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economia
T. Norman Van Cott
quarta-feira, 20 mar 2019
João está no mercado à procura de um carro usado. Pedro está interessado em vender seu
carro. João procura por anúncios na internet. Pedro coloca seu anúncio na internet.
João fica com o carro de Pedro e Pedro fica com os $ 20.000 de João.
João incorreu nesta transação porque acredita que ela o deixará em melhor situação —
seja material, psicológica ou até mesmo financeira (ele pode, por exemplo, utilizar o carro
como instrumento de trabalho e, assim, auferir um fluxo de renda futuro).
Ambos, por definição, não teriam incorrido nesta transação voluntária caso acreditassem
que ela os deixaria em pior situação.
Mas quão melhor eles ficaram após a transação? É impossível responder com precisão.
Podemos apenas dizer que, para João, seu ganho foi a diferença entre o valor de uso que
ele atribui ao carro adquirido e o valor de uso que ele atribuía ao $ 20.000 que deu a
Pedro.
E, para Pedro, seu ganho foi a diferença entre o valor de uso que ele atribui aos $ 20.000
que ganhou e o valor de uso que atribuía ao carro que deu em troca.
Não há nenhum motivo para dizer que os ganhos de João e Pedro são, ou deveriam ser,
iguais.
Infelizmente, e isso vem desde Aristóteles, ainda há quem acredite que as trocas
comerciais ocorrem somente entre bens com igualdade de valor. Ou seja, se o bem A é
trocado pelo bem B, então necessariamente o valor de A deve ser igual ao valor de B.
Pior ainda: há quem acredite que o valor de A tem de ser superior ao de B, ou vice-versa,
o que implica que, em toda e qualquer transação, um lado ganha à custa do outro (ele
entregaria algo com um valor objetivo maior em troca de algo com um valor objetivo
menor).
No entanto, graças ao austríaco Carl Menger, que popularizou a descoberta de que o valor
dos bens não é objetivo, mas sim subjetivo, a realidade se comprova totalmente distinta:
em toda e qualquer transação comercial, cada lado atribui àquele bem que está recebendo
um valor subjetivo maior do que atribui àquele bem que está dando em troca.
Afinal, se não fosse assim — se você não valorizasse mais aquilo que está recebendo do
que aquilo que está dando em troca —, a transação simplesmente não ocorreria.
Portanto, dizer que o valor de um bem ou serviço é subjetivo significa dizer que o valor
deste bem ou serviço depende do uso e do grau de importância pessoal (subjetiva) que
alguém (João no nosso exemplo) confere a ele. Se o bem ou serviço servir para algum
fim ou propósito, então terá valor para ao menos uma pessoa.
Vale ressaltar que o valor de um bem ou serviço não é determinado pela quantidade de
trabalho consumida em sua produção. Tampouco é determinado pelos insumos físicos,
inclusive mão-de-obra, que ajudaram a produzi-lo. O valor de um bem ou serviço advém
da percepção humana quanto ao seu proveito e quanto à sua função para satisfazer
determinados objetivos aos quais os indivíduos almejam em um determinado momento.
Se o bem servir para algum fim ou propósito, então terá valor para ao menos um
indivíduo.
No entanto, e como já discutido, dado que o valor de uso que João atribui ao carro excede
$ 20.000, sua verdadeira importação foi maior do $ 20.000. Igualmente, uma vez que
Pedro atribui aos $ 20.000 que ele importou um valor maior que $ 20.000, então ele,
subjetivamente, está importando mais do que $ 20.000.
Com efeito, tanto João quanto Pedro estão incorrendo em um déficit em seus respectivos
balanços comerciais — não no sentido contábil, mas no sentido econômico. Afinal, e de
novo, se não fosse assim, a transação comercial nem ocorreria.
O "déficit" de João é a diferença entre o valor de uso que ele atribui ao carro que ele
importou e o valor de uso que ele atribuía aos $ 20.000 que ele exportou para pagar pelo
carro. Já o "déficit" de Pedro é a diferença entre o valor de uso que ele atribuiu aos $
20.000 que ele importou e o valor de uso que ele atribuía ao carro que exportou por $
20.000.
Pouco importa a localização geográfica de ambos. Eles podem estar separados por uma
rua ou por um oceano. A lógica não se altera.
Observe também que, para ambos, o objetivo são as importações que eles obtêm, e não
as exportações que eles utilizam para obter essas importações. Se você retirar as
importações do cenário, não há nada de intrinsecamente benéfico a respeito das
exportações de cada um. Com efeito, se João houvesse exportado seus $ 20.000 sem ter
obtido o carro, ele estaria em pior situação. Igualmente, se Pedro houvesse exportado o
carro, sem ter importado os $ 20.000, ele estaria em pior situação.
Esta constatação — que é totalmente trivial para qualquer ser humano sensato — adquire
ares de suprema importância por causa de um mantra mercantilista que jamais morre e
que sempre insiste em infectar o debate econômico: a ideia de que exportações são
intrinsecamente benéficas, e que importações são, na melhor das hipóteses, algo
relutantemente tolerável.
Em nosso exemplo, seria como se João, em vez de aceitar a oferta de Pedro ($ 20.000
pelo carro), estipulasse uma "tarifa" para encarecer artificialmente o carro de Pedro, na
esperança de que isso o fará exportar mais para Pedro. O mesmo vale para Pedro: com a
tarifa imposta por João, Pedro teria de vender seu carro por menos (pois a tarifa aumentou
o preço final) com o objetivo de importar menos de João.
Ou, colocando em outras palavras, seria como se João relutantemente aceitasse o carro de
Pedro ao mesmo tempo em que oferece em troca um valor maior que os $ 20.000 pedidos
por Pedro, apenas para ver se, com isso, consegue exportar mais para Pedro. E Pedro, por
sua vez, iria se esforçar para aceitar um preço menor para que, em troca, possa importar
menos de João.
Faz sentido? É óbvio que não. Com efeito, tal comportamento seria a receita para o
desastre financeiro. No final, ambos teriam menos bens e serviços à disposição. Ambos
ficariam mal alimentados, mal vestidos, mal alojados e, no extremo, mortos.
Conclusão
Assim como João e Pedro, os defensores de doutrinas contrárias ao livre comércio não
seguem essas mesmas idéias em sua rotina diária, o que faz deles pessoas totalmente
incoerentes. Eles querem que as outras pessoas do país sejam submetidas às suas idéias
tolhedoras, mas eles próprios não as praticam em sua dia a dia.
Apenas quando surgir um mercantilista que realmente pratica aquilo que prega — a saber,
abre mão de descontos e ofertas baratas, e faz questão de só comprar apenas o que é pior
e mais caro —, deveria você prestar alguma atenção a ele.