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O Minhocário
por Peter Frase (editor da Revista Jacobin), no Washington Post, agosto de 2016
(https://www.washingtonpost.com/news/in-theory/wp/2016/08/25/we-work-too-much-but-it-doesnt-have-to-be-
that-way/)
A distinção entre trabalho e lazer é tão velha quanto a civilização humana, e sempre houveram aqueles que
sugerem que o primeiro é apenas uma pré-condição para o segundo. Aristóteles, por exemplo, pensava que a
felicidade depende do lazer, que ele definia como uma atividade que se faz apenas com ela mesma como objetivo,
ao invés de como um meio para alguma outra coisa.
https://ominhocario.wordpress.com/2016/09/27/a-gente-trabalha-demais-mas-nao-precisa-ser-assim/ 1/4
4/5/2024 A Gente Trabalha Demais, Mas Não Precisa Ser Assim – O Minhocário
Desde a Revolução Industrial, a distinção entre trabalho e lazer tem tomado uma forma particularmente rígida, por
que o que a maioria de nós experiencia como “trabalho” é a instituição historicamente específica do trabalho
assalariado: o tempo que nós gastamos obedecendo as ordens de alguma outra pessoa em troca de dinheiro.
Através da história do Capitalismo, os trabalhadores têm demandado uma redução nas horas de trabalho para
liberar mais tempo para o lazer, enquanto empregadores têm forçado no sentido oposto. No final do século XIX e
início do século XX, os trabalhadores lutaram e conquistaram o dia de trabalho de 10 horas e então o de 8 horas.
Desde então, entretanto, o progresso rumo a menos horas travou. Vai ser necessário organização política e reformas
legislativas para expandir e enriquecer o tempo disponível para nós fora do trabalho.
Lá pelos anos 30, a redução progressiva das horas de trabalho havia sido aceita como um fato da vida, e os
comentaristas previam uma vida com tempo livre cada vez maior para as massas. O economista John Maynard
Keynes escreveu um ensaio contemplando as implicações sociais dessa tendência, intitulado “Possibilidades
Econômicas Para Nossos Netos.” [2] Nele, ele dava como garantida a diminuição gradual das horas de trabalho e
passava para o que, para ele, seriam, questões existenciais mais profundas: O que faríamos com o nosso tempo
livre? Como encontraríamos fontes de sentido e de propósito?
Mas depois da Grande Depressão, algo estranho aconteceu: A tendência rumo menos horas parou. A produtividade
continuou aumentando , mas os trabalhadores não recebiam mais um dividendo na forma de tempo livre. O
movimento trabalhista descobriu que os trabalhadores estavam mais dispostos a garantir salários maiores do que
jornadas mais curtas, pelo menos enquanto a produtividade dos trabalhadores se manteve crescendo rapidamente, e
a competição com a União Soviética fazia jornadas menores mais difíceis de se vender. No fim, os trabalhadores
deixaram de compartilhar do crescimento da produtividade através de aumentos nos salários também: Desde os
anos 70 a produtividade continuou aumentando, mas os salários têm continuado estagnados [3]. A duração da
semana de trabalho completa tem permanecido em 40 ou 40 e poucas horas desde os anos 50, apesar do fato de que
as mulheres, que agora compõem 47% da força de trabalho, dedicam significantes horas adicionais para o que o
sociólogo Arlie Rissell Hochschild chama de “segundo turno” em casa [4].
Do que precisaríamos para recuperar nosso tempo livre? Como listado acima, foi o trabalho organizado que liderou
a luta por menores horas e mais tempo vago, para começar. Não é coincidência que nos países europeus com
sindicatos mais fortes, os trabalhadores aproveitam férias garantidas [5], mesmo se eles tendem a trabalhar tantas
horas quanto os estadunidenses quando estão no emprego. A taxa de sindicalização está em torno de 11% nos
Estados Unidos [6], e fica difícil pedir aos seus chefes horas menores quando você pode ser demitido facilmente e
ser substituído por alguém mais inclinado a ser um “workaholic” [7].
Mas mesmo sem um renascimento dos sindicatos, existem remédios legislativos. Baixar o limite para pagamento de
horas extras e estendê-lo para cobrir mais trabalhadores diminuiria o incentivo para extrair o máximo de horas de
cada trabalhador. Salários mínimos mais altos significaria que as pessoas não precisariam trabalhar tanto para
sobreviver. Mais radicalmente, alguns têm proposto uma “renda básica universal” [8]: um pagamento garantido
para todos os adultos que tornaria possível viver sem trabalhar, pelo menos por curtos períodos.
Criar mais tempo livre seria bom para todos nós, bom para a sociedade, mesmo bom para o meio-ambiente. Mas
para evitar a experiência do tempo livre como tédio ou falta de sentido, as pessoas precisam de acesso a
ferramentas para usar o tempo de lazer “sabiamente , agradavelmente e bem”, nos termos de Keynes. Para lidar
com essa necessidade, nós também precisaremos repensar nossa concepção de educação pública.
Hoje, a educação é tipicamente debatida em termos de testes padronizados e preparação para o trabalho. Mas a
Educação também permite que as pessoas explorem seus interesses e desenvolvam seus talentos, seja em
programação de computadores, concerto de carros, música e arte. Como a professora e escritora Megan Erickson
defendeu em seu livro recente “Guerra de Classes” [10], precisamos de uma visão da educação que seja mais do
que decoreba e treinamento para o emprego. Nós precisamos de escolas em que os estudantes não aprendam apenas
para passar nas provas e se comportar como empreendedores-modelo, mas onde sejam guiados [11] por professores
que os ajudem a desenvolver suas habilidades e sua criatividade para si mesmas, para que elas possam aproveitar
por completo o lazer no sentido de Aristóteles.
Os Estados Unidos são uma sociedade mais rica do que qualquer outra que já existiu. É possível para nós
recebermos mais dessas riquezas na forma de tempo para as massas, ao invés de coisas para o 1% mais rico. Mas
para fazermos isso precisamos desenvolver tanto o poder de demandar mais liberdade em relação ao trabalho e a
capacidade para fazermos uso completo das nossas horas livres.
Leituras Relacionadas
Notas
[1] https://www.washingtonpost.com/news/in-theory/wp/2016/08/24/in-defense-of-leisure/?
tid=a_inl&utm_term=.feacaabcc13b (https://www.washingtonpost.com/news/in-theory/wp/2016/08/24/in-defense-
of-leisure/?tid=a_inl&utm_term=.feacaabcc13b)
https://ominhocario.wordpress.com/2016/09/27/a-gente-trabalha-demais-mas-nao-precisa-ser-assim/ 3/4
4/5/2024 A Gente Trabalha Demais, Mas Não Precisa Ser Assim – O Minhocário
[4] https://www.washingtonpost.com/blogs/she-the-people/wp/2014/08/06/the-second-shift-at-25-q-a-with-arlie-
hochschild/?tid=a_inl (https://www.washingtonpost.com/blogs/she-the-people/wp/2014/08/06/the-second-shift-at-
25-q-a-with-arlie-hochschild/?tid=a_inl)
[5] Nos Estados Unidos as férias variam. São poucos os empregos que oferecem férias de 3 semanas e
pouquíssimos, de 1 mês – e até onde sei, em geral elas não são remuneradas.
[6] https://www.washingtonpost.com/news/in-theory/wp/2016/08/01/why-are-unions-in-the-u-s-so-weak/?
tid=a_inl&utm_term=.1627cd5590d7 (https://www.washingtonpost.com/news/in-theory/wp/2016/08/01/why-are-
unions-in-the-u-s-so-weak/?tid=a_inl&utm_term=.1627cd5590d7)
[8] https://www.washingtonpost.com/news/in-theory/wp/2015/09/28/universal-basic-income-a-primer/?
tid=a_inl&utm_term=.f274e390afdc (https://www.washingtonpost.com/news/in-theory/wp/2015/09/28/universal-
basic-income-a-primer/?tid=a_inl&utm_term=.f274e390afdc)
[9] https://www.washingtonpost.com/news/in-theory/wp/2016/05/13/is-it-time-for-a-shorter-workweek/?
tid=a_inl&utm_term=.946ed5b198e6 (https://www.washingtonpost.com/news/in-theory/wp/2016/05/13/is-it-time-
for-a-shorter-workweek/?tid=a_inl&utm_term=.946ed5b198e6)
[10] https://www.amazon.com/gp/product/1781689482/ref=as_li_qf_sp_asin_il_tl?ie=UTF8&tag=slatmaga-
20&camp=1789&creative=9325&linkCode=as2&creativeASIN=1781689482&linkId=d3ba13eacfe977ec24c672c03
(https://www.amazon.com/gp/product/1781689482/ref=as_li_qf_sp_asin_il_tl?ie=UTF8&tag=slatmaga-
20&camp=1789&creative=9325&linkCode=as2&creativeASIN=1781689482&linkId=d3ba13eacfe977ec24c672c03
[11] O termo “guiados” com certeza deve deixar o leitor freiriano de orelha-em-pé, visto que ainda denota uma
posição hierárquica da relação entre professor e alunos.
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