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Direito Administrativo II

2ª Frequência

Aulas teóricas: Doutor Licínio Martins


Livro: Lições de Direito Administrativo, 5ª edição

Maria Madalena Duarte


2020/2021
Maria Madalena Duarte 2020/2021

1- O Contrato Administrativo
1.1- Disciplina prevista no CPA e as noções de contrato público e
contrato administrativo
O contrato é um acordo de vontades ou mútuo consenso, através do qual constitui,
modifica ou extingue uma relação jurídica administrativa. O que marca a natureza
administrativa do contrato é o contraente público (pessoas coletivas de direto público,
organismos públicos ou de direito público e quaisquer entidades, públicas ou privadas,
que possam celebrar contratos no exercício de funções materialmente administrativas)
ter poderes jurídico-administrativos de gerir o contrato ou execução do contrato com
poderes que não existem num contrato de direito privado. Isto acontece devido ao
princípio do interesse público (a causa função do contrato administrativo é o interesse
público).
O CCP adota uma noção ampla de contrato público, fazendo parecer que todos os
contratos celebrados no âmbito da função administrativa, independentemente da sua
natureza e designação, seriam contratos públicos, desde que outorgados por entidades
adjudicantes. Mas a realidade é outra, sendo que o regime de contratos públicos só se
aplica apenas aqueles cujas prestações suscitem, pelo menos potencialmente,
concorrência no mercado.
Nos termos do 280º do CCP, caracteriza o contrato público como um acordo de
vontades, independentemente da suas designação e forma, em que pelo menos uma das
partes é um contraente público e que se enquadre numa das categorias mencionadas
nesse artigo.
Há contratos em que esses poderes jurídico-administrativas de gerir o contrato são
mais limitados, como o contrato de aquisição de serviços, porque se a administração
celebra estes contratos com juristas independentes, o exercício desses poderes é menor
porque a administração não pode exercer poderes de direção sobre como o jurista irá
trabalhar, elaborar o parecer, etc. Mas pode, por exemplo, multar por atraso ou até
reter retribuições como sanção do pagamento de multa.
O regime dos contratos administrativos está previsto no Código dos Contratos
Públicos, como está previsto no 202º/1 do CPA.
O contrato administrativo pode ter por objeto qualquer relação jurídico-
administrativa (200º/3 do CPA), segundo o princípio geral de que os órgãos da
administração pública, por sua autonomia ou habilitação legal, podem celebrar contratos
administrativos que tenham por objeto qualquer matéria, exceto as que a lei vedar ou a
natureza da relação não o permitir (como matéria sancionatória, apesar de que em
algumas áreas, como o ambiente, já seja possível).
Os contratos administrativos, para serem celebrados e outorgados, necessitam seguir
um procedimento administrativo (mesma regra que existe para a adoção de atos
administrativos). O procedimento pré-contratual até à adjudicação contratual (escolher
com quem celebrar o contrato) está estabelecido no Código dos Contratos Públicos (do
artigo 201º até ao artigo 277º). O regime mais vasto, do ponto de vista do procedimento,

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é o dos contratos administrativos, em detrimento do procedimento dos atos


administrativos.
Na ausência de lei própria, aplica-se à formação dos contratos administrativos o
regime geral do procedimento administrativo estatuído pelo presente Código, com as
necessárias adaptações.

1.2- Algumas disposições do Código dos Contratos Públicos (CCP)


O código dos contratos públicos estabelece, na sua Parte III, o regime de execução
destes contratos administrativos. Assim, em geral, todos os contratos administrativos
têm o epicentro do regime para serem celebrados, que são as normas procedimentais
(está presente até ao artigo 277º do CCP).
Após ser celebrado, surge outro regime, o regime da execução do contrato (o
chamado regime substantivo), que contém as condições de pagamento, poderes que
detém o contraente público, direção e fiscalização do contrato, sanções contratuais,
resolver coativamente o contrato, etc.
Os principais contratos administrativos são os que resultam de qualificação legal,
como está presente no 280º no CCP:
a) Empreitada de obras públicas: é a exploração de uma obra pública que, em geral,
é feita pelo contraente privado; contrato de solicitação de bens e serviços no
mercado;
b) Concessão de obras públicas: contratos de delegação de funções ou serviços;
c) Concessão de serviços públicos: serviço público de transportes pode ser
explorado por entidades públicas (como em Coimbra) ou delegam a operadores
económicos privados (pode ser concedido por ato administrativo – concessão
constitutiva – ou contrato público – como lhe atribui uma vantagem, é o contrato
de atribuição); contratos de delegação de funções ou serviços;
d) Locação ou aquisição de bens móveis: contrato de solicitação de bens e serviços
no mercado;
e) Aquisição de serviços: contrato de solicitação de bens e serviços no mercado;
O contrato administrativo é em parte como o contrato ou negócio jurídico estudado
em Direito Civil, pois é um acordo de vontades. A partir daqui, é tudo diferente, seja a
formação ou a execução. No direito civil há a regra da paridade na execução do
contrato, não havendo poderes de supremacia de um contraente em virtude do outro
contraente.
No direito administrativo a regra é de que os poderes de supremacia do contraente
público são o cerne do regime do contrato público. Há um poder de direção, ou seja, um
poder que permite ao contraente público dirigir a execução do contrato, sobre o
contraente privado, podendo lhe dar ordens a cerca do modo de execução, de suspensão,
aceleração, etc. Isto são atos administrativos, e não meras declarações negociais, que
caso o contraente privado considere ilegais pode impugnar nos tribunais
administrativos.

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O contrato administrativo é uma fonte de relação contratual administrativa, mas é


também uma fonte de habilitação para o contraente público praticar atos administrativos
(de direção, sanção, etc.) ao longo da execução do contrato.

1.3- Classificação (doutrinal) dos contratos administrativos


1. Critério do fim:
 Contratos de colaboração: através dos quais a administração apela aos
operadores económicos privados, que contribuam para o desempenho de
atividades materialmente administrativas, tendo como contrapartida uma
renumeração. UC precisa de estar permanentemente a fazer empreitadas,
celebra contratos de empreitadas (contratos de obras públicas, porque o dono é
um contraente público) para realizar uma obra para a qual não tem meios para
fazer.
 Contratos de atribuição: confere uma vantagem ex novo ao particular, que a
obtém através do contrato. O co-contratante privado fica numa situação de
vantagem própria, mediante contrapartida (concessão de uso privativo do
domínio público, concessão de jogo de fortuna e azar – monopólio do jogo é
público, como os casinos).
 Contratos de cooperação: contratos em que dois (ou mais) entes públicos
acordam na realização de tarefas públicas de interesse comum, em função da
identidade ou da complementaridade das respetivas atribuições (gestão dos
transportes escolares entre municípios).

2. Critério da relação entre as partes: posição das partes no contrato e qual o


estatuto delas nesse contrato.
 Contratos de subordinação: assim designados por, na respetiva execução, se
verificar um ascendente funcional da Administração sobre o cocontratante (na
respetiva execução, há poder de supremacia contratual do contraente publico
sobre o privado), podendo ser:
 Contratos de colaboração subordinada: a noção abrange os contratos de
aquisição de bens e serviços no mercado, os contratos de concessão
translativa, que visam associar um particular ao exercício de funções
especificamente administrativas, destacando-se os que implicam uma
relação duradoura (concessões de obra ou serviço público, gestão de
estabelecimento público);
 Contratos de atribuição subordinada: está dependente da administração
porque a qualquer momento pode voltar a precisar desse espaço, como as
esplanadas na Praça da República. Por isso, é um contrato precário ou
funcionalmente dependente da Administração, apesar de haver vantagem
para o contraente privado (concessões de exploração do domínio público
e alguns contratos-programa);
 Contratos de cooperação subordinada: celebrados entre entes públicos,
em que há uma lógica de paridade e uma relação igualitária, mas em que

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um deles se sujeita ao exercício de poderes de autoridade do outro (artigo


338º/2 do CCP).
 Contratos de não subordinação, em que tal ascendente não se verifica,
incluindo:
 Os contratos de cooperação inter-administrativa paritária: dois entes
públicos contratam num plano de igualdade jurídica (contratos de
parceria entre o Estado e as autarquias locais para a exploração e
gestão de sistemas municipais de abastecimento público de água, de
saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos
urbanos). São os contratos celebrados no âmbito da descentralização,
como na educação (cantinas, segurança, manutenção dos espaços
escolares), em que antes estavam no controlo do Estado, passando a estar
no controlo dos municípios. Seria de duvidosa constitucionalidade que o
estado tivesse poderes para tornar os municípios em seus subordinados.
Apenas faz sentido haver uma fiscalização de legalidade (e não de
mérito).
 Contratos de colaboração não subordinada: co-contratante privado
colabora, com o estado, no desempenho de uma tarefa pública, mas no
exercício de uma liberdade ou autonomia constitucionalmente
consagrada (contratos de associação com escolas privadas – para que
assumam a responsabilidade de acolher alunos que deveriam estar nas
escolas públicas, com o proveito do direito fundamental de aprender e
da educação, costeando o estado o preço respetivo pelo aluno frequentar
tal escola– ou contratos com Instituições Particulares de Solidariedade
Social - IPSS);
 Contratos de atribuição de direitos: posições não-precárias ou não
subordinadas (se não, estaria em causa o princípio da confiança),
desenvolvendo o co-contratante particular uma atividade própria dos
privados, cujo desempenho interessa ao contraente público (a
generalidade dos contratos-programa, contratos de investimento,
contratos de desenvolvimento, “contratos de licenciamento”, contratos de
atribuição de bolsas).

3. Critério do conteúdo do objeto:


 Contratos com objeto passível de ato administrativo: são substitutivos ou
integrativos de atos administrativos de autoridade, na lógica do princípio da
fungibilidade. Temos os
 Contratos decisórios ou substitutivos de atos administrativos - 337º/1 do
CCP;
 Contratos obrigacionais (337º/2 do CCP) nos quais, antes ou no decurso
de um procedimento administrativo, a Administração se obriga a praticar
ou a não praticar um determinado ato administrativo com certo conteúdo,
para que o particular tenha uma garantia;
 Acordos endocontratuais, enquanto contratos que substituem atos
administrativos contratuais, combinando os termos contratuais futuros,

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que são vinculativos para as duas partes contratuais (iguais aos acordos
endoprocedimentais, mas no âmbito contratual- 310º do CCP)
 Contratos com objeto passível de contrato de direito privado, que já não
pode ser assim atualmente, porque, por imposição do CCP são agora
sempre contratos administrativos, sendo que não vigora o princípio da
fungibilidade entre contrato administrativo e contratos privados.
Contudo, doutrinalmente pode haver, na prática é que não (aquisição de
bens ou de serviços ao mercado).
 Contratos com objeto próprio (ou exclusivo) de contrato administrativo:
concessão de obra pública, concessão exploração de jogos de fortuna ou azar -
casinos.

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2- O Regulamento Administrativo
2.1- Noção doutrinal e legal
É um modo de agir da administração, sendo considerados regulamentos
administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas infralegais que, no exercício de
poderes jurídico-administrativos e no exercício da função administrativa, visem
produzir efeitos jurídicos externos. Os órgãos administrativos emitem regulamentos
administrativos, emitidos no âmbito da função administrativa. Caracterizam-se então
pelo seu carácter abstrato, geral e execução permanente (“vigência sucessiva”).
Têm por objeto, em regra, a aplicação das leis ou atos normativos de valor formal
equiparado, como sucede com certos atos normativos diretamente aplicáveis da União
Europeia, como os regulamentos da UE (135º do CPA). Os regulamentos
administrativos facilitam a aplicação dessas normas (sejam internas ou da UE).
Por contraposição ao ato administrativo, que é um ato individual e concreto, com
destinatários identificados e numa situação concreta; o regulamento são normas gerais e
abstratas, com um número indeterminado de destinatários e um número abstrato de
casos (que não se conseguem antecipar). A diferença do regulamento para as leis é que a
administração para atuar tem de ter por basa uma lei (vinculação de subordinação da
administração à lei).
Trata-se de uma noção ampla, que abrange, entre outros, documentos normativos
estatutários (associações públicas profissionais, de universidades públicas, normas-
plano, regulamentos de concursos, programas de concursos, de que constituem exemplo
os programas dos procedimentos de contratação pública). Quem os emite são os órgãos
administrativos do estado, passando a ser um órgão aplicador de direito (interno ou
europeu).
Os regulamentos relacionais visam preencher o espaço normativo entre a lei e a
atuação administrativa concreta, abrangendo, em princípio, matérias de menor
importância, mais técnicas ou sujeitas a mutações mais rápidas que não devem ocupar o
legislador nem constar de diplomas legais, mas cuja regulação, por razões de segurança
e previsibilidade, de igualdade ou de transparência, não devem ser deixadas totalmente
ao decisor dos casos concretos.

2.2- Tipos de Regulamentos:


I. Regulamentos internos (normas internas): têm por objeto disciplinar a
organização e o funcionamento das pessoas coletivas públicas, os respetivos
órgãos (regimento de um órgão colegial) e serviços e as relações orgânicas (os
designados regulamentos especiais que disciplinam a relação funcional/de
serviço dos trabalhadores públicos, dos militares, o “estatuto” dos presos, etc.).
Contêm, muitas vezes, no âmbito do exercício de poderes discricionários,
orientações sobre a interpretação e aplicação das leis pelos órgãos e agentes
administrativos (circulares administrativas). O seu âmbito de aplicação esgota-se
no interior da própria organização administrativa. Todas as organizações têm
estes regulamentos, pois é a disciplina interna da organização, regulando o
funcionamento do local de trabalho, horários, marcação de faltas, ao nível da
organização e funcionamento próprio.

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II. Regulamentos externos (relacionados com o âmbito de aplicação):


regulamentos aplicáveis a quaisquer relações intersubjetivas, incluindo as
relações inter-administrativas, lançando aí sua eficácia, principalmente para
regular a atuação jurídica dos particulares (tem eficácia externa, na esfera dos
particulares). Projetam os seus efeitos na esfera jurídica dos respetivos
destinatários, isto é, projetam a sua eficácia na esfera jurídica de particulares
(regulamentos territoriais, municipais, etc.), concedendo direitos, tirando direitos
ou impondo encargos. A eficácia externa no ato administrativo produz numa
esfera determinada, já no regulamento projeta-se num conjunto indeterminado
de destinatários no momento em que as normas são elaboradas (depois poderá
determinar-se quais as pessoas que viram a sua esfera jurídica afetada).
III. Regulamentos mediatamente ou indiretamente operativos: em geral, os
regulamentos só produzem efeitos (só são eficazes) na esfera dos destinatários
através da mediação de atos concretos de aplicação, administrativos ou judiciais.
Necessitam de um ato administrativo que medeie a aplicação do regulamento.
Por exemplo, para a atribuição de bolsas devido ao seu percurso escolar, o
aluno pode ter direito, mas tem de ser ele a desencadear o procedimento para
que a análise da sua situação individual e concreta seja analisada pela UC. Para
se produzir o efeito abstratamente previsto no regulamento necessita de um ato
administrativo.
IV. Regulamentos imediatamente ou diretamente operativos: produzem os
respetivos efeitos jurídicos (são eficazes) na esfera dos destinatários, sem a
necessidade da prática de atos administrativos de aplicação (regulamentos que
imponham proibições, regulamentos que estabelecem “preços públicos” – taxas,
tarifas, propinas). Caso para a atribuição de bolsa tenha apenas o requisito de
“ter média de 17 valores”, é um regulamento diretamente operativo (a norma
contém as expressões que mostram ser diretamente aplicável). Como, por
exemplo, um regulamento municipal que imponha o pagamento de taxas pelo
exercício de uma certa atividade basta que exista o pressuposto do exercício da
atividade para que o munícipe fique onerado com o dever de pagar essa taxa.

Relativamente aos regulamentos externos, existem vários tipos de regulamentos


em função da respetiva relação com as leis habilitantes:
 Regulamentos executivos: limitam-se a facilitar a boa execução do regime das
leis especificamente habilitantes, pormenorizando procedimentos de aplicação e
clarificando a respetiva interpretação do seu regime procedimental (como o
regulamenta da toga para os advogados em tribunal). Não são regulamentos se
complementam o regime legal, são regulamentos que os que estabelecem um
regime, como seja a definição dos pormenores das fardas da PSP. Há assim um
regime legal que determina a necessidade de usar o uniforme e depois por
regulamento pormenoriza o regime legal (noções, definições, calçado uniforme,
etc). Não obstante o artigo 112º/5 da CRP não seja inequívoco quanto aos
regulamentos executivos, o certo é que, para o Governo, há uma habilitação
constitucional expressa no artigo 199º/c) da CRP, sobre a competência
administrativa do Governo.
 Regulamentos complementares (regulamentos de desenvolvimento):
regulamentos que completam ou desenvolvem um determinado regime legal. O
regime ficou intencionalmente incompleto para que fosse completo pelo

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regulamento de desenvolvimento (têm habilitação para desenvolver e completam


o regime legal) com normas procedimentais novas e desenvolvimento do próprio
regime. Aqui vale a autonomia regulamentar de certas pessoas coletivas publicas
(municípios, as freguesias, as ordens profissionais – por exemplo os códigos
deontológicos das ordens profissionais, completam ou desenvolvem o regime
legal em matéria procedimental e ainda em regime substantivo (define novos
procedimentos e indica a matéria sobre a qual se podem aplicar sanções, por
ex.). Contudo não deve admitir-se o uso deste poder por parte do governo
porque este para além de função administrativa tem competência legislativa por
isso deve desenvolver as leis através de decreto-lei de desenvolvimento. Este
tipo de regulamentos não é diretamente proibido pelo 112º/5 da CRP, devendo
admitir-se quando a Constituição ou a lei confira autonomia regulamentar a
certas categorias de pessoas coletivas públicas (que têm autonomia
constitucional: universidades públicas, administrações autónomas territoriais e
funcionais – como a Ordem dos Advogados).
 Regulamentos independentes: não têm por objeto regulamentar o regime de
uma lei específica (a lei X ou Y), mas dinamizar um determinado conjunto de
leis. Enquadram-se neste âmbito:
 Os regulamentos independentes autónomos: não obstante pressuporem
sempre uma norma legal habilitante que estabeleça a respetiva
competência, estes tipos de regulamentos são assim designados por não
se destinarem a executar, completar ou aplicar uma lei específica ou
determinada. Têm por objeto dinamizar a ordem jurídica em geral ou um
conjunto de leis espalhados por vários diplomas legais, o que condiciona
o exercício das tarefas. É independente porque não se limita a
desenvolver o regime de um diploma (mas de diversos diplomas) e
autónomo por ter como fonte uma identidade da administração
autónoma. Disciplinando “inicialmente” certo tipo de relações sociais, na
medida em que são emitidos ou no exercício de poderes normativos
próprios de produção normativa primária (pelas organizações
autoadministradas - regulamentos autónomos -, que se encontram
constitucionalmente garantidos para as administrações autónomas
territoriais - 227º/d) e 241.º), ou no âmbito da administração autónoma
profissional (ordens profissionais) e no âmbito das universidades
públicas (estatutos universitários). Por exemplo, a UC tem o seu estatuto
universitário e muitas leis dispersas, concentrando no seu regulamento
administrativo, de forma unitária, o seu regime.
 É problemática a admissão de regulamentos independentes no âmbito das
designadas autoridades reguladoras independentes (a regulação
independente), que integram o sector da Administração indireta
independente do Governo. Neste âmbito, há uma aceção
constitucionalmente mais restrita, em que apenas deveriam admitir-se
regulamentos de execução de leis. No entanto, em face dos cada vez mais
amplos espaços normativos delegados pelas leis nestas autoridades (na
Autoridade da Concorrência, na Entidade Reguladora do Sector
Energético, na ANACON, etc.), constata-se que dispõem de um poder
normativo genérico para a emissão de regulamentos complementares das
leis, senão mesmo (e não raras vezes) para a emissão –

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constitucionalmente, no mínimo, muito problemática – de regulamentos


independentes, assistindo-se a uma deslegalização de matérias sujeitas a
intervenção primária de lei formal. O legislador deixa intencionalmente
para estas entidades a possibilidade de regulamentar, poder que é
materialmente legislativo, que carece de uma intervenção primária do
legislador para só depois estas entidades reguladoras poderem
estabelecer regulamentos. Isto significa que as ER regulamentam e
estabelecem regimes inovadores que carecem de intervenção primaria do
legislador.
 Surgem também duvidas constitucionais sobre os regulamentos
independentes pelo governo, embora há quem ache que o governo ao ter
uma função administrativa, poderá fazer um regulamento para a área do
turismo que respeite a um regime complexo de leis e que através de um
regulamento independente vá desenvolver os pormenores dessas leis.
Pelo outro lado está quem considerada que ao ter competência legislativa
não faria sentido usar este instrumento.
 Regulamentos delegados (reserva de forma do ato administrativo) há uma
proibição expressa de deslegalização de matéria, no âmbito de matérias que a
CRP define como necessários para a disciplina primária dessas matérias,
incluindo a função regulamentar (é uma função subordinada à lei). Assim o
poder de emissão de normas regulamentares que pode ser mais intensa
(regulamentos executivos) ou menos intensos (regulamentos complementares).
Por virtude da reserva de lei formal, a CRP (112º/5) não admite qualquer tipo de
delegação ou de deslegalização de matérias que devam ser objeto de uma
intervenção primária de lei formal (leis, decretos-leis ou decretos legislativos
regionais).
 Regulamentos autorizados: também não são admitidos por definição (devido à
proibição constitucional), com exceção de certos tipos de normas. São normas
que regulam de forma inovatória, em que há âmbitos materiais que reclamam
estes tipos de regulamentos. Surgem em virtude da necessidade de conjugar e
coordenar interesses transversais, que não são apenas interesses localizados, são
valores constitucionais (simultaneamente interesses nacionais, locais e regionais,
daí serem regulamentos supramunicipais). Um exemplo são os regimes de
ordenamento do território, que deve contemplar um conjunto de interesses. Não
são usuais, sendo que fora deste tipo de matérias estariam a ultrapassar este
âmbito constitucional.

2.3- Procedimento Regulamentar


No regulamento administrativo não há grandes diferenças do procedimento para o
ato administrativo, mas há uma construção analítica que é respeitada:

1) Fase preparatória
i. Iniciativa: os procedimentos dirigidos à emissão de regulamentos são
sempre de natureza oficiosa, porque são os órgãos administrativos que
tomam a iniciativa para desencadear a elaboração de um regulamento.
Seguindo o exemplo da bolsa, normalmente inicia-se por despacho do
Senhor Reitor para o regulamento de atribuição de bolsa (cada
regulamento tem um ato de início oficioso). Ainda que tenham existido
pedidos ao Reitor para alterar o regulamento ou elaboração de um
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regulamento, estes pedidos não vinculam a decisão do Reitor, não sendo


estes pedidos que iniciam o procedimento (não está vinculado ao pedido
dos interessados). São apenas pedidos de petição, previstos no artigo
97º/1 e 2 do CPA. Em todo o caso, há sempre o princípio da
transparência, essencial (98º/1 do CPA), sendo o início do procedimento
alvo de publicação na internet.
ii. Instrução: momento da elaboração do projeto de regulamento (articulado
do regulamento), ponderando-se e comparando-se os vários interesses
envolvidos, devendo elaborar-se uma nota justificativa fundamentada
sobre as posições adotadas, que têm de incluir uma ponderação da
relação custo-benefício das medidas projetadas (99º do CPA). Por
exemplo, um regulamento municipal sobre taxas, que pode ser um
mecanismo indutor à não iniciativa económica com a existência da taxa.
Há uma ponderação sobre as decisões adotadas para ter ou não uma
norma no regulamento, sendo avaliada a contrapartida do município em
relação a quem exerce essa atividade. Será um custo para quem é o direto
visado com as taxas, mas também terá benefícios que advêm de uma
receita financeira que será importante para o equilíbrio das finanças
locais. De forma que qualquer cidadão compreenda esta ponderação, tem
de ter acesso a esse raciocínio de ponderação para estar em condições de
compreender os valores presentes nessa instrução (é pelo 99º do CPA).
iii. Participação/audiência dos interessados: caso as disposições contidas no
regulamento afetem de modo direto e imediato direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares, o órgão responsável pela direção
do procedimento tem de submeter o projeto, dentro do prazo razoável, à
audiência dos interessados que como tal se tenham constituído no
procedimento (100º do CPA). Essas disposições podem ser
inconstitucionais se puserem em causa o exercício de uma liberdade
fundamental, como a liberdade religiosa ou o exercício da atividade
profissional. Ainda que haja a liberdade de emanar regulamentos
independentes, devem ser ponderados casos como a liberdade religiosa,
que por algum esquecimento não ponderou o interesse de acesso ao
trânsito em determinada área impedia o exercício de prática religiosa.
Logo que um determinado procedimento possa afetar algum interesse
dos interessados, há que auscultar a posição desses particulares
potencialmente atingidos na sua esfera jurídica por parte desses
regulamentos.
 Casos de dispensa e de inexistência de audiência dos
interessados: seja pela razão de urgência, seja razoavelmente
possível prever que a diligência comprometa a execução ou a
utilidade do regulamento (razões legitimas) ou pela
quantidade de interessados. Se for um caso em que são
milhares de interessados, mas representados por uma
associação, a audiência é possível.
 Consulta pública: quando são milhares e incontáveis os
interessados ou quando a natureza da matéria o justifique,
deve ser substituída a audiência por uma consulta publica a
qual tem de ser referida no preâmbulo do regulamento e
publicação na internet (101º do CPA). Quando não se der a
consulta pública quando devia existir surgem consequências

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de validade ou invalidade da matéria. O plano de pormenor


tem de ser submetido a consulta publica, ou no espaço do
município ou na sala da freguesia. Isto é obrigatório em maior
ou menor escala para todas as pessoas coletivas publicas que
emitam regulamentos com eficácia externa.
 Acordos endoprocedimentais (57º e 98º/2 do CPA): podem ser
celebrados, quando as circunstâncias o justifiquem,
estabelecendo os termos de acompanhamento regular do
procedimento com as associações e fundações representativas
dos interesses envolvidos e com as autarquias locais em
relação à proteção de interesses nas áreas das respetivas
circunscrições.
iv. Elaboração do projeto final: atendendo ou não às sugestões, críticas ou
reivindicações dos particulares é elaborado o projeto final do
regulamento. Caso tenha sido feita consulta pública, tem de estar no
preâmbulo do projeto de regulamento (101º/3 CPA).

2) Fase constitutiva: é a fase da aprovação, semelhante à do ato administrativo. A


diferença é que no ato é uma decisão individual e concreta, enquanto no
regulamento temos uma decisão abstrata e genérica. Como sucede no ato
administrativo este procedimento é acompanhado por alguém que dá apoio ao
órgão responsável pelo procedimento, ou seja, há delegação ao inferior
hierárquico por parte do órgão competente para a decisão final, passando a ser
este o competente e detentor do poder de direção do procedimento (55º/1 do
CPA).

3) Fase integrativa de eficácia: é constituída pelas formalidades que


desencadeiam os efeitos jurídicos externos do regulamento, e entre elas
encontram-se a publicitação ou os atos que constituam o resultado de
procedimentos de controlo. No caso dos regulamentos a publicação é necessária,
sendo condição geral da sua eficácia (119º da CRP e 139º do CPA). Esta fase é
indispensável para que possam ter efeitos na esfera jurídica dos destinatários.

Nota: quanto ao requisito formal e comum a todos os regulamentos externos, o


artigo 136º do CPA estabelece que a emissão do regulamento depende da usa
habilitação legal, indicando a lei ou do bloco de leis que constituem objeto de
regulamentação da qual depende a legalidade do regulamento (é uma exigência
constitucional – 112º do CPA).

2.4- Formas regulamentares mais importantes


1- Regulamentos do Governo: assumem a principal forma de decreto
regulamentar, designadamente quando sejam regulamentos independentes;
forma de resoluções normativas do Conselho de Ministros, quando
correspondam ou contenham normas regulamentares; de portarias genéricas,
emitidas por um ou mais Ministérios, mas em nome do Governo; e de despachos
normativos de um ou mais Ministros. As resoluções são atos normativos
emitidos no exercício da função administrativa aprovadas no Conselho de
Ministros. Estas, às vezes, são meras funções políticas, mas, em geral, são atos

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de caráter regulamentar (o que é importante para saber se a ação é impugnável


ou não – 112º/6 da CRP).
2- Regulamentos dos órgãos das Regiões Autónomas: os mais importantes
assumem a forma de decretos regulamentares regionais (233º/1 da CRP).
3- Regulamentos das autarquias locais: não assumem uma forma típica única ou
típica. Por exemplo, regulamentos locais de polícia revestem frequentemente a
forma de posturas, que em muitos casos são sistematizadas ou compiladas em
códigos de posturas municipais.
4- Regulamentos das demais entidades publicas – não têm forma própria em
geral, exceto os estatutos auto-aprovados, como sucede com as Universidades.

Nota: a portaria já tem forma especifica. Por exemplo, o MAI sobre o fardamento;
forma rotineira habitual dos ministros; como são os decretos regulamentares ou as
resoluções do Conselho de ministros.

2.5- Princípios jurídicos inerentes à atividade regulamentar externa


Tratando-se de uma forma da ação administrativa, a atividade regulamentar
encontra-se sujeita aos princípios gerais da atividade administrativa, designadamente:
A. Princípio da legalidade concretizado:
 Primado da lei: será ilegal se violar o princípio, pois está incluído no primado da
Constituição.
 Precedência da lei: assumindo especial importância o princípio constitucional da
reserva parlamentar e a inerente exigência de densidade legal acrescida. Nas
matérias reservadas ao Parlamento, são de admitir os regulamentos executivos,
sendo inadmissíveis regulamentos independentes do Governo (embora seja de
admitir, ainda que de forma limitada, regulamentos independentes autónomos,
por razões ligadas à harmonização ou concordância prática entre o princípio da
reserva de lei e a garantia das autonomias normativas, como sucede com as
Regiões Autónomas e as autarquias locais). O regulamento deve indicar a lei que
o habilita, caso contrário poderá o regulamento estar a invadir a matéria de
reserva de lei. Há então que articular a reserva de lei com o exercício das
autonomias constitucionais (autonomia normativa para completar a lei),
competindo a cada município e Região Autónoma a definição de edifícios onde
não são permitidos os murais e propaganda política (exercício de liberdade
política, artística, só depois da atividade primária), estabelecendo o regime da
lei. Pode haver a atividade secundária da autonomia regulamentar das autarquias
e regiões autónomas, só depois é possível acumular esta precedência de lei com
liberdades fundamentais como a liberdade de manifestação política.

B. A relevância dos princípios substanciais da juridicidade: relevância dos


princípios gerais
 Princípio da legalidade (3º e ss do CPA), aplicável a todos os
regulamentos (validade normativa é geral);
 Princípio da proporcionalidade (7º do CPA), aplicável a todos os
regulamentos (validade normativa é geral);
 Na elaboração de normas administrativas, o princípio da imparcialidade
(9º - falta de isenção objetiva, falta de ponderação dos interesses),
razoabilidade (8º), princípio da igualdade (não descriminação- 6º),
princípios de caráter substantivo. Caso estes princípios não sejam

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observados, vai conduzir a um vicio substantivo ou de conteúdo e, por


isso, é inválido.
 Princípio da imparcialidade: que obriga a ponderação de interesses
relevantes.
 O principio da igualdade e da proporcionalidade são válidos para todos
os regulamentos.

2.6- Regime especial aplicável à atividade regulamentar externa


São regras que pautam a atividade regulamentar, o exercício da função
administrativa, por via de regulamentos. Tem regras e princípios essenciais (137º a 147º
do CPA:
I. Obrigatoriedade da emissão de regulamentos executivos (137º/1 do CPA):
existe um dever para os órgãos públicos emitirem regulamentos executivos
quando uma lei necessite de algo que concretize as suas normas, ou seja que
completem o regime legal. Significa que é necessária para dar exequibilidade ao
ato legislativo carente de regulamentação (em geral, o prazo para a emissão do
regulamento é, no silêncio da lei, de 90 dias). Pode gerar responsabilidade civil
extracontratual ou pode gerar a proposta de uma ação pedindo que condene o
órgão à emissão daquela decisão (têm a legitimidade processual para pedir ao
juiz para obrigar aquele órgão à emissão de um regulamento administrativo).
II. Proibição da simples revogação de regulamentos executivos que sejam
necessários à execução de atos legislativos (137º/1 do CPA);
III. Caducidade de regulamentos como consequência da revogação das leis que
visem executar: para evitar o vazia jurídico, determina-se que esse regulamento
não caduca até que sobrevenha uma nova lei. Se não, até que existisse um novo
regulamento haveria sempre uma lacuna. Pode haver casos em que são
compatíveis com as novas leis, em que não há problema (145º do CPA).
IV. Regime geral da irretroatividade dos regulamentos desfavoráveis: exceto
quanto aos regulamentos de atos legislativos retroativos e dos regulamentos
necessários à execução das leis (141º do CPA). É válido para abranger todas as
situações benéficas abrangidas pelo regime geral. Caso se tenha atrasado o
procedimento, obviamente que vai ter de ter efeitos retroativos.
V. Regra geral da inderrogabilidade singular dos regulamentos: a entidade
administrativa que os emite está vinculada ao regulamento externo, assim como
o destinatário. Todas as autoridades administrativas devem observá-los nos
casos concretos a que aqueles se apliquem e enquanto vigorarem, incluindo a
própria entidade autora do regulamento, que só poderá deixar de o cumprir ou
dele divergir se, e quando, o revogar (142º/2 do CPA - dever de vigilância do
órgão administrativo face aos seus serviços para cumprimento do regulamento).
O regulamento mantém-se em vigor até que seja substituído por outro, não
podendo ser derrogado pelo silêncio. Não é possível que o ato administrativo
viesse a derrogar um regulamento, seja através de interpretações diferentes das
que resultam da norma regulamentar, ou omitindo o seu cumprimento ou
adotando atos de outra natureza que revoguem esse regulamento. Segundo as
regras dos cânones tradicionais aceitáveis, há uma vinculação permanente das
entidades que emitem os regulamentos, sendo por isso válido até que seja
revogado por outro regulamento (espécie de vinculação bilateral) do órgão
administrativo que o emitiu e do destinatário.

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VI. Os órgãos administrativos podem recusar a aplicação de regulamentos, a


título excecional. É uma matéria sensível, porque do ponto de vista
constitucional os órgãos e agentes administrativos só podem recusar-se a aplicar
decisões ou normas quando impliquem a prática de crime. Só pode ser admitido
quando o regulamento implique uma intolerável aplicação de leis nacionais ou
internacionais, por exemplo, que sejam manifestamente contrárias ao estatuto
do cidadão estrageiro e aqui há uma recusa de aplicação, uma vez que os
órgãos têm dever de cumprimento da legalidade.
VII. Sujeição a impugnabilidade administrativa: a reclamação para o autor do
regulamento ou recurso hierárquico para o órgão hierarquicamente competente
para a respetiva declaração de invalidade, modificação, suspensão, revogação
ou para a condenação à emissão, quando exista uma omissão ilegal da emissão
de um regulamento (147º do CPA);
VIII. Impugnabilidade judicial direta dos regulamentos para os Tribunais
Administrativos (direito de impugnação do ato administrativo): se o
regulamento vier de um administrador, a reclamação é para o órgão que emitiu.
O recurso hierárquico do regulamento seria do administrador para o reitor, fosse
para invocar a ilegalidade, para o modificar para o revogar. Há ainda a
possibilidade de impugnação para os tribunais administrativos (268º/5 da CRP e
72º e ss do CPTA), que pode fundar-se apenas na legalidade do regulamento (e
não apenas na inconstitucionalidade, por a apreciação desta, em abstrato,
constituir reserva do Tribunal Constitucional).

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