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Economia do Setor Público – Roberto Tatiwa Ferrreira

8. Gasto Público

8.1. Efeitos Macroeconômicos do Gasto Público

Considere novamente, o caso mais simples para uma economia fechada, com
investimentos exógenos e função consumo tradicional. Seja C=consumo, Y=renda,
T=valor arrecadado com impostos; I*=investimento exógeno e G=gasto público:
(1) 𝑌 = 𝐶 + 𝐼 ∗ + 𝐺
(2) 𝐶 = 𝑎 + 𝛽(𝑌 − 𝑇) = 𝑎 + 𝛽𝑌 − 𝛽𝑇, 𝑜𝑛𝑑𝑒 0 < 𝛽 < 1
Substituindo (2) em (1)
(3) 𝑌 = 𝑎 + 𝛽𝑌 − 𝛽𝑇 + 𝐼 ∗ + 𝐺

Como a tributação é uma alíquota (t) sobre o produto, ou seja, T=tY. Então:
(4) 𝑌 = 𝑎 + 𝛽𝑌 − 𝛽𝑡𝑌 + 𝐼 ∗ + 𝐺 = (1 − 𝛽 − 𝛽𝑡)𝑌 = 𝑎 + 𝐼 ∗ + 𝐺 , ou
(5) (1 − 𝛽(1 − 𝑡))𝑌 = 𝑎 + 𝐼 ∗ + 𝐺

(6) 𝑌 = ( ( ))
+( ( ))
+( ( ))

(7) =( ( ))
>0

Como tanto a PMgC (0 < 𝛽 < 1) e a alíquota t (0 < 𝑡 < 1) são maiores do que
zero e menores do que um, um aumento de uma unidade nos gastos públicos aumenta em
mais de uma unidade a renda. O valor em (7) é um multiplicador fiscal para uma
economia simples fechada e com governo. Vale ressaltar que esse é o multiplicador fiscal
do modelo IS simples. Quando adicionamos, os demais setores, como economia externa,
por exemplo, essa fórmula se altera. Quando inserimos o mercado monetário, a curva LM,
um aumento dos gastos, aumenta o produto, que aumenta a demanda de moeda para
compras, elevando a taxa de juros. Essa elevação na taxa de juros reduz os investimentos
privados, reduzindo o produto (efeito crowding out). Ou seja, o efeito dos gastos públicos
no produto depende da repercussão dos efeitos econômicos nos demais setores da
economia.
Os economistas que seguem uma linha mais neoclássica (ou do lado da oferta),
chamam a atenção para o fato de que a oferta de bens pelo setor público, que poderiam
ser ofertados pela iniciativa privada, geralmente são realizados a um custo maior, e,
portanto, de forma ineficiente.
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De acordo com Barro (1974), os gastos públicos podem não ter efeito no longo
prazo sobre o crescimento. Esses gastos são financiados via tributação extra ou déficits
que serão pagos no futuro com tributação extra futura. Então os agentes face a um
aumento no gasto tenderiam a poupar mais, consumindo menos ou para pagar tributos
extras no presente, ou ajudar a sua geração futura a pagar tributos extras no futuro,
tornando o aumento do gasto público sem efeito no crescimento no curto e no longo prazo.
Essa hipótese entre déficits, poupança e impostos é denominada de Equivalência
Ricardiana.
Entretanto, há vários estudos mostrando que há efeitos dos multiplicadores fiscais
na economia e que eles podem ser menores quando a economia vai bem e maiores quando
a economia está passando por uma crise. Esses resultados são obtidos com modelos que
consideram mais setores da economia, inclusive o da dívida pública. Os efeitos do
aumento da dívida e do déficit público serão estudados mais adiante.
Uma hipótese mais aceita é a de que os gastos públicos podem ser divididos em
complementares e rivais. Os gastos rivais são aqueles que competem com os
investimentos da iniciativa privada. Podem reduzir a oferta de bens e serviços privados
ao aumentarem a oferta pelo setor público. Ademais, por serem produzidos de forma
menos eficiente e serem financiados com recursos que saem da iniciativa privada, teriam
um efeito negativo no crescimento econômico (exemplos: oferta de bens privados pelo
setor público, gastos com administração pública). Por outro lado, existe atividades nas
quais o setor público pode complementar o privado. Esses gastos complementares estão
ligados usualmente com a oferta de infraestrutura urbana e de negócios (portos,
aeroportos, pesquisa e desenvolvimento, etc), que reduzem custos, aumentam a
produtividade e diminuem incertezas. Trabalhos empíricos que mostram que gastos rivais
e complementares possuem correlação negativa e positiva, respectivamente, com o
crescimento econômico.
Seja qual a sua relação de cauda e efeito com o crescimento econômico, há uma
tendência observada nos gastos de um grande conjunto dos países a crescer de uma forma
mais acelerada, em termos proporcionais que a renda e que o crescimento econômico.
Essa observação foi feita a primeira vez por Adolf Wagner (1958) e ficou conhecida como
lei de Wagner. De acordo com Wagner o processo de industrialização e crescimento da
economia gera necessidade de maiores gastos com administração, judiciário e com gastos
de bem estar. A própria renda do eleitor mediano mais elevada pode gerar preocupações
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com o futuro e desejar um estado com maiores gastos nas áreas sociais (saúde, educação
e previdência).
Há autores que usam a teoria do eleitor mediano para explicar o crescimento dos
gastos públicos. De acordo com essa teoria o candidato eleito é aquele com proposta de
governo mais próxima do eleitor mediano. Para atender os anseios dessa classe, os
governantes aumentam gastos públicos.
Uma outra hipótese levantada por Peacok e Wiseman (1961) é a de que em
períodos conturbados, como os de guerra, há uma maior tolerância dos indivíduos a
pagarem mais impostos para financiar maiores gastos públicos com defesa nacional. Após
o período conturbado esses aumentos podem não diminuir, ou não diminuírem aos níveis
antes do período conturbado.
Outra vertente usa o conceito de ilusão fiscal para explicar a expansão dos gastos
públicos. A ideia principal desse conceito é que quando os contribuintes não percebem
quanto são tributados, seja pela elevada participação de impostos indiretos, ou pela
complexidade do sistema tributário, maior pode ser a arrecadação e o gasto público. Essa
problemática é antiga e um dos primeiros a chamar atenção foi Jonh Stuart Mill (1848).
Uma hipótese também ligada a ilusão fiscal é o efeito fly paper (Gramlich e Rubinfeld,
1979). A ideia original era a de que transferências de receitas para um governo local
fariam com que os gastos públicos aumentassem de forma mais do que proporcional ao
aumento da renda dessa localidade. Uma explicação é que o contribuinte local não
percebe seu ônus tributário nas receitas recebidas via transferência, fazendo com que o
mesmo exija ou aceite um maior nível de gasto público.
Uma outra questão importante e correlata com a explicação da expansão dos
gastos públicos é a teoria dos ciclos políticos. O modelo de Nordhaus (1975) tem as
seguintes premissas sobre o comportamento de governantes e eleitores: o principal
objetivo dos partidos no governo é manter-se no poder e, em virtude disso, intervêm na
economia (aumentando gastos, ou transferindo recursos para sua base de apoio, por
exemplo) a fim de maximizar os votos na próxima eleição; os resultados eleitorais
dependem de forma significativa dos resultados econômicos.

8.2. Federalismo Fiscal e as Transferências entre Governos

Até 1930 os recursos públicos eram centralizados no poder central no Brasil. A


partir de 1930 houve um processo de descentralização, com um aumento na
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distribuição de recursos e responsabilidades para os demais níveis de governo


(Federalismo Fiscal). Esse processo foi interrompido durante o regime militar (1964-
1985), durante o qual as decisões sobre os recursos orçamentários voltam a se
concentra na esfera federal, apesar de alguns avanços promovidos pela reforma
tributária de 1967 que estabeleceu o sistema de transferências intergovernamentais.
No final do regime militar já na década de 80, acontece lentamente um processo
de descentralização. Esse processo ganha força a partir da Constituição Federal de 1988
que promove a municipalização dos gastos e das responsabilidades. Os Estados e
municípios passam a contar com uma maior participação na receita pública e com maior
autonomia de decisão de gastos e investimentos. Em contrapartida, estes entes passam
a ter maior responsabilidade na oferta de bens e serviços públicos e meritórios, como
educação e saúde. Entretanto, ainda hoje a maior parte dos entes subnacionais
brasileiros dependem de recursos transferidos (receita transferida).
Essas transferências podem ser condicionais ou incondicionais. As
transferências condicionais que podem ser voluntárias e obrigatórias. No Brasil, os
principais exemplos das voluntárias são aquelas estabelecidas por acordos e
convênios, que fornecem flexibilidade para o setor público para atuar em situações
específicas ou imprevisíveis, mas podem aumentar o uso dos recursos públicos de
forma discricionária, ou ainda com viés político (ciclos políticos). As condicionais
obrigatórias são recursos que devem ser gastos em áreas específicas previamente
determinadas como os do FUNDEB e do SUS por exemplo . Uma das possíveis vantagens
das transferências condicionais obrigatórias é permitir uma maior visibilidade e
focalização das despesas, possibilitando um melhor acompanhamento do uso dos
recursos públicos.
Já as transferências incondicionais (FPM e FPE por exemplo), podem ser
utilizadas de forma mais flexível (livre). Este tipo de recurso pode reduzir o incentivo
de uma tributação ótima (não tributar como devia a sua base) por parte dos Estados e
municípios. Ademais, como esta receita é menos visível pelo contribuinte, a literatura
empírica mostra evidências de uma possível ilusão fiscal, nos moldes do efeito fly paper
e outros comportamentos de irresponsabilidade fiscal (aumento dos gastos e da dívida,
por exemplo).
De acordo com IBGE, o Brasil possui 5.570 municípios. O quadro abaixo mostra
a evolução do número de municípios a até 2009. Em 2013 foram criados mais 5 em
relação ao número em 2009.
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Entretanto, vários autores, inclusive FIRJAN (2015) salientam que 83% dos
municípios brasileiros não arrecadam nem 20% das suas receitas e são altamente
dependentes financeiramente das transferências.
A próxima Tabela mostra a evolução dos entes federativos na receita tributária.

A Tabela anterior mostra que a arrecadação principal ainda é concentrada nas


mãos da União. Entretanto, após as transferências a participação na arrecadação dos
municípios sobe bastante.

8.3. Gasto Público e o Ajuste Fiscal


O que fazer quando há um ciclo, ou crise que reduz a receita gerando déficits
públicos? Deve haver um ajuste fiscal através de aumento de tributos ou redução de gastos
públicos. Vimos que o aumento de tributos reduz os recursos disponíveis do setor privado
e isso pode reduzir o crescimento, diminuindo a arrecadação, ou não permitindo um
crescimento da mesma pelo menos de forma proporcional ao aumento do tributo.
Por outro lado, a redução dos gastos pode diminuir o produto no curto prazo,
reduzindo a arrecadação. Entretanto, há na literatura sobre eficiência dos gastos várias
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evidências que apontam para possíveis “folgas” nos gastos e que existe a possibilidade de
vários gastos públicos serem reduzidos sem diminuir a qualidade e a abrangência dos
mesmos. Além disso pode existir uma pequena redução do produto ou até mesmo o
crescimento do mesmo se a sociedade entender que o governo está combatendo o déficit
e a dívida e diminuindo a necessidade de recursos e novos tributos para pagar a mesma
no futuro. Por essas e outras razões trabalhos como o de Alesina e Perotti (1997), por
exemplo, quantificam em uma amostra com vários países que quando um ajuste fiscal foi
necessário é melhor que: a) seja feito através de redução de gastos ao invés de aumento
de tributo; b) é melhor cortar gastos correntes e transferências do que investimento
público.

8.4. Indicadores do Gasto Público no Brasil e no Mundo


Nesta seção vamos apresentar alguns gráficos da despesa total do governo geral
da base de dados do FMI e apresentadas no livro sobre qualidade do gasto público do
Brasil do STN.

Fonte: STN e FMI

Fonte: STN e FMI


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Esses gráficos revelam que o Brasil apresenta nível de despesa em relação ao PIB
acima de economias emergentes e próximas de algumas economias desenvolvidas. Vale
ressaltar que isso não é desejável. Os países mais desenvolvidos têm maior renda per
capita maior arrecadação em relação ao PIB. Ademais, a estrutura etária e da
infraestrutura urbana e até mesmo rural é bastante diferente do das economias menos
desenvolvidas. Em outras palavras, o Brasil já apresenta um nível de gastos que
economias que possuem melhor infraestrutura, população com maior nível de educação
e maior expectativa de vida. Quanto será que o Brasil terá que gastar para atingir e manter
essas marcas?
O próximo gráfico nos dá uma ideia sobre a composição do gasto em relação ao
PIB por função. Percebe-se que os gastos com administração são maiores do que com
segurança pública e próximos aos com infraestrutura.

O próximo Gráfico mostra a evolução de grandes grupos de despesa. Vale notar


que as outras despesas correntes (gastos de manutenção de consumo dos órgãos, como
por exemplo gastos com materiais de consumo, passagens e diárias, auxílio alimentação,
pessoal terceirizado, etc) é maior do que os gastos com pagamentos dos ativos e inativos.
Outros aspectos que chamam a atenção são os baixos percentuais de despesa de capital
(investimento, dentre outras) e de elevada participação das Transferências para as
famílias. O Gráfico 3, mostra a composição e evolução dessas transferências. Vale
lembrar que o PIB do Brasil em 2015 foi de R$5,9 trilhões. Portanto 1% do PIB
corresponde a R$59 bilhões. Para termos ideia da importância desse montante, nesse
mesmo período o PIB de Fortaleza foi de R$ 57 bilhões e do Ceará em torno de R$130
bilhões.
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Gráfico 2: Evolução dos Grandes Grupos de Despesa (%PIB)

Fonte: STN

Gráfico 3: Composição das Transferências às Famílias (%PIB)

Fonte: STN

Além de apresentar um nível de gasto em relação ao produto elevado quando


comparado com outros países emergentes e até mesmo desenvolvidos, alguns estudos
apontam para a baixa eficiência dos gastos públicos no Brasil. A figura abaixo mostra o
resultado de alguns desses estudos.
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Figura 1: Comparação da Eficiência dos Gastos Públicos entre Países

Fonte: STN

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