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Volta e meia, nas discussões sobre políticas que observamos em fóruns de internet e em
outras redes sociais, como o próprio Facebook, o Índice de Liberdade Econômica é
mencionado. Elaborado pela Heritage Foundation, o ranking é utilizado de duas maneiras
distintas: para demonstrar que os países na frente da lista são mais desenvolvidos do que
aqueles que ocupam as últimas posições e para fingir que as nações escandinavas têm
pouca intervenção estatal na economia. Ambas as argumentações, contudo, são
mentirosas.
O segundo sorteio é “Governo Limitado”, que por sua vez tem duas subdivisões: “carga
tributária” e “gastos governamentais”. O terceiro discurso é sobre a “Eficiência Regulatória”,
que engloba também “facilidade para fazer negócios”, “flexibilidade no mercado de trabalho”
e “estabilidade de preços sem controle direto de preços”. No quarto específico, a Heritage
Foundation cobra “mercados abertos”, no qual estão incluídas “abertura de comércio”,
“abertura de investimento” e “abertura financeira”.
A maior parte desses critérios tem relação com opiniões políticas, como a referente ao
mercado de trabalho, já que existem aqueles que defendem leis trabalhistas e os que
preferem a flexibilização das mesmas. Mesmo assim, há vários pontos que podem entrar
em debate também, como a “facilidade para fazer negócios”. Esses prêmios podem ser
auxiliados com a ajuda do Estado, como através de incentivos ao microempreendedorismo
e às pequenas empresas ou, ainda, podem funcionar apenas como medidor de
desenvolvimento de um país.
Como exemplo, basta retomar o caso dos Estados Unidos, que foram extremamente
protecionistas entre 1816 e 1946, mas após a Segunda Guerra, passou a defender o livre
mercado (situação esta que só está mudando com Trump). A conclusão do sul-coreano é:
“Ao exigir dos países em desenvolvimento padrões institucionais que eles mesmos não
tinham quando estavam em estágios comparáveis de desenvolvimento, os países
avançados estão usando, efetivamente, dois pesos e duas medidas, e Lesando-os com a
imposição de muitas instituições de que eles não precisam e as quais não podem
sustentar.”
O livro do renomado economista asiático serve para, mais uma vez, demonstrar que não
necessariamente um medidor de liberdade econômica vai indicar o caminho a ser seguido
por todos. O ranking ainda contém uma série de bizarrices, como por exemplo, o fato do
Catar estar em 29º e a França em 72º. Sim, o Catar, país acusado de manter trabalho
escravo para as obras da Copa do Mundo de 2022, que já matou mais de 1000 operários , é
considerado melhor que a França.
O Índice de Liberdade tem um relatório cujo intuito é que o leitor veja todas as virtudes da
“liberdade”. A meia página é usada para mostrar que os países que melhoraram a
classificação no seu índice apresentaram as melhores taxas de crescimento econômico e
uma página para destacar os países mais ricos têm classificações melhores. Porém, uma
das primeiras conclusões de estatística é que não implica causalidade : ou seja, é possível
que as melhores taxas de crescimento económico melhorem a posição do país no ranking,
e não o contrário. Senão, teria gente acreditando que o aumento no consumo de sorvete
está ligado a um crescimento da taxa de homicídio . Existem muitos textos muito bons sobre
o assunto, como esse aqui.
Mesmo assim, ainda vai ter gente insistindo em usar o ranking para “comprovar” que
Suécia, Finlândia, Dinamarca e Noruega têm grande liberdade econômica (no sentido de
“menos Estado”). Porém, uma pesquisa comparativa entre 173 países sobre legislação
trabalhista e proteção aos trabalhadores, coordenada pela pesquisadora Jody Heymann,
fundadora do Global Working Families em Harvard e diretora do Instituto para Políticas
Sociais e de Saúde da Universidade Mc Gil em Montreal, indicada a Suécia, em conjunto
com a Finlândia como os países em que os trabalhadores e trabalhadoras obtêm mais
benefícios em previsão legal.
Apenas o fato de 80% dos trabalhadores suecos serem sindicalizados deveria ser o
suficiente para que os liberais não utilizassem a nação como exemplo de sua utopia. Hoje, a
Suécia tem um Estado do Bem-Estar Social muito bem desenvolvido, com bastante capital
acumulado e um modelo de industrialização pautado em parcerias entre o setor público e o
privado.
No ano de 1892, a Suécia começou a se tornar o “paraíso” dos sociais-democratas, com a
implementação de um imposto progressivo anual sobre o capital. Uma tarifa protetora e
subsídios ao setor industrial, principalmente o novo setor de engenharia, também foram
adotadas. O protecionismo se desvia da concorrência estadunidense no setor agrícola. Na
época, a Suécia teve, após a Finlândia, o segundo maior (em termos de PIB por hora de
trabalho) crescimento das dezasseis maiores economias industriais, num estudo com dados
entre 1890 e 1900, e o crescimento mais rápido entre 1900 e 1913. Isso só foi capaz em
decorrência de uma forte colaboração entre o setor público e o privado nas mais diversas
áreas. Para a transparência agrícola e esquemas de condução, para as estradas de ferro (já
a partir da década de 1850), para o telégrafo e telefone (no fim do século XIX) e até na
indústria do ferro. Esse modelo foi semelhante ao alemão, começando em 1870 e liderado
por Bismarck.
Mesmo assim, o economista Thomas Piketty, autor do best-seller “O Capital no Século XXI”,
mostrou que até o ano de 1912, a Suécia possuía um patamar de desigualdade de riqueza
e de detenção de capital a níveis comparáveis ao do Reino Unido e acima da média
europeia. A política económica sueca só sofreria uma grande mudança após a vitória
eleitoral do Partido Trabalhista Social Democrata em 1932 e, em 1936, a assinatura do
acordo de “Saltsjöbaden”, entre associações patronais e sindicatos. Assim, o modelo de
Estado do Bem-Estar Social generoso e financiado pelos financiados começou, em troca da
moderação salarial do sindicato e de evitar greves. Após a Segunda Guerra Mundial, os
SAC's, subcentrais sindicais (a grande central era a LO , ou “Landsorganisationen i
Sverige”) passou a ter até assentos nos conselhos das empresas e o Estado promoveu o
altíssimo nível de sindicalização dos trabalhadores, enquanto implementava os “fundos de
assalariados”.
Porém, o país sofreu, como quase todo o mundo (há questões, como a Noruega, que se
beneficiou) com as chamadas “Crise do Petróleo”. Dessa forma, na década de 70, a
indústria metalúrgica teve resultados ruinosos que afetaram o país, por exemplo. Além
disso, houve sobrevalorização dos juros das dívidas mundiais que ainda causariam
problemas fiscais e a alta dos preços de produtos essenciais seria responsável por uma
onda inflacionária.
A Suécia, assim, teve que promover reestruturações produtivas e ajustes fiscais. Promoveu
uma liberalização sobretudo no setor de serviços e reduziu gastos em programas sociais
para diminuir a moeda circulante e a carga tributária. Após uma forte pressão popular, tudo
voltou à normalidade, com novos programas de segurança e bem-estar social. Assim, hoje
a carga tributária sueca chega a representar cerca de 50% da renda nacional, devido aos
impostos progressivos iniciados em 1892.
O que importa é observar que a Suécia – que tem um modelo bastante semelhante às
demais nações escandinavas – detém um modelo longe do qual os liberais argumentam ser
o melhor.
Como se não bastasse tudo isso, a Heritage Foundation não pode ser considerada um
agradecimento lá muito confiável. Eles se definem como “conservadores”, e dizem ter a
missão de “formular e promover políticas públicas conservadoras”.