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INTEGRANDO
TECNOLOGIA E
ESTRATÉGIA: UMA
PERSPECTIVA GERAL
DE GESTÃO

PARTE

O
objetivo principal deste livro é ajudar o gestor –
responsável pela gestão estratégica de uma orga-
nização ou unidade de negócios – a lidar com as
questões de tecnologia e de inovação. As empre-
sas de alta tecnologia investem, pelo menos, 5% da receita em
tecnologia e atividades relacionadas à inovação; as empresas
iniciantes investem mais. Embora a maioria das empresas es-
tudadas aqui seja considerada de alta tecnologia, as questões e
os problemas associados à tecnologia e à inovação atualmente
fazem parte da gestão de toda e qualquer empresa.
Uma das tarefas fundamentais do gestor é adquirir, aprimorar
e alocar os recursos de uma organização. A tecnologia é um re-
curso de primordial importância para muitas organizações; geri-
-lo visando à vantagem competitiva exige que seja integrado à
estratégia da empresa. Outra tarefa é criar e explorar a capacida-
de de inovação. Isso exige que o gestor seja capaz de avaliá-la
e identificar como alavancá-la ou aprimorá-la (ou seja, a capa-
cidade de inovação da empresa). Fornecemos aqui um conjunto
de ferramentas que o gestor utilizará para executar essas duas
tarefas importantes.
A seguir, apresentamos três seções. A primeira define um
conjunto de conceitos-chave relativos à inovação tecnológica, e
então delinearemos suas inter-relações. Essa etapa é importante

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2     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

porque a gestão estratégica da tecnologia e da inova- para desenvolver produtos e serviços, bem como seus
ção é uma área nova, e seus conceitos, distintos e em sistemas de produção e distribuição. Pode ser incorpo-
parte sobrepostos, ainda sofrem modificações. Embora rada às pessoas, materiais, processos cognitivos e fí-
não estejamos reivindicando que as definições e inter- sicos, instalações, equipamentos e ferramentas. Seus
-relações apresentadas aqui sejam definitivas, elas, em elementos-chave podem estar implícitos, existindo
geral, são aceitas pelos acadêmicos e profissionais da apenas de uma forma arraigada, por exemplo, segredos
área, além de serem úteis para organizar a discussão de comerciais com base em know-how. Em geral, a perí-
casos e estudos.* A segunda seção discute a integração cia e a experiência detêm um importante componente
da tecnologia com a estratégia de negócios e corpora- tácito, de modo que partes importantes da tecnologia
tiva e a terceira apresenta uma estrutura para auditar e
não são reveladas ou codificadas em manuais, rotinas
avaliar as capacitações da empresa. Ao final, temos uma
e procedimentos, receitas, regras práticas ou outras
breve conclusão.
articulações explícitas. Os critérios para o sucesso da
tecnologia também são técnicos (ela dará conta do ser-
CONCEITOS-CHAVE E SUAS INTER-RELAÇÕES viço?) em vez de comerciais (ela dará conta do serviço
Invenções/descobertas/tecnologias de forma rentável?). Via de regra, as tecnologias são
As invenções ou descobertas estão na origem do proces- resultado das atividades de desenvolvimento para co-
so de inovação tecnológica. Como assinala o dicionário locar em uso as invenções e descobertas. As invenções
Webster, “Descobrimos o que antes existia, embora des- do transistor (1947), do circuito integrado (1959) e do
conhecido para nós; inventamos o que antes não existia”. microprocessador (1971), por exemplo, deram origem a
As invenções e descobertas são o resultado de processos gerações sucessivas de novas tecnologias na indústria de
criativos, muitas vezes fortuitos e difíceis de prever ou semicondutores, que foram, por sua vez, aplicadas em
planejar. Por exemplo, o Aspartame, um adoçante usa- áreas como processamento de dados e telecomunicações.
do em muitos produtos alimentícios e bebidas, foi uma
descoberta casual. Tanto os pesquisadores das universi- Inovações tecnológicas
dades, governo e laboratórios industriais, que seguem Algumas inovações são baseadas em tecnologia (p. ex.,
os manuais da ciência moderna, quanto os curiosos de fraldas descartáveis, raquetes de tênis de grandes di-
fundo de quintal – desempenham um importante papel
mensões, injeção eletrônica de combustível e compu-
nesses processos. A pesquisa científica básica refere-se
tadores pessoais). Outras, tais como novos produtos ou
às atividades relacionadas na geração de novos conhe-
serviços do varejo e serviços financeiros, são facilitadas
cimentos sobre fenômenos físicos, biológicos e sociais,
enquanto a pesquisa científica aplicada é voltada para pela nova tecnologia (p. ex., processamento eletrôni-
a solução de problemas técnicos particulares. O corpo co de dados). Os critérios para o sucesso da inovação
de conhecimento acumulado, sistemático e codificado, tecnológica são comerciais em vez de técnicos: uma
resultante da pesquisa científica, forma o substrato para inovação bem-sucedida é aquela que proporciona o re-
muitas, embora nem todas, invenções e descobertas (p. torno do investimento original em seu desenvolvimento
ex., a roda não resultou de pesquisa científica). acrescido de algum adicional. Isso exige um mercado
Os critérios para o sucesso em relação às invenções bastante grande para que a inovação se realize. As ino-
e descobertas são técnicos (são verdadeiras/reais?), em vações são o resultado do processo de inovação, defi-
vez de comerciais (proporcionam uma base para ren- nido como as atividades combinadas que levam a pro-
das econômicas?). Por meio das patentes, por vezes dutos e serviços novos e comercializáveis, ou a novos
as invenções e descobertas permitem que seus autores sistemas de produção e distribuição.
estimem o potencial dos lucros com as próximas inova- Foram identificados na literatura diferentes tipos de
ções, mas pode haver um lapso de tempo significativo inovação. As incrementais preveem adaptação, refinação
(dez anos ou mais) entre concluir a pesquisa científica e aprimoramento dos produtos e serviços existentes,
e usar as invenções e descobertas decorrentes para criar assim como os sistemas de produção e distribuição – por
uma inovação bem-sucedida (a supercondutividade e a exemplo, a próxima geração de um microprocessador. As
engenharia genética são exemplos disso).
inovações radicais incluem categorias novas de produ-
Tecnologia refere-se ao conhecimento teórico e prá-
tos e serviços e/ou de sistemas de produção e distribui-
tico, às habilidades e instrumentos que serão usados
ção (p. ex., comunicações sem fio). As de arquitetura
referem-se a reconfigurações do sistema de componen-
tes que constituem o produto (p. ex., os efeitos da mi-
N. de E.: Os casos estão disponíveis, em inglês, no site www.grupoa.com.br.
*
niaturização dos principais componentes do rádio).

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parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     3

Figura 1  Relações entre os conceitos-chave acerca da inovação tecnológica

Mundo Técnico Empreendedorismo tecnológico Mundo Comercial

=
Capacitações administrativas

+
Resultados Invenções/descobertas/tecnologias Inovações tecnológicas

Atividades de Atividades de
Atividades Atividades Atividades de desenvolvimento desenvolvimento
de pesquisa desenvolvimento de produtos/ de mercado
processos
Consertos/
experimentos

Empreendedorismo tecnológico sempre interativo e simultâneo, em vez de unidirecional


A atividade empreendedora é um impulsionador funda- e sequencial.
mental do processo de inovação tecnológica. Empreen­
dedorismo tecnológico refere-se às atividades que criam INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA
novas combinações de recursos para tornar a inovação Perspectivas sobre estratégia
possível, reunindo o mundo técnico e comercial de for-
Visão positiva versus visão normativa  A visão po-
ma lucrativa. As capacitações administrativas devem sitiva preocupa-se com a estratégia real da empresa e
ser empregadas de forma eficaz e eficiente. O empreen­ como ela é. A normativa, por outro lado, interessa-se
dedorismo tecnológico incluirá um indivíduo (em­ pelo que a estratégia da empresa deveria ser.
preendedorismo individual) ou as atividades combi- A visão positiva propõe que a estratégia da empre-
nadas de múltiplos participantes em uma organização sa reflita as crenças da alta administração a respeito
(empreendedorismo corporativo). dos fundamentos do sucesso passado e atual da organi-
zação.1 Essas crenças referem-se (a) às competências
Atividades e resultados centrais, (b) às áreas de mercado do produto, (c) aos
A discussão dos conceitos-chave sugere ser útil distin- seus valores centrais, e (d) aos seus objetivos, e tam-
guir atividades e resultados. As invenções, descobertas bém às associações entre esses elementos e o sucesso
e tecnologias (resultados) resultam de testes e experi- da empresa. Elas serão vistas como resultado dos pro-
mentações, como também das atividades sistemáticas cessos de aprendizagem organizacional; são respon-
de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) básica e aplica- sáveis pela direção dos esforços da alta administração
da. As inovações tecnológicas (resultados) são conse- a fim de estabelecer um processo estratégico que tire
quência do desenvolvimento do produto, do processo e proveito da aprendizagem organizacional. Não é de
do mercado (atividades). O empreendedorismo tecno- surpreender que haja uma provável e boa dose de inér-
cia associada a esse conjunto de crenças.2 Portanto,
lógico implica o aperfeiçoamento do produto, processo
para entender a estratégia de uma empresa, é necessá-
e mercado, bem como o aprimoramento das capacita-
rio não só considerar as opiniões e afirmações da alta
ções administrativas.
administração a esse respeito, mas observar também
Inter-relações entre os conceitos-chave
A Figura 1 mostra as relações entre os conceitos-chave
1
Ver, por exemplo, R. A. Burgelman, “Corporate Entrepreneurship and
da inovação tecnológica, salientando o processo e os Strategic Management: Insights from a Process Study”, Management
resultados. O processo inicia com o desenvolvimento Science 29 (1983), pp. 1349-64.
2
R. A. Burgelman, “Intraorganizational Ecology of Strategy Making and
do mercado ou com as atividades tecnológicas. Na rea­ Organizational Adaptation: Theory and Field Research”, Organization
lidade, o processo de inovação tecnológica será quase Science 2 (1991), pp. 239-62.

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4     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

o que ela efetivamente faz. Muitas vezes, em especial rapidez”.6 Porter observou que a tecnologia está entre os
nos ambientes dinâmicos associados às empresas de fatores de maior destaque que determinam as regras da
alta tecnologia, há divergência entre a estratégia na concorrência.7 Friar e Horwitch explicam seu crescente
teoria e na prática.3 destaque como consequência de forças históricas: a des-
motivação com o planejamento estratégico, o sucesso das
Visão de produto/mercado versus visão baseada em empresas de alta tecnologia nas indústrias emergentes, o
recursos  A estratégica de produto/mercado preocu- aumento da concorrência japonesa, o reconhecimento da
pa-se em como a empresa concorre com seus produ- relevância competitiva da manufatura e o surgimento de
tos e serviços. Já a estratégia baseada em recursos está um interesse acadêmico na gestão tecnológica.8
interessada em como a empresa adquire competências Porém, o que um gestor precisa saber ao considerar
centrais e as capacitações que proporcionam a base para o papel da tecnologia na estratégia de uma empresa?
obter e manter a vantagem competitiva. A estratégia de- Segundo uma escola de pensamento, basta entender os
pende da quantidade e da qualidade das capacitações parâmetros transformados pela caixa-preta tecnológica
de uma empresa. A estratégia sem capacitação não tem (o computador ou outro instrumento em questão).
força; por outro lado, capacitações descoladas da estra- Ou seja, basta saber o que o dispositivo tecnológico ou
tégia permanecem sem rumo. “Como as competências sistema faz, não como ele faz. Uma visão alternativa
e as capacitações ajudam a criar e manter a vantagem argumenta que, a menos que alguém entenda o fun-
competitiva?”, respostas a essa pergunta ajudam a arti- cionamento de dispositivos e leis que delineiam suas
cular maneiras como serão exploradas as oportunidades limitações, não fará julgamentos eficazes a respeito
criadas pelas capacitações da empresa. da transformação de tecnologias relevantes em produ-
Durante a década de 1980, os conceitos normativos tos de sucesso. A posição assumida neste livro é que
sobre a estratégia de produto/mercado receberam ampla os gestores não precisam ter formação em ciência ou
atenção. A estrutura das “cinco forças” e “estratégias engenharia, mas, sim, investir esforços significativos
genéricas” de Porter forneceram ferramentas para ex- para entender as tecnologias importantes para os seus
plicar por que algumas indústrias são mais atraentes negócios. Eles também devem identificar fontes segu-
do que outras, para entender a posição de uma empresa ras e confiáveis de aconselhamento técnico. E, mais im-
em relação às suas concorrentes e para a elaboração de portante, devem ser capazes de enquadrar as questões
ações que melhorem a atratividade global da indústria estratégicas-chave em relação à tecnologia. O restante
e a posição estratégica de cada empresa.4 As opiniões desta seção se concentra nessas questões-chave e dis-
normativas a respeito da concorrência com base nas cute as ferramentas necessárias para examinar como a
competências centrais e nas capacitações durante o iní- tecnologia e a estratégia de negócio de uma empresa
cio dos anos 1990 indicaram o crescente destaque da são integradas de maneira mais eficaz.
visão baseada em recursos.5 O atual trabalho normativo
nesse sentido é orientado para melhor integrar o concei- Tecnologia e estratégia competitiva  O conceito de
to de produto/mercado e a visão com base em recursos. “estratégias genéricas” de Porter é uma estrutura am-
pla utilizada na classificação das estratégias competi-
Conectando tecnologia e estratégia tivas. São elas: (a) a diferenciação no nível industrial,
Durante os anos 1980, os acadêmicos da gestão estra- (b) a diferenciação focada, (c) a liderança de custos no
tégica começaram a reconhecer a tecnologia como um nível industrial, e (d) a liderança de custos focada. As
elemento importante na definição do negócio e da es- empresas que aspiram à diferenciação no nível indus-
tratégia competitiva. Por exemplo, Abell identificou-a trial buscam a vantagem competitiva sustentável em
como uma das três dimensões principais dessa defini- uma ampla faixa de segmentos industriais mediante
ção, observando que “a tecnologia acrescenta um cará- a oferta de produtos ou serviços que sejam melhores
ter dinâmico à definição do negócio, já que ao longo do do que os dos concorrentes em termos de qualidade,
tempo uma pode desalojar outra com mais ou menos desempenho, características, entrega, suporte, e assim

3
R. A. Burgelman, “Fading Memories: A Process Theory of Strategic 6
D. Abell, Defining the Business (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall,
Business Exit in Dynamic Environments”, Administrative Science 1980).
Quarterly 39 (1994), pp. 24-56. 7
M. E. Porter, “The Technological Dimension of Competitive Strategy”,
4
M. E. Porter, Competitive Advantage (New York: Free Press, 1985). Research on Technological Innovation, Management, and Policy 1
5
C. K. Prahalad and G. Hamel, “The Core Competence of the (1983), pp. 1-33.
Corporation”, Harvard Business Review, May-June 1990; G. Stalk, P. 8
J. Friar and M. Horwitch, “The Emergence of Technology Strategy:
Evans and L. E. Shulman, “Competing on Capabilities: The New Rules A New Dimension of Strategic Management”, Technology in Society 7
of Corporate Strategy”, Harvard Business Review, March-April 1992. (1985), pp. 143-78.

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parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     5

Figura 2  Políticas tecnológicas e estratégias competitivas genéricas

Estratégia genérica

Liderança de Diferenciação Liderança de custo Diferenciação com


custo global global com foco no segmento foco no segmento

Políticas tecnológicas

Mudança tecnológica Desenvolvimento do Desenvolvimento do Desenvolvimento do Desenvolvimento do


do produto produto para diminuir produto para melhorar produto projetado produto para satisfa-
o custo, reduzindo o a qualidade, funciona- apenas com desem- zer as necessidades
conteúdo de materiais, lidades, processo de penho suficiente para da aplicação em um
facilitando a fabrica- entrega ou custo de as necessidades do segmento particular de
ção, simplificando os mudança de forne- segmento negócio
requisitos logísticos cedor
etc.

Mudança tecnológica Melhoria do processo Desenvolvimento do Desenvolvimento do Desenvolvimento


do processo de aprendizagem. processo para suportar processo para sintonizar do processo para
Desenvolvimento do altas tolerâncias, maior o sistema de produção e sintonizar o sistema de
processo para elevar controle de qualidade, distribuição às neces- produção e distribui-
as economias de programação mais sidades do segmento a ção à necessidade do
escala confiável, tempo de fim de baixar os custos segmento a fim de me-
resposta mais rápido lhorar o desempenho
para os pedidos e
outras dimensões que
melhoram a habilidade
de execução

Fonte: M. E. Porter, “The Technological Dimension of Competitive Strategy”, Research on Technological Innovation, Management, and Policy 1 (1983), pp. 1-33.

por diante. Aquelas que almejam a diferenciação fo- afirma que cada uma delas requer uma estratégia
cada tentam alcançar a vantagem competitiva susten- tecnológica diferenciada. Além disso, as decisões
tável similar em um conjunto restrito de segmentos estratégicas sobre tecnologia de produto e processo
industriais. Uma indicação objetiva de ter alcançado a (fabricação) podem atender os propósitos de ambas,
diferenciação é a disposição dos clientes em pagar um de diferenciação e de liderança de custos. A tecno-
preço mais alto. As que desejam a liderança de custos logia relacionada ao processo é fundamental para o
no nível industrial buscam a vantagem competitiva em desempenho do produto e, portanto, para a diferen-
uma ampla faixa de segmentos industriais por meio da ciação. Durante o início dos anos 1980, por exemplo,
oferta de produtos ou serviços a preços mais baixos e a excelência em manufatura permitiu aos fabricantes
que sejam comparáveis aos dos concorrentes no con- japoneses de memórias do tipo DRAM (Dynamics
junto relevante de atributos de interesse dos clientes. Random Access Memory) diferenciarem seus produ-
As empresas que aspiram à liderança de custos focada tos em termos de qualidade dos muitos fabricantes
tentam alcançar a vantagem competitiva sustentável dos Estados Unidos. Por outro lado, a tecnologia
similar em um conjunto restrito de segmentos indus- relacionada ao produto pode justificar o custo mais
triais. Para que seja viável, a estratégia de liderança de baixo. Por exemplo, projetar modelos de automóveis
custos de uma empresa deve ter como base uma menor diferentes de tal modo que compartilhem os princi-
infraestrutura de custo final. pais componentes estruturais (p. ex., chassis) baixará
Porter salienta que a estratégia tecnológica é uma os custos dos diferentes modelos.
ferramenta em potencial poderosa para buscar cada A ligação entre a estratégia tecnológica e as estra-
uma das quatro estratégias genéricas citadas, mas tégias competitivas genéricas encontra-se na Figura 2.

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Figura 3  A matriz produto/tecnologia Figura 4 Desenvolvendo o portfólio de tecnologia

Alta
Produto A Produto B ••• Produto N
Tecnologia 1 (*)
Tecnologia 2

Importância da tecnologia
• Apostar Empate


Tecnologia 

Observação: Cada entrada (*) deve estabelecer a força relativa da empresa em


comparação com o estado da arte.
Fonte: Adaptado de A. Fusfeld, “How to Put Technology into Corporate
Planning”, Technology Review, May 1978. Reimpresso com a permissão
Lucrar Encerrar
da Technology Review, MIT Alumni Association, © 1978.

Tecnologia e estratégia de produto/mercado  A estra-


Baixa
tégia de uma empresa é revelada pelos produtos e serviços Alta Baixa
que leva para o mercado. Uma maneira de obter a inte-
gração da tecnologia e da estratégia de produto/mercado Posição relativa da tecnologia
de uma empresa é decompor cada produto ou serviço nas Fonte: J. M. Harris, R. W. Shaw Jr., and W. P. Somers, The Strategic Management
tecnologias que os compõem e avaliar a força relativa, – o of Technology (New York: Booz Allen Hamilton Inc., 1981).
grau de competência distinta – que a empresa tem em
relação a essa tecnologia. A Figura 3 mostra o esboço A Figura 4 demonstra um conceito com base nes-
para a construção de uma matriz produto/tecnologia. sas duas dimensões. Harris, Shaw e Somers propõem
Embora a Figura 3 seja a primeira etapa na análise que as tecnologias no quadrante “Apostar” justificam
do grau de integração de uma empresa, muitas vezes é o comprometimento total da empresa.10 Quer dizer, que
difícil especificar as várias tecnologias da matriz no nível nesses casos, a empresa precisa se dispor a estar na
de detalhe apropriado e sua relação concreta com os pro- vanguarda da P&D, ampliar os limites do seu processo
dutos da empresa. É óbvio que uma empresa que fabrica de elaboração do produto e investir em equipamentos
e comercializa câmeras deve ser competente em óptica, mais modernos.
por exemplo. Porém, não basta determinar a força das ca- As tecnologias no quadrante “lucro” devem ser
pacitações da empresa; também é necessário especificar examinadas com cuidado. Essas tecnologias podem
como a força da empresa na área óptica ajuda suas câme- ter sido muito importantes em um momento, mas as
ras a ter uma qualidade mais alta ou um custo mais baixo. mudanças na base da concorrência na indústria podem
ter diminuído sua importância relativa. A compreensão
Portfólio de tecnologia  Harris, Shaw e Somers su- dessas mudanças e do porquê de elas terem ocorrido
gerem que, uma vez identificadas as várias tecnologias, leva, muitas vezes, à percepção da situação estratégica
elas são classificadas em função de sua importância da empresa.11 Além disso, embora “lucro” possa sugerir
para a vantagem competitiva,9 para, em seguida, avaliar que nenhum investimento adicional nessas tecnologias
a posição da empresa em relação aos seus concorrentes. seja justificável, tal movimento será prematuro ou equi-
A importância da tecnologia precisa ser expressada em vocado. Algumas vezes, partes dessas tecnologias con-
termos do valor que ela traz para determinada classe de tinuam ligadas de maneiras sutis a outras consideradas
produtos para o cliente/usuário. A importância de uma mais importantes.
determinada tecnologia é bastante afetada pela posição As tecnologias no quadrante “empate” também
que ocupa no ciclo de vida da tecnologia (ver p. 7). posicionam-se de forma ambígua, por talvez estarem
A posição relativa da tecnologia deve ser expressada ali devido às mudanças na base da concorrência indus-
em relação aos concorrentes em função, por exemplo, trial. Nesse caso, a empresa precisa decidir entre in-
da situação das patentes, do know-how e dos segredos vestir de forma intensa em tecnologia, a fim de alcan-
industriais, dos efeitos da curva de aprendizagem e das çar seus concorrentes, ou desistir de um determinado
competências-chave. A posição relativa da tecnologia é produto ou negócio. Novamente, é importante saber
bastante afetada pelos níveis de investimento históricos por que e como essas mudanças na base da concorrên-
e futuros da empresa. cia na indústria ocorrerão.

J. M. Harris, R. W. Shaw Jr., and W. P. Somers, The Strategic Manage-


9 10
Idem, ibidem.
ment of Technology (New York: Booz Allen Hamilton Inc., 1981). 11
Por exemplo, ver Burgelman, “Fading Memories”, pp. 24-56.

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parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     7

Figura 5  Comparando os portfólios de negócio e de tecnologia

Negócio Tecnologia

A B A
Atratividade

Importância
Posição Posição
competitiva

Fonte: J. M. Harris, R. W. Shaw Jr., and W. P. Somers, The Strategic Management of Technology (New York: Booz
Allen Hamilton Inc., 1981).

As tecnologias no quadrante “encerrar” requerem Tecnologia e cadeia de valor


que a empresa reconsidere os investimentos destinados No sentido mais amplo, o termo tecnologia abrange
a elas. As forças inerciais quase sempre levam ao in- todo o conjunto de tecnologias empregadas na sequên-
vestimento contínuo em P&D além do nível em que se cia de atividades que constituem a cadeia de valor de
espera resultados razoáveis. As análises regulares dos
uma empresa.13 A Figura 6 exibe um exemplo das várias
padrões de investimento podem indicar uma necessi-
tecnologias na cadeia de valor de uma empresa.
dade de liberar e redistribuir os recursos.
Como Porter salienta, qualquer uma dessas tecnolo-
Portfólio de tecnologia e portfólio de negócios Mui- gias pode afetar a estrutura da indústria, a diferenciação
tas empresas têm múltiplos negócios em seus portfólios de uma empresa ou sua posição de custos – e, portanto,
corporativos, cada um com suas próprias tecnologias. A sua vantagem competitiva.14 Portanto, é importante para
estratégia corporativa tem sido aprimorada pelas técnicas o gestor acompanhar a evolução de todas as tecnologias
de planejamento do portfólio, mas a maioria delas não que afetam as atividades de valor da empresa. Elaborar
dedicou a devida atenção à tecnologia. Uma dessas fer- uma estratégia tecnológica (Parte 2 deste livro) requer
ramentas para o planejamento do portfólio é a estrutura que a empresa decida (a) como cada tecnologia será
da McKinsey, com base nas dimensões da atratividade da usada para a vantagem competitiva, e (b) se determi-
indústria e da posição competitiva. Harris, Shaw e Somers nada tecnologia deve ser desenvolvida internamente ou
sugerem o exame da relação entre as matrizes de planeja- adquirida fora.
mento do portfólio tradicional e do portfólio de tecnologia
(ver Figura 3).12 Isto é demonstrado na Figura 5. Evolução e previsão tecnológica
Tal análise oferece a possibilidade de investigar o
Ciclo de vida da tecnologia  A mudança tecnológica
encontro (ou desencontro) entre os portfólios de negó-
é uma das forças mais importantes que afetam a posi-
cio e de tecnologia de uma empresa e suas resultantes
ção competitiva de uma empresa, e a pesquisa sugere
prioridades de investimento. Por exemplo, a análise
estratégica padrão indica que um determinado negócio que as empresas acham difícil reagir a tais mudanças.15
está em uma posição competitiva forte em uma indús-
tria atraente. No entanto, a análise tecnológica indica 13
Porter, Competitive Advantage.
que as tecnologias que sustentam o negócio, embora 14
Idem, ibidem.
importantes para a vantagem competitiva, na verdade 15
A. C. Cooper and D. Schendel, “Strategic Responses to Technological
estão em uma posição delicada. Isso indicaria a necessi- Threats”, Business Horizons, February 1976, pp. 61-63; M. L. Tushman
and A. Anderson, “Technological and Organizational Environments”,
dade de aumentar o investimento em tecnologia. Administrative Science Quarterly 31 (1986), pp. 439-65; R. Henderson
and K. B. Clark, “Architectural Innovation: The Reconfiguration of
Existing Systems and the Failure of Established Firms”, Administrative
Science Quarterly 35, n. 1 (1990), pp. 9-30; and Burgelman, “Fading
12
Harris et al., The Strategic Management of Technology. Memories”, pp. 24-56.

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8     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Figura 6  Tecnologias típicas da cadeia de valor de uma empresa

Tecnologia de transportes Tecnologia básica Tecnologia de Tecnologia de mídia Tecnologia de


do produto transportes diagnóstico e teste

Tecnologia de manuseio Tecnologia de materiais Tecnologia do manuseio Tecnologia de Tecnologia do


de materiais de materiais gravação de sistema de
áudio e vídeo comunicação
Tecnologia de armazenagem Tecnologia de máquina- Tecnologia de Tecnologia do sistema Tecnologia do
e preservação -ferramenta acondicionamento de comunicação sistema de
Tecnologia de sistema Tecnologia de manuseio Tecnologia do sistema Tecnologia do sistema informações
de comunicação de materiais de comunicação de informações
Tecnologia de testes Tecnologia de Tecnologia do sistema
Tecnologia de sistema acondicionamento de informações
de informações Métodos de manutenção
Tecnologia de testes
Tecnologia de operação
do projeto de construção
Tecnologia do sistema
de informações

Logística de suprimentos Operações Logística de distribuição Vendas, marketing Serviços

Fonte: Adaptado com permissão da Free Press, uma divisão da Macmillan, Inc., de M. E. Porter, Competitive Advantage: Creating and Sustaining Superior
Performance (New York: Free Press, 1985). Copyright © 1985 by Michael E. Porter.

Integrar a tecnologia e a estratégia, portanto, deveria ser um coletar dados de forma sistemática e contínua. Muitas ve-
processo dinâmico, que exige que a empresa entenda a dinâ- zes é eficaz manter um diário de bordo com este propósito.
mica do ciclo de vida das várias tecnologias que emprega. A
Figura 7 mostra a ligação entre os estágios no ciclo de vida AVALIANDO A CAPACITAÇÃO para a INOVAÇÃO
da tecnologia e o potencial para a vantagem competitiva.
Os gestores são responsáveis pelo processo de ino-
Previsão tecnológica  Um elemento importante na vação. Eles devem decidir quais inovações recebe-
integração da tecnologia e da estratégia é a capacidade rão atenção e recursos. O conhecimento do potencial
de realizar previsões tecnológicas sistemáticas. Vários de inovação da empresa e das barreiras para sua im-
autores apresentaram técnicas úteis, tais como as fun- plantação é necessário para que sejam escolhidas es-
ções do avanço tecnológico (curvas S), extrapolação tratégicas eficazes. Mas, como os gestores avaliam o
de tendências, método Delphi e criação de cenários.16 potencial de inovação de suas organizações? O res-
Subjacente à capacidade de prever – e, talvez de forma tante deste capítulo oferece um quadro conceitual
mais importante, para enxergar as relações entre os even- para auditar as capacitações para inovar.17 Tal au-
tos tecnológicos relevantes –, encontra-se o esforço para ditoria auxilia o gestor a avaliar o potencial dessas

Figura 7  Ciclo de vida da tecnologia e vantagens competitivas

Estágios da tecnologia

Ciclo de Vida Importância das tecnologias para a vantagem competitiva


 I. Tecnologias emergentes Ainda não demonstraram potencial para mudar as bases da concorrência.
  II. Tecnologias de acondicionamento Demonstraram seu potencial para mudar as bases da concorrência.
III. Tecnologias-chave São incorporadas e possibilitam o produto/processo.
Têm um impacto importante na cadeia de valor agregado (custo, desempenho, qualidade).
Permitem as posições proprietárias/patenteadas.
IV. Tecnologias de base Têm um impacto pequeno na cadeia de valor agregado; comum a todos os concorrentes; commodity.

Fonte: Adaptado de Arthur D. Little, “The Strategic Management of Technology”, European Management Forum, 1981.

16
Ver, por exemplo, B. Twiss, Managing Technological Innovation (London: 17
R. A. Burgelman, T. J. Kosnik and M. Van den Poel, “Toward an In-
Longman, 1980); R. N. Foster, Innovation: The Attacker’s Advantage (New novative Capabilities Audit Framework”, in R. A. Burgelman and M.
York: Summit, 1986); and S. C. Wheelwright and S. Makridakis, Forecast- A. Maidique, eds., Strategic Management of Technology and Innovation
ing Methods for Management, 5th. ed. (New York: Wiley-Interscience, 1989). (Homewood, Ill.: Richard D. Irwin, 1988).

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parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     9

capacitações e a elaborar um plano de desenvolvimento. Figura 8  Estrutura da auditoria das capacitações para
inovação no nível da unidade de negócio
Uma auditoria deve abordar pelo menos três questões:

1. Como a empresa tem sido inovadora nas áreas de oferta
de produtos e serviços e/ou de sistemas de produção e
distribuição?
2. Até que ponto é bom o ajuste entre o negócio atual e
Disponibilidade
as estratégias corporativas da empresa, e suas capacita- de recurso
ções para inovação?
3. Quais são as necessidades da empresa em termos de Compreensão das
capacitações inovadoras para suportar suas estratégias estratégias de
Compreensão do
ambiente
de negócios e, competitiva, no longo prazo? inovação dos
tecnológico da
concorrentes e da
Estratégia de unidade de negócio
evolução da indústria
inovação da
Estrutura de auditoria da capacitação de unidade de
inovação negócio

A inovação depende das capacitações tecnológicas, bem


como de outras capacitações críticas em áreas como Contexto estrutural e
Capacidade de gestão
estratégica da
manufatura, marketing e distribuição, além da gestão cultural da unidade
unidade de negócio
de negócio
dos recursos humanos. Por exemplo, uma estratégia
tecnológica elaborada para alcançar um desempenho
superior do produto deve ser complementada por uma
força de vendas tecnicamente treinada, que instrua o
cliente em relação às vantagens de desempenho do pro- Cinco importantes categorias de variáveis influen-
duto, e por um sistema de manufatura de alta qualidade. ciam as estratégias de inovação de um negócio:
• Recursos disponíveis para a atividade inovadora
Capacitações para inovação  As capacitações para • Capacidade de entender as estratégias dos competidores
inovação definidas como o conjunto abrangente de ca- e a evolução da indústria no que diz respeito à inovação
racterísticas de uma organização que facilita e apoia as • Capacidade de entender os avanços tecnológicos rele-
estratégias de inovação existem nos níveis da unidade vantes para a unidade de negócio
de negócio e corporativo (múltiplos negócios). • Contexto estrutural e cultural da unidade de negócio que
afeta o comportamento empreendedor interno
• Unidade de negócio – uma unidade para a qual uma • Capacidade de gestão estratégica para lidar com as ini-
determinada estratégia e comprometimento de recur- ciativas empreendedoras internas
sos são definidos porque possui um conjunto distinto
de mercados de produto, concorrentes e recursos. Uma Essas categorias estão representadas na Figura 8.
auditoria das capacitações para inovação identifica as As três primeiras categorias listadas são insumos
variáveis críticas que influenciam as estratégias de ino- importantes para a formulação das estratégias de ino-
vação nesse nível. vação; as duas últimas são importantes para a imple-
• Corporativo – uma auditoria nesse nível identifica as mentação das estratégias de inovação da unidade de
variáveis críticas que influenciam tanto as relações negócio. A Figura 9 traz uma relação de algumas ques-
entre os níveis corporativos e de unidade de negócio, tões críticas para auditar cada uma das cinco categorias.
em termos das capacitações para inovação, quanto a for- Essa lista não é exaustiva. Nela podem ser acrescenta-
mulação e a implementação de uma estratégia global de dos outros itens a fim de refletir as particularidades das
inovação corporativa. diferentes situações.
A combinação das cinco categorias determina a
Auditoria no nível da unidade de negócio  Em ge- força relativa da unidade de negócio para formular e
ral, as estratégias de inovação nesse nível em relação implementar estratégias de inovação. Portanto, tal par-
a novos produtos e serviços e/ou novos sistemas de ticularidade também deve ser abordada pela auditoria.
produção e distribuição podem ser caracterizadas em Por exemplo, uma unidade de negócio pode ter muitos
função do(a) recursos para a criação de um novo produto, mas pode
• Calendário de entrada no mercado; não ter a capacidade gerencial para comprometer esses
• Liderança ou imitação tecnológica; recursos (tanto dentro da unidade quanto em relação
• Escopo da inovatividade; e à movimentação da concorrência). Por outro lado, os
• Taxa de inovatividade. recursos e a capacidade gerencial necessários podem

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10     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

Figura 9  Estrutura da auditoria das capacidades inovadoras no nível da unidade de negócio

1.  Disponibilidade e alocação de recursos


•  Nível de financiamento e evolução da P&D:
– Em termos absolutos
– Como porcentagem das vendas
–  Como porcentagem do financiamento total de P&D da empresa
– Em comparação com os principais concorrentes
– Em comparação com o principal concorrente
•  Amplitude e profundidade das competências ao nível da unidade de negócios em P&D, engenharia e pesquisa de mercado
•  Competências diferenciadas nas áreas tecnológicas relevantes para a unidade de negócios
•  Alocação da P&D para
– Combinações de produto/mercado existentes
– Desenvolvimento de novos produtos para as categorias existentes
– Desenvolvimento de novas categorias de produto
2. Compreensão das estratégias de inovação dos concorrentes e da evolução da indústria
•  Sistemas de inteligência e disponibilidade de dados
•  Capacidade de identificar, analisar e prever as estratégias de inovação dos concorrentes
•  Capacidade de identificar, analisar e prever a evolução da indústria
•  Capacidade de antecipar as forças externas facilitadoras/impeditivas relevantes para as estratégias de inovação da unidade de
negócios
3.  Compreensão do ambiente tecnológico da unidade de negócios
•  Capacidade de previsão tecnológica relevante para as tecnologias da unidade de negócios
•  Capacidade de avaliar as tecnologias relevantes para a unidade de negócios
•  Capacidade de identificar as oportunidades tecnológicas para a unidade de negócios
4.  Contexto estrutural e cultural da unidade de negócios
•  Mecanismos para gerenciar os esforços de P&D
•  Mecanismos para transferir tecnologia da pesquisa para o desenvolvimento
•  Mecanismos para integrar os diferentes grupos funcionais (P&D, engenharia, marketing, manufatura) no processo de desenvolvimento
do novo produto
•  Mecanismos para financiar novas iniciativas de produto não planejadas
•  Mecanismos para extrair novas ideias dos empregados
•  Sistemas de avaliação e recompensa para o comportamento empreendedor
•  Valores dominantes e definição do sucesso
5.  Capacidade de gestão estratégica para lidar com o comportamento empreendedor
•  Capacidade de gestão ao nível da unidade de negócio para definir uma estratégia de desenvolvimento sólida
•  Capacidade de gestão ao nível da unidade de negócio para avaliar a importância estratégica das iniciativas empreendedoras
•  Capacidade de gestão ao nível da unidade de negócio para avaliar a relação das iniciativas empreendedoras com as capacitações
básicas da unidade
•  Capacidade de gestão ao nível da unidade de negócio para orientar os criadores de produtos
•  Qualidade e disponibilidade dos criadores de produtos na unidade de negócio

originar novos produtos cujas tecnologias estejam à • escopo e da taxa de desenvolvimento de novos produtos
beira de se tornar obsoletas. e serviços e/ou sistemas de produção e distribuição que
derivam da combinação das capacitações para inovação
Auditoria no nível corporativo  A existência de em- por meio das unidades de negócio existentes,
presas com múltiplos negócios se baseia na habilidade • escopo e da taxa de desenvolvimento de novos negócios
corporativa de identificar e explorar sinergias. Uma au- com base na P&D corporativa e nos esforços de desen-
ditoria na corporação, portanto, insere outra dimensão. volvimento tecnológico, e
Aqui, é necessário examinar como as capacitações para • calendário de entrada relativo aos dois itens anteriores.
inovação no nível corporativo o habilitam tais capacita- Mais uma vez, cinco categorias de variáveis são
ções no nível das unidades de negócio. Em outras pala- consideradas na auditoria no nível corporativo, cada
vras, é preciso investigar se e como a capacitação para uma delas correspondendo a uma categoria no nível da
inovação corporativa total é maior do que a soma das unidade de negócio, mas com uma ênfase um pouco
capacitações para inovação das unidades de negócio. diferente: a capacidade de fazer mais do que a unidade
Em geral, as capacitações para inovação no nível corpo- de negócio poderia fazer por conta própria. A Figura 10
rativo podem ser caracterizadas em função do: representa as cinco categorias de variáveis:

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parte 1 – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA     11

Figura 10  Estrutura da auditoria das capacidades de para a implementação da estratégia corporativa. A Fi-
inovação no nível corporativo
gura 11 traz uma relação de questões críticas a serem
abordadas em cada categoria para realizar a auditoria
no nível corporativo. Assim como na auditoria no nível
da unidade de negócio, devem ser avaliados os efeitos
combinatórios das cinco categorias de variáveis nas es-
Disponibilidade
e alocação
tratégias de inovação corporativa.
de recurso

Compreensão das
Quadros de referência para auditoria  Os quadros
estratégias de Compreensão do de referência para interpretar resultados de audito-
ambiente tecnológico
inovação dos
corporativo ria de capacitações para inovação são tradicionais na
concorrentes e
da evolução Estratégias literatura, no que tange a comparação passado/pre-
de inovação
multi-industrial
corporativas
sente. Outros referenciais dizem respeito à posição
da empresa em relação aos atuais concorrentes. Tais
quadros de referência permitem a identificação das
Contexto estrutural
Capacidade de posições desejadas.
gestão estratégica
e cultural corporativo
corporativa
Quem deveria fazer a auditoria?  Os gestores terão
que contar uns com os outros para coletar grande par-
te das informações necessárias para a auditoria. Eles
terão que decidir até que ponto devem contar com a
• Disponibilidade e alocação de ativos (p. ex., P&D corpo- ajuda das pessoas de dentro e de fora da empresa. Os
rativa, disponibilidade de caixa para projetos de risco). funcionários internos compreenderão melhor a dispo-
• A capacidade de entender as estratégias competitivas e a nibilidade de ativos e o contexto estrutural e cultural
evolução multi-industrial (p. ex., planejamento estraté- da empresa. As pessoas de fora devem oferecer uma
gico corporativo para a inovação). avaliação mais realista da capacidade de gestão estra-
• A capacidade de entender os desenvolvimentos tecno- tégica da empresa e da sua habilidade de compreender
lógicos (p. ex., triagem e previsão tecnológica multi- os ambientes competitivos e tecnológicos. A grande
-industrial). desvantagem de usar pessoas de dentro da empresa é a
• Contexto estrutural e cultural corporativo. possibilidade de uma perspectiva estreita ou tendenciosa.
• Capacidade de gestão estratégica corporativa (p. ex.,
As de fora, por outro lado, têm mais chance de entender
exploração das sinergias em inovação por meio de estra-
mal as realidades internas e oferecer recomendações
tégias “horizontais”; estratégias corporativas internas de
pouco práticas.
risco e aquisição).
A auditoria deve ser empreendida pelo departamen-
A disponibilidade de ativos e a capacidade no nível to de planejamento estratégico da empresa. Conceitos
corporativo de compreender os ambientes competitivo mais valiosos são gerados com mais probabilidade pelo
e tecnológico servem mais uma vez como insumos para estabelecimento de uma equipe de auditoria específica,
a formulação da estratégia corporativa. O contexto es- contando com representantes do planejamento estraté-
trutural e cultural corporativo, bem como a capacidade gico, P&D, gerentes de novos produtos e gerentes fun-
corporativa de gestão estratégica, servem como insumos cionais importantes.

Figura 11 Estrutura de auditoria da capacidade de inovação – Nível corporativo

1.  Disponibilidade e alocação de recursos


•  Nível de financiamento e evolução da P&D corporativa
– Em termos absolutos
– Com porcentagem das vendas
– Em comparação com a média dos principais concorrentes
– Em comparação com o principal concorrente
•  Amplitude e profundidade das habilidades do pessoal corporativo e, P&D, engenharia e pesquisa de mercado
•  Competências diferenciadoras nas áreas de tecnologia relevantes para várias unidades de negócio
•  Alocação da P&D corporativa para
– Pesquisa investigativa

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12     Gestão estratégica da tecnologia e da inovação

–  Apoio aos negócios principais


–  Apoio à definição de novos negócios
–  Apoio ao desenvolvimento de novos negócios
2.  Compreender as estratégias de inovação dos concorrentes e a evolução das várias indústrias
•  Sistemas e dados de inteligencia disponíveis
•  Capacidade para identificar, analisar e prever as estratégias de inovação dos concorrentes abrangendo várias indústrias
•  Capacidade para desenvolver cenários pertinentes à evolução das interdependências entre as várias indústrias
•  Capacidade para se antecipar às forças externas facilitadoras/iminentes relevantes para as estratégias de inovação da empresa
3.  Compreender o ambiente tecnológico corporativo
•  Capacidade de previsão tecnológica em várias áreas
•  Capacidade para prever os impactos entre as áreas da tecnologia
•  Capacidade para avaliar tecnologias em várias áreas
•  Capacidade para identificar oportunidades tecnológicas que abrangem muitas áreas
4.  Contexto corporativo (estrutural e cultural)
•  Mecanismos para compartilhar tecnologias por meio das fronteiras das unidades de negócio
•  Mecanismos para definir novas oportunidades de negócios por meio das fronteiras das unidades de negócio
•  Projetos de organização interna e externa para gerir novos empreendimentos
•  Mecanismos para financiar iniciativas não planejadas
•  Avaliação dos sistemas de recompensa para o comportamento empreendedor
•  Movimento do pessoal entre as atividades principais e os novos empreendimentos
•  Valores dominantes e definição de sucesso
5.  Capacidade de gestão estratégica para lidar com o comportamento empreendedor
•  Capacidade de alta gestão para definir uma estratégia de desenvolvimento corporativo de longo prazo
•  Capacidade da alta gestão para avaliar a importância estratégica das iniciativas empreendedoras
•  Capacidade de alta gestão para avaliar o relacionamento das iniciativas empreendedoras com as capacitações centrais da empresa
•  Capacidade da gestão intermediária para trabalhar com alta gestão a fim de obter/manter apoio para as novas iniciativas (promo-
ção organizacional)
•  Capacidade da gestão intermediária para definir a estrutura estratégica corporativa para as novas iniciativas
•  Capacidade da gestão intermediária para treinar/assessorar gestores de risco
•  Capacidade dos gestores de risco para criar novas capacitações organizacionais
•  Capacidade dos gestores de risco para desenvolver uma estratégia de negócio para as novas iniciativas
•  Disponibilidade dos promotores de produto para identificar e definir novas oportunidades de negócio fora das atividades principais

CONCLUSÃO
Vários conceitos, ferramentas, perspectivas e papéis feito para ajudá-los nessas tarefas, nada substitui sua
são importantes e úteis para a gestão da tecnologia, da liderança. No decorrer do texto e dos casos subsequen-
estratégia e da inovação. Entretanto, a premissa deste tes, salientaremos não só as abordagens analíticas e or-
livro é que a liderança dos gestores é essencial para o ganizacionais, mas também os métodos e técnicas para
sucesso desses esforços. Assim, embora muito possa ser afirmar e exercer a liderança.

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1
INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA

sEÇÃO

aRTIGO 1-1 quase sempre é importante, em particular para as na-


ções que estão inovando. Sem capacidade de manufa-
Lucrando com a inovação tecnológica: tura em grande escala, as empresas inovadoras tendem
implicações na integração, colaboração, a desaparecer, mesmo que sejam as melhores em ino-
licenciamento e políticas públicas vação. Finalmente, são examinadas as implicações na
política comercial e na política econômica doméstica.
David J. Teece*

Este artigo tenta explicar por que as empresas ino- INTRODUÇÃO


vadoras muitas vezes não conseguem obter retornos
É bem comum que empresas inovadoras – aquelas que
financeiros significativos a partir da inovação, embora
os clientes, imitadores e outros participantes da indús- são as primeiras a comercializar um novo produto ou
tria se beneficiem. A estratégia de negócios – em parti- processo no mercado – lamentem o fato de os concor-
cular ao que se refere à decisão da empresa de integrar rentes/imitadores terem lucrado mais com a inovação
e colaborar – mostra-se um fator importante. O artigo do que a empresa que a comercializou primeiro! Como
demonstra que, quando é fácil copiar, os mercados não muitas vezes sustenta-se que ser o primeiro no merca-
funcionam bem e os lucros da inovação podem chegar do é uma fonte de vantagem estratégica, a existência
aos proprietários de determinados ativos complemen- e persistência clara desse fenômeno podem parecer
tares, mas não para os desenvolvedores da proprieda- desconcertantes, se não preocupantes. O objetivo deste
de intelectual. Isto aponta a necessidade, em certos artigo é explicar por que uma segunda empresa rápida,
casos, de a empresa inovadora rever a importância ou mesmo uma terceira lenta, conseguiriam superar o
histórica para esses ativos complementares. O artigo desempenho da empresa inovadora. A mensagem é per-
também indica que os inovadores com novos produtos tinente àquelas empresas com base em ciências e tecno-
e processos que fornecem valor aos consumidores po- logia que abrigam a ilusão equivocada de que a criação
dem, às vezes, estar tão mal posicionados no mercado de novos produtos que satisfaçam as necessidades dos
que necessariamente fracassarão. A análise proporciona consumidores garantirá um sucesso fabuloso. É possí-
uma base teórica para a proposição de que a manufatura vel que fará o sucesso do produto, mas não da empresa
inovadora.
*
Agradeço a Raphael Amit, Harvey Brooks, Chris Chapin, Therese Fla- Neste artigo, é oferecida uma estrutura que iden-
herty, Richard Gilbert, Heather Haveman, Mel Horwitch, David Hulbert,
Carl Jacobsen, Michael Porter, Gary Pisano, Richard Rumelt, Raymond tifica os fatores que determinam quem ganha com
Vernon e Sidney Winter pelas discussões úteis relativas ao objeto do pre- a inovação: a empresa que chega primeiro ao mer-
sente artigo. Três peritos anônimos também forneceram críticas valiosas.
Agradeço muito o apoio financeiro da National Science Foundation sob cado, as empresas que a seguem, ou as que possuem
a concessão n. SRS-8410556, para o Center for Research in Manage- capacitações apropriadas para inovação. As empre-
ment University of California-Berkeley. Versões anteriores deste artigo
foram apresentadas na National Academy of Engineering Symposium sas seguidoras podem ou não ser imitadoras no sen-
“World Technologies and National Sovereignty”, February 1986, e em tido estrito do termo, embora, às vezes, sejam. A es-
uma conferência sobre inovação na University of Venice, March 1986.
Fonte: Research Policy 15 (1986), pp. 285-305. © 1986 Elsevier Science
trutura parece ser útil para explicar a parcela dos
Publishers B. V. (North-Holland). lucros provenientes da inovação para o inovador,

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14     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Figura 1  Explicando a distribuição dos lucros da que resultou na tomografia do cérebro de um porco. O
inovação
trabalho clínico posterior estabeleceu que a tomografia
axial computadorizada (TAC) era viável para a geração
de visualizações transversais do corpo humano, o maior
avanço na radiologia desde a descoberta dos raios X
em 1895.
Clientes Embora a EMI tenha sido bem-sucedida com o seu
dispositivo de TAC, seis anos após sua introdução nos
Estados Unidos, em 1973, a empresa tinha perdido a
Fornecedores liderança de mercado, e no oitavo ano havia saído do
negócio. Outras empresas tiveram sucesso em dominar
o mercado, embora entrassem mais tarde, e ainda lu-
Inovadoras
Imitadores e
cram nos dias de hoje.
outros “seguidores” Outros exemplos incluem a RC Cola, empresa peque-
na, que foi a primeira a apresentar a bebida à base de cola
em lata e a cola dietética; tanto a Coca-Cola quanto a Pepsi
a seguiram, e a privaram de qualquer vantagem significa-
O que determina a parcela de lucro capturada pelos inovadores?
tiva decorrente. A Bowmar, que trouxe a calculadora de
comparada à que se destina aos seus seguidores e forne- bolso para o mercado, não foi capaz de suportar a con-
cedores (ver Figura 1), bem como para explicar várias corrência da Texas Instruments, da Hewlett-Packard e de
atividades entre empresas, como joint ventures, acor- outras empresas, acabando por sair do ramo. A Xerox não
dos de coprodução, arranjos de distribuição cruzada e obteve sucesso com computadores de escritório, embora
o licenciamento de tecnologia. Então, discutem-se as a Apple tenha sido bem-sucedida com o Macintosh, que
implicações para a gestão estratégica, políticas públicas continha muitas das ideias-chave do produto da Xerox,
e comércio e investimento internacionais. tais como o mouse e os ícones. A saga do Haviland Comet
tem algumas dessas características. O jato Comet I chegou
ao mercado de linhas áreas comerciais cerca de dois anos
O FENÔMENO antes de a Boeing apresentar o 707, mas a Haviland não
conseguiu aproveitar sua substancial vantagem inicial. A
A Figura 2 traz uma taxonomia simplificada dos pos-
MITS trouxe o primeiro computador pessoal (o Altair),
síveis resultados advindos da inovação. O Quadrante
vivenciou uma explosão de vendas, e depois deslizou em
1 representa os resultados positivos para o inovador. O
silêncio para o esquecimento.
benefício de ser o primeiro no mercado traduz-se em
Se há inovadores perdendo, deve haver seguidores/
uma vantagem competitiva sustentada que cria um flu-
imitadores ganhando. Um exemplo clássico é o da IBM
xo de novas receitas ou aumenta um fluxo já existente.
com o seu PC, um grande sucesso desde a primeira vez
O Quadrante 4 e seu Quadrante 2 corolário são o foco
em que foi apresentado, em 1981. Nem a arquitetura
deste artigo.
nem os componentes incorporados ao PC da IBM eram
A tecnologia TAC (Tomografia Axial Computado-
considerados avançados quando ele surgiu; nem a for-
rizada) da EMI é um caso clássico de fenômeno a ser
ma como a tecnologia foi empacotada foi um desvio
investigado.1 No início dos anos 1970, a empresa inglesa
significativo da prática então vigente. Contudo, ele foi
EMI (Electrical Musical Industries Ltd.) tinha várias li-
fabuloso e bem-sucedido estabelecendo o MS-DOS
nhas de produto, incluindo discos de vinil, filmes e ele-
como o sistema operacional líder para os PCs de 16
trônica avançada. A empresa criou TVs de alta resolução
bits. No final de 1984, a IBM tinha despachado mais
nos anos 1930, foi a pioneira nos radares aerotranspor-
de 500 mil PCs, e muitos consideraram que ela havia
tados na Segunda Guerra Mundial e desenvolveu os pri-
ofuscado a Apple de maneira irreversível neste segmento
meiros computadores do Reino Unido, em 1952.
da indústria.
No final da década de 1960, Godfrey Houndsfield,
um engenheiro sênior de pesquisas da EMI, envolveu-
-se em uma pesquisa de reconhecimento de padrões LUCRANDO COM A INOVAÇãO:
FUNDAMENTOS BÁSICOS

Para criar uma estrutura coerente dentro do qual se


1
A história da EMI está resumida em Michael Martin, Managing
Technological Innovation and Entrepreneurship (Reston, Va.: Reston possa explicar a distribuição dos resultados ilustra-
Publishing Company, 1984). da na Figura 2, primeiro devem ser estabelecidos três

livro Burgelman.indb 14 16/1/2012 11:59:47


SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1       15

Figura 2  Taxonomia dos resultados do processo O grau em que o conhecimento é tácito ou codifi-
de inovação
cado também afeta a facilidade de imitação. O conhe-
cimento codificado é mais fácil de transmitir e receber,
Inovadora Seguidor-Imitador
além de estar mais exposto à espionagem industrial e
1 2
• Pilkington (Float Glass) • IBM (computador pessoal) congêneres. O conhecimento tácito, por definição, é difí-
Ganha • G.D. Searle • Matsushita (gravadores cil de articular e, portanto, sua transferência é mais di-
(NutraSweet) de vídeo VHS)
fícil, a menos que as pessoas que possuem o know-how
• DuPont (Teflon) • Seiko (relógio quartz)
em questão possam demonstrá-lo para outras pessoas.2
4 3
• RC Cola (cola dietética) As pesquisas de opinião indicam que os métodos de
• EMI (dispositivo de TAC) • Kodak (fotografia
• Bowmar (calculadora instantânea) apropriabilidade variam conforme a indústria.3
Perde de bolso) • Northrup (F20) O ambiente dos direitos de propriedade dentro do
• Xerox (computador • DEC (computador qual uma empresa opera pode ser classificado, portanto,
pessoal) pessoal)
• de Haviland (Comet) de acordo com a natureza da tecnologia e da eficácia do
sistema legal em atribuir e proteger a propriedade intelec-
tual. Mesmo sendo uma simplificação grosseira, pode ser
fundamentos básicos: o regime de apropriabilidade, estabelecida uma dicotomia entre os ambientes em que o
os ativos complementares e o paradigma do projeto regime de apropriabilidade seja “forte” (a tecnologia é fá-
dominante. cil de proteger) e “fraco” (a tecnologia é quase impossível
de proteger). No primeiro caso, temos como exemplo a
Regimes de apropriabilidade
fórmula do xarope da Coca-Cola; no último, um exemplo
Um regime de apropriabilidade refere-se aos fatores seria o algoritmo Simplex de programação linear.
ambientais, excluindo a empresa e a estrutura de mer-
cado, que regem a habilidade de uma empresa auferir os O paradigma do projeto dominante
lucros gerados por uma inovação. As dimensões mais
Reconhecem-se dois estágios na evolução de deter-
importantes de um regime como este são a natureza da
minado ramo de uma ciência: o pré-paradigmático,
tecnologia e a eficácia dos mecanismos legais de prote-
quando não há um tratamento conceitual único e em
ção (ver Figura 3).
geral aceito do fenômeno em um campo de estudo; e
Há muito se sabe que as patentes não funcionam na
o paradigmático, que começa quando um corpo de teo-
prática como se diz na teoria. Muito raro, se é que acon-
ria parece ter passado pelos critérios da aceitabilidade
tece, as patentes conferem a apropriabilidade perfeita,
científica. O surgimento de um paradigma dominante
embora deem proteção considerável para os novos pro-
indica a maturidade científica e a aceitação de padrões
dutos químicos e para as invenções mecânicas simples.
aprovados por meio dos quais o que tem sido referido
Muitas patentes podem ser “geradas em torno de outras
como pesquisa científica normal pode prosseguir. Esses
patentes” a custos modestos. Elas são ineficazes na prote-
padrões permanecem em vigor, a menos (ou até) que o
ção das inovações de processos. Muitas vezes, fornecem
paradigma seja derrubado. A ciência revolucionária é
pouca proteção porque as exigências legais para susten-
a que derruba a ciência normal, como ocorreu quando
tar sua validade ou proporcionar sua violação são altas.
as teorias astronômicas de Copérnico derrubaram as de
Em algumas indústrias, particularmente onde a inova-
Ptolomeu no século XVII.
ção está embutida no processo, os segredos comerciais são
Abernathy e Utterback,4 assim como Dosi,5 oferece-
uma alternativa viável em relação às patentes. A proteção
ram uma explicação da evolução tecnológica industrial
do segredo comercial é possível, mas apenas se uma em-
que corresponde às noções kuhnianas de evolução cien-
presa puder colocar seu produto perante o público e ainda
tífica.6 Nos primeiros estágios da evolução industrial,
manter em segredo a tecnologia subjacente. Normalmen-
te, apenas as fórmulas químicas e os processos industriais/
comerciais (p. ex., cosméticos e receitas) são protegidos 2
D. J. Teece, “The Market for Know-How and the Efficient International
como segredos comerciais após estarem no mercado. Transfer of Technology”, Annals of the American Academy of Political
and Social Science, November 1981.
Figura 3  Regime de apropriabilidade: 3
R. Levin, A. Klevorick, N. Nelson, and S. Winter, “Survey Research on
dimensões fundamentais R&D Appropriability and Technological Opportunity”, texto não publi-
cado, Yale University, 1984.
• Instrumentos legais • Natureza da tecnologia 4
W. J. Abernathy and J. M. Utterback, “Patterns of Industrial Innovation”,
– Patentes – Produto Technology Review 80(7) (January/July 1978), pp. 40-47.
– Direitos autorais – Processo
5
G. Dosi, “Technological Paradigms and Technological Trajectories”,
Research Policy 11 (1982), pp. 147-162.
– Segredos comerciais – Tácita 6
Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 2nd. ed. (Chicago:
– Codificada University of Chicago Press, 1970).

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16     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

os projetos de produto são fluidos, os processos de Figura 4  Inovação ao longo do ciclo de vida do produto/
indústria
manufatura são vagos e improvisados, e o capital não
específico é usado na produção. A concorrência entre
empresas manifesta-se na disputa entre projetos dife-
rentes entre si. Isso poderia ser chamado de estágio pré-
-paradigmático de uma indústria.

Taxa de inovação
Em dado momento, e após considerável tentativa e
Inovação
erro no mercado, um projeto (ou uma categoria de pro- de produto
jetos) surge como o mais promissor. Tal projeto deve
satisfazer um conjunto de necessidades do usuário de Inovação
de processo
maneira completa. O Modelo T da Ford, o IBM 360 e
o Douglas DC-3 são exemplos de projetos dominantes
nas indústrias automobilística, de computadores e de Fase Fase
aviação, nessa ordem. pré-paradigmática do projeto paradigmática do projeto
Com o surgimento de um projeto dominante, a con-
corrência passa a ser em relação ao preço, afastando-se ter sido responsável pelas descobertas científicas fun-
do projeto. O sucesso competitivo, então, passa para damentais, como também pelo projeto básico do novo
um novo conjunto de varáveis. A escala e a aprendi- produto. Entretanto, se a imitação for relativamente
zagem se tornam muito mais importantes, e o capital fácil, os imitadores podem entrar na briga, modifican-
especializado é distribuído à medida que os encarrega- do o produto em aspectos importantes, ainda que se
dos buscam a redução dos custos unitários por meio da baseando nos projetos fundamentais promovidos pelo
exploração das economias de escala e aprendizagem. A inovador. Quando a brincadeira da dança das cadeiras
menor incerteza sobre o projeto do produto proporcio- para e surge um projeto dominante, o inovador pode
na uma oportunidade para amortizar os investimentos muito bem acabar em uma posição de desvantagem em
específicos de longa duração. relação ao seguidor. Portanto, quando a imitação é possí-
A inovação não é necessariamente interrompida vel e ocorre associada à modificação do projeto antes
com o surgimento do projeto dominante; como salienta do surgimento de um projeto dominante, os seguidores
Clark,7 isso pode ocorrer mais abaixo na hierarquia do têm uma boa chance de ter seus produtos modificados
projeto. Por exemplo, a configuração dos cilindros em ungidos como o padrão da indústria, muitas vezes para
“V” surgiu nos blocos de motor de automóvel na década grande desvantagem do inovador.
de 1930 com o advento do motor Ford V-8. Rapidamen-
te foram encontrados nichos para eles. Além do mais, Ativos complementares
uma vez estabilizado o projeto do produto, é provável Seja a inovação essa unidade de análise. Uma inova-
que haja uma onda de inovação de processo conforme ção consiste em um determinado conhecimento técnico
os fabricantes tentam reduzir os custos de produção do sobre como fazer coisas de uma maneira melhor que
novo produto (ver Figura 4). a atual. Suponha que o know-how em questão esteja
A estrutura de Abernathy–Utterback não caracteriza parcialmente codificado, assim como o tácito. Para que
todas as indústrias. Ela parece mais adequada para os esse know-how gere lucros, ele deve ser vendido ou uti-
mercados de massa, no qual a preferência do consumi- lizado de alguma forma no mercado.
dor é homogênea. Ela parece ser menos característica Em quase todos os casos, a comercialização bem-
dos pequenos mercados de nicho, nos quais a ausência -sucedida de uma inovação requer que o know-how em
de economias de escala e aprendizagem contribuem questão seja utilizado junto com outras capacitações ou
muito pouco para influenciar múltiplos projetos. Nesses ativos. Quase sempre são necessários serviços como
casos, serão empregados equipamentos generalizados marketing, manufatura competitiva e suporte pós-ven-
na produção. da. Esses serviços muitas vezes são obtidos de ativos
A existência de um projeto dominante divisor de complementares especializados. Por exemplo, a comer-
águas é de grande relevância para a distribuição dos cialização de um novo fármaco exigirá a disseminação
lucros entre o inovador e o seguidor. O inovador pode de informações ao longo de um canal de informações
especializado. Em alguns casos, como quando a inova-
ção é sistêmica, os ativos complementares podem ser
7
Kim B. Clark, “The Interaction of Design Hierarchies and Market Concepts outras partes de um sistema. Por exemplo, o hardware
in Technological Evolution”, Research Policy 14 (1985), pp. 235-251. de computador requer um software especializado, tanto

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1       17

Figura 5  Ativos complementares necessários para Figura 6  Ativos complementares: genéricos,


comercializar uma inovação especializados e coespecializados

Dependência do ativo em relação à inovação


Manufatura

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competitiva Distribuição

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Genérico Espe ção ao a
ela
Outros Outros em r
Dependência da inovação em relação aos ativos complementares

para o sistema operacional quanto para os aplicativos. IMPLICAÇÕES NA RENTABILIDADE


Mesmo quando uma inovação é autônoma, como no
caso dos componentes retrocompatíveis, certas capa- Esses três conceitos agora se relacionam de maneira
citações complementares ou ativos serão necessários que deixa claro o processo de imitação e a distribuição
para a comercialização bem-sucedida, como mostra a dos lucros entre o inovador e o seguidor. Começamos
Figura 5. examinando os regimes de apropriabilidade fortes.
Se os ativos necessários para a produção e distri- Regimes de apropriabilidade fortes
buição, de baixo custo são especializados para a ino-
Nos poucos exemplos em que o inovador tem uma pa-
vação, então o quadro acima passa a ser importante.
tente forte ou a proteção dos direitos autorais, ou nos
Assim, a natureza dos ativos complementares é ex-
quais a natureza do produto é tal que os segredos co-
plicada em detalhes. A Figura 6 faz a distinção entre
merciais impedem de modo eficaz o acesso dos imi-
os ativos complementares genéricos, especializados e tadores ao conhecimento relevante, é quase certo que
coespecializados. o inovador traduza sua inovação em valor de mercado
Os ativos genéricos são de propósito geral, não pre- por algum período. Mesmo que não possua a dotação
cisam ser adaptados à inovação em questão. Os especia- dos custos complementares, a forte proteção da proprie-
lizados são aqueles em que há uma dependência unila- dade intelectual dará tempo ao inovador para acessar
teral entre a inovação e o ativo complementar. Os ativos esses ativos. Se forem genéricos, a relação contratual
coespecializados são aqueles em que há uma dependên- é suficiente, e o inovador pode simplesmente licenciar
cia bilateral. Por exemplo, as oficinas especializadas sua tecnologia. As empresas de P&D especializadas
foram necessárias para apoiar a introdução do motor são viáveis em um ambiente como este. A Universal
rotativo da Mazda. Esses ativos são coespecializados Oil Products, uma empresa de P&D que cria proces-
devido à dependência mútua da inovação em relação sos de refino para a indústria petrolífera, é um exemplo.
à oficina. De modo similar, a adoção dos contêineres Entretanto, se os ativos complementares forem espe-
exigiu a implantação de alguns ativos coespecializados cializados ou coespecializados, as relações contratuais
no transporte marítimo e nos portos. Entretanto, a ca- ficam expostas a riscos, porque uma ou ambas as partes
mionagem depende menos dos contêineres do que estes terão que comprometer capital para certos investimen-
dos primeiros, já que os caminhões podem ser convertidos tos irreversíveis, que não terão valor se a relação entre
para caçambas planas a um custo baixo. Um exemplo o inovador e o licenciado for rompida. Em consequên-
de recurso genérico seria a instalação fabril para a ma- cia, o inovador achará prudente expandir suas fronteiras
nufatura de tênis de corrida. Podem ser empregados por meio da integração de ativos especializados e co-
equipamentos generalizados para quase todo o calçado, especializados. Felizmente, os fatores que dificultam a
exceto para os moldes para as solas. imitação permitiam ao inovador criar ou adquirir esses

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18     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

ativos complementares sem competir pelo seu controle duto. Em microeletrônica, por exemplo, os projetos
com os imitadores. ficam bloqueados quando os circuitos são escolhidos.
A concorrência dos imitadores é silenciada neste Neste caso, a modificação fica limitada à “depuração” e
tipo de regime, que às vezes caracteriza a indústria pe- à modificação do software. Caso o produto não se ajuste
troquímica. Nessa indústria, a proteção oferecida pelas bem ao mercado, o inovador deve recomeçar o projeto.
patentes é fortemente exercida. Um fator que ajuda o Em alguns aspectos, porém, a escolha dos projetos é
licenciado é que a maioria dos processos petroquími- ditada pela necessidade de satisfazer certos padrões de
cos é projetada em torno de uma variedade específica compatibilidade de modo que o novo hardware possa
de catalisadores que podem ser mantidos proprietários. interagir com os aplicativos de softwares existentes.
Pode-se obter um acordo com os licenciados para não Em certo sentido, portanto, a questão do projeto para a
analisarem o catalisador, proporcionando ainda mais indústria de microprocessadores atual é relativamente
proteção. No entanto, mesmo que tais exigências se- simples: fornecer mais velocidade, satisfazendo os pa-
jam violadas pelos licenciados, o inovador ainda estará drões da indústria de computadores em relação à base
bem posicionado, já que as propriedades mais impor- de softwares existentes. Entretanto, de tempos em tem-
tantes de um catalisador estão relacionadas à sua estru- pos surgem janelas de oportunidade para a introdução
tura física, e o processo para a geração desta estrutura de famílias de microprocessadores novos que definirão
não será deduzido apenas a partir da análise estrutural. uma nova indústria e padrão de software. Nesses casos,
Toda tecnologia de reação que uma empresa adquire é os parâmetros básicos do projeto são pouco definidos e
acompanhada, portanto, de uma dependência contínua podem ser deixados em compasso de espera até que a
da empresa inovadora em relação ao catalisador apro- aceitação do mercado seja aparente.
priado para o projeto da instalação. O não cumprimento Os primórdios da história da indústria automobilística
dos vários elementos do contrato de licenciamento re- exemplificam bem a importância de escolher o projeto
sultará em corte no abastecimento e, possivelmente, no certo nos estágios pré-paradigmáticos para chegar ao su-
fechamento das instalações. cesso posterior. Nenhum dos fabricantes iniciais de carros
De modo similar, se o inovador chegar ao mercado a vapor sobreviveu ao abalo inicial quando o automóvel
na fase pré-paradigmática com um sólido conceito de com motor a combustão interna surgiu como o projeto
produto, mas com o projeto errado, um regime de apro- dominante. Contudo, o carro a vapor tinha muitas virtu-
priabilidade forte lhe dará o tempo suficiente para reali- des iniciais, tal como a confiabilidade, que os automóveis
zar os ensaios necessários para alcançar o projeto corre- com motor a combustão interna não podiam oferecer.
to. Como já discutido, os melhores conceitos de projeto O fiasco britânico com o Comet I também é instru-
inicial muitas vezes acabam sendo irremediavelmente tivo. A De Haviland havia escolhido um projeto ini-
errados, mas se o inovador possuir uma forte proteção de cial com falhas técnicas e comerciais. Ao passar para
patentes ou tiver uma tecnologia difícil de copiar, então a produção, irreversibilidades significantes e a perda
o mercado lhe dará o tempo necessário para determinar o de reputação amarraram a empresa a tal ponto que ela
projeto correto antes de ser ofuscado pelos imitadores. foi incapaz de adotar o projeto da Boeing, que emergiu
posteriormente como dominante. Ela sequer foi capaz
Apropriabilidade fraca de ocupar o segundo lugar, que ficou para a Douglas.
A apropriabilidade forte é a exceção, não a regra. Em Como princípio geral, parece que os inovadores em
consequência, os inovadores devem se voltar para a regimes de apropriabilidade fraca precisam estar liga-
estratégia de negócio para manter os imitadores/segui- dos ao mercado a fim de que as necessidades do usuá-
dores pressionados. A natureza do processo de concor- rio possam influenciar totalmente os projetos. Quando é
rência variará de acordo com a fase em que a indústria possível a prototipagem paralela e sequencial, isto traz
estiver: pré-paradigmática ou paradigmática. vantagens claras. Em geral, uma abordagem como esta
é simplesmente proibitiva em termos de custos. Quando
Fase pré-paradigmática  Nesta fase, o inovador deve os custos de criação de uma grande aeronave comercial
ter cuidado para que o projeto básico “flutue”* até que ultrapassam US$ 1 bilhão, só são possíveis variações
se acumulem evidências suficientes para que se torne do mesmo tema.
um padrão na indústria. Em algumas indústrias, pode Por isso, a probabilidade de que um inovador – defi-
haver poucas oportunidades para a modificação do pro- nido aqui como a primeira empresa a comercializar um
novo conceito de projeto de produto – venha a entrar
na fase paradigmática possuindo o projeto dominan-
*
N. de R.T.: Flutuar, neste caso, significa deixar um projeto em com-
passo de espera até que os padrões de uma determinada indústria fiquem te é problemática. As probabilidades serão mais altas
mais claros. quanto mais baixo for o custo relativo da prototipagem

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1       19

e quanto mais a empresa estiver ligada ao mercado. Esta posicionadas de modo vantajoso em relação a um ino-
última é uma função do projeto organizacional, e pode vador. Na realidade, em raros casos em que as empresas
ser influenciada por escolhas gerenciais. A primeira está já atuantes possuem um monopólio hermético sobre os
relacionada a tecnologia, e é pouco influenciada pelas ativos especializados e o inovador está em um regime
decisões gerenciais. Assim, nas indústrias com altos de apropriabilidade fraca, todos os lucros para a inova-
custos de desenvolvimento e prototipagem – e, por- ção podem reverter concebivelmente para as empresas
tanto, irreversibilidades significantes – e onde é fácil a que possuem os ativos especializados, pelos quais devem
inovação do conceito de produto, pode-se esperar que ser capazes de obter a vantagem.
a probabilidade de o inovador surgir como vencedor ou Mesmo quando o inovador não é confrontado com
estar entre os vencedores no final do estágio pré-para- situações nas quais os concorrentes ou potenciais con-
digmático seja baixa. correntes controlam ativos-chave, ele ainda pode ser
prejudicado. Por exemplo, a tecnologia embutida nos
Estágio paradigmático  Nesta fase, os ativos comple- marca-passos cardíacos foi fácil ser copiada e, assim, os
mentares não se tornam volumosos. A concorrência se resultados competitivos foram determinados por quem
concentra em tentar identificar o projeto que será domi- tinha o acesso mais fácil a esses ativos complementares,
nante. Os volumes de produção são baixos e há pouco neste caso, o marketing especializado. Uma situação
a ganhar com a implantação de ativos especializados, semelhante surgiu recentemente nos Estados Unidos
já que as economias de escala não estão disponíveis e o em relação aos computadores pessoais. Como observou
preço não é um fator de concorrência principal. Porém, um participante da indústria,
à medida que o projeto dominante começa a ser revela-
do ao mercado, os volumes aumentam e as oportunida- Existe um grande número de fabricantes de computador, de
des para as economias de escala induzirão as empresas empresas que fabricam periféricos (p. ex., impressoras, uni-
dades de disco rígido, unidades de disquete) e de empresas
a começarem a se preparar para a produção em massa,
de softwares. Todos eles estão tentando obter distribuidores
adquirindo ferramentas e equipamentos especializados e, comerciais porque não têm capacidade de contatar todas as
também, uma possível distribuição especializada. Como empresas americanas diretamente. Elas precisam passar por
esses investimentos envolvem irreversibilidades signifi- canais de distribuição de varejo, como o Businessland, a fim
cativas, é provável que os produtores procedam com cau- de chegar ao mercado. O problema hoje, porém, é que muitas
tela. As ilhas de capital especializado começarão a apare- dessas empresas não são capazes de obter espaço na prate-
cer em uma indústria, que de outra forma ostenta um mar leira e, portanto, estão vivendo momentos difíceis na comer-
de equipamentos de fabricação de propósito geral. cialização de seus produtos. No mercado atual, o ponto de
distribuição é onde se encontram o lucro e o poder.8
No entanto, à medida que a concorrência começa a
mudar e os preços se tornam cada vez mais importantes,
o acesso aos ativos complementares se torna absolu- QUESTÕES DE ESTRATÉGIA DE CANAL
tamente crítico. Como a tecnologia central é fácil de
copiar, por pressuposto, o sucesso comercial oscila nos A análise anterior indica como é importante o acesso aos
termos e condições em que os ativos complementares ativos complementares, tais como manufatura e distri-
podem ser acessados. buição, caso o inovador queira evitar compartilhar dos
É neste ponto que os ativos especializados e coes- lucros com os imitadores e/ou proprietários dos ativos
pecializados passam a ser essenciais. Os equipamentos complementares especializados ou coespecializados para
e habilidades generalizados, quase por definição, estão a inovação. Agora, é necessário aprofundar-se na estru-
sempre disponíveis em uma indústria, e, mesmo que tura de controle adequada que o inovador idealmente
não estejam não envolvem irreversibilidades relevantes. deveria estabelecer sobre esses ativos críticos.
Consequentemente, as empresas têm acesso fácil a esse Há uma infinidade de canais possíveis que poderiam
tipo de capital, e mesmo que haja capacidade disponível ser empregados. Em um extremo, o inovador poderia
insuficiente relevante, isto pode ser facilmente coloca- integrar todos os ativos complementares necessários,
do em prática, já que envolve poucos riscos. Os ativos como ilustra a Figura 7, ou apenas alguns deles, como
especializados, por outro lado, envolvem irreversibi- mostra a Figura 8. Pode acontecer de a integração com-
lidades significativas e não podem ser acessados com pleta (Figura 7) não se fazer necessária, bem como não
facilidade por contrato, já que os riscos são substanciais
para a parte que está fazendo o investimento. As empre-
sas que controlam os ativos coespecializados, tais como 8
David A. Norman, “Impact of Entrepreneurship and Innovations on the
Distribution of Personal Computers”, in: R. Landau and N. Rosenberg,
os canais de distribuição, a capacidade de fabricação eds., The Positive Sum Strategy (Washington, D.C.: National Academy
especializada, e assim por diante, estão claramente Press, 1986).

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20     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Figura 7  Ativos complementares internalizados para a Figura 8  Ativos complementares internalizados para a
inovação: caso hipotético n. 1 (inovação integrada em todos inovação: caso hipotético n. 2 (subcontratos de inovação
os ativos complementares) para manufatura e serviços)

Manufatura Manufatura
competitiva Distribuição competitiva Distribuição

Outros Serviço Outros Serviço

Know-how Know-how
tecnológico tecnológico
essencial essencial
em inovação em inovação
Tecnologias Tecnologias
Outros Outros
complementares complementares

Outros Outros Outros Outros

Ativos sob propriedade comum (integrada) Ativos sob propriedade comum (integrada)

Provavelmente, quando o regime de apropriabili­


ser cara. É bom reconhecer que provavelmente a di-
dade do inovador é forte e os ativos complementares
versidade de ativos e competências que precisam ser
estão disponíveis em oferta competitiva (ou seja, há
acessadas seja bem alta, mesmo nas tecnologias pouco
capacidade adequada e opções de escolha de forneci-
complexas. Para fabricar um computador pessoal, por
mento), a estratégia ideal é contratar em vez de integrar.
exemplo, uma empresa precisa de acesso ao conheci-
Ambas as condições se aplicam à petroquímica, por
mento das tecnologias de semicondutores, monitores,
exemplo: Então, um inovador não precisa ser fortemen-
unidades de disco, redes, teclado e várias outras. Ne-
te integrado para ser bem-sucedido. Considere primei-
nhuma empresa consegue acompanhar todas essas áreas
ro, o regime de apropriabilidade. Como foi discutido, a
por si mesma.
proteção oferecida pelas patentes é facilmente aplicada,
No outro extremo, o inovador poderia tentar aces- particularmente em tecnologia de processo na indústria
sar esses ativos por meio de relações contratuais diretas petroquímica. Dados os preços vantajosos das matérias-
(p. ex., contratos de fornecimento de componentes, de -primas nos países exportadores de produtos petroquí-
fabricação, de serviços). Em muitos casos, tais contratos micos ricos em hidrocarbonetos, não há incentivo ou
podem ser suficientes, embora, por vezes, isto exponha vantagem em possuir os ativos complementares (ins-
o inovador a vários riscos e dependências que ele pode talações de produção), já que não são especializados o
querer evitar. Entre os extremos totalmente integrado e suficiente para a inovação. Parece que a Union Carbide
totalmente contratual, existe uma infinidade de formas percebeu isso e recentemente ajustou sua estratégia em
e canais disponíveis. Uma análise das propriedades das conformidade com esta realidade. Essencialmente, ela
duas formas extremas é apresentada a seguir, seguida está colocando sua tecnologia existente em uma nova
por uma breve sinopse dos modos mistos. subsidiária, a Engineering and Hydrocarbons Service. A
empresa está aderindo ao licenciamento e oferece servi-
Formas contratuais ços de engenharia, construção e gestão para os clientes
As vantagens de uma solução contratual – pela qual o que queiram assumir suas matérias-primas e integrá-las
inovador assina um contrato, como uma licença, com mais em produtos petroquímicos. Mas a própria Union
fornecedores, fabricantes ou distribuidores independen- Carbide parece estar se afastando de uma estratégia de
tes – são óbvias. O inovador não deverá incorrer em integração.
despesas de capital necessárias para criar ou comprar As inovações em produtos químicos e petroquímicos
os ativos em questão, o que diminui os riscos e as exi- não são muito fáceis de proteger, o que pode suscitar
gências de caixa. novos desafios para as empresas inovadoras nos países

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1       21

desenvolvidos à medida que tentarem sair do mercado acessar capacitações especializadas. Primeiro, pode ser
de commodity petroquímicos. Já existem muitos exem- difícil induzir os fornecedores a assumirem compro-
plos de novos produtos que chegaram ao mercado, satis- missos irreversívelmente caros que, para o seu suces-
fizeram uma necessidade do cliente, mas nunca geraram so, dependem do sucesso da inovação. Esperar que os
retornos competitivos para o inovador devido à imita- fornecedores, fabricantes e distribuidores façam isto é
ção. Por exemplo, em 1960, a Dow resolveu começar convidá-los a assumir riscos junto com o inovador. O
a fabricar espuma rígida de poliuretano. Porém, ela foi problema, nesse caso, para o inovador é similar aos
copiada rapidamente por várias empresas pequenas que associados à atração de capital de risco. O inovador
tinham custos mais baixos.9 A falta de capacidade para deve convencer seu parceiro em potencial que o risco
a manufatura de baixo custo deixou a Dow vulnerável. vale a pena. A situação está aberta para abusos oportu-
As relações contratuais podem trazer mais credibi- nistas de ambas as partes. O inovador tem incentivos
lidade ao inovador, especialmente se ele for relativa- para exagerar o valor da inovação, embora o fornece-
mente desconhecido e o parceiro contratual já for esta- dor tenha incentivos para “rodar com a tecnologia” se
belecido. Na realidade, a contratação preservando certa a inovação for um sucesso.
distância, que incorpora mais do que um simples acordo Todavia, existem casos em que ambas as partes as-
de compra/venda, está se tornando tão comum e é tão sumem compromissos irreversíveis de capital. A La-
multifacetada que o termo “parceria estratégica” foi con- serwriter da Apple – uma impressora a laser de alta
cebido para descrevê-la. Mesmo as grandes empresas, resolução que permite aos usuários de PC produzirem
como a IBM, agora a estão adotando. Para a IBM, a par- texto e imagens com qualidade quase igual à de uma
ceria compra o acesso a novas tecnologias, permitindo gráfica – é um exemplo. A Apple convenceu a Canon
que a empresa “aprenda coisas que não teria aprendido a participar do desenvolvimento da Laserwriter forne-
sem muitos anos de tentativa e erro”.10 O programa de cendo subsistemas para suas copiadoras – mas só depois
ação da IBM com a Microsoft para usar o sistema ope- de a Apple ter fechado um contrato para pagar por um
racional MS-DOS desta empresa no seu PC facilitou a determinado número de motores e gabinetes de copia-
introdução oportuna do computador pessoal com a sua dora. Em resumo, a Apple aceitou uma boa parcela do
marca no mercado. risco financeiro a fim de induzir a Canon a ajudá-la na
As empresas menores e menos integradas muitas criação e produção da Laserwriter. O arranjo parece ter
vezes estão ávidas para selar acordos com as empresas sido prudente, mas claramente havia riscos para ambos
estabelecidas devido ao reconhecimento do nome e à os lados. É difícil escrever, executar e aplicar contratos
transmissão da reputação. Por exemplo, a Cipher Data de desenvolvimento complexos, particularmente quan-
Products selou um contrato com a IBM para produzir do o projeto do produto ainda está no nível teórico. A
uma versão mais barata da unidade de cartucho 3480, Apple expôs-se ao risco de sua coinovadora Canon não
que é susceptível de se tornar o padrão da indústria. conseguir entregar a sua parte, e a Canon se expôs ao
Como ressalta a direção da Cipher, “Uma das maiores risco de o projeto da Apple e do esforço de marketing
vantagens de lidar com a IBM é que uma vez que você não obterem sucesso. Ainda assim, as alternativas da
tenha criado um produto que satisfaça os altos padrões Apple podem ter sido um tanto limitadas, na medida em
de qualidade necessários para vender no mundo IBM, que não comandou a tecnologia necessária para fazer
você consegue vender em qualquer lugar”.11 De modo isso sozinha.
similar, o contrato da IBM com a Microsoft “significou Em síntese, a euforia sobre parcerias estratégicas
credibilidade instantânea” para a Microsoft.12 pode ser parcialmente inapropriada. As vantagens
No entanto, é mais importante reconhecer que a estão sendo enfatizadas13 sem uma figura equilibra-
parceria estratégica (contratual), muito na moda atual- da dos custos e riscos. De maneira resumida, existe o
mente, está exposta a certos riscos, particularmente risco de o parceiro não se desempenhar de acordo com
para o inovador, quando ele tenta usar os contratos para a percepção do inovador em relação ao que o contra-
to exige; há o perigo adicional de o parceiro copiar
a tecnologia do inovador e tentar competir com ele.
9
Executive V. P. of Union Carbide, Robert D. Kennedy, citado em Che-
mical Week, November 16, 1983, p. 48. Esta última possibilidade é particularmente séria se
10
Comentário atribuído a Peter Olson III, diretor de desenvolvimento de o fornecedor do ativo complementar estiver situado
negócios da IBM, como foi relatado em “The Strategy Behind IBM’s unicamente em relação ao ativo complementar em
Strategic Alliances”, Electronic Business, October 1, 1985, p. 126.
11
Comentário atribuído a Norman Farquhar, vice-presidente de desen- questão e tiver a capacidade de copiar a tecnologia
volvimento estratégico da Cipher, conforme foi divulgado em Electronic
Business, October 1, 1985, p. 128.
12
Regis McKenna, “Market Positioning in High Technology”, California
Management Review 27 (3) (Spring 1985), p. 94. Por exemplo, ver McKenna, “Marketing Position in High Technology”.
13

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22     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

que o inovador é incapaz de proteger. Então, o ino- Figura 9  Ativos complementares especializados e
apropriabilidade fraca: cálculo da integração
vador descobrirá que criou um concorrente mais bem
posicionado para tirar proveito da oportunidade de
Tempo necessário para se posicionar
mercado em mãos. A Business Week expressou sua (em relação aos concorrentes)
preocupação nesse aspecto em sua discussão sobre a Longo Curto
“Corporação Oca”.14
É importante lembrar, porém, que as estratégias
OK se o tempo A todo vapor
contratuais ou de parceria são ideais em certos casos. Se Menor
não for crítico
a tecnologia do inovador for bem protegida e se o que o
Investmento
parceiro tiver que fornecer for uma capacidade “gené- exigido
rica” disponível a partir de muitos parceiros potenciais,
OK se a
então o inovador será capaz de manter a vantagem, ao Maior Esqueça posição de
mesmo tempo em que evita custos de duplicação da custo for tolerável
capacidade posterior na cadeia produtiva. Mesmo que
o parceiro não se saia bem, existem alternativas ade-
quadas (supostamente, as capacidades dos parceiros Investimento ideal para o negócio em questão

costumam estar disponíveis), de modo que os esforços Menor Maior

do inovador para comercializar com sucesso sua tecno- Internalizar (mas se


logia devam se desenvolver de forma lucrativa. Internalizar houver restrição
É essencial de caixa, adotar
(participação
majoritária) a participação
Formas de integração É essencial minoritária)
A integração, que por definição envolve a proprieda- para o sucesso?

de, distingue-se das formas contratuais puras, já que Não internalizar


Discricionário
ela tipicamente facilita o alinhamento e o controle dos Não é essencial (contratar fora)
incentivos. Se o inovador possuir em vez de alugar os
ativos necessários para comercializar, então ele está em
situação de capturar os benefícios indiretos resultantes Como uma questão prática, porém, um inovador
do aumento da demanda pelos ativos complementares pode não ter tempo para adquirir ou criar os ativos
provocado pela inovação. complementares que idealmente gostaria de gerenciar.
Na realidade, um inovador poderia estar em situa- Isto ocorre quando é fácil copiar, de modo que a va-
ção, ao menos antes de a sua inovação ser anunciada, riável tempo passa a ser crítica. Além disso, o inova-
de adquirir ativos complementares, possivelmente para dor pode simplesmente não ter os recursos financeiros
sua maior vantagem competitiva posterior. Se existem para prosseguir. As implicações das restrições de tem-
mercados futuros, pode ser suficiente antecipar posi- po e dinheiro estão resumidas na Figura 9.
ções avançadas em ativos complementares para captu- Em consequência, nos regimes de apropriabilidade
rar a maior parte dos benefícios indiretos. fracos, os inovadores precisam classificar os ativos
Mesmo depois de a inovação ter sido anunciada, o complementares segundo a sua importância. Se es-
inovador ainda pode ser capaz de criar ou comprar ati- tes ativos forem essenciais, a propriedade se justifi-
vos complementares a preços competitivos se a inova- ca, embora, caso a empresa tenha restrições de caixa,
ção possuir forte proteção legal (ou seja, se estiver em uma posição minoritária pode representar um com-
um regime de apropriabilidade forte). Entretanto, se a promisso sensato.
inovação não estiver fortemente protegida e for fácil de Não é preciso dizer que quando é fácil copiar, os
copiar, então é provável que o fator-chave do sucesso movimentos estratégicos para criar ou comprar ativos
seja assegurar os controles ativos complementares, parti- complementares especializados devem ocorrer com a
cularmente se esses ativos tiverem uma oferta fixa – os devida referência aos movimentos dos concorrentes.
chamados pontos de estrangulamento. As competências Não há problema em criar um ativo especializado, por
de distribuição e manufatura especializada muitas vezes exemplo, se os imitadores de uma empresa puderem
se transformam nesses pontos. fazê-lo de forma mais rápida e barata.
É óbvio que se o inovador já é uma grande empre-
sa, com muitos dos ativos complementares relevantes
14
Ver BusinessWeek, March 3, 1986, pp. 57-59. A Business Week usa o
termo para descrever uma corporação que não possui capacidade de ma- sob seu controle, é improvável que a integração seja
nufatura interna. um problema, uma vez que a empresa inovadora uma

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1       23

Figura 10  Fluxograma para a decisão de integrar versus contratar

Comece por aqui

1
Sim 2 Não
A inovação exige o acesso
Ativos complementares Contratar o acesso
a ativos complementares
especializados
para o sucesso comercial

Sim
Não

3 Não
Comercializar imediatamente Contratar o acesso
Regime de apropriabilidade fraca

Sim

4 Não
Contratar o acesso
Ativo especializado essencial

Sim

5 Não
Contratar o acesso
Posição de caixa OK

Sim

Não Imitadores/concorrentes Sim


Integrar Contratar o acesso
mais bem posicionados

vez controla muitos dos ativos especializados e co- A Figura 10 evidencia que as decisões estratégicas
especializados relevantes. Porém, nas indústrias que difíceis surgem nas situações em que os ativos especia-
passam por mudanças tecnológicas rápidas, as tecno- lizados são essenciais para uma comercialização lucrati-
logias evoluem com tal velocidade que é improvável va. Essas situações, que na realidade são muito comuns,
que uma única empresa tenha toda a especialização requerem que uma análise detalhada do concorrente
necessária para levar produtos avançados ao mercado faça parte da avaliação estratégica das oportunidades
de forma oportuna e com eficiência de custos. Portanto, e ameaças do inovador. Isto é levado um passo adiante
a questão da integração não é uma particularidade da na Figura 11, que visa apenas às situações em que a
empresa pequena. comercialização requer determinadas capacitações es-
pecializadas. Ela indica as estratégias apropriadas para
Integração versus estratégias contratuais: os inovadores e prevê os resultados que se pode esperar
um resumo analítico para os vários participantes.
A Figura 10 resume algumas considerações relevan- Interessam-nos três classes de participantes: inova-
tes na forma de um fluxograma de decisão. Ela indi- dores, imitadores e proprietários de ativos coespeciali-
ca que um inovador que busca o lucro, confrontado zados (p. ex., distribuidores). As três podem se benefi-
por uma proteção fraca da propriedade intelectual e ciar potencialmente do processo de inovação ou perder
com a necessidade de acessar ativos complementares com ele. A última classe pode beneficiar-se com negó-
especializados, é forçado a expandir suas atividades cios alternativos que a inovação pode direcionar para
por meio da integração se quiser prevalecer sobre o proprietário do ativo. Se o ativo se transformar em
os imitadores. Dito de outro modo, os inovadores um ponto de estrangulamento com relação à comercia-
que desenvolvem novos produtos que possuem uma lização da inovação, o proprietário das instalações des-
proteção ineficiente da propriedade intelectual, mas te ponto encontra-se obviamente em sinais para extrair
que requerem ativos complementares especializados lucros do inovador e/ou imitadores.
têm mais chances de transformar sua tecnologia em O eixo vertical na Figura 11 mede como as empre-
uma vantagem comercial, em vez de vê-la vingar nas sas que possuem a tecnologia (o inovador, ou, possi-
mãos dos imitadores. velmente, seus imitadores) estão posicionadas em com-

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24     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Figura 11  Estratégias de contrato e integração e resultados para os inovadores: caso do ativo especializado

Chave:
Apropriabilidade legal/técnica fraca
Estratégias
Inovador bem posicionado Inovador mal posicionado
Apropriabilidade versus imitadores com relação versus imitadores com
legal/técnica forte ao comissionamento dos ativos relação ao comissionamento

versus proprietários dos ativos complementares


Resultados

Poder de mercado dos inovadores/imitadores


complementares dos ativos complementares

1 2 3
Inovadores e imitadores bem
posicionados em comparação Contratar Contratar Contratar
com os O inovador
` proprietários
independentes dos ativos ou imitador
complementares vencerá; os
proprietários de ativos
O inovador vencerá O inovador deve vencer não se beneficiarão

Inovadores e imitadores 4 Contratar se puder 5 6


posicionados em fazê-lo em termos Integrar Contratar (para
desvantagem em competitivos; limitar a
` integre se Provavelmente
comparação com os O inovador deve exposição)
necessário o inovador
proprietários independentes vencer; pode ter perderá para os
dos ativos complementares que dividir os lucros imitadores e/ou
com o detentor do ativo O inovador deve vencer detentores dos ativos

Grau de proteção da propriedade intelectual

paração com as que possuem os ativos especializados Por exemplo, se os inovadores integram quando deve-
necessários. O eixo horizontal mede a força do regime riam contratar, haverá um comprometimento pesado de
de apropriabilidade, com os regimes fortes sendo evi- recursos por pouco ou nenhum benefício estratégico,
denciados pela forte proteção legal vinculada a uma expondo assim o inovador a perdas ainda maiores. Por
tecnologia simplesmente difícil de copiar; os regimes outro lado, se um inovador tenta contratar o forneci-
fracos oferecem pouco em termos de proteção legal, e a mento de uma capacitação crítica quando deveria criá-
essência da tecnologia, uma vez liberada, fica transpa- -la por si mesmo, ele pode muito bem descobrir que ali-
rente para o imitador. Os regimes fracos são ainda mais mentou um imitador mais capaz de atender o mercado
subdivididos de acordo com a maneira que o inovador do que ele próprio.
e os imitadores estão posicionados em comparação uns
com os outros. Esta é provavelmente uma função de fa- Formas mistas
tores como tempos envolvidos e posicionamento prévio O mundo real raramente proporciona casos extremos ou
nos ativos complementares necessários. simples. As decisões de integrar ou licenciar envolvem
A Figura 11 evidencia que, mesmo quando as em- conflitos de escolha, compromissos e abordagens mis-
presas buscam a estratégia ideal, outros participantes tas. Não é de surpreender, portanto, que o mundo real
da indústria podem tirar a sorte grande. Essa possibili- seja caracterizado por formas mistas de organização,
dade é improvável quando a propriedade intelectual em envolvendo mesclas sensatas de integração e contrata-
questão é fortemente protegida. A única ameaça séria ção. Às vezes, as formas mistas representam fases de
para o inovador é quando um ativo complementar es- transição. Por exemplo, devido à convergência da tec-
pecializado está completamente comprometido, uma nologia dos computadores e das telecomunicações, as
possibilidade reconhecida na célula 4. Isto raramente empresas de cada um dos setores estão descobrindo que
pode ser feito sem a cooperação do governo. Porém, muitas vezes não possuem as capacitações técnicas exi-
ocorre com frequência, como na situação em que um gidas pela outra. Como a interdependência tecnológica
governo estrangeiro fecha o acesso ao mercado exter- das duas requer a colaboração entre os que projetam as
no, forçando os inovadores a licenciarem para empresas diferentes partes do sistema, são necessários a inten-
estrangeiras, mas com o governo efetivamente carteli- sa coordenação e os fluxos de informação entre elas.
zando os potenciais licenciados. Entretanto, com a pro- Quando empresas individuais estão envolvidas, deve-se
teção fraca da propriedade intelectual, fica bem claro chegar a um acordo sobre as complexas questões proto-
que o inovador quase sempre perderá para os imitadores colares entre as partes que enxergam seus interesses de
e/ou detentores de ativos, mesmo quando o inovador es- maneiras diferentes. As dificuldades contratuais podem
tiver buscando a estratégia adequada (célula 6). Clara- ser antecipadas, uma vez que a escolha dos protoco-
mente, as estratégias incorretas podem criar problemas. los técnicos comuns entre as partes será quase sempre

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1       25

seguida pelos investimentos em hardwares e softwares tos da saúde fez com que a administração do presidente
específicos para a transação. Há pouca dúvida de que Carter introduzisse o “certificado de necessidade”, que
esta foi a motivação por trás da compra de 15% da fa- exigia a aprovação do HEW* para gastos em artigos ca-
bricante de PABX Rolm, realizada pela IBM em 1983, ros, como os dispositivos TAC, o que diminuiu conside-
uma posição ampliada para 100% em 1984. A participa- ravelmente o tamanho do mercado disponível.
ção da IBM na Intel começou com uma compra de 12% Em 1978, a EMI havia perdido a liderança de mer-
em 1982, mas provavelmente não levará a uma compra cado para a Technicare, que por sua vez foi ultrapassada
de 100%, porque ambas perceberam que as duas cul- rapidamente pela GE. Em outubro de 1979, Godfrey
turas corporativas não são muito compatíveis, e a IBM Houndsfield, da EMI, dividiu o prêmio Nobel pela in-
pode não estar tão impressionada com a tecnologia da venção do dispositivo de TC. Apesar dessa honra e do
Intel quanto já esteve. reconhecimento público de seu papel em trazer esse
avanço da medicina para o mundo, o colapso do seu
O TAC, o PC da IBM e a Nutrasweet: negócio de dispositivos de TC forçou a EMI, no mes-
deduções a partir da estrutura mo ano, a se lançar nos braços de um salvador, a Thorn
O insucesso da EMI em obter retornos significativos com Electrical Industries. Posteriormente, a GE adquiriu da
o TAC pode ser explicado em grande parte pela referên- Thorn, por uma ninharia, o negócio que um dia fora da
cia aos conceitos desenvolvidos acima. O dispositivo EMI.15 Embora os royalties continuassem a fluir para
criado por ela era de uma sofisticação técnica muito mais a EMI, a empresa não conseguiu capturar a parte dos
elevada do que se poderia encontrar normalmente em um lucros gerados pela inovação na qual foi pioneira e que
hospital, exigindo um alto nível de treinamento, suporte comercializou com sucesso.
e prestação de serviços. A EMI não tinha nenhuma des- Se a EMI exemplifica como uma empresa com tec-
sas capacitações, não podia contratá-las com facilidade, nologia excepcional e um produto excelente pode não
e demorou a perceber sua importância. Mais provavel- conseguir lucrar com a inovação enquanto os imitado-
mente, ela poderia ter formado uma parceria com uma res conseguem, a história do PC da IBM indica como
empresa como a Siemens para ter acesso às capacitações um produto novo representando um avanço tecnológico
necessárias. Não ter feito isto foi um erro estratégico, bastante modesto pode gerar retornos notáveis para o
agravado pela proteção muito limitada da propriedade desenvolvedor.
intelectual que a lei garantia ao dispositivo. Apesar de O PC da IBM, apresentado em 1981, foi um sucesso,
as decisões posteriores dos tribunais terem sustentado apesar de a arquitetura ser comum e os componentes,
algumas reivindicações de patente da EMI, depois que padrão. A equipe de projeto de Philip Estridge, em Boca
o produto estava no mercado ele sofreu uma engenharia Raton, Florida, decidiu usar a tecnologia existente para
reversa e teve suas características essenciais copiadas. produzir um microcomputador sólido e confiável, em
Dois concorrentes, GE e Technicare, já possuíam as capa- vez dos computadores da época. Com um mandato de
citações complementares que o dispositivo exigia, e tam- um ano para desenvolver um PC, a equipe de Estridge
bém eram tecnologicamente capazes. Além disso, ambas
podia fazer pouca coisa.
as empresas tinham experiência em comercializar equi-
Entretanto, o PC da IBM usou o que na época era
pamentos médicos e possuíam reputação de qualidade,
um novo microprocessador de 16 bits (o Intel 8080) e um
confiabilidade e serviços. A GE e a Technicare, portanto,
novo sistema operacional em disco (DOS) adaptado
foram capazes de empenhar seus recursos de P&D para
para a IBM pela Microsoft. À exceção do processador
desenvolver um dispositivo competitivo, apropriando-se
e do sistema operacional, o PC da IBM incorporava os
de ideias do dispositivo da EMI, ao qual elas indubita-
“padrões” de microinformática existentes e usava peças
velmente tiveram acesso por meio dos hospitais coope-
de fornecedores externos. A IBM escreveu sua própria
rados, aprimorando-as onde podiam enquanto corriam
BIOS (Sistema Básico de Entrada/Saída) que fica em-
para o mercado. A GE começou a receber encomendas
butida na ROM, mas isto foi um exercício de programa-
em 1976, e logo em seguida fez progressos em relação
ção relativamente simples.
à EMI. Em 1977, a preocupação com os crescentes cus-
A chave para o sucesso do PC não foi a tecnologia,
mas, sim, o conjunto de ativos complementares que a
*
N. de R.T.: O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados IBM possuía ou que reuniu rapidamente. Para ampliar
Unidos (Health and Human Services – HHS) é um departamento do ga-
binete do governo americano com o objetivo de proteger a saúde de to-
o mercado de PCs, havia uma necessidade clara de um
dos os cidadãos americanos e fornecer serviços essenciais relacionados à microcomputador flexível e expansível com muitos apli-
saúde humana. Seu lema é “Melhorar a saúde, a segurança e o bem-estar
da América”. Antes do Departamento ser criado em 1979, foi chamado
de Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar (Health, Education,
and Welfare – HEW). Ver “GE Gobbles a Rival in CT Scanners”, BusinessWeek, May 19, 1980.
15

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26     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

cativos de softwares. A IBM poderia ter desenvolvido o seu gosto agradável e à sua habilidade de substituir di-
PC a partir do seu próprio hardware patenteado e de seu retamente o açúcar em muitas aplicações. Entretanto,
software protegido por direitos autorais. Uma abordagem os ganhos da Searle com o NutraSweet podem ser atri-
como esta faria que os produtos complementares fossem buído, em parte, à estratégia inteligente desta empresa.
coespecializados, forçando-a a desenvolver periféricos e Parece que a Searle conseguiu estabelecer um regi-
uma abrangente biblioteca de software em um curto perí- me de apropriabilidade excepcionalmente forte em torno
odo. Em vez disso, ela optou pelo que se poderia chamar do Nutrasweet – que conseguiu assim permanecer por
de uma abordagem “contratual induzida”. Ao adotar uma algum tempo após a patente ter expirado. Nenhum con-
arquitetura de sistema aberta, como a Apple tinha feito, corrente aparenta ter sido bem-sucedido em “inventar
e tornando publicamente disponíveis as informações do algo em torno” da patente da Searle e comercializar uma
sistema operacional, ela induziu uma quantidade espeta- alternativa, sem dúvida, porque o processo de aprovação
cular de softwares de terceiros. A IBM estimou que, em do FDA teria que recomeçar do zero para um imitador
meados de 1983, havia pelo menos 3 mil produtos de que não estivesse violando as patentes da Searle. Um
hardwares e softwares disponíveis para o seu PC.16 Dito concorrente que tentasse replicar a molécula do aspar-
de outro modo, a IBM reuniu os ativos complementares, tame com modificações mínimas para driblar a patente,
particularmente o software, sem sequer usar contratos, provavelmente seria forçado a reproduzir as centenas de
apenas com a integração. Isto se deu apesar de os de- testes e experimentos a fim de comprovar a segurança
senvolvedores de softwares estarem criando ativos em da substância. Sem a garantia da patente, a aprovação do
parte coespecializados com o PC da IBM, pelo menos FDA não proporcionaria uma proteção rígida contra os
em primeira instância. imitadores que chegassem ao mercado com um produto
Muitos fatores especiais fizeram que isto parecesse um químico idêntico e que poderiam comprovar que se trata-
risco razoável para os desenvolvedores de softwares. Um va do mesmo composto já aprovado. Sem a aprovação do
fator crítico foi o nome da IBM e o compromisso com o FDA, por outro lado, a proteção da patente seria inútil, já
projeto. A reputação por trás das letras I.B.M talvez seja que o produto não seria vendido para consumo humano.
o maior ativo coespecializado que a empresa possui. O A Searle foi, rigorosamente, levada a reforçar sua
nome indicava que o produto seria comercializado e aten- proteção de patente. A empresa recebeu a concessão em
dido de acordo com a tradição da IBM. Ele garantia que 1970, e também obteve a proteção da patente no Japão,
o MS-DOS se tornaria um padrão na indústria, de modo Canadá, Austrália, Reino Unido, França, Alemanha e
que o negócio de softwares não dependeria somente da em muitos outros países. Porém, a maioria dessas pa-
IBM, porque certamente apareceriam os emuladores. Ele tentes tinha uma vida útil de 17 anos. Como o produto
garantia acesso aos pontos de distribuição de varejo em só foi aprovado para uso humano em 1982, este prazo
termos competitivos. As consequências foram que a IBM foi efetivamente reduzido para cinco. Reconhecendo a
conseguiu pegar um produto que representava, na me- importância óbvia da sua patente, a Searle pressionou
lhor das hipóteses, uma modesta realização tecnológica e e conseguiu uma legislação especial em novembro de
transformá-lo em um fabuloso sucesso comercial. O caso 1984, ampliando a proteção sobre o aspartame por mais
demonstra o papel que os ativos complementares desem- cinco anos. O Reino Unido concedeu uma ampliação
penham na determinação dos resultados. semelhante. Em quase todos os outros países, porém,
O sucesso e os lucros espetaculares do NutraSweet, 1987 marcará a expiração da patente.
da G. D. Searle, contam uma história rara que também De qualquer maneira, quando a patente expirar, a Searle
é coerente com a estrutura acima. Em 1982, a Searle ainda terá vários ativos valiosos para ajudar a manter os
divulgou vendas combinadas de US$ 74 milhões para o imitadores calmos. A empresa caminhou muito para criar
NutraSweet e sua versão de mesa, o Equal. Em 1983, elas e divulgar o uso do nome NutraSweet e de uma logo-
dispararam para US$ 336 milhões. Em 1985, as vendas do marca característica com um “redemoinho” em todos os
NutraSweet ultrapassaram US$ 700 milhões,17 e o Equal produtos licenciados para usar o ingrediente; também
tinha capturado 50% do mercado americano de substitutos desenvolveu o nome comercial “Equal” para uma ver-
para o açúcar, e era o número um em outros cinco países. são de mesa do adoçante. A lei de marcas registradas nos
O NutraSweet, que é o nome comercial da Searle Estados Unidos fornece proteção contra a concorrência
para o aspartame, obteve a aceitação rápida em cada desleal nos produtos de marca pelo tempo em que o pro-
uma de suas categorias aprovadas pelo FDA devido ao prietário da marca continuar a usá-la. Ambas as marcas
registradas, NutraSweet e Equal, se tornarão ativos es-
senciais quando as patentes do aspartame expirarem. A
16
F. Gens and C. Christiansen, “Could 1,000,000 IBM PC Users Be
Wrong?” Byte, November 1983, p. 88. Searle pode ter convencido os consumidores de que a
17
Ver Monsanto Annual Report, 1985. única forma real do adoçante é o NutraSweet/Equal, já

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1       27

que eles conhecem a maioria dos outros adoçantes artifi- maximizar sua participação nos lucros da indústria em
ciais por seus nomes genéricos – sacarina e ciclamatos. relação aos imitadores e outros concorrentes. Não há
Claramente, a Searle está tentando criar uma posi- garantia de sucesso, ainda que sejam seguidas as estra-
ção nos ativos complementares para se preparar para tégias ideais.
a concorrência que certamente surgirá. A joint venture No entanto, o inovador pode melhorar seu retorno com
da Searle com a Ajinomoto lhe assegura o acesso aos a P&D ajustando seu portfólio de investimentos nesta área
muitos anos de experiência desta empresa na produção a fim de maximizar a probabilidade de surgimento de des-
de agentes bioquímicos. Grande parte desse conheci- cobertas tecnológicas que sejam fáceis de proteger com
mento está associada a técnicas de destilação e síntese a lei de propriedade intelectual existente ou que requei-
de delicados compostos de hidrocarbonetos que são ram, para a comercialização, ativos coespecializados já
ingredientes do NutraSweet e, portanto, é um conheci- existentes no repertório de capacitações da empresa. Dito
mento mais tácito do que codificado. A Searle começou de outro modo, se uma empresa inovadora não canalizar
a aplicar essas técnicas em sua própria fábrica de US$ 160 seus recursos de P&D para novos produtos e processos
milhões na Geórgia. Pode-se esperar que ela venha a que possa comercializar de forma vantajosa em relação
usar ao máximo os segredos comerciais para manter aos seus potenciais imitadores e/ou seguidores, então pro-
seu know-how proprietário. vavelmente não lucrará com seus investimentos em P&D.
Na época em que sua patente expirar, a pesqui- Neste sentido, o histórico de uma empresa – e seus ativos
sa intensa da Searle em técnicas de produção para a já disponíveis – deve condicionar suas decisões de inves-
L-fenilalanina e seus oito anos de experiência na fábrica timento em P&D. Claramente, uma empresa inovadora
da Geórgia devem lhe conferir uma vantagem de custo com ativos consideráveis já em vigor está livre para atacar
significativa sobre os potenciais concorrentes do aspar- em novas direções, contanto que, ao fazê-lo, esteja ciente
tame. A proteção do segredo comercial, ao contrário dos tipos de capacitações necessárias para comercializar
das patentes, não possui um tempo de vida fixo, e pode com sucesso a inovação. Fica bem claro, portanto, que a
manter a posição da Searle nos anos vindouros. decisão de investimento em P&D não pode estar dissocia-
Além do mais, a empresa evitou sabiamente a reno- da da análise estratégica dos mercados e indústrias e da
vação dos contratos com os fornecedores quando esses posição da empresa dentro deles.
contratos expiraram.18 Caso a Searle tivesse subcontra-
tado a manufatura do NutraSweet, teria criado um fabri- Comparação entre pequenas e grandes
cante que estaria em uma posição propícia para entrar empresas
no próprio mercado de aspartame ou para se juntar a Os especialistas de negócios com frequência destacam
um fabricante de adoçantes artificiais. Mas, ao manter que muitas pequenas empresas empreendedoras, que ge-
a manufatura interna e desenvolver um valioso nome ram tecnologia nova e valiosa, fracassam, enquanto as
comercial, passou a ter uma boa chance de proteger sua grandes empresas multinacionais, muitas vezes com um
posição de mercado contra incursões radicais depois histórico menos meritório em relação à inovação, sobre-
que as patentes expirarem. Claramente, a Searle parece
vivem e prosperam. Um conjunto de razões para este fe-
estar astutamente ciente da importância de manter um
nômeno agora está claro. As grandes empresas têm mais
“regime de apropriabilidade forte” e usar estrategica-
chances de possuir os ativos especializados e coespecia-
mente os ativos especializados.
lizados relevantes dentro de suas fronteiras no momen-
to da introdução de um novo produto. Portanto, podem
IMPLICAÇÕES NA ESTRATÉGIA DE P&D, fazer um trabalho melhor na exploração de sua tecnolo-
NA ESTRUTURA DA INDÚSTRIA gia, mesmo escassa, para obter a máxima vantagem. As
E NA POLÍTICA PÚBLICA pequenas empresas domésticas têm menos probabilidade
de possuir estes ativos relevantes dentro de suas frontei-
Alocando recursos de P&D
ras e, assim, terão que desembolsar para tentar criá-los ou
A análise até agora supõe que a empresa desenvolveu para buscar desenvolver coalizões com os concorrentes/
uma inovação para a qual existe um mercado. Ela in- proprietários dos ativos especializados.
dica as estratégias que a empresa deve seguir a fim de
Regimes de apropriabilidade e estrutura
da indústria
18
A Purification Engineering, que tinha gasto US$ 5 milhões para cons- Nas indústrias em que os métodos legais de proteção são
truir uma instalação de produção de fenilalanina, soube, em janeiro de eficientes ou que produtos novos são difíceis de copiar,
1985, que seu contrato não seria renovado. Em maio, a Genex, que afir-
mava ter investido US$ 25 milhões, recebeu o mesmo comunicado. Ver a necessidade de as empresas de inovação integrarem
“A Bad Aftertaste”, BusinessWeek, July 15, 1985. os ativos coespecializados parece menos obrigatória do

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28     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

que nas indústrias onde a proteção legal é fraca. Nos zados específicos para a inovação. Muitas vezes, isto
casos em que a proteção legal é fraca ou inexistente, assumirá a forma de integração para trás, para a frente
o controle dos ativos coespecializados será necessário e lateral. (A integração em conglomerado não faz parte
para a sobrevivência no longo prazo. desse fenômeno.) Por exemplo, a compra da Rolm pela
Tendo isto em vista, é instrutivo analisar a indús- IBM pode ser vista como uma resposta ao impacto da
tria farmacêutica dos Estados Unidos.19 Começando na mudança tecnológica na identidade dos ativos coespe-
década de 1940, o U.S. Patent Office concedeu, pela cializados relevantes para o crescimento futuro da IBM.
primeira vez, patentes para determinadas substâncias
naturais que envolviam complexos procedimentos de Maturidade da indústria, nova participação
extração. Assim, em 1948, a Merck recebeu uma patente e história
para a estreptomicina, uma substância natural. No entanto, Como as indústrias tecnologicamente progressivas
não foi o processo de extração, mas o próprio fármaco amadurecem e uma maior proporção dos ativos coes-
que recebeu a patente. Portanto, as patentes eram impor- pecializados relevantes é trazida sob os guarda-chuvas
tantes para a indústria farmacêutica em termos do que corporativos das empresas estabelecidas, a nova partici-
podia ser patenteado (fármacos), mas elas não impediam pação se torna mais difícil. Além disso, quando ocorre,
a cópia.20 Às vezes, a simples mudança de uma molécula é mais provável que envolva a formação de coligações
permite que uma empresa apareça com uma substância logo no início. As empresas estabelecidas certamente
diferente que não viola a patente já concedida. Se as pa- possuirão os ativos coespecializados, e as novas parti-
tentes tivessem sido mais abrangentes – e não estou su- cipantes acharão necessário estabelecer laços com elas.
gerindo que deveriam –, o licenciamento teria sido um Aqui reside a explicação para a onda súbita de parcerias
mecanismo eficiente para a Merck extrair lucros de sua estratégicas que hoje ocorre internacionalmente, parti-
inovação. Com isso, o surgimento de substitutos muito cularmente na indústria da computação e das telecomu-
parecidos, associado à regulamentação do FDA, que teve nicações. Note que isto não deve ser interpretado em
o efeito real de reduzir a elasticidade da demanda por termos anticoncorrenciais. Dada a existente estrutura
fármacos, representou altas recompensas para uma es- da indústria, as coligações não devem ser encaradas
tratégia de diferenciação de produto. Isso exigiu um como tentativas de limitar a concorrência, mas como
marketing intenso, incluindo uma força de vendas que mecanismos para reduzir os requisitos de entrada para
poderia entrar em contato diretamente com os médicos, os inovadores.
os reais compradores dos fármacos por meio das suas Nas indústrias em que ocorreram mudanças tecno-
receitas médicas.21 Os resultados foram uma produção lógicas, que exigiam a implantação de ativos especia-
exclusiva (ou seja, a prática anterior de licenciamento da lizados e/ou coespecializados, pode muito bem ter sur-
indústria foi abandonada) e a integração para a frente em gido uma configuração de limites da empresa que não
direção ao marketing (o ativo coespecializado relevante). tenham mais eficiência convincente. As considerações
Em geral, se a proteção legal dos lucros do inova- que antes ditavam as formas de integração podem não
dor for segura, as empresas inovadoras podem escolher mais se sustentar, mesmo que não haja grandes forças
seus limites com base simplesmente em sua habilidade levando à separação. Portanto, os limites existentes da
de identificar as necessidades do usuário e responder a empresa em algumas indústrias podem ser um tanto
elas por meio da pesquisa e do desenvolvimento. Quan- frágeis, especialmente naquelas em que a trajetória tec-
to mais fracos forem os métodos legais de proteção, nológica e os requisitos de ativos especializados con-
maior o incentivo para se integrar os ativos coespecia- comitantes tenham mudado. Em resumo, a história é
lizados relevantes. Por isso, à medida que as indústrias importante em termos de compreensão da estrutura da
nas quais a proteção legal é fraca começarem a ama- empresa moderna. Os limites existentes não podem ser
durecer, ocorrerá a integração dos ativos coespeciali- sempre assumidos como portadores de justificativas ób-
vias em função das exigências de hoje.

19
P. Temin, “Technology, Regulation, and Market Structure in the A importância da manufatura para
Mod­ern Pharmaceutical Industry”, The Bell Journal of Economics, a competitividade internacional
Autumn1979, pp. 429-446.
20
Idem, p. 436. Praticamente todas as formas de know-how tecnoló-
21
No período anterior à regulamentação pelo FDA, todos os fármacos gico devem estar incorporadas nos produtos e servi-
que não fossem narcóticos estavam disponíveis sem prescrição médica.
Como o usuário final podia comprar os fármacos diretamente, as vendas ços para que resultem em valor para o consumidor.
eram sensíveis ao preço. Depois que foram exigidas as prescrições, esta Uma política importante para um país inovador é se
sensibilidade desabou; na maioria dos casos, os médicos, além de não
precisarem mais pagar pelos fármacos, não tinham noção dos preços dos a identidade das empresas e países que executam essa
fármacos que estavam prescrevendo. função é relevante.

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-1       29

Em um mundo de apropriabilidade forte e custo de fabricação e de outras capacitações se faz necessário


transação zero – o mundo da teoria comercial neoclás- para tirar partido de quaisquer vantagens tecnológicas
sica –, é indiferente se uma empresa inovadora tem que uma empresa inovadora possa ter.
capacitações para manufatura interna, doméstica ou es- Dito de outro modo, a noção de que os Estados Uni-
trangeira. Ela pode adotar a contratação (licenciamento dos podem adotar um “papel de designer” no comércio
de patente, de know-how, coprodução etc.) para vender internacional, permitindo, ao mesmo tempo, que em-
produtos resultantes de atividade na qual possui van- presas independentes em outros países como Japão, Co-
tagem competitiva (neste caso, P&D) e maximizar o reia, Taiwan ou México produzam, tem pouca chance
retorno especializando-se no que faz melhor. de ser viável como uma estratégia de longo prazo. Isto
No entanto, em um regime de apropriabilidade porque os lucros reverterão para os fabricantes de baixo
fraca, e em especial onde os ativos de manufatura ne- custo (ao proporcionar uma maior base de vendas sobre
cessários são especializados para a inovação, o que é a qual eles podem explorar suas habilidades especiais).
quase sempre o caso, pode ser necessária a participação Quando a imitação é fácil, e mesmo quando não é, exis-
na manufatura, caso uma empresa inovadora queira se tem problemas óbvios em atuar no mercado de know-
apropriar das rendas de sua inovação. Por isso, se os -how, problemas que são descritos com mais detalhes
custos de manufatura de uma empresa inovadora são em outros lugares.23 Em particular, há dificuldades em
maiores do que os dos imitadores, essa empresa pode precificar um ativo intangível cujas reais características
acabar cedendo a parte dos lucros para o imitador. de desempenho são difíceis de determinar de antemão.
Em um regime de apropriabilidade fraca, os imita- A tendência no mundo dos negócios internacionais,
dores/fabricantes de baixo custo podem acabar ficando que Miles e Snow24 chamam redes dinâmicas – carac-
com todos os lucros da inovação. Sob este regime, em terizadas pela desintegração vertical e a contratação –,
que as capacitações de manufatura especializadas são deveria, portanto, ser encarada com preocupação. As
necessárias para gerar novos produtos, uma empresa redes dinâmicas podem não refletir tanto as formas or-
inovadora com desvantagem de manufatura pode des- ganizacionais inovadoras, mas o desmanche da corpo-
cobrir que sua vantagem inicial de pesquisa e criação ração moderna, devido à deterioração das capacidades
não terá qualquer valor comercial. Isto acabará por nacionais, em particular da manufatura, que são com-
mutilar o inovador, a menos que seja assistido por pro- plementares à inovação tecnológica. Portanto, as redes
cessos governamentais. Por exemplo, parece que uma dinâmicas podem sinalizar não tanto o rejuvenescimen-
das razões para os fabricantes americanos de TVs em to da empresa americana, mas a sua morte gradual.
cores não ficarem com a maior parte dos lucros da ino-
vação, pela qual a RCA foi a maior responsável, foi que Como as barreiras comerciais e de
esta empresa e seus licenciados americanos não eram investimentos podem impactar os lucros
competitivos em manufatura. Nesse contexto, as preo- das empresas inovadoras
cupações de que o declínio da manufatura ameaça a Nos regimes de apropriabilidade fraca, os governos
economia inteira parecem procedentes. podem passar a distribuição dos ganhos com inovação
Outra implicação pertinente é que, à medida que a dos inovadores estrangeiros para as empresas domésti-
diferença tecnológica desaparece, a base da concorrên- cas, negando aos inovadores estrangeiros a propriedade
cia em uma indústria se desloca para os ativos coes- dos ativos especializados. A empresa estrangeira, que
pecializados. Parece ser o que está ocorrendo com os supostamente é uma empresa inovadora, terá a opção
microprocessadores. A Intel não está mais à frente em de vender seus ativos intangíveis no mercado de know-
tecnologia. Como salienta Gordon Moore, CEO da In- -how se o comércio e o investimento forem impedidos
tel, “Pegue as 10 maiores empresas [de semiconduto- pelas políticas do governo. Esta opção pode parecer
res] no mundo... e é difícil dizer a qualquer momento melhor do que a alternativa (nenhuma remuneração no
quem está na frente de quem... É evidente que, de um mercado em questão). Então, o licenciamento pode pa-
ponto de vista de manufatura, temos que estar muito recer rentável, mas apenas porque o acesso aos ativos
próximos dos japoneses para concorrer”.22 Não se trata complementares é bloqueado pelo governo.
apenas de a força em uma área ser necessária para com- Assim, quando uma empresa inovadora que gera lu-
pensar a fraqueza em outra. À medida que a tecnologia cros precisa acessar ativos complementares no estrangeiro,
se torna mais pública e menos proprietária por meio da
imitação mais fácil, o fortalecimento da manufatura na
23
Teece, “The Market for Know-How and the Efficient International
Transfer of Technology”.
24
R. E. Miles and C. C. Snow, “Network Organizations: New Concepts for
22
“Institutionalizing the Revolution”, Forbes, June 16, 1986, p. 35. New Forms”, California Management Review, Spring 1986, pp. 62-73.

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30     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

os países anfitriões, ao limitarem o acesso, às vezes po- sucesso e as variáveis de controle gerencial? A gestão
dem extrair dos inovadores uma parcela dos lucros, em de negócios, em geral, carece de uma sensação intui-
particular a que se origina das vendas nesse país anfi- tiva para dirigir e posicionar estrategicamente os in-
trião. No entanto, a habilidade de os países anfitriões vestimentos em pesquisa e desenvolvimento, em com-
fazê-lo depende, em grande parte, da criticidade dos paração com os investimentos similares em marketing,
ativos desse país para a empresa inovadora. Se suas ca- vendas e manufatura. Como consequência, as questões
racterísticas de custo e infraestrutura forem tais que este tecnológicas tendem a ter sua importância global mi-
seja o lugar de custo de manufatura mais baixo no mun- nimizada para o negócio. A tecnologia é abordada nos
do, e se a indústria doméstica for competitiva, então, planos estratégicos apenas de forma implícita, exceto no
agindo como um monopolista de fato, o governo do país caso dos empreendimentos especiais, que estão fora das
anfitrião deveria conseguir ajustar os termos de acesso linhas de produção principais – novos negócios e joint
aos ativos complementares de modo a se apropriar de ventures, licenciamento e aquisições. Nestes, a tecno-
uma parcela maior dos lucros gerados pela inovação.25 logia não pode ser negligenciada; muitas vezes ela é
um ingrediente importante, e até mesmo lógico em um
plano de compra ou de joint venture.
A rtigo 1 - 2
Em geral, os principais tomadores de decisões geren-
ciais possuem formação e habilidade inadequadas para
Como inserir a tecnologia no fazer julgamentos e previsões na área de tecnologia.
planejamento corporativo* Sem essa habilidade, suas opiniões sobre a utilização
da tecnologia na estratégia corporativa são limitadas.
Alan R. Fusfeld
Existem muitas razões para essa cegueira em rela-
ção à tecnologia e sua gestão em nossas práticas admi-
Todo executivo conhece casos de sucesso de empresas
nistrativas tradicionais:
em que a tecnologia desempenhou um papel dominante.
Quase todo mundo no capital de risco e no empreende- • A maioria dos gestores foi treinada e deu suas contri-
dorismo tem uma lista pessoal desses sucessos para buições de sucesso em marketing, manufatura, direito,
imitar. Os sonhos da tecnologia voltada para o lu- contabilidade ou alguma outra função corporativa. Seu
cro são alimentados pelo sucesso da vida real – Intel treinamento limitado em ciência ou engenharia não
Corporation, Minnesota Mining and Manufacturing é suficiente para lhes dar confiança em lidar com as
(3M), Polaroid, Hewlett-Packard e Digital Equipment mudanças tecnológicas. Por razões similares, os eco-
Corporation, para citar algumas de muitas empresas. nomistas corporativos não conseguem reconhecer o
Apesar do papel óbvio da tecnologia nas empre- processo de mudança tecnológica em suas previsões
sas bem-sucedidas, as questões tecnológicas apenas econômicas. Eles consideram todos os produtos como
ocasionalmente são incluídas de maneira explícita nas homogêneos ou enxergam a mudança tecnológica
análises de estratégia corporativa, e apenas raramente como uma informação sem valor para os seus pro-
estão entre os insumos normais para o planejamento e cessos – algo que cai do céu. A pesquisa de mercado,
desenvolvimento corporativo. também, extraiu muito pouco do campo tecnológico.
Os pesquisadores de mercado concentram-se nas pers-
pectivas de curto prazo. A boa pesquisa de mercado
TECNOLOGIA: O INSUMO SUBUTILIZADO
voltada para o futuro deve fornecer informações que
NO PLANEJAMENTO
reúnam uma estratégia corporativa envolvendo uma
A maioria dos executivos possui uma experiência limi- contribuição realista da tecnologia.
tada em tecnologia. Eles encaram a pesquisa e o desen- • Sabemos muito pouco a respeito do processo de
volvimento como uma caixa-preta: dinheiro e recursos mudança tecnológica; o conhecimento que possuímos
humanos são colocados na caixa, mas o que deve sair? é novo (acumulados nos últimos 10 a 15 anos), e ainda
Como esses recursos devem ser dirigidos e geridos? tem de ser sintetizado.
Quais devem ser os atrasos característicos, as taxas de • Em parte devido à experiência limitada, não temos as
estruturas adequadas para visualizar a mudança tecnoló-
gica. Não há nada comparável nesse campo às estruturas
* 
Fonte: Reimpresso com permissão da Technology Review, MIT, Alumni
de simplificação do planejamento estratégico de negó-
Association. Copyright © 1978. Todos os direitos reservados. cios que se tornaram predominantes na última década. A
25
Se a estrutura de mercado do país de acolhimento for, em primeira ins- gestão da tecnologia é, na prática, a única área funcio-
tância, monopolista, os agentes privados podem ser capazes de conseguir
o mesmo benefício. O que o governo pode fazer é forçar o acordo das nal que não é representada por uma disciplina dentro de
empresas domésticas para seu benefício mútuo. qualquer escola de administração.

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-2       31

• A mudança tecnológica prossegue em lentidão; a Elas podem afetar todo o espectro de atividades cor-
mudança significativa requer de 5 a 10 anos. Esse porativas: gestão, aquisição de materiais, fabricação,
intervalo de tempo não combina com os objetivos de marketing, resultados financeiros e crescimento futuro
planejamento da maioria das corporações america- por meio de novos produtos e em novos mercados.
nas. Embora grande parte possua planos para cinco À medida que você começar sua análise da estraté-
anos, 90% de suas atividades de pesquisa e desenvol- gia corporativa faça perguntas como essas:
vimento são projetadas para ser implementadas den-
tro de três anos, e os 10% restantes dentro de quatro. • Como as questões tecnológicas são reconhecidas pela
A maioria das corporações delineia seus objetivos estra- alta administração da sua empresa? Como uma caixa-
tégicos no horizonte de curto prazo forçadas por sua -preta? Como um insumo para o planejamento de longo
necessidade de gerenciar as necessidades de fluxo de prazo? Para satisfazer os objetivos de curto prazo? Até
caixa nesse curto prazo. Não é um horizonte de tempo que ponto é explícito o reconhecimento da tecnologia
apropriado para a mudança tecnológica significativa. em cada um desses papéis?
A maior parte dos objetivos de pesquisa e desenvolvi- • Como a gestão tem utilizado a tecnologia para imple-
mento tende para as necessidades existentes – objetivos mentar os objetivos estratégicos?
defensivos, como melhoria do produto e redução de cus- • Como a tecnologia tem sido monitorada? (Uma das
tos. Essa tendência do uso da tecnologia no papel de maneiras mais simples e convencionais é a simples
apoio para a implementação dos objetivos estratégicos manutenção de um departamento de pesquisa e desen-
planejados com três ou quatro anos de antecedência é o volvimento para se manter a par das últimas novidades.
resultado óbvio quando os gestores não têm uma com- Outros métodos incluem as comissões de tecnologia
preensão intuitiva de qualquer objetivo maior para seus externa e as atividades de contato para que se possa estar
investimentos em pesquisa e desenvolvimento. informado sobre as áreas em que seus próprios recursos
• A maioria das corporações americanas é organizada em técnicos são limitados).
torno do processo de produção. Elas não são estrutura- • Como as atividades são relevantes para a tecnologia
das para reconhecer ou recompensar as incertezas, ris- reconhecida e organizada em sua empresa? Onde estão
cos e as restrições de tempo do processo de inovação localizadas e como são recompensadas? (O típico sis-
tecnológica. Não é de surpreender, então, que as mudan- tema corporativo de recompensa é voltado para o desem-
ças tecnológicas mais significativas se originem fora da penho de fluxo de caixa no curto prazo; estes critérios
empresa – ou mesmo fora da indústria –, que, no fim das são inadequados para os riscos que devem ser assumidos
contas, a utiliza. em um sistema de desenvolvimento tecnológico viável).
Em apenas três áreas do planejamento estratégico
corporativo as mudanças tecnológicas têm sido am- AS UNIDADES FUNDAMENTAIS DA
plas – e, em geral, sabiamente – consideradas nesse TECNOLOGIA
planejamento corporativo. A aquisição tem sido uma
atividade importante do desenvolvimento corporativo Para aumentar a compreensão da tecnologia em sua em-
e da diversificação nos últimos 50 anos, e as mudanças presa, antes de tudo você precisará de uma unidade de
tecnológicas esperadas e a aquisição de novas tecnolo- análise adequada.
gias em geral têm sido uma consideração explícita na Quando falamos sobre tecnologias, tendemos a dis-
área de licenciamento, sendo uma parte implícita das correr sobre técnicas e produtos específicos – motores
atividades dos novos empreendimentos. Em todos es- de combustão interna, refrigeração e condicionamento
ses casos, a tecnologia é o elemento essencial da nova de ar e máquinas-ferramentas, por exemplo. Porém, a
oportunidade. tecnologia flui para dentro e para fora de produtos como
esses, e eles não fornecem a base fundamental por meio
Colocando a tecnologia em seu devido lugar da qual se possa medir a mudança tecnológica. A aná-
Coloque-se no lugar de um executivo designado para lise deve ser no nível das tecnologias genéricas. Um
apresentar uma estratégia corporativa. Você deve carburador, por exemplo, é uma aplicação da tecnologia
considerar muitos elementos – as características ge- genérica de vaporizar um líquido e misturá-lo com um
rais da indústria, as qualificações dos concorrentes gás. A mesma tecnologia aplicada na indústria de tintas
nessa indústria e os recursos corporativos da sua or- poderia se tornar um pulverizador automático de tinta,
ganização – gerenciais, financeiros, organizacionais, ou, na indústria aeroespacial, uma mochila a jato. Essa
pesquisa e desenvolvimento, manufatura, marketing maneira de focar as tecnologias genéricas e a diversi­
e distribuição. dade de aplicações técnicas de cada uma delas é neces-
As questões tecnológicas entram como resultado sária para que o seu planejamento seja eficaz na captura
das atividades tanto dentro quanto fora da indústria. das implicações da mudança tecnológica que vai afetar

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32     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

uma área de produto geral da empresa. Considere, por maior parte da ênfase em estratégias de publicidade e
exemplo, como a Raychem e a Hewlett-Packard obtive- marketing. Sem um conjunto de dimensões como este
ram sucesso concentrando-se em uma única tecnologia você se encontrará falando sobre os custos e benefícios
genérica, desenvolvendo e explorando-a em incontá- das potenciais mudanças tecnológicas de maneira for-
veis produtos para muitas indústrias diferentes. tuita e incompleta.

SETE DIMENSÕES DA ACEITABILIDADE ELASTICIDADEs DA DEMANDA DE


DO PRODUTO TECNOLOGIA

Tendo definido a unidade de tecnologia para análise, Os economistas falam sobre a elasticidade do preço
você precisa de alguns parâmetros básicos para a análi- de um produto, uma indicação do papel do preço na
se explícita de como uma determinada tecnologia pode determinação da demanda. Da mesma maneira, cada
ser aplicada nos produtos de sua empresa e, como resul- uma das diferentes dimensões nas quais as mudan-
tado, quão eficazes eles serão. ças tecnológicas podem afetar a aceitabilidade de um
Depois de coletar informações de muitas empre- produto está sujeita à avaliação de modo análogo. Por
sas sobre as características dos produtos novos e bem- exemplo, você pode analisar a mudança na demanda
-sucedidos, descobri sete qualidades que determinam o de um produto quando seu desempenho funcional foi
sucesso de qualquer implementação de qualquer tecno- aprimorado, ou sua facilidade de uso foi aumentada,
logia genérica por qualquer indústria: ou seus requisitos de serviço foram diminuídos. Em
alguns casos, a elasticidade será baixa, em outros, alta.
• Desempenho funcional – uma avaliação da função
Tais dados podem ser mensurados e utilizados da mes-
básica que se supõe que um dispositivo desempenhe.
Por exemplo, o desempenho funcional de um refrige- ma maneira que os economistas obtêm e utilizam a
rador doméstico é remover o calor, e os engenheiros elasticidade do preço.
avaliam o desempenho de um refrigerador em relação a Dois tipos de elasticidade – absoluta e relativa – são
esta tarefa básica em termos do que é classificado como muito importantes no planejamento da tecnologia. A elas-
eficiência de redução. ticidade absoluta representa a receptividade da deman­da
• Custo de aquisição – no exemplo do refrigerador, o total de mercado para as melhorias em função, facilidade
preço por pé cúbico. de uso, confiabilidade, custo, e assim por diante. A relati-
• Características de facilidade de uso – a forma da inter- va é uma medida similar da tendência de ocorrência das
face do usuário com o dispositivo; no mesmo exemplo, mudanças na participação de mercado à medida que os
as travas magnéticas das portas e os degeladores auto- concorrentes lançam novos produtos com desempenho
máticos contribuem para a aceitação da tecnologia por melhor em uma ou mais das várias dimensões.
parte do consumidor. Para saber como essas ideias entram no planejamen-
• Custo de operação – no caso do refrigerador, a quanti- to estratégico, considere um equipamento médico. Em
dade de quilowatt-hora utilizada por unidade de serviço um caso, o produto destina-se ao uso na sala de emer-
realizado. gência de um hospital; em outro, as mesmas funções
• Confiabilidade – a questão da frequência com que o dis- devem ser realizadas no consultório médico. Algumas
positivo ou processo normal requer serviço, quão livre características serão mais importantes em um mercado
ele é das necessidades anormais de serviço e, por fim, do que no outro. O custo e a facilidade de uso serão re-
qual é seu tempo de vida útil esperado. lativamente sem importância para o hospital; o plano de
• Manutenção – a questão de quanto tempo leva e quanto saúde pagará a maioria das contas e a máquina na sala
custa para devolver um dispositivo falho para a assis- de emergência será operada por um técnico. O médico,
tência técnica. que deve cobrar diretamente dos pacientes e usar a má-
• Compatibilidade – a maneira que o dispositivo ou pro-
quina sem a ajuda de um técnico, vai colocar uma prio-
duto se adapta a outros dispositivos no contexto de um
ridade maior no custo baixo e na facilidade de operação.
sistema maior.
Ou, então, considere o exemplo da Black & Decker,
Essas são categorias úteis para analisar as aplica- uma empresa que antes se concentrava exclusivamente
ções das tecnologias porque são gerais, aplicando-se a nas ferramentas de construção comerciais e industriais.
qualquer coisa, desde refrigeradores até motores a jato e As demandas tecnológicas e as restrições de preço desse
serviços médicos; elas descrevem a tecnologia em uma mercado são diferentes das existentes no mercado do-
aplicação específica com muita rapidez e de maneira méstico, e até a Black & Decker reconhecer essas dife-
muito adequada; expõem os objetivos da maioria dos renças e desenvolver sua tecnologia, sua penetração no
esforços de pesquisa e desenvolvimento; e dedicam a mercado de ferramentas domésticas era muito pequena.

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-2       33

Em resumo, existem diferenças significativas en- Figura 1  Comparando as qualidades transmitidas pela
tecnologia com as necessidades do cliente
tre os conjuntos de preferências dos consumidores e,
portanto, diferentes elasticidades do mercado tecnoló- Demanda pelo atributo
gico. O cálculo da elasticidade da tecnologia resulta da Baixo custo de aquisição
análise estatística dos diferentes segmentos de merca-
do segundo as prioridades nas decisões de compra que Facilidade de uso

podem ser estabelecidas para cada classe individual Baixo custo de operação
de comportamento.
Confiabilidade

Manutenção
TRAÇANDO O PERFIL DA TECNOLOGIA PELOS
Compatibilidade
SEGMENTOS DE MERCADO
Baixa Alta
Você agora tem uma unidade de tecnologia determinada Segmento de mercado 1: médicos particulares
na qual se concentrar, as dimensões nas quais ela está Segmento de mercado 2: instituições de saúde
incorporada ao mercado e a demanda relativa por essas O custo é relativamente pouco importante para um comprador
dimensões. A etapa seguinte é aplicar essas análises a institucional de equipamentos médicos, mas é uma conside-
fim de comparar a tecnologia de sua empresa com as ração significativa quando se trata de um médico particular. A
confiabilidade é importante para ambos, mas o hospital pode
necessidades dos segmentos de mercado, produzindo ter um técnico para efetuar os consertos prontamente. Uma
um perfil tecnológico competitivo. Onde é que as tec- análise como essa demonstra as diferentes elasticidades
nologias dos concorrentes se posicionam em relação a tecnológicas de mercado para o mesmo produto nos diferentes
mercados – um conceito importante em qualquer planejamento
um determinado mercado? Onde se posicionavam pou- da empresa para o investimento futuro em tecnologia.
cos anos atrás? Sua meta, naturalmente, será responder
uma pergunta como esta: no momento em que um novo A Figura 2 revela que a separação de partículas é
produto ou serviço com base em tecnologia da minha um direcionador principal da estratégia corporativa da
empresa estiver em operação ou on-line, qual será a si- empresa, e que existe ao menos a possibilidade de que
tuação da concorrência? ela pretenda ser líder nesse campo. O gráfico também
O perfil da concorrência ajuda a trabalhar esta ques-
mostra que outra parte dessa empresa está buscando
tão ao responder a algumas questões simples: quais fo-
uma estratégia que enfatize uma área de produto, pe-
ram as taxas de mudança no passado? Você consegue
gando todos os tipos de tecnologias por causa de suas
projetar uma continuação dessas taxas no futuro? Com
aplicações mais comuns. Pode-se dizer que essa em-
que velocidade uma empresa deve se deslocar para ga-
presa tem duas partes – uma, conduzida pela tecnolo-
nhar vantagem em relação às outras?
gia, e outra que conduz a tecnologia. Suas vantagens
tecnológicas, seus laboratórios, suas organizações, sua
AVALIANDO O PORTFÓLIO DE TECNOLOGIAS busca por joint ventures e programas de aquisições e
E PRODUTOS sua estratégia tecnológica em geral são diferentes. Na
realidade, essas duas partes da empresa são tão dife-
Para desenvolver uma estratégia tecnológica global
rentes, que ela, como um todo, pode ser enfraquecida
em torno da força técnica e comercial existente de
ao ter que acomodar duas empresas tão distintas em
sua empresa, desenhe um gráfico (como a Figura 1)
sua estrutura de gestão.
para mostrar as tecnologias genéricas nas quais sua
Um gráfico desse tipo é o primeiro estágio na combi-
empresa está envolvida e os produtos nos quais elas
são aplicadas. Esse tipo de gráfico fornece um perfil nação de todas as ideias previamente discutidas para que
do portfólio de tecnologias e produtos que pode ser você possa entender o papel da tecnologia na sua empre-
esclarecedor para uma gestão cujo negócio cresceu e sa e ponderar as opções de investimento e estratégia que
se desenvolveu de maneira oportunista. Um gráfico estão abertas para ela. Para selecionar uma determinada
similar para os concorrentes nas linhas de produto da estratégia, comece considerando as vantagens tecnológi-
sua empresa ajudará a revelar o que eles estão fazendo cas genéricas da sua empresa. Você pode descobrir que
e qual tem sido sua estratégia. não tem vantagens adequadas, que as vantagens na sua
A empresa representada na Figura 2 pode ter difi- tecnologia não são complementadas por vantagens na
culdades no futuro porque está tentando gerenciar, sob manufatura ou marketing, por exemplo. Ou você pode
o mesmo teto, diferentes tipos de tecnologia nas quais o descobrir que sua organização está preparada para dire-
fabricante tem papéis diferentes. cionar uma determinada tecnologia em muitas aplicações

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34     PARTE 1  – INTEGRANDO TECNOLOGIA E ESTRATÉGIA

Figura 2  Perfil das tecnologias genéricas em relação Responder a tais questões de forma sucinta e consis-
aos principais produtos de uma empresa hipotética
tente ajudará muitos gestores a melhorar a abordagem es-
Aplicações principais do produto
tratégica da tecnologia no seu planejamento corporativo.

Motores automotivos
Filtração comercial
Poluição industrial

Revestimento de
Filtração médica
A rtigo 1 - 3

parede/piso
Construção
Tecnologias genéricas A competência central da empresa*
Separação de partículas C. K. Prahalad e Gary Hamel
Formação de fibra metálica
Formação de material moldado
A maneira mais poderosa de vencer a concorrência glo-
Controle de ruído
bal ainda é invisível para muitas empresas. Durante os
Controle da eletricidade estática anos 1980, os altos executivos foram reconhecidos por
Conservação de energia sua habilidade de reestruturar e colocar em ordem suas
empresas. Nos anos 1990, eles o serão por sua habilidade
Todos esses seis interesses tecnológicos de uma empresa são de identificar, cultivar e explorar as competências cen-
bons exemplos do que são chamadas tecnologias genéricas, e trais que tornam o crescimento possível – na realidade,
todos estes são responsabilidades de um laboratório central de eles terão que repensar o conceito da própria empresa.
pesquisa e desenvolvimento. Mas apenas um deles é pertinente
a mais de um dos produtos da empresa; três deles resultam do
Considere os últimos 10 anos da GTE e da NEC. No
interesse da empresa na indústria de revestimentos de parede/ início dos anos 1980, a GTE estava bem posicionada para
piso. Um gráfico como esse pode ser revelador para uma ges- se tornar uma empresa importante na indústria de tecno-
tão cujo negócio tenha crescido e se desenvolvido de maneira logia da informação em evolução, porque era ativa em te-
oportunista. Neste caso, ele mostra que essa empresa é, na
verdade, duas – uma conduzindo a tecnologia de separação de
lecomunicações. Suas operações cobriam uma variedade
partículas, e outra conduzida pelas várias tecnologias envolvi- de negócios, incluindo telefonia, sistemas de comutação
das nos revestimentos de piso de vários tipos. e transmissão, PABX digital, semicondutores, comuta-
ção de pacotes, satélites, sistemas de defesa e produtos de
de produtos diferentes. Ou você pode concluir que sua iluminação. A Entertainment Products Groups da GTE,
melhor estratégia é capitalizar nas aplicações similares que produzia as TVs em cores Sylvania, tinha uma posi-
de tecnologias diferentes. Dependendo da sua análise, ção significativa nas tecnologias de tela. Em 1980, suas
você pode querer adicionar, por meio de merge, uma vendas foram de US$ 9,98 bilhões, e o fluxo de caixa
nova tecnologia genérica a fim de ampliar sua área de líquido foi de US$ 1,73 bilhão. A NEC, por outro lado,
aplicações, ou pode desejar oferecer sua tecnologia, era muito menor, com vendas de US$ 3,8 bilhões. Ela
por esta mesma forma, para alguma empresa que esteja possuía uma base tecnológica comparável e outros negó-
equipada para capitalizá-la por meio da manufatura e cios no setor de informática, mas não tinha experiência
do marketing. como empresa operadora de telecomunicações.
Ao tomar essas decisões, faça uma revisão do perfil Contudo, veja as posições da GTE e da NEC em 1988.
As vendas da primeira, nesse ano, foram de US$ 16,46
das suas tecnologias pelos seus segmentos de mercado.
bilhões, e as da segunda, consideradas mais altas, fica-
Quais dimensões tecnológicas dos seus produtos são
ram em US$ 21,89 bilhões. A GTE tinha, na verdade, se
importantes? Confiabilidade? Facilidade de uso? Custo tornado uma empresa operadora de telefonia com uma
de operação? Quanta ênfase você colocará na redução posição significativa em produtos de defesa e ilumina-
dos custos de aquisição? No aumento da facilidade de ção, mas seus outros negócios eram pequenos em termos
uso? Na redução dos custos de operação? Na melhoria globais. Ela se desfez da TV Sylvania e da Telenet, co-
do serviço? locou a comutação, a transmissão e o PABX digital em
Essa avaliação das dimensões da tecnologia em re- joint ventures, e interrompeu o negócio de semiconduto-
lação às necessidades do mercado e às pressões da con- res. Como resultado, sua posição internacional erodiu. A
corrência – a elasticidade da demanda por tecnologia receita fora dos Estados Unidos, como uma porcentagem
– é a parte que está faltando na maioria dos planos de da receita total, caiu de 20% para 15% entre 1980 e 1988.
pesquisa e desenvolvimento. Mas ela fornece respostas A NEC emergiu como a líder mundial em semicon-
para questões cruciais: Qual é a sua vantagem competi- dutores e uma concorrente de primeira linha nos produtos
tiva básica em relação a outras pessoas? Por que o seu
produto ou serviço irá vender? Por que ele vai funcionar Fonte: Copyright © 1990 by The President and Fellows of Harvard
*

no mercado? College. Todos os direitos reservados.

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SEÇÃO 1 – INOVAÇÃO TECNOLÓGICA | Artigo 1-3       35

de telecomunicação e informática. Ela consolidou sua dependeria da aquisição de competências, em particular


posição nos computadores de grande porte. E foi além em semicondutores. A gestão adotou uma “arquitetura
da comutação e transmissão públicas, incluindo produ- estratégica” adequada, resumida pela C&C, e depois
tos, como os telefones celulares, as máquinas de fax e os comunicou sua intenção para toda a organização e o
laptops – preenchendo a lacuna entre as comunicações mundo exterior em meados dos anos 1970.
e a automação de escritório. A NEC é a única empresa A NEC constituiu um Comitê de C&C, composto
no mundo a estar entre as cinco maiores em receita nas por altos executivos, para supervisionar o crescimento
telecomunicações, semicondutores e computadores de de produtos e competências centrais. E pôs em práti-
grande porte. Por que essas duas empresas, que come- ca grupos de coordenação e comitês que transcendem
çaram com portfólios de negócios semelhantes, tiveram os interesses dos negócios individuais. Coerente com
desempenhos tão diferentes? Em grande parte, porque a a sua arquitetura estratégica, deslocou volumosos re-
NEC se desenvolveu em termos das competências cen- cursos para fortalecer sua posição em componentes e
trais, e a GTE não fez isso. processadores centrais. Ao usar arranjos colaborativos
para multiplicar os recursos internos, a empresa foi
REPENSANDO A EMPRESA
capaz de acumular um conjunto amplo de competên-
cias centrais.
Antes, a empresa diversificada podia direcionar suas uni- A NEC identificou com muito cuidado três fluxos
dades de negócio para determinados mercados de produto inter-relacionados de evolução tecnológica e de mer-
final e incentivá-las a se tornarem líderes mundiais. Mas, cado. A alta administração determinou que o mundo
com os limites de mercado mudando cada vez mais rápido, da computação evoluiria dos computadores de grande
os alvos são móveis e a captura é, na melhor das hipóteses, porte para o processamento distribuído, dos simples
temporária. Poucas empresas têm provado ser especialis- componentes ICs (circuitos integrados) para os VLSI
ta em inventar novos mercados, entrando mais rápido nos (integração em escala muito grande) e as comunicações
mercados emergentes e mudando os padrões de escolha do da troca mecânica para os complexos sistemas digitais
consumidor nos mercados estabelecidos. São as que devem que hoje chamamos de ISDN (rede digital de serviços
ser imitadas. A tarefa essencial da gestão é criar uma organi- integrados). Como as coisas evoluíram mais, a NEC ra-
zação capaz de infundir produtos com funcionalidade irre- ciocinou; os negócios de computação, comunicações e
sistível ou, ainda melhor, criar produtos dos quais os clientes componentes iriam se sobrepor de tal modo, que seria
precisam, mas que ainda sequer imaginam. muito difícil distinguir entre eles, e que haveria imen-
Esta é uma tarefa enganosamente difícil. Essen- sas oportunidades para qualquer empresa que houves-
cialmente, ela requer uma mudança radical na gestão se criado as competências necessárias para atender os
das grandes empresas. E significa, antes de tudo, que a três mercados.
alta administração das empresas ocidentais deve assu- A alta administração da NEC determinou que os
mir a responsabilidade pelo declínio competitivo. Todo semicondutores seriam o produto básico mais impor-
mundo sabe das altas taxas de juros, do protecionismo tante da empresa. Ela entrou em muitas alianças es-
japonês, das leis antitruste obsoletas, dos sindicatos ba- tratégicas – mais de 100 até 1987 – visando à rápida
rulhentos e dos investidores impacientes. O que é mais criação de competências e a um custo baixo. Nos com-
difícil enxergar, ou reconhecer, é o pouco ímpeto que putadores de grande porte, seu relacionamento mais
as empresas em real obtêm do relevo político ou ma- notável foi com a Honeywell & Bull. Quase todos
croeconômico. Tanto a teoria quanto a prática de gestão os arranjos colaborativos na área de semicondutores/
ocidental criaram um entrave ao nosso avanço. São os componentes foram orientados para o acesso à tecno-
princípios da gestão que precisam de reforma. logia. À medida que entraram em arranjos colabora-
Mais uma vez, NEC versus GTE é instrutivo, e ape- tivos, os gerentes operacionais da NEC entenderam a
nas um de muitos casos comparativos do gênero que lógica dessas alianças e o objetivo de internalizar as
analisamos para compreender as alterações nas bases habilidades do parceiro. O diretor de pesquisa da NEC
para a liderança global. No início dos anos 1970, a assim resumiu sua aquisição de competência durante
NEC articulou uma intenção estratégica para explorar a os anos 1970 e 1980: “Do ponto de vista do investi-
convergência da computação e das comunicações, cha- mento, era muito mais rápido e mais barato usar tec-
mada C&C.1 O sucesso, segundo a alta administração, nologia externa. Não havia para nós a necessidade de
desenvolvermos novas ideias”.
Igual clareza de intenção e estrutura estratégicas
Para uma discussão mais ampla, ver nosso artigo “Strategic Intent”,
1 não parecia existir na GTE. Embora os executivos se-
Harvard Business Review, May-June 1989, p. 63. niores tivessem discutido as implicações da indústria

livro Burgelman.indb 35 16/1/2012 11:59:52

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