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Por que políticas de estímulos e intervenções governamentais geram recessões

E por que essas mesmas políticas não podem reanimar uma economia

economia
Robert Higgs
terça-feira, 30 0aio 2017

A falácia da vidraça quebrada, popularizada por Frédéric Bastiat, continua sendo a


metáfora perfeita para mostrar as consequências daquilo que se vê e daquilo que não se
vê.
Resumidamente, se um moleque quebra uma vidraça de uma padaria, obrigando seu
proprietário a incorrer em gastos para trocar a vidraça, um economista keynesiano diria
que tal ato de vandalismo foi bom para a economia, pois, ao ser obrigado a gastar dinheiro
com uma vidraça nova, o padeiro não apenas irá estimular o mercado de vidros, como
também irá estimular toda a economia.
O vidraceiro terá mais dinheiro para gastar com seus fornecedores, e os fornecedores terão
agora mais dinheiro para gastar com outros setores da economia. Toda a economia sairá
ganhando. A vidraça quebrada proporcionou dinheiro e emprego em várias áreas.
Porém, há as consequências que não são vistas. O padeiro ficará com menos dinheiro,
fazendo com que ele deixe de comprar um terno. Se antes ele teria a vidraça e o terno
(ou o equivalente em dinheiro), agora ele terá apenas a vidraça. O alfaiate deixou de
ganhar dinheiro. Os fornecedores do alfaiate deixaram de ganhar dinheiro.
Igualmente, os fornecedores de insumos para a padaria — plantadores de trigo, criadores
de fermento, cultivadores de leite etc. — também deixarão de ganhar dinheiro, pois a
padaria teve de economizar para trocar a vidraça.
O que o vidraceiro ganhou, o alfaiate, todo o setor de tecidos e todo o setor de
fornecedores perderam. Estes não poderão gastar este dinheiro com outros setores da
economia. Sendo assim, não houve nenhuma criação líquida de emprego.
Em suma, se a vidraça não houvesse sido quebrada, o proprietário da padaria poderia ter
gasto seu dinheiro para melhorar sua situação em vez de meramente restaurá-la. Isto é o
que não é visto.
O economista que só vê as consequências imediatas da vidraça quebrada, e que não é
capaz de visualizar as consequências que não são imediatamente perceptíveis, não é um
economista completo.
Nos últimos anos, várias pessoas — ao menos em alguns círculos — se tornaram mais
familiarizadas com essa 'falácia da vidraça quebrada', e passaram a perceber que a política
macroeconômica keynesiana não passa de uma 'falácia da vidraça quebrada' em ampla
escala.
Mas talvez ainda mais importante do que a 'falácia da vidraça quebrada' seja aquilo que
poderíamos chamar de falácia da 'perna não quebrada'.
Trata-se da presunção que fundamenta todos os tipos de intervenção estatal no mercado,
tanto em termos macroeconômicos quanto microeconômicos: a de que os participantes
do mercado são perfeitamente capazes de agir mais produtivamente, mas não o estão
fazendo por causa de várias "falhas de mercado". E isso requer uma intervenção estatal
para estimular as coisas e deixar os empreendedores mais produtivos.
Qual a principal falácia deste raciocínio? Ele ignora completamente as inúmeras
maneiras com que as próprias intrusões do estado sobre o sistema econômico "quebram
as pernas" dos empreendedores privados ao distorcer os preços — por meio da
manipulação dos juros, do controle de preços das tarifas de eletricidade e dos
combustíveis, da imposição de tarifas protecionistas para proteger um determinado setor
ao mesmo tempo em que encarece os bens de capital importados por outros setores — e
ao conceder subsídios aos seus empresários favoritos.
Essas "políticas governamentais" geram incertezas, penalizam as ações produtivas e
subsidiam as ações destrutivas, pois pune quem quer empreender para atender aos
genuínos desejos dos consumidores e subsidia quem quer empreender para atender aos
caprichos dos burocratas do estado.
Suponha que o governo invente uma política industrial — tanto por meio de tarifas
protecionistas quanto pela concessão de subsídios diretos (via bancos estatais) — com o
intuito de estimular a produção das indústrias. Há um problema: ele não é capaz de fazer
isso de modo neutro. Ele terá de gastar com setores específicos. E, consequentemente,
aqueles primeiros a receber o dinheiro irão gastá-lo também de maneira mais
direcionada. Adicionalmente, o governo terá de "manter sua trajetória", sinalizando com
clareza quais são seus planos durante um determinado período de tempo, o qual tem de
corresponder aos horizontes de planejamento dos agentes econômicos.
O próprio Keynes reconheceu que isso é impossível. Como consequência, ele defendia
um consistente e persistente controle do governo sobre a maior parte dos
investimentos. A ideia era que a confiança aumentaria em decorrência da certeza criada
pelo fato de os empreendedores saberem qual seria o nível dos gastos, em que eles seriam
investidos e com qual duração.
Mas não vivemos no mundo que Keynes sonhou por dois motivos: (1) não se pode confiar
que o governo irá manter políticas consistentes de longo prazo e (2) Keynes não aceitava
que durante uma expansão econômica induzida pelo governo os recursos possam ser
sistematicamente mal alocados e que os gastos governamentais irão privilegiar apenas
alguns poucos e prejudicar todo o resto.
No nosso mundo, os empreendedores têm de lidar com inúmeras incertezas ao mesmo
tempo:
1. Como o sistema político irá de fato alocar os recursos do estímulo econômico? E por
qual período de tempo?
2. Em qual direção (em que área) irão gastar aqueles que aumentaram suas rendas em
decorrência da política de estímulos do governo?
3. Qual será o padrão sustentável de gastos, poupança e investimento que irá surgir
quando as políticas de estímulo governamental diminuírem (e elas terão de diminuir em
um dado momento uma hora)?
Investidores não investem no abstrato ou no agregado; eles investem em áreas
específicas. Os estímulos governamentais, da forma como são praticados, aumentam as
dificuldades de coordenação com que os empreendedores lidam. Eles agora, em vez de
se concentrar na satisfação das demandas dos consumidores, terão de adivinhar o
comportamento de burocratas e agentes políticos, os quais não reagem às condições de
oferta e demanda no mercado.
O que o Ministro da Fazenda irá inventar depois? Quais as novas condições que o
presidente ou o congresso irão impor às empresas? Toda essa incerteza é misturada às
tentativas de se descobrir novos equilíbrios de mercado que sejam compatíveis com as
preferências dos consumidores. Nesse cenário, os preços tendem a se comportar de
maneira errática, transmitindo informações totalmente incorretas sobre oportunidades de
lucro.
O resultado é que a economia fica estagnada, os investimentos realmente demandados
pelos consumidores não ocorrem, e apenas as empresas com capital político se sustentam.
Simplesmente transmitir a certeza de que o governo estará estimulando alguma coisa por
algum período indefinido de tempo não irá corrigir o problema fundamental. Há todo um
problema de coordenação, o qual não é percebido pelo economista menos treinado, que
só consegue analisar aquilo que se vê.
A economia de mercado não é, nem de longe, tão simples e ordeira quanto os defensores
de políticas intervencionistas acreditam. O mercado é uma emaranhada rede de relações
econômicas; é um processo caracterizado por várias forças coordenadoras e
descoordenadoras. Vivemos em uma sociedade acossada pela escassez, e é esse processo
de coordenação feito pelo mercado que irá auxiliar o indivíduo a decidir como alocar
corretamente os recursos necessários para se obter os fins desejados.
É por isso que o crescimento econômico, ou a criação de riqueza, não pode ocorrer em
função do investimento induzido pelo estado. O vago termo "investimento" deve ser
incorporado a este mundo de escassez, preferências e coordenação.
Quando as políticas de estímulo do governo são integradas a essa realidade mais ampla
do processo de mercado, torna-se claro que a questão toda envolve variáveis muito além
da simplista noção de incentivos, subsídios e produção. Tudo deixa de ser apenas uma
questão que envolve uma relação direta entre investimento e criação de riqueza, e passa
a ser sobre se o governo pode ou não participar de maneira eficaz no processo de
coordenação do mercado.
Após invadir a ordem econômica como um elefante em uma loja de porcelana e causar
estragos tangíveis, os burocratas, os políticos e os intelectuais bajuladores do regime
recorrem então à desfaçatez de culpar as "falhas de mercado" pela bagunça que eles
próprios criaram — o que cria espaço para ainda mais intervenções para corrigir os efeitos
nefastos das intervenções anteriores.
No que dependesse exclusivamente dos mecanismos de correção embutidos em um
sistema de mercado genuinamente livre, baseado no sistema de preços e no mecanismo
de lucros e prejuízos, os empreendedores e consumidores não errariam de forma
sistemática em seus esforços multifacetados para coordenar suas próprias atividades
econômicas — a menos, é claro, que o estado interviesse desbragadamente, quebrando
suas pernas e estropiando o funcionamento do sistema de preços.
Análises econômicas e estratégias políticas que desconsiderem esta realidade estão se
baseando em pilares falaciosos e não devem ser levadas a sério.

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