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CONTROVÉRSIAS EM POLÍTICA COMERCIAL

Prof. Flavio Tosi Feijó


INTRODUÇÃO
PRÉVIA
 Argumentos a favor das políticas comerciais “ativistas”
 Externalidades ou um problema de apropriabilidade
 Política comercial estratégica e concorrência imperfeita

 Argumentos relativos ao comércio e às pessoas


 Comércio e trabalho
 Comércio e meio ambiente
 Comércio e cultura
ARGUMENTOS A FAVOR DE UMA POLÍTICA COMERCIAL
ATIVISTA

 De modo geral, uma política comercial ativista refere-se a políticas governamentais


que apoiam ativamente os setores de exportação por meio de subsídios.
 Os argumentos a favor das políticas comerciais ativistas partem da premissa de que a
industrialização pela substituição de importações e os argumentos contra o livre
comércio utilizaram: falha do mercado.
 Externalidades ou um problema de apropriabilidade.
 Concorrência imperfeita que resulta em receitas que excedem todos os custos (de oportunidade):
retornos “em excesso”.
TECNOLOGIA E EXTERNALIDADES

 As empresas que investem em uma nova tecnologia normalmente geram um


conhecimento que outras empresas podem usar sem pagar por isso: um problema de
apropriabilidade.
 Ao investir em novas tecnologias, as empresas criam um benefício extra para a sociedade, que é
facilmente utilizado por terceiros.
 Um problema de apropriabilidade é um exemplo de externalidade: benefícios ou custos que
impactam outros além dos que os geraram.
 Uma externalidade (positiva) implica que o benefício social marginal do investimento não é
representado pelo excedente do produtor.
TECNOLOGIA E EXTERNALIDADES

 Os governos podem querer incentivar ativamente os investimentos em tecnologia,


quando as externalidade em novas tecnologias geram alto benefício social marginal.

 Os governos devem subsidiar setores de alta tecnologia?


TECNOLOGIA E EXTERNALIDADES

 Ao analisar se um governo deve subsidiar setores de alta tecnologia, deve-se


levar em consideração:
1. A capacidade do governo de subsidiar a atividade certa.
 Muitas das atividades de empresas de alta tecnologia não têm nada a ver com a geração de
conhecimento: subsidiar aquisições de equipamentos ou trabalhadores sem qualificação
técnica não cria nova tecnologia.
 Em vez de subsidiar setores específicos, os Estados Unidos subsidiam atividades de
pesquisa e desenvolvimento por meio do código tributário:
 Os gastos com pesquisa e desenvolvimento podem ser deduzidos do imposto de renda tributável
das empresas.
2. A importância econômica das externalidades.
 É difícil determinar a importância quantitativa das externalidades na economia.
 Por conseguinte, é difícil afirmar quanto subsidiar em atividades que criam externalidades.

3. Também podem ocorrer externalidades entre países.


 Nenhum país individualmente se sentirá estimulado a subsidiar setores, se todos os países
puderem tirar proveito das externalidades geradas por ele.
CONCORRÊNCIA IMPERFEITA E POLÍTICA COMERCIAL
ESTRATÉGICA

 Os setores de concorrência imperfeita costumam ser dominados por poucas empresas


que geram lucros de monopólio ou retornos em excesso.
 Os retornos em excesso referem-se a receitas que excedem todos os custos de oportunidade: lucros
maiores do que aqueles que podem ser obtidos em investimentos de igual risco em qualquer outra
parte da economia.

 Em um setor de concorrência imperfeita, os subsídios governamentais podem


transferir os retornos em excesso de uma empresa estrangeira para outra doméstica.
 Vamos ilustrar esse ponto com um exemplo simples.
 Exemplo da análise de Brander-Spencer:
 Duas empresas (Boeing e Airbus) competem no mercado internacional, mas se localizam em países
diferentes (Estados Unidos e UE).
 Ambas estão interessadas na fabricação de um avião de 150 lugares, mas o lucro de uma depende
das ações da outra.
 Cada empresa decide fabricar ou não, dependendo dos níveis de retorno.
Cada empresa sozinha poderia ganhar os retornos em excesso ao fabricar um novo avião.
Suponhamos que a Boeing ingresse no mercado primeiro e decida fabricar um novo avião.
 O resultado previsto depende da decisão de cada empresa sobre aquilo no qual
investir ou o qual fabricar primeiro.
 Se a Boeing fabricar primeiro, a Airbus não considerará lucrativo fabricar também.
 Se a Airbus fabricar primeiro, a Boeing não considerará lucrativo fabricar também.

 Entretanto, um subsídio de 25 pela União Europeia poderá alterar o resultado,


tornando lucrativo para a Airbus fabricar independentemente da ação da Boeing.
Suponhamos agora que a UE subsidie a Airbus com $25B, se ela decidir fabricar.
 Se houver expectativa de que a UE subsidie a Airbus, a Boeing deixará de entrar no
setor.
 Desse modo, o subsídio de 25 gerará retorno de 125 para a Airbus.

 O subsídio eleva a lucratividade acima do valor do subsídio em si, devido a seu efeito dissuasivo
sobre a concorrência externa.
 Uma política governamental destinada a prover uma empresa doméstica de vantagem
estratégica na produção é denominada política comercial estratégica.
 As críticas a essa análise contemplam os seguintes aspectos:
1. O uso prático de uma política comercial estratégica requer mais informações sobre
as empresas do que provavelmente estará disponível.
 As previsões do exemplo simplificado serão diferentes, se os números forem ligeiramente
modificados.
 E se os governos ou os economistas não estiverem absolutamente corretos ao prever a
lucratividade das empresas?
 Por exemplo, e se a Boeing possuir uma tecnologia melhor que só ela detém, de modo que,
mesmo que a Airbus fabrique, a Boeing ainda considerará lucrativo fabricar também?
Suponhamos que a Boeing detenha uma vantagem de produção que altere o retorno de cada empresa.
Quando a Boeing possui uma vantagem, um subsídio não a impede de fabricar, e esse subsídio custará
mais do que o retorno gerado para a Airbus.
 O resultado previsto, quando a União Europeia subsidia a Airbus, passa a ser que
ambas as empresas fabricam e ambas ganham somente 5.
 O subsídio deixa de elevar os lucros em mais do que seu valor porque falhou em deter a
concorrência estrangeira.

 Em suma, não há uma constatação inquestionável de que um subsídio seja


sempre compensador: ele poderá desperdiçar recursos que poderiam ser usados
em outra parte da economia.
2. Pode haver retaliação externa:
 Se a União Europeia subsidiar a Airbus, os Estados Unidos poderão subsidiar a Boeing,
 o que não impediria nenhuma das duas de fabricar, além de iniciar uma guerra comercial e
desperdiçar fundos dos contribuintes.

3. Uma política comercial estratégica, como qualquer outra política comercial, pode
ser manipulada por grupos politicamente poderosos.
COMÉRCIO E TRABALHO

 Um aumento nas exportações de manufaturados dos países de renda baixa e


média tem sido uma das principais mudanças na economia mundial da última
geração.
 Em comparação com os padrões dos países ricos, os trabalhadores que fabricam
esses bens recebem salários mais baixos e podem trabalhar em condições
precárias.
 Houve alguma oposição ao livre comércio em decorrência desse fato.
 Um exemplo dessa situação é o setor de maquiladoras: empresas mexicanas que
fabricam para exportar aos Estados Unidos.
 Oponentes do NAFTA argumentam que ficou mais fácil para os empregadores
substituírem os trabalhadores de alto salário nos Estados Unidos pelos de baixos
salários no México.
 Esse argumento pode ser verdadeiro, mas não podemos concluir que o comércio
prejudica os trabalhadores.
 O modelo ricardiano presume que, embora os salários no México permaneçam
inferiores aos dos Estados Unidos devido à baixa produtividade mexicana, eles
aumentarão em relação a seu nível antes do comércio.
 Segundo o modelo de Heckscher-Ohlin, os trabalhadores não qualificados dos
Estados Unidos serão prejudicados pelo NAFTA, mas os do México vão se
beneficiar.
 Apesar dos baixos salários recebidos pelos trabalhadores do México, ambas as teorias
pressupõem que sua condição vai melhorar em relação à que teriam, se não ocorresse
comércio.
 Constatações compatíveis com esses pressupostos demonstram que os salários nas maquiladoras
aumentaram em relação aos de outros setores da economia mexicana.
 Também se podem comparar as condições de trabalho nas maquiladoras com as de outros setores
da economia mexicana.
 Há ativistas trabalhistas que defendem a inclusão de padrões de trabalho nas
negociações comerciais.
 Entretanto, os padrões de trabalho impostos por países estrangeiros são rejeitados pelos
governos de países de renda baixa e média.
 Os padrões internacionais poderiam ser usados como uma política protecionista ou como base
de processos judiciais, quando não cumpridos pelos produtores domésticos.
 Os padrões estabelecidos por países de alta renda seriam onerosos para os produtores de renda
baixa e média.
 Uma política que poderia ser aceita pelos governos de países de baixa e média
renda é um sistema que monitorasse salários e condições de trabalho e
disponibilizasse essas informações aos consumidores.
 Os produtos poderiam receber a certificação de que foram fabricados com salários e
condições de trabalho aceitáveis.
 Contudo, essa política exerceria um efeito limitado, uma vez que a grande maioria dos
trabalhadores em países de baixa e média renda não atua no setor de exportações.
COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE

 Em comparação com os padrões ambientais de países ricos, os dos de baixa e média


renda são frouxos.
 Houve alguma oposição ao livre comércio em decorrência desse fato.
 Não se pode concluir, todavia, que o comércio prejudica o meio ambiente, já que o
consumo e a produção na ausência de comércio também causam degradação
ambiental.
 Há ativistas trabalhistas que defendem a inclusão de padrões ambientais nas
negociações comerciais.
 Entretanto, os padrões ambientais impostos por países estrangeiros são rejeitados pelos
governos de países de renda baixa e média.
 Os padrões internacionais poderiam ser usados como uma política protecionista ou como base
de processos judiciais, quando não cumpridos pelos produtores domésticos.
 Os padrões estabelecidos por países de alta renda seriam onerosos para os produtores de renda
baixa e média.
 À medida que os países enriquecem, possivelmente em parte devido ao comércio,
eles produzem mais e podem consumir mais, o que leva a mais degradação
ambiental.
 Por outro lado, à medida que os países enriquecem, eles aceitam pagar por uma
proteção ambiental mais rigorosa.
 Essas ideias são representadas por uma curva de Kuznets ambiental :
 Uma relação de “U invertido” entre a renda per capita e o dano ambiental.
COLE NO NAVEGADOR ESTE LINK ABAIXO PARA VER DADOS SOBRE EMISSÃO PER CAPTA POR
PAÍSES

https://ourworldindata.org/explorers/co2?
time=earliest..2020&facet=none&country=CHN~USA~IND~GBR~OWID_WRL&Gas=CO
%E2%82%82&Accounting=Production-based&Fuel=Total&Count=Per+capita
 Como em geral os países ricos possuem regulamentações ambientais rígidas
enquanto os pobres não, as atividades que envolvem risco ambiental podem ser
transferidas às nações pobres.
 Um porto de poluição é o local onde uma atividade econômica que está sujeita a severos
controles ambientais em alguns países é transferida (ou vendida) para outros com regras
menos rigorosas.
 Entretanto, há constatações de que os portos de poluição são insignificantes em comparação
com a poluição que ocorre sem o comércio internacional.
 A poluição em alguns países pode causar uma externalidade negativa para outros.
 Por exemplo, a produção na China pode causar poluição atmosférica na Coreia (ou na costa
oeste dos Estados Unidos).
 Considerando-se que a poluição causa externalidades negativas a outros países, essa questão
deve ser inclusa nas negociações internacionais.
 As emissões de dióxido de carbono são um exemplo de poluição que causa uma externalidade
negativa e que faz parte das negociações internacionais.
Hipótese de dotação de fatores:

Infere que as vantagens comparativas entre os países desempenham um papel importante na determinação de
localização de indústrias intensivas em poluição (indústrias ambientalmente sensíveis).

Nesse sentido, indústrias ambientalmente sensíveis são intensivas em capital, que estão concentradas em países mais
ricos.
Impactos do comércio internacional no meio ambiente

Efeito escala (EE) – a poluição varia proporcionalmente ao produto agregado da economia, multiplicada pelo produto
inicial em cada setor. O aumento do comércio internacional causaria um aumento da produção e, portanto, cresceria d
degradação ambiental.

Efeito composição (EC) – depende do tipo de produção na qual o país se especializaria com a maior liberalização
comercial. Caso o país se especialize em um setor mais intensivo em poluição com o livre comércio, maior será a
degradação e vice-versa.

Efeito técnica (ET) – a integração econômica proporcionado pelo comércio internacional tenderia a melhorar as
técnicas de produção, ao criar uma maior demanda da população por técnicas mais sustentáveis, reduzindo, assim, a
degradação ambiental.

EFEITO TOTAL = EE + EC +ET


COMÉRCIO E CULTURA

 Há ativistas que alegam que o comércio destrói a cultura de outros países.


 Essa crença negligencia o princípio de que devemos permitir que as pessoas definam sua cultura
por meio de escolhas que elas fazem, não por padrões estabelecidos pelos outros.
 E qualquer mudança econômica, não somente o comércio, leva a mudanças no cotidiano.
RESUMO

1. Um argumento a favor de uma política comercial ativista é que o investimento em


setores de alta tecnologia acarreta externalidades à economia.
 Mas é difícil identificar quais atividades provocam externalidades e, caso isso ocorra, em que
grau isso se dá.

2. Um segundo argumento a favor de uma política comercial ativista é que os


governos podem conceder vantagem estratégica a empresas domésticas nos setores
com retornos em excesso.
 Mas não fica claro se tal política conseguiria efetivamente prover vantagem estratégica a uma
empresa ou se valeria a pena.
3. Há certa oposição ao livre comércio devido ao fato de que os trabalhadores de
países de baixa e média renda recebem salários inferiores e têm condições de
trabalho piores do que os de países de alta renda.
 Mas se supõe que os trabalhadores em países de baixa e média renda sejam mal remunerados
devido à baixa produtividade e, mesmo assim, sejam mais bem remunerados do que em uma
situação sem comércio.
4. Alguns propõem que as negociações comerciais incluam padrões de trabalho,
ambientais ou ‘culturais’; entretanto, esses padrões costumam ser rejeitados pelos
governos de países de renda baixa e média.

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