas nos últimos vintes anos na indústria de semi-
no campo das pequenas e médias empresas com a problemá- condutores, com relação ao custo da memória (ou processa-
tica da transposição de teorias organizacionais desenvolvi- mento de dados), são devidas à velocidade de introdução
das em grandes empresas, de forma similar ao que ocorreu das inovações e não devidas ao aumento da produção”.
no campo da gestão da qualidade. Acentuam ainda que, “exceto para a indústria eletrônica e
Tecnologia é um tópico extenso que pode significar de computação, os dados históricos mostraram que nos
muitas coisas para as pessoas. Martino (1983) cita que o EUA uma nova tecnologia raramente reduziu os custos,
Webster’s Seventh Collegiate Dictionary define “tecnolo- pois elas geralmente aumentam o desempenho e complexi-
gia” como “the totality of the means employed to provide dade dos sistemas, como, por exemplo, na indústria militar
objects necessary for human sustenance and comfort”. Uma e indústria de equipamentos médicos”.

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Ainda recentemente, a indústria de manufatura ameri- seja, aquelas que designaremos de “microtecnologias”, que
cana definia seu desempenho com base em tecnologias envolvem as tecnologias principais e as tecnologias com-
disponíveis e naquilo que o consumidor queria. Ocasio- plementares, como veremos posteriormente. Análises
nalmente aumentava qualidade com aumento de desempe- preliminares de alguns aspectos relacionados a esse campo
nho. De acordo com Dertouzoz; Lester; Solow (1989), o foram conduzidas anteriormente em Silva (2001), Silva
aumento de custos com o aumento aleatório da qualidade, (2002a) e Silva (2002b). Esses conceitos se inserem no
ao invés de baixos custos e alta qualidade, levou a indús- contexto de produtos/processos, tanto novos como exis-
tria americana a perder vantagem competitiva. Em con- tentes, pois a maioria dos desenvolvimentos utiliza tec-
traste, dentro do conceito sistêmico, o Japão projetou sua nologias já existentes. Para abordagem com novas
“nova forma organizacional”, visando alto valor agrega- tecnologias, os componentes da “macrotecnologia” assi-
do, e incorporando “alta qualidade” e “baixo preço”, in- nalados anteriormente são necessários, mas não suficien-
corporando métodos para ouvir o consumidor e desenvol- tes, para ter sucesso no empreendimento, pois além de
ver novos produtos, através de conceitos de desenvolvi- alto grau de “criatividade” o mercado deve “puxar” em
mento de produto e processo integrados, do desdobramento direção à inovação.
da função qualidade, custos, confiabilidade, além do de- As tecnologias de produto/processo utilizadas por uma
senvolvimento de novos mercados. Assim, somente den- organização são dependentes das condições do meio ambi-
tro dessa nova metodologia (sistêmica organizacional) é ente, mas devem ser competitivas no mercado em que atua.
possível perceber o que as indústrias japonesas realmente Preponderantemente devem ser desenvolvidas dentro da
fizeram para ter vantagem competitiva. organização. No campo das PMEs tradicionais, entretanto,
Dentro de uma visão sistêmica, o termo “transferência de poderá existir limitação para esse processo, pois ele é
tecnologia” dificilmente se aplica, pois significaria transfe- dependente da existência de capacitação tecnológica da
rência de todos os aspectos do sistema, de acordo com a empresa, e esta, de acordo com Steensma (1996), como já
Figura 1. É claro que a transferência de somente uma parte citamos anteriormente, “está diretamente associada a as-
do sistema não transfere tecnologia. pectos organizacionais que envolvem a comunicação entre
É evidente que esse conceito sistêmico de tecnologia, o as pessoas e a aprendizagem”. Adicionalmente, a capabili-
qual designaremos de “macrotecnologia”, constitui a base dade tecnológica incorpora também uma “habilidade” na
para a gestão e uso das tecnologias propriamente ditas, ou gestão e operacionalização de um planejamento estratégico

Figura 1: Conceitos Embutidos na Macrotecnologia.

Pessoas
Comportamento

Informação
Conhecimento Processos

Estrutura TECNOLOGIA Organização

Criatividade Equipamentos
Programas

Sincronização
Função

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de tecnologia em direção às melhorias incrementais contí- pode ser considerada alta. Muitas empresas desconhecem a
nuas e novos produtos/processos, como assinalaram Silva; legislação pertinente à propriedade industrial, e expõem
Plonski (1996) e Silva (2002b) quando analisam a inovação suas tecnologias aos concorrentes. Evidentemente, as tec-
tecnológica na empresa. Para uma economia globalizada o nologias embutidas em um produto estão expostas no mer-
“conceito de macrotecnologia” indica que o termo “transfe- cado, o que não ocorre com as tecnologias de processo de
rência de tecnologia” é impraticável, devido à impossibili- produção, que são internas à empresa. Nesse ponto seria
dade de transferência de todas as pessoas, conhecimentos e interessante colocar que existe distinção quando falamos de
facilidades, do sistema de tecnologia de uma organização tecnologia de processo e de tecnologia de fabricação. A
para outra.
No contexto atual da economia glo-
s conceitos de microtecnologia e
balizada, uma empresa que não desen-
volve suas próprias tecnologias de pro-
duto e de processo não é competitiva,
embora possa estar temporariamente
O macrotecnologia, pelos seus
desdobramentos, permitem direcionar
competitiva, dependendo do setor em
que atua. Essa vulnerabilidade tecnoló- mais adequadamente a gestão da tecnologia
gica poderá ser analisada em função das
características das tecnologias de pro- dentro de uma organização, através de um
duto e de processo utilizadas pela orga-
nização em um determinado instante, de planejamento estratégico de tecnologia.
acordo com a Figura 2.
Com a orientação adotada na Figura 2, no campo de tecnologia de processo é definida pela empresa quando do
tecnologias já conhecidas ou novas, podemos analisar o desenvolvimento de um novo produto, e a tecnologia de
estágio de vulnerabilidade quanto ao produto e ao processo, fabricação está relacionada às etapas do processo, ou seja,
em relação ao domínio dessas tecnologias, ou seja, públicas função dos equipamentos de produção adquiridos de tercei-
ou restritas. Quando utilizamos o termo “domínio público” ros, como por exemplo de fabricantes de bens de capital. As
significa uma tecnologia de domínio público, ou seja, qual- tecnologias embutidas em um bem de capital são bastante
quer concorrente poderá dispor dessa tecnologia a qualquer relevantes no contexto da gestão da tecnologia em uma
momento, pois os direitos de propriedade industrial já fo- empresa, incluindo o contexto daquela que adquire o equi-
ram universalizados, ou são de baixo valor agregado. Quan- pamento, que passa a ser dependente da tecnologia utilizada
do utilizamos o termo “domínio restrito” significa uma pela empresa que produz o “bem de capital”.
tecnologia que não é de domínio público, podendo ocorrer No caso de novas tecnologias, ainda de acordo com a
duas possibilidades: uma relacionada à existência de proprie- Figura 2, a vulnerabilidade tecnológica poderá ser média e
dade industrial (própria ou licenciada); e a outra de proprieda- baixa, dependendo se o domínio for restrito ou público, pois
de da empresa, ainda não licenciada. Podemos ter uma a nova tecnologia poderá ser de produto ou processo, ou
empresa com reduzido conteúdo tecnológico embutido em ambas. Evidentemente, a vulnerabilidade tecnológica é uma
um produto, porém com razoável conteúdo tecnológico no dimensão temporal, pois estamos analisando um determina-
processo, ou seja, vulnerabilidade baixa. Quando a empresa do instante histórico da empresa (como uma fotografia),
gera um produto com conteúdo tecnológico, mas com pro- isto significando que o termo “não vulnerabilidade” não
cesso de domínio público, a vulnerabilidade pode ser consi- pode ser utilizado, pois nenhuma tecnologia se enquadra
derada média. No caso de tecnologias de produto e processo nesse contexto ao longo do tempo, pela difusão e transfor-
com reduzidos conteúdos tecnológicos, a vulnerabilidade mação dos conhecimentos.

Figura 2: Vulnerabilidade das Tecnologias na Empresa.


Produto Processo Vulnerabilidade

Tecnologia Domínio Público Domínio Público Alta


Conhecida Domínio Restrito Domínio Público Média
Domínio Restrito Domínio Restrito Baixa

Nova Domínio Restrito Domínio Público Média


Tecnologia Domínio Restrito Domínio Restrito Baixa

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Quando falamos em tecnologias de produto e processo, no balde elas praticamente não se caracterizam. Nos veícu-
quer sejam conhecidas ou novas, na realidade estamos nos los automotores a CT é concentrada no motor a combustão
referindo a um conjunto de tecnologias inter-relacionadas interna, e as BTs em outras partes como transmissão, sus-
dentro do contexto de um produto ou de um processo, ao pensão, freios, refrigeração, geração de corrente elétrica,
qual designaremos daqui para a frente pela terminologia aerodinâmica etc. Na maioria dos automóveis a CT, que
“microtecnologia”. Tanto com relação ao produto, como significou uma inovação tecnológica importante no século
para o processo, podemos esquematizar, de modo similar, XIX, praticamente não sofreu alterações, enquanto houve
os relacionamentos, de acordo com a Figura 3. grande evolução das BTs. Com relação à CT em um auto-
Vamos introduzir nesse esquema alguns conceitos para móvel, atualmente já existem alternativas ao motor a com-
descrição dos conjuntos. O termo “Tecnologia Principal- bustão interna, como, por exemplo, o motor elétrico a
TP” (que em linguagem inglesa poderia ser “Core Techno- bateria, energia solar, célula de combustível, significando
logy-CT”) se refere à tecnologia principal do produto ou assim alterações na TP ou CT. Podemos afirmar que a
do processo, ou seja, aquela que distingue aquele produto maioria das melhorias incrementais em produtos ocorre nas
ou processo de outros produtos e processos, dentro das “boundaries technologies” e não nas “core technologies”.
finalidades específicas de utilização. O termo “Tecnologia Um exemplo de alterações da CT de um produto já existen-
Complementar-TC” (que analogamente poderia ser te é o caso do toca-disco de vinil convencional e o toca-
“Boundary Technology-BT”) se refere às tecnologias, não disco laser CD, onde a tecnologia principal foi substituída.
obrigatoriamente desenvolvidas pela empresa geradora do Outro exemplo de tecnologias distintas pode ser constatado
produto ou processo, que colaboram para a operacionali- nas máquinas de lavar roupas com eixos verticais e horizon-
zação da tecnologia principal, como, por exemplo, partes tais, onde as tecnologias principais são distintas. Essa alte-
e componentes. ração da tecnologia principal, e algumas das complementa-
Com relação aos produtos, o valor agregado do conteúdo res, faz com que aquela de eixo horizontal utilize em parte
tecnológico poderá ser maior ou menor, como, por exemplo, a gravidade para o processo de lavagem, com resultados
um veículo automotor ou um balde de plástico, respectiva- surpreendentes na redução do consumo de energia, água,
mente. Enquanto que no veículo a CT e a BT são importantes, sabão-em-pó, e aumento da eficiência de lavagem. Esses

Figura 3: Microtecnologia: Conjunto de Tecnologias de um Produto ou Processo.

TC
(1)

TC
(N) TC
(2)

TC TECNOLOGIA TC
(7) PRINCIPAL (3)
(TP)

TC
(6) TC
(4)

TC
(5)

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dados são conhecidos, pois toda lavagem industrial utiliza ocorre com a tecnologia embutida no processo, que é inter-
equipamentos com eixos horizontais. na à empresa, preliminarmente não acessível ao consumi-
De maneira geral a CT pode ser considerada como o dor e à concorrência. Similarmente ao caso do produto, as
foco e o embasamento tecnológico da empresa, ou seja, o BTs do processo são originárias de terceiros, envolvendo
diferencial em relação aos concorrentes, devendo dessa equipamentos de produção e de processo.
forma ser preservada e protegida através de direitos de Esse modelo de caracterização das tecnologias de produ-
propriedade industrial. Já as BT não devem fazer parte do to e de processo, na indústria de manufaturados, permite
foco tecnológico principal da empresa, pois são oriundas analisar vários aspectos correlacionados a essas tecnologias,
de terceiros ou de domínio público, podendo no máximo como: gestão das tecnologias (CT e BT) a curto, médio e
ocorrer parceria com o fornecedor para ajustes de projeto, longo prazo; prospecção tecnológica; vulnerabilidade tec-
qualidade e especificações. nológica; melhorias em produtos e processos; formação,
No caso do processo de produção as tecnologias utiliza- adequação e manutenção de capabilidade tecnológica; rela-
das também podem ser caracterizadas como “tecnologias ção das tecnologias de produto e processo com o meio
principais” e “tecnologias complementares”, porém são de ambiente e conservação de energia; influência do setor de
natureza múltipla, ou seja, todo o processo ou cada etapa do bens de capital no processo de produção etc.
processo de produção poderá utilizar uma “core technolo-
gy” e várias “bondaries technologies”, embutidas em suas GESTÃO DA TECNOLOGIA NAS EMPRESAS
máquinas (“bens de capital”) de fabricação, bem como em
outros equipamentos utilizados no processo de produção do A gestão da tecnologia nas empresas vem sendo estuda-
produto. Nesse campo, de caracterização mais complexa, da por muitos pesquisadores no exterior e no Brasil, entre
também a CT deve ser desenvolvida pela empresa e protegi- esses por exemplo os trabalhos de Silva; Plonski (1996),
da através de direitos de propriedade industrial, pois essa Silva (1999), Silva; Plonski (1999), Silva (2002a), e Silva
fase é fundamental para a competitividade da empresa no (2002b), onde analisam desde aspectos estratégicos até
mercado. Enquanto a tecnologia embutida em um produto operacionais, incluindo pesquisa de campo. O contexto
pode ser pesquisada e copiada, pois está no mercado e à dessa abordagem está nas tecnologias de produto e de
vista de qualquer consumidor ou concorrente, o mesmo não processo de produção do setor de manufaturados.

Figura 04 - Matriz de Relacionamentos das Atividades na Organização

Gerenciamento Global da Empresa


Benchmarking

Conhecimento
Incrementais
 Tecnologia

Conservação

Informação /
Matriz de
Tecnologia /

Produtos e
Estratégia

de Energia
Operações

Marketing

Processos
Melhorias
Qualidade

Ambiente
Produto /
Recursos

Produtos

Relacionamento
Humanos
Finanças

Mercado

das Atividades
Novos

Meio

na Organização

Estratégia      
Operações          
Finanças       
Recursos Humanos          
Tecnologia               
Qualidade          
Marketing          
Benchmarking
       
Tecnologia/ Produtos
Produto / Mercado          
Novos Produtos e Processos          
Melhorias Incrementais           
Meio Ambiente        
Conservação de Energia       
Informação / Conhecimento              

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Embora a tecnologia seja uma dimensão de primeira funcionais, bem como aquelas que trabalham com “ge-
ordem dentro de qualquer empresa, pois nenhum produto/ renciamento por objetivos”, não dispõem de sistema de
serviço poderá ser gerado sem sua utilização, ainda não é qualidade eficiente, e têm grandes dificuldades para ge-
tradicional a existência de uma área específica, seja renciar aquelas inter-relações. Essa constatação é decor-
funcional ou virtual, dentro da maioria das organizações. rente do fato de que as organizações com sistema de
Uma das razões que poderia ser colocada seria o sigilo, gestão da qualidade moderno têm forma organizacional
em função da vulnerabilidade tecnológica e da estratégia distinta daquelas com predomínio funcional. Desta for-
da empresa no mercado. Historicamente, a qualidade foi ma, o aprendizado na implantação do sistema de gestão
incorporada como área funcional, dentro das empresas, da qualidade poderá ser importante na implantação do
nas primeiras décadas do século XX. No campo da tecno- sistema de gestão da tecnologia, sob o ponto de vista
logia, somente a partir da década de 1990 as empresas organizacional. Enquanto que no sistema de qualidade
mais avançadas introduziram essa incorporação, porém muitas atividades são repetitivas, em atendimento ao
de forma diferenciada, envolvendo mais efetivamente próprio fluxo da produção, no sistema de tecnologia as
gerenciamento por processos do que a criação de uma atividades são dinâmicas, pois todos os projetos de pros-
área funcional. A Figura 4 esquematiza inter-relações da pecção tecnológica e de desenvolvimento têm caracterís-
“dimensão tecnologia” com outras funções ou atividades ticas individuais. Uma análise da Figura 4 fornece indi-
da empresa. cações da importância do “conceito da macrotecnologia”
Assim temos a “Matriz de Relacionamentos das Ativi- no contexto da capabilidade tecnológica.
dades na Organização” dentro do “Gerenciamento Glo- Vamos agora detalhar alguns aspectos da gestão da tec-
bal da Empresa”, destacando-se a atividade “tecnolo- nologia na empresa, a curto, médio e longo prazo, como
gia”. Como podemos constatar, a função tecnologia, pode ser observado na Figura 5.
juntamente com a função informação/conhecimento, se Como podemos constatar, as “atividades correntes” en-
inter-relacionam com todas as outras funções da organi- volvem o gerenciamento da utilização das tecnologias já
zação. A natureza dessas inter-relações, bem como a desenvolvidas ou existentes na empresa, e todas as implica-
eficiência e a eficácia da função tecnologia, depende da ções dentro do sistema produtivo. O “desenvolvimento de
forma organizacional da empresa. As organizações mo- futura capabilidade tecnológica” engloba atividades de
dernas, com sistemas consolidados de gestão da qualida- prospecção tecnológica, de geração de novas tecnologias e
de, têm maior facilidade para gerenciar essas inter-rela- de formação da própria capabilidade tecnológica da organi-
ções. Por outro lado, as organizações excessivamente zação. As atividades “monitorando programas e melhoria

Figura 5: Inter-Relações de Aspectos da Gestão da Tecnologia na Empresa.

Gerenciamento Global da Empresa


Benchmarking

Conhecimento
Incrementais
 Tecnologia

Conservação

Gerenciamento Informação /
Tecnologia /

Produtos e
Estratégia

de Energia
Operações

Marketing

Processos
Melhorias
Qualidade

Ambiente
Produto /
Recursos

a Curto, Médio
Humanos
Finanças

Mercado
Produto

e Longo Prazo
Novos

Meio

Atividades
Correntes       
Tecnologia

Desenvolvendo Futuras
Capabilidades          

Monitorando Programas        
e Melhoria Contínua

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Tecnologia: novas abordagens, conceitos, dimensões e gestão

contínua” são geradoras da etapa anterior, e envolve aspec- gado das tecnologias de produto e de processo, e desdobrar
tos estratégicos no campo da tecnologia e inter-relações a tradicionalmente chamada “tecnologia” em “tecnologia
com outras áreas da empresa, visando a melhoria contínua principal” e “tecnologias complementares”, embutidas em
das tecnologias de produto e de processo. Pode-se dizer que um produto ou processo. Já o conceito de macrotecnologia
as atividades especificadas em curto prazo estão enfoca- visualiza o aspecto sistêmico dos conhecimentos embutidos
das mais em desdobramentos da dimensão “microtecnolo- em uma tecnologia, dentro da organização, ou seja, as inter-
gia”, enquanto que as atividades de médio e longo prazo na relações entre pessoas, equipamentos, programas, e áreas
dimensão “macrotecnologia”. funcionais no contexto daquela tecnologia.
Essa configuração e desdobramento permitem à empresa
ANÁLISE DE CAMPO: MACROTECNOLOGIA E uma auto-avaliação de seus conhecimentos das diferentes
MICROTECNOLOGIA tecnologias envolvidas em seu produto ou processo de
produção, cujos resultados poderão direcionar os esforços
A dimensão tecnologia, dentro de uma organização, é o para formação de capabilidade tecnológica dentro da orga-
fator chave que leva a empresa a gerar produtos e serviços nização.
para a comunidade. Pode-se dizer que se constitui no “se- A pesquisa de campo foi conduzida no ano de 2001,
gredo” mais relevante, cujo conteúdo é o conhecimento através de entrevistas em 35 empresas, selecionadas
“gerado e armazenado” pelas pessoas da organização, de dentre as 82 empresas utilizadas no trabalho desenvolvi-
caráter restritivo, e dentro de um mundo real. Uma empresa do por Silva; Plonski (1999), com análise de dados se-
não pode existir sem ter a capacidade de manejar as tecno- gundo Siegel (1975) no campo da estatística não paramé-
logias que geram seus produtos e serviços. As tecnologias trica, utilizando o projeto de “pesquisa qualitativa” e o
patenteadas dão à empresa alguma segurança relativa no método de pesquisa “entrevista semi-estruturada”, de
mercado durante um certo período de tempo, o qual na acordo com a metodologia de Bryman (1989). No campo
prática é indeterminado, pois tecnologias alternativas pode- da microtecnologia, a Figura 6 apresenta a análise do
rão aparecer nesse mercado. “valor agregado tecnológico” e do “domínio das tecno-
Abordamos anteriormente o significado da palavra “tec- logias principais” de produto e de processo no contexto
nologia”, segundo vários autores, e desenvolvemos os con- das empresas. Com relação à tecnologia principal do
ceitos da “macrotecnologia” e da “microtecnologia”, abor- produto, seu valor agregado é considerado alto por so-
dados pelas Figuras 1 e 2. O conceito da microtecnologia mente 6% das empresas, médio por 35%, e baixo por
permite caracterizar de maneira mais precisa o valor agre- 59%. Esses valores estão compatíveis, tendo em vista

Figura 6: Microtecnologia: Valor Agregado e Domínio das Tecnologias.

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Silva

que a maioria das empresas pesquisadas pode ser conside- para alteração dessas tecnologias. No que se refere ao
rada tradicional no setor de manufaturados, não envolvendo domínio das tecnologias complementares de processo,
alta tecnologia. No caso da tecnologia principal de processo, 100% das empresas fazem sua utilização, 32% têm conheci-
o valor agregado é considerado alto por 10% das empresas, mento, 19% controlam, 25% manejam, e somente 2% têm
médio por 54% , e baixo por 46%, indicando que a maioria capacidade de alterar essas tecnologias.
das empresas (64%) considera seus processos de produção O conceito da “macrotecnologia”, que envolve uma
razoavelmente competitivos no mercado em que atuam. visão interfuncional sistêmica da tecnologia, incorpora
Com relação ao “domínio das tecnologias” de produto, informações, conhecimentos, estrutura e comportamento
7% das empresas indicam desenvolvimento próprio, 37% das pessoas, e se aplica a qualquer tipo de tecnologia
de domínio restrito, e 56% de domínio público. Esses dados utilizada dentro de uma organização. Assim, sua análise
estão coerentes com aqueles delineados na análise do “sur- deve considerar diferentes aspectos, entre eles alguns
vey” anterior, citados em Silva; Plonski (1999). Quanto ao itens pesquisados ao longo do presente trabalho, e outros
“domínio das tecnologias” principais de processo, 3% das que merecerão continuidade futura. Com base na análise
empresas indicaram desenvolvimento próprio, 33% domí- efetuada anteriormente, através do “survey” e das entre-
nio restrito, e 64% domínio público. O conjunto desses vistas, quanto aos diferentes aspectos da gestão da tecno-
dados indica dependência da maioria das empresas das logia na empresa, podemos agora concluir preliminarmen-
tecnologias embutidas nos bens de capital. Por isso, o setor te que no contexto dos diferentes “componentes da macro-
de bens de capital tem influência relevante nas tecnologias tecnologia”, as principais dificuldades das empresas pes-
de processo e de operação nas empresas, merecendo ser quisadas estão concentradas em: “informação e conheci-
estudado com mais detalhamento no campo da gestão da mento”, “pessoas e comportamentos”, “processos”, e “or-
tecnologia. ganização”. Como os outros componentes são decorrentes
A Figura 7 apresenta, ainda no campo da microtecnolo- e parte inseparável do sistema, concluímos por limitações
gia, dados sobre o domínio das tecnologias complementa- na macrotecnologia para a maioria das organizações con-
res de produto e processo nas empresas, utilizando uma sultadas.
escala que relaciona: utilização, conhecimento, controle, Quanto maior o valor agregado das tecnologias embuti-
manejo, alteração. Com relação ao domínio sobre a tecnolo- das em produtos ou processos, maior a capabilidade tecno-
gia complementar de produto, apenas 26% das empresas lógica da organização e possibilidade de competitividade
indicaram sua utilização, 45% têm conhecimento, 24% no mercado. Por outro lado, quando o valor agregado é
controlam, 32% manejam, e somente 5% têm capacitação baixo, para todos os produtos e processos, a empresa não

Figura 7: Domínio das Tecnologias Complementares de Produto/Processo.

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Tecnologia: novas abordagens, conceitos, dimensões e gestão

dispõe de capabilidade tecnológica e terá constantes difi- cipais revistas indexadas e congressos do País, no campo da
culdades para competir no mercado. É necessário destacar engenharia de produção. Procurou dar continuidade e de-
que para uma grande parte de produtos manufaturados o senvolver novos conceitos importantes dentro da gestão da
valor agregado tecnológico não é substancial, ou seja, é de tecnologia nas empresas, enfocando as tecnologias de pro-
domínio público, o que teoricamente abre a possibilidade de duto e de processo de produção. Os estudos realizados não
qualquer empresa do ramo fabricar aqueles produtos. Nesse contemplam o termo “tecnologia”, como vem sendo atual-
contexto tecnológico, a diferenciação de competitividade mente utilizado, nas relações entre hardware e software,
entre as empresas poderá estar na microtecnologia de pro- dentro da tecnologia da informação, pois essa terminologia
cesso, que seria nesse caso o fator chave dominante. é genérica e tem caráter mais popular do que científico. Os
O nível de desenvolvimento de um país ou região está aspectos da informação e tecnologia da informação foram
diretamente relacionado ao estágio científico e tecnológico evidentemente considerados, dentro do presente estudo, no
de sua comunidade nos diferentes ramos do conhecimento. que eles realmente representam dentro do campo da gestão
Dentro dessas comunidades existe uma configuração média da tecnologia, em produtos e processos nas empresas.
de conhecimento tecnológico, que
poderíamos chamar de “capabilida-
m síntese, a microtecnologia é o
de tecnológica de domínio público”,
que é maior quanto mais desenvolvi-
do for o país ou região. Esse conheci-
mento tecnológico difundido para as
E resultado final da macrotecnologia,
onde é gerada e construída a capabilidade
pessoas, no sentido coletivo, pode
ser considerado como uma “aprendi- tecnológica através das inter-relações entre
zagem da comunidade” ao longo do
tempo, e constitui um fator impor- os diferentes setores de uma organização e
tante para o desenvolvimento das
empresas inseridas nesse meio. Pa- entre a organização e o meio exterior.
ralelamente a esse “conhecimento
médio tecnológico comunitário” estão as tecnologias paten- A pesquisa procurou levantar os aspectos atuais mais
teadas ou de domínio restrito, as quais não são difundidas importantes dentro do campo da gestão da tecnologia nas
para a comunidade durante um certo período de tempo, em empresas, em nível internacional, bem como desenvolver
função dos direitos de propriedade industrial e/ou da matu- novos conceitos de “tecnologia” do produto e de processo,
ração do uso dessas tecnologias em bens e serviços. Após como a “microtecnologia” e a “macrotecnologia”. O mode-
esse período essas tecnologias se difundem e se incorporam lo conceitual, através das dimensões estratégica e operacio-
ao conhecimento tecnológico comunitário, inicialmente da nal da tecnologia, induziu ao desenvolvimento de amplo
região e depois do país. O conhecimento tecnológico é trabalho de campo, envolvendo originalmente o levanta-
gerado pelas necessidades de uma determinada comunida- mento “survey” como projeto de pesquisa e o “questionário
de, sendo sua translação para outras comunidades um ver- auto-administrado” como método de pesquisa, complemen-
dadeiro paradigma, podendo repercutir e influenciar aspec- tados posteriormente pelo projeto de “pesquisa qualitativa”
tos sociais e culturais da sociedade receptora, positivamente e método de pesquisa “entrevistas semi-estruturadas”,
ou negativamente. Como as comunidades têm também abrangendo 35 empresas de várias cidades do Estado de São
muitas características próprias, essas necessidades podem Paulo e Capital, com razoável nível de industrialização.
ser diferenciadas, com a conseqüente geração de tecnologias Foram analisados e discutidos vários elementos da ges-
também diferenciadas. Essa dinâmica e diversificação são tão da tecnologia na empresa, envolvendo aspectos gerais,
fatores importantes para o desenvolvimento científico e estratégicos e operacionais da tecnologia, como também a
tecnológico dos povos, com evolução cíclica e diferencia- configuração dos novos conceitos de microtecnologia e
ção regional entre as nações macrotecnologia, e finalmente a caracterização da tecnolo-
gia e da gestão da tecnologia dentro das relações inter-
5. CONCLUSÃO funcionais nas organizações. Em síntese, podemos dizer
que a maior parte das organizações consultadas ainda não
O presente trabalho, concentrado na linha de pesquisa despertou para a importância da tecnologia para a competi-
“gestão da tecnologia” é continuidade da pesquisa organi- tividade no mercado globalizado, diferentemente das em-
zacional que vem sendo desenvolvida durante os últimos presas de países desenvolvidos, onde as ações efetivas nesse
6(seis) anos, cujos resultados têm sido publicados nas prin- campo surgiram a partir da década de 1990. Ironicamente,

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Silva

muitas empresas ainda estão no mercado interno porque não atualmente utilizadas, bem como programar o desenvolvi-
ocorreu essa mobilização na maioria das organizações. mento e uso de novas tecnologias para aquele processo e
Todavia, elas não têm condições de competitividade no operações, ou para novos processos e novas operações. A
mercado internacional de países desenvolvidos, onde se simples divisão do processo produtivo em micro processos,
concentra o maior poder aquisitivo. dentro de um modelo linear, poderá induzir a equívocos
Alguns movimentos que ocorreram nos EUA no início nessa análise.
da década de 1990, envolvendo os meios acadêmicos, go- Uma análise da organização sob o ponto de vista da
vernamental e empresarial, no campo da inovação tecnoló- microtecnologia permite delinear os resultados finais da
gica, estão tendo reflexos iniciais somente agora no Brasil capabilidade da empresa em dois campos importantes e
no âmbito dos Governos Federal e Estadual, com a criação distintos: tecnologia de produto e tecnologia de processo
de programas e fundos de apoio ao desenvolvimento de produtivo. O valor agregado da tecnologia de produto con-
novas tecnologias. No setor privado constatam-se algumas figura a empresa no contexto do mercado, pois seus produ-
ações de associações e confederações, procurando consci- tos e serviços representam o espelho da empresa para a
entizar os empresários da importância do desenvolvimento comunidade. Já as tecnologias de processo produtivo cons-
tecnológico. Não basta a substituição de equipamentos por tituem um conjunto de conhecimentos acumulados que
permitem gerar produtos e serviços,
de forma competitiva ou não, depen-
consumo e tipo de energia necessários dendo da capabilidade tecnológica

O em um sistema produtivo dependem do


projeto do produto e do projeto do processo
da empresa no contexto do mercado.
Em síntese, a microtecnologia é o
resultado final da macrotecnologia,
onde é gerada e construída a capabi-
lidade tecnológica através das inter-
produtivo, relacionados com a gestão da relações entre os diferentes setores
de uma organização e entre a organi-
tecnologia na empresa. zação e o meio exterior.
As operações de um processo
bens de capital importados, como tem ocorrido nos últimos produtivo são conduzidas com o auxílio de instrumentos,
anos, com a isenção de impostos de importação, pois esse programas, equipamentos e máquinas de produção, geral-
procedimento não incorpora capabilidade tecnológica à mente fornecidas por outras empresas, caracterizadas
empresa. A organização deve se capacitar para desenvolver como do setor de bens de capital. Esse setor é considerado
continuamente novos produtos viáveis, e investir no desen- como a indústria de base para a implantação de outras
volvimento de novas tecnologias para produtos e processos. empresas, com seu estágio tecnológico influenciando toda
Essa capacitação, que denominamos de capabilidade tecno- a cadeia produtiva e o desenvolvimento de um país. Desta
lógica, envolve todos os setores da organização em ativida- forma, sugerimos pesquisar como as empresas do setor de
des contínuas, similarmente com o que ocorre em outras bens de capital utilizam e desenvolvem as tecnologias em-
áreas. Se a forma organizacional da empresa for funcional, butidas em seus equipamentos, no campo da gestão da
existe necessidade de criação de um setor específico de tecnologia. Um trabalho de pesquisa preliminar poderia ser,
tecnologia. Se não for funcional, há necessidade de desen- por exemplo, “gestão da tecnologia no setor de bens de
volvimento de um processo que incorpore as atividades capital”, com desdobramentos futuros para outros projetos
tecnológicas da organização. Independentemente da forma específicos em áreas importantes como agroindústria, side-
organizacional da empresa, a função tecnologia, quer seja rurgia, energia, papel e celulose, eletrônica, alimentos, tele-
específica ou virtual, deve ser desenvolvida com a integra- comunicações, ferroviária, automobilística, e outras.
ção entre os diferentes setores e níveis hierárquicos da Qualquer sistema produtivo, nas funções manufatura,
empresa. serviços, transporte e suprimento, gera resíduos direta ou
O gerenciamento por processo permite distinguir a dife- indiretamente, com maior concentração na indústria de
rença entre processo e operação, ou seja, uma análise de um manufatura. Muitos produtos eliminam resíduos com o seu
processo produtivo sob dois pontos de vista. Nesse contex- uso durante o período de sua vida útil, e se tornam resíduos
to, o uso do conceito de microtecnologia, com a tecnologia após esse período. Desta forma, toda a cadeia do sistema
principal e tecnologias complementares do processo pro- produtivo influencia o meio ambiente, através de uma rela-
dutivo, permite uma análise tecnológica importante no deli- ção direta com a gestão da tecnologia nas empresas, desde o
neamento dos valores agregados e domínio das tecnologias projeto do produto e microtecnologia do produto, até o

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Tecnologia: novas abordagens, conceitos, dimensões e gestão

projeto do processo produtivo e a microtecnologia deste importância desse campo, dentro do programa de raciona-
processo. Adicionalmente temos também a correlação entre mento de energia elétrica, nas condições atuais do País,
a microtecnologia do processo produtivo as tecnologias sugerimos projeto de pesquisa que proceda à análise, atra-
específicas de reciclagem e tratamento de resíduos, dentro vés de conceitos e de pesquisa de campo, das relações entre
do sistema de controle ambiental da organização. Em face a gestão da tecnologia na empresa e a conservação de
da importância desse campo, sugerimos projeto de pesquisa energia no sistema produtivo.
que proceda à análise, através de conceitos e de pesquisa de Concluindo, o presente trabalho constatou que ainda há
campo, das relações entre a gestão da tecnologia na empresa grande potencial, de otimização e pesquisa, a ser explorado
e a gestão do meio ambiente. pelas empresas e universidades, envolvendo associações,
Outro campo de pesquisa importante está relacionado ao governos federal e estaduais, visando implementação da
uso e conservação de energia em sistemas produtivos, que capabilidade tecnológica das organizações, em direção à
também tem relacionamento com os aspectos ambientais, competitividade no mercado interno e externo. Temos pro-
mas merece ser destacado e estudado com detalhamento. curado divulgar os resultados das pesquisas e ressaltar a
Adicionalmente, temos também a correlação entre a micro- importância desse campo para as empresas, através de
tecnologia do processo produtivo e as tecnologias específi- conferências em órgãos representativos empresariais, como
cas de conservação de energia, dentro do sistema de racio- CIESP/ FIESP regionais, universidades, simpósios, con-
nalização do uso de energia da organização. Em face da gressos, e seminários de trabalho.

Artigo recebido em 30/09/2002


Revisado em 27/11/2002
Aprovado para publicação em 13/02/2003

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