Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Área de Competências-Chave
Página 1 de 31
Página 2 de 31
Tema 4: Usos e Gestão do Tempo
Durante a Grande Depressão, nos anos de 1930, o economista britânico John Keynes previa que
trabalhar seis horas por dia seria uma realidade para a geração
dos seus netos. Ao longo dos últimos 85 anos, a evolução é
inegável, embora a previsão de Keynes continue por
concretizar. E, quando se olha para o futuro, as perspectivas
são pouco animadoras. A globalização da economia, a
precarização das relações laborais e a crise mundial têm levado
os países a adotar novas formas de organização do tempo, que
obrigam a trabalhar mais pelo mesmo ou até por menos
dinheiro.
Portugal não é exceção. A semana de 40 horas está prevista
na lei desde 1996 (e pode até ser mais curta, se houver acordo
na negociação coletiva), mas entre a teoria e a prática a
diferença é assinalável. Os números mais recentes mostram que,
Imagem disponível na Internet: http://www.modelo-
em outubro de 2013, os empregados por conta de outrem curriculum.com/vantagens-do-trabalho-
temporario.html
trabalhavam 43,3 horas semanais, enquanto no setor público o
horário semanal aumentou, por lei, de 35 para 40 horas. Fora destas contas fica uma parte da realidade que
passa por trabalho não-pago ou invisível.
“Os últimos 25 anos foram marcados por uma espécie de efeito ondulante. Na linha de uma tendência
europeia dos anos 90, ocorreu uma redução da duração normal de trabalho semanal, a que se seguiu, nos
últimos anos, um aumento efetivo do tempo de
trabalho, tanto no setor privado como no público”, nota
Hermes Costa, investigador do Centro de Estudos Social
(CES) da Universidade de Coimbra. “A perceção que fica,
mais acentuada entre os funcionários públicos, é a de
regressão social e de quebra de expectativas. Tanto
mais que a mais horas trabalhadas não corresponde
retribuição correspondente”, acrescenta o sociólogo.
Entre 2012 (quando foram introduzidos na lei
a redução do pagamento do trabalho suplementar, os
Imagem disponível na Internet: cortes de dias de férias e feriados e os bancos de horas
http://www.blogdogasparetto.com.br/controlando-o-ritmo-de-
trabalho-%E2%80%93-parte-1/ individuais) e 2013, o CES estima que os trabalhadores
Página 3 de 31
do setor privado perderam, em média, 2,3% do salário efetivo e deram à empresa uma semana e meia de
trabalho, sem terem sido pagos por isso.
A este diagnóstico, Luís Gonçalves da Silva, professor
de Direito do Trabalho na Universidade de Lisboa,
acrescenta a “grande tolerância, do ponto de vista social,
para com a extensão do tempo de trabalho”.
“Continuamos a trabalhar mais de 40 horas em Portugal. É
quase tácito. Essa tolerância faz com que o tempo de
trabalho pareça um fator, um bem, que tem pouca
relevância”, acrescenta, lembrando que as formas de
flexibilização dos tempos de trabalho que têm sido
adotadas contribuem para “embaratecer” o trabalho.
Também António Monteiro Fernandes, antigo secretário de Estado do Emprego e professor no ISCTE, não
tem dúvidas de que se trabalha mais e por menos: “Há cada vez mais trabalho não-remunerado. É a
contrapartida de um privilégio que consiste em ter emprego”.
Página 4 de 31
adotaram políticas de redução do trabalho semanal. As chamadas medidas de “partilha de trabalho” tinham
subjacente a ideia de que diminuir tempo de
trabalho poderia induzir um aumento do
emprego.
Seguindo a tendência, Portugal reduziu por
duas vezes a duração máxima do trabalho
semanal. A primeira em 1991 (das 48 para as 44
horas) e a segunda em 1996 (Lei das 40 horas).
Esta “partilha de trabalho” não teve, contudo,
os efeitos esperados. Em tese, diz Monteiro
Fernandes, “parece indiscutível que a redução
da semana de trabalho poderia conduzir a um
aumento do emprego”. Mas em Portugal,
alerta, “a grande variável de ajustamento das
empresas às necessidades de trabalho não é a Imagem do filme Tempos Modernos de Charlie Chaplin. Imagem disponível
na Internet: http://jlrodrigues.blogspot.pt/2011/11/o-trabalho-
criação/destruição de emprego, é o trabalho humano.html
extraordinário”.
Um estudo de José Varejão, da Faculdade de Economia do Porto, avaliou o efeito da Lei das 40 horas e
concluiu isso mesmo: as semanas mais curtas traduziram-se num aumento do trabalho extra, em vez de
terem motivado a criação de empregos.
Monteiro Fernandes acredita que traduzir reduções de tempo de trabalho em aumentos de emprego só
seria possível “se se estabelecesse uma limitação eficaz a este recurso”, reduzindo os limites do trabalho
extra ou aumentando o seu preço. As evoluções recentes apontam precisamente no sentido inverso.
Página 5 de 31
sem interrupção e os novos hábitos de consumo contribuem para formas diferentes de organização do
tempo de trabalho, que ameaçam o tempo de descanso. Defender o descanso é, por isso, um debate tão
atual como há 130 ou 150 anos. Só que agora o sistema é mais complexo.
Monteiro Fernandes alerta que, apesar de continuar a haver quem
trabalhe num registo “das nove às cinco”, é “evidente” que a fronteira
entre tempo de trabalho e tempo de lazer tende a esbater-se.
“Estar disponível” tanto no trabalho como fora dele “tornou-se um
imperativo do dia-a-dia”, nota, por seu lado, Hermes Costa. E lembra que
as alterações ao Código do Trabalho de 2012” vieram “legalizar” a já frágil
fronteira entre trabalho e lazer. “Como que se criaram condições para uma
espécie de institucionalização da invasão da esfera privada. Na verdade, a
subtração do tempo de lazer converteu-se em tempo de trabalho, pois, ao
eliminar quatro feriados, três dias de férias e acabando com o descanso
compensatório pelo trabalho suplementar, a lei introduziu, em termos
médios, um corte entre 21% e 30% do tempo de descanso dos
trabalhadores”, exemplifica o sociólogo de Coimbra.
Os desafios do século XXI são, por isso, mais complexos. “O operário
que trabalhava na fábrica, por conta de outrem, durante a semana, deixou
de ser o exemplo típico, e há uma multiplicidade de situações distintas”, diz
Imagem disponível na Internet:
Cristina Rodrigues. “Pessoas que trabalham em horários regulares, parciais, https://portal2013br.wordpress.com/
aos fins de semana, à noite, por turnos, a solicitação quando existe 2016/03/05/3-sinais-de-que-o-
trabalho-corporativo-e-toxico-para-o-
trabalho, em teletrabalho, por conta de empresas de trabalho temporário, espirito-humano/
Página 6 de 31
ineficientes. Chegará atrasado a reuniões e
Para melhorar a eficiência na gestão do e-
compromissos, terá mais imprevistos e problemas de mail
última hora, andará a correr contra o relógio por falta - Responda a horas determinadas. Se reservar no
seu planeamento horas definidas para a leitura e
de organização, o seu trabalho terá menos qualidade, resposta às mensagens de correio eletrónico,
produzirá menos que os colegas e ainda por cima dirá reduzirá o tempo que gasta em cada uma delas,
que é uma vítima de urgências porque o mundo - Utilize os "furos" do dia. Rentabilize aqueles
minutos breves (5' ou 10') entre a realização de
inteiro não se organiza para lhe solicitar as tarefas de diferentes tarefas ou compromissos, para tratar
forma organizada. Há forte desresponsabilização a sua caixa de entrada de correio.
associada a estas atitudes. - Comece pelas mensagens mais recentes. Por
vezes enviam-se mais do que uma mensagem
eletrónica sobre o mesmo tópico. Às vezes
acontece por engano, mas frequentemente
Os métodos de trabalho ajudam a obter ganhos porque se pretender alterar alguma informação
de eficiência? em relação à mensagem original. Se começar
pelas mensagens mais recentes, pode não ser
Podemos fazer um diagnóstico no sentido de avaliar preciso responder a algumas mais antigas,
entretanto desatualizadas.
se as metodologias de securitização, planeamento,
- Copie, da mensagem original, apenas o texto
organização pessoal, gestão de reuniões, gestão de necessário. Por norma, não inclua o texto
integral da mensagem original. De modo a
interrupções, trabalho em open space, gestão de poupar tempo na sua leitura ao destinatário
email, gestão de agenda, entre outras, são as mais escreva as suas respostas por baixo das
perguntas, utilizando espaçamentos ou cores
adequadas para que as pessoas sejam produtivas. diferentes Para destacar as respostas.
- Organize o correio por Prioritário o Não
Prioritário. Sempre que possível, deve responder
Pode-se também ter um uso mais proveitoso das a uma de correio imediatamente depois de a ler.
ferramentas de trabalho disponíveis? Estará a poupar tempo, porque não precisa de a
ler outra vez. No entanto, se receber grandes
Uma boa conjugação das várias ferramentas quantidades mensagens, deve dar a prioridade
nas Respostas às mesmas com base no seu grau
eletrónicas que existem, como softwares adequados e de importância e urgência.
utilização do papel, é indispensável. A memória - Avalie o remetente das mensagens. Em certas
humana foi desenhada num tempo em que as situações, as mensagens de determinados
remetentes devem ser lidas assim que chegam.
solicitações eram muito menores. A quantidade de Se a passagem da mensagem por si constituir um
entrave a um determinado processo isto é, se da
informação que o leitor tem nas mãos nesta edição do sua decisão ou fornecimento de informações
"Semanário Económico" é muito maior do que teria depender a ação de pessoas a jusante, essas
mensagens deverão ser respondidas
recebido em toda a vida, se vivesse na Idade Média. prontamente.
Por último, diria, competências de relacionamento - Utilize cabeçalhos de assunto descritivos e, ao
são cruciais. A competência mais importante é a responder, modifique o cabeçalho. Pense no
destinatário utilize cabeçalhos que sejam claros
assertividade: permite negociar melhores condições sobre conteúdo da mensagem. Por exemplo, se
alguém estiver a organizar uma grande reunião
de trabalho, prazos, recursos, etc. Nas intrapessoais é de vendas com muitos participantes, pode dar-
a gestão do stresse porque mais tarde ou mais cedo se ocaso de 90% das mensagens que essa pessoa
enviar ter por tópico "Reunião de vendas",
todos temos picos de trabalho.
- Apenas um tópico por mensagem. Para facilitar
ao destinatário a tarefa de processar e arquivar
o correio, restrinja cada uma das mensagens
Que riscos corremos se houver descontrolo da enviadas a um único tópico. Evita assim que as
nossa agenda? pessoas incluam assuntos urgentes e não
urgentes numa mesma mensagem.
A consequência imediata é produzir muito menos e - Referencie claramente a mensagem a que está
com menos qualidade. Passa uma imagem de falta de a responder. Seja específico nos seus
comentários, nomeadamente quando a resposta
rigor e profissionalismo. Depois vem o stresse não Incluir o conteúdo da mensagem original à
negativo e a fadiga crónica. Dificuldades de qual está a responder.
concentração, problemas de sono, ansiedade, tensão - Tenha cuidado com aquilo que envia ou
reencaminha. Os avisos de vírus, piadas,
arterial elevada, taquicardia, são alguns sintomas. No informações desnecessárias, etc. servem apenas
para aumentar o lixo eletrónico.
fim da linha está o esgotamento.
Página 7 de 31
Quais são os "ladrões do tempo" dos executivos?
O maior ladrão do tempo do gestor é ele próprio. Há um problema grave que afeta a eficácia e eficiência de
forma global: a falta de feedback honesto. A maioria dos colaboradores das empresas jamais dirá ao seu
chefe que ele é mau gestor de pessoas, que não dá autonomia
suficiente, não sabe planear, que dá cabo da produtividade da
equipa com a sua desorganização, etc. Isto faz com que vivam
numa falsa autoimagem de produtividade. O segundo problema é
querer fazer o trabalho dos colaboradores em vez do seu: não
delegar e responsabilizar, desenvolver competências e alinhar
atitudes.
as pessoas poderiam produzir o mesmo. Isso não é exatamente assim porque há uma margem de
desperdício inerente aos processos de trabalho de cada empresa impossível reduzir.
Tempo é dinheiro?
Quando o dizemos estamos a pensar na possibilidade
de transformar uma hora do dia em algo que possa ser
vendido. Mas quanto vale uma hora de lazer? Quanto
vale um jantar com amigos, uma hora a brincar com os
filhos, uma hora de qualidade para o casal? Ver o
tempo como dinheiro é sinal de falta de visão. O
dinheiro é um recurso que podemos aumentar se
fizermos as coisas certas. O tempo é um recurso
limitado para todos nós, que não conseguimos
aumentar. Todos temos um tempo limitado de vida. O
nosso tempo é a nossa vida neste sentido é muito mais Imagem disponível na Internet:
http://www.counselingitalia.it/articoli/4172-gratificarsi-con-il-
importante que o dinheiro. tempo
Vargas Ricardo, In Semanário Económico, publicado 2008. Disponível na Internet em: http://www.consulting-
house.eu/fotos/editor2/otempoeumrecursolimitadoparatodos.pdf
Página 8 de 31
Gerir o tempo de forma mais eficaz
A má gestão do tempo pode ser um vilão das boas resoluções de Ano Novo, mas há formas de
organização que permitem entrar em modo de atenção ao essencial, eliminar maus hábitos, reduzir o
stresse, e ser mais produtivo. Usar o tempo
a nosso favor e não contra nós. Uma boa
gestão de tempo é fundamental para se ter
uma (boa) vida para além do trabalho.
É preciso conhecer primeiro os objetivos
e as prioridades. Se os dias estão tão cheios
de atividades e o stresse aumenta com tanto
para fazer, em tão pouco tempo, é altura de
adotarmos medidas para administrar melhor
as nossas horas de trabalho. Recorrer a uma
agenda é o ideal, mas uma folha em branco
também ajuda a dar os primeiros passos na
Imagem disponível na Internet: http://setesys.com.br/blog/administrar-tempo-
organização das tarefas. google-spreadsheet/
Fazer a distinção entre tarefas urgentes e tarefas importantes é crucial para uma correta gestão de tempo.
Stephen R. Covey distinguiu-as da seguinte forma no seu livro Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente
Eficazes:
Se é urgente e importante tem prioridade máxima;
Se é urgente mas não é importante deve delegá-la;
Se não é urgente mas é importante pode adiá-la;
Se não é urgente nem importante vai para o fim da lista de tarefas ou, simplesmente, esqueça-a.
. Mantenhamos a agenda atualizada porque é importante para compromissos com data e hora
marcadas. Ter uma agenda online é uma boa ideia, pois pode ser consultada no telemóvel, tablete ou no
computador.
. Indiquemos o que é preciso fazer para cumprir cada tarefa. Se for um telefonema, quais os nomes e os
telefones necessários. Se for uma reunião, quais os assuntos, os documentos e as pessoas a convocar.
. Antes de um telefonema,
conversa ou reunião
paremos cinco minutos para
pensar nos objetivos que
pretendemos atingir. Isso
ajuda-nos a dirigir a nossa
atenção para essa tarefa e a
preparam-nos para conseguir
atingir os resultados que
Imagem disponível na Internet: http://www.olheforadacaixa.com/semana-ideial-para-
pretendemos. empreendedores/
Página 9 de 31
. Mantenhamos o local de trabalho organizado. Garantamos que tem tudo o que precisa e libertem-nos de
papelada desnecessária.
. Não deixemos as tarefas
mais difíceis para o final do
dia. É tentador começar pelas
mais fáceis para sentirmos a
satisfação de riscar tarefas da
lista, mas lembremo-nos de
que a nossa energia e
concentração vão diminuindo
ao longo do dia, tornando
mais difícil lidar com
situações complexas.
. Definamos quais as tarefas
Imagem disponível na Internet: https://www.brasiliamarketingschool.com.br/blog/5-dicas-para-
que podemos começar a organizar-sua-rotina-e-conseguir-mais-tempo-no-fim-do-dia
Sugestões para momentos críticos: As interrupções originam incumprimentos de planos e, por isso,
devemos reservar na agenda períodos de tempo só para trabalhar. Sigamos alguns truques para aumentar a
produtividade.
. Trabalhemos de costas para áreas
movimentadas;
. Fechemos a porta do gabinete;
. Não permitamos interrupções;
. Aprendamos a dizer não;
. Mantenhamos o corpo hidratado e
alimentado.
Página 10 de 31
Temos mais tempo, mas não sentimos que o temos”
Para Judy Wajcman, professora de sociologia na London School of Economics e autora de Pressed for Time,
está a criar-se uma cultura na qual o tempo de lazer é desvalorizado.
Professora de sociologia na London School of Economics, Judy Wajcman publicou recentemente um livro onde
analisa a relação com as tecnologias
e a forma como sentimos o tempo.
Em Pressed for time – The
acceleration of life in digital
capitalism, sublinha que as pessoas
não são reféns das tecnologias; logo,
que não são estas as culpadas de
sentirmos que andamos sempre a
correr. A obra, que evita o
facilitismo das ideias a “preto e
Vinhetas extraídas da Banda Desenhada Mafalda de “Quino”Imagem disponível na Internet:
branco”, evidencia factos como http://blogforbusinessonline.com/letsgetsomefreedom/viver-para-trabalhar-ou-trabalhar-
para-viver/
estarmos a viver uma cultura que
valoriza o estar atarefado e a hiperprodutividade. Muitas vezes, com o devido contexto, levanta mais questões do que dá
respostas. Resumindo: faz pensar, algo que requer tempo.
No seu livro refere que há uma espécie de paradoxo, com as pessoas a culparem os produtos tecnológicos
pela pressão, pela noção de falta de tempo, mas, ao mesmo tempo, é a esses mesmos produtos que se
recorre para tentar aliviar essa pressão. A tecnologia está, de facto, a acelerar as nossas vidas?
A tecnologia que temos reflete a sociedade, não a molda. E isso é argumento contra a ideia de que somos
vítimas da tecnologia. A hiperatividade não existe por causa dela. A tecnologia só existe a partir do momento
em é que é fabricada, e lhe damos um sentido.
Mas acha que não estamos a usar tecnologia da forma mais correta?
Uma questão passa pelo facto de a tecnologia estar a ser concebida, de uma forma geral, em Silicon Valley,
por empresas cujo objetivo é o lucro. Mesmo que digam que estão a querer transformar o mundo num sítio
melhor e que estão a construir estas tecnologia a pensar em nós, o seu objetivo é conceber produtos que dêem
dinheiro. Os cidadãos deviam estar mais envolvidos em todo esse processo de criação e conceção. Isto para
termos diferentes produtos tecnológicos, mais afastados da noção de que mais velocidade é igual a progresso,
que melhores vidas dependem da banda larga mais rápida, de que é isso que queremos, em vez de se pensar, de
facto, em ajudar a termos melhores vidas e
que problemas sociais é que queremos
resolver.
Página 11 de 31
alguns indianos, e do sexo masculino. Se houvesse mais diversidade, é provável que tivéssemos tecnologias
diferentes. Depois, os governos devem ter um papel mais ativo. Devem estar mais envolvidos na conceção dos
produtos tecnológicos e facilitar o tal envolvimento dos
cidadãos, nomeadamente através da educação ligada à área
de ciência e tecnologia. Devia haver mais organismos onde
se discutisse, de forma coletiva, os caminhos da
investigação e desenvolvimento dos produtos. É sabido que
muita da investigação e desenvolvimento usada em Silicon
Valley tem por base tecnologia militar, como os drones, que
podem entregar pizzas. E podia-se estar a pensar em áreas
como a energia, problemas sociais, em vez de pensar: “há
esta tecnologia dos drones, vamos usar de forma
comercial”.
Imagem disponível na Internet:
http://pt.dreamstime.com/ilustra%C3%A7%C3%A3o-stock-
tempo-%C3%A9-dinheiro-fa%C3%A7a-o-neg%C3%B3cio-da-
Considera que é errada a ideia de ligar a tecnologia a algo gest%C3%A3o-do-dinheiro-e-de-tempo-e-o-conceito-da-
tecnologia-image56496761
que tem de ser mais rápido?
Sim, quando se pensa que o melhor motor de pesquisa é o que dá resultados de forma mais veloz, mas um
outro motor de pesquisa, menos rápido, com diferentes algoritmos, pode dar outro tipo de respostas ligadas à
informação que se procura, com outro tipo de conhecimento. As pessoas não se questionam sobre porque é que
um determinado algoritmo resulta num tipo de informação e não noutro. E o segredo mais bem guardado do
mundo é o algoritmo do Google.
Falou do papel das empresas. E em relação ao papel dos consumidores, dos cidadãos? Porque a forma
como utilizamos a tecnologia diz algo sobre nós. Quando as pessoas incorporam essa necessidade de
velocidade, o que é que diz delas próprias?
No meu livro tento fugir à polarização, de que algo é totalmente bom ou totalmente mau. De que o problema
se resolve com uma desintoxicação tecnológica. Numa sociedade que valoriza a velocidade, as pessoas tendem
a usar a tecnologia nesse sentido. Quando se olha para os telemóveis, para smartphones, por exemplo, as
pessoas querem estar em estrito contacto com a família e com os seus amigos. Quando os telemóveis surgiram,
pensei que era mais uma ferramenta de trabalho. Como antiga marxista que sou, imaginei logo que seria uma
forma de intensificar o trabalho. Mas todas as pessoas compraram telemóveis, de uma forma tão rápida, e
verificou-se que querem estar em contacto com a família e amigos quando estão à espera do autocarro, por
exemplo, para saber se é preciso ir ao supermercado ou se as crianças estão bem.
Não sei se é uma questão de mais ou menos velocidade, mas antes de usar as tecnologias para ter tempo para
as coisas que queremos fazer. Em muitas famílias, os dois membros do casal trabalham. Face ao passado, a
articulação entre os membros da família é mais complicada. E o telemóvel funciona para organizar e
proporcionar tempo para estar com o seu parceiro ou com os seus filhos. Pode-se chamar tempo de qualidade,
o tempo que se pretende ter.
Diz que não podemos olhar para o tempo apenas como as 24 horas do relógio, mas também como espaço,
e que há uma dessincronização entre as pessoas. Por exemplo, entre o pai e a mãe, que estão cada um no
seu trabalho, e o filho, que está na escola. Isto contribui para a sensação de estarmos sempre com pressa?
Uma das coisas de que se fala muito é de as fronteiras entre lazer e trabalho estarem a mudar e julgo que isso é
verdade. A discussão tem sido sobre como a tecnologia levou o tempo de trabalho a colonizar o tempo em casa
e o tempo de lazer. Mas, por outro lado, a tecnologia permite que as pessoas, quando estão no trabalho,
estejam em contacto com a família e amigos. É um resultado do capitalismo industrial termos uma separação
rigorosa entre trabalho e lazer. Mas talvez dentro de 50 anos seja mais normal não haver esta separação, poder
passar algum tempo no trabalho a fazer compras ou outras coisas na Internet, e compensar isso com trabalho à
noite. Há um conceito de flexibilidade - que é a flexibilidade dos empregadores - que é estarmos sempre
disponíveis para trabalhar. E há a flexibilidade que nós queremos, que é termos mais controlo para organizar
os diferentes aspetos das nossas vidas.
A tecnologia pode tornar esse tipo de flexibilidade possível na generalidade dos países?
Depende do que forem as condições de trabalho e essas não são resultado de smartphones e gadgets. A questão
tem muito mais a ver com a desregulação dos
mercados de trabalho.
Página 13 de 31
queixarmo-nos de que temos a caixa de correio cheia do que falar dos outros problemas de trabalho. Sou cética
em relação à justificação das interrupções
causadas pela tecnologia.
Estamos hoje a trabalhar mais horas, apesar de haver muitas tarefas automatizadas. Mas houve coisas,
como a máquina de lavar, que nos trouxeram mais tempo. Temos mais tempo de lazer do que há 100 anos.
O que precisamos é de um equilíbrio?
Com tecnologias como a máquina de lavar, o que acontece é que os padrões se alteram quando elas aparecem.
Hoje lavamos mais vezes a roupa. Temos mais tempo, mas não sentimos que o temos. Acho que esse é o
paradoxo. Em parte, tem a ver com uma cultura que valoriza o estar atarefado e a hiperprodutividade. Os
heróis de hoje são o Steve Jobs, o Ted Turner (magnata dos media americano), os heróis empreendedores... Li
o perfil do Jony Ive (vice-presidente da Apple) na New Yorker. Falam sempre de ser obsessivos, maníacos, de
trabalhar 24 horas por dia…
Há 100 ou 200 anos, ter tempo para lazer era ter estatuto. Esse estatuto foi substituído por estar
atarefado?
Página 14 de 31
Consegue determinar o ponto em que começámos a desvalorizar o lazer e talvez a sobrevalorizar o
trabalho?
Um colega escreveu um trabalho sobre a antiga aristocracia, que se orgulhava de ter uma vida de lazer,
dedicando-se à música, à caça… Tem a
ver com o capitalismo industrial. As
pessoas interiorizaram que o trabalho é
uma coisa boa em si. O Ive, o tipo da
Apple, disse que mesmo quando era novo,
estava sempre a trabalhar! Os
desempregados hoje são vistos apenas
como indolentes, preguiçosos.
focar demasiado no trabalho e haja mais coisas para fazer com o nosso tempo. Saber se podemos trabalhar
menos, consumir menos e ter uma vida diferente é uma discussão que ainda não estamos a ter. A chave para
isso é a redistribuição do trabalho, de forma a não haver uma sociedade em que há profissionais a trabalharem
imensas horas, e muitas pessoas desempregadas e sem trabalho que chegue.
Escreveu que pode ser que muitos de nós tenhamos mais tempo, mas não o tipo certo de tempo. O que
quer dizer com isto?
Estou a referir-me a tempo com outras pessoas. Há um estudo interessante que diz que tanto desempregados
como empregados se sentem melhor quando o fim de semana está a chegar, e que se sentem pior na segunda-
feira de manhã. Isto acontece porque o tempo de socialização é aos fins de semana. Mesmo os desempregados
sentem isto, porque o fim de semana é a altura em que têm tempo livre ao mesmo tempo que os outros. É uma
questão de ter tempo social, não apenas tempo em abstrato.
Pereira, João Pedro e Villalobos, Luís , in Público. Publicado em 5 de março de 2015
"Um mundo feito de redes desafia, em muitas frentes, as categorizações tradicionais e as estruturas
intelectuais. Questiona as velhas conceções de espaço, tempo e poder. Enquanto as antigas economias de
mercado se formaram a partir de ordenações espaciais e temporais da vida das cidades, as economias de
hoje baseiam-se numa ordenação lógica ou “virtual” da comunicação eletrónica, numa nova geografia de
conexões e sistemas, de centros de processamento e controlo (...) Redes de computadores, cabos e
comunicações via rádio governam (agora) o destino das coisas, como elas são remuneradas, e quem tem
acesso a quê. As manifestações físicas de poder - paredes, fronteiras, autoestradas e cidades - foram
sobrepostas por um mundo “virtual” de sistemas de informação, bases de dados e redes. As edificações estão
Página 15 de 31
a ser redefinidas em função das suas posições nas redes à medida que “casas inteligentes” se juntam a
escritórios eletrónicos e a fábricas automatizadas."
Geoff Mulgan, Communication and Control (1991;3)
À medida que o mundo está a ficar cada vez mais urbanizado, computadores de última geração e sistemas
telemáticos digitais vão penetrando em
todas as áreas da vida urbana. Podemos
afirmar que as duas características que
definem a civilização contemporânea,
embora questionáveis, são os avanços
paralelos rumo a um planeta mais
urbanizado e a uma sociedade cada vez
mais baseada na rapidez dos fluxos
eletrónicos de informação.
A maioria das mudanças contemporâneas
nas economias, na cultura e na vida social
das cidades parecem estar relacionadas com Imagem disponível na Internet em:
http://www.paradiplomacia.org/noticias.php?lang=po&seccion=3¬a=58
a aplicação de novas infraestruturas de
telecomunicações e serviços, ligadas a computadores ou a equipamentos computadorizados, visando a
formação de redes “telemáticas”. Tudo isso transcende, quase que instantaneamente, as barreiras espaciais,
de forma a reordenar as limitações de tempo e de espaço entre e dentro das cidades. Pequenos pontos e
lugares, totalmente separados, estão a ser interligados por todo o mundo urbano, com um mínimo de
tempo diferido - ou seja, quase que aproximando-se do “tempo real”. Fluxos globais de voz, correio
eletrónico, dados, vídeo, fax e sons estão a aumentar exponencialmente, fazendo com que as cidades fiquem
cada vez mais atadas a extensas redes de comunicação humana, a fluxos de serviços e meios de
comunicação, a fluxos de forças de trabalho baseados no ‘teletrabalho”, e aos fluxos de dinheiro eletrónico.
Como parte dessa transformação, tanto as cidades do "Norte", quanto, de forma crescente, as do "Sul",
estão a cobrir-se com aquilo a que podemos denominar "uma teia gigantesca e invisível" de fibras óticas,
cabos de cobre, ondas de rádio e redes de comunicação via satélite. Os corredores que interligam as cidades,
seja na terra, nos oceanos ou no espaço, estão agora a configurar-se como uma imensa cobertura de "teias",
feitas de ligações de telecomunicações avançadas, ligando os sistemas urbanos a redes eletrónicas. São estas
redes que circundam o planeta e constituem a base tecnológica para a aceleração dos fluxos do tráfego
mundial de telecomunicações: fluxos de voz, fax, fluxos de dados, fluxos de imagens, sinais de TV e vídeo. Os
fluxos eletrónicos instantâneos explodem, hoje, no
espaço físico das cidades e dos edifícios, e parecem
sustentar e inter-relacionar todos os elementos da vida
urbana.
Toda estas transformações significam que, à medida
que avançamos, as velhas ideias e premissas sobre o
planeamento, o desenvolvimento e o nascimento das
modernas cidades industriais - estejam elas nos
chamados "Norte" ou "Sul" - pareçam ser cada vez
menos úteis. Todas as noções geralmente aceites sobre
a natureza do espaço, do tempo, da distância e dos
Imagem disponível na Internet em:
processos da vida urbana são, igualmente,
http://br.pixersize.com/adesivos/codigo-fluxos-binarios- questionáveis. A vida urbana parece mais volátil e
22626525
Página 16 de 31
acelerada, mais incerta, mais fragmentada e mais difícil de entender hoje do que em qualquer outro
momento desde o final do século passado.
Então, fica claro que as cidades
contemporâneas não são apenas densas
aglomerações físicas de edifícios, de
entroncamentos de redes de transporte, ou
centros da vida económica, social e cultural.
Deve-se considerar, também, as cidades
como sistemas eletrónicos compostos por
redes de telecomunicação e telemática. As
áreas urbanas são os centros dominantes de
procura das telecomunicações e os centros
nervosos de irradiação das redes eletrónicas.
Imagem disponível na Internet em:
De facto, parece existir uma conexão forte http://redecidadedigital.com.br/noticias.php?id=534&fb_comment_id=6189
54554889883_619862598132412
entre as cidades e estas novas infraestruturas
de redes. As cidades - o maior artefacto físico construído pela civilização industrial - são hoje verdadeiras
"casas de força" das comunicações, cujo tráfego flui pela rede global de telecomunicações - o
maior sistema tecnológico até hoje concebido pelo homem.
Mas, quais são as implicações destas transformações? O que será das cidades numa era dominada por
redes e fluxos eletrónicos? Qual será o destino de nossas áreas urbanas num mundo onde imperam as
chamadas "corporações virtuais", as "comunidades virtuais", tudo fluindo por "territórios eletrónicos do
ciberespaço", baseados fundamentalmente no uso da telemática como espaço e tecnologia transcendental?
O uso crescente e a significância das telecomunicações geram diversas questões profundas e
fundamentais, que estão no cerne dos atuais debates sobre as cidades e a vida urbana de hoje e do futuro.
Quatro destas questões são particularmente críticas:
* Primeiro, como poderemos entender as cidades e a vida urbana num mundo onde a proliferação de
redes eletrónicas flui por todas as formas de vida e por todas as escalas geográficas?
* Segundo, o que acontecerá com as cidades ao passarem de uma economia internacional, baseada na
produção e circulação de bens materiais, para uma outra assente cada vez mais em circulação e
consumo de bens simbólicos e "informacionais" a uma escala global? Como se sustentarão
economicamente as cidades dado que, de uma forma crescente, as tradicionais vantagens económicas
estarão acessíveis, "on-line", a partir de qualquer localização virtual?
* Terceiro, como a transição, pelo menos para as elites sociais, de uma vizinhança física e local, para
comunidades segmentadas, sustentadas por
redes eletrónicas - como a comunidade
Internet - afetará a vida social das cidades?
Como serão as relações sociais de poder e os
tradicionais conflitos sociais refletidos nas
cidades dessa nova era das
telecomunicações?
* E, por último, como é que todas estas
mudanças influenciarão as formas como as
cidades serão planeadas, administradas e
governadas?
A cidade contemporânea é, mais do que nunca, Imagem disponível na Internet em: http://ipnews.com.br/nordeste-
uma amálgama através da qual os aspetos rígidos tecnologico-conheca-tres-iniciativas-que-mostram-o-investimento-na-
regiao/
Página 17 de 31
e tangíveis da vida urbana quotidiana interagem continuamente com os intangíveis "espaços eletrónicos"
construídos a partir e por sistemas de telemática e de meios de comunicação digitais. Para a compreensão
dos papéis complementares entre as cidades e a telemática será útil considerarmos que ambas facilitam a
comunicação económica, social e cultural, embora
de formas diferentes.
De um lado, as cidades podem ser
consideradas como concentrações físicas que
auxiliam na superação das restrições de tempo
pela minimização das limitações de espaço. Por
último, e principalmente, concentração nas
cidades significa que a proximidade física
possibilita a operação de mercados de serviços,
propriedade, trabalho e produção já que os
elementos de uma cidade podem ser acedidos e
integrados sem grandes perdas de tempo. As Imagem disponível na Internet em: http://www.dbiz.com.br/
Página 20 de 31
Esta evolução tecnológica suportada por
mecanismos de integração entre os equipamentos
móveis dos utilizadores, a rede de comunicações da
internet e os computadores remotos que processam a
informação, fazem as delícias de todos os que hoje já
não conseguem viver sem a informação em tempo
real.
Contudo para que esta informação esteja sempre
disponível é preciso que este sistema integrado
(computadores, rede e equipamentos móveis) nunca
falhe. Um exemplo limite é o sistema desenvolvido Imagem disponível na Internet em:
https://gigaom.com/2014/05/16/grasswire-founder-austen-allred-
pela Atos para os Jogos Olímpicos de Londres em que is-trying-to-build-a-wikipedia-style-platform-for-real-time-news/
Página 21 de 31
esquerda estão a travar a resolução dos problemas. O que se verifica, à direita e à esquerda, é o nascimento
de novas formas de organização de forças que se
libertam do arcaísmo das fórmulas tradicionais,
incapazes de se reinventarem e de perceberem os
sinais. Como há cem anos, olha-se à nossa volta e
distingue-se bem esse mundo que nasce do caos
aparente que só o tempo há-de decifrar. Como agora,
então tudo era novo e empolgante. Da teoria da
relatividade ao inconsciente de Freud, da eletricidade à
distorção das formas nas meninas de Picasso, do cinema
aos primeiros automóveis. Um século depois não se
aprendeu nada. Também hoje “tudo é novo, tudo é
experimental”, segundo o ex-ministro Luís Amado e Imagem disponível na Internet em:
como bem provam os programas de ajustamento http://tranversaldotempo.blogspot.pt/2012/08/a-politica-e-
esquerda-que-direita-gosta.html
testados pela primeira vez nos povos do Sul, com as
consequências que se conhecem. Afinal, até que ponto o tempo é importante em política?
A importância do tempo
Há muitas variáveis para se determinar a relevância
do tempo em política. Por exemplo, a posição em que
se está. (...) Numa crise o tempo acelera. Agora,
imagine-se um corte de estrada ou uma manifestação
de rua — uma ordem desfasada das circunstâncias em
que a ação decorre pode ser fatal. “Já nas crises
externas e em toda a área da política externa, o tempo
tem uma modelação diferente”, diz o ex-governante.
Imagem disponível na Internet Porquê? “Resulta da perceção que o decisor tem da sua
emhttp://www.forbes.com/forbes/welcome/
margem de manobra” e, depois, “há problemas que
não têm solução”. Exemplo? “O problema palestiniano. Terá solução um dia, mas não na focagem do meu
tempo de governo”. Entre a tentação de afunilar as respostas para os ritmos mais curtos, relegando para
segundo plano tudo o que tem a ver com o longo prazo como as políticas sobre as alterações climáticas; ou
valorizando a agenda doméstica em detrimento da procura de soluções globais para problemas globais, os
políticos vivem numa tensão permanente entre as várias agendas, sejam de cariz mediático e de lóbis
cruzados, ou a sua própria. Mas será que os políticos
ainda têm agenda?
Quando não havia Internet, telemóveis ou redes
sociais e os canais de televisão eram do Estado.
Quando não existiam meios para difundir, escrutinar e
comentar a atividade de quem manda no espaço de
minutos em qualquer lugar do planeta, três políticos
podiam sentar-se na sala de um palácio na Crimeia e
dividir o mundo. Foi isso que fizeram Churchill,
Estaline e Roosevelt, em Ialta, no final da II Guerra
Mundial. A proposta que fez com que a Grécia ficasse Imagem disponível na Internet em:
http://www.nytimes.com/2015/09/17/us/politics/candidates-use-
do lado ocidental foi desenhada pelo político britânico second-gop-debate-to-taunt-trump.html?_r=0
Página 22 de 31
num pequeno mapa, que colocou em cima da mesa para os outros verem. O russo olhou e abanou a cabeça
em sinal de aceitação e assim ficou. Está nas atas.
Hoje, isto não seria possível. Mas é possível
que num país longínquo da África ocidental como
é o Burkina Faso, cuja população tem tão parcos
recursos e níveis de bem-estar tão desiguais face
aos das democracias europeias, um presidente
tenha sido obrigado a demitir-se por força de
manifestações gigantescas organizadas através
das redes sociais. Aconteceu no final de Outubro
do ano passado, com Blaise Compaoré que
governava o país há 27 anos e que achou possível Em 2014, protestos organizados nas redes sociais conduziram à queda do
então Presidente do Burkina Faso
manter-se no poder à custa de uma alteração
constitucional. O povo trocou-lhe as voltas e, de repente, um milhão de pessoas nas ruas não lhe deixou
grandes alternativas. Ou mandava os tanques dizimar os manifestantes, ou saía de cena. Optou pela segunda
hipótese, livrando-se do julgamento no Tribunal Penal Internacional.
Hoje, não se podem desligar as agendas do impacto brutal da mudança nas formas de comunicação. E isso
coloca outros problemas. Passou-se de uma fase em que a política se ancorava numa ideologia, imutável
ou muito pouco permeável, e em que ao líder bastava ficar na trincheira e resistir, para uma espécie de
extremos em que “a política se faz 24 sobre 24 horas com basicamente as frases do dia”, como diz Rui
Tavares. O perigo, segundo o historiador, é o “excesso de taticismo”, que cria “mais um fator de
desligamento das pessoas em relação aos partidos”. Para Marques Mendes, advogado e ex-líder do PSD, o
controlo da agenda por parte dos políticos tem outras condicionantes para além da pressão mediática. Por
um lado, há a incerteza das conjunturas económicas e financeiras; por outro, o facto de a gestão das crises já
não estar exclusivamente em mãos nacionais. Esta gestão possibilitava o controlo dos ciclos, enquadrando-os
nos mandatos, que António Barreto qualifica como um dos “condimentos” da democracia. “Hoje não é o
mandato que conta, é o tempo real. Ao tomar decisões, o político está a pensar nos noticiários das 20h, no
online ou nas sondagens. Isto não é democracia!”
Para evitar a deriva e o risco real de decisões cada vez mais erráticas e perigosas, Luís Amado propõe o
“sentido do compromisso” assente em “acordos de regime mais ou menos prolongados no tempo”, capazes
de focar as propostas que dêem conteúdo a uma legislatura. Chegará? A realidade é que os cidadãos exigem
respostas permanentes e se quem os representa não as
dá, a tendência será substituírem as velhas formas de
representação. Com a experiência que hoje temos, seria
possível a adesão ao euro sem a participação ativa dos
cidadãos nessa tomada de decisão? Não parece. Assim
como é certo e sabido que qualquer matéria europeia
está hoje muito mais sujeita a todo o tipo de escrutínio.
Rui Tavares fala em “dar mais e melhores ferramentas à
democracia”, mas quem fica à espera do tempo dos
políticos? (...)
Imagem disponível na Internet em:
É curioso que hoje já só há heróis anónimos. Quem http://www.techguru.com.br/85-dos-usuarios-veem-as-redes-
sociais-como-meio-de-discussao-politica/
vive sob os holofotes não resiste à função predadora
das luzes da ribalta. E o mais certo é que nem Churchill, um dos mais admirados políticos do século XX,
resistiria à voracidade do escrutínio público.
Página 24 de 31
uma imagem, fazendo com que o mundo seja percebido como um conjunto de rostos, imagens e símbolos,
nos quais se inscrevem as ideias mais abstratas, conferindo-lhes a materialidade de que necessitam para
viver, reproduzir-se e tornar-se “realidade”. (...)
Um reflexão necessária a fazer quando abordamos o
papel dos media e particularmente da televisão e mais
recentemente da internet, tem a ver com a forma como
a informação é transmitida, isto é se em tempo real se
em tempo diferido. A rádio foi o primeiro media a
transmitir em tempo real. Mas foi a televisão que
aliando a imagem ao som, veio dar outra força ao
direto, à transmissão dos factos em tempo real, e que
hoje é graças aos avanços da tecnologia da transmissão
Imagem disponível na Internet em:
de dados como o streaming, passou a ser banal em
http://fantastictvsite.blogspot.pt/2013/01/mudancas-tambem-
muitas plataformas disponíveis na Internet acedida por na-rtp2-conheca-as.html
Imagem disponível na Internet em: Cruz, Carla Isabel Simões dos Santos.
http://www.cfp.pt/prespubint/entrevista-do- A Desconstrução do Jornal. Uma análise metodológica para a desmontagem dos
vice-presidente-do-cfp-jurgen-von-hagen-ao- noticiários televisivos. Disponível na internet em:
jornal-publico/ http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/490.pdf (adaptado)
Página 25 de 31
O serviço público de televisão versus interesse económico
Nos últimos anos, o serviço público que inclui as áreas da saúde, educação e televisão, está em Portugal
e na generalidade dos países a ser objecto de uma profunda reflexão. Por um lado estão aqueles que
defendem uma forte diminuição do serviço
público. Estes argumentam que o serviço público
tem sido uma espécie de buffet, onde cada um
tem consumido à discrição e à custa do erário
público. Por outro lado estão os que defendem
um renovado compromisso com o serviço
público em que se combatam os abusos do
passado. Estes alegam que um serviço público de
qualidade é essencial para garantir a
universalidade de acesso aos bens públicos e
deste modo à igualdade de oportunidades na
sociedade, que é trave mestra da democracia.
A este propósito a BBC (televisão pública do
Reino Unido) publicou em 2013 um estudo sobre Imagem disponível na Internet em:
https://www.youtube.com/watch?v=hJEDce-7dCQ
a relação entre o serviço público e o serviço
privado de televisão: “Public and private broadcasters across the world – The race to the top”. Este estudo
analisa se a existência do serviço público de televisão é positivo para os concorrentes privados e para o
público. Duas questões são colocadas: quais os efeitos do serviço público de televisão no investimento em
programas e na qualidade do serviço privado de televisão; quais os efeitos do serviço público de televisão na
diversidade de opiniões na comunicação social, a chamada pluralidade dos media.
Nos últimos tempos tem ganhado preponderância a ideia de que os serviços públicos diminuem as
oportunidades de negócio para os serviços privados, o chamado crowd-out. O relatório da BBC contradiz esta
posição no que diz respeito ao setor da televisão. O estudo demonstra que os países com um maior
financiamento estatal do serviço público de televisão (países Nórdicos, Austrália e Reino Unido) têm um
setor televisivo privado com maior qualidade, mais diversificado em termos de conteúdos, mais plural e com
maiores receitas. O contrário acontece nos países com um serviço público de televisão mais fraco em termos
de financiamento estatal, como é o caso de Portugal e de Itália.
Como explicar estes resultados? A visão do crowd-out tem duas limitações. Em primeiro lugar tem uma
visão estática da economia. Em segundo lugar não reconhece a existência de falhas de mercado, ou seja,
situações em que não é lucrativo para um ator privado fornecer um bem ou serviço.
Uma visão estática do mercado significa
entre outras coisas que este não cresce. Neste
contexto, a presença de um ator público tira
sempre o lugar a atores privados. Ora se os
atores privados forem mais eficientes que os
atores públicos, então estes últimos reduzem a
produtividade da economia. No mundo real, no
entanto, os mercados são dinâmicos. Por
exemplo, o investimento realizado pelas
empresas pode não só aumentar o tamanho
dos mercados como criar novos mercados.
Imagem disponível na Internet em:
https://viagemdasletras.wordpress.com/2015/01/13/literatura-agora-rtp2/ Dirão agora que as empresas privadas
Página 26 de 31
também fazem investimentos, e como tal não há necessidade de empresas públicas. O problema é que
empresas privadas nem sempre o fazem, principalmente no que diz respeito aos serviços públicos, porque
o fornecimento destes nem sempre é lucrativo para elas. De facto, como se sabe, o objetivo das empresas
privadas é maximizar os lucros, não o bem-estar
social. No caso dos media, é por exemplo razoável
assumir que as empresas privadas não estarão
especialmente interessadas em programas
culturais, educacionais ou direcionados às minorias
e a grupos sociais mais desfavorecidos, porque
estes têm menores audiências. De facto muitos
analistas dos media consideram que em Portugal a
introdução dos canais privados não conduziu a um
aumento da qualidade nem da pluralidade na
televisão portuguesa. Imagem disponível na Internet em:
http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/sic_e_tvi_consid
Uma solução para este tipo de falhas de mercado eram_abusiva_entrada_de_mais_da_rtp_na_tdt.html
seria a regulação, como por exemplo quotas para música nacional que existe na Rádio em países como
Portugal e França. No entanto, a regulação pode também envolver os seus problemas. Primeiro, a regulação
nem sempre é possível implementar, como quando por exemplo esta tem a oposição de grupos de interesse
poderosos. Segundo, o Estado por vezes não tem a capacidade ou o poder suficiente para fazer uma
regulação competente (ver o caso do sector financeiro). Terceiro, nalguns setores a regulação pode ir contra
princípios basilares da sociedade, como a liberdade de expressão nos media. Veja-se o escândalo das escutas
do News of the World no Reino Unido em que, apesar dos graves factos imputados a este jornal, os media
ingleses mesmo assim recusaram qualquer tipo de regulação por parte do Estado, em nome da
independência dos media face ao governo.
Existe no entanto uma alternativa à regulação: a presença no mercado de uma empresa pública que tem
como função maximizar o bem-estar social, ou seja os lucros das empresas em conjunto com a qualidade
deste serviço. Esta solução é chamada na teoria económica por “regulação por participação”. Neste caso, a
função do serviço público de televisão teria que ser no sentido de aumentar as expectativas das audiências
de forma a pressionar os atores privados a investir igualmente na diversidade de conteúdos e na qualidade
dos programas. Ou seja uma race to the top.
No entanto, para que a race to the top aconteça é preciso que o serviço público de televisão seja
independente do poder político. Estudos demonstram que em países onde os media são independentes do
poder político (mais uma vez os países Nórdicos, Austrália e Reino Unido), o serviço público de televisão
contribui positivamente para a pluralidade dos
media. O contrário acontece nos países onde os
media são controlados pelo Estado, tal como
acontece na Rússia e na Itália.
Assim, para que a “regulação por
participação” por parte do serviço público
funcione é necessário que este tenha como
objectivo maximizar o bem-estar social e que
este seja independente do poder político. Por
outro lado, um serviço público de qualidade não
pode sobreviver sem audiências que exijam
Imagem disponível na Internet em:
https://www.publico.pt/politica/noticia/sic-e-tvi-rejeitam-contrato-de- qualidade e diversidade. De facto, sendo os
concessao-para-a-rtp-que-distorce-o-mercado-1611808
media um negócio, são as audiências que ditam a
Página 27 de 31
escolha da programação. É nestes três aspectos que o sector público, a sociedade civil e a democracia em
Portugal são mais débeis, e como tal onde mais tem que evoluir. Sem eles dificilmente poderemos ter um
sector dos media com qualidade e plural.
Pires, Armando José Garcia. Publicado no Jornal Jornal Público em 6 de novembro de 2014
O século XIX assistiu ao alvorecer de uma nova conceção de escrita. A fotografia, o cinema e o fonógrafo,
propunham uma nova forma de registo das
manifestações da natureza e das culturas humanas,
capazes de captar de maneira simultânea e
automática uma grande variedade de nuances e tons
(de luz ou de som). No plano da linguagem, estas
formas de registo mecânico (depois aperfeiçoadas
pela eletrónica) permitiram conservar e reproduzir
em qualquer tempo e lugar os componentes
analógicos que anteriormente eram prisioneiros da
realidade subjacente.
Mas o discurso da rádio não se limitava a uma
nova escrita feita pela composição de sons. O
discurso do rádio é isso e algo mais, e este algo mais é
dado pela sua enunciação em tempo real. A
radiodifusão distingue-se da imprensa pela sua
Imagem disponível na Internet em:
condição ao vivo, e é percebida como tal, o que http://radiocritica.blogspot.pt/2015/02/dia-mundial-da-
radio.html
provoca um forte efeito de realidade e, através dele, a
empatia do público. Porém, a simultaneidade a que esta condição idealmente se refere, no caso do rádio
jornalismo, ocupa apenas uma parcela do tempo do fluxo. Esta parcela é geralmente menor do que
aparenta, uma vez que a condição fonográfica de um enunciado raramente é explicitada, enquanto os
momentos de transmissão direta têm sempre esta condição enfatizada e, não raramente, simulada. (…)
O vivo que caracteriza a rádio torna-se mais intenso conforme a forma de produção do enunciado. Um
texto escrito, memorizado ou planeado antecipadamente para ser interpretado na rádio, embora não
caracterize ainda a dupla simultaneidade da transmissão direta, agrega à primeira simultaneidade do
discurso mais um elemento ao vivo - a interpretação do locutor. Por isso, o discurso produzido pela
apresentação de um texto ao microfone, embora mantenha as características de um conteúdo produzido
antecipadamente, pode ser considerado um vivo em segundo grau.
Em termos da composição do discurso da rádio informativo, os avanços tecnológicos tornaram possível a
enunciação diferida em toda a sua potencialidade. O diferido libertou a expressão sonora da tirania do
presente extratextual, permitindo ao discurso do radiojornalismo reassumir totalmente o domínio sobre a
definição dos limites da atualidade.
Quando um enunciado diferido é incluído no fluxo radiofónico (uma declaração, uma reportagem, uma
música), sofre uma mudança qualitativa. Cumpre uma função comunicativa diversa pela mudança do
contexto. De enunciado autónomo, passa a fazer parte de um enunciado maior (um programa, uma
programação) que tem outro autor, outra intenção, outra leitura, outra relação com a realidade.
Página 28 de 31
A transmissão ao vivo possibilitada pela tecnologia eletrónica incluiu o momento presente no campo da
noticiabilidade. O rádio foi o primeiro meio de comunicação de massa a operar em tempo real, e esta
característica estritamente electrónica de
combinar a transmissão direta com a diferida
é que distingue a sua linguagem em relação à
da gravação. (…)
A rádio pode criar imagens, conduzir a
imaginação do ouvinte. A diferença é que
essas imagens interiores, produzidas na
mente, não podem ser confundidas com as
imagens que se vêem num ecrã. São imagens
muito mais ricas - podem comportar três
dimensões, e também incluir sensações Imagem disponível na Internet em: http://www.rtp.pt/antena1/
Página 30 de 31
Tempo Tempo de Poesia
António Gedeão
Página 31 de 31