Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Victor Calvete
3. Outras correspondências
Como se advertiu, a simetria é generalizada:
a) utilidade total e utilidade marginal ≈ receita total e custo total, receita
marginal e custo marginal
Na teoria do consumidor a utilidade era aferida, num primeiro momento, como
um ganho, sendo o custo de obtenção desse ganho omitido – ou evidenciado a posteriori,
se o fosse, na ponderação das utilidades pelo preço, ou na noção do custo de
1
O que é o mesmo que dizer que os preços baixam quando a oferta aumenta e sobem
quando ela desce, e que os preços sobem quando a procura aumenta e baixam quando ela diminui.
1
oportunidade. Na teoria do produtor há, logo à partida, um par de conceitos opostos no
lugar da ideia de utilidade (total e marginal): o da receita (total e marginal) – que segue
a mesma lógica de benefício – e o do custo (total2 e marginal3) – que estava
essencialmente oculto na lógica do consumo. Quer dizer que as relações que se
estabeleceram a propósito deste (vg: a utilidade total aumenta enquanto a utilidade
marginal não se tornar negativa), mesmo que tenham um equivalente do lado da produção
(vg: a receita total aumenta enquanto a receita marginal não se tornar negativa4) podem
ter de ser reavaliadas (vg: desde que os custos marginais não sejam zero, o custo total
aumenta sempre). E quer dizer também que há uma dualidade permanente nos raciocínios
feitos do lado da produção (entre custos e receitas) que, mesmo quando era incorporada
na análise da procura (através da consideração dos preços, ou da restrição orçamental),
tomava essas considerações de custos como exógenas (os preços ou a restrição orçamental
estavam fora do controlo do consumidor).
Por outro lado, enquanto a curva da receita marginal é, como a curva da utilidade
marginal, negativamente inclinada, a curva do custo marginal é, em princípio,
positivamente inclinada5.
Por causa da relativa desconsideração dos custos na lógica do consumidor e da
sua preponderância na lógica do produtor há conceitos que só ganham relevo nesta teoria:
é o caso dos custos médios, dos custos fixos e dos custos variáveis. Os primeiros apuram-
se dividindo os custos totais pelas quantidades produzidas6, os segundos correspondem
2
O custo total é o somatório de todos os custos incorridos na actividade produtiva.
3
O custo marginal é o custo da última unidade produzida.
4
Ver-se-á que a receita marginal pode ser negativa.
5
Na verdade, pode ser horizontal – se os custos marginais forem constantes – ou
negativamente inclinada – se houver economias de escala ou de gama. Pode dizer-se que a fase
inicial de qualquer actividade produtiva também implica economias de escala, porque quando a
produção se inicia do zero cada uma das doses iniciais custa proporcionalmente menos do que as
anteriores. Assim, a curva de custos marginais devia ter um trajecto em U fechado – cuja fase
descendente é desconsiderada por se partir do princípio que, à escala relevante para qualquer
análise, tal fase já terá sido ultrapassada.
6
Enquanto o custo médio for superior ao custo marginal, a produção de uma unidade
adicional fá-lo-á descer, e a curva do custo médio terá uma inclinação negativa; se o custo médio
for igual ao custo marginal, a produção de uma unidade adicional não o alterará, e a curva do
custo médio prolongar-se-á na horizontal; se o custo médio for inferior ao custo marginal, a
produção de uma unidade adicional fá-lo-á descer, e a curva do custo médio terá uma inclinação
positiva. Daí que o ponto mínimo da curva dos custos médios seja obtido no ponto em que tal
curva é interceptada pela curva dos custos marginais.
2
aos gastos que são incorridos independentemente do volume de produção7, e os terceiros
são os que variam com o volume de produção8.
7
Sirvam de exemplo as taxas, licenças ou impostos pagos à cabeça e não recuperáveis,
ou as prestações do empréstimo contraído para lançar a empresa. Porque estes custos não devem
interferir na decisão de prolongar a actividade designam-se por “custos afundados” (sunk costs).
8
Sirvam de exemplo as matérias primas, custos de combustível ou número de horas de
trabalho extraordinário pagas, que, como muitas outras despesas, dependerão directamente das
quantidades produzidas.
9
É o que se designa por economias de escala e que correspondem, alternativamente, ao
aumento dos resultados da produção, ou à diminuição dos custos, com o aumento da escala. Nesse
sentido, a existência de economias de gama (a possibilidade de obtenção de sinergias entre
diferentes actividades produtivas – como, vg, quando a produção de manteiga, queijo e iogurte
diminui os custos globais de produção em relação à sua produção independente) que permitam
um maior aumento de produção do que de custos também podem ser vistas como economias de
escala.
10
Os custos que se consideram são os custos reais, não os monetários: se cada hora de
trabalho adicional for paga ao mesmo preço que a anterior, nem por isso o custo deixará de ser
crescente se a unidade de produto que ela adiciona ao total (ou o seu valor) for inferior à
adicionada pela hora anterior. Do mesmo modo, não é por essa hora adicional ser mais cara do
que a anterior que o custo aqui considerado será crescente: se a unidade de produto adicionada
por ela (ou o seu valor) crescer na mesma proporção do encarecimento dessa hora, diremos que o
custo se mantém constante; se a unidade de produto (ou o seu valor) variarem acima da variação
do custo da hora adicional, diremos que os custos são decrescentes.
3
o custo marginal incorrido. Mas, ao contrário do que acontecia do lado do consumo (em
que o custo do bem, dado pelo preço, e o leque de possibilidades aquisitivas, dado pela
restrição orçamental e sua divisão pelos preços dos bens, eram incontroláveis11), o
produtor pode fazer variar o seu custo de produção, alterando a escala ou a composição
dos factores empregue nessa produção. Quer dizer que os custos são uma variável de
ajuste do lado da produção – qualquer que seja o controlo que o lado da oferta tenha
sobre os seus benefícios (o que, como depois se verá, depende da forma de mercado).
11
A única forma de um agente económico do lado do consumo passar, por iniciativa sua,
de uma posição de equilíbrio associada à aquisição de um cabaz de bens para outra, associada a
um cabaz diferente, é através da alteração das suas preferências. Ou seja: pode dizer-se que a
única coisa que controla é a sua escala de benefícios.
12
Ou seja, a moeda (o dinheiro).
4
rendimentos adicionais proporcionam) o aumento de preços induz um aumento de oferta.
E isto por duas razões que se aproximam dos efeitos substituição e rendimento
encontrados a propósito do traçado da curva da procura: preços mais elevados incentivam
à substituição de outras alternativas (incluindo ócio, lazer ou diferentes actividades
produtivas) por mais actividade produtiva no bem ou serviço cujo preço subiu (um puro
efeito substituição); preços mais elevados também permitem suportar custos mais
elevados de produção (um efeito análogo ao efeito rendimento, na medida em que o cabaz
de factores que é possível mobilizar para a produção varia no mesmo sentido das
variações de preços). Assim, quando se dá uma subida, a linha do novo preço cortará a
curva de custos marginais de produção, supondo-a positivamente inclinada, num ponto
situado acima do anterior preço, ocorrendo o inverso quando se dá uma descida.
13
Recorde-se a Navalha de Occam: Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem.
14
Haveria boas razões para considerar antes a receita marginal, que nem sempre coincide
com o preço do mercado.
15
Como facilmente se compreende, essa área corresponde ao triângulo inverso ao do
excedente do consumidor: este delimitado acima da linha do preço, o excedente do produtor
delimitado abaixo dessa linha. Em consequência, quando o preço sobe, a área do excedente do
consumidor encurta-se e a do excedente do produtor alarga-se; e quando o preço desce, a área do
excedente do consumidor alarga-se e a do excedente do produtor encurta-se.
Note-se que se o mercado tido como referência não fosse o de concorrência – fosse o de
monopólio, por exemplo – o formato da área do excedente do produtor seria muito diferente.
5
Daqui decorre que se deve distinguir a área do excedente do produtor daquela que
representa os lucros16, na medida em que os lucros dependem da diferença entre preços e
custos médios – e, portanto, são delimitados num diagrama, não pela curva dos custos
marginais (como no diagrama anterior), mas pela curva dos custos médios, como
exemplificado infra:
16
Como se verá depois, num mercado de concorrência perfeita esses nem sequer têm
expressão gráfica, uma vez que o preço de mercado coincidirá com o custo médio mínimo. E, no
entanto, a menos que os custos marginais sejam constantes desde o início da produção, ainda
haverá excedente do produtor.
17
Tratando a oferta de trabalho como um “bem”, essa poderá ser uma excepção – mas
seria mais relevante no sentido oposto ao da lei da oferta: para rendimentos muito altos diminuiria
a oferta do “bem” trabalho, para rendimentos muito baixos aumentaria essa oferta.
6
Por outro lado, a elasticidade-preço da oferta determina-se da mesma forma que a
elasticidade-preço da procura (simplificando: Δ%Q/Δ%P), com a diferença de que essas
variações serão agora directas, em vez de inversas18. Demais, a elasticidade unitária da
oferta também corresponde a uma variação proporcional dos preços e das quantidades
(vg: um aumento ou uma diminuição de 10% na oferta em reacção a, respectivamente,
uma subida ou uma descida de 10% nos preços: 10/10 = 1), tal como uma elasticidade
elástica da oferta implica maior variação relativa das quantidades face à variação do preço
(vg: uma diminuição de oferta de 20% em resposta a uma diminuição de 10% no preço:
20/10 = 2), e uma elasticidade rígida da oferta corresponde a uma menor variação relativa
das quantidades face à variação do preço (vg: um aumento de 5% nas quantidades em
resposta a um aumento de 10% nos preços: 5/10 = 0,5).
Já não há total similitude no que diz respeito à representação das elasticidades nas
curvas da procura e nas curvas da oferta: a oferta infinitamente elástica será representada
por uma curva horizontal, tal como no caso da procura; a oferta absolutamente rígida será
representada por uma curva vertical, tal como no caso da procura; e as curvas da oferta
serão tanto mais elásticas quanto menor for o seu declive (e tanto mais rígidas quanto
maior for o seu declive), tal como no caso da procura; mas há especificidades nestas
curvas relativamente rígidas ou elásticas: se a curva da oferta cortar o eixo horizontal será
sempre rígida (embora mais rígida na base – terá elasticidade zero no ponto de intersecção
com o eixo –, e menos rígida no topo), e se cortar o eixo vertical será sempre elástica
(embora mais elástica na base – terá elasticidade infinita no ponto de intersecção com o
eixo –, e menos elástica no topo).
18
Se os preços sobem, a oferta tenderá a subir; se os preços baixam, a oferta tenderá a
diminuir. A medida da sensibilidade da variação em relação aos preços é indiferente ao sentido
dessa variação.
7
relevantes para esta lei não são, contudo, as que resultam de cada curva da procura ou de
oferta: são as que correspondem a novas curvas da procura ou da oferta.
19
Um desses desvios pontuais é a prática de preços de monopólio inferiores ao óptimo,
de forma a prevenir a entrada no mercado de outras empresas atraídas pelos lucros inerentes a
esse preço óptimo. Outro é a redução de preços para ganhar quota de mercado, sobretudo em áreas
de negócio sujeitas à lógica do winner takes all.
20
Entre o mais (desestimular redução de custos, não ter em conta os custos dos
fornecedores alternativos, …), porque se os custos incluírem, como devem, os custos de
inventário (o “investimento em stocks”), um período em que as vendas fiquem abaixo do esperado
levará a um aumento de custos e, portanto, a um subsequente aumento de preços. Se a diminuição
de vendas tivesse estado já ligada a um desajuste do preço, o seu aumento agravaria a situação da
empresa e poderia criar uma espiral destrutiva (em que os preços aumentariam para cobrir os
maiores custos, aumentando estes, e assim sucessivamente).