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Não, o “trabalho duro” (sozinho) não garante a

prosperidade e não retira ninguém da pobreza


Ao contrário: ele (sozinho) pode ser a garantia de pobreza perpétua

economia
Jorge Eduardo García
segunda-feira, 14 jan 2019

O trabalho é inegavelmente um fator determinante para o sucesso pessoal e para o


desenvolvimento social. Entretanto, há um mantra socialmente aceito em relação ao
trabalho que o trata com uma aura de misticismo.
É dito que o "trabalho duro" é o que conduz uma pessoa, bem como todo um país, ao
sucesso e ao enriquecimento. A ideia é que você (bem como todo o país) só irá enriquecer
e prosperar se "trabalhar duro", se "acordar cedo e trabalhar pesado o dia inteiro, sem
preguiça" — ou qualquer coisa neste sentido.
Mas isso é conceitualmente incorreto. A ideia de trabalho duro como o único
determinante para o desenvolvimento é incompleta. Trabalhar intensamente, por si só,
não leva ao desenvolvimento econômico desejado por todos.
A relação é inversa
Para começar, quando se fala sobre "trabalho duro", é difícil encontrar a melhor maneira
de explicá-lo: você toma por base a força ou a inteligência? Uma maneira fácil de tentar
mensurar o trabalho é baseando-se nas horas de trabalho de cada trabalhador individual.
O gráfico 1 abaixo mostra a média das horas trabalhadas por ano.
Gráfico 1: média das horas anuais de trabalho por trabalhador - Fonte: OCDE. Dados
de2017
Já o gráfico 2 mostra a média das horas de trabalho por semana em diferentes países da
OCDE

Gráfico 2: média das horas de trabalho semanais, por trabalhador, em diferentes


países da OCDE
Já de imediato é possível constatar um padrão simples: países mais ricos trabalham menos
horas. Trabalha-se muito menos na Alemanha, na Dinamarca do que na Costa Rica e no
México.
Ou, para ser ainda mais direto, veja esta tabela (fonte) que mostra a quantidade anual de
horas trabalhadas por país (com dados agora de 2014):
Faria sentido, portanto, ainda acreditar que pessoas que trabalham mais horas são
aquelas que vivem melhor? Os dados primários parecem indicar o contrário.
Ainda assim, essa ideia vai contra o senso comum. Em praticamente todas as sociedades
e religiões, trabalho duro e esforço exaustivo são bem vistos. Mas se eles não determinam
o desenvolvimento de um país, então o que determina? Por que os países mais ricos
trabalham "menos duro" do que os mais pobres? Por que o esforço daqueles que trabalham
mais não são recompensados com maior qualidade de vida?
Para começar a entender essas questões, é necessário adicionar variáveis à análise. E uma
variável importante a ser analisada é como o número de horas trabalhadas mudou ao longo
dos anos. O gráfico 3, abaixo, mostra o valor anual da média de horas trabalhadas para
três diferentes gerações, com um espaço de aproximadamente 20 anos por observação.
Gráfico 3: horas trabalhadas em diferentes períodos de tempo - Fonte: OCDE
Observe que, após a década de 1970, houve um pronunciado declínio no número de horas
dedicadas ao trabalho nos países da OCDE. No caso do Japão, a redução foi de quase
30% em 40 anos.
Mas o passar do tempo, por si só, não explica tudo, obviamente. Portanto, é importante
lembrar que todos os países da OCDE cresceram economicamente ao longo destes 40
anos. Logo, a relação resultante é entre desenvolvimento econômico ao longo do tempo
e redução nas horas anuais de trabalho. Os países mais pobres continuam trabalhando
mais horas.
Isso pode ser visto mais claramente no gráfico 4, o qual mostra a evolução das horas
anuais de trabalho ao longo de 40 anos para três potências econômicas (EUA, Reino
Unido e Japão). A tendência é claramente declinante ao longo dos anos.
Gráfico 4: evolução das horas anuais de trabalho entre 1970 e 2017 para Japão (linha
azul), Reino Unido (linha laranja) e Estados Unidos (linha cinza) - Fonte: OCDE
Analisando os dados para as horas anuais de trabalho, e comparando-os em relação ao
PIB per capita, vemos que a relação anteriormente pressuposta é verdadeira: quanto maior
o PIB per capita, menores as horas trabalhadas por ano.
Ou seja, a riqueza gera menos necessidade de trabalho.
Gráfico 5: PIB per capita na eixo horizontal; horas anuais de trabalho no eixo vertical.
Quanto maior o PIB per capita, menor as horas de trabalho por ano - Fonte: OCDE
Portanto, temos uma observação empírica: países mais ricos trabalham menos que países
mais pobres. Quanto mais rico é um país, menores as suas horas de trabalho.
Isso leva à inevitável pergunta: por quê?
Trabalhar duro é diferente de trabalhar produtivamente
Em certo sentido, trabalhar mais horas pode produzir mais riqueza. Teoricamente, se tudo
o que você tem é um machado e troncos de árvore, então trabalhar oito horas cortando
madeira irá lhe render mais madeira do que em apenas quatro horas. Assim, neste caso
hipotético, trabalhar mais significa mais produção.
O problema é que dificilmente você conseguirá manter essa rotina exaustiva por muito
tempo e durante vários meses. Com efeito, tentar manter essa rotina não será muito
inteligente. Haverá um momento em que suas condições físicas estarão debilitadas e sua
produtividade inevitavelmente cairá.
Sendo assim, se você conseguir obter uma máquina que lhe permita cortar madeira de
uma maneira mais rápida, você terá a mesma quantidade de madeira em apenas uma
fração do tempo original.
Uma serra elétrica, por exemplo, tornará o seu trabalho muito mais produtivo do que um
machado. Uma serra elétrica permite que, com menos horas de trabalho, você consiga a
mesma quantidade de madeira que conseguiria com um machado e várias horas a mais de
trabalho.
A serra elétrica é um bem de capital que aumenta sua produtividade, permitindo que você
trabalhe menos e produza mais. Ao aumentar a quantidade de energia disponível, a serra
elétrica permite que você, simultaneamente, reduza sua carga de trabalho muscular e
obtenha mais cortes de madeira. A introdução da serra elétrica aumentou seu padrão de
vida e ainda reduziu o seu "trabalho pesado".
E aí você começa a entender a diferença entre os trabalhadores em países ricos e os
trabalhadores em países pobres.
A resposta rápida para a pergunta de por que trabalhadores em economias desenvolvidos
trabalham menos que trabalhadores de economias ainda em desenvolvimento é porque a
produtividade média dos trabalhadores das economias ricas é maior.
Ter mais acesso à tecnologia e a técnicas que tornam o trabalho mais eficiente gera menos
horas de trabalho necessárias para alcançar o mesmo resultado — ou, talvez, um resultado
até melhor.
O gráfico 6, abaixo, mostra a relação entre produtividade e média anual de horas de
trabalho. A produtividade é mensurada dividindo-se o PIB por horas de trabalho.
Gráfico 6: no eixo horizontal, a produtividade (PIB por hora de trabalho); no eixo
vertical, horas de trabalho por trabalhadores - Fonte: University of Groningen, Our
World in Data, Banco Mundial
Como se observa, há uma relação inversa entre produtividade e horas anuais de trabalho
por trabalhador. Não é necessário trabalhar mais para produzir mais. Tudo o que é
necessário para se produzir mais é, como explicado acima, capital. A produtividade do
trabalhador é aumentada quando se utiliza mais tecnologia e melhores técnicas de
produção.
Como se faz?
Os países desenvolvidos passaram séculos trabalhando e poupando com o objetivo de
acumular o capital que eles atualmente possuem. O trabalho, por si só, não traz
automaticamente o desenvolvimento econômico; entretanto, o trabalho torna possível a
formação de capital por meio da poupança.
O capital advém da poupança, e poupar significa se abster do consumo. Uma sociedade
que trabalha, produz e se abstém do consumo permite que os recursos criados e não
consumidos sejam utilizados na construção de bens de capital que irão tornar o trabalho
humano mais produtivo. Os recursos não-consumidos se tornam insumos para a
construção de moradias, fábricas, infraestruturas, meios de transporte, maquinários,
escritórios e imóveis comerciais, laboratórios, cientistas, arquitetos, universidades etc.
Inversamente, uma sociedade que consome 100% do que produz não possui um único
bem de capital. Nesta sociedade não haveria moradias, fábricas, infraestruturas, meios de
transporte, maquinários, escritórios e imóveis comerciais, laboratórios, cientistas,
arquitetos, universidades etc. Todos os indivíduos estariam permanentemente ocupados
(trabalhando duro) produzindo bens de consumo básicos — comidas e vestes — e não
dedicariam nem um segundo para a produção de bens de capital, que são investimentos
de longo prazo que geram bens futuros.
É a poupança, é o não desejo de consumir tudo o que se pode, o que permite direcionar
esforços para satisfazer não os desejos mais imediatos, mas sim as necessidades futuras.
Com a poupança, são produzidos bens de capital que irão, por sua vez, fabricar os bens
de consumo que serão demandados no futuro.
Logo, ao fim e ao cabo, os componentes-chave para se ter trabalhadores mais produtivos
é poupar e, consequentemente, utilizar essa poupança na construção de máquinas,
ferramentas, instalações industriais e bens de capital em geral que poupem o trabalho
físico.
Os países ricos de hoje são aqueles que passaram as últimas décadas (e séculos)
trabalhando, produzindo e poupando. Isso significa que várias gerações decidiram não
consumir toda a sua produção presente, optando por poupar com o intuito de ter um futuro
mais próspero. Essa poupança foi então investida por empreendedores e inovadores que
souberam como criar valor. Finalmente, esse capital aumentou a produtividade das
gerações seguintes, levando à qualidade de vida que hoje vemos nos países de primeiro
mundo.
É por isso que os salários nestes países são maiores do que os países mais pobres, e é por
isso que menos trabalho é exigido nestes países. Dado que o capital aprimorou a
produtividade marginal da mão-de-obra — isto é, a contribuição adicional de cada
trabalhador ao longo da cadeia produtiva —, seu salário aumenta porque seu desempenho
é melhor.
Ludwig von Mises sintetizou perfeitamente o arranjo:
Com o auxílio de melhores ferramentas e máquinas, a quantidade dos produtos aumenta
e sua qualidade melhora. Assim, o produtor consequentemente estará em posição de
obter dos consumidores um valor maior do que aquele que seu empregado consumiu em
uma hora de trabalho. Somente assim o produtor poderá — e, devido à concorrência com
outros empregadores, será forçado a — pagar maiores salários pelo trabalho do seu
empregado.
Trabalhar menos e produzir mais é o resultado direto dessa acumulação de capital. Assim
como a serra elétrica aumenta a produção em relação a um serrote ou a um machado, e
um trator multiplica enormemente a produção agrícola em relação a uma enxada, o uso
de máquinas e equipamentos modernos multiplica enormemente a produtividade dos
trabalhadores — e, consequentemente, seus salários e sua qualidade de vida.
Um operário norte-americano ganha quatro vezes mais que o espanhol ou cem vezes mais
que o indiano não por "trabalhar mais duro" ou por ser mais inteligente, mas sim por
utilizar quatro ou cem vezes mais capital (máquinas, ferramentas, instalações industriais,
meios de transporte etc.) que seu colega espanhol ou indiano, respectivamente.
Em um país rico, a quantidade e a qualidade das máquinas e das ferramentas disponíveis
são muito maiores do que nos países pobres. A acumulação de capital, o
empreendedorismo e a inventividade tecnológica são os pilares da economia. Como
consequência, a produtividade, a riqueza e o padrão de vida nestes países são muito mais
altos.
O objetivo é trabalhar menos e produzir mais
A ideia de que é necessário trabalhar duro para enriquecer seria verdadeira apenas se
vivêssemos em um mundo completamente destituído de melhorias na
produtividade. Neste caso, realmente, não haveria alternativa senão trabalhar mais.
Felizmente, não vivemos nesse mundo. E, no mundo em que de fato vivemos, o objetivo
de alcançar um contínuo aumento no padrão de vida ao mesmo tempo em que se diminui
as horas de trabalho é perfeitamente factível.
Afinal, foi exatamente a Revolução Industrial que permitiu que grande parte da
humanidade se livrasse, pela primeira vez na história do mundo, do fardo diário de ter de
trabalhar longas horas sem nenhuma perspectiva de alívio, tendo pouquíssimo tempo livre
para a educação, o lazer e atividades caritativas.
Desde então, graças à expansão do capitalismo, a produtividade do trabalhador só fez
aumentar nos séculos seguintes. Hoje, não é necessário trabalhar mais do que dois dias
por semana para alcançar um padrão de vida maior do que aquele usufruído por nossos
ancestrais que viveram no século XVIII. Não temos de trabalhar mais do que nossos
tataravôs. Certamente trabalhamos menos horas do que eles — e por livre e espontânea
vontade.
Os obstáculos
Entretanto, de nada adianta falar de tudo isso se ignorarmos o papel deletério das políticas
governamentais, que afetam enormemente todo o processo de acumulação de capital.
O aparato regulatório que impede o surgimento de novas empresas e novas criações. A
burocracia, a carga tributária e o complexo código tributário, que penalizam a inovação e
a poupança. Tarifas de importação e uma moeda em contínua desvalorização, que
impedem que empresas adquiram do exterior bens de capital bons e baratos que
aumentariam sua produtividade.
As políticas fiscais e monetárias do governo, as quais, ao incentivarem o consumismo, o
imediatismo e o endividamento da população para fins consumistas, fazem de tudo para
desestimular a poupança.
O problema da contínua inflação e da consequente destruição do poder de compra da
moeda. Uma moeda que continuamente perde poder de compra afeta os investimentos de
longo prazo (é impossível fazer investimentos produtivos se você não tem a mínima ideia
do poder de compra futuro da moeda) e reduz os salários reais. Ao reduzir os salários
reais, desestimula a poupança (com a renda disponível cada vez mais afetada, não há
como poupar). Consequentemente, a pouca poupança disponível não é direcionada para
investimentos produtivos, mas sim para o consumo imediato.
O resultado é uma economia voltada para o consumo e para o prazer imediato, e não para
a poupança e para o investimento de longo prazo. E isso, por sua vez, afeta toda a estrutura
produtiva da economia: em vez de se ter uma economia voltada para a produção de longo
prazo, há uma economia voltada para o consumismo de curto prazo.
Em todos esses casos, avanços na produtividade são perdidos.
Por isso, para o desenvolvimento, é crucial haver um governo que ao menos não atrapalhe.
Conclusão
Se o objetivo é o crescimento econômico e o enriquecimento, então apenas "trabalhar
duro" não terá efeito nenhum. O trabalho duro é importante, mas de nada adianta sem
capital acumulado, que é o que irá realmente aumentar a produtividade do trabalho e gerar
mais retornos com menos esforço. O capital, tanto físico quanto intelectual, é o que
permite aos trabalhadores terem um maior padrão de vida, seja por meio de maiores
salários, seja ao permitir menos horas para se completar um trabalho.
É por isso que a poupança e o investimento são os mais importantes fatores nas economias
desenvolvidas. Acreditar que o trabalho duro, por si só, fará com que um país prospere é
ignorar as premissas básicas da economia. O verdadeiro crescimento econômico advém
da poupança e do investimento (em conjunto com uma moeda forte e uma economia
genuinamente empreendedorial).
Por fim, eis a grande tragédia: a ideia de que a prosperidade está no trabalho duro —
quando desacoplada do conhecimento econômico — pode condenar milhões a viverem
eternamente na pobreza. Um bom exemplo é o Haiti: um país de pessoas laboriosas, mas
que não consegue prosperar.

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