Você está na página 1de 8

ASPECTOS POLÍTICOS DO PLENO EMPREGO (i)

Por Michal Kalecki

https://jornalggn.com.br/gestao/aspectos-politicos-do-pleno-emprego-por-michal-kalecki/

1. Uma maioria consolidada dos economistas já é da opinião de que, mesmo em um


sistema capitalista, o pleno emprego pode ser assegurado por um programa de gastos do
governo, desde que haja um plano adequado para empregar toda a força de trabalho
existente, e desde que a oferta de matérias-primas estrangeiras necessárias possa ser
obtida em troca de exportações.

Se o governo assume o investimento público (por exemplo, constrói escolas, hospitais


e estradas) ou subsidia o consumo de massa (por transferências às famílias, pela redução
dos impostos indiretos, ou subsídios para manter baixos os preços dos bens de primeira
necessidade), e se, além disso, essas despesas são financiadas pelo endividamento e não
pela tributação (o que poderia afetar negativamente o investimento privado e o
consumo), a demanda efetiva por bens e serviços pode ser aumentada até um ponto em
que o pleno emprego seja alcançado. Este gasto governamental aumenta o emprego,
note-se, não só diretamente, como também indiretamente, uma vez que os rendimentos
mais elevados dele resultantes implicam em um segundo aumento na demanda por bens
de consumo e de investimento.

2. Pode-se perguntar, de onde o público vai tirar o dinheiro para emprestar para o
governo se não reduzir o seu investimento e consumo. Para entender esse processo, é
melhor, penso eu, imaginar por um momento que o governo paga seus fornecedores em
títulos públicos. Os fornecedores, em geral, não reterão esses títulos, mas os colocarão
em circulação enquanto compram outros bens e serviços, e assim por diante, até que
finalmente esses títulos atingirão pessoas ou empresas que os manterão como ativos
remunerados. Em qualquer período de tempo, o aumento total de títulos públicos em
poder (transitório ou definitivo) de pessoas e empresas será igual ao dos bens e serviços
vendidos ao governo. Assim, o que a economia empresta ao governo são bens e serviços
cuja produção é “financiada” por títulos do governo. Na realidade, o governo paga pelos
serviços, não em títulos, mas em dinheiro, mas ele emite títulos simultaneamente e
assim retira de circulação o dinheiro; e isto é equivalente ao processo imaginário
descrito acima.

O que acontece, no entanto, se o público não estiver disposto a absorver todo o


aumento de títulos públicos? O governo os oferecerá, por fim, para os bancos para obter
dinheiro (papel-moeda ou depósitos) em troca. Se os bancos aceitarem essas ofertas, a
taxa de juros será mantida. Se não, os preços dos títulos vão cair, o que significa um
aumento na taxa de juros, e isso vai incentivar o público a deter mais títulos em relação
aos depósitos. Segue-se que a taxa de juros depende da política bancária, da do banco
central em particular. Se esta política visa manter a taxa de juros em um determinado
nível, isto pode ser facilmente alcançado, independente do endividamento do governo.
Essa foi e é a posição na presente guerra. Apesar dos deficits orçamentários
astronômicos, a taxa de juros não mostrou qualquer aumento desde o início de 1940.

1
3. Pode-se objetar que os gastos públicos financiados pelo endividamento causarão
inflação. Para isso, pode ser respondido que a demanda efetiva criada pelo governo age
como qualquer outro aumento de demanda. Se há oferta suficiente de trabalho, plantas e
matérias-primas estrangeiras, o aumento da demanda é atendido por um aumento na
produção. Mas, se o ponto de pleno emprego dos recursos é atingido e a demanda
efetiva continua a aumentar, os preços subirão, de modo a equilibrar a demanda e a
oferta de bens e serviços. (No estado de sobre-emprego de recursos, como o que
testemunhamos atualmente na economia de guerra, um aumento inflacionário dos
preços tem sido evitado apenas na medida em que a demanda efetiva por bens de
consumo é contida pelo racionamento e pela taxação direta). Segue-se que, se a
intervenção governamental tem como objetivo atingir o pleno emprego, mas freia um
pouco antes da demanda efetiva ultrapassar a marca de pleno emprego, não há
necessidade de ter medo da inflação. (ii)

II

1. A descrição acima é uma definição muito simples e incompleta da doutrina


econômica de pleno emprego. Mas é, penso eu, suficiente para familiarizar o leitor com
a essência da doutrina e assim permitir-lhe acompanhar a discussão posterior dos
problemas políticos envolvidos na realização do pleno emprego.

Em primeiro lugar deve se afirmar que embora a maioria dos economistas agora
concordem que o pleno emprego pode ser alcançado pelos gastos do governo, este de
modo algum foi o caso, mesmo no passado recente. Entre os opositores dessa doutrina
existiam (e ainda existem) proeminentes e autointitulados “especialistas econômicos”
estreitamente ligados à banca e à indústria. Isso sugere que há um fundo político na
oposição à doutrina do pleno emprego, mesmo que os argumentos apresentados sejam
econômicos. Isso não quer dizer que as pessoas que desenvolvem essas teorias não
acreditam em sua economia, por mais lamentável que isso seja. Mas a ignorância
obstinada geralmente é uma manifestação de motivações políticas subjacentes.

Há, no entanto, indicações ainda mais diretas de que uma questão política de primeira
categoria está em jogo aqui. Na grande depressão na década de 1930, as grandes
empresas sempre se opuseram aos experimentos de aumento do emprego pelos gastos
do governo em todos os países, exceto a Alemanha nazista. Isto pôde ser visto
claramente nos EUA (oposição ao New Deal), na França (o experimento Blum), e na
Alemanha antes de Hitler. A atitude não é fácil de explicar. Claramente, uma maior
produção e emprego beneficia não só os trabalhadores, mas também os empresários
porque seus lucros aumentarão. E a política de pleno emprego descrita acima não colide
com os lucros, porque não envolve nenhuma tributação adicional. Os empresários diante
de uma recessão anseiam por uma retomada; porque é que eles não aceitam de bom
grado a retomada sintética que o governo é capaz de oferecer-lhes? É esta questão difícil
e fascinante que pretendemos tratar neste artigo.

As razões para a oposição dos “líderes industriais” ao pleno emprego alcançado via
gastos do governo podem ser subdivididos em três categorias: (i) não gostam da
interferência do governo no problema do emprego como tal; (ii) não gostam da direção
dos gastos do governo (o investimento público e o consumo subsidiado); (iii) não
gostam das mudanças sociais e políticas resultantes da manutenção do pleno emprego.

2
Vamos examinar em detalhe cada uma dessas três categorias de restrições a uma
política governamental expansionista.

2. Vamos lidar primeiro com a relutância dos “capitães da indústria” em aceitar a


intervenção do governo na questão do emprego. Cada alargamento da atividade estatal é
encarado pelo mercado com suspeita, mas a criação de emprego via gastos públicos tem
um aspecto especial que faz com que a oposição seja particularmente intensa. Sob um
sistema de livre mercado, o nível de emprego depende, em grande medida, do chamado
estado de confiança. Se isso se deteriora, reduz-se o investimento privado, o que resulta
numa queda da produção e do emprego (tanto diretamente como através do efeito
secundário da diminuição dos rendimentos sobre consumo e investimento). Isto dá aos
capitalistas um poderoso controle indireto sobre a política governamental: tudo o que
pode abalar o estado de confiança deve ser evitado porque isso causaria uma crise
econômica. Mas uma vez que o governo descobre o truque de aumentar o emprego por
suas próprias compras, este dispositivo de controle poderoso perde a sua eficácia. Daí
déficits orçamentários necessários para realizar a intervenção do governo devem ser
considerados perigosos. A função social da doutrina das “finanças saudáveis” é fazer
com que o nível de emprego dependa do estado de confiança.

3. A antipatia de líderes empresariais para uma política de gastos do governo se torna


ainda mais aguda quando eles consideraram o objeto em que o dinheiro seria gasto: o
investimento público e o subsídio ao consumo de massas.

Os princípios econômicos da intervenção governamental exigem que o investimento


público deva limitar-se a objetos que não concorram com os equipamentos das
empresas privadas (por exemplo, hospitais, escolas, autoestradas). Caso contrário, a
rentabilidade do investimento privado pode ser prejudicada, e os efeitos positivos do
investimento público sobre o emprego neutralizados pelo efeito negativo do declínio do
investimento privado. Essa concepção se adapta muito bem aos empresários. Mas o
espaço para o investimento público deste tipo é bastante estreito, e há o perigo de que o
governo, na prossecução desta política, pode, eventualmente, ser tentado a nacionalizar
os transportes ou serviços de utilidade pública, de modo a ganhar uma nova esfera de
investimento. (iii)

Poderia se esperar, portanto, que os líderes empresariais e seus especialistas fossem


mais favoráveis aos subsídios ao consumo de massa (por meio de transferências às
famílias, subsídios para manter baixo os preços dos bens de primeiras necessidades,
etc.) do que ao investimento público; uma vez que subsidiando o consumo o governo
não embarcaria em qualquer tipo de empreendimento. Na prática, no entanto, este não é
o caso. Na verdade, a oposição feita por esses especialistas ao subsídio ao consumo de
massa é muito mais violenta que ao investimento público. Por aqui um princípio moral
da maior importância está em jogo. Os fundamentos da ética capitalista requerem que
“você deve ganhar o seu pão no suor”, a menos que você tenha meios privados.

4. Nós consideramos as razões políticas para a oposição à política de criação de


emprego vias gastos governamentais. Mas, mesmo que esta oposição fosse superada –
como pode muito bem ocorrer sob a pressão das massas – a manutenção do pleno
emprego causaria mudanças sociais e políticas que dariam um novo impulso para a
oposição dos líderes empresariais. Com efeito, sob um regime de pleno emprego
permanente, a demissão deixaria de desempenhar o seu papel enquanto “medida

3
disciplinar”. A posição social do patrão seria prejudicada, e a autoconfiança e
consciência de classe da classe trabalhadora cresceria. As greves por aumentos salariais
e melhorias nas condições de trabalho criariam tensão política. É verdade que os lucros
seriam mais elevados sob um regime de pleno emprego do que são, em média, nos
termos do livre mercado, e até mesmo o aumento dos salários decorrente do maior
poder de barganha dos trabalhadores é menos propenso a reduzir os lucros do que para
aumentar preços, e, portanto, afeta negativamente apenas os interesses rentistas. Mas a
“disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” são mais apreciadas do que os lucros
pelos líderes empresariais. Seu instinto de classe lhes diz que um pleno emprego
duradouro é inaceitável a partir do seu ponto de vista, e que o desemprego é uma parte
integrante do sistema capitalista “normal”.

III

1. Uma das funções importantes do fascismo, como tipificado pelo sistema nazista, foi
remover as objeções capitalistas ao pleno emprego.

A aversão a política de gastos do governo, como tal, é superada sob o fascismo pelo
fato de que a máquina do Estado está sob o controle direto de uma parceria das grandes
empresas com o fascismo. A necessidade do mito das “finanças saudáveis”, que servira
para impedir o governo de causar uma crise de confiança devido aos gastos públicos, é
removida. Em uma democracia, não se sabe como será o próximo governo. Sob o
fascismo não há próximo governo.

A antipatia aos gastos do governo, seja em investimento público ou consumo, é


superada pela concentração dos gastos governamentais em armamentos. Finalmente, a
“disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” sob o pleno emprego são mantidas
pela “nova ordem”, que varia de supressão dos sindicatos aos campos de concentração.
A pressão política substitui a pressão econômica do desemprego.

2. O fato dos armamentos serem a espinha dorsal da política de pleno emprego


fascista tem uma profunda influência sobre o caráter desta política econômica.
Armamentos em larga escala são inseparáveis da expansão das forças armadas e da
preparação de planos para uma guerra de conquista. Eles também induzem o
rearmamento competitivo de outros países. Isso faz com que o objetivo principal do
dispêndio mude gradualmente do pleno emprego para maximizar o rearmamento. Como
resultado, o emprego se torna excedente. Não só é o desemprego abolido, mas uma
aguda escassez de mão de obra prevalece. Gargalos surgem em todas as esferas, e estes
devem ser tratados através da criação de inúmeros de controles. Tal economia tem
muitas características de uma economia planificada, e às vezes é comparada, ainda que
ignorantemente, com o socialismo. No entanto, este tipo de planejamento tende a
aparecer sempre que uma economia se estabelece uma alta meta de produção numa
esfera particular, quando se torna uma economia especializada da qual a economia
armamentista é um caso especial. Uma economia armamentista envolve uma redução do
consumo em comparação com o que poderia ocorrer sob o pleno emprego.

O sistema fascista começa a partir da superação do desemprego, desenvolve-se numa


economia de armamentista de escassez, e termina, inevitavelmente, em guerra.

IV

4
1. Qual será o resultado prático da oposição a uma política de pleno emprego pelos
gastos do governo em uma democracia capitalista? Vamos tentar responder a esta
questão com base na análise das razões para essa oposição dadas na seção II. Nós
discutimos lá que podemos esperar a oposição dos líderes do setor em três planos: (i) a
oposição por princípio aos gastos do governo com base em um déficit orçamentário; (ii)
a oposição ao direcionamento deste dispêndio tanto para o investimento público – o que
pode prenunciar a intromissão do Estado em novas esferas da atividade econômica – ou
no sentido de subsidiar o consumo de massa; (iii) a oposição a manutenção do pleno
emprego e não apenas a prevenção de depressões profundas e prolongadas.

Agora deve-se reconhecer que a fase em que “os líderes empresariais” poderiam se
dar ao luxo de ser oposição a qualquer tipo de intervenção do governo para aliviar a
depressão é mais ou menos passado. Três fatores contribuíram para isso: (i) muito pleno
emprego durante a presente guerra; (ii) desenvolvimento da doutrina econômica do
pleno emprego; (iii) em parte como resultado desses dois fatores, o slogan “O
desemprego nunca mais” agora está profundamente enraizado na consciência das
massas. Esta posição reflete-se nos recentes pronunciamentos dos “capitães da
indústria” e seus especialistas. A necessidade de que “algo deve ser feito na depressão”
é consensual; mas a luta continua, em primeiro lugar, quanto ao que deve ser feito na
depressão (ou seja, o que deveria ser a direção da intervenção do governo) e em
segundo lugar, que isso deveria ser feito apenas na depressão (ou seja, apenas para
aliviar recessões em vez de garantir permanentemente o pleno emprego).

2. Nas discussões atuais destes problemas surge, uma vez ou outra, a concepção de se
combater a depressão estimulando o investimento privado. Isto pode ser feito através da
redução da taxa de juros, pela redução do imposto de renda, ou subsidiando o
investimento privado diretamente nesta ou em outra forma. Que tal esquema deva ser
atraente para o mercado não é surpreendente. O empresário continua a ser o meio
através do qual a intervenção é conduzida. Se ele não sentir confiança na situação
política, ele não vai ser subornados para investir. E a intervenção não envolve o
governo, seja na “brincadeira com” o investimento (público), seja no “desperdício de
dinheiro” com subsídios ao consumo.

Pode ser demonstrado, no entanto, que o estímulo ao investimento privado não


fornece um método adequado para evitar o desemprego em massa. Há duas alternativas
a serem consideradas aqui. (i) Ou a taxa de juros ou o imposto de renda (ou ambos) são
reduzidos drasticamente na recessão e aumentados no crescimento. Neste caso, tanto o
período quanto a amplitude do ciclo de negócios serão reduzidos, mas o pleno emprego
pode estar distante não só na depressão, mas mesmo durante o crescimento, ou seja, a
média de desemprego pode ser considerável, embora suas flutuações sejam menos
notadas. (ii) Ou a taxa de juros ou o imposto de renda são reduzidos em uma recessão,
mas não aumentam no crescimento subsequente. Neste caso, o crescimento vai durar
mais tempo, mas deverá acabar em uma nova crise: uma redução na taxa de juros ou de
imposto de renda não eliminam, é claro, as forças que causam as flutuações cíclicas em
uma economia capitalista. Na nova recessão será necessário reduzir novamente a taxa
de juros ou o imposto de renda e assim por diante. Assim, em um futuro não muito
distante, a taxa de juros teria que ser negativa e o imposto de renda teria de ser
substituído por um subsídio de renda. O mesmo ocorreria se se tentasse manter o pleno

5
emprego estimulando o investimento privado: a taxa de juros e imposto de renda teriam
de ser reduzidos de forma contínua. (iv)

Além dessa fraqueza fundamental da luta contra o desemprego através do estímulo ao


investimento privado, há uma dificuldade prática. A reação dos empresários às medidas
descritas é incerta. Se a desaceleração é aguda, eles podem ter uma visão muito
pessimista do futuro, e a redução da taxa de juros ou do imposto de renda pode, então,
por um longo tempo, ter pouco ou nenhum efeito sobre o investimento e, portanto, sobre
o nível de produção e emprego.

3. Mesmo aqueles que defendem o incentivo ao investimento privado para enfrentar a


recessão frequentemente não confiam exclusivamente nisso, mas preveem que este
incentivo deve ser feito conjuntamento com o investimento público. Olha-se para o
presente como se os líderes empresariais e seus especialistas (pelo menos alguns deles)
tendessem a aceitar como um mal menor o investimento público financiado pelo
endividamento do Estado como forma de aliviar recessões. Eles parecem, no entanto,
ainda se oporem consistentemente à criação de emprego através de subsídios ao
consumo e à manutenção do pleno emprego.

Este estado das coisas é talvez sintomático do futuro regime econômico das
democracias capitalistas. Na recessão, quer sob a pressão das massas, ou até mesmo sem
ela, o investimento público financiado por endividamento do Estado serão realizados
para evitar o desemprego em grande escala. Entretanto, se forem feitas tentativas de
aplicar este método com o propósito de manter o alto nível de emprego alcançado com a
retomada do crescimento posterior, é bem provável que seja encarada uma forte
oposição dos líderes empresariais. Como já foi discutido, pleno emprego duradouro não
é de todo o seu grado. Os trabalhadores sairiam do “controle” e os “capitães da
indústria” ficariam ansiosos para “ensinar-lhes uma lição”. Ademais, o aumento de
preços na retomada é uma desvantagem dos pequenos e grandes rentistas, e torna-os
“cansados de crescimento”.

Nesta situação, uma poderosa aliança é provável de se formar entre as grandes


corporações e os interesses rentistas, e que provavelmente há de se encontrar mais de
um economista para declarar que a situação era manifestamente frágil. A pressão de
todas essas forças, e em particular das grandes corporações – como regra, influentes em
setores do governo – muito provavelmente induzirá o governo a voltar para a política
ortodoxa de reduzir o deficit orçamentário. A recessão se seguiria quando a política de
gastos do governo voltaria a ser valorizada.

Este padrão de um ciclo de negócios político não é totalmente conjuntural; algo


bastante similar ocorreu nos EUA em 1937-8. A derrubada do crescimento na segunda
metade de 1937 foi na realidade causada pela drástica redução do deficit orçamentário.
Por outro lado, na recessão aguda que se seguiu, o governo imediatamente reverteu para
uma política de gastos.

O regime do ciclo de negócios político seria uma restauração do artificial da posição


existente no capitalismo do século dezenove. O pleno emprego só seria alcançado no
topo do crescimento, porém as recessões seriam relativamente suaves e curtas.

6
1. Deveria um progressista ficar satisfeito com o ciclo de negócios político da forma
como descrito na seção anterior? Acho que a isto deveríamos nos opor em dois níveis:
(i) que isto não assegura um pleno emprego duradouro; (ii) que esta intervenção
governamental está associada ao investimento público que não abarca o subsídio ao
consumo. O que as massas demandam agora não é a mitigação da recessão, mas sua
abolição total. Nem deveria a consequente utilização mais completa dos recursos ser
feita em investimentos públicos não desejados apenas para gerar emprego. O programa
de gastos governamentais deveria estar dedicado apenas ao investimento público de fato
necessário. O resto do gasto público necessário para manter o pleno emprego deveria ser
usado para subsidiar o consumo (através de transferências às famílias, pensões e
aposentadorias, redução dos impostos indiretos e subsídios aos bens de primeira
necessidade). Os opositores deste tipo de gasto governamental alegam que o governo
não terá, então, nenhuma contrapartida ao seu dinheiro. A resposta é que a contrapartida
deste dispêndio é o maior padrão de vida das massas. Este não é propósito de toda a
atividade econômica?

2. “O capitalismo do pleno emprego” claramente evoluirá para novas instituições


políticas e sociais que refletirão o crescente poder da classe trabalhadora. Se o
capitalismo puder se ajustar ao pleno emprego, uma reforma fundamental terá sido
incorporada nele. Caso contrário, se mostrará um sistema ultrapassado que deverá ser
descartado.

Entretanto, lutar pelo pleno emprego pode levar ao fascismo? Talvez o capitalismo se
ajuste ao pleno emprego no caminho? Isto parece extremamente improvável. O
fascismo surgiu na Alemanha diante de um cenário de desemprego tremendo, e se
manteve no poder assegurando o pleno emprego enquanto a democracia capitalista
fracassou neste objetivo. A luta das forças progressistas pelo emprego de todos é ao
mesmo tempo uma maneira de se prevenir a reincidência do fascismo.

Notas:

(i) Este artigo corresponde aproximadamente a uma palestra dada à Sociedade Marshall
em Cambridge na primavera de 1942.

(ii) Outro problema de natureza mais técnica é o da dívida nacional. Se o pleno emprego
é mantido por gastos do governo financiados por empréstimos, a dívida nacional
aumentará continuamente. Isso não precisa, no entanto, envolver quaisquer perturbações
na produção e no emprego se os juros da dívida forem financiados por um imposto
anual sobre o capital. A renda corrente, após o pagamento do imposto sobre o capital, de
alguns capitalistas será menor, e de outros maior, do que se a dívida nacional não
tivesse aumentado, mas o seu rendimento global permanecerá inalterado e seu consumo
agregado não será suscetível a mudanças significativas. Além disso, a propensão para
investir em capital fixo não é afetada por um imposto sobre o capital, porque ele é pago
sobre qualquer tipo de riqueza. Se uma determinada quantia está em dinheiro ou títulos
do governo ou investida na construção de uma fábrica, o mesmo imposto sobre o capital
é pago sobre ela e, assim, a vantagem comparativa é inalterada. E se o investimento é

7
financiado por empréstimos é evidente que não é afetado por um imposto sobre o capital
se não significar um aumento da riqueza do empresário investidor. Assim, nem o
consumo capitalista nem o investimento é afetado pelo aumento da dívida nacional se
seus juros forem financiados por um imposto anual sobre o capital. (Veja mais em
Kalecki, M. “A Theory of Commodity, Income, and Capital Taxation” in: Kalecki, M.
Selected Essays on the Dynamics of the Capitalist Economy 1933-1970, Cambridge
University Press, 1971)

(iii) Deve-se notar aqui que o investimento em uma indústria nacionalizada pode
contribuir para a solução do problema do desemprego apenas se for realizada em
princípios de retorno diferentes daqueles da iniciativa privada, ou deve deliberadamente
temporizar o seu investimento de modo a mitigar aqueles da iniciativa privada. O
governo deve estar satisfeito com uma menor taxa líquida de falências.

(iv) Uma demonstração rigorosa encontra-se no artigo publicado em Kalecki, M., “Full
Employment by Stimulating Private Investment?” In: Oxford Economic Papers. (1945)
os-7 (1): 83-92

Você também pode gostar