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4.

FALHAS DE GOVERNO

 Uma economia funcionando com base na concorrência perfeita não é algo realista, o que
enseja a possibilidade de o Estado intervir na economia por causa das falhas de mercado.

 A visão meramente normativa da regulação vigorou até os anos 1970: Era verificada a
falha de mercado e daí decorria a proposta regulatória como parte da “teoria do interesse
público” (o Estado intervia com o objetivo de eliminar a falha de mercado).

 Nos anos 1970 surge a Teoria da Escolha Pública e a Teoria Política Positiva da Regulação.
De acordo com os autores dessas teorias, os responsáveis pela regulação e pela edição de
normas (políticos, legisladores, governantes, burocratas e reguladores) não atuam de
maneira desinteressada, benevolente ou mesmo altruísta, em prol do bem estar social.
Pelo contrário, estes agentes possuem uma função utilidade e buscam maximizar a sua
própria utilidade.
(Ex: Um determinado legislador pode estar apoiando um determinado projeto de lei para
que uma determinada instituição o apoie na próxima candidatura, não sendo este projeto
o melhor para a sociedade, mas, sim, para o seu próprio interesse.)

 Desta forma, abre-se espaço para a ocorrência de falhas de governo, tendo em vista que as
políticas por eles adotadas podem não ser as melhores para a sociedade.

 Surge, conforme a Teoria da Escolha Pública (TEP) e a Teoria Política Positiva da


Regulação (TPPR), a existência de um “mercado de regulação ou de intervenção
governamental na economia.

Existe uma espécie de oferta e demanda de regulação, onde o objetivo pode não ser a
maximização do bem-estar social → abre-se espaço para as falhas de governo.
4.1 Demanda por Regulação

 A regulação, conforme uma análise que poderia ser considerada ingênua, surgiria da
existência de uma falha de mercado onde se adotaria uma prescrição regulatória cujo
objetivo seria a “maximização do bem-estar social.”
 Na realidade pode-se verificar que nem sempre há correlação entre a existência de uma
falha de mercado e a ocorrência de um processo regulatório → demonstraria uma
ingenuidade da Teoria do Interesse Público.
 Uma explicação seria a partir da Teoria da Captura, que também pode ser designada como
Teoria dos Grupos de Interesse. Conforme esta teoria, a regulação tende a favorecer os
produtores economicamente mais fortes, que capturam os reguladores como forma de
proteger seus interesses.
 As firmas ou empresas demandariam regulação para efetuar transferências de renda a seu
favor ou limitar a concorrência potencial ou efetiva (criação de barreiras à entrada).
 Sob esta perspectiva, a regulação é um bem econômico que conta com uma oferta e uma
demanda.
 Aqueles grupos com maior capacidade de organização, inclusive menores custos, serão os
maiores demandantes de regulação e, possivelmente, os que mais serão beneficiados
(benefício per capita).
 Grupos menores (em termos de quantidade de membros), mas com grandes interesses
financeiros terão maior disposição para influenciar os políticos (governantes e
legisladores), bem como os burocratas ou reguladores.

Ex: Um setor demandando uma proteção antidumping

Dumping é uma firma cobrando um preço abaixo do custo de produção para quebrar o
concorrente. As empresas nacionais, por exemplo, não querem abertura da economia para
importação pq eles querem limitar a competição. Nesse sentido, as vezes elas pedem uma
proteção antidumping contra empresas estrangeiras não pela empresa estrangeira estar
vendendo abaixo do seu custo de produção, mas pelo fato da competição daquela
empresa ser muito forte. Assim sendo, a proteção antidumping geralmente é uma
demanda regulatória por protecionismo comercial, isto é, para se proteger da
concorrência estrangeira. Desta forma, o consumidor acaba saindo perdendo já que a
concorrência estimula a redução de preços.
4.2 Oferta de Regulação

 A oferta de regulação é realizada pelos governantes e legisladores, políticos em geral, e


pelos burocratas.
 Ainda se limitando aos políticos, governantes e legisladores, estes ofertam regulação com
o intuito de maximizar o apoio político para a próxima eleição.

Financiamento Público x Financiamento Privado

 Com base nessa visão, os políticos decidem a regulação que maximiza seu apoio político
para a próxima eleição → manutenção no poder e sobrevivência política.
 A edição de normas regulatórias por vezes é delegada pelos governantes ou legisladores
(políticos) aos burocratas ou reguladores.
 O burocrata ou regulador, por sua vez, também irá agir segundo o seu próprio interesse:
maximização de salário, prestígio, poder e orçamento para sua organização.
 Nesta visão, o burocrata pode se tornar o elemento central no processo regulatório.
 Em resumo:
a) governantes e legisladores (políticos) → voto;
b) burocratas → ascensão funcional, salários e orçamento para a organização;
c) firmas, indústrias ou grupos de interesse → renda e riqueza; redistribuição de recursos
a seu favor.

 Neste caso, quem perde é o beneficiário difuso que não tem capacidade de organização.
Em Geral é composto por: Contribuintes, consumidores e usuários.
 A oferta e demanda de regulação produz redistribuição de renda e riqueza que, muito
provavelmente, não maximizam o bem-estar social → FALHAS DE GOVERNO.
4.3. Outras Fontes de Falhas de Governo

 Além da questão da escolha própria (auto interesse) do governante ou legislador (político)


e do burocrata ou regulador, há também falhas de atuação desses agentes → novas fontes
de falhas de governo.
 Seria o que diz a “Teoria do Segundo Melhor” (Second-Best Theory) → se a intervenção
governamental na economia não é a first-best, tal intervenção poderá gerar um equilíbrio
que é pior que o equilíbrio de status-quo (situação antes da intervenção).
 Numa situação como esta, a intervenção do Estado na economia pode aumentar o grau de
ineficiência → falhas de governo.

5. FALHAS DE GOVERNO E GERAÇÃO DE INEFICIÊNCIAS

 As falhas de governo surgem quando uma intervenção do Estado na economia gera mais
ineficiência quando comparado com a situação inicial. (Governos podem gerar custos e
ineficiências!)
 O primeiro custo a ser citado é o próprio custo de manutenção do governo, que será
“bancado” pelos contribuintes.

There´s no free lunch →Quanto maior o Estado, maior o custo para a sociedade na forma de
tributos

 Pode-se pensar em um governo custeando suas despesas mediante emissão de dívida →


problema intertemporal. Transferência de dívida da geração presente para a geração
futura → Geração de problema intertemporal Receitas extraordinárias e momentâneas x
Gastos permanentes
 Caso estejamos falando do custo governamental da regulação, inclusive da regulação de
um setor de infraestrutura, este custo será pago pelos consumidores ou usuários.
 Como o curso é voltado para a regulação do setor elétrico, vamos enfocar as falhas de
governo avaliando os setores regulados e os setores de infraestrutura.
5.1. Custos do Governo para a Sociedade

a) o exercício da atividade regulatória impõe custos à sociedade

(i) o próprio custo de manutenção da máquina estatal.

(ii) o custo do processamento e avaliação de informações.

(iii) o custo de fiscalização.

(iv) o custo de administração de contratos, dentre outros custos.

• Os custos derivados da atividade regulatória serão pagos pelos consumidores ou usuários.

b) custos de enforcement

• há dificuldades para os reguladores aplicarem suas próprias normas.

• Exemplo 1: políticos e governantes buscando adiar reajustes tarifários.

• Exemplo 2: autonomia de bancos centrais ou autoridades monetárias → evitar que


governantes, por interesses políticos, tentem intervir nas taxas de juros e na política monetária
(às vezes cambial também, mas é mais sofisticado).

c) custos de compliance e incentivos

• a propriedade pública, inclusive do ato regulatório, padece de incentivos → burocratas e


reguladores, em decorrência da falta de incentivos, têm dificuldades de maximizar todo o
potencial de seu trabalho.

Problema do dono difuso

• A propriedade privada resolve esse problema de incentivos mais facilmente → maximização


de lucros.

• Além desse “desperdício” de recursos relativo ao capital humano (ineficiência produtiva), há


outra possibilidade de perda de recursos:

Corrupção
• A contramedida para deter a corrupção ou mesmo interferir em políticas públicas
consideradas inadequadas foi o fortalecimento dos órgãos de controle:

TCU, CGU, Ministério Público, Polícia Federal etc.

• O fortalecimento desses órgãos trouxe outro importante custo para a sociedade → o


congelamento ou desaceleração na formulação e execução de políticas públicas.

APAGÃO DAS CANETAS

• Também não pode ser esquecido que a própria manutenção desses órgãos também gera
custos para a sociedade.

• Necessária análise de custo-benefício:

Combate à corrupção x Custos (pecuniários e não pecuniários) de combate à corrupção

• Nos custos imediatamente não pecuniários pode ser incluído a lentidão na execução de
políticas públicas.

• Como é inegociável a discussão de combate à corrupção, deve-se, necessariamente, primar


pela celeridade no combate à corrupção → não prejudicar a velocidade de formulação e
execução das políticas públicas.
5.2. Custos do Governo para as Empresas (Firmas)

• O cumprimento de uma regulação, por vezes excessiva, gera custos para as empresas/firmas:

Considere o Doing Business

a) alteração do processo produtivo.

b) contratação de pessoal adicional para “conformar” ou se adequar às exigências regulatórias.


c) longas discussões em processos administrativos.

d) longas discussões em processos judiciais.

e) custos de atender às exigências dos reguladores, inclusive relativo ao fornecimento de


informações.

f) custos associados ao acompanhamento das modificações regulatórias.

→ lembre-se, as normas regulatórias não podem ser estáticas, devem ser dinâmicas porque
devem evoluir com o mercado (tecnologia, preferências etc.); porém, as normas não podem
ser instáveis.

→ a instabilidade regulatória pode gerar riscos regulatórios e, no limite, representar riscos


políticos.

→ redução ou paralização dos investimentos.

g) custos associados à morosidade de tomada de decisão do regulador e outros órgãos etc.


5.3. Custos Associados à Assimetria de Informação

 Como foi visto em outra unidade do presente curso, a assimetria de informação é uma
falha de mercado.
 Há também assimetrias de informação na relação entre regulador e regulado, onde o nível
de informações detidas pelo regulado é superior àquela detida pelo regulador:

Espaço para regulação subótima e falhas de governo

 Por exemplo, numa situação subótima (regulação inadequada), o regulador pode transferir
rendas excessivas do consumidor (usuário) para o regulado ou concessionária.

OU

 O regulador, na ausência de informação ou em decorrência da incapacidade de processar


as informações, pode impor um ônus excessivo sobre o regulado – tal como exigências
excessivas de qualidade (Fator “Q”) ou de produtividade (Fator “X”).

Em ambas as situações surgem falhas de governo.

• Dentro da assimetria de informação se insere o já visto “Problema do Agente-Principal”.


• O regulador (o principal) não observa adequadamente nem a capacidade e nem o esforço
do regulado (agente) → pode gerar problemas de perigo moral (moral hazard) e seleção
adversa.
• Essa situação é ainda mais agravada pelos contratos incompletos → os contratos não
conseguem prever todas as contingências futuras ainda mais considerando um contrato de
30 anos.
5.4. Custos Associados à Captura

• Lembre-se da demanda por regulação → o regulado pode tentar capturar o regulador.


• O regulado ou concessionária pode induzir o regulador a emitir determinadas normas que
ampliem os seus lucros.
• Na captura o regulador estaria defendendo os interesses do regulado → o regulador neste
caso não estaria perseguindo o interesse público.
• Deve-se considerar que a captura não necessariamente significa corrupção:

O regulado ou concessionária prestadora de serviços públicos consegue mobilizar uma


maior quantidade de recursos humanos e financeiros na atividade de convencimento do
regulador.

• Na sociedade, os interesses dos regulados (grupos de interesse) são concentrados ou


específicos; logo, eles conseguem mobilizar a quantidade de recursos necessários ao
convencimento dos legisladores, governantes, reguladores ou burocratas.
• Por outro lado, o interesse dos consumidores ou usuários é difuso; logo, há uma maior
dificuldade de mobilizar recursos, humanos ou financeiros, para defender o interesse
público.
• Em suma, os regulados são beneficiários de benefícios que podem ser considerados
concentrados, delimitados (grupos de interesse) → capacidade de demandar regulação,
capturar o regulador (não necessariamente corrupção) e extrair rendas do restante da
sociedade (normalmente dos consumidores).
• Os beneficiários difusos, em geral a sociedade, têm baixa capacidade de se mobilizar (e
mobilizar recursos) e demandar regulação.
• Os grupos de interesse (regulados) têm maior capacidade de capturar os reguladores.
• A captura, como visto, pode ser um processo passivo → capacidade do regulado em
convencer o regulador.
• Pode também haver um processo de captura “ativa” do regulador:
(i) posterior reposicionamento no mercado de trabalho.
(ii) “porta-giratória” → revolving doors.
(iii) promoção na carreira.
(iv) reeleição ou apoio eleitoral, dentre outras possibilidades.
• Lembre-se, o legislador, o governante, o burocrata e o regulador, guiados pelos seus
próprios interesses ao invés de guiados pelo interesse público, podem se deixar capturar.
5.4.1. Elementos Adicionais da Captura

• Havendo um processo de captura, uma regulação que do ponto de vista normativo é


desnecessária (não há falha de mercado que justifique a intervenção), poderá ainda assim
ser aplicada → atendimento de um determinado grupo de interesse.

Geração de Falhas de Mercado

• Nesse caso, “usa-se” uma suposta falha de mercado ou uma suposta necessidade de
redistribuição de renda ou de recursos para impor uma norma regulatória.

• Outra forma normalmente utilizada para justificar uma intervenção do Estado na


economia é o fato de o setor ser considerado estratégico → imposição de outra falha de
governo.

• Pode-se citar várias ações do regulador que refletiriam uma possível captura pelo
regulado, que, por seu turno, se traduziriam em falhas de governo:

(i) criação de barreiras à entrada.


(ii) limitação da concorrência.
(iii) tributos e subsídios regulatórios.
(iv) fixação de preços ou tarifas mínimos.
(v) exclusividade de territórios.
(vi) retardamento de investimentos, dentre outras possibilidades.
5.4.2. Captura do Regulador pelos Políticos

• Também há a captura do regulador pelo governante ou legislador (político) → populismo


tarifário.
• Para o político (governante ou legislador) o tempo custo caro → políticos preferem
políticas com efeitos imediatistas.
• O político, em benefício do seu resultado eleitoral, troca políticas sustentáveis e
estruturais (logo, de longo prazo) por políticas que geram benefício apenas no curto prazo.
• Dentre essas políticas, políticos são tentados a adotar o populismo tarifário →
congelamento de preços e tarifas.
• Resultado:

(i) desestruturação de setores e cadeias produtivas.


(ii) distorção de preços relativos, e assim do próprio mercado.
(iii) redução de investimentos.
(iv) sucateamento de empresas.
(v) desequilíbrio econômico-financeiro etc.

6. POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA AS FALHAS DE GOVERNO

(i) Desregulamentação (minimizar o espaço para a discricionariedade, tanto de


reguladores quanto de regulados. Tem que minimizar a excessiva/irrelevante
burocratização, a solicitação de informações desnecessárias, as excessivas regras etc.)
e Regulamentação pela excepcionalidade (regular o estritamente necessário!). A
ideia não é defender o Estado mínimo, mas um estado focalizado que regula o que de
fato deve ser regulado, isto é, um Estado em que não há um entulho regulatório.
(ii) melhorias institucionais. (Aperfeiçoar o funcionamento/relacionamento entre o
regulado e os reguladores!)
(iii) melhorias nos incentivos.
(iv) análise de impacto regulatório → verificar o impacto, a posteriori, da política. (Se a lei
é válida, aperfeiçoa com o tempo. Se a Lei não cabe mais, revoga.)

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