Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ÍNDICE GERAL
2
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
1. Ação administrativa.
1.1. Fins da ação administrativa.
1.2. Conteúdos da ação administrativa.
1.3. Efeitos da ação administrativa.
1.4. Formas da ação administrativa.
1.5. Natureza das formas de ação administrativa.
1.5.1. Formas de ação reguladas pelo Direito Administrativo.
1.5.2. Relevo jurídico da formalização da ação administrativa.
1.5.3. Sistema clássico das três formas reguladas de ação administrativa.
1.5.4. Desenvolvimentos do sistema clássico.
1.5.5. Um sistema aberto de formas de ação.
1.5.6. Conjugação entre forma de ação administrativa.
1.5.7. Liberdade de escolha entre formas de ação administrativa.
1.6. Âmbito de incidência da ação administrativa.
1.6.1. Ação administrativa externa.
1.6.2. Ação interadministrativa.
1.6.3. Ação administrativa interna.
2. Ação e inação administrativa.
2.1. Inação administrativa no caso de hétero-iniciativa.
2.2. Inação administrativa oficiosa.
3. Ação administrativa eletrónica.
3.1. Objetivos e princípios aplicáveis à administração eletrónica.
3.2. Aplicações da administração eletrónica.
3.2.1. Armazenamento e processamento de informação administrativa.
3.2.2. Prestação digital de serviços públicos.
3.2.3. Comunicações e relacionamento procedimental.
3.2.4. Tomada de decisões administrativas.
4. Ação administrativa e ação de particulares.
5. Ação administrativa e relação jurídica administrativa.
3
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
- Ação administrativa.
4
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
5
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
os vícios que afetem o processo psicológico de decisão poderão relevar, em geral, não por si
mesmos, mas na medida em que conduzam a uma ilegalidade: a patologia consiste
essencialmente na desconformidade da declaração com a lei e não tanto com a vontade
psicológica do autor.
Estas considerações levam-nos a considerar menos adequada a referência a uma
vontade dos órgãos da Administração, com a que consta do artigo 1.º/1 do CPA. Com efeito,
por força da sua condição, enquanto centros institucionalizados titulares de poderes e
deveres, os órgãos da Administração não têm vontade, nem a vontade dos titulares destes
órgãos tem relevo autónomo do campo jurídico. No contexto daquele preceito, o conceito de
vontade parece estar associado ao resultado traduzido na prática de atos com efeitos jurídico-
administrativos, no sentido em que, por exemplo, a formação da vontade ou a execução da
vontade, se devem interpretar, respetivamente, como a formação ou a execução de medidas
ou de atos de caráter jurídico-administrativo. Sem prejuízo das observações feitas, importa
tem em consideração, no entanto, a vontade da Administração no domínio do contrato
administrativo (art. 284.º/3 CCP)1.
Por outro lado, as ações administrativas que determinam a produção de meros efeitos
de facto, que não envolvem, como consequência direta, uma transformação da ordem jurídica
são as ações de facto (v.g.: processamento de um texto num computador, vistoria de um
estabelecimento, lecionação de uma aula, emissão de um aviso público)2. Neste sentido, as
ações de facto integram, em primeiro lugar, as operações materiais da Administração (v.g.:
construção de uma estrada, lecionação de uma aula) e, em segundo lugar, atos declarativos,
isto é, declarações de ciência a que a ordem jurídica não associa diretamente a produção de
efeitos jurídicos – eis o que se verifica com a prestação de informações, advertência sobre a
nocividades de um certo produto ou a notícia que a Administração dá sobre um determinado
facto. Atos de caráter normativo
(regulamentos
administrativos)
Operações materiais
Ações de facto
Atos declarativos
1 Não obstante, não quer isto dizer que os atos jurídicos da Administração não tenham de ser voluntários, no
sentido em que devem ser praticados voluntariamente pelos seus autores e não sob o uso ou a ameaça do uso
de força ou de outras formas de constrangimento (aliás, o artigo 161.º/2-f) CPA).
2 Nota bene: o facto de as ações de facto não produzirem efeitos jurídicos não implica que não possam determinar
consequências jurídicas (v.g.: a remoção de um automóvel pode envolver para a Administração um dever de
indemnização quando a a operação de remoção provoque danos).
6
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
7
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Nota bene
... por vezes, a ação material segue-se a uma ação declarativa e pressupõe esta...
Assim sucede, em regra obrigatoriamente, com a execução (coativa) de atos administrativos (art. 177.º/1
CPA), sendo que, para distinguir estas de outras ações materiais, afigura-se adequado falar em ações materiais de
execução.
... outras vezes, a ação declarativa segue-se e pressupõe uma prévia ação material...
(a praticar no procedimento conducente àquela declaração)
A ação administrativa pauta-se por exibir uma variedade também ao nível da natureza
jurídica dos instrumentos que utiliza.
Com efeito, para a realização das suas missões, a AP lança mão das formas que o
Direito Administrativo disponibiliza – formas de direito administrativo –, mas também das
formas de atuação acessíveis a qualquer pessoa, que, portanto, pertencem à esfera do direito
privado. Neste último âmbito, da utilização das formas de direito privado, ocupa uma posição
de destaque o contrato, que é o principal instrumento de produção de efeitos jurídicos no
comércio jurídico privado. Hodiernamente, com o CCP, um número muito significativo de
contratos das pessoas coletivas de direito público são contratos administrativos. Contudo,
ainda subsistem espaços de contratação privada, desde logo, quando a ação administrativa
é protagonizada por entidades de natureza jurídica privada. Ora, o nosso estudo ocupa-se
apenas das formas de ação administrativa reguladas pelo Direito Administrativo – formas
jurídico-administrativas.
8
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
uma disciplina jurídica, modelo ou categoria abstrata de ação, legalmente definida nos seus
elementos constitutivos, e ao qual, na prática, se vão depois reconduzir ações concretamente
executadas pela Administração. Assim, a lei define, em abstrato, o regime jurídico de um
modelo, de uma forma de ação; passa então a existir uma forma de ação típica e o regime
delineado para essa ação típica há-de se aplicar a todas as manifestações concretas e reais
do referido modelo, constituindo, por conseguinte, um direito pré-fabricado baseado num
modelo ou numa forma e que se serve para todas as aplicações que correspondam ao modelo
ou que se encaixem na forma.
Com efeito, a regulamentação da forma serve objetivos de ordenação e de redução da
complexidade e viabiliza a conceção de uma disciplina jurídica suscetível de aplicação
generalizada. Introduz um elemento de segurança e de previsibilidade da conduta da
Administração. Sem esta regulamentação disposta em abstrato, o Direito Administrativo
estaria marcado pelo casuísmo e não realizaria as suas funções de orientação e de direção
da ação administrativa e de garantia de proteção do administrado.
Por fim, note-se que o resultado do processo de regulamentação jurídica das formas
de ação conduz ao conceito de ação administrativa formal: concreta ação da AP que
corresponde e que se reconduz a uma forma juridicamente regulada; ato formal é, por
conseguinte, todo o ato (ou ação) que deve obedecer a uma forma preestabelecida.
9
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
10
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
11
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
12
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
13
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
14
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
decisão, mediante a tomada de uma decisão formal sobre o pedido apresentado (art. 128.º/1)
ou a emissão de um regulamento administrativo (art. 137.º/2).
Em casos particulares, a lei poderá atribuir à inação administrativa o valor e o efeito
jurídico próprio de uma ação positiva: uma ficção jurídica com esse recorte remete para a
figura do ato administrativo tácito (art. 130.º CPA). No entanto, em regra, a inação em cenários
em que a AP tem um dever de agir decorrente de um ato de iniciativa externo não se associa
à criação ficcionada de qualquer efeito jurídico; a ordem jurídica limita-se a prever ou a permitir
que se extraiam efeitos do facto em que se traduz o incumprimento (por exemplo,
responsabilidade civil e disciplinar do faltoso, condenação da AP à adoção do comportamento
devido)3.
3 Neste ponto, o artigo 92.º do CPA, a respeito da não emissão de pareceres solicitados a órgãos consultivos: o nº
5 estabelece que quando um parecer obrigatório não for emitido dentro dos prazos previstos no número anterior,
pode o procedimento prosseguir e vir a ser decidido sem o parecer, salvo disposição legal expressa em contrário.
Neste caso, a lei não associa qualquer efeito jurídico à omissão do parecer obrigatório e não vinculativo,
considerando, no entanto, que não existe ilegalidade procedimental pelo facto de o parecer não ser emitido pelo
órgão consultivo (o que não exclui que haja ilegalidade quando o responsável pelo procedimento não solicita o
parecer). O nº 6 acrescenta que, no caso de o parecer obrigatório ser vinculativo, a decisão final só pode ser
proferida sem a prévia emissão daquele desde que o responsável pela direção do procedimento tenha interpelado,
no prazo de 10 dias, o órgão competente para o emitir, sem que este o tenha feito no prazo de 20 dias a contar
dessa interpelação.
15
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Tolerância administrativa
O valor da inação administrativa oficiosa também se cruza com o tema da tolerância administrativa –
a tolerância corresponde, em geral, a uma prática de abdicação ao exercício de um poder. No Direito
Administrativo, os conceitos de tolerância e de inação encontram-se sobretudo relacionados com a função
inspetiva e fiscalizadora e com o (não) exercício de poderes administrativos de caráter sancionatório (sanção
de condutas ilícitas ou ilegais). As mais das vezes, a tolerância concretiza-se num “fechar os olhos” diante de
condutas que deveriam ser reprimidas ou, pelo menos, alvo de investigação.
Em princípio, a tolerância não deve aceitar-se como causa legítima de inação, embora se possa
compreender que a Administração defina prioridades para as suas ações de fiscalização e de inspeção, no
quadro de um princípio de eficiência na alocação dos recursos disponíveis (o que pode justificar uma certa
tolerância administrativa em face das irregularidades menores, bagatelas).
16
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
17
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
18
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
19
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
da CRP, a atribuir aos cidadãos o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.
Com efeito, a LADA concretiza e delimita o âmbito deste direito, que assiste a todos os
cidadãos de, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, acederem aos documentos
administrativos e exercerem direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua
existência e conteúdo.
Embora não suscitem temas relacionados exclusivamente relacionados com a
existência de dados informatizados e detidos pela Administração, adquirem neste caso
especial acuidade as questões relacionadas com a proteção dos cidadãos em face do
tratamento e da interconexão de dados e com a exigência de lhes reconhecer o direito de
conhecerem que dados seus se encontram armazenados ou de se oporem a certas formas
de utilização e tratamento (art. 35.º CRP): a tutela administrativa destes direitos fundamentais
dos cidadãos encontra-se confiada à Comissão Nacional de Proteção de Dados.
20
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
21
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
entanto, também nos parece de sentido contrário a disposição legal que se refira a um ato,
diligência ou providência procedimental sem prever a utilização de meios eletrónicos e que
tenha subjacente um contexto factual ou jurídico que, em si mesmo, exclui aquela utilização.
...Concretizando...
A teleconferência a que se refere o artigo 123.º/2 e, sobretudo, a videoconferência a que alude o artigo
79.º/4 apenas se revelam possíveis na medida em que a lei as permite expressamente. Com efeito, de outro
modo, tenderíamos a considerar que a comparência ou a presença física das pessoas envolvidas naqueles
dois casos não poderiam ser substituídas por uma presença por meios eletrónicos.
Em relação a certos atos do procedimento, o CPA permite direta e expressamente a
respetiva prática mediante a utilização de meios eletrónicos, quer se trate de atos dos
particulares (art. 104.º/1-c)), quer se trate de atos da Administração (art. 112.º/1-d)).
Além do mais, o artigo 61.º/2 estabelece algumas condições a observar no caso de
utilização de meios eletrónicos na instrução de procedimentos: neste caso, as aplicações e
sistemas informáticos, devem indicar o responsável pela direção do procedimento e o órgão
competente para a decisão, assim como garantir o controlo dos prazos, a tramitação ordenada
e a simplificação e a publicidade do procedimento. No âmbito do mesmo preceito, conforme
o seu nº 3, os interessados têm direito a conhecer por meios eletrónicos o estado da
tramitação dos procedimentos que lhes digam diretamente respeito (arts. 82.º/4 e 84.º/3) e a
obter os instrumentos necessários à comunicação por via eletrónica com os serviços da
Administração, designadamente, nome de utilizador e palavra-passe para acesso a
plataformas eletrónicas simples e, quando legalmente previsto, conta de correio eletrónico e
assinatura digital certificada.
Ora, em ligação com a tramitação eletrónica do procedimento administrativo, têm sido
instituídos balcões eletrónicos (por exemplo, o balcão único eletrónico que integra o balcão
do empreendedor). Com efeito, os balcões constituem um importante instrumento de
desburocratização e de simplificação do relacionamento entre os cidadãos e a Administração,
permitindo a transmissão eletrónica de requerimentos, pedidos, exposições, comunicações
ou a emissão de certidões e notificações.
Neste sentido, o CPA define regras gerais sobre os balcões eletrónicos, indicando que
os mesmos devem proporcionar: a informação clara e acessível a qualquer interessado sobre
os documentos necessários para a apresentação e instrução dos correspondentes pedidos e
condições para a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos com o pedido; meios de consulta
eletrónica do estado dos pedidos; meios de pagamento por via eletrónica das taxas devidas,
quando seja caso disso; informação completa sobre a disciplina jurídica dos procedimentos
administrativos que se podem realizar através do balcão eletrónico em causa; endereço e
contato da entidade administrativa com competência para a direção do procedimento
administrativo em causa; informação sobre os meios de reação judiciais e extrajudiciais de
resolução de eventuais litígios. Ademais, a lei acrescenta que os balcões eletrónicos devem
22
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
23
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
24
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
25
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
26
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
4 A ação particular consistente no cumprimento (ou no acatamento) de atos administrativos deve distinguir-se da
atividade que os particulares exercem ao abrigo ou com fundamento em atos administrativos, por exemplo, atos
de autorização ou de concessão. Neste último caso, trata-se de atividades da esfera do direito privado, ainda que
submetidas a regulação (fiscalização) pública. O particular que exerce uma atividade licenciada ou autorizada não
está a cumprir – nem a executar – a licença ou a autorização, mas simplesmente a exercer uma atividade integrada
na esfera privada.
27
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
A exposição de uma teoria geral da ação administrativa a partir do estudo das formas
da ação administrativa conhece, como seu efeito direto e imediato, uma certa desvalorização
da compreensão do Direito Administrativo a partir do conceito de relação jurídica
administrativa.
Na verdade, o estudo da ação – das formas de ação – remete para uma visão
unidirecional, polarizada na Administração, que pretende captar os modos como esta atua: a
Administração em ação. Em vez de uma compreensão relacional, centrada na noção de
relação jurídica administrativa, a exposição focada na ação propõe uma abordagem do Direito
Administrativo a partir dos modos ou processos de agir da Administração; o conceito de
relação jurídica (administrativa) pode surgir, mas como efeito ou resultado da ação.
Na nossa interpretação, o eixo de compreensão do sistema administrativo reside em
“o que” a Administração faz ou no “modo” como o faz. Este esquema explicativo revela-se
correto, desde logo, do ponto de vista didático. No entanto, acrescente-se, também o
consideramos adequado do ponto de vista cultural e dogmático, pois a exposição focada nas
formas de ação exprime em termos mais precisos a situação do particular em que a
Administração se encontra colocada nas relações com os cidadãos.
Não obstante, privilegiar uma exposição do Direito Administrativo a partir das formas
da ação administrativa não equivale a ignorar o fenómeno da “Administração em relação” nem
a desvalorizar a importância relativa que se deve reconhecer ao conceito de relação jurídica
administrativa. Com efeito, desde logo, importa observar que, ao agir, a AP entra em relação:
as formas de ação administrativa constituem fontes ou meios de constituição de relações
jurídicas administrativas com os destinatários ou porventura com os terceiros que sejam
afetados pela ação administrativa. Por outro lado, também não se discute o valor pontual que
o conceito de relação jurídica administrativa pode ter para uma compreensão fixada num
quadro relacional, bipolar (Administração e cidadão) ou eventualmente multipolar, e que, de
forma imediata, suscita uma referência a direitos e a deveres recíprocos e, em geral, posições
jurídicas de Direito Administrativo que correlacionam a Administração e os cidadãos. Além
disso, importa recordar que o conceito de relação jurídica administrativa tem acolhimento
constitucional (art. 212.º/3 CRP).
Ora, porque se trata de um conceito de direito positivo que, em certos domínios,
apresenta potencial para enquadrar juridicamente certos contatos que envolvam sujeitos da
AP, pode revelar-se útil conhecer os contornos do conceito, que, no nosso modo de ver, se
define assim: relação jurídica entre dois ou mais sujeitos de direito (ou entre dois órgãos do
mesmo sujeito) em que pelo menos um deles intervém como sujeito da AP e que é disciplinado
28
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
por normas jurídicas que a esse sujeito se dirigem enquanto responsável pelo exercício da
função administrativa.
A fonte da relação jurídica administrativa pode ser qualquer forma de ação
administrativa ou, nos casos previstos na lei, o ato de um particular; simples factos jurídicos,
como o decurso do tempo (art. 134.º/3 CPA); caducidade pelo não exercício de um direito ou
de um poder administrativo num determinado período de tempo; veja-se ainda a doutrina
fixada no Ac. do STJ de abril de 1989, “são públicos os caminhos que, desde tempos
imemoriais, estão no uso direto e imediato do público”.
Por fim, o capítulo II da parte III do CPA tem por título “relação jurídica procedimental”.
Com efeito, a lei procura enquadrar num contexto relacional e jurídico os contatos que se
processam entre os sujeitos do procedimento administrativo. Assim, os sujeitos do
procedimento surgem, em geral ou nas suas relações recíprocas, como titulares de posições
jurídicas ativas e passivas com uma incidência procedimental.
29
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
30
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
31
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
32
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
administrativa que precede a adoção daquele ato e, nalguns casos, da atividade que
ocorre depois desse momento. Neste sentido, o procedimento contribui para um certo
redimensionamento da importância atribuída ao ato que representa o seu desfecho ou
resultado final, o qual tem de se compreender, de certo modo, como mais um ato da
série procedimental. Com efeito, a perspetiva procedimental da ação administrativa
concretiza uma evolução de grande significado na ciência do Direito Administrativo,
pois representou a tentativa séria de abandono de uma compreensão científica da
nossa disciplina focada na figura do ato administrativo e na manifestação do poder
administrativo.
II. ... tendentes à formação, manifestação e execução de um ato principal ou final;
O procedimento agrega as providências, as diligências e os atos tendentes
(relativos) à formação, manifestação e execução de um ato principal ou final: relativos
à formação, temos os atos e formalidades procedimentais que põem o procedimento
em marcha e que, em geral, visam preparar a prática do ato principal (atos de iniciativa
e atos de instrução; relativos à manifestação, são os atos e formalidades relativos ao
momento constitutivo, à própria prática do ato principal: eis o que sucede, por exemplo,
com as formalidades relativas à forma e formalização do ato, à sua publicação e
notificação; por fim, relativos à execução, são as providências adotadas com o sentido
de executar e de realizar os efeitos práticos definidos no ato principal.
Apesar desta divisão legal tripartida, na prática, considera-se uma divisão dual
entre procedimento declarativo e procedimento executivo: o primeiro abrange os atos
e formalidades adotados relativos à preparação (formação) e à produção
(manifestação) de um ato principal; o segundo refere-se aos atos adotados em vista
da execução desse mesmo ato.
III. O procedimento administrativo refere-se ao desenvolvimento da atividade
administrativa, da AP;
O procedimento administrativo refere-se ao desenvolvimento da atividade
administrativa, da AP. Isto mesmo é destacado no conceito legal, na parte em que
alude à vontade dos órgãos da AP. Porém, sucede que no espírito do CPA, talvez
fizesse mais sentido associar o conceito de procedimento administrativo à formação,
manifestação e execução de atos (com efeitos jurídico-administrativos) adotados por
quaisquer entidades no exercício de poderes públicos (art. 2.º/1 CPA).
Apesar de, como se acaba de afirmar, a ideia do procedimento administrativo
nos remeter, de imediato, para uma intervenção administrativa, realizada por órgãos
da AP e por entidades no exercício de poderes públicos, deve notar-se que o
procedimento – enquanto momento de formação de decisões e de atos da
Administração – é a sede de acolhimento de formas de participação dos interessados
33
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
34
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
5 De facto, certos procedimentos administrativos requerem um nível mais avançado de formalização e, portanto,
de definição legislativa da tramitação. Assim sucede nos casos de procedimentos disciplinares, que colocam a AP
na posição de acusar e de punir um particular e que, por isso mesmo, suscitam especiais preocupações de garantia
dos direitos de defesa e de contraditório. Por sua vez, os procedimentos de seleção concorrencial também
reclamam uma regulamentação legislativa detalhada, que ofereça garantias seguras de que todos os interessados
(concorrentes) são tratados pela Administração em condições de igualdade e de que a escolha do concorrente
vencedor se efetua de forma transparente e segundo critérios objetivos e preestabelecidos.
6 Prescreve o artigo 64.º/3 que o órgão responsável pela direção do procedimento deve rubricar todas as folhas
do processo administrativo, os interessados e seus mandatários têm o direito de rubricar quaisquer folhas do
mesmo.
35
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
36
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
37
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
procedimento executivo, pois o que se apresenta imediatamente é uma ação de tipo executivo
sem declaração prévia (de atentar, todavia, na exceção ao que se disse, prevista no artigo
177.º/2).
Designadamente quando a ação administrativa sem procedimento envolva uma
coerção direta sobre os particulares ou a proibição ou restrição ao exercício de direitos
fundadas em suspeitas e indícios, a lei pode determinar a validação ou a confirmação judicial
das medidas administrativas adotadas – assim, por exemplo, a Lei de Segurança Interna
determina a nulidade das medidas especiais de polícia quando não sejam comunicadas ao
tribunal no prazo máximo de 48 horas após a respetiva adoção.
38
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
39
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
40
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
41
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
42
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
dos factos que tenham alegado (art. 116.º/1), bem como o dever de apresentação de
provas, quando para tal forem solicitados (art. 117.º). O incumprimento dos deveres
de prestação de informações ou de apresentação de provas tem as consequências
previstas no artigo 119.º: assim, esse cumprimento é livremente apreciado para efeitos
de prova, consoante as circunstâncias do caso, não dispensando o órgão
administrativo de procurar averiguar os factos, nem de proferir a decisão; em especial,
quando as informações, documentos ou atos solicitados ao interessado sejam
necessários à apreciação do pedido por ele formulado, não deve ser dado seguimento
ao procedimento, disso se notificando o particular (em caso de inércia continuada do
particular, a situação pode dar lugar a uma extinção do procedimento por deserção,
conforme disposto no artigo 132.º/2).
III. Princípio do inquisitório;
Diretamente conexo com o andamento ou a marcha do procedimento, o artigo
59.º, sobre o princípio do inquisitório, atribui ao responsável pela direção do
procedimento e aos outros órgãos que participem na instrução – mesmo que o
procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados – o poder de proceder a
quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma
decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos
requerimentos ou nas respostas dos interessados.
Ora, é um princípio que encontra explicação no facto de ser sobre a
Administração que impende o ónus de cumprir a lei e de realizar as diligências que
considere convenientes para se colocar em posição de decidir bem e em conformidade
com a lei. Por isso, o artigo 115.º/1 estabelece que é o responsável pela direção do
procedimento que deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja
adequado e necessária à tomada de uma decisão legal e justa dentro de prazo
razoável, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em
direito – uma incumbência fundamental da Administração em sede procedimental
consiste em recolher e em produzir informação que lhe permita conhecer os interesses
em jogo e fazer uma ponderação adequada sobre o sentido do desfecho do
procedimento (regra da ponderação de todos os factos relevantes para decisão do
procedimento).
Por força do princípio do inquisitório, o dever de averiguação dos factos
relevante para a decisão não deixa de pertencer à Administração mesmo nos casos
em que a mesma solicitou a apresentação de provas aos interessados e estes não
cumpriram o seu dever de cooperação: veja-se, neste sentido, o artigo 119.º/2,
segundo o qual a falta de cumprimento da notificação é livremente apreciada para
efeitos de prova, consoante as circunstâncias do caso, não dispensando o órgão
43
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
44
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
45
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
procedimento administrativo. Com efeito, o artigo 9.º formula o princípio nos seguintes
termos: a AP deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação,
designadamente considerando com objetividade todos e apenas os interesses
relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e
procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança
nessa isenção.
Apesar de não se limitar ao procedimento, este constitui um momento essencial
da vinculação da Administração ao princípio da imparcialidade, o qual se desdobra
numa dupla exigência. Em primeiro lugar, que, perante os eventuais interesses em
confronto, a Administração atue de forma isenta e objetiva e, sem distinção, pondere
adequadamente todos os interesses legítimos presentes no procedimento – no
desenvolvimento do procedimento não há uma necessária prevalência do interesse
público sobre os interesses dos particulares; neste sentido, a Administração deve
pautar a sua ação por um cânone de neutralidade, dispondo-se a ponderar e a
considerar, sem discriminação, todos os interesses legítimos que estejam
representados no procedimento e todos os factos relevantes para a decisão,
independentemente da respetiva fonte ou natureza. Depois, que os titulares dos
órgãos da Administração não contaminem a intervenção no procedimento
administrativo com a consideração de interesses pessoais – ocupam aqui um lugar
especial as garantias de imparcialidade e, em particular, o regime de impedimentos e
suspeições (art. 69.º e ss.).
VIII. Princípio da igualdade;
O princípio da igualdade conhece projeção ao nível do procedimento
administrativo na exigência imposta à Administração de dispensar um tratamento
igualitário a todos os intervenientes ou interessados em participar no procedimento:
neste sentido horizontal, que se confunde com o dever de atuação imparcial, o
princípio da igualdade opera tipicamente nos procedimentos de seleção concorrencial
e envolve uma dupla exigência, de garantia de igualdade de acesso e igualdade de
tratamento.
Ainda no contexto do procedimento, a doutrina alude a um sentido vertical do
princípio da igualdade, para referenciar a exigência de um tratamento paritário entre a
Administração e os particulares intervenientes no procedimento, mas também na
imposição de deveres à Administração de considerar factos alegados pelos
particulares ou de realizar diligências por eles requeridas ou ainda de lhes
proporcionar o contraditório.
IX. Princípio da decisão;
46
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
47
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
48
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Os atos que integram o procedimento são praticados por diferentes sujeitos: aos
sujeitos ou órgãos públicos responsáveis pelo ato principal do procedimento juntam-se outros
órgãos da mesma ou de outra pessoa coletiva pública, bem como, eventualmente, entidades
privadas contratadas para a realização de certas diligências. No outro polo da relação
procedimental, intervêm entidade de estatuto variado, mas, em geral, titulares de um interesse
relacionada com a matéria a que o procedimento se refere.
Deste modo, o procedimento surge como o momento de organização da intervenção
dos vários sujeitos envolvidos e a envolver na ação administrativa tendente à produção de um
certo resultado.
Ora, conforme se dispõe no artigo 65.º CPA, são sujeitos da relação jurídica
procedimental: os órgãos de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, cuja
conduta seja adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por
disposições de direito administrativo, quando competentes para a tomada de decisões ou para
a prática de atos preparatórios; os particulares (cidadãos e pessoas coletivas) legitimados nos
termos do artigo 68.º/1; pessoas singulares (cidadãos) e pessoas coletivas de direito privado,
em defesa de interesses difusos, segundo o artigo 68.º/2/3; os órgãos que exerçam funções
administrativas, quando se verifiquem as condições previstas no artigo 68.º/4. A este elenco
acrescentam-se: as autarquias locais, em relação à proteção de interesses difusos nas áreas
das respetivas circunscrições (art. 68.º/3); e os cidadãos residentes na circunscrição em que
se localize ou tenha localizado o bem defendido (art. 68.º/4).
Em conformidade com uma lógica de bipolarização da relação jurídica procedimental
(polo da AP versus polo do interessado em que se adote ou em que não se adote uma
determinada medida procedimental), o artigo 65.º/2 pressupõe a contraposição de dois tipos
de sujeitos do procedimento: por um lado, os sujeitos ou as entidades em que se integram os
órgãos competentes para a prática dos atos jurídico-públicos do procedimento (decisões finais
e atos preparatórios) e, por outro lado, de um modo genérico, os interessados. No entanto,
embora tenha presente a dicotomia entre sujeitos públicos e sujeitos privados da relação
49
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
jurídica procedimental (arts. 69.º/3 e 66.º/1), o CPA não utiliza essas categorias de forma
genérica, para identificar os polos da relação jurídica procedimental. Tudo indica que a lei
prefere trabalhar com a dicotomia que acabámos de identificar.
50
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
agente da entidade a que pertence o órgão competente para a decisão final com a
incumbência específica de conduzir o procedimento.
Com efeito, na medida em que exerce as competências de direção do procedimento
(o que inclui a tomada de decisões com efeitos endoprocedimentais), o referido agente
assume a titularidade de um órgão administrativo: o órgão responsável peça direção do
procedimento (arts. 64.º/3, 110.º/3, 118.º/2 e 122.º/1). Ora, nos termos da lei, o responsável
pelo procedimento pode encarregar inferior hierárquico seu da realização de diligências
instrutórias específicas. Além do mais, note-se que a identidade do responsável pela direção
do procedimento é notificada aos participantes (interessados constituídos no procedimento) e
comunicada a quaisquer outras pessoas que, demonstrando interesse legítimo, requeiram
essa informação (arts. 55.º/3, 61.º/2 e 110.º/3).
A direção do procedimento é um termo genérico que referencia a incumbência ou
responsabilidade genérica de condução do desenvolvimento do procedimento, entre os
momentos da iniciativa e de tomada da decisão final. No seu núcleo fundamental, o papel do
responsável da direção do procedimento consiste em assegurar a realização das diligências
(consultivas, técnicas e probatórias) necessárias para a definição do sentido e do âmbito da
decisão do procedimento.
Neste sentido, entre outras, o CPA atribui ao responsável pela direção do
procedimento as seguintes competências e responsabilidades:
▪ Realização das diligências instrutórias (probatórias e consultivas);
Nos termos do artigo 115.º, o responsável pela direção do procedimento deve
procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à
tomada de uma decisão legal e justa dentro do prazo razoável, podendo, para o efeito,
recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito. Não carecem de prova nem
de alegação os factos notórios, bem como os factos de que o responsável pela direção
do procedimento tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções (estes
factos devem constar do processo documental).
Na realização de tais diligências, o responsável pela direção do procedimento
deve orientar-se pelos princípios da discricionariedade procedimental (art. 56.º), do
inquisitório (art. 58.º) e em conformidade com o dever de celeridade (art. 59.º).
Além das diligências probatórias, é o responsável pelo procedimento que dá
impulso para a realização das diligências consultivas que a lei imponha (pareceres
obrigatórios) ou que, no exercício de um poder de decisão próprio, ele entenda que
devem ter lugar (pareceres facultativos) – arts. 91.º e 92.º.
Por outro lado, o responsável pela direção do procedimento estabelece
relações diretas com os interessados (art. 117.º).
51
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
▪ Dever de informação;
O responsável pela direção do procedimento é o sujeito passivo do direito à
informação procedimental dos interessados (arts. 82.º ss.).
▪ Realização da audiência;
É ao responsável pela direção do procedimento que cabe por em marcha o
trâmite da audiência, tendo competência para tomar decisões (endoprocedimentais)
neste âmbito, por exemplo, sobre se a audiência se processa por forma escrita ou oral
(arts. 121.º e ss). Dispõe ainda de competência decisória para dispensar a audiência
dos interessados (art. 124.º/1).
▪ Competência para a prorrogação do prazo do procedimento;
De acordo com o artigo 128.º, os procedimentos de iniciativa particular devem
ser decididos no prazo de 90 dias, salvo se outro prazo decorrer da lei, mas em
circunstâncias excecionais, esse prazo pode ser prorrogado pelo responsável pela
direção do procedimento, por um ou mais períodos, até ao limite máximo de 90 dias,
embora apenas mediante autorização do órgão competente para a decisão final,
quando, como é regra, as duas funções não coincidam no mesmo órgão.
▪ Responsabilidade pelo processo administrativo;
O responsável pela direção do procedimento é o responsável pelo processo
administrativo e pelo conjunto de documentos que o integram. Nos termos do artigo
64.º/3, deve rubricar todas as folhas do processo administrativo.
▪ Elaboração do relatório final do procedimento e proposta de decisão.
Quando o responsável pela direção do procedimento não for o órgão
competente para a decisão final, elabora um relatório no qual indica o pedido do
interessado, resume o conteúdo do procedimento, incluindo a fundamentação da
dispensa da audiência dos interessados, quando estão não tiver ocorrido, e formula
uma proposta de decisão, sintetizando as razões de facto e de direito que a justificam
(art. 126.º).
3. Interessados.
52
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
53
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Administração são impostos diretamente por lei e são, portanto, de cumprimento oficioso;
noutros, os deveres emergem na sequência do exercício de direitos pelos interessados.
54
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
O artigo 2.º/1 cumpre a função de identificar o âmbito (subjetivo) de aplicação dos três
universos de disposições do CPA: disposições respeitantes aos princípios gerais da atividade
administrativa; disposições respeitantes ao procedimento administrativo; disposições
respeitantes à atividade administrativa.
Com efeito, o âmbito subjetivo desses três universos normativos (quaisquer entidades)
é definido com apoio num critério material (tem por objeto uma conduta), conjugado com um
critério ou elemento normativo (conduta adotada no exercício de poderes públicos ou regulada
de modo específico por disposições de direito administrativo).
No entanto, o triplo bloco de disposições (cujo âmbito de incidência se baseia no
referido critério material-normativo) não esgota a regulamentação do CPA: de fora fica a Parte
II, sobre os órgãos da AP, a qual é aplicável – tendencialmente apenas – aos órgãos da AP.
Neste caso, o âmbito subjetivo de aplicação do CPA funda-se num critério orgânico (AP). O
mesmo critério orgânico surge, ainda, no artigo 3.º/2.
55
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
1. Noção e fundamento.
1.1. Importância e fundamento da atividade regulamentar.
2. Tipos de regulamentos.
2.1. Quanto ao âmbito de aplicação.
2.2. Quanto à eficácia.
2.3. Mediata ou imediatamente operativos.
3. Espécies de regulamentos gerais externos.
3.1. Classificação e admissibilidade constitucional.
4. Procedimento e forma dos regulamentos.
5. Princípios jurídicos relativos à atividade regulamentar.
5.1. Os princípios gerais da atividade administrativa.
5.2. O regime especial aplicável à atividade regulamentar.
6. Relações entre regulamentos administrativos externos.
7. Invalidade dos regulamentos.
8. A jurisprudência do TC em matéria de regulamentos administrativos.
56
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
- Noção e fundamento.
57
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
- Tipos de regulamentos.
58
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
sentido, os regimentos de órgãos colegiais, que, sendo em princípio internos, contém muitas
vezes normas que respeitam a direitos dos membros (sendo, nessa medida, externos).
As diferenças entre regulamentos externos e internos revelam-se, desde logo, quanto
ao seu fundamento: a competência regulamentar externa funda-se em previsão legal
expressa; a competência regulamentar interna funda-se num poder implícito de auto-
organização administrativa (que, por isso, não necessita de previsão expressa na lei).
No entanto, existem também diferenças de regime: ao contrário do que acontece com
os regulamentos externos, cujo regime está estabelecido no CPA, os regulamentos internos
não são judicialmente impugnáveis (não podem ser objeto de ação judicial, nem relevam como
padrões jurídicos autónomos de controlo pelo juiz), nem vale para eles o princípio da
inderrogabilidade (admitem-se decisões concretas divergentes da regulação interna anterior,
devidamente justificadas). Apesar disso, os regulamentos internos têm relevância jurídica,
designadamente, os regulamentos operacionais, que estabelecem diretrizes auto-vinculativas
para o exercício do poder discricionário: por um lado, são impugnáveis no âmbito da
Administração (designadamente, em recursos hierárquicos ou tutelares); por outro lado, o seu
incumprimento, embora não origine por si a invalidade da decisão divergente, pode ser
sintoma ou indício de arbitrariedade, de violação do princípio da igualdade ou de mau uso dos
poderes discricionários, suscetíveis de invocação perante o tribunal em quaisquer ações
(designadamente, na impugnação de atos e nas ações de responsabilidade civil
administrativa).
59
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
ordenamento do território), na medida em que, além das entidades públicas, vinculam direta
e imediatamente os particulares.
Por fim, note-se que esta distinção é relevante para vários efeitos, nomeadamente, no
que toca à impugnação dos regulamentos.
60
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
61
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
1. Procedimento regulamentar.
Sem prejuízo das leis especiais que regem os procedimentos de formação de diversos
regulamentos, o CPA estabelece regras gerais relativas ao procedimento regulamentar,
prevendo a possibilidade de petição dos interessados e os requisitos da iniciativa pública,
disciplinando a audiência dos interessados e a consulta pública (arts. 97.º a 101.º CPA).
Como novidade introduzida em 2015, atente-se na obrigação de os regulamentos
serem aprovados com base num projeto, acompanhado de uma nota justificativa
62
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
fundamentada, que deve incluir uma ponderação dos custos e benefícios das medidas
projetadas (art. 99.º).
Tratando-se de normas de aplicação geral, impõe-se a publicação dos regulamento no
Diário da República, dos regulamentos do Governo e das Regiões (art. 119.º/1-h) CRP) e em
boletim autárquico ou em edital, dos regulamentos das autarquias locais. Com efeito,
certamente por lapso, o artigo 139.º CPA prevê a publicação de todos os regulamentos no
Diário da República, devendo a norma ser objeto de restrição teleológica, em termos de excluir
os regulamentos das administrações autónomas.
Embora se trate de um aspeto formal, impõe-se a indicação expressa da lei
habilitadora, que o TC tem fiscalizado com severidade, seja da lei que o regulamento visa
executar, seja, nos casos de regulamentos autónomos e independentes, da lei (ou da norma)
que autoriza a respetiva emissão (arts. 112.º/7 CRP e 136.º/2 e 3 CPA).
Esta habilitação legal prévia vale também para quaisquer comunicações dos órgãos
da AP que, ainda que não constituam regulamentos para efeitos do CPA, estabeleçam
padrões de conduta da vida em sociedade, independentemente da denominação ser diretiva,
recomendação, instruções, entre outros (art. 136.º/3 CPA).
63
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
A atividade regulamentar está sujeita aos princípios gerais que regem a atividade
administrativa.
Desde logo, aos princípios da legalidade: além do primado da lei (e da Constituição) e
da precedência da lei, revestem especial importância em sede de regulamentos o princípio
constitucional da reserva parlamentar e o consequente imperativo de densidade legal
acrescida (determinidade) – nas matérias reservadas ao parlamento, admitem-se, em geral,
os regulamentos executivos, mas são inadmissíveis regulamentos independentes do
Governo, e só em determinada medida serão admissíveis regulamentos independentes
autónomos.
Também valem os princípios substanciais da juridicidade – designadamente, os
princípios da igualdade (não discriminação) e da proporcionalidade – que são válidos para
todos os regulamentos, incluindo os regulamentos predominantemente técnicos emanados
das autoridades reguladoras.
64
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
65
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
66
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
67
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
68
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
69
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
70
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
71
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
72
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
1. Comportamento declarativo.
73
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
74
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
75
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
2. Dimensão decisória.
76
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
77
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
havendo impugnação no prazo legal – em regra três meses – o ato administrativo torna-se
inatacável e, ao fim de um prazo, acabará mesmo por se consolidar na ordem jurídica).
Para ilustrar a autonomia do tema da capacidade para a prática de atos
administrativos, veja-se a diferença entre, por um lado, a autorização ou a ordem que um
certo órgão pode conceder ou impor, enquanto meras declarações revestidas de autoridade
e emitidas em situação de supremacia jurídica e, por outro lado, essa mesma autorização ou
ordem envolvidas na forma ato administrativo.
Em si mesma, a forma ato administrativo acrescenta à autoridade material intrínseca
das declarações o caráter executivo, a força executória – no caso da ordem, por se tratar de
ato administrativo, esta pode ser executada por meios coativos da própria Administração no
caso de não acatamento (art. 157.º/2) – bem como o ónus de impugnação.
Entre nós, o tema da capacidade para a prática de atos administrativos foi, no passado,
discutido, sobretudo, a propósito da natureza das declarações, emitidas no exercício de
poderes legais, por contraentes públicos no desenvolvimento de relações contratuais. Hoje,
com o CCP, a dúvida sobre a natureza de algumas dessas declarações encontra-se resolvida:
veja-se o elenco dos poderes do contraente público (art. 302.º CCP) e a indicação explícita
de que essas declarações revestem a natureza de ato administrativo (art. 307.º/2 CCP).
Por fim, note-se que, em geral, a dúvida sobre se, numa específica situação, a
Administração está autorizada a agir por via do ato administrativo, pode esclarecer-se com
base exclusivamente na determinação da natureza do poder conferido pela norma de
competência. Quer dizer, haverá de ser a interpretação da norma de competência material a
conduzir o julgador à conclusão de que uma certa instância administrativa se encontra, ou
não, investida de um poder próprio para a tomada de decisão de autoridade aplicável a uma
dada situação. Se for este o caso, então, as pronúncias emitidas no exercício desse poder
qualificam-se como atos administrativos, desde que preencham os restantes elementos do
conceito – assim, a capacidade formal para a prática de atos administrativos afere-se em
função da interpretação das normas de competência material.
78
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
O ato administrativo vale para uma situação individual e concreta (art. 148.º CPA).
Desde já, estas notas permitem distinguir o ato administrativo do regulamento administrativo,
o qual se caracteriza precisamente pelo caráter geral e abstrato, próprio dos atos normativos
(art. 135.º).
A referência a estas notas evidencia o sentido ou recorte não normativo do ato
administrativo. Com efeito, este não constitui uma norma ou uma regra para uma situação,
aplicável sempre que esta situação ocorra; traduz antes a decisão para uma situação única
que atinge destinatários determinados. Neste sentido, o ato administrativo é representativo de
a forma específica do agir da Administração, enquanto atuação concreta e em relação com o
cidadão, com cada cidadão.
Neste contexto, por situação individual deve entender-se a exigência de o ato
administrativo se referir à situação jurídica de uma pessoa determinada ou de várias
determinadas. Quer dizer, o caráter individual não reclama que o ato administrativo se dirija a
uma única pessoa; exige, sim, que os seus destinatários se encontrem determinados e,
portanto, individualizados pela declaração. Contudo, o caráter individual não deve afastar a
figura dos atos administrativos gerais: trata-se de atos administrativos (concretos), mas que
não atingem um círculo de destinatários individualizados. O artigo 52.º/3 CPTA refere-se a
estes atos, quando estabelece que o não exercício do direito de impugnar um ato que não
79
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
individualize os seus destinatários não obsta à impugnação dos seus atos de execução ou de
aplicação cujos destinatários sejam individualmente identificados. Por fim, ao conceito devem
ainda reconduzir-se os atos administrativos intransitivos, que não têm um destinatário (por
exemplo, o ato de afetação de um bem ao domínio público).
No entanto, a situação a que o ato se reporta deve, ainda, ser concreta: o ato
administrativo aplica-se a uma situação e resolve-se nessa mesma aplicação; o propósito do
ato esgota-se na sua aplicação no caso concreto, não tendo pretensão, como as normas, de
valer para o futuro e de se aplicar todas as vezes que uma situação ocorrer. É que o ato
administrativo não assenta numa hipótese, mas antes numa resposta. Em paralelo à figura
dos atos administrativos gerais, aceita-se a existência de atos administrativos abstratos (que
terão de ser individuais).
80
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Neste sentido, note-se que os efeitos jurídicos do ato administrativo projetam-se num
objeto, que pode ser uma pessoa (atos administrativos pessoais), uma coisa (atos
administrativos reais), um outro ato administrativo (atos administrativos secundários), um
contrato da Administração ou um contrato entre particulares.
Por fim, referimos aqui os efeitos jurídicos do ato administrativo. Não obstante, muitos
atos têm a pretensão de provocar a produção de efeitos práticos ou de facto (v.g.: a ordem
de demolição de uma casa produz o efeito jurídico de constituir o destinatário na obrigação
de proceder à demolição e tem ainda a pretensão de produzir o efeito de facto consistente na
demolição).
▪ O ato administrativo no direito da União Europeia;
O ato administrativo, como ato de exercício do poder administrativo numa
situação concreta e individual, é também uma categoria do direito da UE. Os tratados
não definem, nem aludem expressamente à figura. No entanto, a partir de vários
preceitos e também da jurisprudência, é viável definir o ato administrativo da UE como
o ato de exercício de um poder administrativo praticado por uma instituição ou órgão
da UE numa situação concreta e dirigida a particulares ou aos Estados-membros.
▪ O ato administrativo no direito constitucional.
A figura do ato administrativo tem acolhimento no texto constitucional: art. 268.º
CRP; o nº 3 define aspetos do regime jurídico do ato administrativo; o nº 4, por sua
vez, regula aspetos relacionados com a garantia da tutela jurisdicional efetiva dos
particulares em face de atos administrativos lesivos (impugnação) e devidos
(condenação).
A referência à figura neste plano traduz, de uma forma indireta, o
reconhecimento constitucional de um sistema de administração do ato administrativo
e tem o efeito de legitimar o regime jurídico do ato administrativo.
81
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
82
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
83
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
84
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
85
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
86
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
87
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
88
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
1. Iniciativa.
89
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
administrativo devido, quer dizer, num ato administrativo que a Administração tem o dever de
praticar dentro de um certo prazo (em regra, 90 dias, art. 128.º/1 CPA; prática de atos
procedimentais por órgãos administrativos, 10 dias, art. 86.º/1 CPA).
Quando previsto na lei como ato de iniciativa, o requerimento é um pressuposto
procedimental; sem o requerimento, o procedimento não pode ter início e a decisão que a
Administração venha a tomar é ilegal. Este efeito não se verifica nos casos em que a lei
estabelece que um procedimento se pode iniciar por ato de iniciativa particular ou
oficiosamente.
Atentemos no pressuposto da legitimidade procedimental do requerente. Este
responde à questão se saber quem pode iniciar ou participar num procedimento de formação
do ato administrativo. Interessa-nos o círculo dos titulares do direito de iniciativa
procedimental, respondendo-se à questão de saber quem pode, em geral, iniciar o
procedimento administrativo (art. 68.º).
Ora, o pressuposto da legitimidade procedimental assume-se fundamental para se
apurar a presença de um requerimento no sentido específico de ato de iniciativa que constitui
o órgão administrativo na obrigação de decidir. Neste contexto, existe uma associação entre
requerimento e ato administrativo, surgindo o requerimento como o ato jurídico em que o autor
requer a produção de um efeito que a Administração irá (ou não) produzir mediante a prática
de um ato administrativo.
Por conseguinte, por falta de legitimidade procedimental do autor, não é requerimento
o ato pelo qual um cidadão apresenta uma participação, denúncia, com o objetivo de levar a
Administração a exercer uma competência. Trata-se de atos pré-procedimentais, que levam
à Administraçao o conhecimento de factos que podem conduzi-la a iniciar um procedimento
(iniciativa oficiosa).
Além do mais, a associação entre requerimento e ato administrativo reclama que se
distinga o requerimento enquanto ato de iniciativa procedimental que constitui a
Administração na obrigação de decidir do ato pelo qual o particular requer a passagem de
uma certidão (art. 83.º/3) ou requer certas diligências de prova (art. 116.º/3 CPA): estes
requerimentos não são atos de iniciativa procedimental nem estão na origem de qualquer
obrigação de decidir. Como se conclui, nem todos os requerimentos constituem atos de
iniciativa procedimental.
90
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Por outro lado, existem atos de iniciativa procedimental dos particulares a que a lei
não atribui a designação de requerimento (notificação prévia de uma operação de
concentração de empresas; comunicação prévia com prazo necessária para a exploração de
certos estabelecimentos industriais – trata-se de atos de iniciativa procedimental que
constituem a Administração na obrigação de decidir.
Nota bene…
Não devem confundir-se as notificações e comunicações, atos de iniciativa procedimental que
constituem a Administração na obrigação de proferir uma decisão sobre a situação notificada ou comunicada,
com as comunicações prévias de início de atividade, as quais não suscitam qualquer decisão ou pronúncia
da Administração. Neste caso, a lei exige a comunicação de um facto à AP, mas ela não é chamada a proferir
uma decisão sobre a verificação das condições legais para a instalação do estabelecimento: a
responsabilidade por efetuar essa verificação pertence ao promotor. O “procedimento” de comunicação
conclui-se com a entrega do ato de comunicação à AP.
Por fim, note-se que o requerimento é o nome que o CPA atribui aos atos de iniciativa
particular nos procedimentos de 1º grau. Diferentemente, nos procedimentos administrativos
de 2º grau, que visam a impugnação administrativa de uma decisão da Administração, o ato
de iniciativa particular designa-se reclamação, se a impugnação se dirige ao autor da decisão
(arts. 184.º ss.), ou recurso, se a impugnação se dirige ao superior hierárquico do autor do ato
(recurso hierárquico) ou ao órgão colegial de que este seja membro, ao delegante ou
subdelegante ou ao órgão com poderes se supervisão, tutela ou superintendência sobre o
autor do ato (recursos administrativos especiais).
91
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
92
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
93
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
2. Instrução.
94
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
▪ Diligências probatórias;
A instrução abrange as diligências destinadas a provar factos. O CPA atribui à
Administração o dever de averiguação de todos os factos cujo conhecimento seja
95
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
96
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
97
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Nos termos da lei, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes
de ser tomada a decisão final, devendo ser informados sobre o sentido provável desta (art.
121.º/1). A audiência dos interessados constitui um instrumento de realização do princípio da
participação dos particulares no procedimento administrativo (art. 12.º).
Assim, o direito de audiência corresponde a um direito legal, conferido por lei. Ora o
direito fundamental de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem
98
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
respeito (art. 267.º/5) realiza-se por variadas formas e não deve confundir-se com o dever
(oficioso) que a lei impõe à Administração de ouvir os interessados.
A audiência serve para permitir ao interessado introduzir elementos que enriqueçam o
património cognoscitivo da AP, instaurando um contraditório que visa a melhor ponderação
do interesse público com os interesses dos interessados. Com efeito, a audiência não pode
constituir um simulacro formal, devendo ser considerada um trâmite substancial,
considerando-se supérflua a omissão de audiência nos casos em que o vício não produza um
dano efetivo ao privado ou uma deficiência da instrução procedimental.
Resulta implícito da lei que o direito de audiência incide sobre um projeto de decisão
(indicação do sentido provável da decisão) – o projeto de decisão não se apresenta contudo
vinculativo para a Administração, que pode vir a alterar, ainda que possa ter de repetir o
trâmite da audiência.
Conforme decisão do órgão instrutor, a audiência pode ser escrita ou oral e pode
realizar-se por videoconferência. O CPA prevê casos de dispensa da audiência dos
interessados.
3.1. Sequência.
Sem prejuízo da realização de eventuais diligências complementares que se mostrem
convenientes (art. 125.º), após a realização da audiência – ou da decisão de dispensa ou que
se pronuncie sore a inexistência da audiência –, o procedimento segue para a fase da decisão.
Nos termos do artigo 126.º, quando o responsável pela direção da instrução não for o
órgão competente para a decisão final, elaborará um relatório no qual indica o pedido do
interessado, resume o conteúdo do procedimento e formula uma proposta de decisão,
sintetizando as razões de facto e de direito que a justificam.
Na hipótese de a instrução ter sido dirigida pelo órgão competente para a decisão final,
não há lugar à elaboração do relatório final.
4. Decisão.
Nos termos do artigo 155.º/2, o ato considera-se praticado, quando seja emitida uma
decisão que identifique o autor (supõe-se que mediante a assinatura do mesmo) e indique o
destinatário, se for o caso e o objeto a que se refere o seu conteúdo.
Sobretudo nos procedimentos de iniciativa popular, em que o requerimento implica,
para a Administração, uma obrigação de decidir dentro de um prazo (regra 90 dias), põe-se a
questão de saber qual a consequência de a Administração não tomar qualquer decisão dentro
deste prazo. Estamos num cenário de inércia da Administração, que corresponde à omissão
99
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
5. Integração de eficácia.
O procedimento extingue-se pela tomada da decisão final ou por qualquer outro dos
factos previstos no Código: assim, reza, em geral, o artigo 93.º CPA. Compreende-se o
sentido da formulação legal, até porque a tomada da decisão final corresponde à prática do
100
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
101
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
órgão (controlo preventivo ex ante): aqui o ato de controlo não é condição de eficácia,
mas sim requisito de validade do ato administrativo principal.
▪ Atos de publicação;
Também são atos integrativos de eficácia os atos de publicação, quando esta
se apresenta obrigatória (art. 158.º/2). O mesmo se diga da notificação do ato ao
destinatário: antes da notificação ao destinatário, o ato administrativo não produz os
seus efeitos jurídicos. Assim, a notificação é condição de eficácia jurídica objetiva para
o respetivo destinatário – não assim quanto a outros interessados (diferentes do
destinatário), em relação aos quais a notificação é apenas condição de eficácia
subjetiva ou de oponibilidade.
▪ Atos de complemento executivo;
Integram, ainda, esta fase os atos de complemento executivo, como a
emissão de um diploma ou alvará que titula a decisão e que lhe confere eficácia, o
pagamento de taxas pelo particular ou o termo de aceitação da decisão. Em regra, a
prática destes atos deve ocorrer num determinado prazo, sob pena de caducidade
da decisão e extinção do procedimento (art. 133.º/1).
▪ Atas.
Uma função de integração de eficácia têm ainda as atas (ou minutas de atas)
relativa a reuniões de órgãos colegiais; nos termos da lei, os atos colegiais só
adquirem eficácia depois de consignados em ata aprovada (ou em minuta assinada)
– artigos 34.º/6, 150.º/2.
102
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Neste sentido, há atos administrativos válidos, mas não operativos. Assim acontece
com: os atos de eficácia diferida, por estarem sujeitos a termo inicial, por força da lei ou
cláusula acessória aposta ao ato pelo respetivo autor; os atos de eficácia condicionada, por o
seu procedimento incluir uma fase integrativa da eficácia ou por a produção dos efeitos do ato
depender da verificação de uma condição, quer se trate de uma condição legal ou de uma
cláusula acessória condicional aposta pelo autor ao ato; os atos cuja eficácia se encontre
suspensa, seja por efeito legal de impugnação, por decisão judicial cautelar ou por decisão
administrativa.
Por sua vez, há atos inválidos que são produtores de efeitos jurídicos. Por um lado, os
atos portadores de vícios que os tornem (apenas) anuláveis têm eficácia provisória, que se
torna mesmo definitiva, caso se tornem insuscetíveis de impugnação judicial, por decurso do
prazo respetivo (atos inimpugnáveis). Por outro lado, embora só excecionalmente, podem ser
reconhecidos efeitos putativos aos atos nulos, dando relevo jurídico a situações de facto por
eles criada, perante o decurso do tempo, com fundamento em princípios jurídicos
fundamentais, como os princípios da boa fé, da proteção da confiança legítima e da
proporcionalidade.
103
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
104
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
105
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
2.3. Desenvolvimentos.
B – Exequibilidade.
Neste sentido, deve atender-se à figura da exequibilidade dos atos administrativos: os
atos exequíveis, em sentido estrito, são aqueles que necessitam ou admitem uma atividade
administrativa de execução para a produção dos efeitos visados; os atos não-exequíveis, pelo
contrário, são capazes de produzir por si próprios (desde que eficazes) os efeitos visados,
sem necessidade ou admissibilidade de execução (atos negativos, atos relativos a status,
atos favoráveis). Por conseguinte, os problemas de execução e, portanto, da executoriedade,
como forma de execução coativa, só existem quanto aos atos que sejam exequíveis, isto é,
que tenham de ser executados.
C – Executividade.
Por sua vez, a executividade (força executiva, autotutela executiva) diz respeito à
função tituladora do ato e corresponde à capacidade de basear ou titular uma execução sem
necessidade da pronúncia de outro poder – é uma qualidade típica dos atos administrativos
exequíveis (desde que eficazes) que não se confunde com a executoriedade, á que se
manifesta também nos casos em que a execução é feita pelo tribunal ou por mandado judicial,
visto que é a decisão administrativa o título executivo que os tribunais executam ou mandam
executar (não havendo necessidade de uma decisão judicial substantiva).
106
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
107
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
intervenção judicial – por exemplo, quando se tratasse de posse de bens do domínio público
ou de coisas que integrassem o património cultural.
São pensáveis dois modelos básicos para apresentar uma conceção estrutural do ato
administrativo: um modelo teórico e definitório, baseado no inventário de um conjunto de
elementos essenciais, enquanto partes componentes de uma edificação lógica; ou um modelo
prático e teleológico, que visa estabelecer um esquema descritivo dos aspetos significativos
108
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
1. O sujeito.
As pessoas coletivas que integram a AP em sentido organizativo são, através dos
respetivos órgãos, os sujeitos típicos do ato administrativo, embora se admitam outros tipos
de sujeitos do direito administrativo: entidades privadas que exerçam poderes públicos e
órgãos de entidades públicas não administrativas.
Assim, quanto aos requisitos de validade do ato administrativo quanto ao sujeito, é
preciso que o órgão que o pratica: atue dentro das atribuições (finalidades) legais da pessoa
coletiva (ou ministério) a que pertence; exerça competências (poderes abstratos) que lhe
tenham sido concedidas pela lei (ou tenham sido nele delegadas com base na lei), em razão
da matéria, da hierarquia e do território; possua legitimação para exercer no caso concreto a
competência, verificando-se os requisitos e condições legais do exercício do poder.
2. O objeto.
O objeto do ato é o ente no qual se projetam diretamente os efeitos que o ato visa
produzir – que pode ser uma pessoa, uma coisa ou um outro ato administrativo. O objeto, em
sentido estrito, distingue-se do conteúdo (os efeitos jurídicos que o ato visa produzir) e do fim
(a finalidade de interesse público visada) do ato, embora se verifique o uso corrente dos
conceitos de objeto mediato (objeto propriamente dito) e de objeto imediato (conteúdo) como
conceitos ligados entre si.
Como requisitos de validade do ato, quanto ao objeto, identificam-se: a existência
(possibilidade física ou jurídica) – o objeto tem de existir no plano dos factos e do direito, de
modo que não é possível a requisição de uma coisa já perecida, a nomeação de uma pessoa
falecida ou a revogação de um ato entretanto extinto; a determinação (determinabilidade
identificadora, conforme o tipo de ato), pelo que tem de ser perfeitamente individualizado ou
determinado (logo, não é válida a decisão de promover o funcionário mais experiente de um
serviço); a idoneidade (adequação do objeto ao conteúdo), na medida em que o objeto tem
de preencher as qualificações necessárias para suportar os efeitos do ato (não se pode
validamente nomear como funcionário uma pessoa que não reúna os requisitos legais); e, por
fim, a legitimação (qualificação específica para sofrer em concreto os efeitos do ato), pelo que
109
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
o objeto, para além de idóneo em abstrato, tem de preencher as condições subjetivas legais
para (no âmbito de um concurso, não se pode validamente adjudicar um contrato a um
candidato cuja proposta tenha sido excluída).
3. A estatuição.
A estatuição refere-se à decisão, em si, isto é, à declaração formal que visa produzir
transformações no mundo jurídico. Tendo em conta a sua complexidade, distinguiremos as
dimensões substantivas das dimensões formais e instrumentais, desdobrando-as em
momentos juridicamente significativos, tendo em vista os efeitos práticos referidos.
110
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
111
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
112
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
que tenham criado na esfera do particular um efeito jurídico estável e consistente (que
tenham gerado uma confiança legítima digna de proteção). Por isso, sustentamos que,
a par dos atos provisórios e precários (incluindo os atos cuja revogação esteja prevista
expressamente na lei ou seja exigida pela natureza do ato ou por princípios jurídicos
fundamentais), são revogáveis os atos (ainda que favoráveis) que tenham sido sujeitos
pelo autor a uma cláusula de reserva de revogação – evita-se, assim, que a
Administração seja colocada perante o dilema de ter de recusar ou ter de autorizar
para sempre ou definitivamente uma determinada atividade, comportamento ou
atuação, quando tenha dúvidas relativamente ao futuro, dilema que pode ser
prejudicial tanto para a Administração como para o particular. No entanto, note-se que
ponto é que o autor do ato disponha de um espaço discricionário (que permita a
precarização) e que a reserva seja densificada nos seus pressupostos (determine as
circunstâncias em que a revogação pode operar). Por fim, esta hipótese não é
afastada pela possibilidade de revogação prevista no artigo 167.º/2-c), já que esta se
refere apenas à revogação de atos que não poderiam ter sido praticados em face dos
conhecimentos ou dados supervenientes.
▪ Relação entre o fim e o conteúdo.
Há uma relação direta entre o fim e o conteúdo, que assume especial
relevância na metodologia da formação da vontade administrativa quando os atos
envolvem momentos discricionários de decisão: a avaliação integrada das
considerações e valorações em que se baseia o juízo de preenchimento no caso
concreto dos pressupostos legais (e, portanto, da verificação do fim de interesse
público em causa) e projeta-se nos argumentos e ponderações que permites a escolha
administrativa da melhor solução para o interesse público, tal como foi concretizado,
funcionando como motivos da decisão – a ponderação com vista à decisão implica um
vai-vem argumentativo entre a hipótese e a estatuição normativa baseado nas
circunstâncias do caso concreto.
113
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
114
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
como mero facto jurídico, que serve apenas para abrir a via contenciosa, funcionando
como pressuposto processual de uma ação judicial – é o que acontece, por exemplo,
com o silêncio perante impugnação administrativa (art. 198.º/4) ou perante o
requerimento de reversão de prédio expropriado.
A legitimidade do ato administrativo, entendida em sentido amplo, tem a ver com a sua
aptidão para prosseguir o interesse público de acordo com as normas e princípios jurídicos
(legalidade e juridicidade) e as normas de boa administração (conveniência e mérito).
Interessa-nos, em especial, o estudo dos vícios de legalidade ou juridicidade, por
incumprimento de disposições normativas e princípios jurídicos, com exclusão dos vícios de
mérito (inoportunidade e inconveniência), na medida em que só aqueles, por força da
separação de poderes, são suscetíveis de controlo judicial (art. 3.º/1 CPTA).
No plano da invalidade, a questão que se coloca consiste em saber se esta decisão,
qualificada como ato administrativo, se encontra afetada por alguma desvirtude nos seus
elementos formais, procedimentais e substantivos que, sendo de tal modo grave, provoca ou
é suscetível de provocar a sua invalidade. E falamos em suscetibilidade porque nem todas as
desvirtudes têm de traduzir-se necessariamente num vício invalidante, bem podendo suceder
que a sanção seja a mera irregularidade. No entanto, o inverso também é verdadeiro, isto é,
no regime do novo CPA, encontramos situações em que o vício, independentemente da sua
natureza, embora produza um efeito invalidante do ato, não conduz necessária ou
logicamente à sua anulação. Estamos em face da irrelevância ou da inoperância desse vício.
115
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Para VIEIRA DE ANDRADE, a inexistência não é hoje uma categoria necessária enquanto
tipo de invalidade, distinta da nulidade. No entanto, tendo em conta que, por vezes, as próprias
leis se referem a atos inexistentes, em contextos que não podem significar a mera situação
de facto de inexistência (art. 58.º/1 CPTA), pode admitir-se a figura para efeitos de
impugnação – já não se pode é falar de uma nulidade-inexistência, para caracterizar um
subconjunto de atos nulos, com vícios muito graves, aos quais se devesse aplicar, por
princípio, em termos radicais, o regime da nulidade, porque o CPA revisto eliminou a categoria
das nulidades por natureza.
Ainda assim, a relevância dogmática da inexistência no Direito Administrativo geral
(substantivo) e processual é teorizada por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, fundamentalmente a
partir do artigo 155.º/2, isoladamente ou conjugado com o artigo 151.º, sobre as menções
obrigatórias que devem constar do ato, ou com o artigo 148.º, relativo ao conceito de ato
administrativo. Segundo este Autor, um ato administrativo não existe (inexistência de ato
administrativo) se uma declaração (decisão) não puder ser reportada a um autor devidamente
identificado ou não contiver um conteúdo e, ainda que de forma adjuvante, quando não
indique (não identifique) o objeto a que se dirige ou o destinatário. Contudo, na esteira de
LÍCINIO LOPES, se estes elementos são constitutivos do próprio conceito de ato administrativo
e, por isso, na lição de ROGÉRIO SOARES, são os seus elementos estruturais, não se entende
que a sistemática do novo CPA traduza a construção de MÁRIO DE ALMEIDA. De facto, na
sistemática do novo CPA, o regime do artigo 155.º inscreve-se no tema dedicado à eficácia
do ato administrativo, o que, só por si, permite subentender que já existe um ato
administrativo, isto é, uma decisão assim qualificada por força do artigo 148.º e que,
naturalmente, já está, pelo menos em potência, predisposta a produzir efeitos jurídicos. Por
isso, talvez se figurasse mais vantajoso, no plano da sistemática do CPA, não fundir no
mesmo articulado (art. 155.º) duas categorias dogmáticas completamente distintas: a da
eficácia e a da existência de um ato administrativo.
Como quer que seja, nas notas seguintes, iremos dar como assente a existência de
um ato administrativo.
2. Tipos de invalidade.
São tipos de invalidade a nulidade (que determina a improdutividade total do ato como
ato jurídico) e a anulabilidade (que confere ao ato uma produtividade provisória e
condicionada).
Embora o CPA não o refira expressamente, verifica-se a existência de invalidades
mistas, às quais se aplicam regimes especiais, previstos na lei (v.g.: determinados atos
urbanísticos, em que se estabelece um prazo para impugnação de atos nulos) ou impostos
116
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
pela natureza e circunstâncias do ato (v.g.: em caso de atos administrativos praticados sob
forma legislativa ou regulamentar, que não estão sujeitos a ónus de impugnação autónoma).
Ora, a anulabilidade tem sido vista como a consequência normal da ilegalidade ou,
pelo menos, como o regime típico da invalidade do ato administrativo. Esta construção parece,
à primeira vista, paradoxal, tendo em conta, na linha de KELSEN, a especial vinculação da AP
à legalidade e ao interesse público, mas tem resistido aos tempos – associada primeiro à
autoridade administrativa como privilégio público, revive em contexto democrático como
garantia da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da praticabilidade, num
universo em que se desenvolvem exponencialmente as áreas de intervenção administrativa
e aí ganham importância decisiva, além da reguladora, a atividade autorizativa, concessória
e prestadora, que visam a constituição de direitos e a produção de efeitos favoráveis para os
particulares.
Embora à ideia de poder se tenha sobreposto a de serviço e a administração fechada
e autocrática tenha sido substituída por uma administração aberta, participada e respeitadora
dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, são justamente os direitos dos
particulares que exigem agora, em grande medida, a força estabilizadora do ato administrativo
e um regime de invalidade que a assegure de forma consequente, seja através de um ónus
de impugnação pelos interessados num prazo curto, seja através da limitação dos poderes
de auto-tutela administrativa da legalidade.
117
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
ela a causadora do vício e, por outro lado, não se salvaguarda, como regra, a proteção da
confiança legítima do interessado dentro do prazo da impugnabilidade judicial.
No entanto, o rigor do regime legal da nulidade pode em muitas circunstâncias revelar-
se excessivo, designadamente quanto à impossibilidade de ratificação (art. 164.º/2) e quanto
ao regime de imprescritibilidade do poder de conhecimento da nulidade por qualquer
autoridade administrativa ou judicial ou da sua declaração pelos tribunais ou órgãos
competentes (art. 162.º/2). Com efeito, a moderação desse rigor resulta da possibilidade de
haver disposições legais limitadoras dos efeitos típicos da nulidade (“salvo disposição em
contrário”), quer da possibilidade de reconhecimento jurídico de efeitos ou situações de facto
produzidos pelo ato nulo, com fundamento em princípios jurídicos fundamentais (art. 162.º/3).
No que respeita à anulabilidade, note-se que o CPA de 2015 passou a admitir a não
produção do efeito anulatório, apesar da invalidade, em três circunstâncias (art. 163.º/5). Em
todas estas situações, não estamos perante um poder do juiz ou uma faculdade da
Administração, mas perante uma inibição, por determinação legal, da produção do efeito
anulatório em casos concretos. Além do mais, não se trata aqui, salvo porventura no caso da
irrelevância, de uma validação legal do ato, dado que a ilegalidade e a invalidade se mantém
– de modo que não está excluída a possibilidade de indemnização, se tiver havido a causação
de danos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos de particulares – seja por
danos não patrimoniais, seja por danos causados por diferenciação temporal.
Desde logo, permite-se o aproveitamento do ato, isto é, a sua não anulação pelo juiz,
apesar da invalidade, quando o conteúdo do ato não possa ser outro, nos casos de conteúdo
devido, legalmente vinculado, ou de redução da discricionariedade a zero. Assim, o efeito
anulatório não se produz, por força da lei, apesar de o ato não ser válido, já que o vício, seja
formal ou substancial, se mantém. Ademais, note-se que o aproveitamento se verifica mais
frequentemente quando se trata de atos favoráveis, mas é igualmente possível quanto a atos
desfavoráveis, neste sentido, o Ac. do STA de 22/03/2011.
Depois, admite-se a irrelevância do vício de procedimento ou de forma quando o fim
visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançada por outra via,
isto é, quando da violação não tenha resultado no caso uma lesão efetiva dos valores e
interesses protegidos pelo preceito formal ou procedimental violado, por esses valores ou
interesses terem sido suficientemente protegidos por outra via – corresponde à situação
tradicionalmente formulada pela jurisprudência como degradação das formalidades
essenciais em não essenciais.
Por fim, o vício gerados de invalidade também é improdutivo, na prática, quando, no
caso concreto, se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria
sido praticado com o mesmo conteúdo – isto é, que não teve qualquer influência na decisão.
Esta situação pode resultar de vícios formais ou procedimentais (designadamente, em atos
118
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
4. A nulidade.
4.1. O princípio da taxatividade das causas de nulidade e a eliminação cláusula geral do CPA.
(a antinomia (intra)sistemática do novo CPA)
A conjugação do artigo 148.º com o artigo 155.º/2 permite concluir que o legislador,
quando estejam referidos os elementos a que se referem estes artigos, dá como juridicamente
existente uma decisão, um ato administrativo imputável a um órgão administrativo ou a uma
entidade de outra natureza, incluindo de direito privado, desde que investida, para efeito, de
poderes administrativos. Ou seja: reunidos aqueles elementos, dá como resolvida a questão
da existência jurídica de um ato administrativo, pelo que, constatada a existência deste, o
único problema a colocar consiste em saber se esse ato é, ou não, (in)válido e, sendo inválido,
identificar o tipo de invalidade; saber se o vício ou os vícios que o afetam provocam a sua
mera anulabilidade ou a nulidade.
Aqui reside um dos argumentos fundamentais que permite compreender a razão pela
qual o legislador terá procedido à supressão da cláusula geral do artigo 133.º/1 do CPA
revogado, em que se estabelecia “são nulos os atos a que falte qualquer dos elementos
essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”.
119
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Doravante, apenas (e só) “são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa
forma de invalidade (art. 161.º/1).
Com efeito, a conjugação daquelas disposições pressupõe uma equivalência material
e funcional entre elementos essenciais e elementos estruturais do ato administrativo.
Efetivamente, quando seja emitida uma decisão que identifique o autor e indique o
destinatário, se for o caso, e o objeto a que se refere o seu conteúdo (art. 155.º/2), estaremos
ante um ato administrativo por conter todos e cada um dos seus elementos qualificativos e,
portanto, estruturais: uma estatuição (decisão); um sujeito (o órgão autor dessa decisão); um
objeto (mediato e imediato); e uma decisão que, naturalmente, há-se ser precedida de um
ritual formativo, mais simples ou mais complexo (o procedimento, que pode ser obrigatório ou
facultativo) e que terá de ser adotada segundo um certo modo que a lei prescreva (a forma,
que pode ser oral, escrita, gestual). Ora, se assim é, então, na lógica do legislador, a primeira
parte do artigo 133.º/1 do CPA, ao referir-se a “quaisquer dos elementos essenciais” do ato
administrativo seria redundante ou duplicativa ou, pelo menos, indicadora de alguma
ambiguidade legal e, como tal, sempre geradora de insegurança e incerteza jurídica.
Consequentemente, feita esta equação impor-se-ia como lógica a sua eliminação.
No entanto, não é seguro que assim seja (equivalência jurídica – material e funcional
– entre aqueles elementos) e, não obstante, reconhecemo-lo, a ambiguidade que a semântica
terminológica da citada cláusula sempre poderia suscitar, entendemos que o legislador
arrepiou caminho, no plano prático e no plano da construção teórica da invalidade do ato
administrativo, ao adotar uma perspetiva normativista e taxativa das causas de nulidade do
ato administrativo. Doravante, um ato administrativo só será nulo se a lei assim
expressamente o determinar: a causa (vício invalidante) e a consequência ou sanção
(nulidade) hão-de estar legalmente tipificadas.
Esta opção do legislador não deixa de ser discutível. Em primeiro lugar, no plano
prático-jurídico, na medida em que a previsão legal de novas situações de nulidade (salvo as
que venham a ser previstas em leis especiais) implica a necessária revisão do Código, o qu
não favorece a estabilidade inerente a um documento normativo com tal qualidade. Em
segundo lugar, ainda que as fortes razões justificativas da opção residam na identificação
histórica das nulidades típicas e em razões de segurança e certeza jurídica, é duvidoso que,
numa adequada ponderação, tais justificações superem, no plano prospetivo, as sempre
emergentes dimensões axiológicas do Direito, particularmente do Direito Administrativo, cuja
permanente mutação e globalização se revela cada vez mais intensa e extensa,
designadamente, ante a influência do Direito Administrativo Europeu ou de um Direito
Administrativo Transnacional. Em terceiro lugar, devem ser considerados nulos por natureza
aqueles atos que sofram um vício especialmente grave, avaliado em concreto em função das
características essenciais de cada tipo de ato – será nulo um ato que contenha uma
120
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
ilegalidade tão grave que ponha em causa os fundamentos do sistema jurídico, não sendo,
em princípio, aceitável que produza efeitos jurídicos. Isto porque se visa a garantia de valores
comunitários e interesses substantivos importantes – uma construção que se inscreve na luta
pela consolidação do valores do Estado de Direito Democrático no contexto das relações
jurídico-administrativas.
Ora, se é este o plano dos fundamentos axiológicos justificantes de uma sanção mais
grave para as decisões administrativas, não vemos como é que uma tal dimensão possa
dogmaticamente ficar definitivamente estabilizada ou eternizada em opções prescritivo-
normativas de tipo taxativo.
Além do mais, na sistemática do próprio CPA podem descortinar-se dois casos em
que é sugerida a abertura à nulidade, não obstante esses casos não tenham uma imediata e
expressa subsunção às causas de nulidade expressamente tipificadas no seu artigo 161.º.
Em primeiro lugar, o artigo 8.º aponta claramente nesse sentido. Com efeito, no plano
hipotético, não pode, de antemão, excluir-se a possibilidade, designadamente em face de um
extenso e difuso ordenamento jurídico-administrativo e da cada vez mais intensa tecnicidade
de certas atividades administrativas, que os decisores públicos não venham a obter soluções
e decisões incompatíveis com aquela ideia de Direito. Em situações deste género,
provavelmente, ninguém duvidará que os valores da legalidade do Estado de Direito
Democrático e da justiça deverão prevalecer sobre a certeza e a segurança jurídica e que o
desvalor ético-jurídico de uma tal decisão merecerá uma sanção mais severa que a mera
anulabilidade. Ora, se a concreta situação prefigurada não for subsumível a uma das causas
expressas de nulidade tipificadas no referido artigo do CPA e não podendo ser qualificada
como uma lacuna legal, só restará reconduzi-la, ainda que inadequadamente, ao regime geral
da anulabilidade (art. 163.º/1).
Uma outra situação devera equacionar-se no artigo 168.º/4-a). Com efeito, se o artifício
fraudulento constituir ou for determinado pela prática de um crime, estaremos em face de uma
situação típica de nulidade, a subsumir no artigo 161.º/2-c). Contudo, o artifício fraudulento
pode, ainda que não constitua ou seja determinado pela prática de um crime, revelar-se de
tal modo ostensivo e ofensivo da legalidade do Estado de Direito Democrático e dos valores
do Direito Administrativo, que a sanção e o regime da mera anulabilidade se revele
inapropriado. Na verdade, note-se que entre um desvalor ético-jurídico máximo (atos que
envolvam a prática de um crime, a implica a nulidade) e um desvalor de semelhante natureza,
mas menos censurável (anulabilidade) é legítimo ponderar zonas mais ou menos difusas de
fronteira, mas em que a concreta gravidade do desvalor pena para a nulidade do ato e não
para a sua mera anulabilidade.
Por fim, note-se que tratamos de hipóteses possíveis que apoiam o argumento de que
a opção por um numerus clausus poderá não configurar, no plano prospetivo, como a mais
121
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
122
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
123
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
124
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
125
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
jurisprudência: a regra de que são nulos os atos consequentes de atos anulados deve atingir
apenas os atos ou as partes de atos que seja estritamente necessário para reconstituir a
situação hipotética; de contrário, será violado o princípio da proporcionalidade,
nomeadamente, se com isso se atingirem direitos constituídos.
126
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
ponha em causa os fundamentos do sistema jurídico, não sendo, em princípio, aceitável que
produza efeitos jurídicos, muito menos efeitos jurídicos estabilizados.
127
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
São pensáveis dois modelos básicos para apresentar uma conceção estrutural do ato
administrativo: um modelo teórico e definitório, baseado no inventário de um conjunto de
elementos essenciais, enquanto partes componentes de uma edificação lógica; ou um modelo
prático e teleológico, que visa estabelecer um esquema descritivo dos aspetos significativos
do ato, capaz de fornecer uma explicação coerente do seu regime de funcionamento e
orientado pela necessidade de construção de uma teoria das invalidades.
Adotamos, seguindo ROGÉRIO SOARES, este último modelo, no qual se procura
identificar os momentos que sejam relevantes para efeitos de localização dos diversos tipos
de vícios de que o ato pode padecer, bem como para a avaliação das consequências do
respetivo desvalor, tendo em vista, designadamente, as diferenças de regime da invalidade,
que variam em função do alcance e da gravidade do defeito.
Procuraremos, agora, elaborar uma tabela de conexão, ainda que meramente
tendencial, entre vícios e tipos de invalidade dos atos em função do momento estrutural
afetado.
128
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Na falta destes requisitos, deparamo-nos com vícios relativos ao sujeito, que dizemos
serem eles, esquematicamente:
▪ Usurpação de poderes;
▪ Falta de atribuições;
▪ Incompetência;
▪ Falta de legitimação.
Assim, são nulos os atos praticados com usurpação de poder ou fora das atribuições
(art. 161.º/2-a) e b) CPA) – qualificação que valerá também para os atos praticados por órgão
territorialmente incompetente na administração descentralizada.
São nulos os atos com faltas graves de legitimação (falta de convocatória do órgão
colegial ou falta de reunião, falta absoluta de investidura do titular) – devendo a
tumultuosidade ou a falta de quórum (art. 161.º/2-h)) ser interpretadas, nos casos concretos,
em função da sua gravidade (o tumulto terá de ser violento e, quanto ao quórum, há-de ter-
se em conta o disposto no artigo 29.º/2 e 3).
129
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
6.3.1.1. O fim.
Nas normas-condição, como são as normas que preveem e regulam a prática de atos
administrativos, a definição legal do fim do ato administrativo não é expressa, decorrendo da
formulação dos pressupostos (pressupostos abstratos ou hipotéticos), isto é, das
circunstâncias da vida que revelam a existência do interesse público que o ato visa satisfazer.
Genericamente, podemos definir pressupostos, neste sentido de indicadores do fim,
como aquelas circunstâncias, não referentes ao sujeito ou ao objeto, de cuja ocorrência a lei
faz depender a validade da decisão (hipótese normativa). A verificação desses pressupostos
hipotéticos nos casos concretos da vida (pressupostos reais) impõe e justifica a decisão
administrativa – a justificação constitui a fundamentação formal do ato pela comprovação
concreta da existência real dos pressupostos definidos em abstrato na norma habilitante.
Com efeito, há dificuldades naturais na concretização do fim quando a lei utiliza
conceitos indeterminados na formulação da hipótese normativa – a avaliação administrativa
dos pressupostos legais, para efeitos da verificação da sua ocorrência no caso concreto, pode
ser juridicamente vinculada ou então remeter para uma valoração própria da função
administrativa.
A concretização do fim do ato, isto é, a concretização do interesse público específico
que a lei visa assegurar ao prever a decisão administrativa, que está em primeira linha a cargo
130
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
6.3.1.2. O conteúdo.
No conteúdo (ou objeto imediato, entendido como os efeitos que o ato visa produzir)
do ato, há a considerar o conteúdo principal – que inclui o conteúdo legal típico (os efeitos
que, nos termos da lei, cada tipo de ato visa normalmente produzir) e o conteúdo discricionário
específico determinado pelo autor do ato no caso concreto (cláusulas particulares) – e as
cláusulas acessórias.
Relativamente aos vícios do conteúdo, importa a distinção entre aqueles ocorrem no
âmbito de atos vinculados, daqueles que ocorrem no âmbito de atos discricionários.
Com efeito, no âmbito dos vícios do conteúdo, relativos a atos administrativos
vinculados, estes ocorrem quando a AP dá ao ato administrativo um conteúdo diferente
daquele que decorre da lei, pelo que a sua consequência será, via de regra, a anulabilidade.
131
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Por outro lado, os vícios no uso de poderes discricionários – que se verificam quando
os motivos invocados pelo autor do ato para tomar a decisão se comprovam inexistentes,
deficientes, falsos, desviados, errados, irrelevantes, contraditórios, incongruentes ou
ilegítimos – são vícios na relação fim-conteúdo (vícios funcionais da decisão), normalmente
associados à violação de princípios jurídicos que provocam, na generalidade dos casos, a
anulabilidade do ato.
Assim, note-se que há uma relação direta entre o fim e o conteúdo, que assume
especial relevância na metodologia da formação da vontade administrativa quando os atos
envolvem momentos discricionários de decisão: a avaliação integrada das considerações e
valorações em que se baseia o juízo de preenchimento no caso concreto dos pressupostos
legais (e, portanto, da verificação do fim de interesse público em causa) e projeta-se nos
argumentos e ponderações que permitem a escolha administrativa da melhor solução para o
interesse público, tal como foi concretizado, funcionando como motivos da decisão – a
ponderação com vista à decisão implica um vai-vem argumentativo entre a hipótese e a
estatuição normativa baseado nas circunstâncias do caso concreto.
Neste sentido, precisamente, na relação fim-conteúdo (relação que ocorre nos atos
discricionários) pode verificar-se o vício de desvio de poder que consiste no exercício de um
poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiz com o fim que
a lei visou ao conferir tal poder. Com duas variantes: desvio de poder para fins de interesse
público, embora diverso daquele que a lei impõe, que é anulável; ou, ainda, o desvio de poder
para fins de interesse privado, que se verifica quando o órgão não prossegue um fim de
interesse público, mas um fim de interesse privado, o qual é nulo – o STA tem exigido que o
órgão atue com dolo, isto é, com o propósito consciente e deliberado de prosseguir o fim
ilegal.
132
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
A projeção do conteúdo dos atos preparatórios na feitura do ato não diz respeito ao
procedimento – por exemplo, um parecer erróneo pode afetar a validade do ato decisório
quanto ao conteúdo, mas não dá origem a um vício procedimental.
Neste sentido, os vícios de procedimento, que resultam da falta de trâmites
processuais provocam, em geral, a anulabilidade, mas, em alguns casos, geram a nulidade
(violação de direitos fundamentais procedimentais, designadamente em atos sancionatórios,
ou preterição total do procedimento legalmente exigido – artigo 161.º/2-d) e l) CPA) ou
constituir meras irregularidades – estes vícios não devem ser confundidos com os vícios que
ocorram nos atos do procedimento, por exemplo, pareceres ou provas ilegais, que podem
influir na decisão e projetar-se nela, determinando, então, vícios de conteúdo.
133
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
134
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
135
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
136
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
adquiriu o direito a exercer a atividade – não será assim, em princípio, no caso de se tratar de
uma autorização permissiva, porque o particular já é titular do direito, embora na prática,
possa haver obstáculos ao exercício efetivo do seu direito, por ser necessária a colaboração
administrativa (por exemplo, a se for indispensável passagem de alvará).
Já não é tão claro, mas algo semelhante deverá valer, em regra, nos casos em que o
ato desfavorável é um ato de segundo grau, que anula ou declara nulo um ato anterior,
constitutivo de direitos ou poderes – o particular ou o órgão administrativo não podem ignorar
ou desaplicar o ato administrativo secundário e exercer o direito ou o poder conferido pelo ato
de 1.º grau, a não ser que se trate de um caso em que não possa haver dúvidas razoáveis
sobre a nulidade, por o vício ser evidente e especialmente grave (v.g.: ato de segundo grau
que viole claramente decisão judicial transitada em julgado).
Esta limitação do conhecimento da nulidade dos atos administrativos de autoridade
aos casos de nulidade especialmente grave e evidente valerá do mesmo modo se estiverem
em causa atos ablativos, proibitivos ou impositivos de obrigações, designadamente, quando
não se trate do exercício de direitos, liberdades e garantias: o particular não goza do direito
de resistência e será, muitas vezes ou até em regra, obrigado a suportar os efeitos de facto
das decisões administrativas nulas, que a Administração pretenderá executar, se for caso
disso, coercivamente – cabe-lhe obter, por via judicial, proteção contra a atuação
administrativa, bem como a reconstituição da situação de facto anterior, caso o tribunal
confirme a existência de nulidade.
Por isso mesmo, torna-se fundamental a garantia de uma tutela judicial efetiva do
particular nestas situações – daí que a lei preveja, apesar da ilogicidade, a impugnação judicial
e, sobretudo, a própria suspensão da eficácia de atos nulos (que oferece a vantagem de
desencadear a proibição de execução do ato pela mera notificação judicial da apresentação
do requerimento de suspensão), sendo certo que, atualmente, para além da concessão quase
automática da providência requerida, quando se impugne ato manifestamente ilegal, se
admite, designadamente em situações graves e urgentes, a convolação do processo cautelar,
permitindo ao juiz antecipar o juízo sobre a causa principal (arts. 120.º/1-a) e 121.º CPTA).
A garantia de um amparo judicial, principalmente em situações de urgência, permite
evitar o risco de uma invocação errada pelos particulares, com prejuízo para eles e para o
interesse público, pois que mesmo nos casos que envolvam ofensa de direitos fundamentais,
deve haver um uso prudente do direito de resistência.
Ademais, note-se que a questão do conhecimento e da invocação da nulidade dos
atos administrativos não surge apenas no âmbito das relações externas, entre a
Administração e os cidadãos, ganhando outra dimensão quando se trate da aplicação do
regime nas relações administrativas internas – aí perdem espaço os direitos dos particulares
137
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
138
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
139
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
140
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
reside em saber se, no final, isto é, se feita aquela ponderação, vem, ou não, a conluir-se no
sentido de atribuir efeitos jurídicos à pressuposta situação de facto.
1.5. Alargamento do princípio do aproveitamento dos atos administrativos aos atos nulos.
De forma inovadora, o CPA alargou o princípio do aproveitamento dos atos
administrativos aos atos nulos, através dos institutos da reforma e da conversão de atos nulos
(art. 164.º/2). Com efeito, a reforma de atos nulos poderá afigurar-se especialmente
importante para os atos administrativos divisíveis, permitindo conservar a parte não afetada
ou as partes válidas deles (v.g.: num loteamento ilegal, a reforma poderá permitir a
conservação das construções entretanto realizadas, desde que, nessa parte, a ilegalidade
imputada ao loteamento não as afete). Por sua vez, a conversão de atos nulos permite a
mutação de atos através do aproveitamento dos seus segmentos válidos, procedendo-se,
com base neles, à prática de um outro ato (v.g.: a conversão de uma nomeação efetiva numa
nomeação provisória ou de uma licença definitiva numa licença precária, por, em ambos os
casos, o regime legal aplicável apenas permitir estes segundos títulos jurídicos).
1.1. Objeto.
Quanto ao objeto da anulação administrativa, decorre da sua definição que o mesmo
há-de ser um outro ato; e um ato inválido, pois só assim estaremos perante uma verdadeira
anulação e não diante de uma revogação.
Não obstante, o que foi dito não significa que todo e qualquer ato inválido, só por o
ser, possa ser anulado pela Administração. Com efeito, o novo CPA prevê a impossibilidade
de anulação de determinados atos inválidos. Assim, conforme o disposto no artigo 166.º/1,
não podem ser objeto de anulação administrativa (nem, refira-se, de revogação): os atos
nulos; os atos anulados contenciosamente; e os atos revogados com eficácia retroativa. A
razão de ser destas situações de impossibilidade legal de anulação radica na própria natureza
das coisas.
Assim, quanto aos atos nulos, a explicação reside no facto de, atendendo ao desvalor
de que enfermam, tais atos não produzirem quaisquer efeitos jurídicos, pelo que não podem
ser destruídos: esta a razão para os atos nulos apenas poderem ser objeto de declaração de
nulidade e não de anulação administrativa (ou judicial). Quanto aos atos anulados
contenciosamente e os atos revogados com eficácia retroativa, a explicação é mais prosaica:
semelhantes atos não podem ser anulados porque os efeitos que produziram não só já
cessaram, como foram expurgados do ordenamento jurídico com eficácia retroativa, tudo se
passando, portanto, em princípio, como se tais atos nunca tivessem sido praticados.
141
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Por conseguinte, só os atos que sejam ilegais – mas que sejam meramente anuláveis,
isto é, que não incorram numa das ilegalidades taxativamente previstas no artigo 161.º CPA
e que, portanto, determinem a sua nulidade – e que ainda se mantenham em vigor no
ordenamento jurídico podem vir a ser objeto de anulação administrativa, com vista à
destruição dos seus efeitos.
Interessante é ainda saber se, além dos atos previstos no artigo 166.º/1, também nos
atos (ou nos casos) a que se refere o artigo 163.º/5 estamos perante situações de
insusceptibilidade de anulação administrativa. Na verdade, no que constitui uma limitação
inédita entre nós a nível legislativo, depois de configurar a anulabilidade como desvalor-regra
e estabelecer que o ato anulável produz efeitos jurídicos que podem ser destruídos com
eficácia retroativa mediante anulação administrativa ou judicial, dispõe o legislador que não
se produz o efeito anulatório quando se verifique uma das situações mencionadas pelo
preceito. Por conseguinte, estamos perante o acolhimento expresso, na lei, do princípio do
aproveitamento do ato administrativo, aqui consagrado como fonte de limitação da anulação.
O que não deixa de suscitar duas perplexidades.
A primeira tem que ver com a própria opção de fundo do legislador, ao acolher
expressamente um tal princípio e a dar-lhe foro de lei, ou seja, estamos perante uma auto-
derrogação legislativa, mediante a qual um diploma procede à degradação da força jurídica
da lei e admite que a violação do bloco legal aplicável à Administração possa não gerar a
invalidade dos atos com aqueles desconformes. E é esta opção tanto mais surpreendente
quando se sabe que, apesar da origem jurisprudencial deste princípio, a própria jurisprudência
administrativa tem vindo a tentar restringir as possibilidades da sua invocação perante a
Administração, tendo mesmo o STA afirmado claramente que “estando as autoridades
públicas subordinadas ao princípio da legalidade, é seu dever estrito cumprir
escrupulosamente aquela determinação legal, e não colocar-se numa posição marginar ao
escolher, arbitrariamente, as situações em que cumpre e aquelas outras em que decide não
cumprir, para depois vir invocar princípios jurisprudenciais”. Com efeito, se é certo que a
Administração, quando demandada em juízo, mesmo sem apoio claro na lei, já fazia
frequentemente apelo a este princípio, com o novo CPA, a Administração ganha renovado
fôlego para ensaiar esta linha de defesa, agora com inequívoco respaldo legal.
A segunda perplexidade, por seu turno, tem que ver com a identificação dos
destinatários-aplicadores deste princípio. Aquando da discussão pública do projeto, houve
quem considerasse estarmos perante normas de direito processual administrativo, normas
exclusivamente processuais dirigidas exclusivamente ao juiz administrativo – e daí retirasse
a conclusão de que, assim sendo, seria questionável a sua inserção no CPA. Pela nossa
parte, concordando inteiramente quanto à conclusão, não temos a certeza quanto às
premissas: é que, na verdade, se no projeto de referia efetivamente que o efeito anulatório
142
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
poderia ser afastado pelo juiz administrativo, o que é certo é que esse segmento do preceito
não vingou na versão final do CPA, pelo que, hoje, nada no respetivo artigo 163.º aponta para
o facto de estarmos perante normas apenas aplicáveis pelo juiz administrativo. Por outro lado,
o princípio do aproveitamento do ato não é um princípio processual. Acresce que, não só o
preceito em causa abrange os Tribunais Administrativos e a Administração, como, além disso,
o número antecedente àquele que consagra este princípio do aproveitamento dirige-se
unicamente à Administração: ora, a sequência sistemática dos preceitos um elemento
sugestivo. Fica assim colocada a dúvida de saber se também a Administração será
destinatária-aplicadora do princípio em causa.
143
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
o ato anulado e o ato que procede à sua anulação – continua a vigorar o princípio de “que os
atos se desfazem pela mesma forma por que são feitos “, conforme ensinava já MARCELLO
CAETANO.
Assim, em princípio e salvo o disposto em norma especial, o ato de anulação
administrativa deve revestir a forma legalmente prescrita para o ato anulado (art. 170.º/1),
sendo que, caso a lei não estabeleça forma alguma para o ato anulado ou este tenha revestivo
forma mais solene do que a legalmente prevista, o ato de anulação administrativa deve
observar a mesma forma adotada pelo ato anulado (art. 170.º/2).
Quanto às formalidades, o aludido princípio da paridade ou da equiparação não é
levado tão longe, uma vez que o Código não parece impor que na anulação sejam observadas
todas as formalidades exigidas para a prática do ato anulado, mas tão-somente aquelas que
se mostrem indispensáveis à garantia do interesse público ou dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos interessados (art. 170.º/3). Esta disposição, no entanto, não deixa
de gerar alguma insegurança e perplexidade, seja porque nem sempre será fácil identificar as
formalidades indispensáveis em casa caso, seja porque deste modo, por via da anulação
administrativa, se permite a preterição de formalidades que foram ou deveriam ter sido
observadas na prática do ato anulado7.
1.4. Condicionalismos.
Desde logo, é relevante saber se há, ou não, impugnação administrativa ou judicial do
ato. No caso de haver impugnação administrativa, os requisitos e os prazos de decisão são
os estabelecidos na secção relativa às reclamações e recursos administrativos (arts. 184.º e
ss). Quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa
pode ter lugar até ao encerramento da discussão (art. 168.º/3) em consonância com o disposto
no CPTA (art. 64.º) – e não apenas, como antes, até à contestação da entidade administrativa.
No que respeita à anulação oficiosa, o prazo-regra para a anulação administrativa é
agora de seis meses e conta-se da data do conhecimento, pelo órgão competente, da causa
de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do autor, desde o momento da
cessação do erro.
No entanto, para além deste prazo, há a considerar outros condicionalismos temporais
e substanciais, que revelam uma diferença de regime entre os atos constitutivos de direitos e
7 Pense-se no caso da anulação de um ato por incompetência (art. 169.º/6): fará sentido que, ao anular um ato da
sua competência praticado por outro órgão, um órgão da AP possa conduzir um procedimento mais desformalizado
do que aquele que necessariamente adotaria se tivesse de praticar um ato naquela matéria e não tivesse havido
interferência do órgão incompetente (ou seja, se estivesse a decidir pela primeira vez e não a rever a decisão já
tomada por outro órgão)? MARCO CALDEIRA levanta dúvidas sobre o facto de estarmos perante um procedimento
administrativo de segundo grau justifique o aligeiramento nas formalidades procedimentais.
144
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
145
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
Com efeito, este regime rompe com a tradicional correspondência perfeita entre os
prazos da impugnabilidade judicial e da anulabilidade administrativa, com um duplo
fundamento: o decurso do prazo de impugnação não torna o ato válido; e pode haver boas
razoes para a anulação administrativa de atos tornados inimpugnáveis, seja de atos
desfavoráveis, seja mesmo, em circunstâncias excecionais, de atos constitutivos de direitos,
embora sempre dentro do prazo máximo de 5 anos, como garantia de estabilidade.
Trata-se de substituir uma solução puramente temporal por uma solução substancial,
racional e razoável, que atenda aos valores e interesses em presença nas situações da vida
– incluindo regimes especiais, com soluções diferenciadas, para responder a problemas
decorrentes das vicissitudes a que estão sujeitos os atos administrativos de eficácia
duradoura. Assim, explica-se a distinção entre o regime dos atos constitutivos e os não
constitutivos de direitos, designadamente, atos que imponham obrigações ou proibições,
quanto à respetiva estabilidade perante o poder de autocontrolo anulatório da Administração.
A lógica da proteção da confiança leva a que se estabeleça o prazo máximo de um
ano, a contar da prática do ato, para a anulação administrativa dos atos constitutivos de
direitos – que coincide com o prazo para o MP, em defesa da legalidade, invocar,
judicialmente, eventuais vícios – admitindo-se, em situações excecionais, devidamente
identificadas, a anulação no prazo de cinco anos, quando essa confiança não mereça
proteção (por má fé, não mereça proteção total ou deva ceder, ainda que mediante
indemnização, perante a primazia do interesse público. Isto fora dos casos em que tenha
havido impugnação judicial, em que a anulação é possível até ao encerramento da discussão.
Está em causa o equilíbrio entre a garantia da legalidade e a estabilidade associada À
confia
146
Davide Rodrigues 2016/2017 Primeira Turma
147