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Universidade de Brasília - UnB

Faculdade de Direito - FD
Disciplina: Direito do Trabalho
Prof.ª Dr.ª: Gabriela Neves Delgado

Análise do Acórdão - PROCESSO Nº TST-RR-1000123-89.2017.5.02.0038

Grupo:
Abigail Dias Ramos dos Santos (170004147), Ana Luiza Rodrigues Souza (180097652),
Antônio Lucas Neres de Oliveira Barros (180116568), Eduardo Lima Gentil (190105577),
Marlon de Andrade Falcão dos Anjos (190134712)

O processo em questão trouxe como partes a Uber International Holding BV, a Uber
International BV e a Uber Brasil Tecnologia Ltda., como agravantes, e Márcio Vieira Jacob,
um ex-motorista da Uber, como agravado. As empresas citadas compunham um mesmo grupo
econômico, de acordo com o contrato social, portanto, respondiam solidariamente pelas
eventuais verbas da condenação.
Em breve síntese do caso, buscava-se o reconhecimento de vínculo empregatício entre
um ex-motorista de plataforma e a empresa Uber, com o consequente pagamento e
concretização dos direitos trabalhistas. O motorista trabalhou pela plataforma Uber, com
habitualidade, durante cerca de 1 ano, tendo sido excluído da plataforma em decorrência de
avaliações negativas dos passageiros.
Em primeira instância, a decisão foi desfavorável ao motorista, não reconhecendo o
vínculo de emprego, então entrou com apelação. A decisão do TRT de origem foi no sentido
de reconhecer o vínculo de emprego, ou seja, entendeu presentes os requisitos da relação de
emprego, determinando assim o pagamento e reconhecimento dos diversos direitos
trabalhistas. Foram interpostos Embargos de Declaração pela Uber, em relação à sentença do
TRT. Foi interposto Recurso de Revista (pelas empresas), em que foi negado o seguimento.
Contra esta decisão que negou seguimento ao Recurso de Revista, interpôs-se Agravo de
Instrumento em Recurso de Revista, onde foi dado provimento ao Agravo de Instrumento,
que converteu-se em Recurso de Revista.
Por fim, no julgamento do Recurso de Revista, o TST não reconheceu a existência de
subordinação na relação entre o motorista e a Uber. Desta forma, restabeleceu-se a sentença
de origem que não reconheceu o vínculo de emprego e julgou improcedentes os pedidos
formulados na inicial.
Primeiramente se faz necessária uma análise acerca do princípio da proteção e do
princípio da realidade sobre a forma. O princípio da proteção tem por propósito estabelecer a
equiparação na relação empregador-empregado, uma vez que o trabalhador é hipossuficiente e
recebe, por meio do Estado, o auxílio para equilibrar a relação. Não obstante, o princípio da
realidade sobre a forma tem por premissa garantir que a realidade fática se sobreponha sobre a
formalidade contratual. Cumpre destacar que a funcionalidade desses princípios com o
surgimento do trabalho plataformizado, ainda mais sob uma perspectiva dos efeitos pós
Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467), teve notória redução.
Desse modo, no caso em tela, o motorista uberizado detém as características que
formam a relação de emprego (que posteriormente restará demonstrado), por conseguinte, o
presente caso deve ser regido pelos princípios norteadores do direito do trabalho. Insta
salientar que embora o obreiro não possua contrato de emprego, este assina um “termo de
condições” que permeiam suas atividades, sendo assim, tendo como base o princípio da
realidade sobre a forma, há evidente relação de emprego estabelecida entre o motorista e a
plataforma, visto que a realidade fática - a atividade realizada caracteriza vínculo
empregatício - se sobrepõe à realidade contratual, mesmo que não haja de fato um contrato
entre as partes. Dessa maneira, a decisão prolatada pela corte vai em desencontro aos
princípios que regem o direito do trabalho e fere os direitos e garantias dos trabalhadores.
Historicamente, o ponto de partida da ciência do direito do trabalho se dá sob o
contexto imposto pela Revolução Industrial, quando o trabalhador deixa de ser livre e passa a
ser subordinado. Segundo o professor Maurício Godinho, o direito do trabalho possui quatro
fases: I) Fase das manifestações incipientes ou esparsas, conhecida pela demasiada exploração
do trabalhador, onde a operacionalidade do Estado era defasada; II) Fase da consolidação do
campo justrabalhista, período do Estado de Bem Estar Social no qual imperavam os modelos
de gestão do taylorismo e toyotismo; III) Fase iniciada após a período bélico da grande
guerra, tal fase detém caráter absolutamente constitucionalista com ênfase na
institucionalização da legislação; IV) Fase de crise do direito do trabalho sob o aspecto da
revolução tecnológica, sob a qual surge a realidade do trabalho plataformizado.
É sob a perspectiva da última fase que se refere o caso em tela. Com o advento da
tecnologia, instaurou-se no presente século uma grave crise empregatícia, que ampliou de
forma significativa a informalização do trabalho. É nesse contexto que surge o trabalho
plataformizado, no qual empresas utilizam-se da força de trabalho sem as garantias mínimas
ao trabalhador.
Um dos argumentos que embasam a tese da agravante condiz ao fato de que na relação
estabelecida entre motorista e plataforma não há a caracterização da subordinação, uma vez
que cabe ao próprio motorista a escolha dos horários de trabalho. É a partir dessa
contraposição que se faz necessária a reflexão acerca da chamada “subordinação algorítmica”.
O gerenciamento algorítmico é o mecanismo utilizado pelas empresas para gerenciar e
maximizar as atividades exercidas pelo trabalhador, ou seja, é lógica de medição do
rendimento, quanto mais trabalho, maior o faturamento.
Partindo desse pressuposto, observa-se que a subordinação se difere das relações de
emprego tradicionalmente conhecidas, uma vez que o obreiro tem suas atividades gerenciadas
por um algoritmo. Contudo, tal diferenciação não desfigura subordinação, tendo em vista que
o empregado está subordinado aos ditames da plataforma, mesmo sob uma perspectiva similar
ao do teletrabalho. Para efeito de exemplificação, o motorista da Uber está sujeito a
exigências tal qual modelo do carro, avaliação positiva, celulares de ponta e vestimentas
adequadas, além da própria exclusão da plataforma caso não atinja tais recomendações.
A análise da relação de emprego é ponto central do Direito do Trabalho, sendo ela
caracterizada pela presença indispensável de cinco elementos fático-jurídicos. Para se afirmar
o vínculo empregatício é necessário que o trabalho seja exercido por pessoa física (natural),
com pessoalidade, não eventualidade (habitualidade), onerosidade e subordinação (art. 3º,
CLT). O caso em tela centraliza exatamente essa questão, tendo em vista que a decisão foi
tomada através da verificação da presença ou não do vínculo de emprego entre o motorista e a
plataforma Uber, mas com ênfase naquele que mais gerou “controvérsia”, a subordinação. A
tese do Tribunal Superior do Trabalho, argumenta afirmando a ausência dela, portanto,
descaracterizando uma possível relação de emprego entre as partes.
Para expandir a visão sobre o caso e sobre ela se fazer uma observação crítica mais
fundamentada, é necessário que se compreenda como os demais elementos fático-jurídicos se
materializam nessa relação de trabalho entre motoristas e plataformas. A Justiça do Trabalho
tem sinalizado tanto para a ausência quanto para a presença desse vínculo, como se observa
em outro acórdão do mesmo tribunal, o processo Nº TST-RR-100353-02.2017.5.01.0066.
Depreende-se inicialmente o elemento da pessoa física da relação de forma
inquestionável visto que a fonte da força de trabalho é por pessoa natural, o motorista.
A personalidade, que diz respeito à natureza infungível do papel desempenhado pela
pessoa, como sintetizado por Delgado (2019), essa relação deve ser efetivada de maneira
“intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, que não poderá, assim, fazer-se
substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços
pactuados”. A situação concreta apresenta de início a individualização cadastral do motorista
no aplicativo e obrigatoriedade desse cadastro para que o serviço possa ser prestado seguindo
todos os ditames da empresa. Outra característica fundamental são as avaliações do uso do
serviço que são diretas e pessoalmente voltadas ao motorista plataformizado, essas são dados
utilizados pela empresa para a tomada de decisões que impactam
Dada a não eventualidade ou habitualidade, sob o ponto de vista da teoria dos fins do
empreendimento, ou seja, não é eventual a realização de trabalho que está dentro das
finalidades empresariais, e da teoria do evento, considerado habitual (não eventual) atividades
que não estejam ligadas a um acontecimento específico. Assim, o motorista que executa a
atividade econômica fundamental das plataformas e comprovam, através de dados do próprio
aplicativo, que as rotinas desempenhadas por eles não são eventuais.
O elemento da onerosidade implica em uma contraprestação pela força de trabalho do
obreiro à disposição do empregador, e como colocado no voto do TRT de origem, citado pelo
TST (2020), não é importante que a remuneração recebida pelo motorista não venha
diretamente das empresas, visto que o que voga na doutrina e jurisprudência é o entendimento
de que a remuneração pode ser paga também por terceiros reconhecendo a oportunidade de
ganhos ofertada pelo empregador. Fica a cargo do motorista os gastos elevados para que
execute a atividade fim, os valores de 75% a 80% a ele destinado sobre o valor pago pelo
usuário, a remuneração, não servem para ser considerado parceria.
A contestação desses elementos não se faz tão presente no acórdão do TST, mas
servem, contudo, para provar quão mais perto do que longe essa relação trabalho se aproxima
do vínculo de emprego. A negação por parte da Uber em considerar-se parceira do motorista e
as características que rodeiam a dinâmica das atividades exercidas pelo motorista estão livres
de subordinação para com a plataforma é o ponto focal de análise e discordância que se
percebe no julgado presente e considerando que o próprio tribunal em caso símile e
contemporâneo citado previamente, na Terceira Turma, identificou o vínculo empregatício
nessa natureza de relação plataformizada.
A subordinação é um dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego e consiste
na obrigatoriedade de observância, pelo empregado, da condução da relação de emprego pelo
empregador. Isto é, o empregado se sujeita a seguir as regras que o empregador impõe.
No caso em questão, as demandadas se opõem ao pedido autoral arguindo não se tratar
de empresa de transporte, mas de exploração de plataforma tecnológica e que, nesse ponto de
vista, os motoristas seriam parceiros, não empregados, tendo em vista a ausência de elementos
essenciais para caracterização da relação de emprego, qual seja, a subordinação, tendo em
vista a autonomia dos motoristas, além de não haver direção, coordenação e fiscalização por
parte da demandada na prestação dos serviços, mas apenas uma decisão de natureza
comercial.
Embora o TST dê razão às demandadas e reconheça a ausência de subordinação sob
argumento de que o autor confessou possuir autonomia na prestação do serviço ao admitir a
possibilidade de ficar off-line sempre que quisesse, isso não é factível, haja visto que, muitos
do que trabalham para plataformas têm nelas a sua única fonte de sustento, logo, como o
próprio caso traz, o trabalhador habitualmente atuou junto a empresa, em muitos casos, os
trabalhadores ficam online trabalhando numa carga horária superior à permitida
constitucionalmente. Ainda, embora o relator cite os avanços tecnológicos na geração de
novas formas de trabalho, ele ignora as novas formas de controle, a subordinação algorítmica,
onde o controle é feito ao saber onde se encontra o motorista enquanto online e ao decidir
quais corridas atribuir para cada um. Ou ainda, quando se encontra offline, em período que
deveria ser considerado de descanso, o algoritmo ainda assim cria estímulos quando é
conveniente para a empresa detentora da plataforma, ao apresentar notificações com
promessas de maiores ganhos financeiros (a popular "tarifa dinâmica"). No mínimo, isso
deveria ser caracterizado como um contrato de trabalho de serviço intermitente, incluído pela
Lei 13467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista).
Complementando, não se pode esquecer que as plataformas ditam regras com relação
ao padrão do carro a ser utilizado, ao comportamento que deve ter o motorista, além de definir
o preço (afinal, o motorista só pode alterar às suas expensas, sem prejuízo para a plataforma,
sua empregadora, como seria se um garçom diminuísse um preço de uma refeição por conta
própria). E o mais claro dos poderes de controle é a aplicação de punições aos funcionários
que efetuam muitos cancelamentos, por exemplo, levando até ao desligamento realizado de
maneira unilateral, sem justificativa.
Considerando o princípio da primazia da realidade sobre a forma, não é razoável
analisar a suposta autonomia do motorista sem considerar que ele é o responsável por todas as
despesas referentes ao funcionamento do veículo utilizado na prestação do serviço. Significa
dizer que, dentro dos 75% a 80% recebidos pelo motorista, há um considerável dispêndio com
a manutenção do veículo, incluindo o combustível e manutenção do instrumento de trabalho,
porque o carro não pode ser visto como meio de produção de riqueza (que na verdade é o
aplicativo, pelo qual a empresa gerencia o serviço de transporte), mas meramente o
instrumento de trabalho (algo que já subverte a lógica do empresário, pois transfere os riscos
para o obreiro). Dessa forma, mostra-se não possível apenas olhar para um número e definir a
classificação (se é uma relação de emprego ou de parceria). É necessário o revolvimento
fático-probatório para chegar-se a uma conclusão, o que é vedado em um Recurso de Revista,
conforme súmula nº 126 TST - Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e
894, "b", da CLT) para reexame de fatos e provas.
Pelo viés estrutural, a decisão foi muito repetitiva, vai e vem diversas vezes. Muitos
trechos são citados mais de uma vez, tornando confuso, com frequência, o correto
entendimento do voto.
Outro ponto é que os argumentos aceitos pelo TST para não reconhecer a relação de
emprego são extremamente frágeis e não se sustentam. Percebemos, também, tratar-se de um
voto curto, com pouca fundamentação e sustentação. Por exemplo, notamos esta fragilidade
de argumentação no trecho que faz uma comparação entre o formato de parceria existente
entre as manicures e os donos de salão com aquele formato praticado pela Uber e os
motoristas, como forma de não reconhecer a relação de emprego. Desta maneira, vimos que
não foram guardadas as devidas proporções, tendo sido adotada uma lógica falha ao se
comparar a situação dos salões de beleza com o caso em estudo.
Nesta decisão, a Justiça do Trabalho, mais especificamente o TST, parece estar
permitindo a precarização das relações de trabalho. A ocorrência de divergências de
entendimentos entre as várias instâncias da Justiça do Trabalho e, inclusive, entre as próprias
Turmas do TST, acaba acarretando uma certa insegurança jurídica quanto à proteção do
trabalhador, visto que alguns órgãos julgadores decidem em um sentido e outros em sentido
totalmente oposto. Os magistrados parecem estar mais preocupados em querer preservar as
chamadas “novas alternativas de trabalho e fontes de renda”, a exemplo do Uber, do que
proteger efetivamente o trabalhador. Pecando, assim, no seu papel primordial de promoção da
justiça social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos


avançados, v. 34, 2020.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do


Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm

BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3
de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de
adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº


1000123-89.2017.5.02.0038. Recorrentes: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. E
OUTROS. Recorrido: MARCIO VIEIRA JACOB. Relator: Ministro Breno Medeiros.
Brasília, 05 fev. 2020. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, 07 fev. 2020. Disponível em:
https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?conscsjt=&
numeroTst=1000123&digitoTst=89&anoTst=2017&orgaoTst=5&tribunalTst=02&varaTst=00
38&consulta=Consultar

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 100353-02.2017.5.01.0066.


Recorrente: ELIAS DO NASCIMENTO SANTOS. Recorridos: UBER DO BRASIL
TECNOLOGIA LTDA. E OUTROS. Brasília, 6 abr. 2022. Diário Eletrônico da Justiça do
Trabalho, 11 abr. 2022. Relator: Ministro Maurício Godinho Delgado. Disponível em:
https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?conscsjt=&
numeroTst=100353&digitoTst=02&anoTst=2017&orgaoTst=5&tribunalTst=01&varaTst=006
6&consulta=Consultar

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 126. Incabível o recurso de revista ou de


embargos (arts. 896 e 894, "b", da CLT) para reexame de fatos e provas. DJ de 19, 20 e 21
nov. 2003. Disponível em:
https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_101_150.html#SU
M-126
COUTINHO, Raianne Liberal. A subordinação algorítmica no arquétipo Uber: desafios
para a incorporação de um sistema constitucional de proteção trabalhista. 2021. 241 f.,
il. Dissertação (Mestrado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2021.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho: obra revista e atualizada


conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais
posteriores. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019.

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