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terça-feira, 4 abr 2017
João tem uma renda de R$ 6.000 por mês. Não está nada mal. Com esse dinheiro, todos os meses ele
consegue tranquilamente bancar seus gastos fixos: ele paga o aluguel, o condomínio, a conta de luz, a
conta de gás, a internet e a conta de celular.
Com o que sobra, ele decide gastar com lazer e mimos próprios. Sai para jantar com frequência, vai
ao boliche duas vezes por semana, vai a baladas todos os sábados, e ainda extrapola o limite do cartão
de crédito comprando roupas e perfumes. Ele chega ao final do mês zerado. Gastou tudo o que recebeu
e ainda tem dívidas pendentes no cartão de crédito.
Maria trabalha em uma empresa e tem um cargo similar ao de João. Seu salário é aproximadamente o
mesmo. Mas o padrão de gastos é completamente diferente. Ao contrário de João, Maria, após quitar
todos os seus gastos fixos, poupa o que sobrou e investe.
Ou seja, Maria restringe seu consumo presente. Maria faz o sacrifício de gastar pouco no presente,
privando-se de vários prazeres. Isso, obviamente, significa que ela nem sempre se permite a pequenos
luxos. Ela não é da mentalidade do "eu mereço, por isso gasto". Muitas vezes ela tem de dizer a seus
amigos e amigas que "esta noite não poderei sair".
Difícil e chata a vida de Maria, não?
No curto prazo, de fato pode parecer assim. Já no longo prazo, a história será bem diferente.
Vinte anos depois, João se tornou vítima de suas próprias escolhas. Ele gostaria de sair do seu atual e
estafante emprego e poder se dedicar a outras coisas, mas está afundado em um mar de dívidas. Como
ele não tem reservas — pois não poupou —, praticamente tudo o que ele recebe como salário vai
diretamente para o pagamento de dívidas. Consequentemente, ele não pode se dar ao luxo de sair deste
seu emprego e mudar sua rotina. Seus gastos fixos são hoje ainda mais altos, de modo que ele sempre
está "com a corda no pescoço". Antigamente, ele trabalhava para ganhar dinheiro. Hoje, ele trabalha
para pagar dívidas.
Já Maria está em uma situação completamente distinta. Com bastante dinheiro acumulado —
consequência de sua poupança e de sua restrição de gastos —, seu trabalho não mais é uma necessidade
de sobrevivência. Ela não mais precisa daquele emprego como se fosse o único recurso para continuar
viva. Com efeito, ela está pensando em deixar de ser empregada e se tornar empreendedora. Ela quer
investir no ramo da moda. Ela sempre gostou de design de moda e agora está animada a dar uma
guinada em sua vida. Está decidida, e investirá sua poupança neste novo projeto.
Seu sonho é, em alguns anos, poder viver do seu próprio empreendimento.
A poupança, a frugalidade, e a capacidade de pensar visando ao longo prazo foi o que ajudou Maria.
Se esse comportamento foi positivo para Maria, por que seria negativo caso adotado por todas as
pessoas de uma economia?
A falácia de que a poupança afeta a economia
Com enorme frequência escutamos que a poupança é a inimiga do crescimento econômico. Os
economistas keynesianos nunca se cansam de enfatizar que o que move a economia é o consumo.
Consequentemente, a política econômica correta é aquela que estimula o consumismo, seja por meio
do crédito farto e barato, seja por meio de simplesmente dar mais dinheiro às pessoas para que elas
possam gastar.
"Mais consumo significa mais demanda, e mais demanda gera maior produção. Eis a receita para a
prosperidade!", dizem eles.
Já a poupança — isto é, a frugalidade e a contenção os gastos — seria a inimiga número um desta
receita mágica.
Quais os problemas com esta visão? Vários.
Para começar, ela se baseia na crença de que ações individuais voluntárias — as pessoas decidem
poupar mais de livre e espontânea vontade — podem ser deletérias para toda a economia. Na visão
keynesiana, tal comportamento não é algo racional; não é um comportamento adotado voluntariamente
de acordo com as condições econômicas. Ao contrário, trata-se de um comportamento irracional, de
um "espírito animal". É algo que acontece do nada. As pessoas simplesmente param de gastar e
começam a poupar.
Sim, se várias pessoas repentinamente decidirem parar de gastar toda a sua renda e decidirem poupar
boa parte dela com a intenção de consumir apenas no futuro, isso obviamente terá certos efeitos sobre
parte da economia, uma vez que haverá menos demanda por certos tipos de bens e serviços. Isso é
algo óbvio e nada controverso.
Mas o que isso gerará? Essa é a questão principal. E ela nos leva ao principal problema com esta visão:
ela ignora por completo a verdadeira "função social" da poupança.
Esta função social da poupança, e sua importância para o desenvolvimento das economias, foi
destacada pelo economista austríaco Eugen von Böhm-Bawerk, que escreveu em 1910:
Aquilo que todos conhecem como "poupança" tem, como consequência imediata,
um lado negativo: o não-consumo de uma fatia de nossa renda. Ou, em termos
aplicáveis à sociedade que utiliza o dinheiro, o não-gasto de uma porção do
dinheiro recebido anualmente.
Este aspecto negativo da poupança é o mais imediatamente evidente em nosso dia
a dia e, com efeito, é o único que as pessoas imaginam existir. São muito poucas
as pessoas que realmente param para pensar no destino subsequente das somas
de dinheiro poupado; elas apenas imaginam que o dinheiro ficou parado dentro
de uma conta bancária.
Mas é exatamente aqui que começa a parte positiva do processo da poupança, o
qual irá se completar muito longe do campo de visão do poupador — cujas ações,
entretanto, foram as que deram o impulso a toda a atividade que virá a seguir.
O banco irá recorrer a essa poupança de seus depositantes e irá emprestá-la para
empreendedores de várias maneiras: empréstimos para a construção civil,
empréstimos para a abertura de pontos comerciais, empréstimos para a
ampliação de instalações industriais, empréstimos para a construção de fábricas,
empréstimos para a contratação de mão-de-obra, empréstimos para capital de
giro etc.
Desta maneira, a poupança de uns foi direcionada para o financiamento de
atividades produtivas, as quais, sem esta ajuda, não poderiam ter êxito. No
mínimo, não alcançariam a mesma eficiência.
Essa é a primeira consequência positiva da poupança: se ela não existisse, não haveria depósitos nos
bancos e, consequentemente, não haveria crédito nem para o consumo e nem para o investimento.
Em suma, sem a poupança não há investimento, e sem investimento os países não cresceriam.
[N. do E.: quanto menos poupadora é uma sociedade, mais o governo tenta remediar essa situação
expandindo ele próprio o crédito, por meio da simples criação de dinheiro. As consequências são a
inflação de preços e os ciclos econômicos ]
No entanto, vários oferecem resistência a esta ideia de que é necessário poupar. Ao próprio Böhm-
Bawerk os contrários à poupança diziam que, se todos os indivíduos decidissem poupar 25% de sua
renda ao mesmo tempo, isso iria restringir a demanda por bens de consumo, levando a economia a
uma forte recessão.
E haveria recessão não somente porque cairia a demanda por bens de consumo, mas também porque
a demanda por bens de capital (aqueles utilizados para produzir bens de consumo, como máquinas e
ferramentas) iria igualmente cair. Afinal, quem iria comprar uma máquina que fabrica sapatos se
ninguém quer comprar sapatos, já que todos decidiram poupar mais? Consequentemente, quem
investiria na produção de máquinas?
A esta acusação Böhm-Bawerk respondeu de maneira magistral: