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CAPÍTULO 6

CIDADES E DESENVOLVIMENTO:
DEBATES E DESAFIOS

Nos Capítulos anteriores, salientamos o papel


positivo que desempenha a cidade no processo
de desenvolvimento econômico e, como fonte
de produtividade. Todavia, a urbanização e o
crescimento de megacidades não deixam de gerar
questionamentos. Uma preocupação da sociedade
do século XXI refere-se às questões ambientais.
O que se pode dizer, na perspectiva econômica,
sobre as externalidades negativas (poluição,
congestionamento etc.) provocadas pelas grandes
cidades? Como enfrentar isso? Neste Capítulo
abordamos diversas questões relacionadas a
alguns dos desa ios da crescente urbanização das
economias desenvolvidas e em desenvolvimento.
Re letimos assim sobre perguntas como: é
necessário intervir para reduzir a urbanização dos
países em desenvolvimento? O que se pode dizer
sobre o conceito de polo de desenvolvimento? As
megacidades são demasiadamente grandes? Existe
um tamanho urbano ótimo? Qual é a relação entre
urbanização e meio ambiente?

DEVEMOS FREAR A URBANIZAÇÃO?

Qualquer esforço para reduzir a urbanização implica custos


cuja estimação é di ícil de ser feita. Isso se deve à di iculdade em
medir a importância dos ganhos atribuídos às economias de

[195]
aglomeração (ver terceiro Capítulo), e também pela presença de
deseconomias de aglomeração que originam uma série de debates
em torno dos bene ícios e prejuízos da urbanização. A diminuição
do ritmo da urbanização pode justi icar-se como objetivo do desejo
político em reduzir os custos de transição de uma sociedade rural
a uma sociedade urbana. Os movimentos migratórios implicam
custos, tanto para os indivíduos como para a sociedade. Todavia,
não existe um modelo operacional para calcular os custos e os
bene ícios que permita determinar o ritmo ideal de urbanização de
um país. De todo modo, um modelo assim teria utilidade apenas
se os governos fossem capazes de in luenciar as tendências de
urbanização por meio de medidas de política.

A di ícil transição do rural ao urbano: os assentamentos ilegais

No quarto Capítulo vimos que a evolução das estruturas


de consumo provoca uma diminuição relativa da demanda por
produtos agrícolas e que as condições de oferta (as condições de
produção de bens não agrícolas) favorecem a criação de cidades.
Em todos os países, o ritmo de urbanização é resultado das
mudanças da demanda por produtos não agrícolas, e do impacto
das economias de aglomeração sobre os custos de produção desses
bens. Em resumo, o “mercado”, no sentido de equilíbrio entre oferta
e demanda, determinará a urbanização15.
Se a demanda por “artigos” urbanos aumenta mais
rapidamente que a oferta, a diferença de preço se acentua. Se
o Estado intervém para frear a oferta de fatores de produção
urbanos, por exemplo, impedindo a oferta de terrenos destinados
à urbanização, gerará um incremento de preço nos terrenos
urbanos. As consequências serão diversas e entre as mais visíveis,

15 As pressões do mercado são sentidas nas economias planejadas, se os preços e as


quantidades foram ixados pelo Estado em níveis em que a oferta seja inferior à demanda,
os “sinais” de mercado se manifestam por meio de ilas ou listas de espera, ou pelo
surgimento do mercado informal.

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se encontra o surgimento de assentamentos ilegais, onde a
urbanização ocorrerá fora das regras administrativas formais.
Todavia, os bairros assim constituídos não são forçosamente (ou
unicamente) o resultado de políticas equivocadas. Mas, re letem
também a di ícil transição da sociedade rural à sociedade urbana.
Incrementar a oferta do solo urbano e dos serviços urbanos ao
mesmo ritmo da demanda é um processo que não ocorre sem
di iculdades.
A transição do mundo rural à vida urbana ocorre às vezes
em um ritmo que ultrapassa a capacidade de adaptação das
sociedades. Os problemas são, às vezes, de ordem jurídica ou
institucional. Muitas vezes, a posse da terra, isto é, o regime de
direito da propriedade do solo, é a principal preocupação. Será
di ícil compreender que a urbanização da terra não possui o
mesmo nível de aceitação em todas as sociedades, particularmente
naquelas onde o uso coletivo ou comum da terra assuma um
importante signi icado. Como urbanizar os terrenos coletivos?
Na América Latina, este problema se apresenta, principalmente,
em países com forte tradição indígena (Peru, Bolívia, Guatemala,
México…), onde as exigências de um mercado privado de terra
podem se esbarrar com outros regimes de posse da terra. Muitas
vezes existem vários regimes de propriedade em um mesmo
território, o que provoca uma situação jurídica ambígua, pois
não são claros os direitos de propriedade para os residentes. No
México, grande parte da urbanização do passado ocorreu nos
terrenos comunitários, em princípio reservados à agricultura
coletiva. Infelizmente, a ambiguidade jurídica e a conivência das
elites políticas deram lugar a um regime no qual os favores (direito
de propriedade, serviços etc.) não se distribuiam a terra por meio
de um regime jurídico transparente, mas por um regime de trá ico
de in luência e de “clientelismo”.
Paralelamente, a questão da posse da terra apresenta um
segundo problema relacionado ao inanciamento dos serviços
urbanos. Como inanciar a infraestrutura (água, esgoto, construção

[197]
de vias urbanas etc.) se os direitos de propriedade não são claros?
Ademais, a tributação “justa” de impostos de imóveis requer que
o registro cadastral possua avaliações “honestas” e atualizadas
do valor de mercado de terras. Aqui, também, é fácil imaginar o
possível papel que pode desempenhar o trá ico de in luência. Em
várias cidades latino-americanas, a tributação sobre a propriedade
está muito longe de ser equitativa; em outras cidades, nem
sequer se aplica (ou se aplica parcialmente), por falta de meios
administrativos ou vontade política. De tudo isso resulta um círculo
vicioso, infelizmente muito frequente, no qual a ocupação informal
de novos terrenos urbanos faz acentuar ainda mais a pobreza e
dependência dos habitantes. Certas populações marginalizadas
devem, então, se conformar com uma condição precária, do ponto
de vista de seus direitos de acesso aos serviços básicos.
Para que a urbanização ocorra com sucesso, torna-se
necessário um regime claro de direitos e aparatos e icientes do
Estado (nacional e local), cujo funcionamento será mais ou menos
fácil segundo as tradições e recursos do país.

O pouco êxito das políticas destinadas a “frear” a urbanização

Vários países, em distintas épocas, estabeleceram normas


para frear os deslocamentos do campo para a cidade. Examinemos
dois casos extremos. Os países com economia planejada (China,
Rússia e outros) instituíram, em certas épocas, medidas, às
vezes muito rígidas, como passaportes internos e autorizações
de residência urbana, para limitar o crescimento das cidades.
Em geral, estas políticas não conseguiram conter a tendência à
urbanização, apesar de terem contribuído temporariamente para
diminuir o ritmo da urbanização. Ninguém sabe qual foi o custo
econômico dessas intervenções, porém os problemas econômicos
que conheceram esses países (as consequências se manifestam às
vezes mais tarde) nos sugerem que ao impor restrições à migração
interna, foram gerados elevados custos econômicos.

[198]
Em outro extremo do tabuleiro ideológico, a África do
Sul impôs, na época do apartheid, os luxos controlados (“in lux
controls”) que incluíam um rígido sistema de passaportes internos
e autorizações de residência para a população negra permanecer no
campo, e para se preservar o caráter “branco” das cidades do país.
Todavia, o regime inalmente optou por abandonar essas políticas
restritivas ao inal dos anos 1980, pela pressão de uma economia
em evolução. A demanda por trabalho na cidade se fez tão forte que
se criaram, ao redor das cidades “brancas”, assentamentos ilegais
de população negra (“townships”), mais ou menos tolerados pelas
autoridades, incapazes de conter sua expansão. Assim como nos
países comunistas, as restrições à instalação e aos movimentos
populacionais tornaram-se impossíveis de se aplicar (ou pelo menos
pouco e icazes) devido à pressão do desenvolvimento econômico.
O fato de a urbanização continuar avançando nos países
emergentes é a melhor prova de que os fatores que lhe dão
origem são incontroláveis, apesar dos custos econômicos e das
transformações institucionais envolvidos, e das políticas restritivas
aplicadas por vários Estados.

O PAPEL DAS CIDADES NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Voltemos à relação entre desenvolvimento econômico e


urbanização. Parece evidente que o desenvolvimento econômico
implica em urbanização, conforme exposto em parte no quarto
Capítulo deste bloco. Porém, ao inverter o sentido, surgem as
perguntas: a urbanização provoca desenvolvimento econômico?
O desenvolvimento econômico é estimulado pela existência das
cidades? Nos encontramos diante de uma causação circular? Não
é fácil responder a perguntas deste tipo. A relação “cidade implica
desenvolvimento” ou “urbanização implica crescimento” apresenta
inúmeros problemas de análise e de interpretação.

[199]
Os vínculos de causalidade nas ciências sociais

Como estabelecer vínculos de causalidade em Ciências


Sociais? Como saber se o fenômeno A está efetivamente causando
o fenômeno B? Como não podemos realizar provas controladas e
repetidas em laboratório, as ciências sociais, inclusive as Ciências
Econômicas, recorrem com frequência a métodos estatístico-
econométricos, como as análises de regressão. Contudo, a
con irmação de uma relação estatística entre duas variáveis não
indica, geralmente, com precisão o sentido da relação. É A a causa de
B, ou B gera mudanças em A? Um coe iciente de regressão elevado
de X em relação a Y, por exemplo, um R2 de 0,95, nos indica que a
variação de X “é explicada” por 95% das variações de Y, porém não
nos permite dizer que Y provoque necessariamente X. Entretanto
não podemos excluir esta possibilidade. E também a possibilidade
de que a relação ocorra em sentido inverso, e que X cause Y, ou ainda
que tanto X como Y tenham uma relação simbiótica (bicausalidade,
causalidade nos dois sentidos). Ademais, não podemos também
excluir a possibilidade de que uma terceira variável, desconhecida,
seja a origem de X e de Y. A única coisa que nos permite dizer a
análise estatística é que as duas variam juntas: se X se move, Y
também se moverá.
Cabe ao pesquisador interpretar os resultados e tirar suas
conclusões apoiado em modelos e marcos teóricos. Qualquer
interpretação sobre relações de causalidade deve ser inferida
com prudência. No que se refere à questão que examinamos
aqui, nós, no quarto Capítulo, postulamos o sentido da relação
ao propor que o desenvolvimento induz à urbanização. Os dados
apresentados demonstravam que existe, efetivamente, uma relação
entre nível de urbanização e nível de PIB por habitante: ambos
variam ao mesmo tempo16. Porém, a teoria econômica, assim

16 Ao aplicar esse teste às séries de PIB per capita (variável Y) e nível de urbanização (variável
X) para uma centena de países, pudemos con irmar a força desta relação estatística.
Mediante uma análise de regressão, por meio de uma transformação logarítmica de

[200]
como nossos conhecimentos sobre o tema, é o que nos permite
determinar prováveis relações de causalidade, e explicar por que os
incrementos do PIB per capita aumentam os níveis de urbanização.
O que queremos “dizer” é que a transformação das estruturas de
consumo e dos métodos de produção precedem aos movimentos de
urbanização, e não o inverso17.
Porém, podemos a irmar que a urbanização não in luencia
nas estruturas de consumo e no progresso tecnológico? Nossa
primeira interpretação não é demasiadamente restritiva? É
satisfatório de inir a urbanização (ou a cidade) como uma variável
dependente de outras mudanças tributárias? A cidade também não
é um ator autônomo? Nesse contexto é que estabelecemos o debate.

A urbanização: mecanismo de ajuste ou fator propulsor?

A urbanização é traduzida pela distribuição mais e iciente


dos recursos no espaço entre a cidade e o campo; o resultado desta
e iciência pode ser observado nos ganhos de produtividade e,
portanto, na maior renda por habitante, como vimos nos Capítulos
anteriores. Sob essa perspectiva, a urbanização se reduz a um
simples mecanismo de ajuste. Falamos pouco sobre as origens do
processo de desenvolvimento econômico. Não é razoável pensar
que a urbanização, ou a cidade, podem estar na origem desse
processo? Qual seria então a sua in luência?
Existe abundante literatura que salienta o papel estratégico
desempenhado pela cidade na evolução da sociedade e no
desenvolvimento econômico, tanto na era moderna como na época
da Revolução Industrial; as obras clássicas de Jane Jacobs e Karl
Polanyi destacavam esses processos. Devido aos trabalhos de Pirenne
e de outros historiadores, reconhece-se o papel que desempenhou

ambas as séries, conseguimos “explicar” 93% da variância de X pela variância de Y, ver


Lemelin e Polèse (1993).
17 Sobre as relações de causalidade em Ciências Sociais e metodologia, sugere-se a leitura do
livro de Lago (2008). Sobre metodologia para Ciência em geral, recomenda-se a leitura de
Chalmers (2005).

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a cidade na análise das “liberdades” burguesas, e no surgimento
das classes dos comerciantes na Idade Média, na Europa. A palavra
“burguês” expressa a ideia de cidadão de um “burgo”, da mesma
forma que “cidadão” tem sua origem na palavra “cidade”.
As cidades são centros de civilização. Em todos os tempos,
têm sido foco de inovações, de cultura e de invenção. A diversidade
e a intensidade dos contatos humanos, a miscigenação de diferentes
povos e a ruptura dos vínculos ancestrais com a terra têm provocado
transformações sociais e acelerada perda de valores e costumes
tradicionais. É por meio da cidade, como centro de negócios e de
circulação, que as ideias de outras partes se expandem até outras
sociedades. As pro issões urbanas têm criado novas relações sociais
baseadas na especialização e no intercâmbio. É quase impossível
imaginar o bom funcionamento de uma economia de mercado sem
cidade, sem lugar central.
Em resumo, o desenvolvimento econômico é inconcebível
sem cidade, tanto por razões econômicas como por razões sociais. A
cidade é, assim, uma condição necessária para o desenvolvimento.
Porém, é condição su iciente? Uma vez mais, a história nos fornece
elementos de resposta. As cidades não esperam a Revolução
Industrial para nascer. No entanto, as “joias” da antiguidade, como
Roma ou Alexandria, não provocaram uma revolução industrial,
e cidades pré-industriais, como Atenas, México ou Quioto, não se
converteram em focos de inovação tecnológica. Por quê?
Retornemos aos tempos modernos. Vimos, no quarto Capítulo,
que a urbanização se manifesta quando se inicia o processo de
desenvolvimento econômico. Alguns aumentos continuados da
produtividade agrária, acompanhados de uma melhora mínima das
condições sanitárias, são su icientes para desencadear um movimento
de urbanização e taxas de urbanização superior a 20% em um breve
processo de desenvolvimento econômico. É a partir de um certo limite,
que podemos apontar entre 60 e 70%, que as taxas de urbanização
têm cada vez menos signi icado como indicadores de progresso
econômico. É quase uma fatalidade matemática. Uma vez que as taxas

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de urbanização são da ordem de 70%, 80% ou 90%, cada percentual
que se adiciona não corresponde mais que um aumento mínimo do
Produto Interno Bruto (PIB).
A experiência dos países latino-americanos ilustra de maneira
útil o caráter frágil da relação de causalidade entre urbanização e
desenvolvimento. Vários países apresentam níveis de urbanização
semelhantes aos de países mais avançados. Argentina, Chile e Uruguai
têm taxas superiores a 85%. Aglomerações urbanas como México e São
Paulo são mais povoadas que as maiores cidades da Europa. Todavia,
o PIB por habitante da América Latina é apenas 1/8 dos países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), apesar do semelhante nível médio de urbanização.
Na Argentina, em Buenos Aires, o fato de ser uma grande
cidade cosmopolita, com mais ou menos a mesma população
que Paris, não é su iciente para garantir que esse país seja mais
urbanizado que a França, apesar de uma semelhante taxa de renda
por habitante. Em outras palavras, as cidades da Argentina não
garantem à indústria desse país uma produtividade su iciente.
Parece que as raízes das diferenças ultrapassam a questão da
distribuição geográ ica das atividades econômicas. As economias
de aglomeração não são independentes de outras variáveis. Exige-
se cautela na interpretação da relação causal entre cidades e
desenvolvimento. Temos que colocar as cidades em seu contexto.
Qual é, então, a parte das economias de aglomeração na
explicação do desenvolvimento econômico, e qual é a parte de
outros fatores? Novamente, a experiência da Argentina é reveladora.
Este país viveu uma fase contínua de desenvolvimento ao inal do
século XIX e princípio do século XX. Deste modo, antes da Primeira
Guerra Mundial, a Argentina estava mais industrializada que a
maior parte dos países europeus. Nos anos 1920, o PIB per capita
da Argentina era semelhante ao de países desenvolvidos da época18,

18 Sobre a base de dados estimados por Barro e Sala-i-Martín (1995), a renda per capita da
Argentina era de, aproximadamente, 75% maior do que a canadense no início dos anos 1920.

[203]
com um nível similar de urbanização. A Argentina apresentava
uma taxa de urbanização de 60% em 1940 (OLIVEIRA; ROBERTS,
1989); conforme vimos, a urbanização se faz sentir nos primeiros
momentos de seu desenvolvimento. Em outras palavras, antes de
1930, a Argentina experimentou um desenvolvimento “su iciente”
para provocar um processo contínuo de urbanização. Porém, a
urbanização não lhe permitiu manter seu ritmo de crescimento
econômico. As razões da estagnação da economia argentina durante
mais da metade do século XX não estão relacionadas, ao que parece,
à ausência de urbanização ou de economias de aglomeração.
Qual conclusão tirar? A urbanização e a presença de cidades de
certo tamanho são condições necessárias, porém insu icientes para
o desenvolvimento econômico. A urbanização pode efetivamente
ser interpretada como uma reação (ou um ajuste) às mudanças
decorrentes do desenvolvimento econômico, em especial nas
fases iniciais. Sem este ajuste espacial e sem as transformações
profundas que o acompanham, o processo de desenvolvimento
econômico di icilmente poderá prosseguir. Portanto, é possível
dizer de relações de causalidade nos dois sentidos. Porém, o
impacto autônomo da urbanização (ou da cidade) sobre o processo
de desenvolvimento é mais incerto.
A urbanização aparece mais como um elemento de mudança,
dentre outros elementos, que se insere em um processo mais global
de transformação da sociedade. O desenvolvimento econômico se
baseia em múltiplos e complexos fatores, que abordaremos no
terceiro bloco deste livro (oitavo Capítulo).

Os polos de desenvolvimento

A ideia de que a presença de uma cidade, pelas economias


de aglomeração que suscita, seria su iciente para desencadear um
processo independente de desenvolvimento, originou o conceito de
polo de desenvolvimento. As origens desse conceito remontam à obra
do economista francês Francois Perroux, dos anos 1950. Outros

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autores, como Boudeville (1972), Kuklinski (1985), e os americanos
Isard (1956), Hirschman (1973) e Friedmann (1976), adotaram o
conceito de polo de desenvolvimento como ideia central das últimas
décadas no que diz respeito ao desenvolvimento regional. Outros
conceitos, como cluster industrial, estão fortemente relacionados
a polo de desenvolvimento. Todavia, há alguns anos, esse conceito
tem perdido muito seu “encanto”. Analisemos as razões de seu
enfraquecimento como estratégia de desenvolvimento econômico
urbano e regional, à luz do que comentamos na seção anterior.
Para simpli icar, o conceito de polo de desenvolvimento se
origina na análise das relações interindustriais ou intersetoriais. Em
qualquer economia existem relações de troca e relações técnicas,
mais ou menos fortes segundo os setores da atividade econômica.
A indústria automobilística compra aço da indústria siderúrgica,
a indústria de confecção tem vínculos com a indústria têxtil, e
assim sucessivamente. Os gastos de um setor provocam gastos
em outros setores, em virtude do que denominamos de efeitos
multiplicadores. Estes últimos são mais importantes quanto mais
integrada esteja a economia. Como vimos, a proximidade geográ ica
é um importante fator de integração econômica. As economias de
aglomeração (ou mais precisamente de localização) se devem, em
parte, à multiplicação das transações.
Nesse sentido, certas indústrias terão um potencial
impulsionador mais importante que outras. As indústrias
automobilísticas são aquelas que, pela diversidade das relações
interindustriais que estabelecem para trás e para frente, são
capazes de atrair outras indústrias.
Por que não incentivar este tipo de aglomeração por meio
de políticas, a im de maximizar os efeitos multiplicadores e outras
externalidades positivas? Mediante investimentos bem orientados em
alguns polos estratégicos centrados em futuros complexos industriais
e indústrias automobilísticas seria possível provocar um processo
autônomo de desenvolvimento? A dinâmica que desencadeariam os
investimentos concentrados, combinada com a vitalidade própria do

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meio urbano, poderia gerar um verdadeiro polo de desenvolvimento,
cujos efeitos se estenderiam a toda a região. Fala-se também de
trickle-down efects para designar os efeitos de atração de um polo
de desenvolvimento sobre outras cidades e regiões. Para estimular
o crescimento de uma região ou um país, segundo esta lógica, será
necessário favorecer a consolidação de polos de desenvolvimento
através de investimentos em algumas cidades mais importantes.
Na maioria dos países industrializados, os esforços para
impulsionar o crescimento econômico nas regiões desfavorecidas
nem sempre geram os resultados esperados. Por quê?
Antes de responder a esta pergunta, é importante assinalar
que o conceito de polo de desenvolvimento não está desprovido
de valor. Para direcionar os projetos de investimento público
e maximizar seus efeitos locais, a amplitude das relações
intersetoriais é uma referência útil. Geralmente, mais vale
concentrar os eforços em setores cujos efeitos multiplicadores
maximizem a criação de renda e emprego em uma região (ver
oitavo e nono Capítulos). Tem seu mérito a ideia de concentrar os
esforços de intervenção em alguns pontos geográ icos ou setores
de atividade para maximizar o impacto econômico.
Porém, é ilusão esperar impulsionar, mediante uma política
de concentração espacial de investimentos públicos, uma nova
dinâmica local ou um processo autônomo de desenvolvimento.
A aglomeração geográ ica dos agentes econômicos é um fator
de incremento da produtividade entre outros, porém não é em
si uma condição su iciente para o desenvolvimento econômico
(PARR, 2002). Se não estão presentes outros fatores, os ganhos de
produtividade que podem ser obtidos da aglomeração se esgotam
rapidamente, pois se limitam aos efeitos estáticos imputáveis à
distribuição mais e iciente dos recursos.
Resumindo, existem limites para as vantagens que podem
ser obtidas da concentração espacial dos investimentos. Será
inútil estimular o desenvolvimento provocando arti icialmente a
concentração urbana, se nela não há condições políticas e sociais.

[206]
AS CIDADES SÃO DEMASIADAMENTE GRANDES?

Por que as pessoas vivem em cidades tão grandes e muitas


vezes tão extenuadas? É verdade que a cidade proporciona
vantagens econômicas, porém, como justi icar megacidades como
São Paulo, México, Nova York ou Tóquio? Nesta seção examinaremos
a questão do tamanho urbano. Introduziremos a possibilidade de
que a aglomeração também gere deseconomias. Desta maneira, na
seção seguinte, abordaremos as questões de meio ambiente.

Deseconomias de aglomeração

O tamanho urbano nos faz retomar o conceito de economias


de aglomeração. Não há limites a estas “economias”? Pode a cidade
continuar a crescer inde inidamente? Não há um momento em que
as deseconomias de aglomeração acabem por atingir as economias,
e provoquem um freio ao seu crescimento? As deseconomias
externas não são menos reais que as economias. Manifestam-
se sob a forma de congestionamento urbano, poluição e outros
inconvenientes associados à concentração geográ ica de pessoas e
indústrias. Ao observar os níveis de poluição e engarrafamento em
certas cidades, é di ícil se convencer de que as economias externas
prevalecerão sempre sobre as deseconomias.
Em todos os países, o jogo de equilíbrio entre cidades de
diferentes tamanhos é o resultado de um equilíbrio entre fatores de
concentração e fatores de dispersão. Lembremos o con lito descrito
no terceiro Capítulo, entre economias de escala (que incitam à
concentração das atividades) e os custos de transporte (que as
incitam à dispersão). Na ausência de custos de transporte, se as
economias de aglomeração são in initas (se não são compensadas
pelas deseconomias), todo o emprego se concentrará em uma
única grande cidade. Este é um fato excepcional. Na realidade,
as economias e as deseconomias de aglomeração diferem entre
setores da atividade econômica.

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As economias de aglomeração se aplicam principalmente
aos bens e serviços transacionados em grandes distâncias.
As deseconomias de aglomeração, pelo contrário, recaem em
especial sobre os fatores e bens, cuja mobilidade espacial e cujas
possibilidades de troca são limitadas; a casa, o solo, os transportes
urbanos, o ar etc. O incremento dos custos, devido à concentração,
se manifesta primeiro para os bens desse tipo.
A quanti icação dos custos sociais da concentração urbana
e as economias externas enfrentam importantes problemas de
medida. Ao se tratar de externalidades, porém negativas, os custos
privados que revela o mercado (sob a forma de preços) não são mais
que índices parciais dos custos reais que assume a coletividade. Se
a diferença é importante, haverá falha de mercado. Como então
saber se o preço dos terrenos industriais da cidade do México, por
exemplo, leva em consideração todas as externalidades negativas,
para o conjunto de cidadãos, devido sua fruição? Nesse sentido, há
metodologias que permitem aproximar o custo adicional de vida
que se tem que enfrentar para viver em uma grande cidade. Mais
adiante, neste mesmo Capítulo, faremos referência a isso.

A hipótese do tamanho urbano ótimo

Os ganhos adicionais gerados pelas economias de aglomeração


deveriam, logicamente, diminuir a partir do momento em que uma
cidade atinge certo tamanho, em virtude do princípio dos redimentos
decrescentes. Deve existir um nível de população a partir do qual os
rendimentos marginais que uma empresa ou uma família possam
obter das economias de aglomeração comecem a decrescer. Seria,
então, possível calcular o tamanho urbano ótimo para diferentes
funções, e possivelmente também um tamanho ótimo “global”.
Este raciocínio está representado na Figura 6.1. Os ganhos
devido ao crescimento do tamanho urbano aumentam rapidamente
no início (fase 1), e mais lentamente a partir da fase 2, entre os pontos
A e B, contudo, são sempre superiores aos custos. Em contrapartida,

[208]
os custos associados ao crescimento do tamanho da cidade começam
a aumentar rapidamente a partir de um certo nível no ponto B, para
inalmente zerar os ganhos, ponto C. O tamanho ótimo da cidade se
encontra no ponto B, onde se tem a maior diferença entre os ganhos
e os custos. É possível que a cidade continue a crescer além desse
ótimo, à medida que, na fase 3, os ganhos ultrapassarem os custos.
Contudo, se outras cidades menores do sistema puderem oferecer
vantagens superiores àquelas do ponto B, normalmente, certos
fatores de produção se deslocarão para lá, e deverá diminuir ou parar
o crescimento da cidade a partir do ponto B.

FIGURA 6.1 – Evolução dos custos e ganhos em função do tamanho


urbano
EM U.M.

TAMA URBA
EM U.M.
RECEITAS

FASE 1 FASE 2 FASE 3 TAMA URBA


A B C

TAM URBA

Fonte: Elaboração dos autores.

[209]
Em termos gerais, o raciocínio apresentado na Figura 6.1
não está muito longe da realidade. Porém, sua utilidade é limitada
quando se trata de projetar o tamanho da cidade. Por quê? Pelo
caráter estático do princípio dos rendimentos decrescentes,
que se aplica em um ambiente onde a tecnologia, as estruturas
econômicas e as preferências são ixas. Para traçar uma curva de
custos, é necessário supor uma dada tecnologia. Entretanto, o
desenvolvimento econômico supõe um entorno dinâmico.
O tamanho ótimo, portanto, varia segundo as estruturas
econômicas e as tecnologias. Examinemos mais detalhadamente
seu impacto sobre o tamanho das cidades.

O impacto das estruturas econômicas sobre o tamanho urbano

A evolução das estruturas econômicas (isto é, a decomposição


da produção e do emprego) está fortemente relacionada ao
desenvolvimento, como vimos no quarto Capítulo. Estas transformações
estão além de uma simples passagem da agricultura à indústria. Qualquer
incremento de renda se acompanha com uma nova combinação de
indústrias, de acordo com as estruturas de consumo e das tecnologias
do momento. Certos setores de atividade desaparecem ou se contraem,
outros nascem ou se ampliam. O tamanho ótimo e a distribuição
espacial das unidades de produção variam de uma indústria a outra. Por
conseguinte, a transformação das estruturas da atividade econômica
conduz a uma mudança constante na localização do emprego e da
população (veremos isso no oitavo Capítulo). É uma realidade mutável.
O tamanho das cidades é também, em parte, o retrato das
estruturas econômicas do país. Se a economia nacional se compõe de
indústrias pouco sensíveis às economias de aglomeração, e se os custos
de transporte são elevados, o país se caracterizará por uma rede urbana
de inúmeras cidades pequenas e de tamanho médio. Pelo contrário, em
um país onde as comunicações são mais desenvolvidas e os setores de
atividade são mais sensíveis às economias de aglomeração, é provável
que se encontrem cidades de tamanho grande.

[210]
Suponhamos, como exemplo, um caso extremo. Imaginemos
um país onde, uma vez que se tenham satisfeitas as necessidades
básicas, a população manifeste uma forte preferência pelo cinema,
pelos videoclips e pelos programas de televisão. Esta população
dedica a estas atividades uma porcentagem importante (e
crescente) de sua renda. O país se especializa na exportação de
produtos deste tipo; os demais bens e serviços muitas vezes são
importados. Sabemos que a produção e a difusão cinematográ ica
são muito sensíveis às economias de aglomeração (lembre-se do
terceiro Capítulo). Neste país imaginário especializado em cinema,
uma proporção signi icativa da produção nacional não agrícola
terminará se concentrando em uma ou duas grandes metrópoles.
A transformação das estruturas econômicas nacionais tem
o efeito de deslocar constantemente o ponto de equilíbrio da rede
urbana entre cidades de tamanhos distintos.

O impacto das mudanças tecnológicas sobre o tamanho urbano

A tecnologia é, em grande parte, a que determina as


economias de escala de uma fábrica, e, portanto, o tamanho
ótimo das unidades de produção. A tecnologia é também um dos
fatores que determina os limites ísicos da cidade. Examinemos
o impacto do progresso tecnológico sobre os serviços urbanos:
infraestrutura, serviços de abastecimento de água, serviços de
saneamento e outros serviços importantes para o funcionamento
da cidade.
Sabemos que as economias de aglomeração re letem os
ganhos que oferece a cidade relativos aos custos de transação e
de interação. A minimização desses custos é a razão econômica de
ser da cidade, e depende muito dos serviços públicos e dos meios
internos de comunicação. Sem rodovias transitáveis, sem metrô,
sem meios de transporte adequados, a interação torna-se mais
custosa. Se a cidade não está dotada de bons sistemas de saneamento
de água e de gestão dos dejetos, assim como de instalações

[211]
sanitárias apropriadas, os custos (os perigos) de vida aumentam
rapidamente em função do número de habitantes. Porém, quanto
mais se desenvolvam as tecnologias, mais se multiplicam os ganhos
das economias de aglomeração, e mais considerável poderá ser o
tamanho ótimo da cidade. Em 1890, simplesmente não existia uma
tecnologia que tornasse possível existir uma cidade de 10 milhões
de habitantes funcionando de maneira e iciente e suportável.
O impacto do progresso tecnológico sobre a evolução dos
custos e dos ganhos está ilustrado na Figura 6.2. Comecemos
supondo que a curva “ganhos líquidos” da Figura 6.1 representa
a evolução dos ganhos sociais líquidos aportados por um serviço
urbano, por exemplo um sistema de transporte, em um dado
momento. Os ganhos sociais líquidos são maximizados no ponto
B, que corresponde, por exemplo, a uma população urbana de um
milhão de habitantes. Daí que a curva T1 da Figura 6.2 corresponde
agora a esta curva. Supondo a evolução da tecnologia ao longo do
tempo (T2, T3...), devido à introdução da hidroeletricidade ou dos
motores a diesel, por exemplo, a curva se deslocará para a direita,
conservando seu aspecto normal em forma de sino (senoidal). Com
as tecnologias mais recentes (curva T4), o ótimo se situará no ponto
T4, que corresponde, por exemplo, a quatro milhões de habitantes.
Qualquer inovação que reduza os custos de vida (por exemplo,
melhorias sanitárias) terá o efeito de deslocar para a direita a curva
de ganhos líquidos.

FIGURA 6.2 – O tamanho urbano e a mudança tecnológica

T4
GANHOS LÍQUIDOS

T3

T2

T1

P1 P2 P3 P4
T2 T3 T4

Fonte: Elaboração dos autores.

[212]
Da mesma maneira, qualquer melhoria na infraestrutura da
cidade ampliará seus limites máximos em termos demográ icos e
ísicos. Imaginemos uma cidade de dez milhões de habitantes sem
sistema de metrô, com todos os custos que isto implica para os agentes
econômicos, principalmente o custo de oportunidade do tempo
perdido. A construção de um metrô diminuirá os custos de interação
dos agentes econômicos, incrementando assim a força relativa das
economias de aglomeração desta cidade, e lhe dará melhor posição
em relação a outras cidades do país. As atividades mais sensíveis
às economias de aglomeração (atividades bancárias, por exemplo)
tirarão proveito de suas vantagens comparativas, que se traduzirão
em incremento dos salários, expansão do emprego, e, portanto, em
um luxo de nova população para a cidade. Ademais, a construção do
metrô ampliará o mercado potencial de mão de obra, e, portanto, os
limites geográ icos da cidade. Os ganhos temporários associados aos
deslocamentos diários serão recuperados pelos trabalhadores, que
poderão vir de lugares mais distantes.
Resumindo, o conceito de tamanho urbano ótimo se assenta
em variáveis que estão em permanente evolução: o ótimo se desloca
continuadamente. Não é impossível que uma cidade de 40 milhões
de habitantes possa ser algum dia viável e e iciente. Porém a grande
cidade não é necessariamente mais e iciente para todos os setores
da atividade econômica.

CIDADES E MEIO AMBIENTE

Analisemos agora a relação entre urbanização e meio ambiente.


A urbanização se traduz na concentração geográ ica da população. O
agrupamento da população pode ser considerado como um bene ício
ambiental já que reduz, em princípio, a parte do território que será
dani icada pela ocupação e pela atividade humana. Imaginemos
que os seis milhões de madrilhenos se espalhem sobre o centro da
Península Ibérica ou que, ainda mais impressionante, os cerca de 20

[213]
milhões de habitantes da zona metropolitana da cidade do México
se dispersassem por todo o país. Podemos imaginar, facilmente, as
consequências de uma “desconcentração” desse tipo.
Durante a Idade Média, felizmente, o crescimento da
população europeia era lento e ocorria nas zonas rurais, o que
gerou o desaparecimento de lorestas e uma irrecuperável
degradação ambiental, fazendo com que a velha Europa perdesse
recursos naturais equivalentes às selvas da América do Sul ou às
enormes lorestas da América do Norte. A Espanha é um exemplo
da degradação ambiental devido a uma expansão populacional
não urbanizada. O país passou da condição de uma grande loresta
nos tempos medievais para muito desertizada antes da Revolução
Industrial. Seria absolutamente insustentável que o intenso
crescimento atual da população mundial se repousasse sobre
lógicas rurais.
Na realidade, a concentração da população humana em
cidades representa uma grande vantagem para a natureza e para o
ecossistema. Vários dos problemas ambientais não têm nada a ver
com a urbanização. A emissão de contaminantes na atmosfera não
é inerente às cidades, assim como o consumo elevado de recursos
naturais por parte da indústria e das famílias. Há que se distinguir
as consequências da aglomeração das cidades, das consequências
da industrialização. A aglomeração urbana, como tal, produz uma
diminuição no consumo de recursos e, portanto, na produção de
poluição e dejetos. Ela oferece, como vimos, um contexto mais
e iciente da produção de bens não agrários, o que signi ica uma
utilização mais adequada de recursos escassos. A dispersão
geográ ica da indústria (menos e iciente) se traduziria em uma
maior utilização de combustíveis destinados ao transporte.
Do ponto de vista social, a urbanização é um fator de
transformação de comportamentos e percepções. É um fator-chave
(além de indispensável) para a redução das taxas de natalidade.
Sem ela, o planeta sofreria, provavelmente, pressões demográ icas
ainda maiores. Entre outros impactos positivos, estão a circulação

[214]
mais e iciente da informação, a possibilidade de realizar economias
de escala em termos de saúde e educação, e maior inovação
tecnológica. Na medida em que a cidade é um complemento
necessário do desenvolvimento e progresso econômico, como
poderiam ser alcançadas melhorias signi icativas nas condições de
vida da população sem urbanização? Lembremos que a e iciência
das políticas ambientais depende muito dos recursos disponíveis,
do progresso tecnológico e da conscientização social dos países de
economias altamente desenvolvidas. Em geral, os países pobres
não dispõem de recursos su icientes para aplicar em melhoria
das lorestas, das áreas costeiras ou dos recursos naturais. A
preocupação com o meio ambiente é um “bem de luxo” no sentido
de que só aparece quando outras necessidades e bens básicos são
atendidos.
Se a cidade tem uma má reputação do ponto de vista ambiental,
é pelos seres humanos que a habitam. É, por de inição, um meio de vida
menos “natural” que o campo. Para as pessoas, os inconvenientes de
viver na cidade são sentidos mais facilmente, que as vantagens para
o ecossistema, devido à concentração geográ ica da população. Mais
que uma preocupação pela natureza, a questão ambiental na cidade
se stiua em uma perspectiva humana. O engarrafamento do trânsito,
a poluição do ar e do solo ou a gestão dos resíduos estão entre os
problemas ambientais mais importantes da vida em uma cidade.
Nos próximos parágrafos discutiremos brevemente sobre esses
problemas. O objetivo não é abordá-los de maneira exaustiva, mas
apenas situar algumas bases para compreender a sua complexidade
e o porquê de continuarem sendo, em muitos casos, temas pendentes
dos governos das cidades e dos países.

Por que persistem os engarrafamentos (congestionamento)


do trânsito?

Os custos do engarramento do trânsito são em parte


internalizados, isto é, assumidos pelas empresas e pelos indivíduos.

[215]
A parte privatizada dos custos do engarrafamento corresponde,
sobretudo ao custo de oportunidade do tempo perdido, atrasos em
entregas, ilas de espera, congestionamentos etc.
Todavia, o custo assumido pelo indivíduo é em geral muito
inferior ao custo social, o que signi ica que há uma falha de
mercado sob a forma de custos (não contabilizados) transferidos
a outros:

a) primeiro, é o tempo perdido por outros; quando o tráfego


é pesado, a presença de um automóvel adicional reduz o
luxo de veículos nas vias. Quando um condutor decide
tomar uma via urbana, sua escolha se dá em função
dos ganhos ou perdas (privadas) que calcula, e não em
função do impacto (social) para o conjunto de usuários. O
acréscimo de mais um veículo aumenta o nível global do
congestionamento, porém o condutor não assume mais
que uma fração do custo. Daí que os custos sociais são
superiores aos custos privados;
b) o custo social inclui também a poluição adicional
(emissão de gás carbônico, por exemplo) ocasionada pelo
tráfego engarrafado, cujos efeitos são transferidos para o
conjunto da população. Aqui também os indivíduos que
provocam os danos não assumem plenamente o custo.
Novamente, os custos sociais são superiores aos custos
privados.

Em quase todas as cidades do mundo, o nível de tráfego


viário é superior ao que suportaria um mercado e iciente, quando
os custos sociais se igualam aos custos privados. Portanto, é uma
externalidade negativa, cujos impactos afetam igualmente as
pessoas e as empresas, que nem sempre são responsáveis por eles.
Isso se traduz em bens e serviços mais caros e em um ar com menor
qualidade para todos. Assim, em princípio, o engarrafamento terá
como efeito frear a urbanização.

[216]
Algo que aparentemente contradiz esta ideia é que as cidades
dos países em desenvolvimento continuam crescendo mesmo
quando seus níveis de engarrafamento são, muitas vezes, mais
elevados que em países industrializados. O conceito de custo de
oportunidade aporta parte da explicação de o porquê isso ocorre.
Se os habitantes dos países em desenvolvimento costumam aceitar,
para ir a seu trabalho, tempo de viagem que seria inaceitável nos
países mais ricos, é porque estimam, implicitamente, que o custo
de oportunidade de seu tempo é mais baixo. Isto não quer dizer que
é uma situação desejável segundo criterios morais ou sociais, mas
que a população escolhe em função de suas possibilidades reais
(ou que percebam como tais). Um inconveniente muito evidente,
a priori, como o congestionamento urbano, não tem o mesmo
impacto em uma sociedade para outra, o que signi ica que os custos
se calcularão também de maneira distinta (lembre-se do segundo
Capítulo).
Tomando o relatório State of the World´s Cities 2012-2013,
elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para
exempli icar isso, temos uma comparação entre o tráfego da cidade
de São Paulo no Brasil com 1.500 km², por onde circulam quase 7
milhões de veículos, ou seja, pouco mais de 4,6 mil automóveis por
km² e a ilha de Manhattan, em Nova York, com área de 87,5 km²
e por onde circulam cerca de dois milhões de veículos, ou quase
23 mil carros por km². Esses números indicam uma densidade
de automóveis cinco vezes superior em Manhattan em relação a
São Paulo. Todavia, os congestionamentos em Mahattan são bem
menores, pois os carros ocupam todas as vias da ilha de maneira
mais ou menos homogênea, fazendo o trânsito luir com mais
velocidade. Isso revela as diferenças em infraestrutura e como
esta afeta a mobilidade, produtividade, qualidade de vida e meio
ambiente. Deve-se atentar para o fato de que serão os centros
urbanos e não os países que comandarão a criação de riquezas
no mundo, daí a importância nos dias atuais de um bom ambiente
urbano.

[217]
Poluição do ar e contaminação do solo: um problema complexo
e crescente

O custo da poluição do ar e da contaminação do solo é um


dos temas ambientais mais complexos de solucionar, já que é muito
di ícil internalizar seus custos. Isto faz com que a poluição e a
contaminação não se revelem, em geral, no preço dos produtos e
que seja extremamente complexo freá-las.
A dimensão do custo monetário que assumirão as famílias e
as empresas dependerá muito das políticas tarifárias e da regulação
do Estado. A imposição dos custos é aqui uma questão de decisão
política. O mercado não impõe um custo, razão pela qual o nível
de poluição das cidades depende (não importam quais sejam as
condições atmosféricas locais), principalmente, da vontade e da
capacidade dos governos em adotar políticas ambientais.
Porém, estas políticas são frequentemente consideradas
“bens de luxo” que as sociedades se permitem apenas quando
alcançam certo nível de bem-estar econômico. Em outras palavras,
são gastos (públicos) cuja elasticidade-renda é superior à unidade.
Todavia, os países mais ricos têm um acesso maior a veículos
privados e uma atividade produtiva muito mais intensa, o que
explica comportamentos agregados muito mais poluidores.
O resultado pode ser visto na Figura 6.3 na qual estão
representadas as emissões de CO2 por habitante em todo o mundo.
Para sua interpretação convém compará-la com a Figura 4.3 (quarto
Capítulo). Como se pode observar, os países mais ricos, além de
mais urbanizados e industrializados, são os que emitem mais CO2.
Logo em seguida temos os países em desenvolvimento, onde cada
vez há maior acesso a veículo privado (como México e China, por
exemplo). É interessante observar como os Estados Unidos, Reino
Unido, Canadá e Austrália emitem maiores proporções de CO2
por habitante que outros países europeus de semelhante nível
de desenvolvimento como França, Itália e Espanha. Este aspecto
está vinculado com as formas urbanas, mais dispersas ou mais

[218]
compactas, mais monocêntricas ou policêntricas, que estudamos
no quinto Capítulo. Este é um tema crucial, já que o leitor poderá
imaginar o que ocorrerá no futuro, nas grandes cidades de países
como a China, o Brasil e o México, por exemplo, se o volume de
emissões de CO2 aumentar consideravelmente ou se não houver
alteração. Entre outros elementos, o tipo de cidade que se estabeleça
nesses países será crucial.

FIGURA 6.3 – Emissões de CO2 per capita por países (2011)

Nota: O azul mais escuro indica maior quantidade de toneladas métricas de emissão de CO2
por habitante.
Fonte: Banco Mundial (2016).

Gestão dos resíduos urbanos: um problema distinto segundo


o nível de desenvolvimento

Os custos privados que assumem os moradores e outros


responsáveis pela poluição, em geral, poucas vezes englobam todos
os custos sociais e externalidades negativas. No caso dos resíduos
urbanos (lixo), os custos estão muitas vezes ocultos no conjunto dos
gastos públicos e, portanto, são pagos por meio de impostos gerais, o
que induz ao comportamento indiferente dos poluidores. Ademais, é

[219]
di ícil calcular todos os custos externos (presentes e futuros) inerentes
ao aterro de distintas matérias. A falta de informação adequada e
a possibilidade de transferir “parte da fatura” às gerações futuras
complicam também o cálculo real do custo social. Em muitos casos,
sobretudo nos países mais pobres, os problemas de recuperação dos
custos faz com que não haja serviço (público) de coleta e gestão do lixo.
Cobrar aos poluidores (às famílias) pela coleta de lixo pode ter
efeitos absolutamente diferentes e mesmo contraditórios, conforme
o nível de desenvolvimento do país e das percepções de seus
cidadãos. Em um país rico, onde o respeito às leis forma parte de seus
costumes, cobrar das famílias o custo “real” terá como efeito reduzir
a produção de dejetos sólidos e, portanto, da poluição. Em um país
pobre, o efeito poderá ser totalmente distinto, pois uma política de
coleta (paga) será muito di ícil de ser aplicada se existem alternativas
(gratuitas) de tratamento dos dejetos sólidos. Em muitos casos,
cobrar pela coleta de lixo pode se converter em um “desincentivo” à
coleta; a população escolherá jogar o lixo em depósitos ilegais.

Os estudos sobre o custo de vida

O monitoramento das cidades está cada vez mais preciso. A


maior parte das grandes cidades conta com medidores de qualidade
do ar, controles de intensidade do tráfego e níveis dos recursos
naturais. O desenvolvimento tecnológico permitiu criar smart cities,
isto é, cidades “inteligentes”, que são monitoradas e onde podemos
conhecer com extraordinária precisão, dados sobre a qualidade
ambiental e de vida. Todo esse desenvolvimento tecnológico
nos permite medir, como nunca antes, os custos ambientais da
urbanização.
Contudo, tais custos ambientais são apenas uma pequena parte
do conjunto das deseconomias produzidas em uma grande cidade. A
maior parte dos custos é derivada da saturação dos mercados e da
pressão sobre o solo, que se traduzem, como vimos anteriormente,
em preços mais altos. O problema é que é muito di ícil identi icar

[220]
que uma parte do incremento dos preços, em uma cidade, se deve
a uma maior qualidade ou variedade de produtos, e que outra parte
pode ser atribuída à saturação dos mercados ou pressão sobre o
solo. Os estudos de custo de vida ajudam a entender isso.
As análises sobre índices do custo de vida foram
desenvolvidas no início do século XX por Konüs (1939). Este autor
desenvolveu um método para comparar os níveis de vida em dois
momentos distintos no tempo e baseado nos pressupostos da teoria
microeconômica. Dado que os preços mudam ao longo do tempo, a
maneira mais adequada para estabelecer comparações entre dois
momentos do tempo é ixar um nível constante de utilidade, de
modo que seja possível calcular o nível de gasto em cada momento
do tempo para alcançar essa utilidade constante. A ideia original
de Konüs (1939) foi logo aproveitada para fazer comparações
em termos espaciais por Desai (1969) e, mais recentemente, por
Nelson (1991), Timmins (2006) e Atuesta, Paredes e Araya (2012),
entre outros autores.
O procedimento para fazer uma estimação do real custo
de vida parte da estimação de um modelo de demanda. Para
isso podem ser aplicados diferentes procedimentos. Podemos
encontrar um resumo das diferentes metodologias em Kakhki,
Shahnoushi e Rezapour (2010). Nesse resumo são avaliados os
distintos enfoques, mostrando que o procedimento desenvolvido
por Deaton e Muellbauer (1980) é o mais adequado. A proposta
desses autores é especialmente valiosa, dado que estesmassumem
preferências não homotéticas para grupo de moradores, o que é
fundamental para poder fazer comparações espaciais. Sob esse
enfoque se estima uma função de utilidade da qual se deriva uma
função de custos, que nos permite extrair o índice real do custo de
vida. Observe que a diferença fundamental aqui é que ixamos o
nível de utilidade para estimar o custo de vida19.

19 Não aprofundaremos acerca dessa metodologia dado o caráter geral que se pretende ter
este texto, porém o leitor pode ver trabalho original de Deaton e Muellbauer (1980) para
mais detalhes sobre a metodologia.

[221]
Como exemplo do potencial deste tipo de análise, oferecemos
uma igura extraída do trabalho de Lasarte, Fernández e Rubiera
(2017). Na Figura 6.4 apresentamos o custo de vida (expresso em
logaritmos) por regiões da Espanha (Comunidades Autônomas)
porém mostrando o nível que tem a região em seu conjunto e o
que lhe corresponde às principais cidades de cada região (cidades
com mais de 100 mil habitantes). Como se pode ver, o custo de
vida das regiões mais ricas ou intensivas em turismo, eixo Madri-
Barcelona, Costa Mediterrânea e Ilhas Baleares, é signi icativamente
mais alto que nas regiões menos desenvolvidas ou com menor
intensidade turística, centro da península e zona Noroeste. Porém,
independentemente do efeito do nível de desenvolvimento, que
analisaremos nos próximos Capítulos, a Figura 6.4 nos mostra que
o custo de vida das grandes cidades é signi icativamente maior que
o custo de vida médio de sua região. Em alguns casos a diferença
é muito signi icativa. Este incremento do custo de vida no entorno
urbano é uma estimativa do custo inal da aglomeração urbana
sobre o cidadão, independentemente dos custos ambientais.

FIGURA 6.4 – Custo de vida por regiões e principais cidades da


Espanha

Fonte: Elaboração dos autores.

[222]
SÍNTESE DO CAPÍTULO

A cidade, como fenômeno econômico, forma parte das


transformações que de inem o desenvolvimento. O crescimento
econômico de longo prazo é inconcebível sem urbanização, que
forma parte do processo dinâmico da localização e do rearranjo
espacial dos recursos. Os esforços para frear a urbanização,
muitas vezes, provocam uma diminuição do ritmo de crescimento
econômico. Contudo, na ausência de outras transformações, nem
a urbanização, nem a grande cidade são su icientes para provocar
um desenvolvimento econômico autônomo. O desenvolvimento
não se assenta unicamente sobre o agrupamento espacial dos
fatores de produção; as políticas de concentração espacial dos
investimentos e consolidação dos polos de desenvolvimento não
têm logrado êxito.
A cidade, como qualquer fator econômico, é uma realidade
em transformação. Os progressos tecnológicos permitem, hoje
em dia, fazer com que uma cidade de tamanho superior funcione
e icientemente, o que não se conceberia há um século anterior.
Portanto, querer de inir o tamanho ótimo da cidade não é um
exercício útil. As dimensões de uma cidade variam segundo as
tecnologias disponíveis, as estruturas econômicas do país, o lugar
que ocupa na hierarquia nacional e as preferências da população.
As falhas e as deseconomias externas da grande cidade são sentidas
de maneira distinta pelas diferentes populações.
Quanto à qualidade do meio ambiente, a cidade gera
problemas e soluções. O engarrafamento das vias e a poluição estão
entre as consequências indesejáveis da urbanização. O mercado
nem sempre leva em conta tais externalidades negativas. Contudo,
as condições sociossanitárias são, em geral, muito aceitáveis nas
grandes cidades industrializadas. Tamanho urbano e qualidade
ambiental não são incompatíveis. Pelo seu impacto sobre os preços
relativos, as rendas e os comportamentos (principalmente sobre as
taxas de natalidade), a urbanização pode contribuir para acelerar

[223]
inovações ambientais e a internalizar as externalidades negativas.
Todavia, a integração ao mercado e ao sistema político dos danos
provocados ao ecosistema pelo ser humano continua um dos
principais desa ios das sociedades modernas.

[224]

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