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Regime Jurídico 

O Direito Administrativo estuda a organização e a forma de


atuação da Administração Pública e o Direito Constitucional
estuda as atribuições do ente da federação.

Somando-se estes dois ramos do Direito teremos uma visão global da


estrutura administrativa brasileira. Aliás, é neste cenário que encontra-se a
primeira relação do Direito Administrativo com outros ramos do Direito,
além das regras próprias da CRFB/1988, como especialmente seu art 37.

De imediato, vale lançar aqui uma questão de denominação: Governo e


Administração Pública são a mesma coisa?

Apesar de entendermos que o Governo é mais amplo que Administração


Pública, incluindo-se ali o Poder Executivo e os demais Poderes, existe o
entendimento, da coletividade, de que Governo seria sinônimo de
Administração Pública, ou seja, inclundoi apenas o Poder Executivo.

Esta ideia não está de todo errada, porque a Administração Pública


encontra-se incluída no Governo, apesar deste não se limitar a ela.

Outro detalhe de denominação: quando escrevemos Administração


Pública com as iniciais em letras maiúsculas, nos referimos a estrutura do
Governo, enquanto que “administração pública” grafada com as letras
iniciais em minúsculo, diz respeito às atividades do Governo.

O regime jurídico administrativo diz respeito, especialmente, às


prerrogativas que a Administração Pública recebe da CRFB ou, da

legislação infraconstitucional que cria uma relação de verticalidade, de
subordinação, entre ela e o administrado.

Trata-se da tradicional supremacia do interesse público, magistralmente


trabalhada por Celso Antônio Bandeira de Mello.

Com a CRFB/1988 começou-se a questionar mudanças ou ponderações


neste tratamento de favorecimento concedido à Administração Pública.

Temos a expectativa de uma nova Administração, trocando-se


subordinação por gestão consensual.

De fato existe a introdução de formas de gestão mais apropriadas para


gerar uma atuação de colaboração entre Administração e administrados,
com vistas na obtenção de resultados mais eficientes ao atendimento do
interesse público.

A utilização de mecanismos de solução de disputas, como mediação,


conciliação, arbitragem, entre outros, evitando-se demandas judiciais
carregadas de prerrogativas para a Administração Pública em juízo, é um
ótimo exemplo desta constatação.

Nesse sentido, percebam a nova Lei de Licitações e Contratos, em seu art


155:

Lei nº 14.133/2021

Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei,


poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção
e resolução de controvérsias, notadamente a
conciliação, a mediação, o comitê de resolução de
disputas e a arbitragem.

Parágrafo único. Será aplicado o disposto no caput
deste artigo às controvérsias relacionadas a direitos
patrimoniais disponíveis, como as questões
relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento
de obrigações contratuais por quaisquer das partes e
ao cálculo de indenizações.

No entanto, afirmar que não temos mais a supremacia do interesse


público sobre o interesse particular, me parece um exagero. Com
frequência vemos expressões como: “mudança de paradigma”, até
mesmo “extinção” ou ainda uma suposta desconstrução da existência
desta supremacia.

A evolução de uma administração consensual é extremamente bem


vinda, porém ela irá conviver com a necessária supremacia do interesse
público prevalecendo sobre o interesse particular, mesmo quando
invocados os direitos fundamentais.

Mais uma vez podemos citar aqui a Lei de Licitações e Contratos onde
sua aplicação segue neste sentido. Ainda há pouco a citamos para dar
atenção à evidência de uma administração consensual. Agora, percebam
o art 104:

Lei nº 14.133/2021

Art. 104. O regime jurídico dos contratos instituído por


esta Lei confere à Administração, em relação a eles, as
prerrogativas de:

I - modificá-los, unilateralmente, para melhor
adequação às finalidades de interesse público,
respeitados os direitos do contratado;

II - extingui-los, unilateralmente, nos casos


especificados nesta Lei;

III - fiscalizar sua execução;

IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou


parcial do ajuste;

V - ocupar provisoriamente bens móveis e imóveis e


utilizar pessoal e serviços vinculados ao objeto do
contrato nas hipóteses de:

a) risco à prestação de serviços essenciais;

b) necessidade de acautelar apuração administrativa de


faltas contratuais pelo contratado, inclusive após
extinção do contrato.

O art 104 da nova Lei de Licitações e Contratos traz, basicamente, a


mesma redação do art 58 da Lei nº 8666/1993, que afirma a supremacia
do interesse público sobre o interesse do particular contratado, por meio
das famosas cláusulas exorbitantes.

Aliás, havia muitos comentários de que a nova Lei de Licitações e


Contratos não traria as cláusulas exorbitantes, para a frustração daqueles
que, de forma mais radical, pregam o fim da supremacia do interesse
público sobre o particular.

Neste sentido, concordo com a necessidade de um uso adequado destas
cláusulas exorbitantes - também conhecidas como de privilégio - para
que não sejam utilizadas em todo e qualquer contrato, como vem
acontecendo nos termos contratuais padronizados.

Outro texto legal de extrema importância e que identifica a Administração


Consensual é a LINDB, alterada em 2018 para comportar regras de
Direito Público, onde em seu art 26:

LINDB - DL nº 4657/1942

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica


ou situação contenciosa na aplicação do direito público,
inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade
administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e,
quando for o caso, após realização de consulta pública,
e presentes razões de relevante interesse geral,
celebrar compromisso com os interessados, observada
a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a
partir de sua publicação oficial. (Incluído pela Lei nº
13.655, de 2018)

Percebam a “proposição” da norma, ao invés de decidir unilateralmente de


forma impositiva que a Administração busque um acordo com o
administrado.

Aí encontra-se o que devemos identificar no regime jurídico administrativo


- que vem sofrendo inevitáveis ajustes desde a CRFB/1988,
especialmente em razão dos direitos e garantias fundamentais - é o fato
destes não anularem a necessidade do interesse público de continuar
prevalecendo sobre o interesse particular.

O regime jurídico administrativo que confere prerrogativas na defesa do
interesse público não será encontrado em todas as performances da
Administração Pública. Como dito, tudo dependerá da previsão de sua
existência em um texto legal, onde o princípio da legalidade é
importantíssimo na forma de agir governamental.

Um bom exemplo da não aplicação dessas prerrogativas está relacionado


às empresas estatais prestadoras de atividade econômica, onde a CRFB,
de forma expressa, determina que estas entidades da Administração
Indireta tenham o mesmo tratamento oferecido à iniciativa privada,
conforme determinação do inciso II, do § 1º do art 173:

CRFB/1988

art
173…………………………………………………………………

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa


pública, da sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias que explorem atividade econômica de
produção ou comercialização de bens ou de prestação
de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

…………………………………………………………………..

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas


privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações
civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

Vale destacar que as empresas estatais possuem personalidade jurídica
de direito privado, necessitando da mesma agilidade operacional do setor
privado, do qual competem por mercado.

É interessante também destacar que as cláusulas exorbitantes citadas


anteriormente para garantirem tratamento com prerrogativas para a
Administração Pública, não são encontradas, em sua maioria, nas
contratações feitas pelas empresas estatais, que inclusive contam com
uma outra Lei de Licitações e Contratos, a Lei nº 13.303/2016.

Por fim, vale destacar que não só de prerrogativas vive a Administração


Pública. Sempre tivemos em contrapartida restrições na conduta dos
agentes públicos, baseadas especialmente em princípios de
impessoalidade e publicidade, tais como a obrigação de licitar antes de
realizar contratações públicas.

Nesse sentido, vale citar Maria Sylvia Zanella: “Basicamente, pode-se


dizer que o regime jurídico administrativo se resume a duas palavras
apenas: prerrogativas e sujeições.” (grifo da autora) (DI PIETRO, 2021,
p.76).

Toda a preocupação em torno da criação de um regime jurídico


administrativo se justifica na viabilização da realização das funções do
Estado, mais precisamente para o Direito Administrativo as atividades da
Administração Pública.

As atividades administrativas se confundem com a identificação do


interesse público a ser protegido, afinal a criação do Estado se deu com
este propósito.

Tradicionalmente temos o interesse público primário que envolve o


interesse público pensado por todos, que é o atendimento imediato das

necessidades da coletividade. Trata-se da chamada administração
extroversa.

No entanto, no interesse público secundário o atendimento defendido é o


interesse da máquina governamental. Trata-se da administração
introversa.

Citando Diogo de Figueiredo, podemos dar atenção ao rol de atividades


administrativas voltadas ao atendimento do interesse público primário, ou
seja, administração extroversa:

Por conveniência didática, ao se compor o critério


cronológico com o da finalidade visada, distinguem-se
cinco grandes categorias de atividades administrativas
públicas extroversas: o exercício da polícia, a prestação
de serviços públicos, a execução do ordenamento
econômico e do ordenamento social e o oferecimento
do fomento público. (MOREIRA NETO, 2014, p. 129).

O exercício da função de polícia é essencial para uma vida harmônica em


sociedade. Obviamente, não se limita à polícia de segurança pública, mas
que trata de todas as liberdades e direitos individuais de forma a ajustá-los
aos interesses gerais.

Os serviços públicos formam a atividade das mais esperadas numa


estrutura governamental, que atualmente tem se diversificado quanto à
sua execução, especialmente com o avanço da desestatização.

A intervenção do Estado na ordem econômica, devemos frisar, se dá sob


forma de controle, já que o art 173, da CRFB, explicitamente não deseja o
Estado como agente econômico.

Este controle se dá por meio de estruturas próprias como o BACEN no
sistema financeiro, o CADE na política antitruste, entre outras.

A intervenção na ordem social já ocorre de forma direta, com a execução


de tarefas como as realizadas na área da seguridade social, onde
destaca-se a previdência social, além das atuações nas áreas de
educação e saúde que também aqui se encaixam.

Por fim, o fomento público, onde a estrutura administrativa incentiva


determinadas atividades e regiões por meio de políticas públicas, em
regra, previstas no Plano Plurianual visando a redução das desigualdades
regionais, podemos citar as autarquias federais SUDENE, SUDAM,
SUDECO, entre outras.

Atividade Extra

Artigo: Desclassificação de todas as propostas na licitação. Interpretação


do art 48, § 3º da Lei federal nº 8.666/93 de WILLEMAN. Flávio de Araújo.
Temas de Direito Público. Editora Lumen Juris . Rio de Janeiro.

Referência Bibliográfica

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito
Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Rio de Janeiro:


Gen Forense, 2002.

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