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Direito Administrativo II
Ato Administrativo
A noção de ato administrativo encontra-se no artigo 148º do CPA. O que o Código nos diz é que
são atos administrativos todas e quaisquer decisões tomadas no exercício de poderes jurídico-
administrativos e que tenham por objeto a regulação de uma situação jurídica individual e
concreta com efeitos jurídicos externos. O ato administrativo tem, no fundo, estas três/quatro
dimensões constitutivas.
Quando se diz que o ato administrativo é uma decisão, significa que é um ato
unilateral, imperativo e vinculativo:
1) Dizer que o ato administrativo é unilateral significa que, para o ato existir enquanto
tal, não carece do consentimento dos particulares. O que vamos ver é que existem atos
administrativos necessitados de colaboração dos particulares – tipicamente, os atos de
nomeação. Por exemplo, se eu nomear alguém como diretor geral, o destinatário do
ato vai ter de aceitar a nomeação.
3) O ato administrativo tem força vinculativa, o que significa que produz efeitos hétero-
vinculativos e auto-vinculativos:
® O particular fica adstrito à conformação da sua atuação de acordo com os
efeitos produzidos pelo ato – efeitos hétero-vinculativos.
O ato administrativo é um ato jurídico. Isto permite afastar as meras operações materiais e
ações materiais que não são atos jurídicos. Os atos administrativos distinguem-se porque são
adotados no exercício de poderes de Direito Administrativo.
A Administração pode atuar ao abrigo do direito privado, mas, quando o faz, não pratica atos
administrativos. No caso do Governo, só são atos administrativos se forem executados ao abrigo
da sua função administrativa, ficando de fora os atos praticados no exercício da função política
e da função legislativa.
A nossa lei admite a figura do ato administrativo sob a forma de decreto-lei. Isto significa que,
muitas vezes, quando o governo emana um decreto-lei, temos de saber se o que está ali em
causa é um ato praticado no exercício da sua função político-legislativa ou se é um ato
administrativo sob a forma de decreto-lei. Se o for, então, tem de seguir a forma dos atos
administrativos.
O Código desincorporou a nota orgânica da noção de ato administrativo numa altura em que
se começava a ver uma pulverização da administração. O que o Código quis dizer é que, quando
as entidades de direito privado investidas de poderes públicos tomam decisões de autoridade,
estas decisões devem ser classificadas como atos administrativos – ainda que estas entidades
não integrem a Administração Pública em sentido orgânico.
Como sabemos, atualmente, há dois grupos de sujeitos que são chamados a exercer tarefas
públicas (tarefas jurídico-administrativas):
O que acontece é que, quando o Estado chama estes concessionários a exercer tarefas
administrativas, muitas vezes, investe-os de poderes públicos administrativos. Quer isto
dizer que os atos por si praticados no exercício de poderes públicos de autoridade são
atos administrativos.
2) Outros órgãos no Estado que, para além da função que lhes é atribuída
constitucionalmente e com vista a que possam desenvolvê-la adequadamente, são
investidos também de uma tomada de decisões administrativas.
Antigamente, eram atos em matéria administrativa os atos que eram tomados por
outros órgãos públicos que não os integrados na administração. Não eram atos
administrativos por não pertencerem a um órgão da administração, mas eram atos
equivalentes aos atos administrativos do ponto de vista material e funcional.
Por todas estas razões, hoje, o legislador não faz menção à nota orgânica na noção de ato
administrativo.
O Código introduz, ainda, uma nota inovadora na noção de ato administrativo: “efeitos
externos”. Hoje, um ato administrativo tem de ter efeitos jurídicos externos. Quer isto dizer que
os efeitos do ato não se podem esgotar na esfera interna da administração.
O facto de dizermos que os atos administrativos têm eficácia externa permite-nos retirar do
grupo dos atos administrativos todos aqueles que não conformam intersubjetivamente as
esferas jurídicas dos respetivos destinatários e que, por isso, esgotam os seus efeitos
internamente.
Contudo, isto não significa que não haja atos praticados no âmbito do procedimento que não
conformem externamente a esfera jurídica dos respetivos destinatários e que não sejam
autonomizáveis do procedimento, designadamente, para efeitos de impugnação – atos
destacáveis.
Apesar de, regra geral, os atos procedimentais – quer os atos praticados na fase preparatória
quer os atos praticados na fase interativa de eficácia – serem atos preparatórios e instrumentais
que não configuram decisões e que não produzem efeitos externos, não sendo qualificáveis
como atos administrativos, a verdade é que há situações em que podemos autonomizar do
procedimento atos que são praticados e que não constituem a decisão do procedimento
(atenção: em casos definidos pela lei).
Por exemplo, os atos de exclusão configuram as decisões finais. Por isso, a lei diz que os atos de
exclusão são atos destacáveis da globalidade do procedimento e que o destinatário pode
impugnar os atos de exclusão.
Quanto à questão dos atos praticados no contexto das relações especiais de Direito
Administrativo, há determinados particulares que têm uma relação especial com a
Administração – tipicamente, por exemplo, como é o caso dos alunos, os funcionários públicos,
os utentes dos hospitais públicos, os presos dos estabelecimentos prisionais, etc. Todos estes
têm uma relação de especial proximidade e de especial contato com a Administração.
Nessa perspetiva, no contexto destas relações especiais, tem sempre de se distinguir entre
a relação orgânica (ou de funcionamento) e a relação fundamental (ou de serviço). No fundo,
tem de se distinguir estes particulares enquanto peça da máquina administrativa e distinguir
estes mesmos particulares na condição de sujeitos titulares de direitos fundamentais.
Os atos administrativos tocam uma relação fundamental: a relação de serviço. Por seu turno,
os atos que tocam a relação de funcionamento (orgânica) têm eficácia interna e, como tal, não
podem ser qualificados como atos administrativos.
Para além disso, o ato administrativo visa regular uma situação individual e concreta. Isto
significa que, em princípio, o ato administrativo tem destinatários individuais e identificáveis e,
em princípio, dirige-se a uma situação concreta, perfeitamente limitada, sendo que se esgota na
regulação dessa situação.
® Muitas vezes, temos atos administrativos que regulam uma situação concreta, mas que
não individualizam os seus destinatários – são os atos administrativos gerais.
® Uma outra situação serão atos em que os destinatários estão definidos, mas não
regulam uma situação concreta – são os atos administrativos abstratos.
Esta ideia do ato administrativo geral e do ato administrativo abstrato eram uma forma de
permitir aos particulares impugnar decisões em que não era nítido que fossem atos
administrativos ou regulamentos. Deste modo, ampliava-se a tutela jurisdicional dos cidadãos.
Hoje, como podemos impugnar tanto atos administrativos como regulamentos, esta já não é
uma questão relevante.
Hoje, há uma tendência para que se possam impugnar o que designamos de pré-decisões. Estas
são uma espécie de decisões tomadas no contexto de procedimentos administrativos complexos
e, embora não constituam a decisão final do procedimento, acabam por condicionar o sentido
da decisão geral.
® O ato administrativo prévio é um ato que, apesar de não constituir a decisão final do
procedimento, acaba por condicionar decisivamente o sentido da decisão final do
procedimento.
® Há, ainda, uma outra figura: as chamadas decisões parciais. Muitas vezes, a
Administração, em vez de guardar para a decisão final a apreciação de todos os aspetos
do procedimento, vai tomando decisões que vão resolvendo partes do procedimento –
procedimento escalonado.
Estas decisões prévias – sejam atos prévios ou decisões parciais – devem ser autonomamente
impugnáveis.
Depois, existem os pareceres. Os pareceres previstos na lei devem ser obrigatórios, sendo que,
dentro dos pareceres obrigatórios, há os pareceres vinculantes.
Os pareceres vinculantes não têm a força constitutiva da decisão, mas têm uma força
determinante do conteúdo. Por isso, diz-se que não são atos administrativos, mas, na prática,
condicionam decisivamente o sentido da decisão final. Nesta perspetiva, devem ser rodeados
das garantias que estão associadas à prática das decisões administrativas, designadamente, do
ponto de vista impugnatório.
® A tendência é para o alargamento. Não se qualificam como atos administrativos, mas
passam a ter um tratamento do ponto de vista substancial e procedimental tanto
quanto possível parecido ao dos atos administrativos.
Uma outra coisa importante é o silêncio da administração. Durante muito tempo, a única forma
que os particulares tinham de salvaguardar a sua esfera jurídica era através do recurso
contencioso da anulação de atos. Se os particulares se confrontassem com um silêncio da
administração, podiam presumir o indeferimento – indeferimento tácito. O prof. Rogério Soares
chamava-lhe indeferimento silente, por ser um indeferimento que resultava do silêncio.
Por isto, o silêncio da Administração podia ser relevado pelo particular como indeferimento
da sua pretensão – não ser nos casos (extremamente raros) em que se associasse ao silêncio da
Administração o deferimento da pretensão dos particulares.
Com a revisão do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (2002) criou-se uma forma
de pedido na ação administrativa: o chamado pedido de condenação à prática do ato devido.
A partir desta revisão, quando a Administração está constituída no dever de decidir e não o faz,
o particular não vai pedir a anulação de um ato de indeferimento que não teve lugar. O que o
particular vai pedir é que a Administração pratique o ato que tinha de praticar, ao abrigo do
princípio da decisão. Assim sendo, já não há razão para haver lugar à figura do indeferimento
tácito (ou silente) – agora, há um meio de reação que não havia antes.
Hoje, o nosso legislador – nos artigos 129º e 130º – diz que a omissão do dever de decidir por
parte da Administração deve ser valorada como incumprimento do dever de decisão, abrindo
ao particular a via para a reação administrativo-judicial. Isto significa que o particular pode
reclamar, pode pedir um recurso hierárquico ou pode, ainda, ir diretamente para os Tribunais
pedir que condenem a Administração pelo ato que está em falta.
O ato administrativo é uma estatuição de autoridade, é uma decisão administrativa que tem
carácter imperativo e vinculativo unilateral. É normalmente produzido por um órgão
administrativo (componente orgânica) ou por um ente privado no exercício de funções
administrativas (poderes públicos de autoridade).
4) Quanto ao fim, tem-se em conta que todo o ato administrativo tem uma finalidade que,
em última análise, é sempre a prossecução do interesse público.
A teoria da estrutura do ato permite identificar as patologias que se podem verificar ao nível de
cada um destes elementos. Pode haver patologias relativamente ao sujeito, ao objeto, à forma,
ao procedimento, ao conteúdo e ao fim – patologias que significam um desvio às exigências que
a lei impõe relativamente a cada um destes elementos do ato.
1) Sujeito
Quanto ao sujeito do ato – o órgão que pratica o ato –, a lei exige que o sujeito tem de praticar
o ato no contexto das atribuições da pessoa coletiva em que se inscreve. Basicamente, quando
um órgão administrativo pratica um ato, ele toma uma decisão administrativa e, nessa medida,
tem de atuar no quadro das atribuições da pessoa coletiva pública.
Exemplo: o Município de Coimbra, que é uma pessoa coletiva pública, não pode praticar um ato
cujas atribuições cabem ao Estado. Se a lei diz que a atribuição de subsídios na situação do
COVID-19 deve ser feita exclusivamente pelo Estado, obviamente que o Município de Coimbra
não pode praticar um ato dirigido à atribuição de um subsídio se a lei reservou a prossecução
dessa finalidade exclusivamente ao Estado.
Por exemplo, se a lei exige que a alienação de imóveis dos municípios acima de um milhão de
euros cabe à Assembleia Municipal e a Câmara Municipal aliena um imóvel de valor superior a
um milhão de euros, isto significa que a Câmara praticou um ato fora das suas competências.
Apesar de a alienação de imóveis do município se encontrar dentro das atribuições dos órgãos
municipais, a verdade é que há competências distintas (poderes distintos) dentro do próprio
município. Há órgãos com poderes distintos, sendo que estes não podem interromper a
competência de um e de outro.
O terceiro elemento quanto ao sujeito consiste na legitimação. Muitas vezes, um órgão atua
dentro das atribuições que lhe pertencem, pratica um ato no exercício dentro das competências
que lhe são atribuídas por lei, mas não é dotado de legitimação para praticar. Isto é, não está
qualificado em concreto para a prática daquele ato.
Tipicamente no caso dos órgãos colegiais, um órgão tem de ter quórum para atuar – quórum de
decisão ou quórum de funcionamento. Se o órgão pratica um ato sendo competente para o
efeito, atuando dentro das atribuições da pessoa coletiva pública, mas não estando presente o
número legal dos seus membros – seja para decidir seja para funcionar –, há um problema de
falta de legitimação porque, em concreto, o órgão não está qualificado para praticar o ato.
Outro caso é o problema dos impedimentos. O titular de um órgão, quando atua, não pode
estar impedido. Não pode haver lugar à violação do princípio da imparcialidade. Na prática,
quando atuo, se estiver e causa uma tomada de uma decisão administrativa que envolva alguém
da minha família ou se eu tenho um interesse direto naquela decisão, não posso participar da
decisão – estou impedido de o fazer. Se eu o fizer, apesar de atuar no âmbito das minhas
atribuições e de ter competência para tal, continuo a não estar legitimado para o fazer.
Muitas vezes, um órgão, para atuar, carece de uma autorização de outro órgão. Acontece
tipicamente no município. Frequentemente, a Câmara Municipal, para praticar determinados
atos para os quais é competente, precisa de uma autorização prévia da Assembleia Municipal.
Se ela praticar o ato sem a autorização prévia da Assembleia Municipal, não está dotada de
legitimação para atuar porque carece da autorização.
2) Objeto
O objeto é o ente que vai sofrer os efeitos jurídicos do ato. No fundo, é o ente em que se
projetam os efeitos jurídicos do ato. O objeto de um ato administrativo pode ser:
® Uma pessoa, quando é nomeada para o exercício de uma determinada função – o
objeto do ato é a pessoa nomeada;
® Uma coisa, se um ato administrativo de expropriação retira a alguém propriedade de
um bem – o ente que suporta os efeitos jurídicos do ato é uma coisa;
® Um outro ato administrativo – se um ato administrativo revoga um outro ato
administrativo ou o anula, no caso dos atos administrativos ditos de segundo grau, o
ente que suporta os efeitos jurídicos projetados pelo ato de derrogação ou de anulação
é um outro ato administrativo.
Para que o ato se constitua validamente, o objeto do ato tem de reunir determinados requisitos
ou pressupostos:
® O objeto do ato tem de ser possível física e juridicamente. Tipicamente, não posso
revogar um ato que já foi anulado porque os efeitos do ato já foram destruídos (não é
juridicamente possível), não posso nomear alguém que faleceu (não é fisicamente
possível) e não posso expropriar um bem que desapareceu (não é fisicamente possível).
A primeira condição de validade do ato quanto ao objeto é, então, a sua possibilidade.
® O terceiro requisito é a idoneidade. Em princípio, o ente que vai sofrer os efeitos do ato
tem de ter as qualificações abstratamente necessárias para o efeito. Por exemplo, não
posso nomear como funcionário alguém que não tenha a idade mínima para ser
funcionário público ou alguém que não tem as habilitações necessárias para ser
funcionário público. Faltam-lhe as qualificações abstratas legalmente exigidas para ser
nomeado – o objeto é idóneo.
3) Estatuição
Para além da questão da forma específica de exteriorizar o ato, existe no CPA um dever geral
de fundamentação dos atos administrativos, sobretudo dos atos administrativos desfavoráveis
aos entes. Por isso, sempre que um ato administrativo não está fundamentado ou não está
devidamente fundamentado, há um problema de forma do ato.
O Código não diz apenas que tem de se fundamentar os atos, mas diz também que temos de
fundamentar os atos de modo a que qualquer destinatário esteja em condições de
compreender as razões de facto e de direito que levaram a administração a decidir como
decidiu. Se a Administração não fundamentou o ato ou o fundamentou de forma obscura/não
percetível, há um vício de forma do ato por falta de fundamentação.
O que acontece muitas vezes é que a Administração não observa a sequência ordenada de atos
que, nos termos da lei, tem de cumprir para tomar uma decisão administrativa. Então, temos
aqui um vício quanto ao procedimento.
Por exemplo, muitas vezes, a lei faz depender uma determinada decisão administrativa de um
parecer de um outro órgão. Isto é, um órgão, para decidir, não o pode fazer sem ter o parecer
de um outro órgão da Administração. Se a Administração decide sem ter o parecer exigido por
lei, temos um vício procedimental/vício de procedimento.
Muitas vezes, a Administração não dá audiência prévia. Então, também aqui temos um vício de
procedimento. A lei prevê a audiência prévia como um trâmite necessário do momento
decisório e, se o particular não foi ouvido, há um vício de procedimento. A falta de solicitação
de um parecer quando ele é exigido ou a falta da audiência dos interessados quando ela é exigida
por lei determina um vício de procedimento.
Deste modo, não posso determinar que o município vai expropriar os terrenos que a Assembleia
Municipal vier a deliberar que são expropriados. Este não é um conteúdo compreensível, pois
não sabemos que terrenos estão a ser referidos. Se eu decidir que o município determina a
expropriação dos terrenos que a Assembleia Municipal deliberar que são necessários para a
construção de umas infraestruturas, p.e., o conteúdo não é compreensível.
Por outro lado, o conteúdo tem de ser possível. Por exemplo, não podemos abjudicar uma
prestação de serviços para a execução no ano anterior. O conteúdo não é fisicamente possível.
Para além de compreensível e possível, o conteúdo tem de ser um conteúdo legítimo. Isto é,
não pode violar qualquer disposição legal imperativa ou qualquer princípio ou norma legal
imperativa ou injuntiva. O conteúdo não pode ser contrário às normas legais e aos princípios
gerais do ordenamento jurídico.
Por último, o conteúdo tem de ser, para além de compreensível, possível e legítimo, lícito. Por
exemplo, não podemos autorizar ou licenciar alguém para o exercício de uma atividade
criminosa. Até agora, p.e., a produção de haxixe é uma atividade criminosa. Isto significa que,
se eu licenciasse alguém para exercer a atividade económica de produção de haxixe, estaria a
praticar um ato com conteúdo ilícito – eu estaria a habilitar o destinatário do ato a praticar uma
atividade ilícita.
Quanto ao fim, todo e qualquer ato administrativo visa, em última instância, a prossecução do
interesse público. Nessa perspetiva, o ato praticado deve visar, em última instância, a
prossecução do fim para o qual foi conseguido aquele poder de praticar o ato.
Isto é, se afirmarmos que “se um edifício ameaça ruína, a Administração deve proceder à sua
demolição ou à sua recuperação”, o fim do ato a praticar é a ordem de demolição ou de
reconstrução. O fim de interesse público que visa prosseguir este ato administrativo é garantir
a segurança de pessoas e bens – embora não esteja lá dito, está implícito.
Normalmente, no caso dos atos administrativos e nas normas de estrutura condicional, o fim é
identificado de pressupostos abstratos, que se traduz na tal hipótese normativa. Se esses
pressupostos estiverem verificados em concreto, então, a Administração deve praticar o ato.
Quanto ao fim, os requisitos do ato para que este seja válido é que estejam, na situação
específica em causa, reunidos os pressupostos abstratos e os pressupostos concretos. Se, numa
situação, faltar o pressuposto abstrato ou o pressuposto concreto, há um vício quanto ao fim.
Por exemplo, o Município de Coimbra cria um imposto, mas não havia nenhuma lei que me
permitisse a criação de um imposto. Falta aqui o pressuposto abstrato. Suponhamos que havia
uma lei que permitia criar um imposto municipal desde que houvesse uma grave crise das
finanças públicas municipais e que o município em causa tinha resultados positivos nos últimos
exercícios orçamentais interiores. O que falta aqui é o pressuposto concreto.
Está verificado o pressuposto abstrato porque há uma norma que prevê a possibilidade da
criação de impostos locais, mas prevê e delimita as situações em que é possível essa criação.
Sendo que, no caso concreto, o município vive numa situação financeiramente confortável, falta
o pressuposto concreto.
Quanto ao fim, os vícios podem ser por falta de pressupostos concretos ou por falta de
pressupostos abstratos.
Exemplo: vamos supor que há uma lei que dispõe que, “em caso de desordem que acarrete
perigo grave para a segurança de pessoas e bens, o órgão policial competente pode utilizar os
meios adequados para restabelecer a ordem pública”. A hipótese normativa tem como interesse
público em causa a segurança das pessoas e bens, mas, para individualizar o fim, a Administração
vai ter de preencher conceitos imprecisos. De alguma forma, a lei concede um espaço próprio
para a Administração identificar o que é uma situação de desordem que traz perigo grave.
Deste modo, a Administração, de alguma forma, vai concretizar o fim do interesse público.
Como concretiza o fim, isso vai refletir-se necessariamente nas medidas que ela vai aplicar,
porque a lei diz que se estabelece através de um conceito completamente indeterminado.
Exemplo: se digo que estou perante uma situação de perigo grave e não estou – porque a lei me
confere essa capacidade de identificar o que é perigo grave –, a decisão que eu vou tomar por
parte do pressuposto que eu próprio – Administração – concretizei, vai ser uma decisão que tem
um conteúdo errado.
Por esta razão, quando estão em causa poderes discricionários, o vício quanto ao fim projeta-se
no conteúdo e é sempre um vício na relação conteúdo-fim ou fim-conteúdo. O vício quanto ao
fim não tem autonomia.
Caso Prático 1
O primeiro vício que a empresa aponta à decisão é que não houve incumprimento do programa
de investimentos. O segundo vício apontado pela empresa é que não foi ouvida antes da
revogação. Estes são os dois argumentos da empresa.
No que toca ao primeiro argumento, se eu digo que revogo a atribuição do subsídio com base
no incumprimento do programa de investimentos, tem de haver uma norma legal que diga que
constitui fundamento para a revogação do subsídio o incumprimento do programa de
investimentos.
O Secretário de Estado de Economia, fundando-se nessa norma legal que constitui o pressuposto
abstrato, diz que a empresa não cumpriu o programa de investimentos com base no pressuposto
abstrato. Com base na provisão legal de que pode revogar sempre que a empresa não cumpra
o programa de investimentos, invocou o pressuposto abstrato e revogou o investimento.
O que vem dizer a empresa é que não incumpriu o programa de investimentos. Para a empresa,
estamos perante um ato inválido, sendo que o vício está situado na estatuição e é um vício
quanto ao fim por falta de pressuposto concreto. O pressuposto abstrato não falta porque, de
facto, o que se diz é que, com o objetivo de haver uma concreta utilização de fundos públicos
ao fim do interesse público, se os beneficiários de subsídios não cumprirem o programa de
investimentos a que se adstringiram, então, pode revogar-se o ato de atribuição de subsídio.
Se afirmamos que há pressuposto abstrato – o que se verifica, porque a lei diz que, se não houver
cumprimento do programa de investimento, pode haver lugar a revogação de subsídio –, o que
falta, segundo a empresa, é o pressuposto concreto porque, segundo esta, ela cumpriu o
programa e, nessa medida, não podia haver lugar à revogação. O vício ocorre quanto ao fim por
falta do pressuposto concreto.
No segundo argumento, a empresa diz que não foi ouvida em audiência prévia. Há, então, um
vício na estatuição quanto ao procedimento por falta de audiência dos interessados.
• Nota: os vícios quanto ao fim e quanto ao conteúdo são os mais difíceis de identificar,
pelo que os devemos justificar bem.
2) Suponha que a lei dizia que poderia haver lugar à revogação dos subsídios sempre que
houvesse um incumprimento grave do programa de investimento que pusesse em causa
decisivamente a finalidade da atribuição do subsídio.
Temos aqui a utilização de conceitos imprecisos. Há aqui uma margem de autónoma valoração
que o legislador concede à Administração no preenchimento quer da hipótese normativa do
próprio fim do interesse público prosseguido pela norma quer da própria estatuição associada.
Deste modo, quando há esta autónoma valoração da Administração em que é a própria lei que
concede à Administração o poder de ser ela a concretizar o fim que pretende prosseguir, se o
particular viesse dizer que não cumpriu o programa de investimentos, mas que não incumpriu
de uma tal forma grave que pusesse em causa o fim da atribuição do subsídio, havia um vício na
relação fim-conteúdo. Então, seria na mesma um vício quanto à estatuição, mas não era um
vício quanto ao fim por falta de pressuposto concreto – era um vício na relação conteúdo-fim.
No fundo, este vício quanto ao fim por falta de pressuposto abstrato ou de pressuposto
concreto só existe autonomamente nos atos vinculados em que a lei não concede uma margem
de autónoma valoração à Administração.
Nos atos discricionários, se tenho margem para saber quando é que o não cumprimento do
programa de investimentos compromete decisivamente o fim da atribuição de subsídios, o vício
quanto ao fim vai-se projetar necessariamente no vício quanto ao conteúdo.
Se a situação foi mal apreciada e revogou o subsídio atribuído quando os incumprimentos não
eram de modo a prejudicar a finalidade do subsídio atribuído, então, tenho um vício quanto ao
fim – porque avaliei mal o fim de interesse público que legitimava a revogação – e tenho um
vício quanto ao conteúdo porque, na prática, se avaliei mal o fim e se valorei indevidamente
3) Suponha-se que a empresa em causa vem dizer que o subsídio foi revogado por um
despacho do Secretário de Estado da Economia no uso de uma delegação de
competências que era nula e que, por isso, este não podia revogar esta decisão.
Ora, a empresa vem dizer que foi o Secretário de Estado da Economia que tomou a decisão de
revogação do subsídio, mas a verdade é que o fez no uso de uma doação de competências nula.
Temos aqui um vício quanto ao sujeito por falta de competência.
Aqui, temos vício quanto ao sujeito por falta de atribuições. O Município de Coimbra não tem
atribuições desta maneira porque esta é uma matéria reservada, uma vez que se trata de
subsídios atribuídos pelo Ministro da Economia.
Aqui, temos um vício quanto ao objeto por impossibilidade do mesmo. Se o ato já deixou de
produzir efeitos, não posso simplesmente revogá-lo outra vez.
6) Suponha-se que a lei dizia que cabia ao Ministro da Economia – ou em caso de delegação
de competências ao Secretário de Estado da Economia –, a competência para revogar
os subsídios atribuídos por incumprimento do plano de investimentos nele previstos,
mas que esta revogação estava dependente de um parecer obrigatório favorável da
Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional respetiva – neste caso, sediada
em Coimbra.
Então, estamos perante um vício quanto à estatuição pelo procedimento porque falta um
parecer – um trâmite que tinha de ter sido praticado previamente. Falta um ato necessário para
que seja validamente praticado o ato de revogação de subsídios e, neste caso, é um parecer.
O parecer é uma diligência procedimental de natureza consultiva, é uma avaliação que a lei
obriga que seja feita para que seja praticado o ato final da atribuição do subsídio.
7) Suponha-se que o parecer foi solicitado, que foi em sentido desfavorável à revogação
da atribuição do financiamento atribuído e que, ainda assim, o Secretário de Estado da
Economia revogou o subsídio.
Aqui, houve parecer, ele foi em sentido contrário da decisão de revogação e a lei dizia que tinha
de haver um parecer favorável da Comissão, sendo que, apesar de o parecer ser desfavorável, o
Secretário de Estado da Economia decide revogar o subsídio atribuído. Estamos perante uma
decisão que é tomada em contradição com um parecer que é vinculante e que vincula o órgão
com poderes de decisão a tomar uma decisão com um determinado sentido.
O que a lei diz é o Secretário de Estado da Economia só pode revogar se tiver um parecer
favorável. Se o parecer não for favorável, não pode revogar. Então, estamos perante um vício
quanto ao conteúdo. A transformação jurídica visada pelo ato é ilegal e ilegítima porque é
contrária a um parecer – tem falta de legitimidade.
Caso Prático 2
Em 27 de abril de 2014, A, técnico superior da UC, foi promovido. Hoje, A foi notificado que, no
passado dia 1 de março, o vice-reitor anulou a sua promoção. Inconformado, A pretende reagir
invocando que:
a) A anulação foi praticada pelo vice-reitor ao abrigo de uma delegação de competências
nula;
b) Não foi solicitado um parecer ao diretor da faculdade em que desempenhava as suas
funções;
c) A promoção estava em conformidade com a lei respetiva, ao contrário do sustentado
na decisão de anulação;
d) Em 1 de março de 2021, o vice-reitor já não poderia anular a promoção.
Resolução:
Em relação à alínea a), está em causa um vício que se reporta necessariamente ao sujeito. Tendo
em conta que a delegação de competências é nula, então, em princípio, não produz quaisquer
efeitos jurídicos. Como tal, o órgão delegante acabou por não transferir qualquer competência
na matéria para o vice-reitor. Não tendo a competência sido transferida, então, o vice-reitor não
tem competência para decidir nesta questão. Por isso, estamos perante um vício do sujeito por
falta de competência.
Em relação à alínea b), o parecer prévio ao diretor da faculdade não foi solicitado e, como tal, o
vice-reitor não está legitimado para decidir. Está em causa, então, um problema de não ter sido
cumprido um trâmite procedimental legalmente obrigatório – ele não foi pedir um parecer de
que carecia para decidir.
Em relação à alínea c), o funcionário A está a referir-se à decisão de promoção, que está em
conformidade com a lei e que, portanto, está de acordo com os pressupostos expressados pela
norma. Logo, a anulação tem um problema quanto aos pressupostos abstratos. Então, falta
aqui o pressuposto abstrato e há um erro quanto à qualificação dos factos – porque estão a
qualificar erradamente a situação funcionário perante a lei.
Em relação à alínea d), o funcionário A pretende situar o vício no sujeito. Seria um caso de
incompetência em razão do tempo, porque o vice-reitor teria perdido a competência para
anular o ato (caso de preclusão da competência). No entanto, o Dr. Bernardo diria que faz
sentido localizar o vício no objeto, sendo que o ato de promoção – que é um ato constitutivo de
direitos (art. 177º/3 CPA) – só pode ser anulado no prazo de um ano (art. 168º/2 CPA). Portanto,
quanto ao objeto, poder-se-ia dizer que era um problema de falta de legitimação do objeto.
• Nota: mesmo que não “acertemos” no vício, podemos receber cotação por
identificarmos um outro vício se o fundamentarmos bem. Por vezes, os Professores
admitem mais opções para além daquela que está totalmente correta.
Caso Prático 3
A empresa Pires LDA, sediada no Porto, recorreu à respetiva Câmara Municipal o licenciamento
de uma atividade industrial, tendo a Câmara deliberado favoravelmente. Pela mesma altura,
uma outra empresa, a Britas SA, sediada em outra localidade, fez igual pedido, mas foi indeferido
pelo mesmo órgão. Inconformada, a Britas SA pretende impugnar judicialmente as decisões da
Câmara Municipal do Porto no Tribunal Administrativo competente, alegando, para o efeito, os
seguintes fundamentos:
b) A autorização concedida à empresa Pires LDA apenas foi fundamentada no facto de ser
mais conveniente e vantajosa para o interesse público do Município do Porto, em
virtude do significativo número de postos de trabalho que criava – sendo certo que se
veio a saber que, afinal, a real motivação da Câmara Municipal tinha sido a de favorecer
aquela empresa por ser da cidade e por, nas eleições autárquicas, ter apoiado os
candidatos vencedores.
c) Aliás, a situação descrita na alínea anterior até tinha provocado uma discussão
tumultuosa na reunião da Câmara Municipal, conduzindo, inclusivamente, a que a
deliberação tivesse sido tomada sem a maioria legal exigida.
d) A Britas SA não foi ouvida antes da decisão de indeferimento. Para além disto, esta
nunca lhe chegou a ser a notificada.
Localize, na estrutura do ato administrativo, os vícios que resultam destas alegações e faça-lhes
corresponder as respetivas consequências.
Resolução:
Quanto ao primeiro argumento (a) invocado pela empresa, esta está a argumentar que a
Câmara Municipal do Porto, que integra a pessoa coletiva pública do Município do Porto, deixou
de ter atribuições para atuar no contexto do licenciamento industrial e da fiscalização das
atividades industriais, porque essas atribuições foram transferidas para o Estado. Portanto, está
a invocar um vício do sujeito.
É óbvio que isto se repercute sempre nas competências da Câmara Municipal, mas é uma falta
de competência por aquela matéria já não se inscrever nas atribuições da pessoa coletiva. Não
é apenas um problema de falta de competência, mas sim um problema de falta de atribuições
da pessoa coletiva em que se integram os órgãos competentes para atuar.
Quanto ao segundo argumento (b) invocado pela empresa, estão presentes dois vícios
apontados pela empresa.
Para além disto, diz-se que a real motivação da Câmara Municipal tinha sido a de favorecer a
outra empresa por motivos pessoais. Aqui, estamos perante uma decisão discricionária cujos
motivos foram outros que não os invocados pelo órgão que a tomou. Como o ato não é
vinculado, não têm relevância autónoma os pressupostos. Ora, quando as decisões são
discricionárias, o vício é sempre um vício na relação fim-conteúdo.
Tendo em conta que a decisão foi adotada com motivos que se prendem com benefícios
atribuídos aos candidatos vencedores das eleições autárquicas, pode dizer-se que tal não é
motivo legítimo para a tomada de uma decisão, uma vez que não tem a ver com a prossecução
de interesses públicos, mas sim com a prossecução de interesses privados – o que é ilícito.
Temos, então, um desvio de poder para fins de interesse privado. Eu utilizo uma competência
jurídico-administrativa que me é atribuída por uma norma legal para prosseguir fins alheios à
finalidade de prosseguir fins de interesse público.
Quanto ao facto de um dos motivos ter sido o facto de a empresa ser da cidade, faz sentido, na
perspetiva do município, que seja incentivada a atividade de empresas da cidade. Isto é, em
princípio, um fim de interesse público. No entanto, a norma que atribui a competência para
licenciar atividades industriais não visa que sejam favorecidas empresas da cidade – visa que as
entidades que são licenciadas para exercer determinada atividade industrial cumpram os
requisitos legais.
Por isto, ainda que se diga que esta finalidade de beneficiar empresas sediadas na cidade é uma
finalidade de interesse público, não se está a utilizar a norma para a prossecução de fins de
interesses públicos que ela visa. Então, pode ter-se aqui um desvio de poder para a prossecução
de fins de interesse público.
Quanto ao terceiro argumento (c) invocado pela empresa, o vício invocado está relacionado
com o funcionamento dos órgãos colegiais, cujas decisões têm de ser tomadas com o quórum
legalmente exigido. No caso dos órgãos colegiais, as decisões não podem ser tomadas
tumultuosamente.
Quanto ao último argumento (d) apresentado pela empresa, está a ser invocado um vício no
procedimento. A questão da notificação relaciona-se com a eficácia da decisão, sendo que, no
nosso ordenamento jurídico, em princípio, os atos administrativos não têm de ser notificados
ou comunicados aos respetivos destinatários, produzindo efeitos a partir do momento em que
são adotados (regra-geral).
Por isso, in casu, há um problema de inoponibilidade do ato à empresa Britas. O ato não lhe
podia ser oposto pela Administração, sendo ineficaz em relação à mesma.
A regra geral, no nosso ordenamento jurídico, é que os atos administrativos contrários à lei são
nulos ou anuláveis. Isto está relacionado com a ideia de segurança jurídica, com a ideia de
proteção da confiança dos destinatários dos atos e com a ideia de praticabilidade.
Excecionalmente, sempre que tal seja expressamente previsto por lei, os atos administrativos
desconformes à lei são nulos – art. 161º CPA. Todos os demais atos – para os quais a lei não
cumina sanção de nulidade – são meramente anuláveis. Por isto, temos, hoje, um elenco quase
taxativo das causas de nulidade no art. 161º/2 CPA.
A grande diferença entre a nulidade e a anulabilidade é que os atos nulos não produzem
quaisquer efeitos jurídicos independentemente da declaração de nulidade. Por seu turno, os
atos anuláveis produzem efeitos jurídicos provisórios até serem anulados e, se passar o prazo
que a lei estabelece para a respetiva anulação, estes atos tornam-se inimpugnáveis – os seus
efeitos estabilizam-se na ordem jurídica.
Então, regra geral, os vícios verificados num ato administrativo quanto ao sujeito, quanto ao
objeto e quanto à estatuição, geram a mera anulabilidade.
Quanto ao sujeito:
1) Atos praticados com falta de atribuições – nulidade (art. 162º/2/b CPA);
Quanto à estatuição:
1) Atos que padeçam de um vício quanto à forma são, em princípio, meramente anuláveis
– são nulos quando careçam em absoluto de forma legal (art. 161º/2/g CPA);
2) Atos que padeçam de um vício quanto ao procedimento geram, regra geral, a mera
anulabilidade do ato – só geram a nulidade em duas situações:
§ Atos de natureza sancionatória sempre que não haja lugar à audiência prévia
dos interessados (art. 161º/2/d CPA);
§ Atos praticados com preterição absoluta/total do procedimento legalmente
devido (art. 161º/2/l CPA).
3) Atos que padeçam de um vício quanto ao conteúdo geram, regra geral, a mera
anulabilidade – só geram a nulidade excecionalmente:
§ Vícios que se prendam com a impossibilidade jurídica ou física do conteúdo (art.
161º/2/c CPA);
§ Vícios que se prendam com a incompreensibilidade do conteúdo;
§ Vícios que se prendam com a ilicitude do conteúdo sempre que a mesma
constitua um crime ou seja determinada pela prática de um crime;
§ Atos que certifiquem – avaliações constitutivas – factos inverídicos ou
inexistentes (art. 161º/2/j CPA);
§ Atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei (art. 161º/2/k CPA).
4) Atos que padeçam de um vício quanto ao fim ou na relação fim-conteúdo, regra geral,
são meramente anuláveis – são nulos quando:
§ Há falta absoluta do pressuposto abstrato, ou seja, carência absoluta de base
legal;
§ Há desvio de poder para a prossecução de fins de interesse privado (art.
161º/2/e CPA).
Regulamento Administrativo
• Nota: artigos importantes – 112º CRP, 97º a 101º CPA e 135º a 147º CPA.
Dentro da noção de regulamento administrativo incluem-se, além das normas que, em geral,
regulam a organização, o funcionamento e a atuação da Administração, os estatutos das
entidades pertencentes à Administração autónoma.
Esta última distinção é muito importante porque, na lógica do CPA e na lógica do nosso
ordenamento jurídico, apenas os regulamentos administrativos externos são impugnáveis
perante os tribunais administrativos. Os regulamentos internos, apesar de serem regulamentos
jurídicos, não são impugnáveis junto dos tribunais na medida em que não disciplinam relações
jurídicas intersubjetivas entre a Administração e os particulares.
Outro aspeto importante quanto a esta distinção é que, para emitir regulamentos
administrativos, a Administração tem sempre de ter uma habilitação legal expressa – princípio
da precedência de lei –, sendo que essa habilitação tem de definir a competência objetiva e a
competência subjetiva para a emissão do regulamento. Significa isto que a norma legal tem de
dizer em que matérias a Administração pode atuar por via regulamentar (competência objetiva)
e tem de estabelecer quem são os órgãos competentes para emitir os regulamentos
(competência subjetiva).
O que acontece com os regulamentos internos é que eles não estão dependentes de uma norma
de habilitação legal. No fundo, a Administração, ao abrigo do seu poder universal de auto-
organização interna, tem um poder implícito para emitir regulamentos internos.
No entanto, precisamente porque não têm efeitos vinculativos, diz o Prof. Vieira de Andrade
que os regulamentos internos são importantes porque quando a Administração emite, p.e., um
regulamento sobre a interpretação e aplicação da lei – que passa a vincular os serviços –, apesar
de poder afastar este regulamento nas situações individuais e concretas (por se tratar de um
regulamento interno), quando o faz, tal pode indiciar uma ilegalidade dessas decisões
administrativas que afastam a aplicação do regulamento em situações individuais e concretas
– designadamente, por força do princípio da igualdade.
Uma outra distinção, bastante relacionada com a distinção entre regulamentos internos e
regulamentos externos, é entre:
® Regulamentos gerais – disciplinam, genericamente, as relações da Administração com
os administrados e, por isso, projetam-se no ordenamento jurídico geral;
® Regulamentos especiais – regulam relações especiais de direito administrativo, que têm
uma componente interna (relação orgânica ou de funcionamento) e têm uma
componente externa (relação fundamental ou relação de serviços).
• Nota: à medida que se alarga a esfera de direitos fundamentais, o que é interno começa
a “emagrecer” e o que é externo começa a “engordar”.
Esta distinção é muito importante porque, em princípio, nos termos da nossa lei, os
regulamentos administrativos são impugnáveis junto dos tribunais administrativos. Contudo, os
regulamentos imediatamente operativos podem ser impugnados diretamente nos tribunais, a
título principal. Por seu turno, os regulamentos mediatamente operativos não são diretamente
impugnáveis, sendo que, para suscitar a questão da ilegalidade do regulamento, terá de se
impugnar a decisão.
Além disto, em termos procedimentais, está generalizado, atualmente, um princípio de que tem
de haver um momento de audiência pública dos interessados. Ora, nos regulamentos
imediatamente operativos, tem de haver audiência direta dos interessados (portanto, tudo se
processa como se se tratasse de um ato administrativo) e, nos regulamentos mediatamente
operativos, o que há é uma mera consulta pública dos potenciais interessados.
Fazendo uma interpretação estrita do art. 112º/5 CRP, os regulamentos puramente executivos
não seriam admissíveis jurídico-constitucionalmente. No entanto, estes regulamentos são, hoje,
pacificamente admissíveis. Quer as administrações autónomas, quer as administrações
indiretas, quer as administrações independentes, quer o próprio Governo (ao abrigo da alínea
c) do art. 199º CRP) têm o poder de emitir regulamentos executivos.
Outra questão que se coloca é a de saber se o Governo tem o poder de emitir regulamentos
independentes, sendo que o Prof. Vieira de Andrade sempre defendeu que sim, ao abrigo do
art. 199º/g) CRP. Muitas vezes, apesar de poder intervir através de decreto-lei, o Governo
prefere o regulamento independente porque este último não está sujeito a fiscalização prévia
da constitucionalidade e porque tem formalidades de aprovação mais simples do que as que
valem para o decreto-lei. Contudo, estes regulamentos têm de revestir a forma de decreto
regulamentar e estão sujeitos a promulgação pelo Presidente da República.
Em princípio, não há hierarquia entre os regulamentos e a lógica que se estabelece entre eles
é a da: norma especial > norma geral. Normalmente, a norma especial prevalece sobre a norma
geral. No entanto, o legislador estabelece algumas regras no CPA a este propósito. Nesta
medida, p.e., os regulamentos do Estado prevalecem sobre os das autarquias e os das regiões
autónomas, a menos que estes últimos configurem normas especiais.
É entre os regulamentos do Governo que o CPA, no seu art. 138º, estabelece uma verdadeira
hierarquia:
1) Decretos regulamentares;
2) Decisões de Conselho de Ministros com conteúdo normativo;
3) Portarias;
4) Despachos.
Em princípio, os regulamentos produzem efeitos para o futuro e a sua vigência está dependente
de publicação (art. 139º CPA).
Quanto ao procedimento dos regulamentos (arts. 97º e segs. CPA), pode fazer-se um
paralelismo entre o regulamento e o ato administrativo. Tal como o ato administrativo, também
o regulamento administrativo tem uma tramitação própria:
® Desde logo, regra geral, os regulamentos têm uma fase iniciativa oficiosa (não há uma
fase iniciativa particular), ainda que se possam fazer petições para que sejam emitidos
regulamentos;
® Depois, segue-se a fase de instrução, em que a Administração vai ponderar e apreciar
todos os interesses relevantes para a emissão do regulamento;
® Dependendo do tipo de regulamento, se houver um regulamento imediatamente
operativo, segue-se a audiência prévia dos interessados e, se houver um regulamento
mediatamente operativo, segue-se a consulta pública dos potenciais interessados;
® Em face da audiência ou da consulta, a Administração pondera os argumentos e
sugestões dos interessados e, depois, faz um projeto ou proposta de regulamento;
® A seguir, segue-se a fase constitutiva do procedimento, em que há lugar à aprovação
do regulamento;
® Uma vez aprovado o regulamento, este tem de ser necessariamente publicado, tendo-
se aqui a fase integrativa de eficácia e passando o regulamento a produzir efeitos.
Tal como os atos administrativos, os regulamentos também podem ser inválidos, havendo
vícios de natureza substancial (quanto ao objeto), vícios formais ou vícios procedimentais.
Caso Prático 4
Através da aprovação de uma lei, considere que a Assembleia da República vem prever que cabe
ao Governo, através de decreto regulamentar, estabelecer as condições em que pode haver
lugar ao arrendamento forçado de terrenos para fins agrícolas.
Quanto à alínea a), a associação de proprietários invoca o argumento de que este decreto-lei
do Governo afeta diretamente o direito de propriedade que os proprietários rurais têm sobre
os seus terrenos agrícolas, uma vez que prevê que eles podem ser objeto de arrendamento
forçado contra a sua vontade, sendo, nesta medida, ilegítimo.
Ora, em matéria de direitos, liberdades e garantias, diz a CRP que o Governo só pode intervir
através de decreto-lei autorizado, ou seja, carece de uma autorização da Assembleia da
República. Nesta medida, o regulamento padece de inconstitucionalidade, que se traduz numa
invalidade substancial ou material do regulamento.
A consequência disto, nos termos do CPA – que estabelece um regime misto em matéria de
invalidade dos regulamentos, oscilando um regime próximo da anulabilidade e um regime
próximo da nulidade –, é que a invalidade do regulamento pode ser invocada a todo o tempo
por qualquer interessado, podendo também, a todo o tempo, ser declarada pelos órgãos
administrativos competentes (art. 144º CPA).
Isto é um regime próprio ou típico da nulidade, o que significa que o regime-regra estabelecido
pelo CPA é o da nulidade dos regulamentos (embora nunca lhe “chame” isso).
Note-se que, mesmo não conduzindo à respetiva inconstitucionalidade, havendo uma situação
de carência absoluta de forma legal ou havendo uma situação de falta de consulta pública nos
casos em que ela é legalmente exigida, a ilegalidade formal ou procedimental do regulamento
também pode ser invocada.
Além disto, perante determinadas invalidades formais ou procedimentais dos regulamentos que
o CPA reputa de invalidades formais ou procedimentais mais graves, aplica-se o regime-geral.
Casos mais graves do ponto de vista das invalidades formais ou procedimentais:
® Sempre que essa invalidade formal ou procedimental se consubstancie numa
inconstitucionalidade;
® Sempre que o regulamento careça em absoluto de forma legal;
® Sempre que tenha faltado a consulta pública nos casos em que ela é legalmente exigida.
In casu, tratando-se de uma invalidade substancial ou material por invadir matéria reservada à
Assembleia da República, que conduz à inconstitucionalidade material do regulamento, aplica-
se o regime-regra, ou seja, a invalidade do regulamento pode ser suscitada quer pela
Administração quer pelos respetivos destinatários a todo o tempo.
Quanto à alínea b), dizem os proprietários que o decreto regulamentar em causa não invoca as
leis que visa regulamentar. Portanto, que não invoca a lei habilitante. In casu, uma vez que o
regulamento não invoca a lei habilitante, mas ela existe, temos um vício de natureza formal.
Se o regulamento não tivesse lei habilitante, o vício já seria de natureza substancial, traduzindo-
se numa falta de atribuições para intervir naquela matéria através de regulamento.
Então, apesar de se tratar de uma invalidade meramente formal, como ela gera uma
inconstitucionalidade de acordo com o preceito constitucional do art. 112º/7 CRP, este
regulamento pode ser impugnado, a todo o tempo, pela Administração Pública ou por qualquer
interessado ou declarado, a todo o tempo, pela Adminstração Pública. Este é um dos casos de
invalidades meramente formais ou procedimentais que, em virtude de violar diretamente um
preceito constitucional, permite que lhe seja aplicado o regime-regra.
Quanto à alínea c), os proprietários advogam que o regulamento não tinha sido precedido de
consulta pública. Este é um vício de natureza formal ou procedimental, que não conduz, pelo
art. 144º/2, à exceção dos seis meses, porque se trata de uma situação mais grave de ausência
de consulta pública, prevista no mesmo preceito. Nesta medida, aplica-se o regime-regra.
Quanto à alínea d), os proprietários dizem que o regulamento não apresenta nota justificativa,
designadamente, que não faz a ponderação entre custos e benefícios. Uma vez que se trata de
uma falta de fundamentação, está em causa uma invalidade de natureza formal ou
procedimental, que conduz à exceção do prazo de seis meses.
Quanto à alínea e), se se entendesse que a Assembleia da República, quando previu que o
Governo pudesse intervir nesta matéria através de decreto regulamentar, tivesse feito um
abaixamento do grau, então, este decreto regulamentar já poderia intervir naquele domínio,
porque tinha sido uma lei da Assembleia da República a promover o abaixamento do grau. Neste
caso, o Governo poderia afastar a disciplina contida no outro decreto-lei através de um decreto
regulamentar.
No entanto, também se poderia dizer, aqui, que haveria uma invalidade substancial ou
material, por estar em causa uma deslegalização (uma vez que um decreto regulamentar está a
afastar um decreto-lei), que geraria necessariamente a aplicação do regime-geral.
Quanto à alínea f), diz-se que o regulamento não tinha sido objeto de promulgação pelo
Presidente da República, o que gera uma inconstitucionalidade por violação do preceito
constitucional do art. 134º CRP e, por isso, gera a invalidade orgânica do regulamento. Contudo,
nos termos do art. 137º CRP, esta seria uma situação radical de inexistência jurídica do
regulamento e nem sequer seria uma situação de invalidade.
Quanto à alínea g), a não publicitação no Diário da República gera a ineficácia jurídica do
regulamento, por violação não só do art. 139º CPA, mas também da própria CRP.
Em princípio, de acordo com o art. 138º CPA, não havendo uma relação de especialidade entre
o regulamento autárquico e o regulamento estadual, haveria aqui a prevalência do regulamento
estadual (do decreto regulamentar) e, nesta perspetiva, o regulamento municipal seria inválido.
4) Ao fim de um ano sobre a aprovação da lei em causa, o Governo ainda não emitiu e
decreto regulamentar aí previsto sobre a matéria de arrendamento forçado de terrenos
para fins agrícolas, vindo uma associação de agricultores de Beja perguntar em que
medida pode reagir contra a inércia do Governo.
Se o Governo, ao invés do que estava previsto nesta lei sobre o arrendamento rural forçado, não
tivesse emitido o regulamento no prazo de 90 dias, então, os particulares/interessados
diretamente prejudicados pela situação, designadamente, os agricultores que não dispõem da
propriedade de terrenos agrícolas e que querem ter acesso à possibilidade da sua exploração
direta, poderiam, na situação de omissão, requerer a emissão do regulamento ao órgão com
competência na matéria (o Governo).
Note-se, porém, que este requerimento não é obrigatório para ter acesso à via judicial. Então,
caso não fizessem o requerimento ou caso o Governo não emitisse o regulamento no
seguimento do requerimento, os interessados poderiam recorrer à tutela jurisdicional e intentar
uma ação dirigida à condenação do Governo à emissão do regulamento devido.
Aqui, poder-se-ia considerar que estamos perante um regulamento independente, sendo que
a CRP diz que os regulamentos independentes têm de ter necessariamente a forma de decreto
regulamentar. Então, isto geraria uma invalidade formal ou procedimental por
inconstitucionalidade, à qual seria aplicada a regra-geral por ser considerada “mais grave”.
Para além disto, há aqui uma clara carência absoluta de forma legal, porque regular aquela lei
por via de resolução de Conselho de Ministros significa que não vai haver promulgação do
Presidente da República.
6) Suponha que se trata de um regulamento de execução e que a lei estabelece que esta
matéria deve ser regulamentada através de uma portaria conjunta do Ministro da
Agricultura e do Ministro das Finanças, mas que ela foi regulada por despacho conjunto
do Ministro da Agricultura e do Ministro das Finanças.
Aqui, temos uma invalidade de natureza formal, pois, em vez de termos uma portaria, temos
um despacho conjunto. Porém, aqui, já não se suscitam questões de carência absoluta de forma
legal. Na prática, estão lá os dois Ministros que tinham de estar. O que houve foi a substituição
de uma forma mais solene por uma forma menos solene, havendo uma invalidade meramente
formal por não ser adotada a forma regulamentar legalmente exigida que, apesar disso, teria de
ser necessariamente arguida no prazo de seis meses.
7) Suponha que a lei dizia que a lei tinha de ser regulada por despacho conjunto do
Ministro da Agricultura e do Ministro das Finanças e que ela foi regulada apenas por um
despacho do Ministro da Agricultura.
Muitas vezes, os vícios formais escondem vícios quanto ao sujeito. In casu, está em causa um
vício quanto ao sujeito por falta de atribuições.