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A comprovação da regularidade

trabalhista nas licitações: a proteção do


empregado

BERNARDO LEÔNCIO MOURA COELHO

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. As normas de proteção ao


trabalho. 3. Do contrato com o ente público. 3.1.
Cláusulas e condições do ajuste. 3.2. Das garantias.
4. O inadimplemento das obrigações trabalhistas.
5. Propostas.

1. Introdução
A Administração Pública, considerada em
seu aspecto geral, englobando União, Estados
e Municípios, ao contratar serviços ou adquirir
bens, deve fazê-lo sob os auspícios do contrato
administrativo, precedido do procedimento
licitatório.
A habilitação dos interessados no processo
de licitação tem como característica ser
precedida de uma verificação da idoneidade
jurídica, técnica, financeira e fiscal, como
requisito para análise de seu mérito, ou seja, a
análise das propostas.
Entre a regularidade exigida, interessa-nos
aquela relativa ao Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço (FGTS) e aos demais direitos
trabalhistas não contemplados.
Em minha atuação profissional, deparo-me
com uma situação que alarma: o inadim-
plemento dos encargos trabalhistas das
empresas licitantes e firmadoras de contratos
administrativos.
Não raras vezes, somos chamados a atuar
em empresas contratadas pelo ente público, nos
moldes do Direito Administrativo, pois os
direitos trabalhistas, assegurados por lei ou por
Bernardo Leôncio Moura Coelho é Especialista norma coletiva, estão sendo desrespeitados.
e Mestre em Direito Constitucional pela Univer- Pergunto, então: não haverá meio mais
sidade Federal de Minas Gerais, ex-professor de eficaz de se assegurar a efetivação dos direitos
Direito do Trabalho da Universidade Estadual de trabalhistas dessas pessoas? Qual a respon-
Ponta Grossa e, atualmente, é Fiscal do Trabalho. sabilidade do ente público face a esse descum-
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primento? Qual a validade do Certificado de do trabalho como um de seus fundamentos,
Regularidade Fiscal emitido para as licitações? dirigente da ordem econômica2.
A partir desses questionamentos delinearei Seguindo-se essa valorização, o Direito do
o breve estudo, não buscando respostas ao tema, Trabalho adota o princípio da proteção, que lhe
mas tentando desenvolver propostas para é basilar, assim manifestando-se Plá Rodrigues:
garantir a fruição desses direitos. “O princípio de proteção refere-se ao
critério fundamental que orienta o
Direito do Trabalho, pois este, ao invés
2. Normas de proteção ao trabalho de inspirar-se num propósito de igual-
A prestação de trabalho humano por outrem dade, responde ao objetivo de estabelecer
sempre se desenvolveu no decorrer da história, um amparo preferencial a uma das
não podendo desvinculá-lo da própria evolução partes: o trabalhador.
da sociedade. Enquanto no direito comum uma
A relação de trabalho, como a concebemos constante preocupação parece assegurar
hodiernamente, iniciou-se, em termos pre- a igualdade jurídica entre os contra-
cários, com a Revolução Industrial. tantes, no Direito do Trabalho a preocu-
“As raízes do Direito do Trabalho pação central parece ser a de proteger
situam-se na transmudação do labor uma das partes com o objetivo de,
escravo para o trabalho livre, gerando os mediante essa proteção, alcançar-se uma
conflitos entre o capital, nas mãos do igualdade substancial e verdadeira entre
empregador, e o trabalho, forma de as partes3”.
sobrevivência do hipossuficiente1.” Constituindo-se âmbito de competência
No contexto dominado pela ideologia privativa da União legislar sobre Direito do
liberal, no qual o governo era visto como mero Trabalho e manter a fiscalização do trabalho4,
intermediário entre o povo e a vontade geral à cabe a ela assegurar a aplicação do princípio
qual cabe dar cumprimento, com um mínimo de proteção destinado aos trabalhadores,
de interferência, havia um poder absoluto do promulgando normas que garantam a fruição
empregador sobre o empregado. dos direitos pelos trabalhadores.
Com o passar do tempo e com o Estado
assumindo papel preponderante, o indivíduo 3. Do contrato com o ente público
passa a ter maior importância na relação
trabalhista, iniciando-se, com a Constituição A atividade da Administração Pública
do México de 1917, o movimento de Consti- submete-se a quatro princípios nucleares: a
tucionalismo Social, resgatando a valorização legalidade, a moralidade, a finalidade e a
humana decorrente do trabalho. publicidade (art. 37, caput, Constituição
A Encíclica Rerum Novarum, a respeito do Federal), juntando-se a esses a isonomia (art.
trabalho, diz que: 5º, Constituição Federal).
“[...] deve ser considerado, em teoria e Assentado em tais princípios, o ente público
na prática, não mercadoria, mas um desenvolve suas atividades, relacionando-se
modo de expressão direta da pessoa com outros órgãos e entes públicos ou com
humana. Para a grande maioria dos particulares (art. 3º, Lei nº 8.666/93).
homens, o trabalho é a única fonte dos Pelas razões invocadas, fixaremos nosso
olhar na relação que se forma com o particular,
meios de subsistência. Por isso, a sua
mais especificamente quando se tem lugar o
remuneração não pode deixar-se à mercê
contrato administrativo.
do jogo automático das leis do mercado; Seguiremos a orientação de Meirelles, que
pelo contrário, deve ser estabelecida define o contrato administrativo como:
segundo as normas de justiça e da “ajuste que a Administração Pública,
eqüidade, que, em caso contrário, agindo nessa qualidade, firma com
ficariam profundamente lesadas, ainda particular ou outra entidade adminis-
mesmo que o contrato de trabalho fosse trativa, para a consecução de objetivos
livremente ajustado por ambas as partes”.
A vigente Constituição Federal avançou no 2
Art. 170.
3
aspecto social ao colocar a valorização social PLÁ RODRIGUEZ, A. Princípios de Direito
do Trabalho, p. 28.
1 4
FERNANDES, J. U. J. A terceirização no Art. 22, I c/c art. 21, XXIV, da Constituição
serviço público, p. 474. Federal.
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de interesse público, nas condições atividade e compatível com o objeto
estabelecidas pela própria Adminis- contratual;
tração5.” III – prova de regularidade para com
Esse ajuste caracteriza-se pela participação a Fazenda Federal, Estadual e Municipal
da Administração Pública com supremacia de do domicílio ou sede do licitante, ou outra
poder, podendo fixar as condições iniciais do equivalente, na forma da Lei;
ajuste, advindo daí a faculdade de utilizar-se IV – prova de regularidade relativa à
das “cláusulas exorbitantes” do Direito Seguridade Social e ao Fundo de Garan-
Comum, impondo condições que, nas relações tia por Tempo de Serviço (FGTS),
entre particulares, seriam fulminadas de demonstrando situação regular no
invalidade. cumprimento dos encargos sociais
Tal como se dá no Direito do Trabalho, instituídos por Lei”.
temos uma relação marcada pela hipos- Cabe ressaltar que, na redação original do
suficiência de uma das partes, ou seja, a inciso IV, do art. 29, a regularidade dos
empresa que deseja contratar com o Estado deve depósitos do FGTS não constava como item da
sujeitar-se às normas impostas pelo contrato regularidade fiscal, tendo sido incluído
administrativo6. Porém, contrariamente ao que posteriormente pela Lei nº 8.883/94.
acontece no Direito do Trabalho, a proteção se Essa exigência da regularidade fiscal não
dá para a parte “hipersuficiente”, pela afronta o princípio da isonomia, como
prevalência das normas públicas sobre as descrevemos a seguir, embasando-nos em Celso
privadas. Antônio Bandeira de Mello:
O contrato com o ente particular se dá nos “O fundamento dessa exigência de
termos da Lei nº 8.666, de 21.6.93, que instituiu regularidade fiscal encontra sua sede no
normas para licitações e contratos da Admi- fato da garantia da execução de uma
nistração Pública, regulamentando disposição obrigação, objetivamente considerado,
constitucional (art. 37, XXI c/c art. 22, XXVII), pois um dos princípios básicos da
que alcança “administração pública, direta e Administração Pública é a impes-
indireta, incluídas as fundações instituídas e soalidade; assim sendo, aquele que deve
mantidas pelo Poder Público, nas diversas ao Fisco corre um risco grande, não
esferas de governo, e empresas sob seu razoável que seja aceito, de não vir a
controle”. honrar as suas obrigações contratuais,
mesmo porque poderá tornar-se insol-
3.1. Cláusulas e condições do ajuste vente.
Deverá o interessado, como primeira etapa Assim, a exigência da regularidade
na licitação, comprovar sua regularidade fiscal, fiscal é constitucional, pois não atenta
estando nesta incluída aquela referente ao de forma alguma contra a isonomia”.7
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço A regularidade do FGTS, que nos interessa,
(FGTS), nos termos do art. 29: será comprovada por meio do Certificado de
“Art. 29 – A documentação relativa Regularidade Fiscal (CRF), emitido pela Caixa
à regularidade fiscal, conforme o caso, Econômica Federal (CEF), conforme previsto
consistirá em: na Lei nº 8.036/90, em seu art. 7º, inciso V.
I – prova de inscrição no Cadastro Para obter o Certificado de regularidade, o
de Pessoas Físicas (CPF) ou no cadastro empregador deverá estar em dia com as
Geral de Contribuintes (CGC); obrigações para com o FGTS e com o paga-
II – prova de inscrição no cadastro mento de prestação de empréstimos lastreados
de contribuintes estadual ou municipal, em recursos do FGTS (art. 45, Decreto nº
se houver, relativo a domicílio ou sede 99.684/90).
do licitante, pertinente ao seu ramo de A emissão do CRF deverá ser precedido da
apresentação dos seguintes documentos:
5
MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo – impresso de solicitação;
brasileiro, p. 187-8. – contrato social e alterações;
6
A jurisprudência tem abrandado algumas – cartão CGC (matriz e filiais);
dessas normas, como no caso do exceptio nom
7
adimplendi contractus, quando o particular poderá SOARES, F. de M. Contribuições sociais : a
romper o contrato administrativo quando este passar certidão positiva de débito com efeito de negativa
a criar um encargo extraordinário e insuportável. em face do § 3º do art. 195 da Constituição Federal.
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– declaração relacionando filiais existentes; rência a crédito apurado pela fiscalização do
– declaração mencionando não possuir Ministério do Trabalho.
empregados, se for o caso;
– GR’s a partir do mês anterior à emissão 3.2. Das garantias
do último CRF até o mês corrente; A Lei de Licitações dispõe, em vários
– em caso de primeira solicitação, as seis artigos, sobre as garantias que compõem o
últimas GR’s recolhidas; procedimento licitatório, como no art. 31, inciso
– CRF original vencido ou vencendo. III, quando exige o oferecimento de garantia,
A emissão desse certificado, em conjunto limitada a 1% (um por cento) do valor estimado
com os demais documentos exigidos, deve do objeto da contratação, como um dos
cercar-se de todas as cautelas necessárias, com verificadores da idoneidade econômico-finan-
criteriosa análise dos documentos apresentados. ceira da empresa.
Havendo indícios ou suspeita de irregu- O § 1º do art. 56 enumera as modalidades
laridades na documentação, deve ser contatado, de garantia aceitas no processo, quais sejam,
imediatamente, o Ministério do Trabalho, para caução em dinheiro ou títulos da dívida pública,
que, por meio de seu corpo fiscalizatório8, vá fiança bancária ou seguro-garantia9, entre as
in loco averiguar a regula-ridade e a veracidade quais cabe ao contratado escolher.
dos fatos. Essas garantias não excederão a 5% (cinco
Tal procedimento é importante tendo em por cento) do valor do contrato, podendo, nos
vista o alcance que terá o certificado emitido. casos previstos no § 3º ser elevadas para até
Constatado que a empresa está em débito 10% (dez por cento) do valor do contrato.
com o FGTS, nos termos da Lei nº 9.012/95, Todavia, a legislação licitatória não tornou
esta não poderá celebrar contrato de prestação obrigatória a exigência da garantia, como se
de serviços ou realizar transação comercial de depreende do inciso VI do art. 55:
compra e venda com órgão público, não poderá “Art. 55 – São cláusulas necessárias
participar de concorrência pública e ficará em todo contrato as que estabeleçam:
proibida de conseguir empréstimos, finan- VI – as garantias oferecidas para
ciamentos, dispensa de juros, multa e correção assegurar sua plena execução, quando
monetária ou qualquer outro benefício junto às exigidas;” (grifos nossos).
instituições oficiais de crédito.
Nos termos do § 2º do art. 1º, os pedidos de 4. O inadimplemento
parcelamento de débito para com as instituições
oficiais de crédito serão concedidos mediante das obrigações trabalhistas
a comprovação da certidão negativa de débito
para com o FGTS. O problema que ocorre com O que se verifica em alguns casos é que as
a emissão do CRF é que ele comprova apenas empresas, após conseguirem os certificados de
que a empresa mantém depósitos regulares para regularidade, não mais se preocupam em
com o FGTS. manter as obrigações trabalhistas em dia.
Suponhamos a seguinte hipótese: a empresa Chega-se ao extremo encontrarmos cons-
X mantém um corpo efetivo de funcionários, truções, lastreadas em recursos do FGTS, nas
entre os quais alguns sem o devido registro. quais temos empregados sem o devido registro
Decidindo concorrer numa licitação, solicita o em livro, desrespeitando primordial norma
certificado de regularidade, apresentando as trabalhista e lesando o próprio sistema do
seis últimas guias de depósito, referente aos seus FGTS, financiador daquela obra.
empregados registrados. A empresa obterá o Nas contratações com o ente público
certificado, apesar de ela mesma burlar o também acontecem tais casos, em total
sistema do FGTS. A CEF não tem poderes para desrespeito ao inciso XIII do art. 55, que
realmente verificar a regularidade dos depósitos estipula como cláusula obrigatória em todo
para com o FGTS, cabendo ao Ministério do contrato:
Trabalho tal mister. Apesar disso, no impresso “XIII – a obrigação do contratado de
do certificado de regularidade, não há refe- manter, durante toda a execução do
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contrato, em compatibilidade com as
A Lei nº 8.844/94 atribuiu ao Ministério do
9
Trabalho a fiscalização e a apuração das contri- Definido no art. 6º como o seguro que garante
buições ao FGTS, bem como a aplicação de multas o fiel cumprimento das obrigações assumidas por
e demais encargos devidos. empresas em licitações e contratos.
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obrigações por ele assumidas, todas as direta, indireta ou fundacional (art. 37,
condições de habilitação e qualificação II, da Constituição da República);
exigidas na licitação”. III – não forma vínculo de emprego
Deparamos, durante a fiscalização, com com o tomador a contratação de serviços
contratos administrativos que exigem, para o de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.6.83),
pagamento das parcelas, apenas a regularidade de conservação e limpeza, bem como a
para com o INSS, não fazendo sequer referência de serviços especializados ligados à
ao FGTS, apesar de firmados após a modi- atividade-meio do tomador, desde que
ficação na lei de licitações10. inexistente a pessoalidade e a subor-
As empresas alegam que o atraso no dinação direta;
pagamento dos haveres trabalhistas deve-se ao IV – o inadimplemento das obri-
atraso com que o ente público libera os gações trabalhistas, por parte do
pagamentos devidos, em total desrespeito às empregador, implica a responsabilidade
normas e cronogramas estabelecidos no subsidiária do tomador de serviços
contrato administrativo. quanto àquelas obrigações, desde que
Mas, qual será a responsabilidade do este tenha participado da relação
contratante (ente público) nesses casos? Poderia processual e conste também do título
ele ser acionado pelos empregados para a executivo judicial”. (grifos nossos).
quitação desses direitos, postergados pelo Bollmann e Ávila, após análise dos casos
contratado? de responsabilidade, concluem que é inaplicável
O art. 71 da Lei de Licitações estatui que: o § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666, em se tratando
“Art. 71 – O contratado é responsável de empresa prestadora de serviços que cumpre
pelos encargos trabalhistas, previ- contrato de natureza administrativa, firmado
denciários, fiscais e comerciais resul- com a Administração Pública11.
tantes da execução do contrato. Acentuam em seguida, de acordo com o
§ 1º – A inadimplência do contra- nosso pensamento, a ocorrência de culpa in
tado, com referência aos encargos elegendo.
estabelecidos neste artigo, não transfere Com razão, nos termos do Enunciado nº
à Administração Pública a respon- 331, não há como admitir-se o vínculo destes
sabilidade por seu pagamento, nem empregados com a Administração Pública, que
poderá onerar o objeto do contrato ou poderá, todavia, conforme nosso entendimento,
restringir a regularização e o uso das ser responsabilizada pelo pagamento desses
obras e edificações, inclusive perante o encargos.
Registro de Imóveis”. Consideremos dois aspectos.
Os empregados das empresas contratadas, O primeiro, relativo ao atraso de paga-
na hipótese da insolvência das segundas, têm mento. A empresa firmadora do contrato
acionado a Administração Pública para apresenta sua proposta tomando em consi-
cobrança dos encargos trabalhistas, com base deração todos os custos envolvidos na licitação,
no Enunciado nº 331, do Tribunal Superior do devendo, nos termos do art. 55, XIII, manter
Trabalho, que possui a seguinte redação: as condições exigidas para a licitação em todo
“Contrato de prestação de serviços – o decorrer do contrato.
Legalidade – Revisão do Enunciado nº Ocorre que são comuns os atrasos de
256. pagamentos das faturas devidas pela Adminis-
I – a contratação de trabalhadores por tração Pública, levando o contratado a um ônus
empresa interposta é ilegal, formando- não previsível. Numa economia de mercado,
se o vínculo diretamente com o tomador as empresas operam com uma margem de lucro
dos serviços, salvo no caso de trabalho reduzida para enfrentarem a licitação, com
temporário (Lei nº 6.019, de 3.1.74); condições de serem ganhadoras e, com as taxas
II – a contratação irregular de de juros praticadas, o capital de giro também é
reduzido, retirando das empresas a sua liqüidez
trabalhador, através de empresa inter-
posta, não gera vínculo de emprego com imediata.
11
os órgãos da administração pública BOLLMANN, D. D. A., ÁVILA, D. D.
Inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei de
10
Neste caso, em específico, a empresa pagava Licitações : responsabilidade da administração
em dia apenas as contribuições para com o INSS pública direta e indireta, inclusive empresas públicas
(pois dependia disso para o recebimento das e sociedades de economia mista, à luz do enunciado
parcelas), estando em débito para com o FGTS. n. 331, do C. TST.
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Como esses atrasos tornaram-se a regra, “A culpa in elegendo por parte da
criou-se o círculo vicioso, no qual as empresas tomadora de serviços em virtude da
superfaturam seus próprios preços, já incluindo idoneidade econômica da prestadora de
nos seus custos o previsível atraso no paga- serviços implica responsabilidade
mento e suas conseqüências: atrasos de subsidiária daquela em relação aos
pagamento, de recolhimento de INSS e FGTS, direitos trabalhistas dos empregados
entre os mais destacados. desta e não responsabilidade solidária.”
O que ocorre, também detectável em nossa (TST-E-RR 0053073/92 – Ac. 5.841 –
prática, é que as empresas, para reduzir seus Rel Min. Vantuil Abdala – DJ 24.3.95,
custos na proposta, não incluem aqueles pág. 6.963).
referentes às obrigações trabalhistas, optando A responsabilização da Administração
pelo risco de contratarem os empregados sem Pública decorre, também, da Constituição
registro, deixando-os à margem dos direitos Federal, em seu art. 37, § 6º, que dispõe:
laborais, sem a contrapartida do empregador “As pessoas jurídicas de direito
quanto aos pagamentos sociais. público e as de direito privado pres-
O segundo aspecto refere-se a quando a tadoras de serviços públicos responderão
empresa não tem condições de solver suas pelos danos que seus agentes, nessa
obrigações trabalhistas por falta de habilitação. qualidade, causarem a terceiros, assegu-
Entendo que o ente contratante deve se rado o direito de regresso contra o
responsabilizar por essas obrigações. responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Como asseveram Bollmann e Ávila: Ao empregado prejudicado caberá a prova
“[...] na hipótese de não-pagamento das da existência do contrato administrativo para
obrigações trabalhistas pela prestadora que se responsabilize o ente público.
de serviços, conclui-se que a tomadora “É que, a partir do momento em que
de serviços, ao contratá-la, descuidou-se a Administração Pública, ainda que
de seu dever de averiguar a idoneidade através de processo licitatório, age com
financeira da referida, no que se refere à culpa in elegendo, e contrata pessoa
possibilidade de solvência das obrigações física ou jurídica inidônea finan-
trabalhistas. ceiramente, e, como se não bastasse,
Na medida em que negligenciou sua
deixa de proceder à fiscalização da
obrigação, permitiu a empresa tomadora
execução do contrato, que lhe é imposta
de serviços que o empregado da presta-
dora de serviços trabalhasse em proveito por lei, e permite a situação de insol-
de seus serviços essenciais, sem receber vência financeira da empresa contratada,
a justa contraprestação pelo esforço fica obrigada a reparar os danos causados
despendido”12. pela contratada a terceiros, no caso, os
Neste momento, deve-se valer do princípio empregados da empresa contratada, que
da proteção, já mencionado, para que o se derem na vigência e derivarem da
empregado tenha seus direitos trabalhistas execução do contrato administrativo
assegurados, seja quando há atraso como firmado entre as partes, por força no
quando não haja solvência do contratado. O disposto no art. 37, parágrafo 6º, da
empregado que, nos termos do art. 2º da Constituição Federal”13 (grifo nosso).
Consolidação das Leis do Trabalho, não pode Os autores mencionados concluem pela
assumir os riscos da atividade econômica, inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei
poderá ver-se sem sua essencialidade na nº 8.666, com o qual concordo, fazendo
relação: sua verba de natureza alimentar. aplicação, ainda, do princípio da proteção do
Ao proclamar a instituição de um Estado empregado.
Democrático fundado na harmonia social, ao Entendo que a fundamentação referente aos
fundamentar a ordem econômica na valorização contratos de prestadores de serviços amolda-se
do trabalho humano e, cabendo à União aos casos em que a inadimplência decorre de
promover o princípio da proteção, deve esta empresas contratadas, pelo procedimento
responsabilizar-se por sua culpa. licitatório, para execução de obras e demais
O Tribunal Superior do Trabalho, quanto à construções, pois a responsabilização decorrerá
prestação de serviços, assim decidiu: dos mesmos princípios enumerados.
12 13
Ibidem, p. 184. Ibidem, p. 186.
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5. Propostas vação anterior à contratação é verificada na
qualificação inicial – das normas de natureza
Como procurei demonstrar no sucinto trabalhista.
desenvolver deste trabalho, a proteção aos Tal proposta, para ser aplicada, depende da
empregados não está suficientemente “legis- vontade política governamental para melhor
lada”. É preciso que as normas de proteção prover os quadros da fiscalização do Ministério
sejam mais claras e facilmente aplicáveis. do Trabalho, que encontra grande defasagem
Cabe à União, nos termos do art. 22, I, da de pessoal, tanto quanto os quadros auxiliares.
Constituição Federal, e conforme demonstrado, A função do Fiscal do Trabalho é eminen-
prover aos trabalhadores a proteção que lhes é temente social e será grande auxiliar no atual
devida pelo Direito do Trabalho. A prevalência processo de globalização e flexibilização,
dos interesses públicos sobrepuja aos interesses resguardando os direitos da classe trabalhadora.
individuais, mas no atual estágio da sociedade 4. A inclusão de parágrafo no art. 56 da Lei
na qual nos encontramos, quando os efeitos nº 8.666:
perniciosos da globalização e flexibilização das “Quando a fiscalização do Ministério
normas de proteção se fazem sentir cruelmente, do Trabalho atuar na contratada e
a proteção aos que conseguem manter seus verificar o grave descumprimento de
empregos transcende a questão de meros normas trabalhistas, deverá comunicar
interesses individuais para elevar-se a uma imediatamente ao ente público, sob pena
questão pública. de responsabilidade, para que seja
Com base nas observações postas acima e bloqueada a garantia dada para seu
procurando amparar melhor os interesses dos cumprimento”.
empregados, trago a debate as seguintes Decorrência da atuação da fiscalização do Minis-
propostas de alteração na legislação: tério do Trabalho trata-se garantir a solvência
1. A alteração do art. 55, VI, da Lei nº dos débitos trabalhistas apurados durante a
8.666, que passaria a ter a seguinte redação: fiscalização. Sendo assim, evitar-se-ia a grande
“as garantias oferecidas para assegurar sua demanda trabalhista contra os entes públicos
plena execução”. decorrente da não-aplicação das normas
As garantias previstas na legislação trabalhistas pela contratada.
referente às licitações não são de inclusão Verificado pelos Fiscais do Trabalho,
obrigatória nos contratos firmados. Passariam, agentes públicos dotados de competência para
então, a ser obrigatórias em todas as contra- averiguar o cumprimento das normas traba-
tações, e não mais dependeriam da motivação lhistas, que há possibilidade de não-cumpri-
do ente público, gerando, com isso, maior mento de normas trabalhistas e que esse
proteção para o numerário público. descumprimento decorre das condições
2. A alteração do art. 56 da Lei nº 8.666, financeiras de insolvabilidade da contratada,
que passaria a ter a seguinte redação: “A
os quais comunicarão ao ente público a
autoridade competente deverá exigir a prestação
de garantia nas contratações de obras, serviços situação, cabendo a este bloquear o pagamento
e compras”. final ou bloquear a garantia, obrigatória nas
Essa alteração decorre da proposta acima, licitações, como propomos.
de exigência obrigatória da garantia nos Caso o ente público descumpra o comu-
contratos administrativos. nicado e efetue o pagamento final ou desonere
3. A inclusão de parágrafo no art. 56 da Lei a garantia dada, o responsável pelo pagamento
nº 8.666: “As garantias oferecidas pela ou desoneração será solidariamente responsável
contratada somente deverão ser liberadas após com o ente público pelo pagamento devido aos
verificação da quitação dos débitos de natureza empregados.
trabalhista, a cargo da fiscalização do Minis- 5. A alteração do art. 12 da Lei nº 8.666,
tério do Trabalho”. que passaria a ter a seguinte redação: “adoção
Quando o ente público contrata, deve das normas técnicas de saúde e segurança do
analisar seriamente os requisitos de quali- trabalho, previstas pelo Ministério do Tra-
ficação da contratada. Caberia à fiscalização balho”.
do Ministério do Trabalho, que são os agentes Trata-se de especificar quais são as normas
públicos dotados de competência para averiguar técnicas adequadas referidas no artigo, tendo
o cumprimento das normas trabalhistas, efetuar em vista que a competência para normatizá-las
a comprovação a posteriori, já que a compro- é do Ministério do Trabalho.
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 159
Havendo órgão encarregado de normatizar administração pública direta e indireta, inclusive
as regras de saúde e segurança no trabalho, que empresas públicas e sociedades de economia
no caso é o Ministério do Trabalho, que o faz mista, à luz do enunciado n. 331, do C. TST.
por meio das Normas Regulamentadoras Revista LTr, São Paulo, v. 61, n. 2, p. 183-187.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A terceirização
Urbanas e Rurais, de pouca técnica será o termo no serviço público. Revista Ltr. São Paulo, v.
“adequadas”, pois que essas normas são de 60, n. 4, p. 472-476.
cumprimento obrigatório nas empresas que MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo.
nelas se enquadrem. 14. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1989.
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito
do Trabalho. Tradução de Wagner Giglio. São
Paulo : LTr, 1978.
Bibliografia SOARES, Fabiana de Menezes. Contribuições
sociais : a certidão positiva de débito com efeito
BOLLMANN, Desirré D. A., ÁVILA, Darlene de negativa em face do § 3º do art. 195 da
Dorneles. Inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, Constituição Federal. Revista de Informação
da Lei de Licitações : responsabilidade da Legislativa, Brasília, v. 32, n. 127, p. 191-202.

160 Revista de Informação Legislativa

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