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EAE0644 - SEGUNDA QUESTÃO

A abordagem a esta questão deve se desenvolver em três partes. Em primeiro lugar,


devemos examinar as medidas imediatas que o governo poderia utilizar para estímulo à
economia no curto prazo. No segundo momento, a análise deve se centrar em componentes de
longo prazo, isto é, deve-se discutir o desenvolvimento econômico. No terceiro último passo, o
exame irá discorrer sobre aspectos políticos da gestão macroeconômica, estabelecendo as
diretrizes da tomada de decisão por parte dos agentes governamentais.

O crescimento da renda no curto prazo


Para realizar modificações que afetem o cenário de curto e médio prazo, os agentes
econômicos do governo possuem como grandes ferramentas:
• a política fiscal;
• a política monetária; e
• a política cambial
A política fiscal diz respeito a como o governo estabelecerá sua forma de gastos e
arrecadação. Ela é dita expansionista se o governo aumenta seus gastos ou reduz sua
arrecadação, ou ambos. E é considerada contracionista se o governo reduz seus dispêndios ou
se há majoração na arrecadação de tributos.
A política monetária são as ações do governo para controlar os meios de pagamento
disponíveis para os agentes econômicos. Ela é expansionista se o governo disponibiliza divisas
para o fluxo monetário. Por outro lado, é dita contracionista se o há, por parte da autoridade
monetária, tendência a retirar meios de pagamento da economia.
A política cambial é a utilização das taxas de câmbio para intervir no cenário econômico.
Ela é chamada depreciativa quando desvaloriza a moeda nacional frente às moedas
estrangeiras e é apreciativa quando aumenta o preço da moeda nacional em termos das moedas
estrangeiras.
Sobre a política cambial, é necessário um exame sobre o regime das taxas de câmbio
antes mesmo de se incorrer sobre o exame mais detalhado das demais políticas. O regime
cambial pode ser de taxa de câmbio fixa ou flutuante. No primeiro, a autoridade monetária (que
para o caso do Brasil é o Banco Central) determina de forma precisa o volume de moeda
estrangeira que deve ser dispendido para a aquisição de uma unidade monetária nacional, e o
contrário também. E se compromete a ter divisas para sempre manter esta paridade. Na situação
do câmbio flutuante, quem determina a taxa de câmbio é o mercado, com a autoridade
monetária intervindo de forma indireta, através de estímulos.
Sobre o setor externo, onde a análise do câmbio se situa por motivos óbvios, é
imperativo que tratemos de outro tema: o grau de mobilidade internacional de capitais. Caso
não haja esta mobilidade, isto é, o país impeça totalmente que divisas internacionais adentrem
sua economia, o valor da renda no curto e médio prazo é determinado, e qualquer modificação
causada por política econômica provocará um desequilíbrio que, tendencialmente fará o país
voltar a ter o mesmo nível de renda, talvez com taxas de juros maiores. Por outro lado, se a
mobilidade for perfeita, o nível da taxa de juros interna resta determinado pelo nível praticado
no mercado internacional.
Importante nesta análise é, antes de tudo, ressaltar: o regime cambial e o grau de abertura
de capitais não afetam apenas a política cambial. O modelo Mundell-Fleming deixa claro que,
havendo perfeita mobilidade de capitais, a adoção de um regime de câmbio fixo torna a política
monetária inócua. O regime flutuante, por sua vez, torna sem efeitos a política fiscal. Caso a
mobilidade seja nula, a lógica tende a se inverter. Aliás, é pertinente citar na análise o chamado
“trilema de Mundell-Fleming”, que afiram ser impossível manter, ao mesmo tempo:
• Taxas de câmbio fixas;
• Política monetária eficaz e independente; e
• Livre fluxo de capitais com o setor externo
Ao menos um dos fatores acima será, obrigatoriamente, abandonado na gestão prática
do ambiente econômico.
O Brasil adotou um sistema de taxas de câmbio flutuante e possui uma liberdade para
mobilidade de capitais com o setor externo que é bastante acentuada. Logo, o país abandonou
a política cambial precisa e reduziu bastante a eficácia da política fiscal.
Assim, o que há de mais forte para que se possa gerenciar o ambiente econômico no
Brasil é a política monetária. Aliás, de antemão é bom ressaltar: mesmo a política cambal, que
agora é gerida de forma indireta, é feita a partir de meios de política monetária.
O principal instrumento da política monetária na atualidade é o controle das taxas de
juros. No Brasil, quem realiza este controle é o Comitê de Política Econômica e Monetária, o
COPOM. E este comitê determina a meta de taxa de juros a ser apurada no sistema responsável
por negociar, liquidar e custodiar os títulos de dívida púbica emitidos pelo Tesouro Nacional, o
Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC).
Assim, o governo, caso precise retrair o nível de renda ou retirar meios de pagamento
que estão à disposição do público, aumenta a taxa de juros que o SELIC deve praticar. Isto gera
dois efeitos imediatos, e relacionados: o estímulo dado ao público para a poupança, para que
este aloque suas divisas em aplicações que remunerem com base neste taxa de juros; e
desestímulo ao crédito, pois as taxas de juros, que terão de ser pagas no decorrer da quitação
destes empréstimos, aumentaram, tornando-os mais caros.
Além disso, o governo fica obrigado a reduzir seus gastos, pois os juros que terá de
pagar pelos seus empréstimos aumentou. Para economizar, a autoridade fiscal deverá cortar
gastos para fazer o que no Brasil é chamado de “Superávit Primário”, justamente a economia
do governo para arcar com os juros de sua dívida a pagar.
Assim, o aumento dos juros praticados no SELIC diminui o fluxo de moeda que transita
pela economia, reduz p consumo das famílias, o investimento das empresas e, por conseguinte,
o nível de emprego, a concessão de crédito pelas empresas financeiras e as que puderem realizar
este tipo de operação e aumenta a poupança privada.
Por conseguinte, se desejar o efeito oposto, o governo reduz os juros, estimulando a
concessão de crédito e desestimulando a poupança, aumentando o fluxo monetário, expandindo
o crédito, o consumo privado e os investimentos.
Há outras ferramentas de política monetária importantes, como o “open market”, que é
bastante atrelada ao que se descreveu acima: o governo compra ou vende títulos da dívida
pública federal, usando como estimula para compra a taxa de juros e os prazos de pagamento
destes títulos. Se quiser estimular a compra destes títulos pelo público, o governo aumenta os
juros. Assim os torna mais atrativos. Se quiser desestimular, abaixa os juros. em ambos os casos,
o governo não quer arrecadar dinheiro ou fazer repasse: quer controlar a base monetária. Se o
público comprar títulos, isto equivale a retirada de dinheiro vivo da economia, o que reduz os
fluxos monetários de ativos com liquidez imediata, como é o caso do dinheiro, tornando as
transações menos numerosas. os efeitos são análogos aos descritos acima.
São também instrumentos frequentes o “redesconto” e o aumento do “compulsório
bancário”. O redesconto é um empréstimo que o BACEN concede aos bancos com pouco
dinheiro para manter suas operações. Se o fizer a taxas de juros altas, ou se o fizer em pequenos
montantes, ou mesmo se houver recusa em faze-lo, o banco retira dinheiro do canal creditício,
ou encarece o crédito para o público em geral. Na mesma linha, aumentar o depósito
compulsório dos bancos faz com que estes tenham menos dinheiro para conceder crédito. Todos
os bancos são obrigados a manter um mínimo no que é neles depositado em caixa, sem poder
fazer qualquer espécie de negócio com estas divisas, para a segurança dos depositantes. Este
mínimo é determinado pelo Banco Central. Que pode se utilizar dele para fazer política
monetária: aumentar o compulsório dos bancos é tirar dinheiro do ramo de crédito, o que reduz
o consumo, desaquece a atividade econômica e reduz a renda.
Nos termos da política cambial, o que há de mais significativo é um instrumento,
também operado pelo BACEN, um derivativo chamado “swap cambial”. Este garante troca de
duas taxas de liquidez: uma é a diferença da DI (taxa próxima à taxa meta do SELIC), a outra
e a oscilação da moeda estrangeira acrescida de um prêmio. O investidor se compromete a dar
ao BACEN a primeira, e o Banco Central a dar ao investidor a segunda. Assim, em um cenário
de desvalorização cambial, especialmente desvalorizações bruscas, a autoridade monetária atua
diminuindo a demanda pela moeda externa, ao menos para motivos especulativos, pois o que o
investidor recebe é maior que a própria alta da própria moeda estrangeira e bastante maior do
que irá pagar. No caso de valorizações cambias, existe o “swap cambial reverso”, cuja lógica é
a mesma, mas as remunerações a serem pagas são de obrigação trocada. Importante ressaltar
que em ambos os casos, o BACEN não quer lucrar. Aliás, em quase todos os casos, salvo se
houver mudanças muito inesperadas no meio do caminho, o Banco Central toma prejuízo. O
que se quer aqui é estabilizar a moeda nacional, em termos das moedas estrangeiras, levando-
as a um patamar de taxa de câmbio que seja salutar à economia.

O crescimento econômico
O exame agora a ser feito é das componentes do crescimento econômico de longo prazo.
Trata-se de um dos debates mais importantes e polêmicos da ciência econômica, no que
concerne à maneira mais eficiente de alcança-lo.
Antes de entrarmos na questão que pretendemos responder, é necessário um
esclarecimento sobre a terminologia: crescimento econômico não é sinônimo de
desenvolvimento econômico. As prescrições que existem para que se alcance algum deles não
servem, necessariamente, para o outro. Os conceitos não são condições necessárias ou
suficientes um do outro, podendo, inclusive, as políticas implementadas para promover um se
tornarem empecilhos para a promoção do outro. Crescimento econômico é antes de tudo
crescimento da renda do país como um todo, não importando, ao menos não de maneira
imediata, a sua distribuição. Já o desenvolvimento econômico é um conceito debatido inclusive
em sua definição mais básica. A maior parte dos estudiosos concorda que um dos eixos
fundamentais é, justamente, a distribuição de renda e o aumento do poder de compra das
famílias, entre outras coisas; e deve vir alinhado com outros desenvolvimentos, como o social
e o aprimoramento das instituições políticas, por exemplo. Aqui debateremos apenas o
crescimento econômico.
O referencial teórico aqui adotado será, em um primeiro momento, o Modelo de Solow-
Swan, não obstante a existência de vários outros modelos importantes, como modelo de Meade,
o modelo de Harrod-Domar, o modelo de Robinson, o modelo bi setorial de Lewis, o modelo
de Kaldor, o modelo de Ramsey-Cass-Koopmans, e muitos outros. A análise inicial a ser feita,
portanto, será um descritivo e uma tentativa de aplicação do modelo neoliberal tradicional.
Depois, examinaremos o modelo de crescimento endógeno ortodoxo, para tentar explicar as
determinantes da taxa de crescimento. Também neste caso, há outros modelos que tentam
explicar isto, como o modelo de Weil, Romer e Mankiw (capital humano), o modelo de
Schumpeter, e outros.
Para que uma economia possa crescer, e sustentar uma taxa de crescimento positiva e
significativa ao longo do tempo, é preciso que haja, dado que a economia como um todo possui
retornos constantes de escala:
• o nível de produção depende só da quantidade de capital, do estoque de
conhecimento (que determina a produtividade do trabalho) e da quantidade de
trabalhadores;
• há identidade entre o montante de recursos que é poupado e o que é investido;
• a taxa de crescimento do capital é a poupança descontada da depreciação;
• as taxas de poupança, depreciação, de crescimento da produtividade e do número
de trabalhadores são exógenas;
Neste caso, através de manipulações algébricas que aqui não serão abordadas, a taxa de
crescimento de longo prazo da economia é a taxa de crescimento do estoque de capital. Assim,
antes de tudo, para que haja um crescimento efetivo o governo deve estimular o investimento
privado, o que quer dizer, finalmente, estimular a poupança.
Mas há que se fazer uma observação: uma das premissas do modelo anteriormente
discutido é que haja pleno emprego dos meios de produção (capital e trabalho). Caso não haja
ociosidade de fatores, antes de se falar em crescimento de longo prazo, deve-se promover a
aplicação de todos meios produtivos. Ou seja, inclusive na teoria econômica, a discussão deve
ser feita na sequência que aqui empregamos: em primeiro lugar o crescimento de curto prazo,
isto é, o emprego de todos os fatores de produção, para depois discutirmos o crescimento de
longo prazo da economia como um todo.
O exame agora deverá focar nos determinantes do desenvolvimento de cada fator de
produção. Ou seja, como podemos incrementar a produtividade dos fatores, ao invés de
falarmos do aumento de seus estoques. Abordaremos, então, a teoria do crescimento endógeno,
assim chamada porque endogeniza a taxa de produtividade do capital e do trabalho, isto é, as
torna variáveis a serem determinadas. E o que as determina, de acordo com esta teoria, é o nível
de investimento em educação, capacitação, inovação e pesquisa (P&D).
Assim, ao se investir no aprimoramento de sua mão de obra, tornando-a mais produtiva;
e no setor de pesquisa, que irá se expandir e desenvolver processos de produção mais eficientes
e um capital mais eficaz e que se deprecie de forma mais lenta, as variáveis que determinam a
taxa de crescimento aumentam. Este investimento pode, inclusive, promover o incremento
desta taxa, ou seja, pode agir para acelerar o processo.
Duas coisas importante a serem ditas sobre esta teoria: primeiro, que aqui também se
deve assumir a alocação plena de fatores de produção. A segunda é que o processo de
crescimento que ela propõe é lento. Isto porque, ao se expandir o setor de pesquisa, no médio
prazo, se retira pessoas do setor de produção direta (dada a premissa teórica de pleno emprego).
Assim, os efeitos disto só serão efetivos quando os produtos das inovações forem aplicados, o
que pode demorar alguns anos. Ou seja, este incremento da renda após a expansão do setor de
pesquisa nacional ocorre na forma do que se convencionou chamar de “Curva J”: há um
decréscimo brusco após a implementação da política, ocorrendo uma recuperação gradual ao
longo do tempo, com um acréscimo ao final do ajuste.
Aliás, dado esta observação, é pertinente que se ressalte que, de forma geral, é raro que
o processo de crescimento econômico seja livre de percalços, uma vez que é bastante possível
e frequente que haja conflitos entre o curto, o médio e o longo prazo.
Como se disse, o governo, no curto e médio prazo possui várias ferramentas para
promover a poupança, que é a condição mais importante para se obter o crescimento no modelo
de Solow-Swan. Mas, como se disse, se as políticas promovem a poupança, desestimulam o
investimento, ou seja, a identidade que o modelo admite pode não ocorrer. Desta forma, o
crescimento não se efetiva. Além disso, mais poupança é menos consumo presente, por óbvio.
Então, se houver um crescimento econômico, e o consumo arrefecido, podemos cair em uma
situação de deflação generalizada, o que gera pressão sobre o setor produtivo e pode consumir
o crescimento econômico que se tentou promover. Pelo contrário, se houver um aumento do
consumo, sem que se tenha conseguido estimular a produção, há o oposto, isto é, inflação, que
também pode destruir o crescimento. É bastante possível também que isto ocorra, dado que a
propensão a consumir é maior que a poupar, então o consumo tende a crescer mais que a
poupança e o investimento.
Sobre esta questão, do consumo na teoria do crescimento econômico, vale citar a “regra
de ouro da acumulação de capital”. Existe um nível de estoque de capital que maximiza o
consumo de longo prazo. Ele existe quando a poupança está no nível conhecido como “taxa de
ouro”. Este pode ser determinado algebricamente, mas isto não será feito neste trabalho. O que
se deve discutir, em primeiro lugar, é que um estoque de capital por trabalhador superior ao da
regra de ouro leva a um consumo por trabalhador menor que o máximo que poderia se ter e
manter o equilíbrio. Vale lembrar que, para o modelo de Solow, crescimento é, justamente, o
incremento no estoque de capital. Então se desenvolver quer dizer abrir mão de consumo. E, o
mais importante: não há nenhuma força tendencial que leve a economia, no seu processo de
crescimento, para o nível da “regra de ouro”. Se os operadores das políticas econômicas
quiserem alcança-lo, devem promover este cenário, mexendo nos estímulos à poupança, para
tornar a taxa de poupança igual a “taxa de ouro”. O equilíbrio tendencial do modelo de
crescimento ortodoxo, o chamado “estado estacionário” tende a conduzir a um estoque de
capital por trabalhador maior que o da “regra de ouro”, com as consequências que acima se
mencionou.
Para finalizar a análise, devemos examinar rapidamente os efeitos que o processo de
crescimento pode causar com o setor externo.
Há uma taxa de crescimento que mantém o equilíbrio externo e este é determinado pela
Lei de Thirlwall. Basicamente, para que possamos encontrar esta taxa ótima devemos dividir a
taxa de crescimento das exportações pela elasticidade renda da demanda por importações. Ou
seja, há um limitante externo ao crescimento, que se não for respeitado provoca déficits ou
superávits no balanço de pagamentos. isto pode, entre outras coisas, diminuir o poder do
governo de conduzir a política cambial e a eficácia da mesma. Cabe mencionar aqui um
paradigma econômico conhecido como “Condição de Marshall-Lerner”, que afirma que,
embora na forma de uma “Curva J”, uma depreciação real na taxa de câmbio causa uma melhora
na balança comercial. E o contrário também vale. Assim, taxas de crescimento muito elevadas
podem gerar desequilíbrios externos que podem ser gravíssimos em países que dependem muito
do setor externo, tanto para importar como para escoar o que produz internamente na forma de
importações. Sobre este possível desequilíbrio, ele pode implicar também no chamado efeito
do crescimento empobrecedor, causado pela deterioração dos meios de troca: o desequilíbrio
fica tão acentuado que provoca uma saída maciça de capital do país, podendo levar à pobreza
uma parcela significativa da população, especialmente aquela que depende do setor externo
para consumir.
Além disso, sobre o panorama geral da economia mundial, cabe uma palavra sobre o
debate se há convergência, tendencial ou necessariamente, da riqueza, e mesmo das taxas de
crescimento, entre as nações. Vários artigos foram publicados sobre isto e, mesmo que admita
a existência de livre trânsito entre os países de todos os fatores de produção, não se pode afirmar
esta convergência. Isto porque a taxa de crescimento depende das dotações iniciais, porque elas
dão as condições das ações que cada operador das políticas econômicas pode e deve tomar,
como estímulos, por exemplo. a análise se torna ainda mais grave quando se leva em conta a
existência de possíveis protecionismos e fatores não econômicos, como a cultura. Logo, a
economia do desenvolvimento pode conduzir sim a existência de poder econômico em
desequilíbrio, inclusive a nível global e macroeconômico.

Aspectos políticos da gestão macroeconômica


Passemos agora ao último nível de nossa análise, que será o menos teórico de todos.
Em primeiro lugar, uma breve consideração sobre a base do ambiente macroeconômico
do Brasil, estrutura que se sustenta há mais de vinte anos: o tripé macroeconômico. Ou seja, a
política de superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante. Retomando a primeira
parte de nossa análise, observamos que temos um cenário econômico onde a preocupação maior
é com a estabilidade das contas do governo, dos preços praticados e que deixa ao mercado
cambial a determinação da estabilidade do setor externo. Importante relembrar: o câmbio
flutuante reduz a eficácia da política fiscal, algo que o compromisso com o equilíbrio das contas
governamentais apenas vem reforçar. Esta são as características mais importante da arena onde
toda e qualquer ação de caráter econômico deverá se desenrolar.
Tendo isto em mente, façamos a análise das diretrizes econômicas do atual governo.
Pelo que se percebe em seus discursos, e nas ações até o momento praticadas, são firmes
seguidores da cartilha do neoliberalismo. Ou seja, da ideia que o Estado deve ser apenas um
garantidor dos direitos de propriedade, não cabendo a ele qualquer ação positiva na economia.
Aliás, qualquer ação do governo neste sentido é, por sua natureza, uma ingerência. De tal sorte
que, para este governo, as intervenções, quando ocorrerem, devem ser mínimas e devem evitar
ao máximo dispêndios do Estado, ou que este potencialize sua capacidade arrecadatória. E o
ambiente macroeconômico, como já se afirmou, reforça esta disposição, uma vez que foi
construído por operadores de política econômica que possuíam certa concordância com os
atuais responsáveis, talvez de forma menos radical. Mas é importante que se ressalte, mais uma
vez: o compromisso maior desta vertente de pensamento econômico é com a estabilidade, não
com o crescimento. Este é incidental no planejamento.
Evidentemente, de um governo de oposição se espera uma posição diferente neste
quesito, ao menos no que concerne ao longo prazo. Isto é, que sejam entusiastas do fomento
governamental à atividade econômica com o fito de promover seu incremento. E isto significa,
para além de crer que o gasto do governo produz efeitos positivos, mas que seja comprometido,
em primeiro lugar, com o crescimento econômico do País.
Assim, tendo estas condicionais afirmadas, e toda a análise que até aqui se desenrolou,
a prescrição das políticas de cada ramo resta, em certa medida, como derivação lógica.
Políticas de fomento ao crescimento de curto prazo seriam praticamente idênticas: dada
a conjuntura atual, e as regras da estrutura econômica, a única medida realmente eficaz seriam
aquelas que possuem natureza de política monetária: uma redução da taxa de juros, inclusive
dos redescontos, uma diminuição do compulsório dos bancos e uma desvalorização cambial
controlada, feita por ferramentas como o swap. Isto poderia levar a um desequilíbrio interno e
externo, e neste ponto os governos iriam divergir: o governo atual tentaria de toda forma
contornar estes desequilíbrios, arrefecendo rapidamente os estímulos, que já tenderiam a ser
pequenos. Um governo de oposição tenderia a ser mais tolerante com as instabilidades, mas
ainda assim manteria um controle. Importante ressaltar os aspectos políticos: já se tentou reduzir
os juros praticados pelo mercado, mas não houve sucesso, pois trata-se de um setor que possui
forte lobby político associado, além de grande poder econômico.
Poderíamos mudar as regras do tripé, mas isto já seria no médio prazo, tendo em vista
que mudanças tão radicais levariam certo tempo para se efetivar. Seria algo que o governo atual
não teria interesse, mas um governo de oposição poderia ter, tornando a política fiscal mais
efetiva. Mas se admitirmos que tal estrutura se manterá, o médio prazo, em linhas gerais,
reproduz o curto prazo.
As políticas de longo prazo tendem a ter diferenças mais substanciais: o governo atual,
de caráter neoliberal, provavelmente seguirá o modelo neoliberal tradicional, de Solow-Swan.
Aqui se acredita que a questão de aumentar a renda no longo prazo é se acumular capital, e isto
se faz com estímulos à poupança, o que pode ser feito via política monetária, inclusive no longo
prazo. E se deixaria o setor privado encarregado de transformar esta poupança em investimento
direto, talvez com alguns pequenos estímulos também monetários, mas no que concerne ao
setor creditício. Como se percebe, aqui também, com o mínimo de intervenção estatal.
Já o governo de oposição provavelmente recorreria a outras políticas, como a prescrita
pela teoria do crescimento endógeno. Investiria de forma ativa em educação e pesquisa,
construiria universidades, escolas técnicas, centros de inovação e daria estímulos para que as
pessoas fossem atrás destas qualificações e para que estas se aplicassem na produção de renda
da economia de maneira prática. Como se disse, o eventual desequilíbrio que poderia haver
neste processo seria internalizado, e até tolerado, por este arranjo governamental, que se
esforçaria, com as ferramentas tradicionais de política econômica, para mitiga-lo no curto e
médio prazo.
A interpretação sobre a importância do crescimento não é meramente retórica: ela vai
conduzir o que se pretende suprimir, caso seja necessário faze-lo, e de que forma os governos
vão lidar com os efeitos secundários e as externalidades decorrentes deste crescimento. Isto é
determinante para a questão do que este incremento, que se pretende contínuo, vai se
transformar no decorrer do processo.
A título de exemplo, várias décadas atrás, foi dito no Brasil que “o bolo deve crescer
para depois ser dividido”. Ou seja, havia a preocupação com o crescimento, mas não com a
distribuição de renda. De fato, o “bolo” cresceu, mas não foi distribuído e logo depois murchou,
quando do período da inflação galopante que veio logo após o “milagre”.
Nesta mesma mentalidade, não se pode esperar do governo atual, mesmo que seu
fomento ao crescimento se revele frutífero, qualquer intervenção na economia para garantir
alguma forma de distribuição de renda, se esta estiver sendo desigual. Nem qualquer
intervenção se estiver acontecendo os desequilíbrios que aqui já foram descritos, como o
desequilíbrio externo.
Neste esteio, dado que o crescimento econômico não é o centro da política econômica,
se no decorrer da dinâmica de crescimento, o governo atual se deparar com qualquer obstáculo
à estabilidade econômica, não há dilema: que se acabem as políticas de expansão da renda, caso
estas existam.
É necessário sopesar as duas coisas: um governo muito permissivo com a instabilidade,
por outro lado, pode acabar destruindo tudo o que construiu, especialmente no longo prazo.
O grande debate, em última análise, é até que ponto as políticas de cada governo podem
transformar o crescimento em desenvolvimento.
É fato que em qualquer país, o crescimento econômico é algo essencial. Estagnação ou
decrescimento são sinônimos de crise e turbulência. Mas em um país como o Brasil, que é rico,
porém desigual, e com uma matriz econômica que não o favorece, baseada em commodities e
outros produtos de baixo valor agregado, a capacitação de seu povo, de sua mão-de-obra e a
distribuição da renda parecem ser agendas econômicas ainda mais urgentes.

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