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Economia do Setor Público – Roberto Tatiwa Ferreira

6. Políticas Públicas

Há várias definições de políticas públicas. De uma forma suscinta podemos pensar


uma política pública como uma lei ou ação, ou conjunto das mesmas estabelecidas para
alcançar um determinado objetivo do setor público. Ou ainda, como um programa de ação
governamental, com metas, orçamento e instrumentos e objetivos estabelecidos. Dentro
do vasto ramo de políticas públicas, vamos nos concentrar nas políticas econômicas e
sociais.
De acordo com Tinbergen (1961) a política econômica é uma "Conjunção
deliberada de certos meios para alcançar determinados fins". Para Kirschen (1974),
política econômica é o "Processo pelo qual o governo hierarquiza certos objetivos, à luz
dos seus fins de política econômica geral e usa instrumentos ou alterações institucionais
para os alcançar".
As políticas públicas de uma forma em geral estão sujeitas, dentre outros fatores,
a forma de federalismo do País (decisões de cima para baixo ou de baixo para cima?), aos
problemas regionais (políticas iguais com “pesos” diferentes para regiões), a
racionalidade econômica (oferta de bens, crescimento da produção, manutenção dos
preços e do desemprego, etc.) e a racionalidade política (manutenção do poder, ganhar
eleições).
A racionalidade econômica é influenciada pelas escolas do pensamento
econômico. Por exemplo, a escola neoclássica e a keynesiana diferem, entre outros
aspectos, sobre o papel do Estado na economia. A escola neoclássica, inspira-se em
vários economistas clássicos como Adam Smith que defende um Estado mínimo,
enquanto a outra escola segue os pensamentos de Keynes e defendem uma maior
intervenção do Estado na economia.
É usual encontrar nos livros de pensamento econômico “ambientes” históricos
distintos para esses dois pensamentos. Vários autores da escola clássica vivenciam a
revolução industrial e defendem o liberalismo cuja principal característica é a defesa da
liberdade individual, a igualdade de todos perante a lei, o direito de propriedade e uma
economia voltada para o mercado. Algumas raízes do liberalismo vêm do humanismo
renascentista e do iluminismo, que do ponto de vista econômico se opunham às
monarquias absolutistas e ao mercantilismo.
Já para Keynes, o Estado deve intervir na economia para garantir o pleno
emprego, sua visando os ciclos econômicos. O Estado pode ter déficits durante as fases
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de recessão para manter a demanda e o nível da atividade econômica, e gerar superávits


durante as fases de expansão. Suas ideias ganham força durante a grande recessão
provocada pela crise de 1929.
Portanto, espera-se que do ponto de vista normativo (juízos de valores e a
descrição dos objetivos e de como as políticas devem ser) as duas escolas sejam diferentes
em termos dos receituários de política econômica. Os efeitos dessas políticas são alvo de
estudo da economia positiva (que analisa os efeitos do que acontece de fato ou de como
as políticas são feitas na realidade).
Uma possível interseção entre essas duas escolas é o papel “básico” do Estado o
qual deve garantir o cumprimento das leis, dos contratos, dos direitos de propriedade e
regular a atividade econômica.

6.1. Principais Classificações das Políticas Públicas


6.1.1. Políticas discricionárias e regras de política
As políticas podem ser classificadas em políticas ativas (políticas reagem com as
condições da economia no passado) e políticas passivas (políticas não reagem dado as
condições da economia no passado). Um exemplo de política ativa é o aumento da taxa
de juros pelo Banco Central ao perceber um aumento na inflação nos períodos passados.
Como exemplo de uma política passiva, alguns monetaristas sugerem o crescimento da
base monetária à uma taxa fixa ao ano independente das condições passadas da economia.
Há uma grande discussão sobre a eficiência das políticas ativas. De acordo com
Friedman o timming das políticas dificilmente será correto. Quando o governo perceber
que a economia está em uma recessão e usar políticas para suavizar seus efeitos, a
recessão pode estar passando e as políticas podem demorar para surtir efeitos ou seja
apresentar efeitos defasados no tempo, e começar a influenciar a economia já em um
período fora da recessão, levando a mesma para um crescimento acima do sustentável,
acarretando elevação da inflação dentre outros problemas. De acordo com essa linha de
pensamento, a condução de políticas ativas de estabilização tende a gerar mais
instabilidade econômica do que as próprias instabilidades inerentes aos ciclos
econômicos.
Por outro lado, as estatísticas de indicadores antecedentes e modelos
econométricos cada vez mais adequados para prever ou indicar os ciclos econômicos
podem ajudar na condução de uma política ativa.
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Esta eficiência das políticas públicas também pode estar relacionada da forma em
que ela é implementada. As políticas podem ser conduzidas segundo regras que são
fixadas para um dado período ou de forma discricionária. No primeiro caso a política
torna-se mais inflexível porque a regra não pode ser alterada facilmente. No caso da
política discricionária, esta é decidida de forma pontual, por avaliação momento a
momento das condições da economia. Pela forma como é conduzida, a política
discricionária é mais flexível do que a política de regras, em qualquer data ela poderá ser
adaptada a novas circunstâncias. Por isso, a política discricionária pode ser menos
eficiente e perder credibilidade. Por exemplo, suponha que o Banco Central mude a
condução da taxa de juros e deixe de combater a inflação, objetivo anunciado
previamente, e passe a combater recessão e desemprego em virtude da elevação destes no
presente. Desta forma, os agentes podem criar uma expectativa de que a inflação futura
vai subir, influenciando para cima a inflação presente.
A regra de Taylor é um exemplo de regra de política monetária. Essa regra
geralmente é expressa como:
(1) 𝑖 = 𝑖 ∗ + 𝛽(𝜋 − 𝜋 ) + 𝛼(𝑦 − 𝑦 )

Onde, 𝑖 = taxa de juros, 𝑖 ∗ = taxa de juros de equilíbrio, 𝜋 = taxa de inflação,


𝜋 = meta da taxa de inflação, 𝑦 =produto (PIB), 𝑦 =produto potencial. De acordo com
essa regra a taxa de juros vai aumentar ou diminuir em relação ao seu valor de equilíbrio
de longo prazo, no montante de 𝛽 se a inflação se distanciar da sua meta e no montante
de 𝛼 se o produto se distanciar de seu potencial. De acordo com Taylor 𝛽 = 1.5 e 𝛼 =0.5
nos EUA. Se o Banco Central sempre se mantiver fiel a essa regra, agindo com pouca
discricionariedade, sua política terá credibilidade e seu conhecimento pelos agentes não
trará surpresas, gerando expectativas menos instáveis e próximas das metas.
Isso nos leva a outra discussão sobre a efetividade das políticas: políticas
antecipadas e não antecipadas. Se o governo anunciar suas políticas e elas tiverem
credibilidade os agentes podem antecipar seus efeitos. Por isso, para alguns economistas,
no caso de algumas políticas como a do exemplo anterior, o mero anúncio do governo,
dada a sua credibilidade, os agentes antecipem a política e suas expectativas de inflação
fiquem menores, que por sua vez reduzem a inflação, criando uma necessidade de
elevação da taxa de juros muito menor do que em um cenário em que essa política não é
antecipada. Em outras palavras, a credibilidade (institucional) aumenta a eficiência das
políticas.
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Entretanto há situações em que a eficácia da política depende da não antecipação


dos seus efeitos pelos agentes. O Banco Central, do Brasil por exemplo, ao alterar a taxa
SELIC (taxa de juros de referência) pode desejar que as taxas de juros praticadas no
mercado sigam a SELIC. Alguns estudos mostram que isso não acontece com intensidade
significativa quando os movimentos na SELIC são antecipados e sim quando estes são
não antecipados.

6.1.2. Políticas gerais (horizontais) e setoriais (verticais)

Uma política geral é desenhada para a economia como um todo, enquanto a


setorial é feita para uma parcela específica da economia. Em todas as áreas de atuação do
setor público há esses dois tipos de políticas, como por exemplo no aumento do gasto
nacional com educação para o ensino público ou um aumento do gasto apenas com o
ensino universitário.
Há vários exemplos positivos de políticas setoriais que são bem-sucedidas no
Brasil. A criação do polo de tecnologia em Pernambuco, a Embrapa no setor
agropecuário, a Fiocruz no setor de saúde são exemplos de políticas setoriais estadual e
nacional com efeitos positivos com custos bem menores que seus benefícios.
Entretanto, umas das áreas na qual o debate sobre o uso de políticas setoriais mais
aparece é na política industrial. Uma política setorial pode distorcer os preços relativos e
provocar instabilidades e incertezas, introduzir ineficiências na competição entre
produtos nacionais e importados, criando desestímulos para a manutenção de algumas
atividades e de novos investimentos nas mesmas.
Antes de estudarmos o próximo tópico vamos refletir sobre a seguinte pergunta:
se uma indústria depois de ter recebido incentivo e ter se “consolidado”, precisar
continuar recebendo incentivo para poder competir com outras indústrias nacionais e
internacionais, deve esse setor continuar recebendo esse incentivo? Uma outra indústria
(nacional ou internacional) não poderia oferecer um produto melhor e com menor preço?
Esses subsídios não poderiam ser dados a outra indústria com vantagens competitivas
para que depois de estabelecidas possam competir sem precisar de incentivos?
A resposta dessa pergunta não é direta. Depende do tipo de produto oferecido pela
indústria em questão. Vale lembrar que as unidades subnacionais da federação também
podem oferecer incentivos para atrair empresas e aumentar a oferta de emprego. Mas será
que com o final do incentivo essas empresas encerram sua atividade?
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6.1.3. Políticas estruturais e assistencialistas (conjunturais e emergenciais)


As políticas estruturais atuam sobre as relações e parâmetros estruturantes da
economia, enquanto as conjunturais e assistenciais atuam para atenuar um problema
estrutural. Por exemplo, uma política estruturante que busca melhorar a educação (por
exemplo o Brasil Alfabetizado), pode melhorar o nível de educação e do capital humano,
elevando a produtividade da mão de obra e seu salário, gerando novos investimentos,
crescimento econômico, redução do desemprego e da pobreza. Uma política que visa
atenuar os efeitos da pobreza e da desigualdade social via transferência de renda (por
exemplo o Bolsa Família), ou ao acolher pessoas em situação de moradia de rua são
exemplos de políticas assistenciais.

6.2. Principais Políticas Econômicas e Instrumentos de Políticas


6.2.1. Classificação em relação as funções
As políticas públicas são utilizadas para que o setor público alcance os seus objetivos.
Uma classificação resumida desses objetivos pode ser feita baseada nas funções do
Estado:
a) Alocação (fornecimento de bens públicos e meritórios; regulação do
fornecimento de bens privados;).

b) Distributiva (distribuição da renda e questões de equidade e bem-estar)

c) Estabilização econômica (manutenção da estabilidade do produto e dos preços).

d) Inserção e competitividade do país no comércio internacional (essa geralmente


não é considerada como uma função do setor público)

Deve-se ter cautela na formulação e implementação dessas políticas, observando-


se quem ganha e quem perde e se o ganho em termos de benefícios sociais é maior do que
o custo social das mesmas.

Para obter esses objetivos o governo possui várias alternativas de políticas. Alguns
exemplos de políticas econômicas são:
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a) Política Fiscal: estabelece os gastos (inclusive com pagamento de


juros, transferências, previdências, subsídios, etc) e receitas (política tributária),
bem como decide como será feito o financiamento da dívida pública. Sua principal
forma de atuação é através do orçamento público.

b) Política Monetária e Cambial: utiliza principalmente a taxa de juros


básica, a emissão de moeda e de títulos públicos.

c) Política Comercial: utiliza leis e acordos e instrumentos das outras


políticas para manter o equilíbrio da balança de pagamentos (comercial e de
capital) e melhorar a inserção do país no comércio internacional.

6.2.2. Instrumentos de Política


Os Instrumentos de Política podem ser classificados em relação a sua etapa no
planejamento público:
a) Instrumentos de diagnóstico: são informações, questionários, bancos de dados
estatísticos, índices ou modelos que forneçam uma descrição quantitativa e/ou
qualitativa do problema alvo da política.
b) Instrumentos de ação: ou de política são as variáveis, projetos ou leis que o
setor público dispõe para atuar.
c) Instrumentos de monitoramento: similar aos de diagnóstico, mas aplicados
com o objetivo de verificar o “andamento” e a eficácia da política.

Os principais instrumentos de ação da política econômica são:

a) Emitir moeda e fixar a taxa de juros básica da economia: esses são os


instrumentos clássicos, mas não os únicos de política monetária (usualmente
utilizada para combater a inflação e, de forma menos usual, no estímulo ao
crescimento e na rolagem da dívida) os quais também podem ser usados em outras
políticas. Por exemplo, uma taxa de juros acima da internacional pode ser usada
para atrair capital estrangeiro e/ou reduzir ou manter o câmbio. Vale lembrar que
uma oferta excessiva de moeda pode gerar inflação, enquanto uma taxa de juros
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elevada pode reduzir emprego, produto, inflação e aumentar o custo da dívida


pública.

b) Vender e comprar títulos públicos: esse instrumento pode ser usado em uma
série de políticas. Por exemplo, o governo pode vender títulos para diminuir a
circulação de moeda nacional para combater a inflação e financiar sua dívida
pública. No leilão de moedas estrangeiras spot o governo vende (ou compra)
dólares no mercado à vista, alterando a quantidade de dólares disponível no
Mercado e, portanto, seu valor. No leilão de swap o Banco Central vende títulos
com valor atrelado ao valor do dólar (seu valor em reais varia junto com a cotação
do dólar); funciona como um mecanismo de proteção contra a variação do câmbio.
O swap é um derivativo (contrato cujo valor deriva de outro ativo). No swap
tradicional o BC compromete-se a pagar ao investidor o diferencial de valor
observado na moeda estrangeira em relação ao Real, seja esse de valorização ou
desvalorização, somado a uma taxa de juros efetiva. Em troca, o investidor paga
ao BC o valor da taxa Selic corrente. Nesta modalidade, os swaps funcionam como
um seguro para quem quer se proteger de uma forte alta do dólar, reduzindo a
procura pela moeda e, assim, impedindo que ela suba mais. No swap reverso, o
BC se compromete a pagar juros ao investidor em troca da variação cambial. No
swap o BC fica “vendido” em dólar (ganha se o dólar diminuir) e “comprador”
em Selic (ganha se houver variação positive da Selic) e no reverso o contrário.

c) Tributação e Gasto (investimento) públicos: instrumentos clássicos da política


fiscal utilizada para incentivar ou reduzir consumo e renda, mas também podem
ser usados em outras políticas. Por exemplo, pode criar impostos sobre poluição
internalizando o custo social da mesma no custo marginal privado na política
ambiental (taxas Pigouvianas). Pode usar o gasto público para construção de
escolas, hospitais público para reduzir as desigualdades de renda Pode usar
transferência de renda para famílias e subsídios para empresas para reduzir os
efeitos negativos da pobreza e da desigualdade social.

d) Pode fixar ou influenciar o comportamento da taxa de câmbio o qual tem efeitos


sobre a inflação (política monetária), exportações e importações (política
comercial e exterior).
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e) Pode criar leis: desta forma o governo também pode usar seu poder de legislar
pata regular, definir “as regras do jogo”, criar mercados, etc.

f) Comunicar: o governo pode usar seus canais de comunicação para informar a


sociedade, ajudar a criar redes, reduzir assimetrias e custos de informação etc.

6.3. Planejamento das Políticas Públicas

Uma política pública deve seguir passos semelhantes ao de um sistema


dinâmico de planejamento: Na etapa inicial (diagnóstico, análise e formulação), o
problema e os objetivos são definidos. Sempre que possível os objetivos devem ser
estabelecidos em termos de metas (qualitativas e quantitativas). O canal da transmissão
dos instrumentos deve ser bem estabelecido para ajudar no processo de seleção e
execução (implementação ou prognóstico) dos instrumentos de política. Indicadores
(relacionados ao objetivo) de acompanhamento devem ser selecionados, sempre que
possível na fase de diagnóstico, para a próxima fase que é a de acompanhamento
(controle ou monitoramento). Nessa fase, observamos se os instrumentos estão fazendo
o efeito esperado e se as metas estão sendo atingidas. O acompanhamento ou avaliação
dos indicadores e a análise das dificuldades e das razões que expliquem a diferença entre
resultados esperados e realizados são informações importantes para corrigir
(retroalimentação) as políticas (dosagem ou troca dos instrumentos). Essas fases estão
resumidas na Figura 1.

Figura 1: Fases do Planejamento Público

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